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ISSN 1982-3169 Indexado na Latindex da Produção Acadêmica V O L U M E I I I - N Ú M E R O 0 5 / 2 0 0 9 05 DOCENTE ANUÁRIO E d i ç ã o E s p e c i a l P r o g r a m a P e r m a n e n t e d e C a p a c i t a ç ã o D o c e n t e - P P C D 0 5 25 75 95 100 ANUDO_N5_interna segunda-feira, 3 de maio de 2010 10:40:47

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ISSN 1982-3169Indexado na Latindex

da Produção Acadêmica

V O L U M E I I I - N Ú M E R O 0 5 / 2 0 0 9

05

DOCENTEANUÁRIO

E d i ç ã o E s p e c i a lP r o g r a m a P e r m a n e n t e d e

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Anuário da Produção Acadêmica Docente

A n h a n g u e r a E d u c a c i o n a l P a r t i c i p a ç õ e s S . A . Prof. Antonio Carbonari Netto – Diretor Presidente Profa. Ana Maria Costa de Sousa – Diretora Vice Presidente Acadêmica Ricardo Leonel Scavazza – Diretor Vice Presidente Operacional Marcos Lima Verde Guimarães Junior – Diretor Financeiro Profa. Maria Elisa Ehrhardt Carbonari – Diretora de Programas Institucionais José Augusto Teixeira – Diretor de Relações com Investidores e Diretor de Planejamento

A n h a n g u e r a E d u c a c i o n a l S . A . Prof. Antonio Carbonari Netto – Diretor Presidente José Augusto Gonçalves de Araujo Teixeira – Diretor Administrativo-Financeiro Profa. Ana Maria Costa de Sousa – Diretora Acadêmica de Graduação Prof. Carlos Afonso Gonçalves da Silva – Diretor de Operações Acadêmicas Prof. Edgard Dias Falcão Filho – Diretor de Extensão e Pós-Graduação Antonio Fonseca de Carvalho – Diretor de Serviços Administrativos Antonio Augusto de Oliveira Costa – Diretor Comercial Ricardo Leonel Scavazza – Diretor Superintendente Célio Marcos Lopes – Diretor de Serviços Financeiros Luciano Possani – Diretor de Tecnologia da Informação

E d i t o r R e s p o n s á v e l Dr. Adriano Thomaz Anhanguera Educacional S.A.

C o n s e l h o E d i t o r i a l Ms. Jeanne Dobgenski Dr. Marcelo Augusto Cicogna Dra. Thais Costa de Sousa Pagani Anhanguera Educacional S.A.

C o m i t ê T é c n i c o - C i e n t í f i c o Ms. Adauto Damásio Ms. Adriana Camargo Pereira Esp. Alberto Sebastião Santana Ms. José Manente Dra. Maria Inês Crnkovic Octaviani Dra. Mariane Bernadete Compri Nardy Dra. Mercia Breda Stella Anhanguera Educacional S.A. Ms. Maria Tereza Ap. Moi Gonçalves Centro Universitário Anhanguera - UNIFIAN Ms. Edna de Almeida Rodrigues Centro Univ. de Araraquara - UNIARA Dr. Runer Augusto Marson Faculdade Anhanguera de Bauru Ms. Alessandra Cristina Fahl Ms. Alfredo Cesar Antunes Ms. Carlos Roberto Pagani Jr. Ms. Estela Maria Camargo Regina Ms. Luciene Maria Garbuio Faculdade Anhanguera de Campinas Ms. Fabio Pinto Gonçalves Reis Faculdade Anhanguera de Jacareí Ms. Maria Theresa Munhoz Severi Faculdade Anhanguera de Piracicaba Ms. Márcia Regina Ferro Móss Júlio Faculdade Anhanguera de Rio Claro Dr. Adriano Donizete Pila Ms. Moises Miguel Cazela Faculdade Anhanguera de Santa Bárbara Dra. Jaqueline Brigladori Pugliesi Ms. Lourdes Pereira de Souza Manhani Faculdade Anhanguera de Valinhos Dra. Andrea Carla Alves Borim Fac. de Negócios e Tecnol. da Informação - FACNET

Ms. Alexey Carvalho Esp. Débora Cristina Siqueira Aceti Faculdade Editora Nacional - FAENAC Ms. Roberta Bailoni Marcilio de Freitas Faculdade Santa Terezinha - FAST

P a r e c e r i s t a s a d h o c Ms. Alessandra Cristina Fahl Esp. Edgard Dias Falcão Filho Ms. Jim Naturesa Ms. Mario Jungbeck Dr. Pedro Marques Dra. Priscila Perez Domingos Esp. Vanessa Pancioni Anhanguera Educacional S.A. Ms. Vera Demoliner Fac. de Negócios e Tecnol. da Informação - FACNET

C o o r d e n a ç ã o E a D Ms. Ronaldo Barbosa Anhanguera Educacional S.A.

S u p e r v i s ã o P P C D Dr. Pedro Marques Anhanguera Educacional S.A.

C o o r d e n a ç ã o I P A D E Dr. Adriano Thomaz Dr. Marcelo Augusto Cicogna Anhanguera Educacional S.A.

S u p o r t e T é c n i c o e T I Hilário Viana Bacellar Anhanguera Educacional S.A.

A r t e d a C a p a Renata Mercier de Queiroz Anhanguera Educacional S.A.

A Revista detém todos os direitos autorais sobre a edição dos trabalhos

aceitos, eximindo-se de qualquer responsabilidade sobre as idéias, as

opiniões e os conceitos emitidos e sobre o estilo adotado pelos autores. A

reprodução é permitida, contando que citada a fonte de maneira correta.

Anhanguera Educacional S.A. Alameda Maria Tereza, 2000 – Dois Córregos

Valinhos / SP – CEP 13278-181

Publicação eletrônica: SARE - Sistema Anhanguera de Revistas Eletrônicas

http://sare.unianhanguera.edu.br/ e-mail: [email protected]

Anuário da Produção Acadêmica Docente: 2009. Valinhos: Anhanguera Educacional S.A., 2010. Semestral. Vol. III, No. 5 – edição especial. Ano 1, No. 1 (2007) – Valinhos: AESA, 2007 – No. 1, 2007, publicada anualmente. ISSN 1982-3169 1. Produção docente. I. Anhanguera Educacional.

CDD - 500

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº.5, Ano 2009

Sumário Apresentação 5 Editorial 7

Informes Técnicos Ciência e conhecimento científico 9

Daniela Maria Cartoni

A missão docente na Anhanguera Educacional 35 José Alberto Sallum

Construindo o projeto de pesquisa 47 Daniela Maria Cartoni

Cultura organizacional 61 José Alberto Sallum

Ensino-aprendizagem: pressupostos histórico-filosóficos 73 Maria Cristina Mesquita Barbosa

O projeto pedagógico como ferramenta institucional 85 Suselei Aparecida Bedin Affonso

Aprendizagem: tendências pedagógicas 97 Maria Cristina Mesquita Barbosa

Projeto Pedagógico: articulação entre os diferentes níveis do planejamento educacional

109

Suselei Aparecida Bedin Affonso

A importância da didática no ensino superior 121 Aglay Sanches Fronza-Martins

Objetivos educacionais e avaliação da aprendizagem 129 Adriane Martins Soares Pelissoni

Relações interpessoais: a importância do relacionamento professor-aluno 141 Aglay Sanches Fronza-Martins

Elementos da comunicação e suas formas de planejamento 149 Luís Fernando Prado Telles

Perspectivas de uso do computador no ensino 163 Ronaldo Barbosa

Avaliação no ensino superior: cenários e tendências 183 Adriane Martins Soares Pelissoni

Alguns aspectos da variação lingüística 195 Luís Fernando Prado Telles

Pesquisa na Internet, direitos autorais e distância transacional 211 Ronaldo Barbosa

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº.5, Ano 2009

Ética e reavaliação: a perspectiva de Leonardo Boff 221

Adriana Camargo Pereira

Ensino superior no Brasil: um olhar sobre as origens 229 Inês Regina Waitz, Magda Patrícia Caldeira Arantes

Meio ambiente: perspectiva histórico-poética 241 Pedro Marques, Adriana Camargo Pereira

Políticas públicas para o ensino superior: o processo de democratização do acesso 251 Inês Regina Waitz, Magda Patrícia Caldeira Arantes

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº.5, Ano 2009

Apresentação O Anuário da Produção Acadêmica Docente, nesse quinto e especial número, traz 20 informes técnicos produzidos por 12 professores conteudistas de disciplinas ministradas no curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior.

Esse curso é uma ação de apoio pedagógico ao corpo docente da Anhanguera Educacional, denominado Programa Permanente de Capacitação Docente (PPCD). Esse programa representa o investimento dessa instituição em seu profissional de ensino superior, visando aperfeiçoamento contínuo e melhora da qualidade do ensino de graduação.

Os assuntos abordados são objetivos e os trabalhos foram elaborados visando estimular os alunos do curso para a leitura, aprimorar seus conhecimentos e compreensão da diversidade do tema. São essas as disciplinas ministradas e seus respectivos professores:

• Avaliação do Ensino e da Aprendizagem profa. Adriane Martins Soares Pelissoni.

• Ética e Responsabilidade Sócio-Ambiental profa. Adriana Camargo Pereira, prof. Pedro Marques.

• Fundamentos Teóricos do Ensino e da Aprendizagem profa. Maria Cristina Mesquita Barbosa.

• Legislação e Políticas do Ensino Superior profa. Inês Regina Waitz, profa. Magda Patrícia Caldeira Arantes.

• Metodologia da Pesquisa Científica profa. Daniela Maria Cartoni.

• Perfil Corporativo, Crenças e Valores, Programas Institucionais prof. José Alberto Sallum.

• Práticas do Ensino e da Aprendizagem profa. Aglay Sanches Fronza-Martins.

• Projeto Pedagógico e Operação Acadêmica profa. Suselei Aparecida Bedin Affonso.

• Técnicas de Comunicação Docente prof. Luís Fernando Prado Telles.

• Tecnologias Aplicadas ao Ensino e à Aprendizagem prof. Ronaldo Barbosa.

O acesso gratuito ao conteúdo digital das publicações propicia aos autores e leitores uma facilidade maior de consulta e catalogação dos artigos depositados no SARE. Com isso, essa publicação tem conquistado espaço entre a comunidade acadêmica, consolidando-se como o periódico mais acessado no portal.

No papel de editor desse número especial, deixo registrado meus agradecimentos aos autores, aos professores e coordenadores que colaboram direta e indiretamente com o PPCD e àqueles que contribuem para a publicação do Anuário da Produção Acadêmica Docente.

Boa leitura!

Prof. Dr. Adriano Thomaz Editor do Anuário da Produção Acadêmica Docente

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº.5, Ano 2009

Editorial Em março de 2009 chegou-me o desafio. A Anhanguera Educacional crescia vertiginosamente mesmo em meio a uma crise que refundiria a economia mundial. Seu corpo docente não parava de ganhar estatura até o ponto de precisarmos de um sistema unificado, ágil e eficiente para capacitá-lo. A instituição já desenvolvia o Programa Permanente de Capacitação Docente (PPCD), direcionado para o aperfeiçoamento pedagógico, melhorias no ensino e investimentos em seu principal capital intelectual: o professor.

Assim, uma das ações pontuais do PPCD, no passado e no presente, continua sendo o curso de Pós-Graduação Lato Sensu Didática e Metodologia do Ensino Superior, cujo conteúdo, por razões de aderência acadêmica, a partir daquele momento passava à Diretoria de Pós-Graduação e Extensão. O modelo pedagógico do curso operara a contento enquanto a Anhanguera nascia para o cenário nacional com pouco mais de uma dezena de unidades. Mas o grupo, agora, era o maior do país, ultrapassando a marca de 200 mil alunos em nível superior, de 50 unidades de ensino, de 6 mil docentes e tantos outros números para influir no mercado e nas políticas da educação brasileira.

Sem vistas à comercialização, era a oportunidade de recriar e inovar práticas pedagógicas. Utilizando como ambiente virtual de aprendizagem (AVA) o Moodle (Modular Object Oriented Distance Learning Environment), o qual suportou conteúdo e controle acadêmico, criou-se um modelo tripartite baseado no método WebQuest, praticado na pós-graduação presencial da empresa: 1) momento oral gravado em estúdio (vídeo-aulas e vídeo-entrevistas); 2) momento fundamentação teórica (leitura obrigatória e monitorada, sugestões de leituras, vídeos, sites etc.); 3) momento aplicação (resolução monitorada de uma tarefa de aprendizagem significativa). Para tanto, mobilizamos alguns atores principais para o ensino-aprendizagem: supervisor do curso, coordenadores de unidade, professores-conteudistas, editor de conteúdo, professores-palestrantes, entrevistados, técnicos de estúdio, professores-tutores e gestor de Moodle.

À época na supervisão da área de Educação e Humanas, já trabalhando com inovação do ensino e da aprendizagem, minha missão era projetar, testar e implementar um modelo de educação a distância (EAD) assíncrono para a Anhanguera. Com o apoio prestimoso de profissionais como Edgard Falcão, Mario Jungbeck, Ronaldo Barbosa, Jim Naturesa, Vera Demoliner, Ana Ligia Gardin, Alberto Santana e, na conclusão do processo, Luís Fernando Telles, produzimos e organizamos o equivalente a 360 horas de conteúdo EAD (vídeos, slides, questionário, WebQuests, dicas de leituras, textos etc.). Nesse contexto, foram redigidos 40 textos entre informes técnicos e artigos agora publicados em dois volumes especiais do Anuário da Produção Acadêmica Docente.

Um agradecimento especial a todos os professores-conteudistas do programa. Eles acreditaram no curso com seus escritos, saberes e imagens. Não se pode medir o quanto seus ensinamentos germinaram na prática docente desta casa educacional, mas os textos ora publicados certamente apresentam-se como a ponta do iceberg de tudo que generosamente compartilharam, inclusive comigo. Assim, a energia pontual dos tutores Claudia Santa, Emanuela de Oliveira e Gustavo Conde, bem como o fôlego dos muitos orientadores virtuais de monografia.

Agradeço, ainda, ao Prof. José Luis Poli, quem colocou o PPCD aos cuidados do departamento de Pós-Graduação e Extensão. À Universidade Anhanguera – Uniderp, nas figuras de Guilherme Marback, Elizabeth Brunini, Janiel Romero, Juliana Costa e Silva, Ana Paula Melim e Terezinha Granja cujas disposições foram imprescindíveis para certificarmos, pela primeira vez na história do grupo, as turmas do PPCD. Ao Instituto de Pesquisas Aplicadas e de Desenvolvimento Educacional (IPADE), nas pessoas de Adriano Thomaz e Marcelo Augusto Cicogna, hábeis em tornar visível e acessível toda a produção acadêmico-científica da instituição. À Profa. Maria Elisa Carbonari que enxergou neste novo modelo de capacitação docente também um foco de pesquisa. Ao prof. Antonio Carbonari Netto, incentivo vivo à docência.

Prof. Dr. Pedro Marques Supervisão de Educação e Humanas da Pós-Graduação e do PPCD

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

Daniela Maria Cartoni Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

CIÊNCIA E CONHECIMENTO CIENTÍFICO1

RESUMO

Fazer pesquisa é muito mais uma forma de “pensar metodologicamente” do que um mero conjunto de normas acadêmicas. A atitude científica é uma precondição comportamental diante da produção de conhecimentos. Como conseqüência, temos de pensar e raciocinar pelos parâmetros da ciência. É neste sentido que o artigo propõe uma reflexão sobre os tipos de conhecimento, postura científica e limites da ciência, os principais métodos científicos e tipos de pesquisa.

Palavras-Chave: conhecimento científico; métodos científicos; classificação da pesquisa.

ABSTRACT

To research is very much a way of “thinking methodologically” than a mere set of academic standards. The scientific attitude is a precondition behavior before the production of knowledge. As a consequence, we have to think and reason by the parameters of science. In this sense, the article proposes a reflection on the types of knowledge, attitude and scientific limits of science, major scientific methods and types of research.

Keywords: scientific knowledge; scientific methods; classification research.

1 Material da 1ª aula da Disciplina Metodologia da Pesquisa Científica, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 25/04/2009 Avaliado em: 25/01/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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10 Ciência e conhecimento científico

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 9-34

1. INTRODUÇÃO

A elaboração de um trabalho científico, um artigo, uma monografia ou uma tese, exige do

pesquisador trabalho intenso na busca de uma ou mais respostas ao problema proposto.

Tal busca, semelhante a uma “garimpagem” intelectual, denomina-se pesquisa. Todo o

processo do seu desenvolvimento é pautado em princípios metodológicos, que têm a

função de mostrar como andar no “caminho das pedras”, ajudá-lo a refletir sobre o objeto

escolhido e instigar um olhar indagador e criativo sobre o mundo.

A elaboração de um projeto de pesquisa é o primeiro passo no desenvolvimento

do processo de investigação e, para que este alcance resultados satisfatórios, é necessário

planejamento cuidadoso e, alicerçado em conhecimentos já existentes, reflexões

conceituais sólidas.

A pesquisa é um trabalho em processo não totalmente controlável ou previsível.

Como descreve Demo (1991), em sua origem, a palavra “metodologia” significa estudos

dos caminhos ou dos instrumentos utilizados para um trabalho científico. Não determina

uma única via, mas busca apresentar os caminhos possíveis do processo científico, como

problematizar criticamente, indagar sobre os limites da ciência e estabelecer um padrão de

inteligibilidade na apresentação da pesquisa.

Antes de tudo, é preciso esclarecer que o processo de investigação científica vai

além dos procedimentos normativos no formato de um manual a ser consultado e

seguido, quando necessário. Assim sendo, a tarefa seria demasiadamente simplificada.

Fazer pesquisa é muito mais uma forma de “pensar metodologicamente” e requer uma

precondição comportamental diante do científico e da produção de conhecimentos. Como

conseqüência, temos de pensar e raciocinar pelos parâmetros da ciência.

Adotar uma metodologia é escolher um caminho entre outros possíveis. Um

texto cientifico nunca é absoluto. Seu percurso, muitas vezes, requer ser reinventado a

cada etapa. Portanto, a “metodologia da pesquisa”:

• caracteriza-se pela proposta de discutir e avaliar as características essenciais da ciência e de outras formas de conhecimento;

• traz instrumentos importantes para o planejamento da pesquisa, apresentação de projetos e a execução dos mesmos;

• inclui também a elaboração de relatórios, defesas e divulgação dos trabalhos de pesquisa embasados na ética profissional.

O importante é que se proceda de forma uniforme, mantendo os padrões

escolhidos do início ao término do trabalho, preservados os compromissos da

responsabilidade moral, finalidades da pesquisa e consciência do seu amplo valor social.

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Daniela Maria Cartoni 11

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 9-34

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE CONHECIMENTO, CIÊNCIA E PARADIGMA

Ao acordar pela manhã, um cidadão médio tem à sua disposição energia elétrica para

acender a luz e alimentar todos os seus equipamentos eletroeletrônicos incorporados ao

estilo de vida moderno: chuveiro, liquidificador, forno de microondas, geladeira, máquina

de lavar roupas, um computador, entre tantos outros.

Parece óbvio que para ter acesso a todos estes bens foi necessária uma condição

evolutiva. De fato, essas invenções e descobertas só puderam ser produzidas porque a

capacidade de gerar conhecimento é inerente à nossa natureza. O homem, buscando a

solução dos problemas e respostas para as adversidades que enfrenta, desencadeou um

processo crescente de desenvolvimento de tecnologia – o resultado do conhecimento

aplicado – explorando a atividade sobre a natureza, o sistema de relações sociais e

organizações políticas.

Neste sentido, a geração de conhecimento é muito mais que uma meta a ser

atingida. Deve ser compreendido como um processo sujeito a incidentes de percurso que,

por isso mesmo, promovem rupturas e reconstruções constantes nos conceitos e juízos

sobre a realidade, como destacou Khun (1962) ao tratar dos paradigmas científicos.

Apesar da descontinuidade linear dos paradigmas, tanto no sentido estrito como

epistemológico, como esforço de abstração para entender o desenvolvimento do

conhecimento desde os primeiros passos da humanidade, pode-se dizer que houve a

passagem por três fases: o medo, o misticismo e a ciência.

Na fase do medo, os seres humanos pré-históricos não conseguiam entender os

fenômenos da natureza e, por este motivo, suas reações eram pautas no temor do

desconhecido, como das tempestades e outras mudanças climáticas. Como não

conseguiam compreender o que se passava, a alternativa que restava era o espanto diante

do que presenciavam.

Já num segundo momento, a inteligência humana progrediu do medo para a

tentativa de explicação dos fenômenos através do pensamento mágico, das crenças e das

superstições. Assim, as tempestades podiam ser fruto da ira divina e a boa colheita da

benevolência dos mitos. Como estas explicações não bastavam, o homem evoluiu na

busca de respostas por meio de caminhos que pudessem ser comprovados. Nascia a

ciência metódica, que procura sempre uma aproximação com a lógica para refletir sobre o

significado de suas próprias experiências e pauta-se na capacidade de transmitir novas

descobertas aos seus descendentes.

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12 Ciência e conhecimento científico

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 9-34

3. A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO

As civilizações da Antiguidade desenvolveram saberes técnicos e invenções, que ainda

influenciam nosso cotidiano, desde conceitos relacionados à agricultura, arquitetura,

medicina e comunicação. Os egípcios, por exemplo, tinham conhecimento principalmente

nas áreas de matemática e geometria, mas foram os gregos com o desenvolvimento da

Filosofia provavelmente os primeiros a buscar o saber que não tivesse, necessariamente,

uma relação com atividade de utilização prática.

Ao longo do seu desenvolvimento, o conhecimento histórico da humanidade

sempre teve forte influência de crenças e dogmas religiosos, especialmente na Idade

Média. Segundo Cervo e Bervian (2006, p. 9),

[...] a ciência, nos moldes que conhecemos hoje, é relativamente recente. Foi somente na Idade Moderna que adquiriu o caráter científico que tem atualmente. [...] A revolução científica propriamente dita ocorreu nos século XVI e XVII, com Copérnico, Bacon e seu método experimental, Galileu, Descartes e outros.

Foi no período do Iluminismo que se retomou o prazer de pensar e produzir o

conhecimento, quando os princípios de individualidade e razão ganharam espaço nos

séculos seguintes, a exemplo das obras clássicas de Adam Smith no campo da Economia e

a filosofia crítica de Emmanuel Kant. O francês René Descartes concebeu um modelo de

verdade incontestável – cujo símbolo maior é a frase “penso, logo existo” – pelo qual

mostrou ser a razão a essência dos seres humanos. Segundo o pensador, a verdade

poderia ser alcançada através de duas habilidades inerentes ao homem: duvidar e refletir.

Nesse mesmo período, surgiram proeminentes estudos no campo das ciências da natureza

que também irão influenciar profundamente o pensamento moderno.

O processo de “laicização da sociedade” já iniciado após o Renascimento

Cultural atribuiria importância fundamental para a ciência. A burguesia assumiu

autonomia no processo de estratificação social e estimulou características próprias de

pensamento, tendendo para um processo que tivesse imediata utilização prática e

propulsora do desenvolvimento econômico2.

O século XIX serviu como referência de desenvolvimento do conhecimento

científico em todas as áreas. Na Sociologia que ajudou criar, Auguste Comte desenvolveu

sua explicação de sociedade, criando o Positivismo; na Economia, Karl Marx procurou

explicar as relações sociais através das questões econômicas, resultando no Materialismo-

2 O pensamento burguês e os conceitos liberais aplicados à livre concorrência e ciência política expressaram-se pela necessidade do povo eleger seus governantes através de livre escolha da vontade popular. Um dos primeiros pensadores influenciados por esse conjunto de idéias foi o britânico John Locke. Segundo a sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil, o homem teria alguns direitos naturais como a vida, a liberdade e a propriedade. No entanto, os interesses de um indivíduo perante o seu próximo poderiam acabar ameaçando a garantia de tais direitos. Foi a partir de então que o Estado surgiria como uma instituição social coletivamente aceita na garantia de tais direitos.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 9-34

Dialético; Charles Darwin revolucionou a Biologia e a Antropologia, contestando dogmas

de outrora.

No século XX, a ciência e seus métodos objetivos desenvolveram pesquisas em

todas as frentes do mundo físico e humano, atingindo um grau de precisão surpreendente

não somente na área de exploração espacial ou da medicina, como nos mais variados

setores da sociedade.

4. TIPOS DE CONHECIMENTO

A ciência, na condição atual, é o resultado de descobertas ocasionais, nas primeiras etapas,

e de pesquisas cada vez mais metódicas, nas etapas posteriores. O patamar recentes de

desenvolvimento foi resultante da evolução de técnicas, fatos empíricos e leis. Estes

formam o elemento de continuidade que, por sua vez, foi sendo aperfeiçoado e ampliado

ao longo da história da humanidade (CARRAHER, 1999).

O conhecimento, na sua forma mais simples, é aquele que advém da observação

e dos próprios sentidos, como sensações capitaneadas pelo nosso corpo físico. Uma

definição de conhecimento considera-o como resultado da relação que se estabelece entre

o sujeito que conhece (sujeito cognoscente) e um objeto a ser conhecido (sujeito

cognoscível), que pode ser um objeto físico inanimado como o próprio homem, suas

idéias, suas leis etc.

Cervo e Bervian (2006) destacam 4 níveis de conhecimento, a partir dos quais o

homem se apropria da realidade:

a) conhecimento empírico:

Erroneamente chamado vulgar ou senso comum, é adquirido pelo indivíduo na sua

relação com o ambiente, por meio da interação contínua, experiências vivenciadas ou na

forma de ensaios e tentativas, como investigações pessoais realizadas ao sabor das

circunstâncias da vida ou tradições da coletividade. Mesmo sem operacionalizar métodos

e técnicas científicas para construir o conhecimento, a pessoa comum tem o saber empírico

do mundo material exterior de forma empírica.

O senso comum ou conhecimento vulgar expressa-se na quantidade de

informações que são herdadas, repassadas e reconstruídas por nós sem uma

sistematização ou teorização. Em geral, convivem com inúmeras crenças e mitos vividos

pelo grupo social, sem teor crítico, transmitido pelas diferentes gerações. (MEZZAROBA;

MONTEIRO, 2006).

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14 Ciência e conhecimento científico

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 9-34

b) conhecimento filosófico:

O conhecimento filosófico distingue-se do conhecimento científico pelo objeto de

investigação e pelo método. Enquanto na ciência os objetos são imediatos, próximos e

sensíveis, na indagação filosófica o objeto não está sujeito à experimentação, ou seja, são

de origem supra-sensível e ultrapassam a experiência.

Uma das características e a busca do significado das coisas na ordem geral do

mundo e refletir sobre estas além de sua aparência. Podemos aplicar a Filosofia a qualquer

área do conhecimento, inclusive sobre a própria ciência, seus métodos, valores e

pressupostos, quando então a chamamos de Epistemologia.

O refletir sobre o mundo muda os problemas ao longo do tempo e, com isso,

deslocam-se os temas de reflexão filosófica. Portanto, tudo pode ser objeto de reflexão do

conhecimento filosófico, como o mitológico, a arte, a vida e até o ato de conhecer em si. A

filosofia procura refletir sobre este saber, interroga-se sobre ele, problematiza-o.

c) conhecimento teológico ou religioso:

Este tipo de conhecimento trabalha no plano da fé e pressupõe a existência de forças que

estão além da capacidade de explicação do homem, como instâncias criadores de tudo o

que existe, incorporado ou não aos rituais sagrados.

Como destacam Mezzaroba e Monteiro (2006), a expressão revelação indica o

somatório de crenças nas quais se apóia a religião e, pela sua natureza, não podem ser

questionadas, o que as aproxima intimamente dos dogmas. Igualmente, há o termo

mistério, ou seja, tudo aquilo que está oculto, tudo aquilo que nossa inteligência é incapaz

de explicar ou compreender.

Constitui-se, portanto, no conjunto de verdades as quais as pessoas chegaram

não com o auxílio de sua inteligência, mas mediante a aceitação dos dados da revelação

divina. O conteúdo da revelação passa a ser considerado fidedigno com sinais de

autenticidade e verdade, passando a se estabelecer como verdades aceitas.

d) conhecimento científico:

O conhecimento científico vai além do empírico, visando compreender, além do fato e do

fenômeno, a sua estrutura, organização, funcionamento, causas e leis. Possui

características como ser geral, ou seja, universal e válida para todos os seres da mesma

espécie; seu intuito é constituir-se como método sistemático em busca de um

ordenamento das leis e princípios.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 9-34

A visão atual de conhecimento científico vai além da demonstração e

experimentação, evitando verdades imutáveis. A ciência é entendida hoje como uma

busca constante de explicações e soluções, de revisão e reavaliação dos resultados, apesar

de sua falibilidade e limites. É por meio destes conceitos, leis e teorias que se busca

compreender e agir sobre as coisas, como um processo dinâmico e em construção.

A ciência (epistéme) era entendida pelos gregos como um conceito flagrantemente

contrário ao conceito de opinião (doxa), como uma necessidade de depurar o científico do

meramente opinativo. O método aparece como o principal elemento distintivo do que

pode se definir como científico, ou seja, investigação lastreada metodologicamente e o que

se pode definir como opinativo e expressão do subjetivismo (ABBAGNANO, 2001).

5. O CONCEITO DE VERDADE E OS LIMITES DA CIÊNCIA

Tratar do conhecimento nos leva a discutir a problemática da verdade, já que se busca a

verdade sobre os fatos ou o conhecimento verdadeiro. A noção de “verdade” pode ser

entendida tanto como caráter lógico aposto à falsidade ou, por outro lado, algo que

guarda conformidade com a realidade e, neste sentido, seu oposto seria a ilusão, o irreal.

No que tange à ciência, aceita-se hoje que a verdade sobre os fatos ou a realidade

é transitória. Em um momento histórico que a verdade era o fato do Sol se mover ao redor

da Terra, fica evidente que as verdades são inoculadas por paradigmas e deve-se tomar

cuidado com os dogmatismos. Nesta perspectiva, uma atitude dogmática trata seus

objetivos de conhecimento a partir de pressupostos aceitos como verdadeiros, sendo as

leis apresentadas como dadas e acabadas, de certa forma uma indiferença com a realidade

externa3. Rompe-se com tal postura a partir do momento em que há capacidade de

estranhamento, indagação e questionamento sobre determinado fato, lei, objeto e

comportamento.

Um dos principais autores a defender a idéia de que o conhecimento é fruto de

rupturas epistemológicas é Kuhn (1962), em seu livro “A estrutura das revoluções

científicas”, quando introduz o conceito de paradigmas4. O paradigma traduz-se em uma

estrutura imaginária, modelo de pensamento próprio de cada época e produzido pela

experiência de mundo, pela linguagem própria do período e imposto a todos os domínios

do pensamento. No caso do paradigma cartesiano e a concepção de ciência desenvolvida

3 O perigo do dogmatismo se revelou em diversos episódios da história, como na Alemanha de Hitler e seus dogmas arianos, na colonização da América e dominação da população indígena que era considerada pelos catequizadores como desprovidos de alma. 4 Paradigma pode ser analisado semanticamente como toda a constelação de crenças, valores e técnicas compartilhados por membros de um dado agrupamento em determinado momento histórico e, na verdade, são de origem social e cultural.

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16 Ciência e conhecimento científico

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por Newton, apesar de primordiais na era industrial moderna, o princípio norteador era

de que o mundo é um grande sistema mecânico, acabado, previsível e

independentemente do homem, cuja missão da ciência era descobrir seu funcionamento,

medi-lo e dominá-lo.

Kuhn constatou que, quando um paradigma é aceito pela maioria da

comunidade científica, acaba, por conseguinte, impondo-se como modo obrigatório de

abordagem dos problemas. Assim, um novo paradigma só pode surgir com a mudança

das velhas crenças e formas de pensar, como aconteceu quando Copérnico conseguiu

provar que a Terra não era o centro do universo, ou Einstein descobriu que uma coisa

pode estar ou não no mesmo lugar no espaço de acordo com o ponto de vista.

Morin (1990) alerta para o fato de que os paradigmas são ocultos, governam

nossas ações, nossa visão de mundo e das coisas; sem que tenhamos consciência como

princípios supralógicos de organização de pensamento.

Ainda como destacam Mezzaroba e Monteiro (2006, p.17), “as limitações mais

sérias que encontramos no processo de busca do conhecimento verdadeiro estão nas

velhas crenças paradigmáticas conscientes ou inconscientes que predefinem nossas

percepções e formas de pensar.”

Neste sentido, o avanço somente é possível porque algumas crenças ou

procedimentos anteriormente aceitos estão sendo descartados e, ao mesmo tempo,

substituídos por outros. Se todo processo de mudança traz insegurança, esta é resultado

do fracasso constante da ciência em produzir resultados esperados, mas simultaneamente

o estímulo para estabelecer/buscar novas regras e renovação dos instrumentos. Alertam

Diehl e Tatim (2004), “por isso mesmo o termo crise deve ser usado como parâmetro de

mudança implícito no conhecimento e como radicalização dos princípios epistemológicos

da ciência moderna”.

A crise é uma característica da ciência moderna. O processo de mudança dá

destaque à ética e epistemologia para as reflexões e estabelecimento de parâmetros das

práticas científicas. Sempre que limites são rompidos ou ameaçados em qualquer

disciplina científica, a ética é trazida ao debate para chamar a atenção da consciência dos

cientistas e das instituições para a necessidade de diálogo, meio de equilibrar os anseios

da comunidade acadêmica e os valores da sociedade. Por seu lado, a epistemologia ganha

importância à medida que o debate passa a vasculhar os critérios de verdade dos

discursos sobre natureza e suas transformações.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 9-34

6. VERDADE E INCERTEZA

É preciso recusar a idéia sedutora de que a ciência busca a verdade e a descrição da

realidade em seus aspectos universais. Sendo assim, seria muito mais simples a discussão

sobre as implicações da pesquisa científica. Em outras palavras, como destacam Diehl e

Tatim (2004),

[...] a ciência lida com fenômenos complexos, realidades caóticas e com incertezas. De certa forma, por meio da ciência, procuramos ordenar esses fenômenos e explicá-los racionalmente. Surge daí o cuidado que devemos ter sempre que afirmamos ou negamos algo. Assim é que se explica o fato de que os textos científicos, mesmo bem fundamentados em termos de conceituação teórica, metodologia, pesquisa bibliográfica e empírica, possuem uma estrutura de erudição. Essa erudição compreende o sistema de citações e o respaldo em pesquisas anteriores.

Nesta perspectiva, os autores destacam a consciência do pesquisador da

relatividade dos fenômenos e de que a sua representação em um texto científico nunca é

absoluta, já que a ciência, apesar de se caracterizar como universal e racional, nunca é

definitiva. Continuam os autores:

[...] é justamente essa constante mudança que está sujeita a ciência que torna as conclusões não totalmente falsas ou verdadeiras, mas sim que algumas sejam mais prováveis que outras, dependendo do grau de fundamentação teórica, do arsenal metodológico e da pesquisa empírica. Mesmo cientes de que dificilmente chegaremos à verdade absoluta dos fenômenos analisados, devemos fazer um esforço para não nosso deixar levar pela subjetividade de posições e opções pessoais.

7. CRITÉRIOS DE CIENTIFICIDADE

Embora não haja uma definição única de ciência, ela pode ser definida genericamente a

partir de sua característica mais comum: o processo de produção de conhecimento. Pode

ser entendida, nesse sentido, como um conjunto de métodos lógicos e empíricos que

permitem a observação sistemática de fenômenos, a fim de compreendê-los e estabelecer

padrões regulares que seguem.

A ciência é uma forma de proceder que busca: a) responder questionamentos; b)

solucionar problemas; c) desenvolver de modo mais efetivo os procedimentos para

responder as questões e de solucionar problemas. Para Cervo e Bervian (2002), ciência é a

“busca constante de explicações e de soluções, de revisão e de reavaliação de seus

resultados, apesar de sua falibilidade e de seus limites”.

Conhecimento, do ponto de vista científico, é tanto o reflexo quanto a produção

de determinado objeto em nossa mente. Deste processo de conhecimento participam tanto

a razão quanto os sentidos e a intuição. O conhecimento científico pode ser definido como

conhecimento racional e sistemático da realidade. Sua origem está nos procedimentos de

verificação baseados na metodologia científica. Conforme já exposto, o conhecimento

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18 Ciência e conhecimento científico

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científico “não é considerado como algo pronto, acabado ou definitivo”, mas como busca

e revisão constantes dos conhecimentos existentes.

O processo de conhecimento tem a função precípua de levar o homem da

ignorância para a sabedoria, do senso comum para o senso crítico5. Aquele que se dedica a

esse estudo sistematizado da realidade e da ciência é denominado de pesquisador,

tornando-se produtor e não apenas consumidor do conhecimento, deixando de aceitar

passivamente as idéias dos outros (CHAUÍ, 2007).

Ao tratar do processo de investigação científica é importante citar-se o critério da

“falseabilidade”, sugerido por Karl Popper6 para a aceitação de generalizações empíricas.

Segundo ele, uma teoria científica é válida quanto mais estiver aberta a fatos novos que

possam tornar falsos os princípios e conceitos em que se baseava. Assim, o valor de uma

teoria mede-se não pela sua verdade, mas pela possibilidade de ser falsa. A falseabilidade

garantiria a idéia do progresso científico.

Em outras palavras, o Critério da Falseabilidade é o critério sugerido, segundo

Popper, o qual “exclui aqueles modos de evadir a falsificação logicamente admissíveis”.

Desse ponto de vista, as asserções empíricas são decididas apenas em um sentido, isto é,

no sentido da falsificação, e podem ser submetidas à prova só por tentativas sistemáticas

de colhê-las em erro. Desse modo, o problema da indução e da validade das leis da

natureza desaparece.

Segundo Umberto Eco (2006), um estudo é científico quando responde aos

requisitos7:

a) O estudo debruça-se sobre um objeto reconhecível e definido de tal maneira que seja igualmente reconhecível pelos outros. Destaca-se que o termo objeto não tem necessariamente um significado físico. Por exemplo: a raiz quadrada é um objeto sem que a tenham visto ou as classes sociais são objetos mesmo que alguns possam alegar que só se conhecem indivíduos ou médias estatísticas e não classes propriamente ditas. Estabelecer o objeto significa definir as condições sobre as quais trataremos com base em que regras que estabelecemos ou outros estabeleceram anteriormente.

b) O estudo deve dizer do objeto algo que ainda não foi dito ou rever sob uma ótica diferente do que foi dito. Como exemplo, um trabalho matematicamente exato visando demonstrar com métodos tradicionais o teorema de Pitágoras não seria científico, uma vez que nada acrescentaria ao já sabido. Mesmo um trabalho de

5 De acordo com Carraher (1999, p. 14), “[...] a pessoa com senso crítico levanta dúvidas sobre aquilo em que comumente se acredita, explora rigorosamente alternativas através da reflexão e avaliação das evidências, com a curiosidade de quem nunca se contenta com o seu estado atual de conhecimento.” 6 Karl Popper nasceu em 1902, em Viana e se tornou um dos mais conhecidos filósofos da ciência, especialmente pela sua obra “A lógica da descoberta científica” (1935). 7 É sempre mais fácil dizer o que não seria ciência. Simplificadamente, não são ciência a ideologia e o senso comum. Todavia, não há limites rígidos entre tais conceitos, pois a ciência está cercada de ideologia e senso comum, não apenas como circunstâncias externas, mas como algo que está inerente ao próprio processo científico, já que o conhecimento desenvolvido é historicamente contextualizado.

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compilação pode ser cientificamente valioso na medida em que a pesquisa reuniu e relacionou de modo orgânico e criativo as opiniões já expressas por outros sobre o tema.

c) O estudo deve ser útil aos demais. A importância de um trabalho acrescentar algo àquilo que a comunidade já sabia reflete a função social da pesquisa em melhorar as condições de vida, a libertação moral e política de povo, o domínio de uma tecnologia e sua aplicação prática.

d) O estudo deve fornecer elementos para verificação e contestação das hipóteses apresentadas e, portanto, para uma continuidade pública. Este requisito é fundamental para o progresso da ciência e validação dos resultados, questionando procedimentos e a própria ética da verificação dos dados.

Como demonstrou Eco (2006), é possível desenvolver uma tese “científica”

mesmo sem utilizar logaritmos e provetas.

8. POSTURA CIENTÍFICA, LIMITES DA CIÊNCIA E QUALIFICAÇÃO DO PESQUISADOR

Um dos grandes pilares científicos é a busca de neutralidade e imparcialidade. É sabido

que, para se fazer uma análise desapaixonada de qualquer tema, é necessário que o

pesquisador mantenha certa distância emocional do assunto abordado. Mas será isso

possível? Seria possível um padre, ao analisar a evolução histórica da Igreja, manter-se

afastado de sua própria história de vida? Ou ao contrário, um pesquisador ateu abordar

um tema religioso sem um conseqüente envolvimento ideológico nos caminhos de sua

pesquisa?

Provavelmente a resposta seria não. Mas, ao mesmo tempo, a consciência desta

realidade pode nos preparar para trabalhar esta variável de forma que os resultados da

pesquisa não sofram interferências além das esperadas. É preciso que o pesquisador tenha

consciência da possibilidade de interferência de sua formação moral, religiosa, cultural e

de sua carga de valores para que os resultados da pesquisa não sejam influenciados por

eles além do aceitável.

Alguns atributos pessoais são desejáveis para um bom pesquisador. Para Gil

(1999), um bom pesquisador precisa, além do conhecimento do assunto, ter curiosidade,

criatividade, integridade intelectual e sensibilidade social. São igualmente importantes a

humildade para ter atitude autocorretiva, a imaginação disciplinada, a perseverança, a

paciência e a confiança na experiência.

Atualmente, o sucesso como pesquisador está cada vez mais vinculado a sua

capacidade de captar recursos, enredar pessoas para trabalhar em sua equipe e fazer

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alianças que proporcionem os recursos necessários para o desenvolvimento de sua

pesquisa.

a) Tendências e Preferências Pessoais. O pesquisador deve escolher um assunto correspondente ao seu gosto pessoal que sejam preferencialmente na sua área de atuação. Deve ter empenho e perseverança no sentido de vencer os obstáculos.

b) Tempo. Antes do problema da escolha do assunto é importante considerar o tempo disponível e o tempo necessário para levar a bom termo esta ou aquela pesquisa. É bem verdade que o entusiasmo e a aptidão multiplicam da eficácia do trabalho, mas não se pode optar por um assunto que exige muito mais tempo de pesquisa do que dispõe o pesquisador.

c) Relevância da pesquisa. O pesquisador imbuído do espírito científico não cede à tentação e ao comodismo de escolher assuntos pela sua aparente facilidade. Ao contrário, procura assuntos cujo estudo e aprofundamento possam trazer contribuição efetiva para o próprio amadurecimento cultural, para esclarecer melhor determinado problema ao corrigir uma falsa interpretação ou, ainda, aprimorar a definição de um conceito ambíguo. Tais ações visam ao aprofundamento sobre o tema dado sua relevância pelo conteúdo e pela sua atualidade.

O título ou rótulo de “ser cientista” é factível àquele que, de alguma forma,

cultiva esses conhecimentos e possui atitude científica. Para além da figura estereotipada

do pesquisador, fazer ciência não é privilégio de um tipo particular de pessoa, povo ou

cultura.

Pouco adianta o conhecimento e o emprego de técnicas metodológicas sem o

rigor e seriedade que a pesquisa exige. Segundo Cervo e Bervian (2006, p. 13),

[...] a postura científica é, antes de tudo, uma atitude ou disposição subjetiva do pesquisador que busca soluções sérias, com métodos adequados para o problema que enfrenta. Esta postura não é inata da pessoa; ao contrário, é desenvolvida ao longo da vida, à custa de muito esforço e de uma série de exercícios. Ela pode e deve ser aprendida. Na prática, é expressão de uma consciência crítica, objetiva e racional.

A consciência crítica que levará o pesquisador a aperfeiçoar seu julgamento e

discernimento, separando o essencial do superficial como habilidade para analisar e

criticar, permite avaliar os elementos em questão, sendo crítica não sinônimo de negativa,

mas antes uma tomada de posição que impede a aceitação do que é superficial e não

suscetível a provas. Ainda para Cervo e Bervian (2006, p. 14),

[...] a postura científica implica ações racionais: as razões explicativas de uma questão só podem ser intelectuais e racionais. As razões que a razão desconhece, as razões da arbitrariedade, do sentimento e do coração nada explicam ou justificam o campo da ciência.

Como qualidades a serem desenvolvidas, destacam-se a objetividade e

imparcialidade. Em relação à primeira, o que vale não é o que o pesquisador pensa e sim o

que é de fato o objeto de estudo, escolhido de modo que outros possam repetir a

experiência, em qualquer tempo, e o resultado será sempre o mesmo. Nada impede que o

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cientista parta de suas próprias vivências ou reflexões para elaborar suas hipóteses

explicativas, porém o resultado deriva da análise impessoal dos resultados obtidos.

Já o segundo aspecto exige a obediência escrupulosa à verdade e limites éticos.

Cultiva a honestidade, evita o plágio, pois respeita o que os outros plantaram e tem horror

à acomodação diante dos obstáculos de uma pesquisa.

A pesquisa exige esforço e dedicação, sem se resumir ao esforço isolado de um

gênio que faz descobertas decisivas. Conta com a mobilização de uma comunidade de

técnicos e pesquisadores que trabalham de forma disciplinada e comprometida em busca

do seu crescimento profissional, da colaboração para o desenvolvimento da ciência como

um todo.

9. O TRABALHO CIENTÍFICO E SUA AVALIAÇÃO

O trabalho científico, propriamente dito, deve ser avaliado pela sua qualidade temática e

pela sua qualidade formal. A qualidade temática (ou política) refere-se fundamentalmente

aos conteúdos, aos fins e à substância do trabalho científico. Já a qualidade formal diz

respeito aos meios e formas usados na produção do trabalho. Refere-se ao domínio de

técnicas de coleta e interpretação de dados, manipulação de fontes de informação,

conhecimento demonstrado na apresentação do referencial teórico e apresentação escrita

ou oral em conformidade com os ritos acadêmicos (DEMO, 1991).

Ressalta-se que o papel do cientista é estudar, pesquisar, sistematizar, teorizar

sem, contudo, intervir, influenciar, tomar posição no sentido de apenas comprovar seu

ponto de vista, sua maneira de conceber a realidade. A qualidade do pesquisador também

está em ser competente formalmente.

Detalhando os critérios que caracterizam um trabalho cientifico, Demo (1989)

divide-os em internos e externos. Entre os critérios internos, cita:

Coerência – significa sua propriedade lógica, ou seja: não contradição;

argumentação bem estruturada; corpo sistemático e bem deduzido de enunciados;

desdobramento do tema de modo progressivo e disciplinado (com começo, meio e fim) e

dedução lógica de conclusões.

Consistência – significa a capacidade de resistir a argumentações contrárias;

difere da coerência porque esta é estritamente lógica, enquanto a consistência se liga

também à atualidade da argumentação. Exemplo: dos livros produzidos num ano, apenas

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alguns sobrevivem, também como dos autores que se tornam clássicos, porque produzem

estilos consistentes de argumentação, tanto no sentido lógico como na atualidade.

Objetivação – significa a tentativa – nunca completa – de descobrir a realidade

social assim como ela é, mais do que como gostaríamos que fosse. Como não há

objetividade (ou seja, o conhecimento objetivo – imparcial e com total verossimilhança em

descrever o fenômeno), substitui-se pelo de objetivação.

Entre os critérios externos é fundamental a intersubjetividade, significando a

opinião dominante da comunidade científica em determinada época e lugar. É externo

porque a opinião é algo atribuído de fora, por mais que provenha de um especialista8.

Aqui transparece a marca social do conhecimento. Em si, o científico deveria ligar-se

apenas a critérios de propriedade interna.

Destacam-se outros elementos relevantes para a avaliação de um trabalho

científico:

• Observação das normas técnicas e científicas: este quesito para avaliação de trabalhos relaciona-se diretamente com a observância dos critérios técnicos estabelecidos pela ABNT e as normas de comunicação científica sobre documentação e da padronização metodológica: capa, folha de rosto, formatação, paginação, numeração, abreviaturas, tabelas, citações, bibliografia, siglas, equações matemáticas, etc.

• Aspecto estrutural do trabalho: o trabalho deve apresentar clara delimitação do tema, objetivos geral e específico, justificativas, metodologia, sumário, resumo, citações no texto.

• Qualidade da redação e organização do texto: este é o quesito mais auto-explicativo do conjunto. Sugere-se considerar nesta avaliação: a) A qualidade formal da redação - sua ortografia e gramática. b) A organização do texto - sua objetividade, lógica e estrutura. Enfim, o “texto” é apropriado à transmissão de conhecimento científico?

• Originalidade do trabalho e relevância do tema: a originalidade do trabalho pode ser interpretada de diversas maneiras. Deve-se observar que até mesmo um trabalho sobre um tema tão antigo e clássico como, por exemplo, o Estado Democrático de Direito pode, em tese, ser original, já que pode trazer novas evidências empíricas, novas articulações teóricas ou mesmo questões ainda não respondidas por correntes ou escolas de pensamento emergentes. Por outro lado, um tema relevante é, em princípio, aquele que tem implicações significativas sobre seu campo de conhecimento ou para a sociedade e, em particular, sobre as práticas organizacionais, podendo, portanto, ser função de um contexto.

• Clareza, pertinência e consecução dos objetivos: este quesito para avaliação de trabalhos relaciona-se essencialmente aos objetivos de cada trabalho. Para tanto, analisa-se: a) Os objetivos são colocados claramente no trabalho? b) Os objetivos expressam claramente e justificam o problema da pesquisa? c) De que forma pretende atingir os objetivos? d)

8 Daí decorrem outros critérios externos, como a comparação crítica, a divulgação, o reconhecimento generalizado etc.

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Os objetivos foram atingidos? Se não o foram, há razões justificáveis para isso?

• Consistência teórica do trabalho: este quesito visa avaliar a coerência com que se utiliza uma teoria ao longo de um dado trabalho ou, eventualmente, de como se utiliza um conjunto de diferentes teorias, correntes teóricas ou escolas de pensamento. Neste caso, esta consistência pode provir da compatibilidade natural entre as escolas de pensamento utilizadas ou das evidências deixadas pelo autor das limitações, delimitações e considerações necessárias à coerente compatibilização das mesmas.

• Metodologia: via de regra, a boa metodologia é um caminho adequado para responder ao problema de pesquisa, devendo assegurar coerência em suas etapas e partes. As metodologias não são universais, assim sendo, a avaliação quanto à adequação das mesmas deve considerar seu contexto. Seguem-se dois exemplos: a) O primeiro é típico dos trabalhos quantitativos, e decorrente da popularização de softwares estatísticos. b) No que tange aos trabalhos qualitativos, é comum o uso de percepções pessoais de indivíduos entrevistados, em estudos de caso, como sendo significativos ou representativos de uma coletividade ou organização como um todo, sem a apresentação de qualquer evidência dessa representatividade.

• Análise de resultados e informações - articulação teórica e metodológica da interpretação: os resultados de estudos científicos costumam ser analisados frente a teorias ou outras considerações não empíricas. Esta combinação não deve ser aleatória nem desconexa, mas sim guardar características de adequada articulação entre um e outro campo. Neste quesito avalia-se a harmonia entre resultados, teoria e metodologia de pesquisa.

• Conclusões: avalia-se primeiramente se o trabalho propicia fundamentos consistentes às conclusões do autor. Deve-se considerar se as conclusões são coerentes entre si e com o quadro teórico de referência utilizado, se tem alcance compatível com a análise efetuada e, se for o caso, com a amostra estudada para os trabalhos de campo. Freqüentemente observam-se trabalhos com conclusões tímidas e acanhadas, que ficam aquém do que seria possível e, em outros casos, conclusões que vão além do que permitiria a análise das observações que as originaram.

10. A PESQUISA E O MÉTODO CIENTÍFICO

A investigação científica depende de um método, ou seja, “um conjunto de procedimentos

intelectuais e técnicos” para que seus objetivos sejam atingidos (GIL, 1999). Trata-se da

linha de raciocínio adotada no processo de pesquisa ou, em outras palavras, a maneira

como serão resolvidos os problemas de pesquisa, de forma lógica e pautada nos conceitos

da ciência. Os métodos científicos pressupõem ao menos uma forma de organização do

raciocínio que será empregada na pesquisa. A partir dela, o pesquisador opta pelo alcance

da sua investigação, pelas premissas explicativas e validade de suas generalizações.

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Se o que distingue o conhecimento científico dos outros conhecimentos é a

possibilidade de verificação dos seus resultados, é o método científico que permite sua

comprovação, pois identifica clara e objetivamente os raciocínios e técnicas utilizados.

Segundo Mezzaroba e Monteiro (2006, p.30),

[...] quando sabemos exatamente qual foi o caminho seguido na pesquisa, podemos proceder com exatidão à verificação dos passos percorridos até o resultado final. Esse caminho seguido, o roteiro seguro que guia o cientista em suas investigações é o método por ele utilizado.

Embora não seja a intenção fazer a história do método na literatura filosófica, é

importante a breve reflexão acerca de seus conceitos fundadores e seus desdobramentos

para a pesquisa, dos quais se destacam os autores (ABBAGNANO, 2001):

• Pitágoras e o método hermético, em que a religião, metafísica e numerologia se confundem (compreensão da essência das coisas do número)

• Sócrates e o método maiêutico, associado ao diálogo e ironia, pois, se o conhecimento está na alma, é dela que se deve extrair o conhecimento por meio da parturição das idéias.

• Platão e o método idealista, segundo o qual o conhecimento da verdade depende da oposição entre a Realidade das Idéias (Ideal) e a falsa realidade das idéias, na Realidade das Coisas (Terreno).

• Aristóteles e o seu método que buscava o conhecimento empiricamente extraído do contato sensível das coisas existentes, pois o homem é uma tabula rasa na qual se imprimem os conhecimentos humanos a partir da experiência.

• Escola Patrística ou Escolástica na Idade Média, com a valorização da contemplação e da revelação divina.

• Descartes e o seu Discurso sobre o Método, pregando a abolição do dogmatismo e a necessidade de matematização da ciência.

• Bacon e o seu Novum Organum, difusor do empirismo experimental como método científico, base da ciência moderna na formulação de hipóteses e experimentação.

• Popper e a ruptura com o logicismo, propondo uma reflexão sobre a testabilidade das ciências e crítica ao empirismo.

Para a categorização dos métodos, nos ateremos aos métodos:

a) dedutivo: o raciocínio parte de uma proposição abstrata parra construir uma proposição discursiva concreta;

b) indutivo: o raciocínio parte de uma proposição concreta para construir a proposição discursiva abstrata;

c) hipotético-dedutivo: formulação de hipóteses, das quais deduzem-se conseqüências que deverão ser testadas ou falseadas;

d) dialético: questionamento a partir da análise dos opostos e alcance da síntese.

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Quadro 1 – Definição e características dos métodos.

Método Definição Características

Indutivo Extração discursiva do conhecimento a partir de evidências concretas, passíveis de generalização.

Procede do particular para o geral

Dedutivo Extração discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a hipóteses concretas.

Procede do geral para o particular.

Hipotético-dedutivo Pressuposto de que os conhecimentos disponíveis sobre determinado assunto são insuficientes para a explicação de um fenômeno. Para explicá-lo são formuladas conjecturas ou hipóteses.

Procede pela formulação de hipóteses, das quais deduzem-se conseqüências que deverão ser testadas ou falseadas.

Dialético Corresponde à apreensão discursiva do conhecimento a partir da análise e interposição de elementos diferentes

Procede de modo crítico, ponderando polaridades opostas, até o alcance da síntese.

Fonte: Adaptado de Bittar (2001).

10.1. Método Indutivo

Método proposto pelos empiristas Bacon, Hobbes, Locke e Hume. Considera que o

conhecimento é fundamentado na experiência e o método permite analisar o objeto para

tirar conclusões gerais ou universais.

No raciocínio indutivo, a generalização deriva de observações de casos da

realidade concreta. As constatações particulares levam à elaboração de generalizações.

Veja um clássico exemplo de raciocínio indutivo formal:

Terra, Marte, Vênus e Saturno são todos planetas.

Ora, Terra, Marte, Vênus e Saturno não têm luz própria. Logo, os planetas não têm luz própria.

O raciocínio indutivo permite chegar a conclusões mais amplas do que o

conteúdo estabelecido pelas premissas nas quais está fundamentado. Outro exemplo:

Um dos papéis do Direito é proteger a criança, o incapaz, o cidadão perante o poder estatal, o consumidor perante a empresa comercial.

Logo, um dos papéis do Direito é velar pela proteção de pessoas fracas.

Os argumentos do tipo indutivo levam a resultados plausíveis, mas não dotados

do rigor que a Lógica chama de “conclusões necessárias”.

Outro exemplo considerando o raciocínio do tipo indução científica como o

movimento do pensamento que via de uma ou várias verdades singulares a uma verdade

mais universal (lei), temos que certo número de vezes o óxido de carbono paralisa os

glóbulos sanguíneos; desta observação infere-se que sempre dadas as mesmas condições,

o óxido de carbono paralisará os glóbulos sanguíneos.

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Pensando em uma situação em que os jornais dão cobertura a um grande caso de

corrupção de um importante magistrado nacional. O cidadão leigo e no uso do senso

comum pensaria: “Se o juiz “X” é corrupto, logo todos os juízes também são.” Mas é

importante perceber que, mesmo sendo o raciocínio indutivo responsável por

generalizações, ele tem um papel importante no desenvolvimento científico,

especialmente nas ciências experimentais como acima apresentado. Nas pesquisas

farmacêuticas, no caso da descoberta da penicilina, tivemos um caso de indução. Por

exemplo, se há um processo de busca de remédio para determinada doença e acaba-se

descobrindo uma substância “Y” que tem a capacidade de regenerar alguns tipos de

células doentes. A partir daí pode-se induzir que aquele princípio químico pode regenerar

qualquer célula e concentrar a pesquisa na cura para o câncer.

10.2. Método Dedutivo

Método proposto pelos racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz que pressupõe que só a

razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocínio dedutivo tem o objetivo

de explicar o conteúdo das premissas gerais para argumentos particulares.

Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise

do geral para o particular, chega a uma conclusão. Usa o silogismo, construção lógica

para, a partir de duas premissas, retirar uma terceira logicamente decorrente das duas

primeiras, denominada de conclusão. Veja um clássico exemplo de raciocínio dedutivo:

Todo homem é mortal. ...........................................(premissa maior)

Pedro é homem. .....................................................(premissa menor) Logo, Pedro é mortal. .............................................(conclusão)

A questão fundamental da dedução está na relação lógica estabelecida entre as

proposições apresentadas, a fim de não comprometer a validade da conclusão. Aceitando

as premissas como verdadeiras, as conclusões também o serão.

Se por um lado o método dedutivo leva o investigador do conhecido para o

desconhecido com uma pequena margem de erro, por outro lado há limitação, pois sua

conclusão não pode em hipótese alguma ultrapassar o conteúdo enunciado nas premissas.

Vejamos uma comparação entre o método dedutivo e indutivo no Quadro 2.

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Quadro 2 – Comparação entre métodos dedutivo e indutivo.

Raciocínio dedutivo Raciocínio indutivo

Premissa maior: Os leões são carnívoros

Premissa menor: King é um leão.

Conclusão: Logo, King é carnívoro.

Foi observado em leões o comportamento alimentar carnívoro.

Logo, todos os leões são carnívoros.

Destaca-se que na dedução a certeza das premissas é transferida para a conclusão

em virtude do uso correto das regras lógicas, enquanto na indução uma vez as premissas

consideradas verdadeiras, a conclusão será igualmente verdadeira.

10.3. Método Hipotético-Dedutivo

Proposto por Popper, consiste na adoção da seguinte linha de raciocínio, descrita por Gil

(1999): “quando os conhecimentos disponíveis sobre determinado assunto são

insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o problema. Para tentar explicar as

dificuldades expressas no problema, são formuladas conjecturas ou hipóteses”.

Das hipóteses formuladas, deduzem-se conseqüências que deverão ser testadas

ou falseadas (isto é, tornar falsas as conseqüências deduzidas das hipóteses). Enquanto no

método dedutivo se procura a todo custo confirmar a hipótese, no método hipótetico-

dedutivo, ao contrário, procuram-se evidências empíricas para derrubá-las. Ele tem em

comum com o método dedutivo o procedimento racional que transita do geral para o

particular e, com o método indutivo, o procedimento experimental como condição

fundante.

Karl Popper, em 1934, em sua obra A lógica da pesquisa científica, promoveu uma

crítica ao método indutivo, afirmando que a ciência somente é capaz de fornecer soluções

temporárias para os problemas que enfrenta. Assim, as teorias científicas e seus

problemas são viáveis de análise por meio de hipóteses (conjecturas) para promovê-las a

um rigoroso processo de falseabilidade, ou seja, a verificação empírica de modo a

corroborá-las ou refutá-las.

10.4. Método Dialético

Fundamenta-se na dialética proposta por Hegel, na qual as contradições transcendem-se

dando origem a novas contradições que passam a requerer solução. É um método de

interpretação dinâmica e totalizante da realidade. Coloca que os fatos não podem ser

considerados fora de um contexto social, político, econômico etc. Segundo Marconi e

Lakatos (2001), é empregado em pesquisas qualitativas.

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Encontramos entre os filósofos gregos (Sócrates, Platão e Aristóteles) a dialética

representativa da “arte do diálogo”, especialmente como técnica de argumentar e contra-

argumentar sobre assuntos, cuja demonstração ocorre por meio de raciocínios analíticos.

As opiniões e diferenças de opinião poderiam ser consideradas racionais desde que

fundamentadas em uma argumentação consistente, isto é, para que algo se mostre real e

verdadeiro é necessário que seja confrontado com suas possibilidades contraditórias

(antíteses).

Hegel, pensador alemão do século XIX, definiu o raciocínio dialético da seguinte

forma:

Tese (uma pretensão de verdade) Antítese (a tese negada) = Síntese (o resultado do

confronto) / A síntese é uma nova tese.

A concepção hegeliana de dialética, que depois seria usada por outros teóricos

como Karl Marx para elaborar a teoria do Materialismo Dialético, pressupõe que o objeto

pode se auto-superar mediante o confronto com seu contraditório, vindo a ser

inteiramente outro como resultado de si mesmo. Trata-se de um método dinâmico,

altamente sofisticado de raciocinar, pois supõe a transformação e superação como uma

nova proposição.

10.5. Método Fenomenológico

O método fenomenológico baseia-se na investigação de fenômenos humanos, tais como

vividos e experimentados pelo indivíduo, ou seja, examina a realidade a partir da

perspectiva de primeira pessoa.

Como reação ao positivismo e idealismo do século XIX, um dos principais

expoentes deste método é o filósofo alemão Edmund Husserl. Propõe uma análise da

“essência” e das coisas como elas se manifestam, que têm relação com o cotidiano e a

“intencionalidade”, ou seja, a consciência em compreender o mundo.

Mediante a intencionalidade, todos os atos, gestores e ações humanas têm um

significado e este deve ser apreendido pela percepção do indivíduo em sua totalidade. As

reflexões sobre o caráter originário do fenômeno, para este método, partem de uma

rigorosa descrição das idéias e atitudes cognitivas ante o fenômeno.

Na prática da fenomenologia efetuam-se as estratégias de coleta de dados

(entrevistas não diretivas e descrição oral das experiências do sujeito) e estratégias de

apresentação de resultados (descrição com as palavras na forma como usadas pelo

sujeito).

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11. CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA

Sinteticamente, pesquisa é um conjunto de ações, propostas para encontrar a solução para

um problema, que têm por base procedimentos racionais e sistemáticos. A pesquisa é

realizada quando há um problema e não se tem informações para solucioná-lo.

Trata-se de atividade de combinação particular entre teoria e dados que compõe

um processo intrinsecamente inacabado e permanente, resultado de uma realidade que

nunca se esgota. É a realização concreta de uma investigação planejada, desenvolvida e

redigida de acordo com as normas da metodologia consagradas pela ciência.

Há diferentes formas de classificar a pesquisa, definidos essencialmente pelo

tratamento que se dá ao problema: quanto à sua natureza, abordagem do problema ou

procedimentos.

a) No que se refere à classificação da pesquisa quanto à natureza, ela pode ser organizada

em:

Pesquisa bibliográfica

A pesquisa bibliográfica procura analisar e conhecer as contribuições culturais ou

científicas existentes sobre um determinado assunto, explicando um problema a partir

desse levantamento. Estuda teorias, correlaciona conceitos e formula quadros de

referência, pautada em dados secundários.

Cabe lembrar que, em qualquer área ou qualquer modalidade de pesquisa, exige-

se uma pesquisa bibliográfica prévia, para levantamento da situação da questão, uma

fundamentação teórica ou, ainda, para justificar os limites e contribuições da própria

pesquisa.

Quando é realizada como o todo da pesquisa, a pesquisa bibliográfica deve

conter todas as etapas formais de um trabalho científico. É muito comum encontrar-se este

tipo de pesquisa em Ciências Humanas, nas áreas da Lingüística, História, Literatura ou

Teologia. Na área das Ciências Exatas, a pesquisa bibliográfica geralmente faz parte da

pesquisa descritiva ou experimental, com o intuito de recolher informações e

conhecimento prévios sobre o problema pesquisado.

Pesquisa Exploratória

É a pré-pesquisa ou o levantamento de hipóteses para posterior pesquisa,

normalmente o primeiro passo da investigação. Auxilia na formulação de hipóteses para

posteriores ações. Ou colabora com a familiarização do fenômeno para que se obtenha

uma percepção sobre ele. Primordialmente, tem o papel de avaliar quais as relações entre

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os componentes do objetivo de estudo e é, em geral, recomendada quando há pouco

conhecimento sobre o assunto.

Pesquisa Descritiva

A pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos

(variáveis) sem manipulá-los. Pesquisa a freqüência com que um fenômeno ocorre, as

suas dependências e características no mundo físico ou humano, sem a interferência do

pesquisador. Tem por objetivo definir melhor o problema, descrever o comportamento

dos fenômenos, definir e classificar fatos e variáveis, sem a pretensão de explicá-los.

É utilizada em todos os ramos da Ciência, mas principalmente em Ciências

Sociais e Humanas, analisando relações que ocorrem na vida social, política, econômica e

demais aspectos do comportamento humano. Apresenta-se como a descrição das

características, propriedades ou relações existentes na comunidade, grupo ou realidade

pesquisada.

Pesquisa Experimental

Aplicada à solução de problemas ou diagnóstico de uma realidade específica,

codifica a face mensurável da realidade. Baseada na análise de dados primários e originais

para interpretar e predizer os resultados, visa a construção de uma teoria e interfere

diretamente na realidade ou meio ambiente.

Procura explicar de que modo ou por que causas o fenômeno é produzido,

empregando para tanto a avaliação qualitativa e quantitativa do tema. Caracteriza-se por

manipular diretamente as variáveis relacionadas com o objeto de estudo, através de

situações controladas. Utiliza-se de equipamentos de medida e técnicas modernas de

análise para a mensuração das variáveis envolvidas no objeto de estudo. São usados os

termos “pesquisa de campo” ou “pesquisa de laboratório”, como indicativo das pesquisas

práticas.

b) Se classificarmos a pesquisa do ponto de vista da abordagem do problema, ela pode:

Pesquisa Qualitativa

É descritiva e se preocupa com a natureza da atividade e em descrevê-la, sem

realizar medições ou métodos estatísticos. Geralmente é a abordagem inicial no estudo de

um problema. Inclui técnicas de coleta de dados baseadas principalmente em entrevistas

em profundidade (individual ou em grupos).

Nas sessões de pesquisa qualitativa, utiliza-se sempre um roteiro não-

estruturado para que a reunião ou entrevista transcorra com o máximo de

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espontaneidade. As sessões podem ser gravadas, transcritas e armazenadas em meio

magnético. O pesquisador ouve ou lê as transcrições, assiste aos vídeos e faz análise dos

resultados.

Pesquisa Quantitativa

Considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em números

opiniões e informações para classificá-las e analisá-las. Requer o uso de recursos e de

técnicas estatísticas (percentagem, média, moda, mediana, desvio-padrão, coeficiente de

correlação, análise de regressão etc.).

Inclui a coleta de dados (estatísticas oficiais, pesquisas em arquivos, entrevistas

pessoais ou por outros meios, como telefone, postal e internet) e requer procedimentos

para escolha da amostra, localização e abordagem do entrevistado.

c) Na sua classificação do ponto de vista dos procedimentos técnicos, temos:

Pesquisa bibliográfica

Quando elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente

de livros, artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na Internet.

Pesquisa documental

Quando elaborada a partir de materiais que não receberam tratamento analítico.

Pesquisa experimental

Quando se determina um objeto de estudo, selecionam-se as variáveis que seriam

capazes de influenciá-lo, definem-se as formas de controle e de observação dos efeitos que

a variável produz no objeto.

Levantamento

Quando a pesquisa envolve a interrogação direta das pessoas cujo

comportamento deseja-se conhecer.

Estudo de caso

Quando envolve o estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos de

maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento.

Pesquisa ex-post facto

Quando o “experimento” realiza-se depois dos fatos.

Pesquisa-ação

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Quando concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a

resolução de um problema coletivo. Os pesquisadores e participantes representativos da

situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Pesquisa participante

Quando se desenvolve a partir da interação entre pesquisadores e membros das

situações investigadas.

Classificação da pesquisa

a) Classificação da pesquisa quanto a sua natureza:

Pesquisa bibliográfica

Pesquisa exploratória

Pesquisa descritiva

Pesquisa experimental

b) Classificação da pesquisa quanto à abordagem do problema:

Pesquisa qualitativa

Pesquisa quantitativa

c) Classificações da pesquisa do ponto de vista dos procedimentos técnicos:

Pesquisa bibliográfica

Pesquisa documental

Pesquisa experimental

Levantamento

Estudo de caso

Pesquisa ex-post facto

Pesquisa-ação

Pesquisa participante

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Fazer pesquisa é defender uma idéia, fundamentando-a com bibliografias e pela

utilização de procedimentos de investigação sistematizados. Esse processo serve para

organizar e muitas vezes desnudar o fenômeno que se está estudando, não deixando de

lado qualquer uma de suas partes. O fenômeno precisa ser definido, ordenado, clarificado

e divido em suas partes para que possa ser perfeitamente compreendido.

12. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa é um tratamento de investigação que tem por objetivo descobrir respostas

para dúvidas e indagações, através do emprego de processos científicos. Quando se fala

em procedimentos metodizados, referem-se aos meios, técnicas e recursos que se utilizam,

que possam ser descritos, repetidos tantas vezes quando for necessário e que sempre se

mostrem satisfatórios para obter os resultados procurados.

Desenvolver pesquisas e espírito crítico é crescer profissionalmente, adquirir

conhecimento enfim. Este processo está intimamente associado ao crescimento intelectual,

recusa às idéias ingênuas de discursos fáceis e sedutores do senso comum, “da moda” ou

repletos de armadilhas, segundo a quais a complexidade sócio-cultural não precisaria de

abordagem sofisticada.

O pensamento científico está constantemente sujeito a mudanças, percebidas em

seus fundamentos teóricos, metodológicos e paradigmáticos. Neste sentido, a ciência lida

com fenômenos complexos, realidades caóticas e incertezas. Cabe ao pesquisador a

sensibilidade para compreender a complexidade no processo de investigação e pesquisa,

de forma a evitar a noção de verdade e o pensamento reducionista da ciência tradicional,

a qual nos ensinou sobre a existência de uma verdade única e conclusiva.

Neste sentido, escrever sobre orientações e normas científicas é uma empreitada

árdua, porque pode passar a impressão errônea de que há um corpo científico

consolidado. Vivemos numa época em que a ciência passa por uma profunda

reestruturação dos seus critérios de plausabilidade. Os parâmetros da ciência são

polêmicos e, por vezes, contraditórios. Portanto, cabe ao pesquisador e ao professor-

pesquisador avaliar os pontos de convergência nos trabalhos apresentados pelos assim

denominados “cientistas”, avaliar suas orientações e métodos para ultrapassar os cânones

tradicionais do reducionismo ou simples relativismo.

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Daniela Maria Cartoni

Possui Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1998), Mestrado em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (2002) e MBA em Gestão de Recursos Humanos (2008). Atualmente é Supervisora de Cursos de Extensão

Universitária da Anhanguera Educacional. Na docência atua como Professor Adjunto na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdades de Valinhos e Faculdade Comunitária de Campinas. Experiência como pesquisadora em Inovação Tecnológica, Reestruturação Produtiva e Políticas de Qualificação Profissional. Atua como consultora em projetos governamentais da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap).

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

José Alberto Sallum Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

A MISSÃO DOCENTE NA ANHANGUERA EDUCACIONAL1

RESUMO

As aspirações e as grandes diretrizes definidas para as ações pedagógicas e educacionais da Anhanguera Educacional podem ser encontradas na missão da instituição: promover o ensino de forma eficiente, para que os educandos possam desenvolver seus projetos de vida como cidadãos conscientes dos seus direitos, deveres e responsabilidades sociais. Para que isso ocorra, as crenças e valores da instituição constituem a base referencial de toda a ação pedagógica, estando presentes em todos os projetos pedagógicos dos cursos. A Anhanguera Educacional possui como crenças e valores que o ensino superior de qualidade, baseado na qualificação dos professores e outros agentes educacionais, além da co-responsabilidade dos próprios alunos por seu aprendizado, traduz-se em uma aprendizagem eficaz, contendo embasamento teórico e prático, estudo da ética, responsabilidade social e promoção da defesa dos direitos humanos, qualidade de vida e meio ambiente. Sendo assim, este artigo tem como objetivo compilar informações que orientem os professores novos ou antigos da Anhanguera Educacional quanto às crenças, valores e perfil corporativo da Companhia, para melhor executarem sua ação pedagógica.

Palavras-Chave: Anhanguera Educacional; ação pedagógica; crenças; missão; perfil corporativo; valores.

ABSTRACT

The aspirations and major guidelines set for the teaching activities and educational Anhanguera Education can be found on the institution's mission: to promote education efficiently, so that students can develop their life projects as citizens aware of their rights, duties and social responsibilities. For this, the beliefs and values of the institution form the basis of reference throughout the pedagogical action, present in all projects of educational courses. Anhanguera Education has as beliefs and values that quality higher education, based on the qualifications of teachers and other education agents, and co-responsibility of the students in their learning, translates into effective learning, containing theoretical and practical , study of ethics, social responsibility and promotion of human rights, quality of life and environment. Therefore, this article aims to compile information that can guide the new teachers or former Anhanguera Educational regarding beliefs, values and corporate profile of the Company, to better implement the classroom.

Keywords: Anhanguera Educacional; pedagogical action; beliefs; mission; corporate profile; values.

1 Material da 1ª. aula da Disciplina Perfil Corporativo, Crenças e Valores, Programas Institucionais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 25/4/2009 Avaliado em: 18/1/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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A MISSÃO DOCENTE NA ANHANGUERA EDUCACIONAL

O objetivo deste texto é compilar informações que orientem os professores novos ou

antigos da Anhanguera Educacional quanto às crenças, valores e perfil corporativo da

Companhia. Hoje, os municípios-sede das unidades são mais de 50, distribuídos pelos

estados de São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato

Grosso do Sul, Minas Gerais e Distrito Federal.

Ao longo de sua trajetória, a Anhanguera Educacional S.A. vivenciou quatro

fases de crescimento: a expansão de seus cursos superiores e da sua base física, até 1998; a

otimização e qualificação dos seus currículos e projetos pedagógicos, até 2003; a

reorganização estrutural, administrativa e financeira, com o ingresso de novos parceiros-

sócios e investidores; e a abertura do seu capital na Bolsa de Valores de São Paulo, em

março de 2007, transformando-se na primeira empresa do gênero com capital aberto na

América Latina.

Para Carbonari Netto (2009), as aspirações e as grandes diretrizes definidas para

as ações pedagógicas e educacionais do grupo, muito valorizadas nas ações diárias podem

ser resumidas na missão, objetivos e filosofia gerencial da Anhanguera Educacional. A

Missão da instituição é “promover a oferta de cursos superiores de qualidade, nas várias

áreas do saber, prioritariamente aos jovens trabalhadores, com custos acessíveis, visando

o desenvolvimento do seu projeto de vida”. De outra forma,

[...] promover o ensino de forma eficiente, com um grau de qualidade necessário ao bom desempenho das futuras atividades profissionais dos educandos, para que, de forma competente e ética, possam desenvolver seus projetos de vida como cidadãos conscientes dos seus direitos, deveres e responsabilidades sociais.

Os objetivos podem ser diferenciados em geral e específico. O Objetivo Geral é

“formar diplomados, nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção social

em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sua comunidade,

colaborando para a sua formação contínua”. Portanto, “oferecer aos educandos uma

sólida base de conhecimentos, competências e habilidades com vistas a desenvolver uma

aprendizagem significativa, capacitando-os para implementar seus projetos de vida”.

Os Objetivos Específicos podem ser descritos como: obter uma conduta ética

associada à responsabilidade social e profissional; desenvolvimento da capacidade de

compreensão, produção e transmissão dos saberes adquiridos; desenvolvimento da

capacidade de equacionar problemas e procurar soluções com as demandas individuais e

sociais; busca permanente de prevenção e soluções dos conflitos individuais e coletivos

com vistas ao bem estar social; desenvolvimento da capacidade de realizar investigações

cientificas, raciocínios logicamente consistentes de leitura, compreensão e produção de

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textos em processos comunicativos individuais ou em equipe; aprimoramento do

julgamento e da tomada de decisões, do aprender a aprender, para a educação

permanente.

Por fim, a Filosofia Gerencial da instituição é “delegar autoridade e

responsabilidade aos Diretores, Coordenadores e Professores, para que possam alcançar

as metas, os objetivos e planos institucionais aprovados, com incentivo ao trabalho sério e

comprometido com resultados”.

Esses compromissos institucionais devem ser assumidos por todos aqueles que

estão envolvidos com a Anhanguera Educacional: integrantes do corpo técnico-

administrativo, corpo docente e demais agentes educacionais envolvidos. As crenças e

valores da instituição constituem a base referencial de toda a ação pedagógica, estando

presentes em todos os projetos pedagógicos dos cursos. A Anhanguera Educacional e suas

unidades mantidas têm dez itens como crenças e valores (CARBONARI NETTO, 2009):

1. Que o bom ensino, ministrado de forma eficiente, com qualidade e com seriedade, traduz-se numa aprendizagem eficaz, útil ao estudante, para que desenvolva suas habilidades e competências com vistas ao seu projeto de vida.

2. Que o ensino superior de qualidade, além de atender aos interesses e anseios dos educandos, baseia-se também na qualidade dos professores e de outros agentes educacionais que interagem na formação discente.

3. Que a educação continuada dos docentes, agentes formacionais de excelência, bem como sua estabilidade emocional e funcional, são fundamentais para sua qualificação, capacitação e atualização.

4. Que o bom ensino superior, para uma aprendizagem eficaz, deve ter embasamento teórico e prático, quer pelo emprego de metodologias apropriadas, quer pelo uso de tecnologias educacionais e da informática, como multimeios auxiliares, além do uso sistemático do Livro-Texto em cada disciplina.

5. Que o processo de aprendizagem, para ser eficiente e eficaz, deve ser fomentado e implementado constantemente, além de avaliado em função dos objetivos propostos, de forma coerente, nos termos do projeto pedagógico de cada curso.

6. Que ao aprendizado formal deve ser acrescentado o estudo e a prática da ética, para a formação de um cidadão consciente dos seus deveres e direitos, para uma vida social compartilhada e solidária.

7. Que os alunos são co-responsáveis pelo aprendizado eficiente e eficaz, devendo dedicação aos propósitos, compromissos, metas e objetivos assumidos.

8. Que os alunos desenvolverão suas habilidades e competências quando motivados pelos docentes, hoje entendidos como facilitadores da aprendizagem.

9. Que a responsabilidade social da instituição compreende os preceitos da inclusão social, promoção da igualdade de direitos e oportunidades, com

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vistas à ascensão dos indivíduos na sociedade globalizada.

10. Que é dever da instituição e de seus educandos o respeito, a promoção e a defesa dos direitos humanos, da qualidade de vida e do meio ambiente.

Para Carbonari Netto (2009), o bom ensino superior, ministrado de forma

eficiente, com qualidade e seriedade, resulta numa aprendizagem que tem utilidade ao

aluno para que este atinja o êxito em seu projeto de vida. A meta deve ser sempre a

aprendizagem, atingindo aos objetivos reais, claramente definidos e propostos com

termos simples, efetivos e pertinentes, de forma sistêmica para se evitar más

interpretações ou falta de profissionalismo. Para comprovar o bom ensino, os estudantes

devem demonstrar que assimilaram a aprendizagem, desenvolvendo melhor as

competências e habilidades que participaram do processo. Assim, o resultado desse bom

ensino superior, orientado sempre por seus objetivos e metas, e utilizando diversos

métodos, estratégias e teorias da aprendizagem, traduz-se na aprendizagem eficaz do

aluno.

Um ensino superior responsável baseia-se na oferta de cursos superiores de

qualidade. Para isso, é imprescindível o preparo docente e de outros agentes

educacionais, bem como uma organização didático-pedagógica moderna e uma infra-

estrutura adequada à formação discente. A infra-estrutura deve ser sempre atualizada,

com equipamentos modernos para serem utilizados sempre segundo planejamento. Os

projetos pedagógicos dos cursos devem ser definidos em função das necessidades e

desejos dos alunos e da comunidade em que eles prestarão seus futuros serviços, sempre

sob a égide legal das Diretrizes Curriculares Nacionais.

A qualidade dos professores, ao invés de ser restrita à titulação ou à

disponibilidade de trabalho, reflete-se na prática pedagógica eficaz, que leve a um

aprendizado real e com o desenvolvimento das competências e habilidades dos alunos.

Por fim, todos os agentes educacionais, funcionários, professores, coordenadores e demais

indivíduos que participam da formação dos estudantes devem ter plena consciência que o

aluno é a meta de atendimento maior. Do mesmo modo, a qualidade do curso superior

reside muito mais num conjunto de características e conceitos capazes de atender aos

interesses e aspirações dos estudantes, e não somente aos professores ou gestores

(CARBONARI NETTO, 2009).

Os professores e todos aqueles que interagem na formação discente, com

metodologia e tecnologias educacionais adequadas, são entendidos como os grandes

facilitadores da aprendizagem para os alunos. Assim, os professores não são, e nem

devem ser, meros ministradores de informações, e sim, facilitadores eficientes da

aprendizagem, sempre sob o apoio dos materiais auxiliares, para um aprendizado eficaz.

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Os professores precisam valorizar novas e modernas técnicas instrucionais, que visam o

melhor aprendizado, além de incentivar estudos em equipes ou grupos

multidisciplinares. Por fim deve haver a conscientização dos estudantes de que ele deve

participar ativamente para obter o próprio aprendizado, através da participação destes na

ampliação de seus conhecimentos, através do ensino, da aprendizagem e da dedicação aos

objetivos e interesses em pertencer ao curso escolhido.

Para Demo (2009b), o trabalho do professor deve ser norteado por algumas

referências. Primeiramente, referências de base biológica: o aluno aprende melhor quando

pode manipular, com graus crescentes de autonomia, construções virtuais, como ocorre

nos jogos eletrônicos (GEE, 2004), devido à estrutura cerebral, que recebe estímulos

vindos dos cinco sentidos e constrói uma interpretação; a mente é máquina reconstrutiva

e não reprodutiva. Referências instrucionistas social e culturalmente situadas, isto é, a

interação social do aluno e desafios impostos por situações novas; a mente desenvolve-se

interagindo consigo e com o meio ambiente. Há também referências a habilidades

emocionais, como motivação dos estudantes e a aplicabilidade prática do que se fala em

sala de aula; o aluno precisa ver em suas vidas concretas o que se fala nas aulas. E por

último, referências virtuais de aprendizagem, tecnologias de computador, uso da Internet;

o professor não é substituído (a não ser o reprodutivista, aquele que simplesmente

reproduz informações para os alunos, sem modificá-las, sem acrescentar nada novo ou de

sua própria autoria), mas assume o papel de orientador e avaliador.

Ainda segundo Demo (2009b), é de extrema importância priorizar ambientes que

privilegiem a autonomia do educando e de ambientes construtivistas (que favorecem a

construção da autonomia e da autoria do estudante). Somado ao ambiente, é necessário

haver procedimentos didáticos que avaliem e orientem os alunos, incentivo à pesquisa e

elaboração de projetos realizados pelos próprios estudantes. Isso favorece, novamente, a

autonomia do estudante, colocando o professor como orientador e motivador, não como

disciplinador. O objetivo da aprendizagem é a construção da autoria e autonomia do

aluno, sob a orientação do professor.

É importante ressaltar que a qualidade do corpo docente baseia-se na sua

educação continuada e na produção acadêmica atualizada e relevante, para que se possa

embasar a formação discente com os melhores conteúdos de conhecimento (CARBONARI

NETTO, 2009). Assim, como afirma Demo (2009a), “para que o aluno aprenda bem, é

indispensável um docente que aprenda bem”. Para isso, há, na Anhanguera Educacional,

o incentivo à participação docente em congressos, encontros científicos ou de corporações

profissionais, em nome da instituição, para a publicação e/ou defesa de trabalhos

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científicos, técnicos ou intelectuais de relevância nas respectivas áreas de conhecimento.

Por fim, há a ascensão funcional dos docentes, sempre com recursos financeiros

proporcionais à respectiva produção acadêmica atualizada e relevante.

É necessário pesquisar e elaborar: sem produção própria não pode existir

docência, porque esta decairia para o mero instrucionismo (DEMO, 2009a). No entanto,

esse procedimento não garante a boa qualidade do ensino: um bom pesquisador não é

necessariamente um bom docente, pois este precisa saber fazer o aluno aprender, o que

não decorre de saber pesquisar; a docência é um cenário composto de inúmeras

referências, incluindo as emocionais, pessoais e carismáticas. Dessa maneira, para se

suprir essas inúmeras referências, a Anhanguera também promove a educação

continuada e capacitação profissional dos professores, com cursos de atualização,

especialização, mestrado e doutorado, incentivos de carreira e promoção pessoal e

funcional (CARBONARI NETTO, 2009).

Ser docente é cuidar que o aluno aprenda (DEMO, 2004). É essencial que o aluno

elabore seu próprio conhecimento, aos poucos arquitetando sua autonomia, pois nada é

mais importante em sua vida futura que saber fazer conhecimento próprio, com

originalidade e persuasão. Isso pode ser resumido na noção de aprender a aprender, ou

seja, é necessário aprender durante toda a vida, sempre renovando o que foi aprendido,

convivendo com a instabilidade que obriga a rever tudo que se faz e a ser flexível perante

novos desafios.

Existem muitos problemas para se atingir esse estado. O principal deles talvez

seja o chamado “pacto da mediocridade”, já que o aluno nem sempre está disposto a

pesquisar e elaborar, preferindo a aula expositiva, simplesmente porque significa menor

esforço. Por outro lado, o professor entra no mesmo pacto, ou até empurra o aluno nessa

direção, porque ele mesmo nunca aprendeu a aprender. Isso reflete o despreparo do

professor, já que para garantir a aprendizagem do aluno, ele precisa ser capaz de

aprender, deve ser capaz de pesquisar e elaborar de maneira exímia, para servir de

exemplo (DEMO, 2009b). O pacto da mediocridade reflete a situação: o aluno finge que

aprende e o professor finge que ensina (GIANOTTI, 1985). Para Almeida Filho (2005), é o

acordo tácito entre as partes para suspender exigências (permanecendo medíocres)

apostando na obtenção fácil do imerecido diploma. Além do despreparo docente, o pacto

da mediocridade reflete outro perigo: o chamado “Bacharelismo”, que se apresenta como

uma supervalorização do diploma, do “canudo” sem lastro, sem que ele seja a

conseqüência de uma verdadeira e sólida experiência universitária. Manifesta-se nas

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massas de diplomados que não podem exercer sua profissão plenamente por falta de

preparo.

Outro problema é a facilidade em se cair em modismos e invencionices, por falta

de espírito crítico, base teórica, preparo metodológico e bom senso (DEMO, 2009b). É mais

fácil se apegar às teorias de autores que ao compromisso de aprendizagem do aluno. Ao

mesmo tempo, muda-se de teoria e de autor sem verificar que vantagens isso traria aos

alunos. Por fim, os resultados não podem ser imediatos, porque saber pensar não é receita

pronta: sendo dinâmica, complexa e não-linear, não é possível se ter o controle pleno nem

desfechos garantidos.

O que constitui um professor, antes de qualquer coisa, é a habilidade de

pesquisar, já que se não produz conhecimento, não tem o que ensinar (DEMO, 2009b). O

professor não se define pelo ensino, mas pela aprendizagem. Ser professor é cuidar que o

aluno aprenda, não é necessariamente dar aula. Quase sempre a aula é fruto da cópia,

destinada à cópia dos alunos, um vício secular que reflete a atual mediocridade dos cursos

superiores. No entanto, não tem sentido apenas criticar o professor. É urgente modificá-lo,

refazê-lo, para que ocupe seu papel insubstituível.

Para uma aprendizagem eficaz, além de professores facilitadores, deve haver

embasamento teórico-prático, através do emprego de metodologias apropriadas, uso

auxiliar de tecnologias educacionais de informática e a utilização do Livro-texto em cada

disciplina. A base da aprendizagem deve conter saberes, ou seja, os devidos conteúdos

teóricos, mas também o saber fazer, estratégias para o desenvolvimento das competências

planejadas com aquele conteúdo. Para isso, é necessário conhecer as diversas

metodologias de ensino e de aprendizagem, para se poder avaliar qual é a melhor delas

em cada situação vivida pelo docente. A definição, pelos professores e coordenadores dos

cursos, do Livro-texto em cada disciplina é fundamental para o alcance dos objetivos da

aprendizagem. Para Carbonari Netto (2009), “o Livro-texto é pré-condição importante no

planejamento didático-pedagógico das disciplinas”. Além disso, o Livro-texto é de

extrema importância para a formação das bibliotecas individuais dos alunos, para a

melhoria do nível intelectual dos estudantes e desenvolvimento do hábito de leitura e

interpretação de textos, além de evitar o uso ilegal de cópias xerográficas. Ou seja, é dever

dos professores utilizar novas e apropriadas tecnologias educacionais para a facilitação do

aprendizado, inclusive recursos da informática.

A Internet vem se tornando a grande biblioteca disponível para a pesquisa, e sua

interatividade permite acesso de qualquer pessoa a qualquer informação. Essa nova mídia

faz com que o docente reprodutivista seja substituído: para simplesmente expor

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informações alheias, basta procurá-las nos lugares certos. Com o avanço da Internet surge

a autoria coletiva, como é o caso da Wikipédia, uma “enciclopédia virtual” na qual todos

podem participar. Quando o docente pede que os alunos façam trabalhos em casa, em

geral os estudantes os fazem juntos, via Internet, ficando difícil se definir a autoria

daquele trabalho. É papel do docente educar os alunos a usarem bem essa nova mídia, ao

invés de adotar posturas para exigir o esforço dos alunos, como pedir trabalhos escritos à

mão. Para Demo (2009a), do ponto de vista da Educação, o docente continua tão

importante quanto sempre foi, mas sob uma ótica que o aproxima do conceito norte-

americano de coach (DUDERSTADT, 2003; MINK et al., 1993). No caso do coach de futebol,

ele não joga, mas precisa organizar a movimentação dos atletas, fazendo com que os

jogadores possam ver o jogo da forma como ele vê, sempre motivando os atletas, como

quando estão perdendo a partida. É possível se jogar sem coach, mas para haver um

resultado qualitativo, o docente continua sendo imprescindível.

Para que o processo da aprendizagem seja realmente eficiente e eficaz, deve ser

constantemente avaliado, de forma coerente e com qualidade, em função dos objetivos

propostos. A participação dos estudantes nessa avaliação é fundamental, para que estes

possam se sentir co-responsáveis no seu processo de aprendizagem, em seu próprio

crescimento intelectual e no seu desenvolvimento profissional, nos termos do projeto

pedagógico de cada curso. Para isso, devem ser avaliados o planejamento didático da

disciplina, com planos de ensino e cronogramas de execução aprovados, a fixação de

metas e objetivos da disciplina e de seus conteúdos, além do conhecimento pertinente das

modernas teorias da aprendizagem, facilitadoras da ação discente.

É necessário sempre se avaliar o docente. Para Demo (2009a), não há coisa que

avaliadores detestem mais que serem avaliados, assim como não toleram também que os

avaliados discutam sua avaliação. A avaliação docente deve ser feita de muitos ângulos:

pelos alunos, pelos seus pares, pelas autoridades públicas, pelas publicações, por convites

a eventos acadêmicos, por projetos de extensão, pela movimentação acadêmica e pela

produção própria reconhecida. De forma mais simples, a avaliação deve conter a

produção própria do docente (que implica na publicação constante e reconhecimento por

seus pares), a movimentação acadêmica (que inclui liderança científica, convites a eventos

acadêmicos), habilidade pedagógica e habilidade de encantar os estudantes (fazer com

que os alunos aprendam bem e se sintam motivados), atualização tecnológica (uso de

novas mídias de aprendizagem) e avaliação pelos alunos (a opinião discente sobre o

docente).

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Ainda nas crenças e valores da Anhanguera Educacional, a participação dos

estudantes não é fundamental apenas na avaliação do processo de aprendizagem, e sim

no processo de aprendizagem em si. Para Carbonari Netto (2009), os alunos, auxiliados

por seus professores, são co-responsáveis pelo seu aprendizado eficiente e eficaz, sendo

responsáveis pela dedicação aos propósitos, compromissos, metas e objetivos assumidos,

aos estudos independentes e à auto-aprendizagem. Devem se comprometer em dedicar-se

aos estudos orientados ou ministrados, além dos estudos independentes que visam à

prática do auto-aprendizado e da prática da investigação, para a obtenção da

independência intelectual. Também são responsáveis pelo contrato de aprendizado

implícito nas ações docentes e institucionais, pela sua preparação para a aquisição de

novos conhecimentos, sua dedicação ao querer aprender e suas ações de auto-

aprendizado e autodesenvolvimento, além da dedicação em seus estudos independentes.

Tudo isso visa o estímulo ao estudante em procurar obter seu próprio

aprendizado, fato muito importante para o desenvolvimento dos seus projetos de vida, da

futura profissão ou ocupação profissional, uma vez que é algo valorizado pelos mercados

de trabalho. O verdadeiro estudante universitário vai além da cópia seletiva, da

reprodução de conhecimentos muitas vezes desaplicados, do comentário sobre autores e

obras já conhecidas (ALMEIDA FILHO, 2000). Para Demo (2009a), “o ponto de partida do

saber pensar é questionar”. Para que o aluno seja co-responsável pelo seu aprendizado ele

deve saber pensar. Só dá conta de novos desafios se os souber pensar, questionar,

desconstruir e reconstruir. Caso contrário, os educandos tornam-se agentes passivos do

processo de aprendizagem, objetos, marionetes (DEMO, 2009b). Quando o aluno aprende

a pensar, aparece também o lado mais fascinante da pesquisa docente, que é sua

dimensão formativa, pedagógica, que une qualidade formal e política. O diploma perde o

status de produto final. O curso acaba porque o tempo caba, e não porque pudesse acabar.

Qualquer diploma caduca em alguns anos, mas aprender sempre é o que melhor se

aprende na faculdade.

Observa-se um grande cuidado da parte da Anhanguera Educacional com a

responsabilidade social, ou seja, ao cumprimento dos deveres e obrigações para com a

sociedade em geral. Como há um claro compromisso com a sociedade, há

responsabilidade.

Essa responsabilidade pode ser vista ao fato de ao aprendizado formal dos

estudantes ser acrescentada a ética humana e profissional, para a formação de um cidadão

consciente de seus direitos e deveres sociais, para uma vida compartilhada e solidária. A

instituição apóia e promove estudos sistêmicos sobre a ética humana e profissional com

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disciplinas curriculares incluídas nos projetos de todos os cursos. Também incentiva a

colocação nos conteúdos curriculares dos valores sociais e morais necessários a uma vida

solidária, de respeito aos direitos e deveres de todos os seres. Estimula-se o aprendizado e

desenvolvimento de competências profissionais, descritas nas Diretrizes Curriculares

Nacionais, para o melhor preparo dos estudantes em direção à vida profissional.

É requisito do bom docente ter qualidade formal – competência técnica, domínio

dos conteúdos, profissionalismo e conhecimento – e política – habilidade de criar e utilizar

meios técnicos para fins devidos, sobretudo éticos. O aluno precisa, além de se tornar um

profissional, tornar-se cidadão. A qualidade política deve ser feita conjuntamente com a

qualidade formal. Para Demo (2009a), quando o aluno aprende a fundamentar o que diz,

a escutar com atenção o que os outros dizem, a ceder perante outros argumentos

melhores, a compartilhar idéias, a rever suas posições e a descartar posições erradas, não

está apenas construindo conhecimento, como também está edificando sua cidadania.

A responsabilidade social da instituição, promovida constantemente pela

extensão universitária e atividades comunitárias, compreende e visa à promoção da

inclusão social e da igualdade de direitos e oportunidades, para a ascensão dos indivíduos

na sociedade (CARBONARI NETTO, 2009). Para isso são oferecidos cursos e atividades

de extensão, para a atualização de conhecimentos e competências dos estudantes, ações

extensionistas nas comunidades para solucionar problemas locais com o objetivo de

melhorar as condições de vida profissional e social, especialmente de pessoas jovens e

idosas, ações de inclusão social por meio de incentivos à obtenção de bolsas de estudos e

de outros auxílios para o financiamento estudantil. Os cursos de extensão de curta

duração proporcionam acesso às mais novas informações, oferecendo conhecimento

técnico, teórico e prático em diferentes áreas de interesse e de atuação. São destinados ao

aprimoramento das comunidades interna e externa no que se refere à qualificação

profissional, para que alunos e profissionais atendam às exigências do mercado de

trabalho acompanhando, assim, sua constante atualização. Há a promoção social

participativa como forma de envolver os estudantes na vida comunitária e o preparo

desses estudantes para a obtenção de bases sólidas de conhecimentos e competências para

desenvolver projetos comunitários de auxílio às comunidades mais necessitadas.

Ainda em relação à responsabilidade social, é dever da instituição e de seus

estudantes a promoção e defesa dos direitos humanos, da qualidade de vida e do meio

ambiente. Para isso, a Anhanguera promove constantes discussões e conscientização dos

estudantes com relação aos problemas de respeito e preservação do ambiente e qualidade

de vida. Viabilizam-se atividades e meios curriculares possíveis para o aprendizado

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 35-46

consciente e de respeito aos direitos fundamentais dos seres humanos e das suas ações.

Também concretizam-se, com os estudantes, projetos de melhoria da qualidade de vida

de todos os seres, além de defender causas favoráveis à manutenção dos meios essenciais

à vida e à paz entre todos, para uma convivência justa, fraterna e solidária (CARBONARI

NETTO, 2009).

REFERÊNCIAS

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José Alberto Sallum

Coordenador dos cursos de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos da Faculdade Anhanguera de Campinas, unidades 2 e 3. Coordenador do curso especial da Faculdade Anhanguera de Campinas, unidade 3. Professor dos cursos de Administração de Empresas e Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos. Psicólogo, atuando nas áreas de treinamento e desenvolvimento, gerenciamento de carreiras e gestão de pessoas.

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Daniela Maria Cartoni Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

CONSTRUINDO O PROJETO DE PESQUISA1

RESUMO

O processo de investigação científica não deve se confundir com apenas a ação de escrever ou transmitir idéias próprias, formuladas sobre determinado assunto, desenvolvidas a partir da pesquisa e reflexão. Ela deve espelhar o resultado de um longo trajeto de busca de respostas e aplicação de métodos para interpretar a realidade. É neste sentido que o presente artigo traz um detalhamento dos itens que compõem um projeto de pesquisa. Esta é a primeira etapa do processo científico, com a seleção do tema e detalhamento cuidadoso das técnicas e procedimentos a serem aplicados.

Palavras-Chave: projeto de pesquisa; etapas da pesquisa; processo científico.

ABSTRACT

The process of scientific research should not be confused with just the action of writing or forward their own ideas, expressed on a particular subject, developed from research and reflection. It should mirror the outcome of a long journey of seeking answers and application of methods of interpreting reality. In this sense the present article detailing the items that make up a research project. This is the first step of the scientific process, with the theme selection and careful detailing techniques and procedures to be applied.

Keywords: research project; research stages; the scientific process.

1 Material da 2ª. aula da Disciplina Metodologia da Pesquisa Científica, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 02/05/2009 Avaliado em: 26/01/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. INTRODUÇÃO

A pesquisa é a ação metódica para se buscar uma resposta por meio de processos

científicos de investigação. Como explica Gil (2001, p. 20),

[...] pesquisa pode ser definida como o procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. É desenvolvida mediante o concurso dos conhecimentos disponíveis e a utilização cuidadosa de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos.

Pesquisar consiste em buscar conhecimentos, sob a forma de leituras,

observações de fenômenos e análise de documentos. Significa refletir e interpretar as

informações obtidas.

Ressalta-se que o processo de investigação científica não se confunde apenas com

a ação de escrever ou transmitir idéias próprias, formuladas sobre determinado assunto,

desenvolvidas a partir da pesquisa e reflexão. Ela deve espelhar o resultado de um longo

trajeto de busca de respostas e aplicação de métodos para interpretar a realidade.

Analisando as etapas do processo de elaboração do trabalho científico, temos as

seguintes etapas: pesquisa, reflexão e divulgação. Juntas fundamentam o trabalho

científico.

Quadro 1 – Etapas do trabalho científico.

Fonte: Elaborado pelo autor.

ETAPA 1

PESQUISAR (Buscar Conhecimentos)

ETAPA 2

REFLETIR (Interpretação das informações obtidas)

ETAPA 3

ESCREVER (Transmissão de idéias próprias formuladas após a reflexão e fundamentadas cientificamente)

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Em outras palavras, podemos afirmar que o planejamento da pesquisa depende

basicamente de três fases:

• fase decisória: referente à escolha do tema, à definição e à delimitação do problema de pesquisa;

• fase construtiva: referente à construção de um plano de pesquisa e à execução da pesquisa propriamente dita;

• fase redacional: referente à análise dos dados e informações obtidas na fase construtiva. É a organização das idéias de forma sistematizada visando à elaboração do relatório final (artigo, dissertação, teses etc.). A apresentação do relatório de pesquisa deverá obedecer às formalidades requeridas pela instituição e normas oficiais.

Portanto, pesquisa científica seria a realização concreta de uma investigação

planejada e desenvolvida de acordo com normas consagradas pela metodologia científica.

Neste caso, metodologia entendida como conjunto de etapas ordenadamente dispostas

que inclui escolha do tema, planejamento da investigação, desenvolvimento

metodológico, coleta e tabulação de dados, análise dos resultados, elaboração das

conclusões e divulgação de resultados.

Os tipos de pesquisa apresentados nas diversas classificações não são estanques.

Uma mesma pesquisa pode estar, ao mesmo tempo, enquadrada em várias classificações,

desde que obedeça aos requisitos inerentes a cada tipo.

Realizar uma pesquisa com rigor científico pressupõe que você escolha um tema

e defina um problema para ser investigado, elabore um plano de trabalho e, após a

execução operacional desse plano, escreva um relatório final a ser apresentado de forma

planejada, ordenada, lógica e conclusiva.

2. POR ONDE COMEÇAR

Como toda aspiração na vida, as chances de sucesso são maiores quando estão

relacionadas a um bom processo de planejamento. O mesmo acontece com a pesquisa

acadêmica. Este “roteiro” ou plano do trabalho que auxilia o processo de investigação

acadêmica consolida-se em um Projeto de Pesquisa2. Um bom projeto facilita o trabalho ao

delimitar o que será investigado. O projeto deve manifestar de forma clara as pretensões

da pesquisa. É o documento elaborado pelo pesquisador, nele apresentam-se os

fundamentos temáticos a partir da formulação dos problemas a serem respondidos,

2 Lembrando que os elementos apresentados a seguir que compõem o projeto devem ser dispostos em forma contínua (não é necessário abrir nova página para cada tópico), sem esquecer também da capa de identificação ou cabeçalho com os dados fundamentais do autor e instituição.

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estabelece-se um roteiro de trabalho. Segundo Gil (2001, p. 21), é “o documento

explicitador das ações a serem desenvolvidas ao longo do processo de pesquisa”.

O projeto, neste sentido, é uma atividade sistemática que tem por finalidade o

planejamento da pesquisa, envolvendo processos, prazos e metas. Deve ser elaborado

com vista a responder às seguintes perguntas: O que pesquisar? Por que pesquisar? Para

que pesquisar? Como e com o que pesquisar? Quando pesquisar?

A primeira ação é a escolha do assunto, que deve levar em consideração, em

certo sentido, o gosto pessoal, relevância do tema e pertinência científica. O pesquisador

deve verificar a existência de material de pesquisa (bibliografia e dados primários), sem

ignorar questões como tempo de execução, prazos recomendados e recursos financeiros

necessários.

3. CONSTRUINDO UM PROJETO DE PESQUISA: PASSO-A-PASSO

Para entendermos melhor cada uma destas etapas da pesquisa, segue detalhamento de

cada uma delas, por meio de sua seqüência ou passos.

Passo 1: A Escolha do “Tema” e sua delimitação

O tema identifica o próprio objeto de pesquisa e é, de forma geral, o assunto que vai ser

tratado. Escolher um tema é, provavelmente, das coisas mais difíceis para o pesquisador

iniciante, sobretudo se for aluno de graduação. Pesquisadores experientes costumam

desenvolver técnicas de documentação do trabalho científico que lhes permitem, não só

extrair de seus arquivos tais temas, como trabalhá-los concomitantemente.

Mas o pesquisador iniciante geralmente não acumulou o volume de informações

necessário para tal empreendimento. Como orientação, um bom começo é conhecer o que

outros já fizeram, visitando bibliotecas onde seja possível encontrar monografias,

dissertações de mestrado e teses de doutorado. Tais trabalhos servem como fonte de

inspiração, além de nos familiarizar com os aspectos formais, teóricos e metodológicos do

trabalho científico. Visitar sites e revistas eletrônicas especializadas na área de

conhecimento auxilia na identificação dos temas que estão em pauta.

Algumas sugestões que auxiliam na escolha do tema:

• O pesquisador deve escolher um tema do qual goste, pois o trabalho de pesquisa é árduo e, às vezes, cansativo. Sem simpatizarmos com o tema, não conseguiremos empenho e dedicação necessários.

• O pesquisador não deve tentar abraçar o mundo. A tendência é formular temas incrivelmente amplos num primeiro momento, geralmente

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resumidos em uns poucos vocábulos. Exemplos: “O desemprego”, “A democracia”; “A Internet”; “A Cultura de Massa” etc.

• Disponibilidade de recursos e material para pesquisa bibliográfico e documental.

• Contribuição para área de estudo, relevância social e atualidade.

O tema não é o problema ainda, mas por ele iniciamos a investigação. É o ponto

de partida ou referência para ser delimitado. Em geral, tem sentido mais amplo.

4. DELIMITAÇÃO DO TEMA

Se o tema é abrangente e o primeiro passo, é necessária a sua delimitação, escolha de uma

faceta, um destaque especial, um aspecto a ser privilegiado. O tema deve ser delimitado e

circunscrito tanto espacial como temporalmente. “O desemprego”, por exemplo, é tema

dos mais amplos. Que tal tratar de “Desemprego e Reestruturação Produtiva nas

Empresas Brasileiras nos anos 90”? A partir do mesmo tema poderíamos estudar vários

aspectos, mas devemos estabelecer os limites da investigação, ou seja, o perímetro ou

escopo que vamos nos comprometer em estudar. Se os temas forem muito abrangentes e a

delimitação pouco precisa, corre-se o risco de ter um trabalho simples de compilação,

recheado de citações sem qualquer referência reflexiva do autor.

Passo 2: Definição do Problema de Pesquisa

Considerando que o tema é o objeto da pesquisa, o problema é o questionamento a partir

deste tema. Com ele a pesquisa passa a ter propósito definido, ajudando na busca de uma

resposta lógica e coesa para nossa duvida.

A problematização traz a dúvida inicial que lança o pesquisador ao seu trabalho

de pesquisa. Ela se apresenta como um delineador metodológico, tendo a função precípua

de indicar ao pesquisador qual o caminho que deve ser percorrido na pesquisa para se

atingir ao objetivo estabelecido. Pode ser formulada como uma pergunta. Seguindo nosso

exemplo: “Quais os impactos para o nível de emprego e qualificação do trabalhador com a

adoção de novas tecnológicas e estratégias organizacionais poupadoras de mão de obra”?

Dependendo do problema, já teremos dicas de quais serão os métodos

necessários.

Para problematizar o tema:

• Pode ser transformado em pergunta.

• Deve ser claro e preciso.

• Evitar o sentido valorativo ou ênfase na moral.

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• Suscetível de solução (por exemplo, se o problema for “Como melhorar a distribuição de renda no país?” seria pretensão em demasia responder em um artigo).

Um problema de pesquisa3 bem delineado torna mais fácil a escolha das

variáveis e determinação se a pesquisa será de causa ou efeito deste assunto.

Passo 3: Formulação de hipótese(s)

A hipótese de pesquisa só será estabelecida se for estabelecido o problema. Ela é a

suposição de uma resposta para o problema formulado em relação ao tema. Por ter essa

característica de “possibilidade” de resposta, no final da pesquisa ela poder ser

confirmada ou negada. É sinônimo de premissa do trabalho, suposição, evidências.

Caracteriza-se por ser uma proposição testável, que pode vir a ser a solução do problema.

É decorrente de observação, resultado de outras pesquisas, teorias e intuição.

Passo 4: Definição dos Objetivos

A definição dos objetivos explicita o que o pesquisador quer atingir ou realizar com o

trabalho de pesquisa. Objetivo é sinônimo de meta, fim. Os objetivos podem ser separados

em Objetivos Gerais e Objetivos Específicos:

a) Objetivos Gerais: relacionam-se com uma visão global e abrangente da tese proposta.

b) Objetivos Específicos: apresentam caráter mais concreto e têm função intermediária e instrumental (aplicado a situações particulares). Não é uma regra, mas, em geral, transforma-se nos capítulos, itens ou subseções do trabalho.

Os objetivos deverão indicar quais as ações serão implementadas para responder

à pergunta do problema. Para deixar claro essa característica prática, sugere-se que o

início da frase seja feito com verbos no infinitivo, tais como: verificar, avaliar, rever,

identificar, explicar, analisar, diagnosticar, comparar etc.

Passo 5: Elaboração da Justificativa

Considerada a parte mais importante de um projeto de pesquisa, já que nela serão

formuladas as intenções do autor da pesquisa. A justificativa, como o próprio nome indica

é o convencimento de que o trabalho de pesquisa deve ser efetivado. Uma boa justificativa

deve levar em conta tanto aspectos sociais quanto científicos do tema. Três são os itens

que não podem deixar de ser observados na justificativa.

3 Podem existir problemas secundários ou complementares.

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- IMPORTÂNCIA: que revela o porquê de se estudar tal tema. Para quem o

estudo deste tema é importante? Por que o estudo desse tema é importante para a ciência

em questão? Por que esse tema é importante para você (pesquisador)? Aqui se concentra a

chamada justificativa científica.

- VIABILIDADE: Quais são as possibilidades de se realizar esta pesquisa? Este

aspecto está relacionado às possibilidades materiais da pesquisa: fontes de consulta

disponíveis, etc. Esta seria a justificação técnico-científica.

- OPORTUNIDADE: Por que esta pesquisa é oportuna neste momento? Ela está

de acordo com os interesses da atualidade da área de conhecimento? Aqui se concentra a

chamada justificativa sócio-científica, quando o pesquisador demonstra que tem

conhecimento de como a sua ciência se reflete na sociedade.

Passo 6: Explicitação do referencial teórico

Corresponde ao primeiro levantamento bibliográfico sobre o assunto e o tema, a fim de

que se possa estabelecer algum caminho teórico para a realização da pesquisa. Como o

trabalho acadêmico não é auto-referente, deve-se demonstrar em qual teoria ou modelo

teórico está embasada a interpretação dos dados e fatos colhidos.

Neste item apresenta-se o estado da arte, ou seja, o ponto no qual se encontram as

pesquisas científicas sobre o tema escolhido, o diálogo com os principais autores ou

correntes interpretativas sobre o tema.

Passo 7: Organização do sumário provisório

Chamado de “esqueleto” ou esquema do trabalho, é o esboço da estrutura do artigo,

dissertação ou tese. Ajuda ao dividir o tema em pequenas partes (ou itens), facilitando a

busca de material ou na redação. Sua principal função é guiar o pesquisador na

organização do material disponível e pode ser alterado no desenvolvimento do trabalho.

Vejamos um exemplo:

Título: Desemprego e Reestruturação Produtiva: impactos no mercado brasileiro a partir dos anos 90 INTRODUÇÃO 1 – A Revolução Tecnológica 1.1 – Evolução da tecnologia e aspectos históricos 1.2 – Aplicações da tecnologia e desenvolvimento econômico

2 – A Reestruturação Produtiva no Brasil 2.1 – Conceitos sobre reestruturação produtiva 2.2 – Novos paradigmas produtivos e organizacionais

3 – Impactos para o emprego

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Passo 8: Definição da Metodologia

Neste item, o pesquisador deverá anunciar o tipo de pesquisa que empreenderá, o método

ou raciocínio de argumentação e as ferramentas que mobilizará para tal. A pergunta

chave a ser respondida aqui é: “como será realizada a pesquisa?”

Como destaca Severino (1996, p. 130),

[...] explicitar aqui se trata de pesquisa empírica, com trabalho de campo ou de laboratório, de pesquisa teórica ou de pesquisa histórica ou se de um trabalho que combinará, e até que ponto, as varias formas de pesquisa. Diretamente relacionados com o tipo de pesquisa serão os métodos e técnicas a serem adotados.

O pesquisador deverá esboçar a trajetória que seguirá ao longo de sua atividade

de pesquisa. Para tanto, deverá destacar: 1) critérios de seleção e localização das fontes de

informação; 2) métodos e técnicas utilizados para a coleta de dados; 3) testes previamente

realizados da técnica de coleta de dados. Deve constar:

a) Definir o tipo de pesquisa (Pesquisa bibliográfica / documental, Pesquisa exploratória, Pesquisa descritiva ou Pesquisa experimental).

b) Definir método de análise e pesquisa (método indutivo, método dedutivo, método hipotético-dedutivo, método dialético ou método fenomenológico).

c) Definir técnicas e procedimentos (fontes): • Pesquisa bibliográfica-documental: livros, teses, artigos,

documentos. • Levantamento: interrogar pessoas (roteiros e questionários) ou

experimentos. • Estudo de caso: concentrar a pesquisa em uma empresa, por

exemplo.

5. OBSERVAÇÃO SOBRE TRABALHO DE CAMPO E COLETA DE DADOS PRIMÁRIOS

Se o pesquisador executa seu trabalho valendo-se de questionários aplicados ao objeto de

seu estudo, com a finalidade de coletar dados que lhe permitam responder ao problema, a

pesquisa é denominada de campo.

Fases da pesquisa de campo

1º - Inicialmente devemos realizar a pesquisa bibliográfica sobre o assunto em questão (tal

estudo nos informará sobre a situação atual do problema, sobre os trabalhos já realizados

a respeito e sobre as opiniões reinantes, permitirá o estabelecimento de um modelo teórico

inicial de preferência, auxiliará no estabelecimento das variáveis e na própria elaboração

do plano geral de pesquisa).

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2º - Após a pesquisa bibliográfica prévia, de acordo com a natureza da pesquisa cumpre

determinar as técnicas de registro desses dados e as técnicas de sua análise posterior.

Sobre os recursos mais utilizados para coleta de dados, alguns esclarecimentos:

Entrevista: entendida como uma conversa orientada para um fim específico, baseada no

diálogo com determinada fonte de dados relevantes para a pesquisa planejada.

• Os quesitos da pesquisa devem ser bem elaborados e o informante deve ser criteriosamente selecionado.

• O entrevistador deve ser discreto, deixando o informante à vontade. Sua função é dirigir a entrevista e mantê-la dentro dos propósitos dos itens preestabelecidos, sendo habilidoso ao evitar que o diálogo desvie-se dos propósitos da pesquisa.

• É importante salientar que o entrevistador deve apenas coletar dados e não discuti-los com o entrevistado; conclui-se que o entrevistador deve falar pouco e ouvir muito.

• O número e a representatividade dos entrevistados devem ser tais que possam apoiar e validar os resultados da pesquisa.

• O entrevistador não deve confiar excessivamente em sua memória; portanto, deve anotar cuidadosamente os informes coletados. Gravar a entrevista é uma maneira eficiente de tirar melhor proveito. A gravação é útil quando se quer recorrer a certa entrevista no sentido de tirar alguma dúvida.

Questionário: utilizado quando se pretende atingir um número considerável de

pessoas. Contém um conjunto de questões que as pessoas preenchem, no próprio local da

pesquisa, ou enviam pelos correios ou outras formas. Seu anonimato pode representar

uma segunda vantagem muito apreciável sobre a entrevista. Entre os cuidados a serem

tomados estão:

• o questionário deve apresentar todos os seus itens de forma clara e que possibilite ao informante responder com precisão.

• é importante que haja explicações iniciais sobre a seriedade da pesquisa, relevância da colaboração e sobre a maneira correta de preencher o questionário (ou formulário).

Formulário: semelhante ao questionário na sua estruturação e mesmo formato, é o

entrevistador que preenche as respostas, após a consulta ao entrevistado; também as

perguntas podem ser mais complexas, pois o entrevistador poderá esclarecer dúvidas e

também fazer anotações sobre as suas próprias observações.

Procedimentos Estatísticos: uma vez ocorridos dentro dos quadros de pesquisa

numa sucessão de dados, precisam receber um tratamento estatístico, para verificar se

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podem os dados ser utilizados e quais as possibilidades de acerto ou erro. Esses dados

necessitam ser estudados pela estatística, e se apresentam em quadros, gráficos ou tabelas.

6. OBSERVAÇÃO SOBRE OS ESTUDOS DE CASO

Estudo de caso é considerado um tipo de análise qualitativa e empírica, investiga um

fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real. As fronteiras entre o fenômeno e o

contexto não são claramente evidentes, sendo múltiplas fontes de evidências utilizadas.

Algumas críticas são tecidas sobre este método, como falta de rigor pela possível

influência do investigador (como falsas evidências e visões enviesadas), por fornecer

pouquíssima base para generalizações e por serem demasiado extensos ou demandar

muito tempo para serem concluídos.

Apesar destas limitações metodológicas, o estudo de caso encontra um uso

extensivo na pesquisa social, seja nas disciplinas tradicionais, como a Psicologia, seja nas

disciplinas que possuem forte orientação para a prática como a Administração4.

Destacam-se as seguintes aplicações do estudo de caso:

• Explicar ligações causais em intervenções ou situações da vida real que são complexas demais para tratamento através de estratégias experimentais ou de levantamento de dados.

• Descrever o contexto de vida real no qual alguma intervenção ocorreu.

• Avaliar a intervenção em curso e modificá-la com base em um estudo de caso ilustrativo.

• Explorar aquelas situações nas quais a intervenção não tem clareza no conjunto de resultados.

Dentre os critérios para a preparação e condução de um estudo de caso, temos

que:

• Ter acumulado conhecimento considerável sobre o tema em questão (seja através de revisão bibliográfica ou outros estudos), pois a coleta e análise ocorrem ao mesmo tempo.

• O pesquisador deve preservar uma postura de neutralidade para evitar a introdução de viés ou de noções pré-concebidas. Para tanto, deve sempre documentar os dados coletados.

• Conseguir acesso à organização-chave e/ou aos entrevistados-chave.

• Munir-se de recursos suficientes para o trabalho em campo (material, local, suporte para anotações etc.).

4 A essência de um estudo de caso – ou a tendência central de todos os tipos de estudo de caso – é que eles tentam esclarecer “uma decisão ou um conjunto de decisões: Por que elas foram tomadas? Como elas foram implementadas? Quais os resultados alcançados”?

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• Desenvolver um procedimento para receber ajuda ou orientação de outros investigadores.

• Criar cronograma relacionando as atividades de coleta de dados em períodos específicos de tempo.

• Preparar-se para ocorrência de eventos inesperados (mudança na disponibilidade dos entrevistados etc.).

• As questões são formuladas para o pesquisador e não para os respondentes.

• Cada questão deve vir acompanhada por uma lista de prováveis fontes de evidência. Essas fontes podem incluir entrevistas individuais, documentos ou observações, pois a associação entre questões e fontes de evidência é extremamente útil na coleta de dados.

• Quando possível, podem ser realizados estudos de casos-piloto que, evidentemente, oferecem melhores condições quando da realização do estudo de caso propriamente dito.

Este método, assim como os métodos qualitativos, são úteis quando o fenômeno

a ser estudado é amplo e complexo, em que o corpo de conhecimentos existente é

insuficiente para suportar a proposição de questões causais, nos casos em que o fenômeno

não pode ser estudado fora do contexto onde naturalmente ocorre.

Ao se decidir por ele, o investigador deve ter em mente os perigos e críticas

normalmente arremessados ao método em questão, deve, portanto, tomar as precauções e

cuidados necessários para evitá-los ou minimizar as suas conseqüências.

Passo 9: Estabelecimento da Metodologia

É a organização, pelo pesquisador, dos processos e passos metodológicos que devem ser

realizados desde o início da pesquisa até a redação final, de acordo com o tempo

disponível e permitido para a realização do trabalho.

Neste item, é preciso identificar cada parte ou fase de sua pesquisa, relacionando-

os com o tempo necessário para executá-la. Os períodos podem estar divididos em dias,

semanas, quinzenas, meses, bimestres, trimestres etc.

Veja um exemplo no Quadro 2.

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58 Construindo o projeto de pesquisa

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Quadro 2 – Exemplo de organização.

Ação / Prazo 18/abr a 24/abr

25/abr a 30/abr

02/mai a 08/mai

09/mai a 15/mai

16/mai a 22/mai

Levantamento da literatura × ×

Montagem do projeto ×

Tratamento dos dados ×

Leitura e fichamento × ×

Elaboração do artigo ×

Revisão do texto × ×

Entrega ×

Passo 10: Indicação de bibliografia

É a indicação preliminar de toda bibliografia encontrada até o momento, ou seja, há um

caráter provisório, sendo a função primordial justificar a existência das fontes.

Todas as citações feitas no texto deverão ser arroladas no final da proposta.

Utilize a Norma ABNT- Referências Bibliográficas – para padronizar, seguindo a ordem

alfabética por autor das obras (que podem ser livros, teses, monografias, revistas, jornais,

artigos, material da internet, manuais de procedimentos, relatórios etc.).

Exemplo:

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 1996.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluída a etapa inicial da pesquisa, de escolha do tema, inicia-se a estruturação da

apresentação dos resultados, ou seja, a elaboração do texto científico, propriamente dito.

Uma vez alcançada a precisão científica na compreensão do tema, partir-se-á para sua

exteriorização, a formatação textual e apresentação pública.

Lembrando que o resultado obtido da pesquisa será tão melhor quanto for a

precisão do planejamento por meio de um projeto estruturado, com problemas e objetivos

definidos, bem como a escolha adequada dos recursos técnicos. Este é, portanto, o grande

papel do Projeto de Pesquisa: ser o norteador do processo de elaboração de trabalhos

acadêmicos.

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REFERÊNCIAS

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ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução Gilson Cezar de Souza. 18. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1994.

______. Métodos e técnicas da pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987.

LAKATOS, E.M.; MARCONI, M.A. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

MEZZAROBA, O.; MONTEIRO, C.S. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

MEDEIROS, J.B. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. São Paulo: Atlas, 1991.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2002.

TRALDI, Maria Cristina. Monografia passo a passo. Campinas: Alínea, 1998.

TRUJILLO, F. Alfonso. Metodologia da pesquisa científica. São Paulo: McGraw-Hill, 1982.

Daniela Maria Cartoni

Possui Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1998), Mestrado em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (2002) e MBA em Gestão de Recursos Humanos (2008). Atualmente é Supervisora de Cursos de Extensão

Universitária da Anhanguera Educacional. Na docência atua como Professor Adjunto na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdades de Valinhos e Faculdade Comunitária de Campinas. Experiência como pesquisadora em Inovação Tecnológica, Reestruturação Produtiva e Políticas de Qualificação Profissional. Atua como consultora em projetos governamentais da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap).

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José Alberto Sallum Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

CULTURA ORGANIZACIONAL1

RESUMO

Até meados dos anos 80, as organizações eram vistas como uma forma racional de coordenar e controlar um grupo de pessoas, possuindo níveis verticais, departamentos, além de relações de hierarquia e autoridade. Mas as organizações são mais do que isso e assumem personalidades próprias, assim como as pessoas que nelas trabalham, sendo locais onde existe um sistema de convicções compartilhado por todos os membros, ou seja, uma cultura. A criação de uma cultura começa com os fundadores da empresa, as ações dos dirigentes têm grande impacto sobre essa cultura e os funcionários da empresa podem tomar conhecimento dela através de histórias (relatos), rituais (atividades repetitivas), símbolos (objetos, ações ou eventos com significados especiais) e a linguagem (símbolos verbais), que contêm os valores culturais da organização. As normas e valores culturais transmitem informação social que pode influenciar o modo como as pessoas decidem comportar-se no trabalho, já que afetam diretamente o modo como os funcionários percebem a si mesmos, seu trabalho e a organização.

Palavras-Chave: comportamento organizacional; comprometimento organizacional; cultura organizacional; informação; valores.

ABSTRACT

Until the mid-80s, the organizations were seen as a rational way to coordinate and control a group of people, possessing vertical levels, departments, and relationships of hierarchy and authority. But organizations are more than that and assume personalities of their own, as well as the workers, and places where there is a belief system shared by all members, or a culture. The creation of a culture begins with the company's founders, the actions of leaders have a major impact on this culture and company employees can learn about it through stories (tales), rituals (repetitive activities), symbols (objects, actions, or events with special meanings) and language (verbal symbols), which contain the cultural values of the organization. The cultural norms and values that convey social information can influence how people decide to behave at work, since it directly affects the way employees perceive themselves, their work and organization.

Keywords: organizational behavior; organizational commitment; organizational culture; information; values.

1 Material da 2ª. aula da Disciplina Perfil Corporativo, Crenças e Valores, Programas Institucionais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 2/5/2009 Avaliado em: 9/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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CULTURA ORGANIZACIONAL

A idéia de enxergar as organizações como culturas, isto é, locais onde há um sistema de

convicções compartilhado por todos os membros, é um fenômeno relativamente recente.

Até meados dos anos 80, as organizações eram vistas como uma forma racional de

coordenar e controlar um grupo de pessoas, possuindo níveis verticais, departamentos,

relações de hierarquia e autoridade, e assim por diante. Mas as organizações são mais do

que isso, assumindo personalidades próprias, assim como as pessoas que nelas trabalham.

Podem ser rígidas ou flexíveis, hostis ou apoiadoras, inovadoras ou conservadoras.

Harvard e MIT estão no mesmo negócio – educação – e separadas fisicamente apenas pela

extensão do Charles River, mas cada qual possui um caráter e sentimento únicos, que vão

além de suas características estruturais.

É grande o reconhecimento de que a cultura desempenha importante papel na

vida dos membros das organizações. No entanto, é interessante notar que a origem da

cultura como variável independente que afeta as atitudes e o comportamento dos

funcionários pode ser encontrada há mais de 50 anos, junto com a noção de

institucionalização (SELZNICK, 1948). Quando uma organização de torna

institucionalizada, ela assume vida própria, independente de seus fundadores ou

quaisquer de seus membros; passa a ter valor por si mesma, independente dos bens e

serviços que produz. Marcas como Sony, Gillette, McDonald’s e Disney são exemplos de

organizações que sobreviveram aos seus fundadores e membros (ROBBINS, 2002).

Quando uma organização se institucionaliza, ela adquire imortalidade.

A institucionalização opera para produzir uma compreensão comum, entre os

membros da organização, sobre aquilo que é o comportamento apropriado e significativo

(ZUCKER, 1983). Assim, quando a organização adquire permanência institucional, os

modos aceitáveis de comportamento tornam-se auto-evidenciados para seus membros

(ROBBINS, 2002). Isso é o que faz a cultura organizacional.

Cultura organizacional é um conceito que se refere ao sistema de valores,

compartilhado pelos membros, de uma organização e que a difere de outra (BECKER,

1982). É um conjunto de características-chave que a organização valoriza. Atualmente,

existem sete características básicas que, em conjunto, capturam a essência da cultura de

uma organização (O’REILLY III et al., 1991).

a) Inovação e assunção de riscos, ou seja, o grau em que os funcionários são estimulados a inovarem ou assumirem riscos.

b) Atenção aos detalhes, isto é, o grau em que se espera que os funcionários demonstrem precisão, análise e atenção aos detalhes.

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c) Orientação para os resultados, ou o grau em que os dirigentes focam os resultados mais do que as técnicas ou processos empregados para o seu alcance.

d) Orientação para as pessoas, ou o grau em que as decisões dos dirigentes levam em consideração o efeito dos resultados sobre as pessoas dentro da organização.

e) Orientação para a equipe, ou seja, o grau em que as atividades de trabalho em equipe são organizadas mais em termos de equipes do que de indivíduos.

f) Agressividade, ou o grau em que as pessoas são competitivas, em vez de dóceis ou acomodadas.

g) Estabilidade, ou o grau em que as atividades organizacionais enfatizam a manutenção do status quo em contraste ao crescimento.

A avaliação da organização em termos dessas sete características revela,

portando, uma ilustração complexa da cultura organizacional. Esse quadro torna-se a base

dos sentimentos de compreensão compartilhada que os membros têm a respeito da

organização, de como as coisas são realizadas quanto à forma como todos devem se

comportar.

Segundo Robbins (2002), “a cultura organizacional se refere à maneira pela qual

os funcionários percebem as características da cultura da empresa, e não ao fato de

gostarem ou não delas”. É um termo descritivo, importante para diferenciar este conceito

do de satisfação com o trabalho (um conceito avaliatório).

A cultura organizacional representa a percepção comum mantida pelos

funcionários da organização, afinal, é um sistema compartilhado de valores. Ela é,

portanto, a maneira informal e compartilhada de perceber a vida e a participação na

organização, que mantém seus membros unidos e tem grande peso sobre o que pensam

sobre si mesmos e seu trabalho. Para Wagner III e Hollembeck (1999), “cultura é uma

força de coesão que influencia o modo como os membros da empresa percebem a

organização formal, seus comportamentos e a si mesmos”.

O reconhecimento de que a cultura organizacional possui propriedades comuns

não significa, entretanto, que não haja subculturas dentro das organizações. As grandes

organizações, em sua maioria, possuem uma cultura dominante e diversas subculturas

(JERMIER et al., 1991). A cultura dominante expressa os valores essenciais compartilhados

pela maioria dos membros da organização, é aquela a que nos referimos quando falamos

da cultura de uma organização. As subculturas tendem as ser desenvolvidas para refletir

problemas, situações ou experiências comuns a alguns de seus membros, e podem ser

definidas por designações de departamentos ou separação geográfica: o departamento de

compras, por exemplo, pode ter uma subcultura compartilhada unicamente por seus

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membros. Ela incluirá os valores essenciais da cultura dominante, além de valores

específicos daquele departamento (ROBBINS, 2002). A cultura dominante é de extrema

importância para o valor da cultura organizacional. É o aspecto do “valor compartilhado”

(ROBBINS, 2002) da cultura organizacional que a torna instrumento poderoso para

orientar e modelar o comportamento dos membros daquela organização.

Uma cultura organizacional forte é aquela em que os valores essenciais são

intensamente acatados e amplamente compartilhados (WIENER, 1988). Quanto mais

membros aceitarem os valores e quanto mais se comprometerem com eles, mais forte será

a cultura. Conseqüentemente, uma cultura forte tem influencia maior sobre o

comportamento dos seus membros (alto controle comportamental). Outra conseqüência é

o índice mais baixo de rotatividade da força de trabalho. Uma cultura forte demonstra

elevado grau de concordância entre seus membros em relação aos pontos de vista da

organização. Essa unanimidade gera coesão, lealdade e comprometimento organizacional,

qualidades que, por sua vez, reduzem a propensão dos funcionários a deixar a

organização (MOWDAY et al., 1982). Por fim, quanto mais forte a cultura organizacional,

menos os administradores precisam se preocupar em desenvolver regras e regulamentos

para orientar o comportamento dos funcionários; essa orientação é assimilada por eles à

medida que aceitam a cultura organizacional.

É importante destacar que as diferenças nacionais, a cultura de cada país,

precisam ser levadas em consideração para que se possa prever mais precisamente o

comportamento organizacional nas diversas nações (ROBBINS, 2002). Pesquisas indicam

que a cultura do país tem um impacto maior sobre os funcionários do que a cultura

organizacional (ADLER, 1997). Um exemplo: os funcionários da IBM em Munique são

mais influenciados pela cultura alemã do que pela cultura organizacional da IBM. Isso

quer dizer que, por mais forte que seja a cultura organizacional para modelar o

comportamento dos funcionários, a cultura do país sempre será mais influente.

A cultura desempenha diversas funções dentro de uma organização.

Primeiramente, tem o papel de distinguir uma organização de outras. Também

proporciona um senso de identidade aos membros da organização, facilita o

comprometimento com algo maior do que os interesses individuais de cada um e estimula

a estabilidade do sistema social (ROBBINS, 2002). A cultura é responsável por manter a

organização coesa, fornecendo padrões adequados para aquilo que os funcionários vão

fazer ou dizer; serve como sinalizador de sentido e mecanismo de controle que orienta as

atitudes e comportamentos dos funcionários.

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Para Deal e Kennedy (1983), “a cultura é, por definição, sutil, intangível, implícita

e sempre presente”. Toda organização desenvolve um conjunto básico de premissas,

convicções e regras implícitas que regem o comportamento cotidiano do trabalho. Até que

os recém-chegados aprendam as regras, eles não são considerados membros plenos da

organização. As transgressões cometidas pelos altos executivos ou funcionários de cargos

mais altos são desaprovadas unanimemente e fortemente punidas. A conformidade às

regras torna-se a base para a recompensa e a mobilidade ascendente. Quem recebe um

convite para se juntar a uma organização, quem tem o desempenho bem avaliado e quem

ganha uma promoção está fortemente influenciado pelo ajuste entre individuo e

organização, ou seja, as atitudes e comportamentos dos candidatos ou funcionários se

mostram compatíveis com a cultura organizacional.

A cultura melhora o comportamento organizacional e aumenta a consistência do

comportamento dos funcionários (ROBBINS, 2002). Esses são aspectos benéficos à

organização. Do ponto de vista do funcionário, a cultura é positiva porque reduz a

ambigüidade ao dizer a ele como as coisas devem ser feitas. Mas os aspectos

potencialmente negativos da cultura não podem ser ignorados, especialmente quando

afetam a eficácia da organização.

A cultura torna-se um problema quando os valores compartilhados não estão de

acordo com aqueles que podem melhorar a eficácia da organização. Isso acontece

geralmente quando o ambiente organizacional é dinâmico, ou seja, passa por rápidas

mudanças. Dessa forma, uma cultura arraigada pode não ser adequada. Quando o

ambiente organizacional é estático, a consistência do comportamento passa a ser um valor

positivo, mas pode se tornar um fardo e dificultar a resposta às mudanças no ambiente.

Assim, a cultura pode se tornar uma barreira às mudanças, quando não é adequada nem

eficaz para lidar com as novidades em seus ambientes.

A cultura pode se tornar também uma barreira à diversidade, quando elimina as

diferenças que pessoas com históricos diversos podem levar para a organização, sustenta

vieses institucionais ou se torna insensível às pessoas que são diferentes. Isso acontece

geralmente com culturas fortes, quando há a contratação de novos funcionários que não

são parecidos com a maioria dos membros da organização – por causa de raça, sexo,

deficiências ou outras diferenças. Isso cria um paradoxo, pois a instituição quer que os

novos funcionários aceitem os valores essenciais da cultura organizacional para se ajustar

à organização e, ainda, para serem aceitos pelos demais. Ao mesmo tempo, a organização

quer reconhecer e apoiar abertamente as diferenças que esses novos trabalhadores levam

para a empresa.

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A criação de uma cultura começa com os fundadores da empresa, os

responsáveis pelo principal impacto sobre a cultura inicial da organização. Não limitados

por costumes ou ideologias pregressas, eles têm a visão daquilo que a organização deve

ser. O processo de criação de uma cultura ocorre de três maneiras (SCHEIN, 1996):

primeiro, os fundadores só contratam e mantém funcionários que pensem e sintam as

coisas da mesma forma que eles, em seguida, doutrinam e socializam esses funcionários

de acordo com sua forma de pensar e sentir, por fim, o comportamento dos fundadores

age como modelo que encoraja os funcionários a se identificarem com ele e assimilarem

seus valores, convicções e premissas. Após o estabelecimento de uma cultura, existem

práticas dentro da organização que visam mantê-la viva, sendo as principais as práticas

de seleção, ações dos dirigentes e métodos de socialização.

A seleção tem como objetivo identificar e contratar indivíduos que tenham o

conhecimento, as habilidades e as capacidades necessários para o desempenho bem-

sucedido das atividades dentro da organização. Quando acontece de mais de um

candidato preencher tais requisitos ser identificado, a decisão final sobre quem será

contratado é significantemente influenciada pelo julgamento de quem parece mais bem

ajustado à organização, ou seja, possui valores consistentes com os da organização. Além

disso, o processo de seleção fornece aos candidatos informações sobre a organização,

eliminando, assim, aqueles que percebem algum conflito entre seus valores pessoais e os

da empresa, indivíduos que poderiam vir a desafiar ou atacar os valores essenciais da

organização.

As ações dos dirigentes têm grande impacto sobre a cultura organizacional

(HAMBRICK; MASON, 1984), já que pela sua forma de comportamento, os altos

executivos estabelecem normas que se espalham pela organização, sobre aspectos como

que riscos devem ser assumidos, quanta liberdade deve ser concedida aos funcionários,

qual a forma de se vestir, quais ações podem se reverter em recompensas, e assim por

diante.

Independentemente da qualidade do processo de seleção, os novos funcionários

ainda não estão totalmente adaptados e doutrinados sobre a cultura organizacional. A

organização precisa, então, ajudá-los a se adaptar (para evitar problemas em relação às

convicções e costumes vigentes na empresa devido a não familiarização com a cultura) à

nova cultura, processo conhecido como socialização (ALLEN; MEYER, 1990). A

socialização pode ser dividida em três estágios: pré-chegada, encontro e metamorfose

(VAN MAANEN; SCHEIN, 1977). O primeiro estágio – pré-chegada – envolve todo o

aprendizado que ocorre antes que o novo funcionário junte-se à organização, e o

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reconhecimento de que cada indivíduo chega com um conjunto de valores, atitudes e

expectativas. O segundo estágio – encontro – o novo membro vê o que a empresa é

realmente e confronta a possibilidade de que as expectativas (sobre o trabalho, os colegas,

o chefe e a organização de maneira geral) e a realidade podem não ser as mesmas. No

estágio final – metamorfose – esse indivíduo precisa resolver os possíveis problemas

surgidos no estágio do encontro, e as mudanças acontecem: o novo funcionário domina as

habilidades necessárias para seu trabalho, desempenha seus papéis e faz os ajustes

necessários para se adaptar aos valores e normas de seu grupo. Após esse processo de

socialização, incluindo seus três estágios, há um impacto sobre a produtividade do

funcionário, seu comprometimento com a organização e rotatividade, ou seja, sua decisão

final de continuar no emprego.

Após a formação de uma cultura organizacional, os funcionários da empresa

podem tomar conhecimento dela através de várias maneiras, sendo os principais as

histórias, os rituais, os símbolos e a linguagem.

As histórias são basicamente relatos de eventos passados que ilustram e

transmitem as normas e valores culturais mais profundos, geralmente conhecidas por

todos os funcionários (WAGNER III; HOLLEMBECK, 1999). Essas narrativas vinculam o

presente com o passado, oferecendo explicação e legitimidade às praticas vigentes

(PETTIGREW, 1979). Referem-se, na maior parte das vezes, a eventos ocorridos com

fundadores da empresa, quebra de regras, enormes sucessos, reduções de força de

trabalho, realocações de funcionários, reações a antigos erros, situações organizacionais

(BOJE, 1991). Quando os membros da organização contam histórias e pensam nas

mensagens que elas transmitem, os exemplos concretos facilitam a evocação posterior dos

conceitos apresentados (WAGNER III; HOLLEMBECK, 1999).

Rituais são seqüências repetitivas de atividades que expressam e reforçam os

valores fundamentais da organização, quais objetivos são mais importantes, quais pessoas

são importantes e quais são dispensáveis (KAMOCHE, 1995). Um ritual é, na verdade, um

rito – atividade cerimonial destinada a comunicar idéias específicas ou a realizar

determinados propósitos – regularmente repetido. Um dos mais conhecidos rituais

empresariais dos Estados Unidos é a premiação anual da Mary Kay Cosmetics (BEYER;

TRICE, 1987). As vendedoras são brindadas com diversos prêmios glamourosos, com base

em seu sucesso em relação às suas cotas de vendas. O ritual sinaliza para as vendedoras

que o fato de alcançar suas metas é importante e que, com trabalho duro, elas também

podem atingir o sucesso (ROBBINS, 2002).

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68 Cultura organizacional

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Os símbolos são objetos, ações ou eventos dotados de significados especiais que

permitem aos membros da organização trocar idéias complexas e mensagens emocionais.

Logotipos de empresas, bandeiras e marcas comerciais são símbolos prontamente

evocados (WAGNER III; HOLLEMBECK, 1999). O espaço físico da empresa, o tipo de

carro disponível para os executivos ou a forma como eles fazem suas viagens são também

outros exemplos de símbolos materiais vistos pelos funcionários como um sinalizador de

quem é importante, qual o grau de igualdade almejada pelos dirigentes e quais os tipos de

comportamento apropriados (ROBBINS, 2002). É evidente que os símbolos são

absolutamente necessários, ao transmitirem mensagens emocionais que não podem ser

facilmente expressas em palavras. Sem os símbolos, muitas normas e valores

fundamentais da cultura de uma organização não poderiam ser comunicados entre seus

membros (WAGNER III; HOLLEMBECK, 1999).

Ainda segundo Wagner III e Hollembeck (1999), a linguagem nada mais é que

um conjunto de símbolos verbais que, geralmente, reflete a cultura particular da

organização. Na Microsoft, por exemplo, desenvolveu-se a linguagem do “tecniquês”, em

grande parte graças à formação técnica de seu fundador, Bill Gates, e da mão-de-obra da

empresa. Hardcore (resistente) significa sério em relação ao trabalho. Uma situação confusa

ou ilógica é chamada de random (casual). As coisas que dão certo são super cool

(superlegais). (REBELLO; SCHWARTZ, 1992). Qualquer que seja a fonte do vocabulário

comum, o fato dele existir significa que há presença e aceitação de um conjunto de normas

e valores. Depois de assimilada, essa terminologia funciona como denominador comum

que une os membros de uma cultura ou subcultura (ROBBINS, 2002).

Goffee e Jones (1998) identificaram quatro tipos culturais distintos.

Primeiramente, existem duas dimensões por trás da cultura organizacional, classificadas

em duas categorias: elevadas ou baixas. A primeira dimensão é a sociabilidade, uma

medida do “clima de camaradagem”: uma alta sociabilidade significa que as pessoas

fazem favores umas às outras sem esperar por recompensas, que essas pessoas

relacionam-se de maneira amigável e carinhosa. A segunda dimensão é a solidariedade,

uma medida de orientação para a tarefa: alta solidariedade significa que as pessoas

podem abrir mão de seus vieses pessoais e se unirem na busca de interesses e objetivos

comuns. Associadas as dimensões, temos quatro tipos culturais: cultura de trabalho em

rede (elevada sociabilidade e baixa solidariedade: os membros vêem-se como familiares e

amigos, conhecem-se e gostam uns dos outros; estão sempre dispostos a ajudar e trocam

informações abertamente), cultura fragmentada (baixa sociabilidade e baixa

solidariedade: os membros são individualistas, o comprometimento é quase que

exclusivamente do individuo com suas próprias tarefas; os funcionários são julgados

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apenas quanto à sua produtividade e à qualidade de seu trabalho), cultura de

comunidade (elevada sociabilidade e elevada solidariedade: os membros valorizam tanto

a camaradagem quanto o desempenho, e há uma sensação de familiaridade ao mesmo

tempo em que existe um foco sobre a conquista dos objetivos; os líderes desse tipo de

cultura costumam ser inspiradores e carismáticos, com clara visão do futuro da

organização) e a cultura mercenária (baixa sociabilidade e elevada solidariedade: os

membros são ferozmente focados nos objetivos, intensos e determinados na conquista de

suas metas; têm fixação em realizar as coisas rapidamente e um poderoso senso de

propósito, não pretende apenas vencer, quer destruir o inimigo).

É importante destacar que, dentre os quatro tipos de cultura, não há melhor ou

pior. As quatro apresentam um lado negativo: a cultura de trabalho em rede pode levar à

tolerância com o desempenho fraco e à criação de “panelas” (devido ao foco na amizade),

a cultura fragmentada não apresenta coleguismo algum, é excessivamente crítica em

relação às pessoas, a cultura de comunidade pode consumir totalmente a vida das pessoas

(os líderes carismáticos freqüentemente buscam discípulos ao invés de seguidores,

resultando num clima de trabalho quase religioso) e a cultura mercenária pode levar ao

tratamento quase desumano das pessoas cujo desempenho é considerado fraco. Assim, é

necessário avaliar os pontos fracos e fortes de cada tipo de cultura, compará-los aos

valores e características dos futuros membros para saber se haveria o ajuste entre o

funcionário e a empresa. Se a pessoa é independente, não sente necessidade de fazer parte

de grupos, dificilmente se adaptaria a uma empresa como a Unilever, exemplo de cultura

de trabalho em rede. Por outro lado, a pessoa com boas habilidades sociais e empatia, que

gosta de fazer amizades íntimas no ambiente de trabalho, que não é obcecado por

eficiência e desempenho, é quase impossível haver afinidade com uma empresa como a

Mars, de cultura mercenária.

A cultura organizacional origina-se das maneiras informais e não oficiais de

proceder. Segundo Wagner III e Hollembeck (1999), “dentro de toda organização formal

de cargos prescritos e relações estruturais, encontra-se uma organização informal de

regras, procedimentos e interligações não oficiais”, que surge quando os funcionários

decidem, espontaneamente, realizar mudanças no modo de fazer as coisas. À medida que

esses ajustes moldam e alteram a maneira formal de proceder, aflora uma cultura de

atitudes e noções que passa a ser compartilhada entre colegas de trabalho.

Conseqüentemente, a cultura influencia as atitudes tomadas pelos funcionários e os

comportamentos que adotam no trabalho. As normas e valores culturais transmitem

informação social que pode influenciar o modo como as pessoas decidem comportar-se no

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70 Cultura organizacional

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trabalho, já que afetam diretamente o modo como os funcionários percebem a si mesmos,

seu trabalho e a organização.

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José Alberto Sallum

Coordenador dos cursos de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos da Faculdade Anhanguera de Campinas, unidades 2 e 3. Coordenador do curso especial da Faculdade Anhanguera de Campinas, unidade 3. Professor dos cursos de Administração de Empresas e Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos. Psicólogo, atuando nas áreas de treinamento e desenvolvimento, gerenciamento de carreiras e gestão de pessoas.

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Maria Cristina M. Barbosa Faculdade Anhanguera de Valinhos [email protected]

ENSINO-APRENDIZAGEM: PRESSUPOSTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS1

RESUMO

A Educação é um fenômeno próprio do Homem, daí porque a sua compreensão, bem como a do ato de ensinar-aprender que a constitui, passa pela compreensão da natureza humana. Trata-se de um artigo de iniciação à Filosofia da Educação que visa estabelecer as dimensões antropológicas, axiológicas e epistemológicas fundamentais para a concepção do ensino-aprendizagem.

Palavras-Chave: filosofia da educação; fundamentos; ensino-aprendizagem.

ABSTRACT

Education is a typical expression of men, for this reason the comprehension of it, and also of the teaching-learning act that education is constituted, can not be understood without the discussion about human nature. This article introduces Educational Philosophy, and at the moment that anthropological, axiological and epistemological dimensions are established as key characteristics for teaching-learning.

Keywords: philosophy of education; foundations; teaching-learning.

1 Material da 1ª. aula da Disciplina Fundamentos Teóricos do Ensino Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 23/05/2009 Avaliado em: 27/01/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. INTRODUÇÃO

Qualquer atividade que se queira intencional e eficaz necessita ter bem claros os

pressupostos teóricos que orientarão suas ações. A atividade educativa não seria

diferente, e é nesta perspectiva que se insere este trabalho.

Trata-se de uma reflexão, sob o ponto de vista da Filosofia da Educação a

respeito dos fundamentos teóricos do processo de ensino-aprendizagem, com o objetivo

de contribuir para com a docência, possibilitando que tornemos nossas práticas cotidianas

mais eficazes e significativas.

2. PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS2 DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Entendendo que educar significa produzir os consensos humanos3 e sociais básicos e

fundamentais para a vida em comunidade, percebe-se que esta significação se altera na

História em função daquilo que, em cada tempo, foi considerado básico e fundamental

pelas diversas sociedades, ao mesmo tempo em que se constata que esta “produção de

consensos” não esteve, necessariamente, vinculada à existência da escola, senão vejamos.

As comunidade tribais pré-históricas4 conseguiam estabelecer a relação entre os

saberes já existentes e a sua continuidade nas novas gerações utilizando-se das formas

difusas e universais de ensino-aprendizagem, onde todos ensinavam tudo a todos,

oralmente, através dos ritos e dos mitos. Produzia-se o viver comunitário fundado,

consensualmente, no respeito aos mais velhos e nos seus “saberes”; na reprodução dos

mitos e ritos; e no entendimento de que tudo acontecia no ritmo da natureza. A

aprendizagem se dava sem a figura “oficial” do professor e sem a existência da escola e, o

que ainda hoje é o mais encantador, sem a existência de castigos5, uma vez que o ritmo do

aprender era o da própria natureza.

Aquele que ensinava, precisava ter olhar observador (para perceber o ritmo da

natureza), paciência (para esperar que os resultados aparecessem no seu devido tempo) e

2 A História da Educação será, aqui, tratada de forma generalista, como um “cenário espaço-temporal”, onde os fundamentos filosófico-epistemológicos do ensino-aprendizagem irão se estabelecer. 3 Consenso não é unanimidade nem homogeneidade. Consenso é o que resulta, em comum, após a explicitação das diferenças. 4 Pré- história entendida aqui em seu sentido literal; período caracterizado pela tradição oral dos mitos e dos ritos, quando os povos ainda não tinham a escrita para registro dos acontecimentos, 5 A coerção no ensino-aprendizagem aparece nas sociedades mais complexas, em que a necessidade do ensino organizado se faz presente e a educação deve “ganhar tempo” para cobrir a distancia entre a natureza do aprendiz e o que se espera que ele aprenda. Ganha-se tempo e violenta-se a natureza. Poderíamos indagar a respeito das torturas tribais nos ritos de iniciação a que todos são submetido, mas aí a dimensão não é a do ensinar-aprender e sim a do marcar o corpo como sinal de pertencimento ao grupo. Conforme Clastres (1979, p. 125-130) “o corpo é uma memória” do pertencimento social.

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respeito à “natureza diferente” de cada aprendiz. E, aquele que aprendia, o fazia por

imitação o que, às vezes produzia o engano, mas não o erro que merecesse ser punido.

[As] crianças (nas sociedades orais) seguem os adultos nas mais diferentes atividades [...] imitam os adultos, e ao imitá-los, estão imitando os próprios heróis culturais, pois foram eles que fundaram todas as formas de fazer as coisas no interior das culturas. Assim, um homem pesca como pesca porque assim faziam seus antepassados míticos que lhes transmitiram estes conhecimentos. (CALEFFI apud ARANHA 2006, p. 36)

Estas comunidades se transformam muito lentamente e de maneira desigual,

atendendo a especificidades dos lugares e das culturas diferentes a que pertencem. Ainda

há tribos assim vivendo, ensinando e aprendendo na África, na Austrália e no interior do

Brasil, por exemplo. Mas, a História é um permanente movimento e as transformações

foram ocorrendo, exigindo novos saberes e novas formas de ensinar estes saberes.

A revolução agrícola e o pastoreio, a produção de excedentes comercializáveis, a

conseqüente sedentarização e maior complexidade dos agrupamentos humanos

produziram tantas e tão profundas transformações que redefiniram as formas do convívio

social 6, reordenaram os papéis sociais, criaram demandas por uma melhor administração

deste viver coletivo, re-significando o papel das lideranças, dos governantes e de suas

funções político-religiosas. Todos estes eventos exigiam uma nova Educação e também

um ensino organizado, sistematizado, o que deu origem às escolas.

Continuava sendo preciso educar, produzir os consensos humanos e sociais

básicos para a vida em comunidade, mas estes consensos agora resultariam de novos

ambientes e de novas necessidades. A escola surgiu para atender a estas novas

necessidades: era preciso qualificar pessoas para compor os quadros administrativos deste

novo Estado7, bem como para formar sacerdotes para a sustentação das bases teocráticas

deste mesmo poder. Foram, portanto, os primeiros formandos de nossas primeiras escolas

os administradores – funcionários públicos e os sacerdotes –, não nos esquecendo que a

formação na área da saúde compunha o saber sacerdotal, como revela, por exemplo, a

história do Egito.

Mas, que escola era esta? E o ensino-aprendizagem como se estruturava?

Tratava-se de uma escola de caráter elitista, nem todos poderiam ser

funcionários-públicos ou médicos-sacerdotes, uma vez que para a educação antiga a

capacidade de aprender se encontrava vinculada à condição social do indivíduo. Tratava-

6 Há interessantes observações mostrando que os ordenamentos religiosos tentavam responder a estes “novos tempos”. Assim é que dos “Dez Mandamentos” judaico-cristãos três se referem a Deus e os outros sete se referem à ordenação social dos novos tempos de “Homens não mais nômades”. 7 Estado aqui não está sendo entendido como o Estado moderno, mas sim como estrutura administrativa de governo e de poder.

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se de uma forma de aculturação da aristocracia escravista. Só freqüentava a escola quem

possuísse escravos para trabalhar por ele, pois a escola era o “lugar do ócio”.

Outro traço fundamental desta escola era o autoritarismo, não só pela sua

vinculação à aristocracia, mas também pelos pressupostos filosóficos e epistemológicos

em que se fundava: a sustentação teocrática de seus saberes. Os conteúdos a serem

ensinados se sustentavam na “verdade sagrada” que seria a explicação última de todas as

coisas. Como decorrência, o eixo ensino aprendizagem se sustentava na reprodução, uma

vez que aquilo que estava sendo ensinado era de caráter sagrado e, portanto, deveria ser

aceito e reproduzido, nunca discutido.

Nesta escola, o ensino se dava a partir do livro-texto, que era também o livro da

religião oficial ou hegemônica. Assim, o livro-sagrado era o livro estudado. As estratégias

de aprendizagem consistiam na leitura, repetição e memorização das “verdades” nele

contidas. O bom professor seria aquele capaz de, através destas estratégias, levar o aluno

a reproduzir os valores sagrados desejáveis (no fundo, toda escola era escola de moral). O

bom aluno seria aquele que melhor reproduzisse os “modelos sagrados” – e o castigo

deveria ser usado para a correção de rumo daqueles que se afastassem deste padrão

modelar.

Em torno dos séculos VII e VI a.C., na Grécia, surgem aqueles pensadores que

iriam se opor a este modelo explicativo da realidade a partir do mítico, do sagrado. São

eles os chamados “filhos da cidade”, os filósofos, intelectuais de um mundo que agora

dispunha da acessibilidade8 à escrita, o que possibilitava a divulgação dos diferentes

aspectos da vida social e política das comunidades, bem como das divergências nos

costumes e no entendimento do que seriam o Homem9 e a Verdade.

Ao “dessacralizar” as explicações, o filósofo estimulou o debate argumentativo

(sem espaço no mundo teocrático) e redefiniu como deveriam ser produzidos os

consensos humanos e sociais básicos e fundamentais para a vida em comunidade.

É neste contexto que surgirá a PAIDÉIA grega — Projeto de Formação Integral e

Permanente do Homem grego — e o pensar filosófico sobre esta Paidéia se tornará

referencial para as Ciências da Educação ainda hoje, a ponto de ser possível falar em uma

PAIDÉIA Medieval, PAIDÉIA Moderna e até em uma PAIDÉIA Pós-Moderna, pois o

termo se tornou sinônimo de Projeto-Pedagógico Educacional.

8 A aristocracia escravista não acabara. Mas, a escrita, utilizando-se de um novo tipo de alfabeto, se tornara mais “popular”. 9 A expressão Homem, neste texto, terá sempre o sentido de HUMANO, com todas as possibilidades de gênero constitutivas da condição humana.

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Ao discutir os fins da Paidéia, os gregos esboçaram as primeiras linhas conscientes da ação pedagógica e assim influenciaram por séculos a cultura ocidental. As questões: O que é melhor ensinar? Como é melhor ensinar? Pra que ensinar? Enriqueceram as reflexões dos filósofos e marcaram as diversas tendências. (ARANHA 2006, p. 68).

3. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Após as reflexões sobre a PAIDÉIA grega, os eixos orientadores de qualquer Projeto

Pedagógico-Educacional seriam estabelecidos em cima das mesmas questões. Não mais se

poderia pensar a Educação sem que as seguintes perguntas fossem feitas:

Quem é o Homem que será educado? (Aluno)

É preciso discutir os vários entendimentos do humano, originando desta reflexão

a Antropologia Filosófica.

O que deverá ser ensinado a este Homem? (Conteúdo) E por que? (Finalidade).

É preciso repensar os VALORES, contrapondo-se os valores emergentes aos

valores decadentes de uma sociedade, para que se escolha o que é básico e fundamental

para ser ensinado. Neste momento, toda a educação será política porque refletirá uma

tomada de posição diante de valores.

Ao mesmo tempo, é preciso refletir sobre a finalidade do ensinar-aprender, uma

vez que as finalidades se sustentam em cima daquilo que é entendido como o mais

importante, ou seja, a finalidade também traduz um valor.

Como corolário destas questões, surge a da AVALIAÇÃO, pois esta terá

significado à medida que não perde de vista a FINALIDADE do ato de educar. Origina-se

desta reflexão a Axiologia Filosófica.

Como este Homem conhece e aprende? (Métodos e Procedimentos).

É preciso entender os pressupostos do CONHECIMENTO que sustentam as

estratégias de ensino-aprendizagem, tornando factível a Educação. Origina-se desta

reflexão a Epistemologia Filosófica.

A partir, portanto, dos questionamentos feitos à Paidéia grega, o que se entende

por ensinar e aprender, no ocidente, tomou novos rumos.

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Entretanto, o que não pode ser esquecido é que as perguntas-problema são as

mesmas, as respostas é que serão diferentes dependendo das variadas condições em que

foram pensadas e explicitadas. Há interferência dos diferentes olhares, das diversas

ciências, dos variados ambientes em que o fenômeno educativo acontecerá, das

particularidades espaço-temporais, das variações político-ideológicas, das transformações

sócio-tecnológicas, enfim, do dinamismo da própria História.

Foi ao se defrontar com este emaranhado de respostas que pesquisadores da

Filosofia da Educação perceberam a existência de três eixos comuns sustentando e

organizando estas respostas

Quando se examinam as grandes articulações da História Ocidental nos últimos dois milênios, não há como negar a impressionante presença e atuação de concepções de mundo que se sucedem [...] podemos identificar três grandes caminhos trilhados pela filosofia no ocidente: o Homem numa perspectiva Essencialista; o Homem numa perspectiva Naturalista e o Homem numa perspectiva Histórico-Social. (SEVERINO 1994, p. 31-34)

Estes três entendimentos a respeito do que seja o Homem, o Conhecimento e os

Valores darão origem às várias tendências pedagógicas que ainda vigoram na nossa

prática educacional.

3.1. A Concepção Essencialista (Metafísica / Inatista / Apriorística)10

• Período histórico: Antiguidade - Idade Média (15 séculos aproximadamente).

• Principais filósofos: Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino.

Esta concepção afirma em sua Antropologia que:

O Homem é portador, desde o seu nascimento, de características essenciais,

comuns a todos (por exemplo, dons e talentos), que se reportam a “fôrmas metafísicas

originais” que são os Modelos da Perfeição de cada uma delas. Por isso, o nosso

conhecimento funda-se em tantos modelos. Temos modelos de aluno perfeito, de

professor perfeito, de amigo perfeito, de patrão perfeito, de namorada perfeita e por aí

vamos.

Não são negadas as diferenças concretas, particulares, individuais entre os

Homens, mas elas são acidentais. Na sua essência, todos os Homens são iguais, pois se

sustentam no Modelo Metafísico de seu Ser. O Homem é definido pelas características que

permanecem, não pelas que mudam.

10 Foram utilizadas as várias denominações de uma mesma concepção.

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Este entendimento se refletirá na concepção pedagógica tradicional que, ao

entender que todos os Homens são metafisicamente iguais, fundará uma prática de sala

de aula única para todos e repetitiva, pois as condições humanas da aprendizagem serão

essencialmente sempre as mesmas.

Em sua Axiologia, esta concepção dirá:

Os Valores que presidem a ação do Homem serão os valores ÉTICOS. O Homem

não é responsável por suas características metafísicas, inatas, mas é responsável pela sua

ação moral. Posso não ter nascido com o talento para, concretamente, ser o modelo de

aluno de matemática, mas sou moralmente responsável por ser VIRTUOSO (gregos) ou

SANTO (Idade Média) e, neste momento, sou responsável por “correr atrás”, por me

dedicar a esta busca da perfeição modelar.

O principal valor moral do Homem residirá na Vontade, uma vez que o dom da

inteligência, por exemplo, não depende deste Homem querê-lo ou não. Assim sendo, é

nesta busca do modelo ideal que o Homem chegará ao máximo de perfeição que sua

potencialidade permitir, nisto residirá a virtude para os antigos gregos e o mérito para os

filósofos modernos.

Cada Homem será responsável por ser bom ou mau, daí a importância do

conhecimento, pois quem melhor conhece, melhor escolhe e, certamente, será moralmente

melhor. Para o filósofo grego o Homem sábio será inevitavelmente o Homem virtuoso e

santo. Nesta concepção, até a santidade é privilégio dos “iluminados pelo saber”, e, por

isso, nós professores somos sacerdotes de uma “missão sagrada”.

Quanto à sua Epistemologia, será afirmado que o Conhecimento é apriorista, inato:

O Homem nasce com características espirituais que validarão o seu conhecimento

a priori. O espírito racional do Homem reconhece os modelos metafísicos universais em

cada situação particular. Portanto, para que este Homem aprenda ou conheça, ou ainda

“relembre”, como quer Platão, será preciso uma boa metodologia, como a Maiêutica

socrática, a Dialética platônica ou a Lógica aristotélica, utilizadas ainda hoje na pedagogia

tradicional, pois estes métodos serão capazes de levar o aluno a este saber a priori.

Nesta epistemologia, o professor será sempre a figura central, uma vez que ele é

aquele que já conseguiu “sair da caverna” (platônica), por isso tem o compromisso moral

e político de tirar os seus alunos daquela escuridão. O professor “sabe a Saída” através do

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Conhecimento, o aluno “não sabe”. (Como curiosidade, este também é o argumento de

Platão para explicar porque o filósofo deveria governar a República.)11

A Educação nesta concepção será pautada pela seguinte questão: como levar o

aluno a concretizar o modelo de perfeição que, potencialmente, já traz dentro de si?

(Atualizar potências, como diria Aristóteles.)

Usamos para atingir este objetivo as metodologias citadas e a seguinte forma de

avaliação: temos um “modelo de aluno” e os nossos alunos individualizados e concretos

serão considerados melhores ou piores à medida que mais se aproximarem ou se

afastarem deste “modelo metafísico”.

A partir deste entendimento, compreende-se figura central do professor nesta

pedagogia chamada de magistrocêntrica. “[...] apesar de constatadas diferenças entre os

seres humanos, existirá uma essência humana, um modelo a ser atingido por meio da

educação” (ARANHA, 2006b, p. 150).

A esta concepção essencialista, metafísica, corresponderá a Pedagogia

Tradicional.

3.2. Concepção Naturalista (Cientificista / Ambientalista / Positivista)

• Período Histórico: Modernidade (5 séculos aproximadamente).

• Principais Filósofos: Bacon; Locke; Descartes; Comte; Durkheim.

Esta concepção se declara contrária às explicações Metafísicas / Teológicas /

Essencialistas e em sua Antropologia afirma que:

O Homem é uma realidade natural, portador de uma Razão Natural e pode ser

explicado pelas mesmas Leis Naturais que explicam toda a natureza. Estas explicações serão

dadas por cada uma das Ciências que se propõe a estudar o Homem, em suas várias

dimensões naturais: Biologia; Psicologia; Antropologia Científica; Sociologia, Neuro-

Linguistica etc.

11 A metodologia socrática consiste fundamentalmente em “saber perguntar”, para que o aluno “coloque para fora” o a priori que já traz dentro de si. As perguntas serão diferentes dependendo dos objetivos que se queira atingir. Se quero ensinar conteúdos, ou fazer o aluno conhecer as suas reais potencialidades, as perguntas serão construtivas e amigáveis, levando-o a aprender, a isto Sócrates chama de maiêutica, que é o partejar das idéias (objetivo de formação intelectual). Mas, se quero levar o aluno a ter consciência da sua ignorância, uso a ironia, para fazê-lo compreender a máxima: “O que sei, é que nada sei” (objetivo de formação moral). A Dialética platônica se utilizará dos debates argumentativos a partir das contradições para fazer o aluno chegar ao conhecimento de qualquer ordem (intelectual ou moral). Mas, também aqui, a maiêutica ou a ironia poderão ser utilizadas e o debate poderá ser um diálogo ou uma confrontação. A Lógica aristotélica cobrará a fundamentação e a consistência do saber, bem como a exatidão argumentativa e formal com que este saber será expresso, pois, como dizia Aristóteles, uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto.

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E, em sua Axiologia, esta concepção dirá:

Os Valores que devem prevalecer sobre os demais devem ser os da realidade

natural, os que levem o Homem e qualquer outro ser vivo a viver mais e melhor, sempre de

acordo com a sua natureza. Estes valores deverão ter uma validação científica e técnica, pois

estes são os indicadores que deverão presidir as ações do Homem, para que sejam

eficazes.

Quanto à sua Epistemologia, afirma que:

O Conhecimento é Empírico: É “naturalizado”. Nada mais de modelos espirituais,

metafísicos. O Homem é portador de capacidade natural (Razão Natural) que o levará ao

conhecimento, bastando que se relacione empiricamente com a realidade, a observe, dela

retire os elementos constantes, estabeleça padrões e a explique em demonstrações lógico-

matemáticas. É o modo científico de pensar (positivismo).

É preciso conhecer para determinar a natureza de qualquer fato ou fenômeno e

depois explicitá-lo com precisão, testando a sua veracidade na constância e na forma

como se manifesta.

A Educação nesta concepção deverá ser laica e científica. O aluno será levado a

conhecer a natureza das coisas, incluindo aí a sua própria natureza, porque ao compreender a

natureza de qualquer coisa o Homem a dominará e, neste momento, terá poder sobre ela,

inclusive o poder de mudá-la DESDE QUE ISTO SEJA NATURAL. Saber se torna Poder, como

afirma Bacon.

Este é o caminho do saber, como afirma Roger Bacon: ”Da autoridade às coisas, dos

livros à natureza, das opiniões às fontes”. Para chegar a tal domínio, prioriza-se o saber

especializado.

Descartes, no seu Discurso do Método, propôs que o Homem, para melhor

entender a realidade e não se enganar, deveria dividir esta mesma realidade em quantas

partes fosse necessário para melhor analisá-la e entendê-la. E, só depois, reconstruí-la em

um exercício de síntese. A especialização passa a ser condição para que o conhecimento se

efetive com menor chance de erros.

Os métodos experimentais, científicos e matemáticos deverão nortear o ensino e

a aprendizagem. Deve-se metodicamente buscar o que é constante, o permanente debaixo

das mudanças. A diferença entre esta concepção e a concepção essencialista é que, aqui, o

permanente será da ordem da natureza e não da ordem das essências metafísicas.

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Os critérios de avaliação também deverão ser científicos e técnicos, o que supõe

serem quantificáveis para serem matemática e numericamente traduzidos. A tendência

pedagógica que resultará desta concepção filosófica será a da Pedagogia Naturalista,

Cientificista, Positivista com as denominações de Escolanovismo, Pedagogia Não-

Diretiva e Tecnicista.

3.3. Concepção Histórico-Social (Sócio-Interacionista)

• Período Histórico: Fim da Modernidade. Início da Contemporaneidade (Séculos XIX, XX e XXI).

• Principais filósofos: Hegel; Marx.

Em sua Antropologia, esta concepção afirma que:

O Homem: é um ser Natural e Histórico, determinado pelas condições objetivas

da existência, incluindo nestas condições a classe social a que pertence. Este Homem é

capaz de modificar estas condições através da Práxis (ação consciente).

O Homem se constitui como tal por meio das interações sócio-históricas. O que o

distingue dos irracionais não é a alma essencial, metafísica, nem apenas o arcabouço

biológico e sim a sua capacidade de se libertar das necessidades através do trabalho. Só no

Homem a necessidade satisfeita gera novas necessidades e, para satisfazê-las, este mesmo

Homem criou instrumentos e o trabalho e este, por seu turno, passou a ter um significado

que ultrapassa o indivíduo. A partir do trabalho, a necessidade deixa de ser uma

dimensão da impotência humana diante da natureza, para se tornar liberdade e

capacidade de realização. Este Homem assim entendido só poderá ser educado na

pedagogia do trabalho, “O que não é garantido pela natureza tem que ser produzido

historicamente pelos homens e aí se incluem os próprios Homens” (SAVIANI, 2003, p.13).

Os Valores “são definidos pelo tipo de relação de poder que os Homens

estabelecem entre si na sua prática real, sendo os critérios de avaliação da ação e da

educação eminentemente políticos”. (SEVERINO, 1994, p. 35).

Os valores, assim entendidos, definem a práxis que é uma atividade consciente e

transformadora do Homem e da realidade. É valor fundamental, porque é a partir desta

que o Homem produz o que até então não existia, seja um produto mesmo ou um

significado (produção do simbólico).

E quanto à sua Epistemologia, afirma que:

O Conhecimento é interacionista, dialético. Resulta da relação entre o Sujeito

(que conhece) e o Objeto (que é conhecido). O sujeito se percebe no mundo do objeto e o

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objeto só tem um significado a partir do sujeito. Esta é uma situação indissolúvel: Sujeito e

Objeto em permanente interação e construção de sentidos.

Este conhecimento é prático porque é experimental, terá como resultado a ação

do Homem sobre a natureza; é social porque no ato de conhecer o Homem percebe os

outros Homens como iguais a ele mesmo e com eles interage e constrói significados; é

histórico pois todo conhecimento foi adquirido e construído NA e COM a História.

Pedagogicamente, só faz sentido o saber que é construído histórico-socialmente.

A Educação. “A educação é um processo individual e coletivo de construção da

consciência social e de reconstrução da sociedade pela rearticulação política” (SEVERINO,

1994, p. 34). Os valores, assim como os critérios de avaliação, são Políticos:

Se não acredito que a desigualdade pode ser convertida em igualdade pela mediação da Educação (obviamente não em termos isolados, mas articulada com as demais modalidades que configuram a prática social global), então, não vale a pena desencadear a ação pedagógica. (SAVIANI, 1988b).

Pertencem ainda a esta concepção, as teorias sócio-interacionistas e

construtivistas que surgiram no bojo da Psicologia Cognitiva e da Lingüística e que,

devido à sua importância para as atuais teorias da aprendizagem, serão objeto de nosso

estudo em outro momento. Esta concepção dará origem à Pedagogia Interacionista,

Progressista em suas determinações Libertadora, Libertária e Crítico Social.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação é um fenômeno próprio dos humanos, daí porque sua compreensão e a do

ato de ensinar-aprender que a constitui, passar pela compreensão da própria natureza do

Homem. Esta nossa reflexão pretendeu mostrar como na constituição histórica do

pensamento humano sobre a Educação alguns momentos, como o da Paidéia grega foram

determinantes, bem como o da criação da escola.

Com relação à Escola, viu-se que a Educação se faz com ou sem ela.

Esta ainda é uma discussão presente nas Ciências da Educação: há autores como

Bordieu e Passeron que entendem ser a Escola uma forma de reprodução da sociedade e,

neste sentido, mantenedora do status quo. Assim também pensa Althusser ao classificá-la

como Aparelho Ideológico do Estado. Há, ainda, Illich que propõe a Desescolarização para que

realmente haja Educação. Esta linha de pensamento constitui o denominado pessimismo

ingênuo, segundo Cortela (2006).

As concepções naturalistas (positivistas) e histórico-social também divergem

quanto à função da Escola. Os primeiros entendem que a escola é a redentora social, através

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dela os Homens se adaptam à sociedade e restaura-se a ordem social que levará

inevitavelmente ao progresso. Cortela (2006) denomina esta visão de otimismo pedagógico;

os histórico-sociais entendem que a escola, juntamente com as demais forças sociais,

poderá criar as condições necessárias para transformar o mundo em que o Homem vive, é

o chamado otimismo crítico (CORTELA, 2006).

Sob qualquer aspecto, nós, educadores, somos os partejadores do futuro...

variando o que se entende por futuro e neste momento temos que recomeçar

estabelecendo os consensos humanos e sociais básicos para a vida em comunidade.

REFERÊNCIAS

ARANHA, M.L. A história da educação e da pedagogia – geral e do Brasil. 3. ed. rev. ampl. PLT – Curso de Pedagogia Anhanguera Educacional. São Paulo: Moderna, 2006a.

______. Filosofia da Educação. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Moderna, 2006b.

BARBOSA, M.C.M. A formação do administrador de empresas na sociedade global: Perspectivas e Contradições do Ensino da Filosofia e da Ética. UNICAMP. Campinas, SP, [s.n] Faculdade de Educação, 2002.

CLASTRES, P. A sociedade contra o Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.

CORTELA, M.S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 10. ed. São Paulo: Cortez, Instituto Paulo Freire, 2006.

LIBÂNEO, J.C. Democratização da escola pública: pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985.

LUCKESI, C.C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica. 8. ed. rev. ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.

______. Escola e democracia. 20. ed. São Paulo: Cortez - Autores Associados, 1988b.

______. Educação: do senso comum à consciência filosófica São Paulo. Corte - Autores Associados, 1980.

SEVERINO, A. J. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994.

Maria Cristina Mesquita Barbosa

Graduada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Poços de Caldas, MG (1969) e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002), é professor adjunta das Faculdades Anhanguera nos campi da Valinhos e Campinas unidade 1, além de ministrar aulas no curso de Capacitação Docente. Exerce, atualmente, a Coordenação do Projeto de Extensão “Faculdade Aberta da Terceira Idade” na Faculdade Anhanguera de Valinhos. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia e Filosofia da Educação atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, educação, ética, sociologia, didática.

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Suselei A. Bedin Affonso Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

O PROJETO PEDAGÓGICO COMO FERRAMENTA INSTITUCIONAL1

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo discutir o processo de elaboração do projeto político pedagógico de uma instituição como uma construção coletiva, bem como fortalecer a importância do planejamento como ferramenta necessária através do qual a instituição deixa claras suas expectativas e as metas que quer alcançar como resultado social de seu trabalho, definindo propostas de ações, atitudes, regras e rotinas para que esses resultados sejam alcançados.

Palavras-Chave: planejamento; projeto pedagógico; gestão participativa.

ABSTRACT

This article aims to discuss the process of developing the political pedagogical project of an institution as a collective, as well as strengthen the importance of planning as a necessary tool through which the institution makes clear its expectations and goals you want to achieve as a result social work, defining proposed actions, attitudes, rules and routines so that these results are achieved.

Keywords: planning; teaching project; participatory management.

1 Material da 1ª. Aula da Disciplina Projeto Pedagógico e Operação Acadêmica, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 23/5/2009 Avaliado em: 10/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. INTRODUÇÃO

Na sociedade atual, a educação assume papel cada vez mais imprescindível no processo

de desenvolvimento econômico e social. No mundo globalizado e em constantes

transformações, o próprio conceito de educação vem sendo revisto e ampliado,

assumindo uma perspectiva processual que não se encerra ao final da escolarização, mas

se prolonga ao longo da vida do indivíduo para permitir que ele possa responder aos

desafios da provisoriedade do conhecimento, num contexto em constante mudança

(DELLORS, 1999, p. 50).

Singer (1998) aponta que os reflexos das transformações ocorridas na economia

mundial e a crescente demanda por profissionais dotados de conhecimentos gerais,

flexíveis, com capacidade de assumir diferentes funções e enfrentar problemas inéditos,

têm se apresentado como grandes desafios estabelecidos para o ensino, em especial para o

ensino superior, gerando a busca de novos paradigmas de qualidade acadêmica e de

currículo.

Intimamente interligadas às demandas da sociedade e do mercado de trabalho,

as expectativas e demandas dos alunos buscam um curso superior para concretizar seu

projeto de vida. Segundo Guindani (2006), os que ingressam no ensino superior procuram

o diploma de graduação como ponto de partida. No fundo, têm convicção de que sua

formação não estará completa, que há um processo contínuo a ser desenvolvido ao longo

de toda vida profissional. Diante dessa nova perspectiva, o ensino universitário não pode

ser mais entendido como fim em si mesmo, precisa ser rediscutido sob a ótica da

complexidade, que exige o rompimento de uma concepção de conhecimento fechado,

acabado e especialista, com vistas a uma concepção de produção de conhecimento mais

aberta, compartilhada e autônoma (MORIN, 1990).

Pensar o ensino universitário nessa perspectiva significa pensar em alternativas

na esfera do ensino-aprendizagem que propiciem o desenvolvimento das habilidades e

competências, necessárias à inserção social do aluno nos setores profissionais, à

participação no desenvolvimento de sua comunidade e à formação continuada. A

formação de um profissional apto a enfrentar as novas exigências sociais exige das

instituições de ensino superior um novo dinamismo educacional, capaz de estabelecer

oportunidades de articulação entre teoria e prática e propostas de currículos, que

contribuam para a construção da autonomia intelectual e profissional de seus alunos.

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No campo educacional, tais ideais são importantes na perspectiva do debate e da

construção de conhecimentos, porém se não dispusermos de ferramentas necessárias para

converter essas reflexões em prática, as transformações necessárias não acontecerão.

Segundo Gandin (1999, p.14) para que as instituições de ensino superior possam

enfrentar os desafios e contribuir significativamente para que as transformações ocorram,

elas precisam ter clareza e bom desempenho em duas dimensões: riqueza e adequação

das idéias; instrumentos apropriados para transformar essas idéias em prática. Esses dois

aspectos têm igual importância, ”um propondo o rumo, outro propondo caminhos, o que

só será possível de maneira digna se ambos forem ligados entre si pelo diagnóstico da

prática”.

Nesse contexto, é possível compreender a importância de que o trabalho

formativo desenvolvido nas instituições de ensino superior esteja pautado em

planejamento e em estratégias de ação orientadas, definidos através de uma ferramenta: o

projeto pedagógico, que, dentro da perspectiva apontada por Gadotti (2001, p.57) permite:

[...] ar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. As promessas se tornam visíveis, os campos de ação possíveis, comprometendo seus atores e autores.

Nessa perspectiva, o projeto pedagógico apresenta-se como um instrumento,

através do qual a instituição deixa claras suas expectativas e as metas que quer alcançar

como resultado social de seu trabalho, definindo propostas de ações, atitudes, regras e

rotinas para que esses resultados sejam alcançados.

O ensino superior precisa ser compreendido como uma teia de relações, na qual

estão o acadêmico, o conteúdo científico e a sociedade, com seus problemas e desafios

(GUINDANI, 2006). Os alunos que chegam ao ensino superior, em sua grande maioria,

buscam construir identidade profissional. Sendo assim, o Projeto Político Pedagógico da

Instituição, e mais especificamente, o projeto de cada um de seus cursos, é que fornecerá,

a partir de sua organização curricular e de suas propostas de práticas educativas, os

referenciais profissionais a estes alunos. É imprescindível a coordenação do corpo docente

em torno da missão da instituição, do curso e das concepções pedagógicas adotadas. Só

assim o acadêmico encontra um referencial profissional que seja construído a partir dessa

integração e do diálogo interdisciplinar.

Além de definir as concepções e finalidades da educação, o projeto pedagógico

possibilita um processo de auto-gestão, à medida que se constitui “no meio pelo qual a

Instituição dá sentido a sua realização concreta no espaço do ensino–aprendizagem, por

meio de ações dinâmicas e históricas” (SANCHES, 2006, p. 106).

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88 O projeto pedagógico como ferramenta institucional

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O projeto pedagógico da instituição ou curso não deve ser compreendido apenas

como um documento que atenda às exigências administrativas ou burocráticas, mas como

um registro, resultado de um processo de reflexão realizado pela instituição como forma

de atender às exigências sociais, às diretrizes curriculares nacionais, às necessidades da

instituição e de sua comunidade, concretizando a identidade da Instituição. Os projetos

[...] são referenciais teóricos metodológicos que auxiliam na superação dos desafios enfrentados. Não são documentos de moda nem de domínio exclusivo dos dirigentes. São norteadores do trabalho que garantem a unidade dos profissionais envolvidos com o mesmo. São balizadores de praticas pedagógicas, ações docentes, discentes e dos gestores. (SANCHES, 2006, p. 107)

2. A FINALIDADE DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Quando consideramos o projeto pedagógico de uma instituição ou de um curso, estamos

nos referindo às concepções e finalidades que norteiam as diferentes atividades e

programas de aprendizagem daquela instituição, que em última instância constituem sua

identidade.

Mais do que um documento sistematizado para circulação, socialização e análise

permanente da sua execução e adequação no interior da instituição, o projeto é reflexo de

um processo de discussão e planejamento em diferentes níveis, a partir da realidade

vivenciada.

Segundo Gandin (1999), as instituições educacionais têm tradicionalmente usado

alguns instrumentos legais, tais como as leis de diretrizes e bases da educação, pareceres,

resoluções de conselhos de educação e regimentos como parâmetros para transformar

suas idéias em ações. Tais referenciais acabam por definir e direcionar o trabalho

pedagógico a ser desenvolvido, conferindo-lhes caráter predominantemente genérico,

uma vez que as especificidades das instituições de ensino nem sempre são contempladas.

A atual legislação (LDB 9.394/96), porém, recomenda a utilização de uma

ferramenta mais democrática, a proposta pedagógica, mostrando a necessidade de cada

instituição construir coletivamente a partir do envolvimento de seus diversos segmentos o

seu projeto político-pedagógico que, sem ferir as recomendações e princípios legais, possa

conferir à instituição uma autonomia relativa atendendo, assim, suas necessidades,

demandas, especificidades e expectativas.

O projeto pedagógico da instituição deve estabelecer as diretrizes básicas de sua

organização e funcionamento, integradas às normas comuns do sistema nacional e do

sistema ou rede ao qual ela pertence. Sua finalidade deve ser a de permitir o

reconhecimento e expressão da identidade da instituição de acordo com sua realidade,

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características próprias e necessidades locais. Segundo Portela e Atta (1999, p. 78) o

projeto pedagógico de uma instituição também tem por finalidade:

• Estimular o sentido de responsabilidade e de comprometimento da escola na direção do seu próprio crescimento.

• Definir o conteúdo do trabalho institucional, tendo em vista as Diretrizes Curriculares Nacionais para ensino, os princípios norteadores do ministério da educação, a realidade da escola e as características do cidadão que se quer formar.

• Dar unidade ao processo de ensino, integrando as ações desenvolvidas seja na sala de aula ou na instituição como um todo, seja em suas relações com a comunidade.

• Criar parâmetros de acompanhamento e de avaliação do trabalho escolar.

• Definir, de forma racional, os recursos necessários ao desenvolvimento da proposta.

Nessa perspectiva, o Projeto Pedagógico da instituição é a organização existente

no âmbito educacional, concebida e elaborada a partir da reflexão sobre seu cotidiano. De

acordo com Veiga (2001), sua construção requer uma ruptura com a centralização de

poderes. Portanto, deve ser construído a partir de um processo democrático que permita a

participação de todos os segmentos da comunidade educacional (corpo discente e

docente, equipes de gestão e funcionários) na tomada de decisões e encaminhamentos,

através da criação de canais de participação dos colegiados ou de seus representantes.

Embora nenhum segmento tenha importância menor que a do outro nesse trabalho

coletivo, é importante definir, com clareza, as responsabilidades que cada um deve

assumir, considerando a existência de funções e níveis hierárquicos diferenciados dentro

da instituição. Ou seja, todos devem ter seu espaço de participação, mas não se deve

confundir o espaço das atribuições, ultrapassando os limites de competência de cada um

(PORTELA; ATTA, 1999).

Para que a construção do projeto seja viável, não pode ser imposto pelos órgãos

superiores, nem basta convencer a equipe educacional, mas sim propiciar situações que

lhes permitam aprender a pensar a respeito do fazer pedagógico, dos indicadores e

situações cotidianas, para vislumbrar possibilidades de mudanças para melhorias

(VEIGA, 1997). Isso pressupõe a valorização da interação entre as pessoas, priorizando o

coletivo e superando dificuldades em busca da educação de qualidade, que deve estar

fundamentada nos seguintes princípios:

• igualdade de condições de acesso e permanência na escola;

• qualidade para todos;

• gestão democrática para uma construção coletiva, compreensão dos problemas da prática pedagógica, socialização e participação;

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• valorização do magistério, através da formação continuada.

A discussão da proposta pedagógica apresenta-se como exercício que possibilita

o crescimento da identidade institucional ou do curso bem como de todos que dela

participam, apresentando questões metodológicas e de conteúdo.

3. O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Em seu processo de construção, os projetos pedagógicos passam por dois momentos

importantes e interligados, permeados de ações avaliativas: o de concepção e o da

execução (SANCHES, 2006).

Gandin (1994) e Gadotti (2001) ao discutirem o planejamento participativo

apontam algumas etapas fundamentais desses momentos: estabelecimento de um

referencial (marco situacional e doutrinal/filosófico), realização de um diagnóstico da

realidade e de uma proposta de ação (marco operativo), todos atravessados por processos

de avaliação.

O marco situacional (GANDIN, 1994) é construído a partir da percepção do

grupo em torno da realidade em geral: como a vê, quais seus traços marcantes, qual a

relação do quadro sócio-econômico, político e cultural amplo e o cotidiano da instituição.

Sua importância deve-se ao fato de que pode desvelar os elementos estruturais que

condicionam a instituição e seus agentes. Neste marco, o que se pretende é a explicitação

de uma visão geral da realidade.

Para que a fase da concepção de um projeto pedagógico seja executada de

maneira adequada é preciso que a equipe educacional compreenda o contexto social,

econômico e político no qual a instituição está inserida, a realidade social e cultural de

seus alunos e qual o papel ou relação da instituição com a sociedade.

Essa reflexão possibilitará o estabelecimento de um referencial (GADOTTI, 2001)

expressando a posição que a instituição planeja em relação à sua identidade, visão de

mundo, utopia, valores, objetivos, compromissos. Indica o “rumo”, a direção que a

instituição escolheu, fundamentado em elementos teóricos da filosofia, das ciências, da

cultura da coletividade envolvida. Implica, portanto, opção e fundamentação.

Para Reis (1995), nesse referencial os diversos segmentos da instituição são

desafiados a expressar o sentido de seu trabalho pedagógico e as grandes perspectivas da

caminhada rumo à concretização. Vários questionamentos precisam ser respondidos,

entre eles destacam-se: quais são os fundamentos em relação à instituição? Que

profissional se quer formar e para qual sociedade? Que escolhas fazemos em torno das

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concepções de educação, de ensino aprendizagem, de avaliação para atingir os objetivos

previstos?

As reflexões sobre o marco doutrinal ou filosófico vão permitir o delineamento

da concepção de homem, sociedade, educação, currículo e ensino-aprendizagem que

subsidiará o projeto pedagógico de um curso ou instituição. Colaboram, ainda, na

definição da adequação da formação a ser oferecida em relação a contextos específicos de

atuação.

Nesse momento inicial, são definidos missão e objetivos da instituição, suas

opções de atuação acadêmica (cursos e modalidades de cursos), suas responsabilidades

sociais, os princípios filosóficos e teóricos metodológicos que nortearão as práticas

acadêmicas da instituição e seus propósitos no campo do ensino, pesquisa e extensão.

Segundo Sanches (2006, p. 110), a função maior desse referencial é a de

“tensionar a realidade no sentido da sua superação/transformação e, em termos

metodológicos, fornecer parâmetros, critérios para a realização do diagnóstico”.

Definidos esses referenciais, o momento seguinte é o de confrontá-los com a

realidade, estabelecendo a diferença entre aquilo que se pretende e acredita e aquilo que

se tem, ou seja, é o instante de um olhar crítico e honesto da instituição em relação às suas

possibilidades, limites e resultados formativos que vem obtendo, identificando seus

problemas e/ou possibilidades de expansão.

A partir das necessidades percebidas no diagnóstico, a instituição irá elaborar um

conjunto de ações/operações concretas, no espaço de tempo disponível, com o objetivo de

superar ou sanar as necessidades identificadas. A partir dessa percepção serão definidas

as ações necessárias, que deverão ser colocadas em prática para transformar a realidade

do curso ou instituição.

Nesse sentido, deverá ser definido o marco operativo, compatível e coerente com

os marcos situacional e filosófico, pois, caso isso não ocorra, pode haver desarticulação

entre a realidade geral e as grandes finalidades assumidas. Segundo Salgado (2001, p. 36)

o marco operativo é, pois, “o conjunto de diretrizes a serem seguidas na formulação do

projeto; define o que vai e o que não vai ser valorizado, o que ficará dentro ou fora do

projeto pedagógico”.

É a explicitação do ideal da instituição escolar, tendo em vista aquilo que

queremos ou devemos ser. Diz respeito à organização das ações da coletividade

educacional naqueles campos de atuação compreendidos nas três principais dimensões

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que configuram a práxis educativa, quais sejam: a dimensão pedagógica, a dimensão

comunitária e a dimensão administrativa.

O Quadro 1, elaborado por Vasconcelos (2004), aponta para algumas questões

que podem contribuir para o levantamento de alguns questionamentos que orientem a

elaboração do marco operativo do curso ou instituição, o qual subsidiará a elaboração do

plano de ação e a programação das operações acadêmicas que possibilitarão a efetivação

das metas da instituição.

Quadro 1 – Possíveis Perguntas para Elaboração do Marco Operativo.

A) Dimensão pedagógica B) Dimensão comunitária C) Dimensão administrativa

Como desejamos... Como desejamos... Como desejamos...

O Processo de Planejamento? Os Relacionamentos na Escola? A Estrutura e Organização da Escola?

O Currículo? O Professor? Os Dirigentes (Direção e Equipe Técnica)?

Os Objetivos? O Relacionamento com a Família?

Os Serviços (Secretaria, Limpeza, Mecanografia, Audiovisuais etc.)?

Os Conteúdos? O Relacionamento com a Comunidade?

As Formas de Participação dos Trabalhadores?

A Metodologia? A Participação e As Condições Objetivas de Trabalho?

A Avaliação? Organização dos Alunos? A Obtenção e Gerenciamento dos Recursos Financeiros [1]

A Disciplina? A relação Professor-Aluno?

As Atividades Esportivas e Culturais?

Nossa relação com o Vestibular? Como nos posicionamos frente aos exames e concursos?

A Orientação Vocacional?

O Espaço de Trabalho Coletivo Constante (reuniões pedagógicas semanais)?

O Relacionamento com os Meios de Comunicação Social?

O Ensino Fundamental no nosso Município?

Fonte: Vasconcellos (2004, p. 185).

O plano de ação é a definição do que vai ser feito e dos meios para a superação

dos problemas detectados, em busca da qualidade da educação oferecida pela instituição.

Segundo Vasconcellos (2004), dois critérios fundamentais devem nortear a definição da

programação das ações a serem desenvolvidas nos diferentes níveis e segmentos:

Necessidade e Possibilidade. Ou seja, a partir da analise critica dos limites das

possibilidades, define-se o necessário e o possível para diminuir a distância entre o que a

instituição é e o que deveria ser. Quanto à periodicidade, a programação ou projeto pode

ter abrangência anual, bianual ou outra definida pelo grupo.

Define-se nesse momento, portanto, as ações estratégicas a serem empreendidas,

tais como: política de gestão; implantação e desenvolvimento de cursos; aumento ou

diminuição do número de vagas; organização didático-pedagógica a ser adotada pela

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instituição; seleção de conteúdos, recursos metodológicos e processos de avaliação;

concepção de currículo e planejamento de ensino; expansão e qualificação do corpo

docente; procedimentos de apoio e atendimento ao corpo discente. Enfim, nesse momento

definem-se as operações acadêmicas e programas institucionais que devem ser

desenvolvidos para que os objetivos institucionais possam ser alcançados.

Na elaboração de um projeto pedagógico, alguns elementos são considerados sua

base estrutural, pois serão eles que darão suporte á construção da proposta educacional

(LIBÂNEO, 2001, p. 174):

a) A organização da vida escolar, relacionada à organização do trabalho escolar em função de sua especificidade de seus objetivos.

b) Organização do processo de ensino e aprendizagem – refere-se basicamente, aos aspectos de organização do trabalho do professor e dos alunos na sala de aula.

c) Organização das atividades de apoio técnico administrativo – tem a função de fornecer o apoio necessário ao trabalho docente.

d) Organização de atividades que vinculam escola e comunidade – refere-se as relações entre a escola e o ambiente externo: com os níveis superiores da gestão de sistemas escolar, pois, com as organizações políticas e comunitárias [...]

4. ESTRUTURA BÁSICA DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

Pelo fato de considerarmos o Projeto Político-Pedagógico como um processo e não como

um produto acabado, entendemos que sua estrutura básica é sempre indicativa, podendo

variar de uma instituição para outra, não ficando presa a modelos tecnicistas que estariam

pré-determinando a apresentação formal do projeto “[…] importante é dizer com clareza

o que a instituição pretende realizar, a partir de suas condições […]” (PADILHA, 2001, p.

90).

Apresentamos aqui, a título de exemplo, uma possibilidade de estruturação

formal de registro e organização do Projeto Político-Pedagógico, mas não significa que

esta deva ser entendida como uma única e fixa possibilidade, uma vez que podem ser

adequadas às realidades vividas pelas instituições.

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Quadro 2 – Estrutura Geral do PPP.

Estrutura Geral do Projeto Pedagógico: I – Missão /Objetivos da Instituição Consiste no que a Instituição pretende alcançar II – Diagnóstico/Caracterização Consiste no conhecimento do ambiente em que a instituição está inserida e sua conseqüente contextualização na realidade regional necessidades, demandas, perfil de aluno). III – Concepção Filosófica Visão de homem, mundo educação que fundamentarão o trabalho IV – Referencial Teórico da Instituição Refere-se às teorias nas quais se fundamentará para desenvolver o seu planejamento V – Eixos da Instituição: 5.1 – Educacional: políticas de ensino, pesquisa e extensão 5.2 – Pedagógico: concepção dos processos de ensino-aprendizagem 5.3 – Gestão: estrutura organizacional VI – Qualificação do Quadro Docente Relaciona-se a maneira pela qual a escola qualificará seus professores VII – Cronograma das Atividades Onde irá constar todo planejamento IX – Avaliação: 3.1 – Processo avaliativo dos alunos (que tipo de avaliação será utilizada?) 3.2 – Processo de avaliação dos docentes (como avaliar os professores?) 3.3 – Processo de avaliação das atividades “P.P.P.” (estabelecer período de avaliação do projeto)

Fonte: (RIBEIRO, 2007).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que a elaboração e concretização do Projeto Pedagógico de um curso ou instituição

possa ter sucesso, Gadotti (2001, p. 25) aponta ainda alguns fatores que devem ser

considerados:

• Um projeto deve se factível e seu enunciado facilmente compreendido.

• A adesão voluntária e consciente ao projeto. Todos precisam estar envolvidos e a co-responsabilidade é um fator decisivo no êxito do projeto.

• Bom suporte institucional e financeiro. Que significa vontade política, conhecimento de todos e recursos financeiros claramente definidos.

• Controle, acompanhamento e avaliação do projeto para saber se seus objetivos estão sendo atingidos.

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• Atmosfera e ambiente favorável.

• Credibilidade. As idéias podem ser boas, mas se os que as defendem não tem prestígio, comprovada competência e legitimidade, só podem obstaculizar o projeto.

• Bom referencial teórico.

Diante desses fatores, percebe-se claramente a importância da instituição eleger

alguns pilares para dar suporte à edificação do projeto, entre eles:

• sensibilização e envolvimento do corpo docente no processo;

• construção de uma consciência crítica do corpo discente para que se tornem co-responsáveis por seu aprendizado, comprometendo-se com as metas de formação;

• investimento na qualidade do corpo docente, incentivando sua formação continuada e produção acadêmica;

• do ponto de vista pedagógico, privilegiar uma organização didática pedagógica moderna que privilegie a relação teoria-prática, que valorize a busca de soluções para os problemas;

• desenvolvimento da avaliação como um processo contínuo e constante.

Por outro lado, o Projeto Pedagógico, por si mesmo não levará a inovações no

ensino superior. Para que se alcance a melhoria da qualidade do ensino oferecido é

importante que se tenha vontade política e a convicção de sua importância. Há

necessidade de a instituição empreender seu tempo, recursos e esforços em ações de

estudo e na avaliação contínua. Essas reflexões implicam que a instituição reveja de forma

critica a importância de seu trabalho, suas contribuições e limitações, para buscar uma

nova forma de organização do trabalho com vistas à mudança.

REFERÊNCIAS

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GADOTTI, Moacir. Projeto político pedagógico da escola: fundamentos para sua realização. In: GADOTTI, Moacir; EUSTAQUIO, Romão José (Org.). Autonomia da escola: princípios e propostas. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

GANDIN, Danilo. A prática do planejamento participativo: na educação e em outras instituições, grupos e outros movimentos dos campos cultural, social, político, religioso, governamental. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.

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RIBEIRO, Ruy Coelho. Projeto Político-Pedagógico: princípios, dimensões e estrutura. Disponível em: <http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/projeto-politico_pedagogico:-principios,-dimensoes-e-estrutura-4730/artigo/>. Acesso em: 28 abr. 2009.

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SANCHES, Raquel F.; RAPHAEL, Helia. Projeto Pedagógico e Avaliação Institucional: articulação e importância. Avaliação. Revista da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior, Campinas, v. 1, n. 1, p. 103-113, mar. 2006.

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Suselei Aparecida Bedin Affonso

Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2008). Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2003), especialização em Educação e Psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas

(1997) e graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1985). Experiência na docência de disciplinas relacionadas à formação de professores, em cursos de Pedagogia e Licenciaturas, tendo participado também de projetos relativos à formação continuada de professores em exercício. Desenvolvimento de pesquisas nas áreas de educação continuada, cognição, afetividade e relações de gênero.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

Maria Cristina M. Barbosa Faculdade Anhanguera de Valinhos [email protected]

APRENDIZAGEM: TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS1

RESUMO

Ao não percebermos que, em alguns momentos e em algumas situações o nosso saber acadêmico nos aponta para um mundo e o senso comum nos aponta para outro mundo, comprometemos o nosso desempenho profissional. Torna-se necessário compreender o sentido, o significado e a finalidade da nossa docência através do entendimento dos seus pressupostos filosófico-pedagógicos. A presente reflexão sobre as várias tendências pedagógicas (Tradicional, Cientificista e Interacionista) estabelece parâmetros para que melhor entendamos a nossa prática docente naquilo que a caracteriza: o ensinar e o aprender.

Palavras-Chave: tendências pedagógicas; pedagogia: tradicional; cientificismo; interacionismo; ensino-aprendizagem.

ABSTRACT

When we realize that in some times and in some situations our academic knowledge points us to a world and common sense points us to another world, committed to our professional performance. It is necessary to understand the meaning, the meaning and purpose of our teaching through an understanding of its philosophical and pedagogical assumptions. This reflection on the various pedagogical trends (Traditionally, Scientific and Interactionist) establishes parameters to better understand our teaching practice what characterizes it: the teaching and learning.

Keywords: educational trends; pedagogy: traditional; scientism; interactionism; teaching-learning.

1 Material da 2ª. aula da Disciplina Fundamentos Teóricos do Ensino Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 30/05/2009 Avaliado em: 27/01/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. INTRODUÇÃO

Diferenças de concepção apontam para mundos distintos, também na Educação. Em

princípio, o cotidiano do educador, assim como o da quase totalidade dos Homens2, não

se fundamenta em reflexões criticamente construídas, e sim em um “senso comum que foi

adquirido, ao longo do tempo, por acúmulo espontâneo de experiências ou por introjeção

acrítica de conceitos, valores e entendimentos vigentes e dominantes no seu meio”

(LUCKESI, 1994, p. 93). São explicações que produzem uma visão de mundo fragmentada

e, por vezes, contraditória.

A compreensão do que seja a nossa prática pedagógica também se funda em

saberes do senso comum que, no dizer de Luckesi (1994), nos ensinam o que é o bom

professor (aquele que deve dominar algumas rotinas, tais como: saber e saber apresentar

conteúdos; controlar alunos, avaliar a aprendizagem e produzir o disciplinamento); o que

é o bom aluno (deve ser passivo; deve depender do saber do professor; deve fazer as

coisas como o professor quer); e o que é o Conhecimento (um conjunto de informações

apresentadas ou lidas no livro texto, que quase sempre se torna texto sagrado), devendo ser

retido e repetido.

É a partir desta concepção de senso comum que se instala grande parte da

contradição de nossa prática em sala de aula, pois nem mesmo nós, educadores,

percebemos que, em alguns momentos e algumas situações o nosso saber acadêmico nos

aponta para um mundo e o senso comum nos aponta para outro mundo, (afinal diferentes

concepções apontam para mundos distintos) o que se traduz em comprometimento do

nosso desempenho.

Só há uma saída: o sentido, o significado e a finalidade da nossa docência

precisam ser constantemente inventariados, através da compreensão dos seus

pressupostos filosófico-pedagógicos, os quais revelarão que nossos modelos de pensar e

de agir pedagogicamente são construídos na História por outros Homens. Portanto,

apesar de serem assim como são, não precisam continuar a sê-lo.

A presente reflexão sobre as várias tendências pedagógicas pretende nos fazer

compreender melhor nossa prática docente e aquilo que a caracteriza: o ensinar e o

aprender. As várias tendências pedagógicas nos mostram que diferenças de concepção

apontam para mundos distintos, também na Educação.

2 A expressão Homem, neste texto, terá sempre o sentido de HUMANO, com todas as possibilidades de gênero constitutivas da condição humana.

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Maria Cristina Mesquita Barbosa 99

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2. AS PEDAGOGIAS: TRADICIONAL, CIENTIFICISTA E INTERACIONISTA

A partir do entendimento a respeito daquilo que constitui o Homem a ser educado

(antropologia); dos valores que a ele devem ser ensinados através dos conteúdos

(axiologia); e da maneira como este Homem aprenderá (epistemologia) a Pedagogia

estabeleceu as suas grandes tendências, em conformidade com os caminhos trilhados

pelas concepções filosóficas que as fundamentam3.

Assim sendo, a concepção filosófica essencialista fornecerá os pressupostos para

a Pedagogia Tradicional; a concepção filosófica naturalista, os da Pedagogia Cientificista e

a Concepção filosófico-histórica – social fundamentará a Pedagogia Interacionista. São

diferentes concepções. O mundo da educação para o qual orientam o nosso olhar docente

será diversificado, como também será a prática que dele se origina. Para bem inventariar o

nosso cotidiano, possibilitando a nossa saída do senso comum pedagógico para a

consciência crítica, como diz Saviani (1980) é preciso compreender melhor estas

pedagogias e seus desdobramentos na sala de aula.

2.1. Pedagogia Tradicional

Tendo por pressuposto filosófico a concepção essencialista (inatista / apriorística) a

Pedagogia Tradicional entenderá que: o Homem é portador, desde o seu nascimento, de

características essenciais, comuns a todos e é definido pelas características que

permanecem, não pelas que mudam.

Este entendimento se refletirá na concepção pedagógica tradicional que, ao

entender que todos os Homens são metafisicamente iguais, fundará uma prática de sala

de aula única para todos e repetitiva, pois as condições humanas da aprendizagem serão

essencialmente sempre as mesmas. Os Valores que presidem a ação do Homem serão os

valores ÉTICOS. O Homem não é responsável por suas características metafísicas, inatas,

mas é responsável pela sua ação moral.

O Conhecimento é apriorista, inato. O Homem nasce com características

espirituais que validarão o seu conhecimento a priori. O espírito racional do Homem

reconhece os modelos metafísicos universais em cada situação particular. Portanto, para

que este Homem aprenda ou conheça, será preciso uma boa metodologia.

3 Para melhor compreender esta inter-relação ver Barbosa, M.C.M. Ensino-aprendizagem: pressupostos histórico-filosóficos. Material da 1ª. aula da Disciplina Fundamentos Teóricos do Ensino Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente.Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

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100 Aprendizagem: tendências pedagógicas

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 97-108

Nesta epistemologia, o professor será sempre a figura central uma vez que ele é

aquele que já conseguiu aprender e por isso tem compromisso moral e político de tirar

seus alunos da ignorância. A Educação será inevitavelmente centrada na figura do

professor. Magistrocêntrica.

De modo esquemático4, a Pedagogia Tradicional poderá ser vista no Quadro 1.

Quadro 1 – Características da Pedagogia Tradicional.

Papel da escola - Preparar o Homem Culto e Virtuoso.

- A Escola deve preparar intelectual e moralmente o aluno para viver em sociedade.

Conteúdos do ensino - Enciclopédicos-Clássicos.

- Não necessitam fazer parte da vida particular do aluno, mas devem fazer parte da vida essencial de todos os homens.

Métodos de ensino - Expositivo-Dialogado (Maiêutica).

- Conteudista/-/ Verbalista.

- Repetitivo.

Relação Professor x aluno - O Professor é figura Modelar e Central.

- A Autoridade é do Professor que sabe.

- Ao aluno compete: Atenção / Silêncio / Repetição.

Pressupostos da aprendizagem - Todos os Homens possuem essencialmente o mesmo potencial de aprendizagem. Por isso os programas podem ser iguais.

- Aprendizagem receptiva.

- Avaliação Quantitativa (Conteúdos) e Ética (não colar).

Manifestações na prática escolar - Modelo vigente ainda hoje na maioria das salas de aula, da maioria das escolas.

Fonte: Elaboração e Organização: Profª Mª Cristina Mesquita Barbosa – 2009. Baseando-se em Severino (1994); Aranha (2006b); Luckesi (1994).

Esta tendência pedagógica é objeto de muitas críticas pela sua naturalização

metafísica da realidade, o que se deve ao seu comprometimento histórico com as elites e

grupos hegemônicos ao afirmar o predomínio da permanência sobre as mudanças; o

predomínio daquele que foi à escola sobre aquele que não foi; ao conceber a educação

como adequação a modelos e estereótipos ideais que se aprende a reproduzir na escola,

ratificando privilégios uma vez que, desde a sua fundação, a escola não foi para todos.

Entretanto, se a pedagogia tradicional é a mais utilizada em nossas práticas,

talvez não o seja pelo fato de a maioria de nossas aulas serem expositivas e conteudísticas,

uma vez que este tipo de aula também tem o seu lugar adequado em específicas tarefas

didáticas, tais como: passar a maior quantidade de conceitos no menor espaço de tempo.

4 O recurso do esquema será utilizado para a melhor visualização das características geras das tendências pedagógicas. Entretanto, é bom lembrar que este recurso é simplificador e reducionista, devendo ser visto como forma de compactar a

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 97-108

Também não é o fato de se usar, por exemplo, um data-show que retirará da nossa prática

o seu caráter tradicional conteudístico. Não basta mudar apenas as ferramentas.

O caráter tradicional é o mais utilizado porque se sustenta em pressupostos

antropológicos, axiológicos e epistemológicos que estão sendo aceitos por nós, daí a nossa

prática. Estes pressupostos dirigem o nosso olhar e determinam as nossas posturas. É

sobre este olhar que devemos repensar nossas práticas escolares e pedagógicas.5

2.2. Pedagogia Cientificista (Positivista)

Tendo como pressuposto filosófico a concepção naturalista, a Pedagogia Cientificista /

Positivista entenderá que: o Homem é uma realidade natural, portador de uma Razão

Natural e pode ser explicado, portanto, pelas mesmas Leis Naturais que explicam toda a

natureza.

Os Valores que devem prevalecer sobre os demais devem ser os da realidade

natural, e estes valores deverão ter uma validação científica e técnica. O Conhecimento é

Empírico: é “naturalizado”. Nada mais de modelos espirituais, metafísicos. O Homem é

portador de capacidade natural (Razão Natural) que o levará ao conhecimento.

A Educação nesta concepção deverá ser laica e científica e, ao compreender a

natureza de qualquer coisa, o Homem a dominará. O saber se torna pragmático e político.

Também de modo esquemático a Pedagogia Cientificista poderá assim ser vista no

Quadro 2, na especificidade de suas subdivisões: Escola Nova; Não-Diretiva e Tecnicista.

Quadro 2 – Características das Pedagogias Naturalistas / Cientificistas / Positivistas.

Teorias/ Pedagogia Escola Nova Pedagogia não diretiva Pedagogia Tecnicista

Papel da escola • A Escola deve retratar a vida.

• Deve possibilitar Experiências Reais.

• Deve preparar para o trabalho.

• Escola deve desenvolver atitudes.

• Principal preocupação: ambiente psicológico.

• Escola deve modelar comportamentos.

• Deve produzir Homens, competentes para o mundo do trabalho.

• Capital Humano.

Conteúdos de ensino

• Conteúdo enciclopédico-científico.

• Valorização maior dos Processos do que dos Conteúdos.

• O mais importante são as relações humanas e a comunicação.

• Informações, Princípios Científicos, estabelecidos e escolhidos por especialistas.

• Eficiência e Racionalidade.

informação e, em momento algum, como simplificação reducionista da concepção filosófico-pedagógica, pois, se isto ocorresse, estaríamos produzindo um saber fragmentado e contraditório, próprio do senso comum. 5 Em Filosofia nem sempre o repensar significa mudar de idéia. Significa que entendi e escolhi conscientemente a minha prática. Esta é a passagem do senso comum para a consciência filosófica, como diz Saviani (1980).

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continuação

Teorias/ Pedagogia Escola Nova Pedagogia não diretiva Pedagogia Tecnicista

Métodos de ensino

• Aprender Fazendo.

• Método do Centro de Interesse.

• Método da Pesquisa Científica.

• O trabalho escolar deve levar ao relacionamento interpessoal e ao crescimento pessoal.

• Tecnologia Educacional.

• Controle do Ambiente.

• Transmissão.

• Recepção de Informações.

• Objetivos, Procedimentos e Avaliações Mensuráveis.

Relação Professor

x

Aluno

• Vivência Democrática.

• Professor Colaborativo.

• Aluno Solidário.

• Respeitadores das Regras Grupais.

• Professor é o facilitador.

• Professor Especialista em Relações Humanas.

• Educação centrada no aluno.

• Comunicação Técnica.

• Aluno Responsivo.

• Professor Estimulador.

Pressupostos da Aprendizagem

• Motivação.

• Aprender é Descobrir.

• Aprendizagem por interesse.

• Avaliação Continuada.

• Motivação = Desejo de auto-realização.

• Auto-Avaliação.

• Contratos de Aprendizagem.

• Auto-Gestão.

• O Ensino é um Processo de Condicionamento.

• Behaviorismo.

Manifestações na Prática Escolar

• Dificuldade para enfrentar o tradicionalismo.

• Escola com aconselhamento.

• Adequação da Escola aos modelos de racionalização do mundo do trabalho. (Taylor).

Principais Autores

• Durkheim, Dewey, Montessori, Freinet, Anísio Teixeira.

• Carl Rogers, A.S. Neill. • B. Skinner, T. Schultz.

Fonte: Elaboração e Organização: Profª Mª Cristina Mesquita Barbosa – 2009. Baseando-se em Severino (1994); Aranha (2006b); Luckesi (1994).

Esta tendência pedagógica do naturalismo/positivismo é objeto de crítica em

duas perspectivas. Primeiramente na perspectiva política, uma vez que se trata do pensar

científico da sociedade burguesa que, se por um lado, produziu o maior e mais rápido

desenvolvimento científico e tecnológico da história, produziu também o ideário científico

da domesticação humana e do colonialismo ao transpor para a relação entre os Homens os

princípios justificadores da dominação de alguns povos ou grupos por outros “mais

desenvolvidos”, (darwinismo social) entendendo ser esta uma etapa natural para que todos

atingissem a ordem e o progresso. É a naturalização daquilo que é histórico – social. Foi a

transformação do projeto elitista das sociedades escravistas, teocráticas, metafísicas em

projeto elitista da sociedade capitalista, burguesa, racional-científica. Como diriam os

filósofos da Escola de Frankfurt, a Razão Científica se torna instrumento (Razão

Instrumental) a serviço do capital e da manutenção do status quo.

A segunda, na perspectiva pedagógica, pois o saber empírico racional, baseado nas

especializações, ensinou o Homem a dividir o que nunca poderia ser dividido, ou seja, o

seu entendimento da realidade que é dinamicamente complexa e foi mecanicamente

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retalhada. A escola ajudou neste projeto e hoje está sendo obrigada a repensar suas

práticas para que os saberes não separem, mas unam de forma inter e transdisciplinar,

como querem Edgard Morin e outros que serão também objeto de nosso estudo.

2.3. Pedagogia Interacionista

Tendo por pressuposto filosófico a concepção histórico-social, a Pedagogia Interacionista

entenderá que: o Homem é um ser Natural e Histórico, capaz de modificar estas

condições através da Práxis (ação consciente). O que distingue o Homem dos irracionais é

a sua capacidade de se libertar das necessidades através do trabalho.

Os Valores são definidos pelo tipo de relação de poder que os Homens estabelecem entre

si na sua prática real, que é política. O Conhecimento é interacionista, dialético. Esta é

uma situação indissolúvel: Sujeito e Objeto em permanente interação e construção de

sentidos. A Educação: “A educação é um processo individual e coletivo” (SEVERINO,

1994, p. 34).

Ainda de modo esquemático, a Pedagogia Interacionista6 poderá assim ser vista,

no Quadro 3, considerando a especificidade de suas subdivisões: Libertadora; Libertária,

Crítico–Social.

Quadro 3 – Características da Pedagogia Histórico-Social.

Teorias Pedagogia Libertadora Pedagogia Libertária Pedagogia Crítico-Social

Papel da Escola • Educação Não-Formal.

• Transformadora Social.

• Escola Cidadã.

• Deve criar grupos auto-gestionários.

• Deve difundir conteúdos.

• Garantir bom ensino.

Conteúdos de Ensino

• Temas centrais tirados da vida dos alunos.

• Grupo escolhe o que aprender.

• Reavaliação dos conteúdos humanistas e científicos através da crítica e historicização.

Métodos de Ensino

• Diálogo.

• Grupo de discussão.

• Vivência Grupal.

• Processo coletivo.

• Autogestão.

• Relação do Conteúdo com a Vicência concreta.

Relação Professor

x

Aluno

Professor: também APRENDE.

Aluno: também ENSINA.

• Não há modelos. • Professor deve ser o adulto da relação: exigir esforço e propor conteúdos.

• Aluno – Interação crítica.

6 Pertencem ainda a esta concepção as teorias sócio-interacionistas e construtivistas que surgiram no bojo da Psicologia Cognitiva e da Lingüística e, que devido à sua importância para as atuais teorias da aprendizagem, serão objeto de estudo num momento posterior.

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continuação Teorias Pedagogia Libertadora Pedagogia Libertária Pedagogia Crítico-Social

Pressupostos da Aprendizagem

• Experiências concretas.

• O aluno deve falar a sua Palavra.

• ALEGRIA.

• Motivação.

• O vivido, como ponto de partida.

• Sem avaliação.

• O conhecimento novo funda-se no antigo.

• Parte-se do que o aluno já sabe.

Manifestações na Prática Escolar

• Engajamento Político.

• Educação Popular e de adulto.

• Estímulo à emancipação.

• Anarquismo.

• Autogestão.

• Ruptura com a ideologia dominante.

• Reflexão.

Principais Autores

• Paulo Freire / Miguel Arroyo.

• Proudhon / Bakunin / Ferrer i Guardia / Lobrot / Silvio Gallo.

• Saviani / Snyders.

Fonte: Elaboração e Organização: Profª Mª Cristina Mesquita Barbosa – 2009. Baseando-se em Severino (1994); Aranha (2006b); Luckesi (1994).

Esta tendência é bastante polêmica e recebe críticas ao seu arcabouço político–

pedagógico. Por se tratar de uma concepção filosófica fundada no marxismo, sofre as

críticas comuns a esta visão de mundo, que se iniciariam com a da politização excessiva de

todas as instâncias, inclusive as do ensinar e do aprender, coerente com a sua axiologia

que tem na política o seu valor referencial. Levada ao extremo, a concepção pode se tornar

doutrina, dificultando a relação com o seu contrário.

São também objetos de crítica: o entendimento de que o Homem, sua consciência

e sua subjetividade são construções histórico-sociais, coletivas o que levaria esta

concepção a perder de vista o Homem particular, as suas sutilizas subjetivas, o seu EU

mais íntimo, a individualidade. Perde-se com este entendimento a idéia de mérito

individual, tão benquista por metafísicos (o mérito é conquista moral, individual) e por

positivistas (o mérito é conquista individual, resultado de competências técnico-científicas).

Para a concepção histórico-social, o mérito ou o demérito resultarão de oportunidades

sociais (ou da falta delas) e esbarrarão necessariamente na concepção de classe social e do

jogo político das hegemonias (dominantes e dominados).

Do ponto de vista pedagógico, há uma discussão que permeia a própria

pedagogia interacionista, que é a dos conteúdos a serem ensinados. Houve momento em

que ao se politizar esta questão, considerou-se que os chamados conteúdos clássicos,

(humanos e científicos) por pertencerem a um mundo metafísico/positivista refletiriam a

sua origem elitista e serviriam para a dominação das massas que não se reconheceriam

nesta cultura. Numa postura ingênua, os conteúdos não mais seriam importantes, com a

sua narrativa triunfal, própria dos dominantes.

Snyders (França) e Saviani (Brasil) contestaram os seus pares. A partir da noção

de inclusão dos socialmente excluídos, observando os alunos da escola pública brasileira,

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Saviani argumenta que ao não querer ser conteudista a pedagogia interacionista produzia

uma dupla exclusão: reforçava a exclusão social já existente e criava a exclusão do saber

culto – reforçando politicamente a submissão social, através do fracasso real deste aluno

em situações que exigiam maior sofisticação do saber.

Propôs a Pedagogia crítico-social (dos conteúdos) para se contrapor a estas

ingenuidades políticas, incentivou a volta dos conteúdos às salas de aula, mas

historicizados, relativizado-se, portanto, criticamente transformados.

Se metafísicos e positivistas foram acusados de naturalizar o que seria histórico, a

concepção histórico–social/interacionista é acusada de historicizar e politizar o que pode

ser apenas natural.

3. AS NOVAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

Na segunda metade do século XX, mais precisamente após o final da 2ª Guerra Mundial,

inicia-se o que seria chamado de a desconstrução do projeto iluminista da Modernidade.

Este projeto poderia ser sintetizado na seguinte verdade paradigmática: A fé na

Racionalidade do Homem e no Progresso Científico.

O Homem moderno conscientizou-se da sua capacidade racional para desvendar

os segredos da natureza (criou a Ciência Moderna); encontrar soluções para seus

problemas (saber pragmático). Entendia que saber é Prever (Ciência) é Prover

(Tecnologia) e é Poder (Política). O saber seria, portanto, emancipador. O controle e

progresso seriam as máximas deste Homem.

Para atingir tais objetivos a modernidade contaria com a ajuda da Escola que se

tornara pedagogicamente naturalista/positivista, pautada pela metodologia cientificista e

pelo domínio do saber especializado, dividido, fragmentado. Dividir para conhecer;

conhecer para dominar; este seria o poder do saber. Este projeto iluminista tinha o sonho

da vitória da racionalidade técnico-científica sobre todos os problemas, fossem sociais ou

humanos ou de outra ordem, o que levaria a humanidade ao progresso e à felicidade.

O sonho acabou, no confronto com as duas guerras mundiais, Auschwitz e

Hiroshima, o desequilíbrio ecológico, a ameaça do saber a serviço de uma Razão

Instrumental, podendo a tudo destruir. Como falar em saber emancipatório após estas

barbáries?

Autores e movimentos diversos, considerados demolidores dos paradigmas da

modernidade, começaram a se manifestar contra esta visão racional científica e contra a

Pedagogia Positivista que possibilitava, através das escolas, a manutenção dos mesmos

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 97-108

paradigmas universalizantes que, segundo os mesmos, eram também carentes de

conteúdo humano, afetivo, real.

Estes pensadores denominados pós-modernos propuseram novos paradigmas que

deveriam se firmar:

• No primado da anti-razão (emoção).

• No primado dos contratos afetivos (tribos).

• No primado das diferenças e alteridades.

• No primado do saber para viver aqui e agora.

• No primado da mudança sobre a permanência.

Eram necessárias uma nova Pedagogia e uma nova Escola que dessem conta

destes novos tempos. Neste contexto surge a Pedagogia Holonômica ou Pedagogia da

Unidade que tem Edgard Morin o seu pensador referencial. No Brasil, alguns pensadores

como Ugo Assman e Leonardo Boff também defendem os seguintes princípios

pedagógicos:

• O princípio unificador do Saber é o próprio Homem, que é essencialmente contraditório e complexo.

• Valorizam: o cotidiano, o vivido, o pessoal, a singularidade, o acaso, as pequenas narrativas, a multiplicidade e o multiculturalismo.

• A complexidade é a própria realidade em permanente construção e reconstrução.

• As categorias Interdiciplinariedade e Transdisciplinariedade são construídas na complexidade do real através do convívio, diálogo e trabalho em grupo.

Para Morin (2002) temos uma educação que nos preparou muito bem para

dividir e pouco nos diz a respeito do reunir. Segundo diz, isto é diabólico7, precisamos

aprender a religar8, pois esta deve ser a nova forma do pensar: o pensamento sistêmico ou

complexo9. Este é o fundamento do novo saber: o saber complexo, o saber em rede, o

saber sistêmico.

Para ensiná-lo será necessária uma nova escola que despertará o Homem para os

sete saberes que serão necessários para que viva o futuro e que, segundo Morin (2002),

são:

1) Ensinar a Conhecer.

2) Ensinar a Pensar.

3) Ensinar a Condição Humana.

7 diabolus – em latim – aquele que separa. 8 religare – em latim – ligar de novo. 9 complexus – em latim – O que está tecido, entrelaçado.

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4) Ensinar a Identidade Terrena.

5) Ensinar a Enfrentar as Incertezas.

6) Ensinar a Compreensão.

7) Ensinar a Ética do Gênero Humano.

Conclui Morin (2002) que a educação deve ser um despertar para a vida, os

saberes não devem assassinar a curiosidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferenças de concepção apontam para mundos distintos que se traduzirão em práticas

diferenciadas no cotidiano docente do ensino-aprendizagem.

Este relato sobre os variados caminhos da Pedagogia através da História, o

privilegiar de alguns aspectos que se configuram nas pessoas do educador e do educando

e dos conteúdos a serem ensinados e aprendidos, nos dá a certeza de que educar, no

século XXI, não se fará sem a reflexão sobre: cidadania, planetariedade, sustentabilidade,

virtualidade, globalização, transdiciplinaridade, dialogicidade sob pena de sermos

soterrados pelos fragmentos do senso comum.

Educar para incertezas, este é o grande desafio do educador em um mundo em

que a mudança substitui as permanências e os outros olhares.

REFERÊNCIAS

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CORTELA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 10. ed. São Paulo: Cortez - Instituto Paulo Freire, 2006.

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LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: pedagogia crítico-social dos conteúdos, São Paulo, Loyola, 1985.

LUCKESI, C. Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

MORIN, E. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

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______. Escola e democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1988.

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Maria Cristina Mesquita Barbosa

Graduada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Poços de Caldas, MG (1969) e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002), é professor adjunta das Faculdades Anhanguera nos campi da Valinhos e Campinas unidade 1, além de ministrar aulas no curso de Capacitação Docente. Exerce, atualmente, a Coordenação do Projeto de Extensão “Faculdade Aberta da Terceira Idade” na Faculdade Anhanguera de Valinhos. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia e Filosofia da Educação atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, educação, ética, sociologia, didática.

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Suselei A. Bedin Affonso Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

PROJETO PEDAGÓGICO: ARTICULAÇÃO ENTRE OS DIFERENTES NÍVEIS DO PLANEJAMENTO EDUCACIONAL1

RESUMO

Considerando a importância do Projeto Pedagógico de uma instituição para a definição de seu papel social e identidade, esse artigo discute a importância da existência de uma articulação entre os diferentes níveis de planejamento educacional envolvidos no trabalho pedagógico desenvolvido pela instituição e da clareza e coerência entre o proposto em cada um desses níveis para garantir o alcance das metas, o desenvolvimento da instituição e a obtenção de um trabalho de qualidade.

Palavras-Chave: projeto pedagógico institucional; planos de ensino e aprendizagem; projeto de curso.

ABSTRACT

Considering the importance of the pedagogical project of an institution to define its social role and identity, this article discusses the importance of coordination between the different levels of educational planning involved in the pedagogical work developed by the institution and the clarity and consistency between proposed in each of these levels to ensure the achievement of goals, the development of the institution and the achievement of quality work.

Keywords: pedagogical institutional project; teaching and learning plans; course project.

1 Material da 2ª. Aula da Disciplina Projeto Pedagógico e Operação Acadêmica, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 30/5/2009 Avaliado em: 17/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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110 Projeto Pedagógico: articulação entre os diferentes níveis do planejamento educacional

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

1. INTRODUÇÃO

A construção do projeto pedagógico de uma instituição educacional envolve um processo

de reflexão e de tomada de decisão sobre a ação; é um

[...] processo contínuo que se preocupa com o ‘para onde ir’ e ‘quais as maneiras adequadas para chegar lá’, tendo em vista a situação presente e possibilidades futuras, para que o desenvolvimento da educação atenda tanto as necessidades da sociedade, quanto as do indivíduo (PARRA apud SANT'ANNA et al., 1995, p. 14).

Isso implica que a concepção e execução do projeto pedagógico demandam um

processo de planejamento educacional em diferentes níveis, articulados entre si, para que

se possa realizar a “previsão de necessidades e racionalização de emprego de meios

(materiais) e recursos (humanos) disponíveis, visando à concretização de objetivos, em

prazos determinados e etapas definidas, a partir dos resultados das avaliações”

(PADILHA, 2001, p. 30).

Qualquer instituição de ensino, embora disponha de relativa autonomia para

definir suas metas e objetivos e para elaborar sua proposta de trabalho, deve submeter-se

a um nível de planejamento amplo e abrangente, o qual prevê a estruturação e o

funcionamento da totalidade do sistema educacional do país e determina as diretrizes da

política nacional de educação, bem como a organização de seus sistemas e redes de

ensino.

De acordo com Baia Horta (1991), esse nível mais amplo de planejamento

constitui uma forma específica de intervenção do Estado na educação, que se relaciona, de

diferentes maneiras, com as outras formas de intervenção na vida em sociedade.

A educação é hoje concebida como fator de mudança, renovação e progresso

econômico e social de um país. Por ser considerada imprescindível ao desenvolvimento

globalizado, vem recebendo maior atenção do Estado que, amparado em uma legislação

pertinente, planeja ações a serem efetivadas em diferentes níveis e esferas. O objetivo

principal é, assim, possibilitar a expansão e melhoria da rede escolar e preparação de

recursos humanos.

Nessa ampla perspectiva, constata-se que “o planejamento educacional se

apresenta como um processo de abordagem racional e científica dos problemas da

educação, incluindo definição de prioridades e levando em conta a relação entre os

diversos níveis do contexto educacional” (TEIXEIRA, 2005).

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

2. NÍVEIS DE PLANEJAMENTO EDUCACIONAL

Segundo Coaracy (1972), esse nível de planejamento educacional mais amplo tem como

objetivo atrelar o desenvolvimento do sistema com o desenvolvimento econômico, social,

político e cultural do país (âmbito geral) e de cada comunidade (âmbito particular). Dessa

maneira, estabelecem-se as condições necessárias para o aperfeiçoamento dos fatores que

influem diretamente sobre a eficiência da educação (estrutura, administração,

financiamento, pessoal, conteúdo, procedimentos e instrumentos).

O planejamento educacional tem como pressuposto básico o delineamento da

filosofia da educação do país, através do estabelecimento de uma política que norteie de

forma sistemática e racional o processo de desenvolvimento da educação, buscando torná-

lo mais eficiente e capaz de responder com maior precisão às necessidades e objetivos da

sociedade.

As políticas e o planejamento da educação, em nível nacional, encontram-se

expressos em documentos legais, tais como:

• O Plano Nacional de Educação – Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001 – define diretrizes para gestão e financiamento da educação no Brasil, oferecendo um estudo diagnóstico sobre metas e diretrizes para cada nível e modalidade de ensino bem como para a formação e valorização do magistério, nos próximos dez anos.

• A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96 – define as bases e orientações para a gestão e diretrizes para os diferentes níveis de ensino.

No caso do ensino superior, temos ainda o Decreto nº. 5.773, de 2006, que dispõe

sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de

educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais a serem

desempenhadas pelo CNE (Conselho Nacional de Educação), Ministério da Educação,

INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) e CONAES (Comissão

Nacional de Avaliação da Educação Superior), a partir de observância das normas e

recomendações em relação à qualificação do curso, diretrizes curriculares, corpo docente,

entre outros.

Outro nível de planejamento é aquele que, observadas as recomendações e

diretrizes do sistema educacional mais amplo, ocorre no âmbito da instituição de ensino,

concretizando-se pela elaboração de seu Projeto Pedagógico, um instrumento de

planejamento e gestão que considera sua identidade. No que toca a sua filosofia de

trabalho, a sua estrutura organizacional, à missão a que se propõe e às estratégias visa,

portanto, a atingir as metas e objetivos definindo as diretrizes pedagógicas que orientam

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112 Projeto Pedagógico: articulação entre os diferentes níveis do planejamento educacional

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

suas ações e as atividades acadêmicas e científicas que desenvolve ou que pretende

desenvolver.

Na definição do Projeto Político-Pedagógico,

[...] materializam-se os diferentes momentos do planejamento: a definição de um marco referencial, a elaboração de um diagnóstico e a proposição de uma programação com vistas à implementação das ações necessárias à realização de uma prática pedagógica crítica e reflexiva (SOUZA, 2005).

No caso do ensino superior, em consonância com a missão e os objetivos

descritos no Projeto Pedagógico da instituição, será construído outro nível de

planejamento mais específico, que são os projetos pedagógicos dos cursos a serem

desenvolvidos pela instituição. São eles que expressam os ideais de formação que

subsidiarão a definição de perfil do profissional a ser formado, a matriz curricular e a

concepção de aprendizagem a ser adotada.

Nessa perspectiva, esse nível de planejamento deve trabalhar com previsão

global e sistemática de toda ação a ser desencadeada durante o processo formativo do

aluno em um determinado curso, em consonância com os objetivos educacionais para a

promoção não só da aprendizagem de conteúdos e habilidades específicas, mas também

para fornecer condições favoráveis à aplicação e integração desses conhecimentos. Isto é

viável através de um planejamento curricular capaz de prever a proposição de situações

que favoreçam o desenvolvimento das capacidades do aluno para solucionar problemas,

muitos dos quais comuns no seu dia-a-dia.

Portanto este nível de planejamento é relativo ao curso. Através dele são

estabelecidas as linhas-mestras que norteiam todo o trabalho. Expressa, por meio dos

objetivos gerais, a linha filosófica do estabelecimento. Em outras palavras, o planejamento

curricular é: “uma tarefa multidisciplinar que tem por objeto organização de um sistema

de relações lógicas e psicológicas dentro de um ou vários campos do conhecimento, de tal

modo que se favoreça ao máximo o processo ensino-aprendizagem” (SARUBBI apud

SOUZA, 2005).

O planejamento curricular está articulado às metas e prioridades delineadas no

Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e no projeto do curso específico, pois traduz em

termos mais próximos e concretos, as linhas-mestras de ação delineadas no planejamento

imediatamente superior, através de seus objetivos e metas.

Subsidiado pelo planejamento curricular, surge, em nível mais específico, o

planejamento de ensino. Ele é a transposição dos ideais formativos e metas definidas nos

níveis anteriores de planejamento para o nível mais próximo e concreto da sala de aula.

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Suselei Aparecida Bedin Affonso 113

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

Indica a atividade direcional, metódica e sistematizada que será empreendida pelo

professor junto a seus alunos, em busca de propósitos definidos.

O docente que deseja uma atuação competente participa, elabora e organiza

planos em diferentes níveis de complexidade para atender seus alunos. Pelo

envolvimento no processo ensino-aprendizagem, estimula a participação do aluno, a fim

de que este possa, realmente, efetuar uma aprendizagem tão significativa quanto o

permitam suas possibilidades e interesses. O planejamento, neste caso, deve contemplar

previsão de resultados esperados e os meios necessários para alcançá-los.

O processo de seleção da cultura, materializado no currículo e, em especial, nos

conhecimentos a serem trabalhados, deve estar intimamente relacionado à experiência de

vida dos alunos, não como mera aplicabilidade dos conteúdos ao cotidiano, mas como

possibilidade de conduzir a uma apropriação significativa desses conteúdos. Como afirma

Lopes, “essa relação, inclusive, mostra-se como condição necessária para que ao mesmo

tempo em que ocorra a transmissão de conhecimentos, proceda-se a sua re-elaboração

com vistas à produção de novos conhecimentos” (LOPES, 1992).

Deste modo, o planejamento de ensino passa a ser compreendido de forma

estreitamente vinculada às relações que se produzem entre a instituição e o contexto

histórico-cultural em que a educação se realiza. Nesta perspectiva, leva-se em conta,

ainda, as articulações entre o planejamento do ensino e o planejamento global do curso,

explicitado em seu projeto pedagógico. O planejamento de ensino se constitui um

elemento integrador entre a escola e o contexto social. Em virtude deste caráter, é

fundamental que se paute em alguns elementos.

• no estudo real da escola em relação ao contexto: o que demanda a caracterização do universo sócio-cultural da clientela escolar e evidencia os interesses e necessidades dos educandos; • na organização do trabalho didático propriamente dito, o que implica:

a) definir objetivos – em função dos três níveis de aprendizagem: aquisição, re-elaboração e produção de conhecimentos;

b) prever conteúdos – tendo como critérios de seleção a finalidade de que eles atuem como instrumento de compreensão crítica da realidade e como elo propiciador da autonomia;

c) selecionar procedimentos metodológicos – considerando os diferentes níveis de aprendizagem e a natureza da área do conhecimento;

d) estabelecer critérios e procedimentos de avaliação – considerando a finalidade de intervenção e retomada no processo de ensino e aprendizagem, sempre que necessário. (LOPES, 1992).

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114 Projeto Pedagógico: articulação entre os diferentes níveis do planejamento educacional

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

3. OS DIVERSOS NÍVEIS DE PLANEJAMENTO DA ANHANGUERA EDUCACIONAL S.A. (AESA) E SUAS ARTICULAÇÕES

A) Plano de Desenvolvimento Institucional

É um plano global que define a postura, metas e trabalho a ser desenvolvido pela

instituição como um todo, delimitando sua área de atuação e forma de organização de sua

estrutura.

O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da AESA é pautado na

realidade econômica e cultural da sociedade, na realidade atual do ensino superior

brasileiro, nas condições de oferta, na crescente demanda de formação e inserção dos

jovens trabalhadores no mercado e, por fim, nas orientações e diretrizes do Plano

Nacional de Educação (Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001). Foi concebido, conforme

Decreto nº. 5.773, de 2006, como um instrumento de planejamento e gestão que considera

a identidade da Instituição de Ensino Superior (IES), no que diz respeito à sua filosofia de

trabalho, à missão a que se propõe, às estratégias para atingir suas metas e objetivos, à sua

estrutura organizacional, ao Projeto Pedagógico Institucional com as diretrizes

pedagógicas que orientam suas ações e as atividades acadêmicas e científicas que

desenvolve ou que pretende desenvolver.

Em consonância com a missão e os objetivos descritos no PDI, as metas estão

embasadas nas políticas e diretrizes institucionais, implementando estratégias para seu

alcance, prevendo ações mensuráveis com acompanhamento e monitoração da qualidade,

num determinado tempo e contexto.

O PDI define a área de atuação da IES no ensino superior de graduação nas

grandes áreas do conhecimento, com cursos de bacharelado, licenciatura e tecnologia, com

a oferta dos cursos podendo ser realizada de maneira presencial ou à distância, na pós-

graduação lato-senso e na extensão universitária, nas mesmas áreas dos cursos de

graduação, buscando o desenvolvimento e qualificação profissional da região, bem como

o desenvolvimento das comunidades vizinhas.

B) Projeto Pedagógico Institucional

Trata-se de um documento que contribui para a instituição projetar-se no futuro, “no

rumo da construção de Instituições de Ensino Superior comprometidas com as mudanças

sociais e reconhecidas no cenário acadêmico nacional e internacional, preservando e

aperfeiçoando as conquistas alcançadas até o momento” (ANHANGUERA

EDUCACIONAL, 2008, p. 14).

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

Nele estão propostas ações de inovação com o objetivo de fazer cumprir a sua

missão, que postula promover o ensino de forma eficiente e com qualidade para que os

educandos possam desenvolver seus projetos de vida como cidadãos conscientes dos seus

direitos, deveres e responsabilidades sociais.

Dessa maneira, no Projeto Pedagógico Institucional são apresentadas políticas e

estratégias, buscando a obtenção de resultados na esfera educativa. Tais resultados serão

estabelecidos a partir da avaliação dos cenários possíveis para o desenvolvimento das

sociedades, da produção do conhecimento, do ensino e das profissões. Ressalta-se que a

efetividade deste projeto está diretamente ligada à qualidade da participação de todos os

envolvidos no processo educativo, cuja implantação deve ser dinâmica e coletiva.

O documento contempla a implantação de projetos pedagógicos, com base nas

diretrizes curriculares nacionais, nas normas do Ministério da Educação e órgãos a ele

vinculados, além das competências e habilidades preconizadas pela IES. Nessa

perspectiva, as diretrizes didático-pedagógicas gerais da instituição são definidas através

dos seguintes parâmetros:

• Perfil do Egresso.

• Seleção de Conteúdos.

• Princípios Metodológicos.

• Práticas Pedagógicas Inovadoras.

• Políticas de Educação Inclusiva.

• Processo de Avaliação.

• Políticas de Estágio, Prática Profissional e Atividades Complementares.

C) Projeto Pedagógico de Curso

A concepção curricular dos cursos da IES é realizada através de três parâmetros

principais, tais sejam: as diretrizes curriculares nacionais, a experiência pedagógica da IES

e as necessidades regionais. Dessa maneira, cada Projeto Pedagógico de Curso tem sua

revisão constante, pelo colegiado de curso, na busca da consonância com as diretrizes

curriculares nacionais e as exigências do perfil do egresso exigido pelo mercado de

trabalho na área de formação.

Conforme definido no Projeto Pedagógico Institucional da Anhanguera

Educacional (2008), as ações para garantir o mesmo perfil de qualidade na formação dos

estudantes são pautadas pelo trabalho da Pró-Reitoria, que promove e gerencia as

atividades de Planejamento, Execução, Controle e Avaliação dos Projetos Pedagógicos de

Curso, das Matrizes Curriculares, do Ementário e da revisão constante da bibliografia

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116 Projeto Pedagógico: articulação entre os diferentes níveis do planejamento educacional

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

indicada, garantindo, também, a necessária adequação da infra-estrutura de laboratórios,

bibliotecas e outros espaços para o desenvolvimento das atividades práticas nas diversas

áreas de estudo para melhoria de competências dos alunos.

As ações, através de processo participativo, contam com a contribuição dos

Colegiados de Curso, do Conselho Pedagógico (COP), do Conselho de Administração

Superior (CAS).

A IES constituiu o grupo de inovação curricular com a participação de

especialistas nas diversas áreas do conhecimento. O grupo passou a se reunir com o

propósito de debater a criação de inovações nos currículos dos vários cursos de

graduação, extensão e pós-graduação, em conjunto com a mantenedora, com um duplo

objetivo: produzir melhoria no desempenho acadêmico dos estudantes da IES e criar

melhores condições de entrada dos estudantes no mercado de trabalho.

Para tal empreitada, realizou-se uma pesquisa na qual o grupo identificou as

principais competências e habilidades que os estudantes deveriam desenvolver,

independentemente do curso de graduação pelos quais optaram, e que eram desejáveis

para os objetivos. Chegou-se, então, a um elenco de competências e habilidades que

estariam compondo as matrizes curriculares de todos os cursos de graduação.

Assim, em função das competências/habilidades detectadas como desejáveis,

foram constituídas as seguintes disciplinas humanísticas:

• Desenvolvimento Pessoal e Profissional.

• Direito e Legislação.

• Economia.

• Comportamento Organizacional.

• Direitos Humanos e Relações Internacionais.

• Leituras Clássicas.

• Responsabilidade Social e Meio Ambiente.

• Desenvolvimento Econômico e Organismos Internacionais.

Em função da perspectiva por parte da instituição de padronizar a aplicação das

disciplinas e com o propósito de garantir o cumprimento dos objetivos do projeto, houve

a criação de uma coordenação pedagógica que opera na IES e em conjunto a mantenedora,

respeitando as características regionais de cada um dos cursos. Na prática, significa que o

Plano de Aprendizagem (com ementa, programa e bibliografia) das disciplinas do Núcleo

Comum é de responsabilidade da IES.

O PPI da Anhanguera Educacional prevê que as atividades educacionais no

ensino de graduação deverão proporcionar o oferecimento de cursos, com seus meios e

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

recursos, para que o educando possa desenvolver-se como sujeito do processo

educacional, ao mesmo tempo em que desenvolve seu projeto de vida. Dessa forma, a

concepção didático-pedagógica dos cursos de graduação da AESA, descrita no PPI,

preocupa-se:

[...] em promover, de maneira integrada, o ensino superior para a capacitação profissional dos seus alunos, a investigação de iniciação científica e intelectual, bem como a educação geral dos membros do seu corpo social, como meios de alcançar o desenvolvimento pessoal e da comunidade nas quais os cursos estão inseridos. (ANHANGUERA EDUCACIONAL, 2008, p. 20)

Os cursos propostos buscam atender essas definições, cujos objetivos convergem

para a formação de profissionais que correspondam às necessidades de demanda de mão

de obra especializada nas diferentes áreas, sobretudo às relacionadas com a formação de

um profissional ético, crítico e consciente diante da realidade educacional brasileira.

A fim de assegurar a plena articulação entre o PPC, o PPI e o PDI a elaboração do

Projeto Pedagógico dos cursos conta com a participação de representantes do Corpo

Docente e das Coordenações de Curso das várias unidades da Anhanguera Educacional,

bem como de representantes do Departamento de Desenvolvimento Educacional da

Instituição para a discussão da proposta do projeto, os conteúdos das ementas com sua

adaptação ao programa e a atualização da bibliografia. A equipe colabora também na

discussão das características do curso, levando em conta, além das Diretrizes Curriculares

Nacionais que o norteiam, o perfil do profissional adequado para a região em que o curso

está inserido e os valores institucionais, bem como o referencial teórico-metodológico, os

princípios, diretrizes, abordagens, estratégias e ações previstas no PPI.

D) Planos de ensino e aprendizagem das disciplinas

O Planejamento de Ensino para a IES é “um ato político-pedagógico, na medida em que

revela intencionalidade e expõe o que se pretende atingir, o que se deseja realizar”

(ANHANGUERA EDUCACIONAL, 2008, p. 26). O Planejamento educacional das

atividades pedagógicas no nível do plano de ensino e atividades pedagógicas é a

transposição dos ideais formativos e metas definidas nos níveis anteriores de

planejamento para o nível mais próximo e concreto da sala de aula e exige organização,

sistematização, previsão, decisão entre outros aspectos que pretendam garantir a

eficiência e eficácia da ação educativa.

A fim de assegurar a plena articulação entre o PPC, o PPI e o PDI a instituição

promove e gerencia as atividades de planejamento, execução e avaliação do ementário,

conteúdos e bibliografia indicada, garantindo, também, a necessária adequação da infra-

estrutura para o desenvolvimento das atividades.

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118 Projeto Pedagógico: articulação entre os diferentes níveis do planejamento educacional

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

Desta forma, espera-se que o professor, responsável direto pela ação pedagógica

na sala de aula, analise e opine regularmente sobre o Plano de Aula, o Projeto da

Disciplina e a Programação Semestral, seguindo os preceitos da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional e dos direcionamentos do Projeto Pedagógico do Curso.

A revisão semestral do Plano de Ensino-Aprendizagem da Disciplina, por parte

do professor, permite que este reflita sobre sua ação, sobre o seu fazer na sala de aula,

concretizando os princípios institucionais da formação do cidadão, do profissional e do

sujeito enquanto pessoa, numa formação que o habilite ao trabalho e à vida.

Aos professores é solicitado decidir, prever, selecionar, escolher, organizar,

refazer, redimensionar, refletir sobre o processo antes, durante e depois da ação

concluída. Ao final de cada semestre o docente entregará sua análise do Plano de Ensino-

Aprendizagem da Disciplina sob sua responsabilidade, ao seu Coordenador de Curso,

fazendo inferências, críticas e sugestões para o desenvolvimento desta mesma disciplina

no semestre seguinte. Entretanto, este não é um trabalho solitário. A IES disponibiliza,

através do Programa Permanente de Capacitação Docente, encontros para discussão sobre

planejamento de ensino e organização do trabalho em sala de aula.

Como se pode perceber existe uma articulação entre os diferentes níveis de

planejamento educacional envolvidos no trabalho pedagógico desenvolvido pela

instituição e é a clareza e coerência entre o proposto em cada um deles que garante o

alcance das metas, o desenvolvimento da instituição e a obtenção de uma trabalho de

qualidade.

REFERÊNCIAS

ANHANGUERA EDUCACIONAL S.A. Plano de Desenvolvimento Institucional. Centro Universitário Anhanguera. Leme, 2008.

______. Projeto Pedagógico Institucional. UNIFIAN, 2008.

BAIA HORTA, J.S. Planejamento educacional. In: MENDES, D.T. (Coord.). Filosofia da educação brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9.394/1996. Brasília, 1996.

______. Plano Nacional de Educação. Lei Federal nº. 10.172/2001. Brasília, 2001.

COARACY, Joanna. O planejamento como processo. Revista Educação, Brasília, Ano I, n.4, p.79, 1972.

LOPES, A.O. Planejamento de ensino numa perspectiva crítica de educação. In: CANDAU, V. Repensando a didática. São Paulo: Cortez, 1992.

PADILHA, R.P. Planejamento dialógico: como construir o projeto político-pedagógico da escola. São Paulo: Cortez - Instituto Paulo Freire, 2001.

PARO, V.H. Administração escolar: introdução crítica. São Paulo: Cortez - Autores Associados, 1986.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 109-119

SANT'ANNA, F.M.; ENRICONE, D.; ANDRÉ, L.; TURRA, C.M. Planejamento de ensino e avaliação. 11. ed. Porto Alegre: Sagra / DC Luzzatto, 1995.

SOUZA, Ângelo Ricardo de et al. Níveis do planejamento educacional: Planejamento e trabalho coletivo. In: Ministério da Educação, Secretaria de Educação. Caderno 2 - Coleção Gestão e Avaliação da Escola Pública. Universidade Federal do Paraná. Curitiba: Editora da UFPR, 2005, p.27-42. 50 p.

TEIXEIRA, Gilberto. Planejamento educacional e planejamento de ensino. Disponível em: <http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ler.php?modulo=16&texto=970>.

VASCONCELLOS, C.S. Planejamento: plano de ensino-aprendizagem e projeto educativo. São Paulo: Libertad, 1995.

Suselei Aparecida Bedin Affonso

Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2008). Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2003), especialização em Educação e Psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas

(1997) e graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1985). Experiência na docência de disciplinas relacionadas à formação de professores, em cursos de Pedagogia e Licenciaturas, tendo participado também de projetos relativos à formação continuada de professores em exercício. Desenvolvimento de pesquisas nas áreas de educação continuada, cognição, afetividade e relações de gênero.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

Aglay Sanches Fronza-Martins Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

A IMPORTÂNCIA DA DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR1

RESUMO

Nesse texto objetiva-se apresentar a importância do professor contemporâneo que assumiria o papel de ser um mediador do trabalho educativo, no qual se faz necessário construir habilidades pedagógicas suficientes para tornar o aprendizado mais eficaz, além de um bom nível de conhecimentos da área em que pretende lecionar. Ressalta-se, também, a importância de capacitar tais profissionais para essa prática pedagógica e a necessidade de uma formação dos professores universitários fundamentada no uso de recursos inovadores de maneira eficaz.

Palavras-Chave: didática; professor universitário; ensino superior.

ABSTRACT

This text aims to present the contemporary importance of the teacher who would assume the role of being a facilitator of educational work, which is necessary to build teaching skills enough to make learning more effective, and a good level of knowledge of the area where want to teach. It is emphasized also the importance of empowering these professionals to the teaching practice and the need for a teacher training college based on the use of innovative resources effectively.

Keywords: teaching; university professor; higher education.

1 Material da 1ª. aula da Disciplina Práticas do Ensino e da Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 20/6/2009 Avaliado em: 17/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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122 A importância da didática no ensino superior

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 121-128

A IMPORTÂNCIA DA DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR

Diversas são as funções que fazem parte do trabalho do professor universitário, como por

exemplo: o estudo e a pesquisa; a docência, sua organização e o aperfeiçoamento de

ambas; a comunicação de suas investigações; a inovação e a comunicação das inovações

pedagógicas; a orientação e a avaliação dos alunos; a avaliação da docência e da

investigação; o estabelecimento de relações com o mundo do trabalho, da cultura etc.

(BENEDITO; FERRER; FERRERES, 1995, p. 119).

Tendo em vista essa multiplicidade de funções e as mudanças que vêm

ocorrendo no mundo contemporâneo, assim como das alterações nos campos das diversas

ciências, inclusive da educação, elas também levam à necessidade de focar em uma

formação/capacitação de qualidade destinada aos professores universitários, a fim de

melhor realizarem sua função primordial, ministrar boas aulas.

No ensino superior apresentam-se questões que ressaltam desde a importância

de um acesso maior de pessoas a esse setor, até pesquisas que traçam o perfil tanto do

profissional docente, quanto do estudante universitário. Outro foco de acalorados debates

tem sido a busca de como se trabalhar de maneira mais eficaz e eficiente com esse

contingente de alunos cada vez maior. Atualmente, surge ainda a discussão sobre a

utilização das novas tecnologias da comunicação e informação utilizadas como recursos

didáticos neo-contemporâneos.

A busca por um ambiente realmente eficaz que satisfaça não apenas as

expectativas do professorado, como também dos estudantes, torna relevante a presença

das TICs2 no ambiente educacional, daí a necessidade de preparação ou especialização do

professor para utilizar esses novos recursos. Por muito tempo, prevaleceu, segundo Gil

(2008), a crença de que, para se tornar um ‘bom’ professor de ensino superior, bastaria

dispor de uma comunicação fluente ou, então, de um alto nível de conhecimento sobre

determinado assunto.

Tal afirmativa pode ser hoje descartada, se observarmos que dominar um

determinado conteúdo, nem sempre significa que a pessoa sabe ou consegue transmiti-lo

de maneira ‘compreensível’ para outras pessoas que não seus pares. No que tange à

comunicação, infelizmente também temos exemplos de alguns profissionais que ao

apresentarem determinadas informações, apesar da fluência, o fazem de maneira inexata

ou insuficiente. Uma das críticas mais comuns dirigidas aos cursos superiores diz respeito

à didática dos professores universitários, ou a falta dela. Nas avaliações realizadas pelos

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alunos nos diversos níveis de ensino, com uma atenção especial para o ensino superior,

encontra-se, com certa freqüência a seguinte crítica: “é um professor legal, mas o que falta é a

didática”.

Mas enfim, o que seria essa “didática” faltante? Não seria apenas uma disciplina?

De onde vem e o que significa “Didática”?

Ao professor universitário não cabe mais se colocar como personagem central do

processo de ensino-aprendizagem, melhor dizendo, apenas de ensino, com a mera tarefa

de transmitir informações. Atualmente, ao professor cabe o papel de ser um mediador do

trabalho educativo, no qual se faz necessário construir habilidades pedagógicas

suficientes para tornar o aprendizado mais eficaz, além de um bom nível de

conhecimentos da área em que pretende lecionar.

A formação pedagógica dos professores universitários surge, assim, com o

importante papel de capacitar tais profissionais para essa prática fundada nos usos de

recursos inovadores de maneira eficaz. Tal capacitação fica a cargo dos regimentos de

cada instituição responsável pelo oferecimento de cursos de graduação e de pós-

graduação. Como pode ser observada na cultura organizacional da Anhanguera

Educacional, promover a atualização docente reflete, e ao mesmo tempo regulamenta, a

crença da importância de se promover uma educação continuada e uma capacitação

profissional eficiente:

[...] que a qualidade do corpo docente baseia-se na sua educação continuada e na produção acadêmica atualizada e relevante, para que possa embasar a formação discente com os melhores conteúdos de conhecimentos,competências e habilidades, necessários aos seus projetos de vida. (CARBONARI NETTO, 2009, p. 20)

Histórica e etimologicamente, Didática deriva do termo grego didaktike, que

significa “a arte de ensinar”. O uso de tal conceito difunde-se com a publicação da obra de

Jan Amós Comenius, em 1637, intitulada “Didactica Magna ou Tratado da arte universal

de ensinar tudo a todos”. Em tal obra Comenius3 buscava apresentar um:

[...] processo seguro e excelente de instituir, em todas as comunidades de qualquer reino cristão, cidades e aldeias, escolas tais em que toda a juventude de um ou de outro sexo, sem excetuar ninguém, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, dessa maneira, possa ser nos anos de puberdade, instruída em tudo que diz respeito a vida presente e à futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e solidez.

O excerto acima sinalizaria o que cotidiana e contemporaneamente chamamos de

um ensino eficiente, aquele que produz o efeito desejado, que dá bom resultado, que

utiliza recursos de maneira a atingir toda a eficácia desejada. Com a “Didactica Magna”, o

grande pedagogo do século XVII propõe um sistema articulado de ensino que ressalta:

2 Tecnologias da Informação e Comunicação

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124 A importância da didática no ensino superior

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 121-128

• uma educação realista e permanente;

• um método pedagógico rápido, econômico e sem fadiga;

• um ensinamento a partir de experiências cotidianas;

• a busca pelo conhecimento de todas as ciências e de todas as artes;

• um ensino unificado.

Em seu livro “Competência pedagógica do professor universitário”, Masetto

ressalta a utilidade e a importância, para aqueles que querem se aventurar na docência de

nível superior, de se apropriarem das ferramentas/recursos para facilitar o trabalho em

sala de aula. O autor estimula os professores a se tornarem altamente motivados e

capacitados, sugerindo que todos os envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem

produzam formas eficazes, para que os novos acadêmicos possam compreender melhor

os novos conteúdos apresentados.

Atualmente nos deparamos com diversos significados para Didática. Para

Masetto (1997), o termo didática refere-se a “um estudo do processo de ensino-

aprendizagem em sala de aula e de seus resultados”. Outro teórico, Libâneo (1994, p. 54),

enfatiza que “quando os adultos começam a intervir na atividade de aprendizagem das

crianças e jovens através da direção deliberada e planejada de ensino, ao contrário das

formas de intervenção mais ou menos espontâneas de antes”, ocorre o que chama de uma

realidade didática contemporânea.

Esses autores não foram os únicos a utilizar tal termo. Conceituado de maneira

diferenciada, fazendo-se um breve delineamento histórico, podemos observar que até o

final do século XIX, tanto com Rousseau (1712-1778), Pestalozzi (1746-1827) ou Herbart

(1777-1841) a Didática fundamentava-se quase que exclusivamente na Filosofia. Já a partir

de final desse mesmo século, houve uma tendência de fundamentação didática baseada

tanto na área científica quanto na psicológica, graças ao progresso alcançado pelas

ciências do comportamento no fim do século XIX e início do XX.

No início do século XX, surgem diversos movimentos de reforma escolar, tanto

no continente europeu quanto no americano, nesse caso podemos citar Decroly (1871-

1932), Kerschensteiner (1854-1932), Cousinet (1881-1973), Claparède (1873-1940) e Dewey

(1859- 1952).

O movimento da Escola Nova foi uma tentativa de renovação educacional que se

esforçou para aplicar as conclusões das pesquisas realizadas pelas ciências do

comportamento. Tal movimento ficou conhecido como “Escola Nova” ou “Escola Ativa”,

3 Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/didaticamagna.pdf>. Acesso em: 15 maio 2009, p. 11.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 121-128

resultando dele um conjunto de princípios pedagógico-didáticos. No Brasil, as idéias da

Escola Nova tornaram-se conhecidas do público na década de 30 do século XX, com

destaque especial para os educadores Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço

Filho.

Esse movimento surge baseado na idéia de que o aluno aprende melhor “por si

próprio”, por isso, valorizava diversas estratégias como, por exemplo, a utilização dos

jogos educativos. O centro do processo de ensino deixa, então, de ser o professor e passa a

ser o aluno. Ressalta-se aqui uma nova diferenciação entre o ensino e a aprendizagem,

com foco na aprendizagem por parte do aluno.

No período que vai da década de 1950 até o final da de 1970, foi que o ensino de

Didática, enquanto uma disciplina estruturada academicamente, passou a privilegiar

métodos e técnicas com o intuito explícito de garantir a eficiência da aprendizagem dos

alunos. O vigor tecnicista ressalta, nesse período, o fato de se alocarem a técnica e as

estratégias educacionais visando enfatizar o cunho desenvolvimentista da política

governamental da época.

A Didática adquire, a partir da década de 70, um cunho instrumental que

perduraria até o início da década de 90, enfatizando uma pseudo-neutralidade, vinculada

ao âmbito científico e técnico. Essa linha de abordagem teórica, somente se modificaria

com a alteração da percepção do processo inicialmente focado no ensino e,

posteriormente, na aprendizagem, transformando-se, efetivamente no final do século XX e

início do século XXI, em um processo que enfatiza não somente o ensino, mas também a

aprendizagem.

O ensino seria basicamente a transmissão de conhecimentos, informações ou

esclarecimentos úteis à educação, realizados com um fim pré-determinado, enquanto a

aprendizagem seria vista como o exercício ou a prática de uma matéria aprendida com

uma experiência, por exemplo, enfatizando o papel ativo do estudante em tal processo.

Esse processo, segundo tal autor, pode apresentar-se de diversas formas, como:

a) o processo de ensino-aprendizagem desenvolve-se de maneira presencial, não presencial ou mista, utilizando para esse fim ambientes educacionais como escolas, centros de formação, empresas e comunidades urbanas e rurais.

b) o processo de ensino-aprendizagem está centrado no educando e dá ênfase tanto ao método quanto ao conteúdo.

c) o processo de ensino-aprendizagem compreende a organização do ambiente educativo, a motivação dos participantes, a definição do plano de formação, o desenvolvimento das atividades de aprendizagem e a avaliação do processo e do produto.

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126 A importância da didática no ensino superior

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 121-128

d) o processo de ensino-aprendizagem constitui essencialmente o trabalho escolar, cujo produto são os conhecimentos construídos, os conhecimentos dominados e as habilidades.

Somente com a junção desses dois conceitos é que teremos, conforme apresenta

Catapan (1996):

[...] um conjunto de ações e estratégias que o sujeito/educando, considerado individual ou coletivamente, realiza, contando para tal, com a gestão facilitadora e orientadora do professor, para atingir os objetivos propostos pelo plano e formação.

Conforme Libâneo (2001, p. 3):

A Didática de hoje precisa comprometer-se com a qualidade cognitiva das aprendizagens e esta, por sua vez, está associada à aprendizagem do pensar. Cabe-lhe investigar como se pode ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pensantes, capazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver problemas, para se defrontarem com dilemas e problemas da vida prática.

Apresenta-se acima uma perspectiva histórico-cultural na qual a situação de

ensino-aprendizagem é realizada enquanto uma atividade compartilhada entre o

professor e seus alunos, em que se constrói uma relação social efetiva atrelada ao saber

escolar consolidado, ou seja, cuja aprendizagem seria facilitada com a utilização dos

diversos recursos de ensino.

Desse modo, faz-se importante ressaltar a abordagem vygotskyana sobre as

relações existentes entre os processos de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado.

Vygotsky (2000) postula dois níveis de desenvolvimento: o primeiro é o nível de

desenvolvimento real. Este se refere aos processos de desenvolvimento já completados,

caracterizando aquilo que o indivíduo já é capaz de fazer ou resolver sozinho, de forma

autônoma. O outro é o nível de desenvolvimento potencial, caracterizado por aquilo que o

indivíduo é capaz de solucionar com a ajuda ou mediação do “outro”, de um material

pedagógico ou de uma estratégia didática.

Dessa maneira, Vygotsky (1991) introduz o importante conceito de zona de

desenvolvimento proximal que é definido como:

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

Como a função da zona de desenvolvimento proximal é de aproximar o nível de

desenvolvimento potencial do nível de desenvolvimento real ela está sempre em

transformação, pois o que o indivíduo faz hoje com ajuda do outro, da tecnologia ou de

um recurso didático, amanhã fará sozinho, através de seu próprio desenvolvimento.

Além disso, não podemos negar que os meios de comunicação, rádio, televisão e

principalmente a internet, têm influenciado muito na maneira de pensar, de agir e até de

reagir a determinados sentimentos ou a algumas situações, por parte dos usuários,

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 121-128

influenciando inclusive a escolha entre aquilo que considera interessante ou não. O

ambiente virtual e seus recursos, têm sido cada vez mais utilizados como uma estratégia

diferenciada para facilitar e tornar o ambiente educacional mais atrativo.

Pode-se dizer, desse modo, que o processo didático constitui-se como um

conjunto de atividades entre o professor e os alunos, e/ou entre os alunos e os materiais

didáticos, sob a direção do tutor/professor. Enfatiza-se, assim, a importância da

assimilação ativa pelos alunos dos conhecimentos, habilidades e hábitos, atitudes, visando

desenvolver suas capacidades e habilidades intelectuais. A Didática, de acordo com

Libâneo4 trata, portanto, dos objetivos, condições e meios de realização do processo de

ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sóciopolíticos.

No final do século XX, amplamente divulgado pelo livro de Malcom Knowles,

The modern practice of adult education (1970), surge o termo Andragogia, o qual se conceitua

como referente à arte e à ciência de orientar os adultos a aprender.

A Andragogia fundamenta-se em cinco princípios:

1. Conceito de aprendente, no qual o aluno se autodirige, ou seja, é responsável pela sua aprendizagem.

2. Necessidade do conhecimento, ao saber o que quer, valoriza-se a necessidade de aprender um determinado conhecimento.

3. Motivação para aprender, aqui ressalta tanto as motivações externas (melhor trabalho, aumento de salário) quanto às motivações internas (auto-estima, reconhecimento, autoconfiança).

4. O papel da experiência, as experiências prévias devem ser aceitas como fonte de recursos a serem valorizados e partilhados, servindo de base para a formação.

5. Prontidão para o aprendizado, em que o adulto está pronto para aprender aquilo que decide aprender. Sua seleção de aprendizagem é natural e realista, além disso sua retenção tende a decrescer quando percebe que o conhecimento não pode ser aplicado imediatamente.

Embora a aplicação do modelo andragógico não seja consensual, pode-se afirmar

que uma vez em se utilizando de tais princípios, acima descritos, a prática docente do

professor universitário pode ser significativamente melhorada.

Vale ressaltar que não há, dessa forma, técnica pedagógica sem uma concepção

de homem e de sociedade intrínseca, como também não há concepção de homem e

sociedade sem uma competência técnica para realizá-la educacionalmente.

4 Disponível em: <http://www.fadepe.com.br/restrito/conteudo/pos_gestaoambiental_libaneo_o_essencial_da_didatica_e_o_trabalho_do_professor.pdf>.

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128 A importância da didática no ensino superior

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 121-128

É importante sinalizar que o planejamento do ensino deve começar com

propósitos claros sobre as finalidades do ensino na preparação dos alunos também para a

vida social. No caso da Anhanguera Educacional, enfatiza-se, ainda, a relevância especial

ao Projeto de Vida do aluno.

Embora o professor seja visto com um personagem principal na relação ensino-

aprendizagem, por ser aquele que busca os recursos didáticos e os aplica, ele não tem o

controle total dos fatores relacionados aos estudantes, como por exemplo, as

necessidades, características e interesses de cada indivíduo.

Ao professor cabe o relevante papel de, por meio da Didática, relacionar o

conteúdo da disciplina que ministra às habilidades de comunicação dos conhecimentos,

ressaltando aqui além da importância da escolha dos recursos instrucionais também o

clima que estabelece em sala de aula.

REFERÊNCIAS

BENEDITO, A.V.; FERRER, V.E.; FERRERES, V. La formación universitária a debate. Barcelona: Publicaciones Universitat de Barcelona, 1995.

BORDENAVE, J.E.D.; PEREIRA, A.M. Estratégias de ensino e aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2005.

CARBONARI, Maria Elisa E. Programa de auto-avaliação da Anhanguera Educacional: instrumento de gestão acadêmica. In: CARBONARI NETTO, Antonio; CARBONARI, Maria Elisa E.; DEMO, Pedro. A cultura da Anhanguera Educacional: as crenças e valores, o bom professor, a pesquisa e a avaliação institucional como instrumento de melhoria da qualidade. Valinhos: Anhanguera Publicações, 2009. p. 193-230.

CATAPAN, A.H. O processo do trabalho escolar. In: Perspectiva, jul./dez. 1996.

GIL, A.C. Didática do ensino superior. São Paulo: Atlas, 2008.

LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

______. O essencial da didática e o trabalho de professor – em busca de novos caminhos. Disponível em: <http://www.fadepe.com.br/restrito/conteudo/pos_gestaoambiental_libaneo_o_essencial_da_didatica_e_o_trabalho_do_professor.pdf>. Acesso em: 08 fev. 2009.

MASETTO, M.T. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus, 2003.

______. Didática a aula como centro. São Paulo: FTD, 1997.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Aglay Sanches Fronza-Martins

Atualmente é professora no grupo Anhanguera Educacional na graduação em Pedagogia. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em educação formal e não-formal, atuando principalmente nos seguintes temas: ação educativa, museus e educação não- formal.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

Adriane M. Soares Pelissoni Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 2 [email protected]

OBJETIVOS EDUCACIONAIS E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM1

RESUMO

A avaliação da aprendizagem é uma temática que sempre está presente nas discussões na área educacional. Atualmente, sabe-se que a avaliação da aprendizagem deve superar o caráter puramente classificatório e deve ser entendida como processo contínuo e sistemático, funcional e orientador dos objetivos educacionais propostos ao ensino. Este artigo é resultado de levantamento bibliográfico e tem o objetivo de discutir a relação entre objetivos educacionais e o processo de avaliação da aprendizagem; conceituar e discutir a taxonomia dos objetivos educacionais de Bloom e a sua utilização nas metodologias de avaliação da aprendizagem no ensino superior; e, por último, descrever e exemplificar metodologias de avaliação da aprendizagem dentro do enfoque formativo. Com as discussões apresentadas pretende-se contribuir para a mudança das práticas avaliativas no ensino superior.

Palavras-Chave: avaliação; aprendizagem; processo; educação.

ABSTRACT

The assessment of learning is a theme that is always present in the discussions in the educational area. Currently, it is known that the assessment must go beyond the purely classificatory feature and must be understood as continuous and systematic process, functional and supervisor of educational objectives proposed for education. This article is the result of literature review and aims to discuss the relationship between educational objectives and the evaluation process of learning to conceptualize and discuss the taxonomy of educational objectives of Bloom and their use in methods for assessing learning in higher education and, finally, describe and illustrate methods for assessing learning in the formative approach. With the discussions presented is intended to contribute to the changing assessment practices in higher education.

Keywords: assessment; learning; process; education.

1 Material da 2ª aula da Disciplina Avaliação do ensino e da aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 27/06/2009 Avaliado em: 13/02/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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130 Objetivos educacionais e avaliação da aprendizagem

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

1. INTRODUÇÃO

Não basta ensinar ao homem uma especialidade, porque se tornará assim uma máquina utilizável e não uma personalidade. É necessário que adquira um sentimento, um senso prático daquilo que

vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto. (Albert Einstein)

A avaliação da aprendizagem é muito angustiante para muitos professores por não

saberem como transformá-la num processo que não seja mera cobrança de conteúdos “de

cor”, de forma mecânica e sem significado algum para o aluno (MORETTO, 2008). É

muito comum falarmos em nossas aulas sentenças como “anotem, pois vai cair na prova”

ou “prestem atenção nesse assunto porque na semana que vem tem prova”. Muitas vezes

utiliza-se a avaliação como recurso motivador (ou desmotivador) e regulador da

aprendizagem, mas é preciso superar esta visão.

Conforme apresentado por Pelissoni (2009), a avaliação da aprendizagem deve

superar o caráter puramente classificatório presente maciçamente nas práticas educativas

na atualidade. Avaliação da aprendizagem deve ser entendida como processo contínuo e

sistemático, funcional e orientador dos objetivos educacionais propostos ao ensino. Ou

seja, a avaliação deve ter uma função diagnóstica, na qual verifica a situação da

aprendizagem dos alunos para propor novos meios de mediação e de intervenção do

professor; é uma leitura da aprendizagem dos alunos e também uma forma de promover

a auto-regulação da aprendizagem entre os discentes.

Diante desta perspectiva, a avaliação é vista como parte integrante do ensino e

não como um momento de acerto de contas entre professores e alunos. Com isso, é

possível superar a visão de que ensinar é transmissão de conhecimentos prontos e

acabados, verdades a serem concebidas pelos alunos, gravadas e devolvidas no dia da

prova. Esta visão, descrita acima, é denominada por Moretto (2008) como toma-lá-da-cá,

em que o aluno deve devolver ao professor o que dele recebeu e de preferência

exatamente como recebeu.

Paulo Freire, autor de destaque na área educacional, chamou esta perspectiva de

educação bancária (FREIRE, 2000). Isto é, a educação feita por meio do ensino que não

envolve criatividade, nem mesmo interpretação, pautada pelo reprodutivismo. A relação

professor-aluno é identificada como uma forma de dominação, de autoritarismo do

professor e de submissão do aluno, sendo por isso uma relação perniciosa na formação

para a cidadania.

Hoje enfrentamos o desafio de transformar esta situação. Ainda hoje

identificamos marcas, crenças e valores pautados pela educação bancária. Porém, é

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Adriane Martins Soares Pelissoni 131

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

necessário refletir sobre as práticas de avaliação da aprendizagem a fim de quebrar este

ciclo e, com isso, formar os alunos de todos os níveis de ensino de maneira holística.

Tendo este panorama em vista, o presente artigo tem o objetivo de discutir a

relação entre objetivos educacionais e o processo de avaliação da aprendizagem;

conceituar e discutir a taxonomia dos objetivos educacionais de Bloom e a sua utilização

nas metodologias de avaliação da aprendizagem no ensino superior; e, por último,

descrever e exemplificar metodologias de avaliação da aprendizagem dentro do enfoque

formativo.

2. OBJETIVOS EDUCATIVOS E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Um dos fatores importantes para o sucesso no ensinar é o professor estabelecer com

clareza e precisão os objetivos de seu ensino (MORETTO, 2008). Esta proposição parece

obvia, porém, na prática docente, ela não se sustenta. É comum professores que

improvisam, ou não estabelecem seus objetivos, ou por acharem que já sabem de cor o

conteúdo de suas disciplinas, ou porque dão muitas aulas e não têm tempo de prepará-

las.

Uma das prerrogativas para o sucesso da relação ensino-aprendizagem é entrar

na sala de aula com alguns (até mesmo poucos) objetivos perfeitamente definidos.

Ressalta-se que a definição e conhecimento dos objetivos não devem ser restritos a figura

do professor, mas sim amplamente divulgados entre o quadro de discentes, em vários

momentos da aula. Ou seja, o professor deve explicitar o seu objetivo claramente no início

de cada aula e repeti-lo sempre que necessário, de forma que o aluno perceba claramente

a condução do ensino em cada aula.

Se, por qualquer razão, não for possível o professor escrever os objetivos em cada

aula, é preciso que entre em sala com eles estruturados no pensamento, que tenha o

cuidado de revê-los continuamente durante a aula e, sobretudo, retomá-los ao final. Desta

forma, a definição clara e precisa dos objetivos de ensino prepara o processo da avaliação

da aprendizagem.

Esta situação reforça o papel central dos objetivos no processo de planejamento

do ensino, devido sua relação constante com as decisões sobre o que e como fazer. Com o

planejamento podem-se prever e, conseqüentemente evitar, dificuldades inesperadas em

sala de aula e, assim, assegurar-se do potencial de cada situação.

Dessa forma, o estabelecimento de objetivos serve para orientar o professor

quanto à seleção do conteúdo, a escolha de estratégias de ensino e a elaboração de

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132 Objetivos educacionais e avaliação da aprendizagem

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

instrumentos para avaliação de desempenho do estudante e seu próprio (GIL, 2008).

Também serve para orientar o estudante a cerca do que dele se espera no curso, da sua

utilidade, e ainda, do que será objeto de avaliação. Assim, pode-se dizer que em torno dos

objetivos gravita todo o trabalho do professor. Definir objetivos significa definir a

aprendizagem do aluno, bem como tudo que poderá ser feito para torná-la mais fácil,

agradável e significativa. Vale ressaltar que este processo não é linear, conforme advertem

Freitas, Sordi, Malava e Freitas (2009):

[...] para uma visão linear no processo pedagógico, o planejamento didático é uma sucessão de etapas que começa com a definição dos objetivos, passa pela definição dos conteúdos e dos métodos, pela execução do planejado e finalmente pela avaliação do estudante [...] uma alternativa de ver a organização do trabalho pedagógico em sala de aula abandona esta visão linear e a substitui [...] o que permite organizar o processo de ensino aprendizagem em dois grandes núcleos ou eixos interligados: objetivos/avaliação e conteúdo e método. (p. 14)

A partir desta forma de olhar para o processo pedagógico, a avaliação não figura

ao final, mas está justaposta entre os próprios objetivos, formando um par dialético com

eles. São os objetivos que dão base para construção da avaliação. Os conteúdos e o nível

de domínios destes, projetados pelos objetivos, permitem extrair as situações que

possibilitarão ao aluno demonstrar seu desenvolvimento em uma situação de avaliação

(ibid., 2009). A partir desta discussão é possível inferir que avaliação não é uma questão

de final de processo, mas que está o tempo todo presente e, consciente ou

inconscientemente, orienta a atuação na escola e na sala de aula atual.

Além disso, é necessário ressaltar que esta discussão centra atenção na avaliação

da aprendizagem do aluno, ou melhor, a aprendizagem de conteúdos dos alunos. No

entanto, é necessário evidenciar que as instituições escolares constantemente estão

envolvidas em processo de avaliação instrucional (acesso ao conteúdo), disciplinar e

atitudinal. Conforme mostra Freitas (1995), nas séries mais elementares a avaliação tende

a ocorrer em estreita relação com o próprio processo instrucional e de maneira menos

formal que nas séries mais avançadas, onde a modalidade da prova está mais

estabelecida. Por isso, é possível entender a razão pela qual os alunos do ensino superior

acham que avaliação é sinônimo de prova.

Freitas, Sordi, Malava e Freitas (2009) destacam que o processo de avaliação da

aprendizagem existe tanto no âmbito formal como no informal. Entende-se por avaliação

formal aquelas práticas que envolvem o uso de instrumentos de avaliação explícitos, cujos

resultados podem ser examinados objetivamente pelo aluno. Já na avaliação informal

estão os juízos de valor invisíveis e que acabam por influenciar os resultados das

avaliações finais e são construídas pelos professores e alunos nas interações diárias.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

Desta forma, é possível perceber que os professores tendem a tratar os alunos

conforme os juízos de valor que vão fazendo deles. Aqui começa a ser jogado o destino

dos alunos – para o sucesso ou para o fracasso. As estratégias de trabalho do professor em

sala de aula ficam permeadas por tais juízos e determinam, consciente ou

inconscientemente, o investimento que o professor fará neste ou naquele aluno. É nesta

informalidade que se joga o destino daqueles alunos que não aprendem da mesma

maneira que a maioria dos outros alunos, ou aqueles que têm características pessoais,

culturais e sociais da maioria da classe. Freitas, Sordi, Malava e Freitas (2009) organizaram

o diagrama explicativo na Ilustração 1 sobre a avaliação em sala de aula.

Ilustração 1 – Diagrama representativo do modelo interpretativo de avaliação em sala de aula.

Desta forma, a avaliação da aprendizagem envolve a ação formal e informal do

professor, envolvendo a avaliação valorativa do comportamento, atitudes e valores dos

discentes. A partir disso, os alunos desenvolvem uma percepção que pode ser tanto

positiva quando negativa de si, que o levam ao sucesso ou ao fracasso acadêmico. Assim,

é possível afirmar que ação do professor é determinante para o sucesso acadêmico, tanto

em relação a sua percepção psicossocial quanto na vontade de prosseguir com os estudos.

Por isso, é de fundamental importância conhecer todas as dimensões presentes

no campo da avaliação da aprendizagem, supondo que está envolve somente o domínio

formal da aprendizagem. É necessário entender que a avaliação está presente no cotidiano

das aulas e pautam o relacionamento entre professores e aluno. Sendo de suma

importância a ação do professor para o envolvimento do aluno na aprendizagem e o

Campo predominantemente do formal

Avaliação do

comportamento

Avaliação Instrucional (conteúdo)

Avaliação de valorese atitudes

Juízos

Nota

Auto -estima

Sucesso ou

fracasso

Campo predominantemente do informal

Fonte: Freitas, Sordi, Malava e Freitas (2009, p. 29).

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134 Objetivos educacionais e avaliação da aprendizagem

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

desenvolvimento de uma imagem positiva de sua capacidade e a vontade de prosseguir

com os estudos. Assim, o maior facilitador para esta situação é o estabelecimento claro de

objetivos educacionais claros, informados e retomados aula a aula com os próprios

estudantes.

Para complementar a discussão em relação aos objetivos educacionais e a sua

relação com a construção de metodologias de avaliação da aprendizagem, será

apresentado e discutido a seguir a taxonomia dos objetivos educacionais de Bloom.

3. TAXONOMIA DOS OBJETIVOS EDUCACIONAIS DE BLOOM

Benjamin Bloom certamente é um dos autores mais citados nos trabalhos referentes à

formulação de objetivos educacionais. Sua principal contribuição ao estudo deste tema é a

taxonomia dos objetivos educacionais, cujos trabalhos se iniciaram em 1948, durante a

convenção da Associação Americana de Psicologia (APA), em que se discutiu a

necessidade e conveniência do estabelecimento de um quadro teórico de referência que

facilitasse a comunicação entre os pesquisadores desta temática (GIL, 2008).

Este grupo de psicólogos propôs-se a desenvolver um sistema de classificação

para três domínios: o cognitivo, o afetivo e o psicomotor. O trabalho no domínio cognitivo

foi concluído em 1956, com a apresentação de um relatório normalmente referenciado

como Bloom's Taxonomy of the Cognitive Domain, embora o título completo da obra seja

Taxonomy of educational objectives: The classification of educational goals. Handbook I: Cognitive

domain, com a menção de outros quatro autores (M. Englehart, E. Furst, W. Hill, e D

Krathwohl).

O segundo relatório, só publicado em 1964, foi denominado Taxonomia dos

objetivos educacionais: domínio afetivo. Não causou tanto impacto como o primeiro, pois sua

contribuição ficou muito restrita ao campo psicológico. O grupo não chegou a elaborar o

relatório ao domínio psicomotor. Por essa razão é que se recorre a outros trabalhos para

classificar as questões no domínio psicomotor. Mais recentemente, Anderson e

Krathwolhl (2001) publicaram uma revisão da taxonomia dos objetivos no domínio

cognitivo, no entanto, ela foi pouco divulgada e não causou o impacto como fora na

década de 50.

Quanto à publicação original, é possível identificar que os autores se esforçaram

durante o período de oito anos de trabalho para que a taxonomia constituísse uma

construção de lógica, evitando julgamentos de valor sobre objetivos e comportamentos.

Conforme Moretto (2008), a idéia central da taxonomia é definir claramente aquilo que os

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

educadores querem que os alunos saibam – definindo assim como os objetivos

educacionais podem ser arranjados numa hierarquia do menos para o mais complexo.

Para fins didáticos os níveis da taxonomia foram organizados no Quadro 1, com amostras

de verbos e de declarações de desempenho para cada nível.

Quadro 1 – Os níveis da taxonomia de Bloom, sua definição e amostras.

Nível Definição Amostra de verbos

Amostra de desempenhos

Conhecimento

O aluno irá recordar ou reconhecer informações, idéias, e princípios na forma (aproximada)

em que foram aprendidos.

Escreva Liste

Rotule Nomeie

Diga Defina

O aluno irá definir os seis níveis da Taxonomia de

Bloom no domínio cognitivo.

Compreensão O aluno traduz, compreende ou interpreta informação com base

em conhecimento prévio.

Explique Resuma

Parafraseie Descreva

Ilustre

O aluno irá explicar a proposta da taxonomia de

Bloom para o domínio cognitivo.

Aplicação

O aluno seleciona, transfere, e usa dados e princípios para completar um problema ou tarefa com um

mínimo de supervisão.

Use Compute Resolva

Demonstre Aplique Construa

O aluno irá escrever um objetivo educacional para

cada um dos níveis da Taxonomia de Bloom.

Análise

O aluno distingue, classifica, e relaciona pressupostos, hipóteses, evidências ou estruturas de uma

declaração ou questão.

Analise Categorize Compare Contraste

Separe

O aluno irá comparar e contrastar os domínios

afetivo e cognitivo.

Síntese O aluno cria, integra e combina idéias num produto, plano ou

proposta, novos para ele.

Crie Planeje Elabore

hipótese(s) Invente

Desenvolva

O aluno irá elaborar um esquema de classificação para

escrever objetivos educacionais que integre os

domínios cognitivo, afetivo e psicomotor.

Avaliação O aluno aprecia, avalia ou critica com base em padrões e critérios

específicos.

Julgue Recomende

Critique Justifique

O aluno irá julgar a efetividade de se escrever

objetivos educacionais usando a taxonomia de

Bloom.

Como foi possível observar no Quadro 1, existe uma hierarquia dos níveis

iniciada pelo domínio do conhecimento, ou seja, o aluno inicia o processo com o

conhecimento e reconhecimento de um dado conteúdo. Para ilustrar melhor partiu-se, do

princípio que o conteúdo de referência era a hierarquia da taxonomia de Bloom. Desta

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136 Objetivos educacionais e avaliação da aprendizagem

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

forma, na coluna amostra de desempenho foi formulado como o aluno iria demonstrar

este conteúdo em cada um dos níveis cognitivos.

De um modo geral, a pesquisa nos últimos quarenta anos confirmou a taxonomia

como uma hierarquia, com exceção dos dois últimos níveis (BLOOM; HASTINGS;

MANDAUS, 1983). Não há certeza quanto à posição de síntese e avaliação, mas é aceitável

colocá-las no mesmo nível. Ambas dependem da análise como um processo fundador.

Entretanto, síntese requer rearranjo das partes de um modo novo, original, enquanto que

a avaliação requer a comparação com padrões, exigindo julgamento para determinar o

bom, a melhor do que o melhor de todos. Isso guarda semelhanças a comparação entre

pensamento criativo e pensamento crítico. Ambos são valiosos, mas um não é superior ao

outro. Na Ilustração 2, é possível identificar uma representação gráfica que demonstra a

distribuição dos domínio seguinte a lógica apresentada.

Síntese Avaliação

Análise

Aplicação

Compreensão

Conhecimento

Ilustração 2 – Possibilidades da hierarquia da taxonomia de Bloom quanto ao domínio síntese e avaliação.

Ressalta-se que na Ilustração 2 os domínios foram apresentadas na ordem

inversa, ou seja, foram apresentados dos níveis mais complexos até os níveis mais

elementares. Desta forma, é possível perceber que os alunos podem “saber” sobre o tópico

ou matéria em diferentes níveis. Embora muitas avaliações elaboradas por professores

ainda verifiquem aspectos relativos aos níveis mais baixos da taxonomia, as pesquisa no

campo psicológico mostram que os alunos lembram-se mais quando aprenderam a

abordar um tópico desde o nível mais elevado da taxonomia (BLOOM; HASTINGS;

MANDAUS, 1983). Isso acontece porque, nos níveis superiores, exige-se mais elaboração,

um princípio de aprendizagem baseado em descobertas desde a teoria de aprendizagem

ancorada na abordagem do processo de informação (STEMBERG, 2000 apud

BORUCHOVICH; COSTA; NEVES, 2005).

É possível afirmar que a atuação docente no ensino superior deve compreender

os níveis presentes na taxonomia de Bloom, ficando claro assim que um mesmo conteúdo

poderá ser aprendido e ensinado com objetivos diferentes. A atuação envolvendo os

diferentes níveis da taxonomia possibilita que a relação de ensino e aprendizagem

desenvolva nos alunos diferentes competências visando a sua atuação profissional em

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Adriane Martins Soares Pelissoni 137

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

contexto multifacetado e multideterminado, que exige do individuo diferentes

habilidades para a resolução de uma rede de situações complexas. Por isso, é de

fundamental importância que os instrumentos de avaliação incorporem os diferentes

níveis da taxonomia dos objetivos educacionais.

4. METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO E FEEDBACK DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: PROVA CRIATIVA E TRABALHOS COLABORATIVOS

Tendo em vista que o aluno pode aprender um dado conteúdo de acordo com os níveis

das operações mentais (cognitivas), faz-se necessário a construção de instrumentos de

avaliação nesta perspectiva. Segundo Méndez (2002, p.98),

[...] mais que o instrumento, importa o tipo de conhecimento que põe à prova, o tipo de perguntas que se formula, o tipo de qualidade (mental ou prática) que se exige e as respostas que se espera obter conforme o conteúdo das perguntas ou problemas que são formulados.

Como nos mostra Zanon e Althaus (2008), se tomamos a prática de avaliação

como um processo, não é possível conceber e valorizar a adoção de um único instrumento

avaliativo, priorizando uma só oportunidade em que o aluno revela sua aprendizagem.

Oportunizar aos alunos diversas possibilidades de serem avaliados implica em assegurar

a aprendizagem de uma maneira mais consistente e fidedigna. Implica também em

encarar a avaliação, teórica e praticamente, como um verdadeiro processo.

Moretto (2008) coloca que as provas construídas nesta perspectiva devem superar

algumas características das provas tradicionais. Para que se possa ter uma visão ampla

desta diferenciação, foi elaborado o Quadro 2 que coloca paralelamente as diferentes

característica de cada instrumento.

Quadro 2 – Característica dos instrumentos de avaliação de acordo com a perspectiva pedagógica.

Características dos instrumentos na linha tradicional

Características dos instrumentos na perspectiva formativa

Exploração exagerada da memorização Contextualização

Falta de parâmetro para correção Parametrização

Exploração da capacidade de leitura e de escrita do aluno Utilização de palavras de comando sem

precisão de sentido no contexto Proposição de questões operatórias e não apenas transcritórias

A partir da análise do Quadro 2, fica claro que os instrumentos de avaliação na

perspectiva formativa utilizam de diferentes recursos para identificar a aprendizagem

discente, além disso, promovem a aprendizagem durante a situação avaliativa. Por isso, é

de extrema importância que os instrumentos sejam elaborados tendo em vista os objetivos

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138 Objetivos educacionais e avaliação da aprendizagem

Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

para o ensino. Conforme nos mostra Moretto (2008), os principais instrumentos de

avaliação que podem ser utilizados na perspectiva formativa são:

• Prova Objetiva.

• Prova descritiva.

• Trabalhos colaborativos.

Ressalta-se que todos os instrumentos têm uma especificidade, e devem ser

explorados na sua potencialidade. Por exemplo, as provas objetivas permitem um

julgamento rápido e objetivo, uma vez que se admite somente uma resposta correta, por

isso deve ser utilizada para avaliar conteúdos extensos. Em quanto às provas discursivas

permitem um julgamento permite a reflexão do aluno, bem como a organização de

informações, opiniões, pontos de vista, conceitos e conhecimentos, portanto devem ser

utilizadas para avaliar conteúdos menores de forma qualitativa.

Para recuperar o valor formativo dos exames, é necessário fazer perguntas inteligentes como condição de qualidade nas exigências de aprendizagem. Se realmente pretendemos desenvolver a inteligência, é necessário fazer perguntas que a estimulem, e não que a paralisem ou a limitem a tarefas que não exigem reflexão, tarefas de repetição e de memória sem sentido, ou, o que é pior, a esclerosem (MÉNDEZ, 2002, p.117).

Sendo assim, todo instrumento de avaliação tem sua validade e deve ser

construído de acordo com os objetivos do ensino previamente planejados pelos docentes.

Para completar o ciclo na perspectiva formativa da avaliação da aprendizagem é de suma

importância que o professor forneça ao aluno um retorno claro e preciso de seu

desempenho, mediante aos objetivos selecionados para este atividade. Sugere-se que este

feedback seja feito por meio de comentários e planilhas descritivas de desempenho, para

que o aluno possa tenha uma informação adicional e não somente uma escala numérica

sobre sua aprendizagem. Desta forma, seria possível superar a prática avaliativa com

retorno somente através da nota seca.

Espera-se que as discussões abordadas neste texto possam incentivar novas

práticas de avaliação da aprendizagem entre os docentes, visando contribuir com a

formação integral dos alunos do ensino superior da Anhanguera Educacional.

REFERÊNCIAS

BLOOM, B.S.; HASTINGS, J.; MANDAUS, G.F. Manual de Avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. São Paulo: Livraria Editora Pioneira, 1983.

BORUCHOVICH, E.; COSTA, E.R.; NEVES, E.R.C. Estratégias de aprendizagem: contribuições para a formação nos cursos superiores. In: JOLY, M.C.R.A.; SANTOS, A.A.A.; SISTO, F.F. Questões do cotidiano universitário. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 129-139

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FREITAS, L.C.; SORDI, M.R.L.; MALAVASI, M.M.S; FREITAS, H.C.L. Avaliação Educacional: Caminhando pela contramão. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

GIL, A.C. Didática do ensino superior. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

MÉNDEZ, J. M.A. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Porto Alegre: Artmed, 2002.

MORETTO, V.P. Prova: um momento privilegiado de estudo, não um acerto de contas. 8. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.

PELISSONI, Adriane Martins Soares. A avaliação no ensino superior: contextos e cenários. Material da 1ª. aula da Disciplina Avaliação do ensino e da aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

ZANON, D.P.; ALTHAUS, M. Instrumentos de avaliação na prática pedagógica universitária. Disponível em: <http://www.maiza.com.br>. Acesso em: 15 jun. 2009.

Adriane Martins Soares Pelissoni

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora do curso de especialização em Psicopedagogia do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, professora

de didática da Faculdade Anhanguera de Campinas e coordenadora do Serviço de Atendimento ao Estudante (SAE). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino superior, atividade docente, pesquisadores- formação, ensino de psicologia e produção bibliográfica.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

Aglay Sanches Fronza-Martins Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected]

RELAÇÕES INTERPESSOAIS: A IMPORTÂNCIA DO RELACIONAMENTO PROFESSOR-ALUNO1

RESUMO

Percebe-se que o espaço da sala de aula é um local privilegiado para se estabelecerem relações interpessoais. Este texto enfatiza a importância de um relacionamento satisfatório entre o professor e o aluno. Considerando uma unidade, em que ambos, professor-aluno, formariam um “par educativo”, poder-se-á produzir um processo de ensino-aprendizagem satisfatório, elevando a curiosidade ao nível de esforço cognitivo, transformando um conhecimento confuso e fragmentado em um saber organizado e preciso.

Palavras-Chave: relações interpessoais; ensino superior; mediação.

ABSTRACT

It is noticed that the space of the classroom is a prime location to establish interpersonal relationships. This text emphasizes the importance of a satisfactory relationship between teacher and student. Whereas a unit, in which both teacher and student, would form a ‘educational partnership’, it will be able to produce a satisfactory teaching-learning process, raising the curiosity level of cognitive effort, turning a confused and fragmented knowledge into a an organized and precise.

Keywords: interpersonal relationships; higher education; mediation.

1 Material da 2ª. aula da Disciplina Práticas do Ensino e da Aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 27/6/2009 Avaliado em: 22/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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RELAÇÕES INTERPESSOAIS: A IMPORTÂNCIA DO RELACIONAMENTO PROFESSOR-ALUNO

[...] o ensino torna-se mais eficaz quando o professor conhece a natureza da diferenças entre os alunos (Mc Keachie)

O processo de ensinar e aprender, por ser realizado por seres humanos, deve concentrar-

se, de acordo com Bordenave (2005), na própria atividade racional, dando tanta

importância ao como e ao porquê do saber quanto ao conhecimento a ser trabalhado em tal

processo, preocupando-se em desenvolver habilidades intelectuais no e com o aluno.

Gil (2008) ressalta em seu livro o significativo papel do professor no Ensino

Superior enquanto facilitador do processo de ensino-aprendizagem, o qual deve ser

realizado em cooperação com o estudante. Ressalta-se, também, dessa maneira, a

importância do bom relacionamento entre o professor e seus alunos.

Em uma experiência realizada com professores de física, aos quais foram

oferecidas informações pessoais com antecedência sobre seus alunos, percebeu-se que

estes estudantes obtiveram um avanço significativo em seu aproveitamento, além de

considerarem seus professores mais eficazes. Tal fato demonstra o que Haydt (2006)

apresenta enquanto formação educacional, entendida como não dissociada da

participação dos estudantes e dos professores na rede de relações que constituem a

dinâmica social e colaboram para a efetivação do processo de ensino-aprendizagem.

Desse modo, percebe-se que o espaço da sala de aula é um local privilegiado para

se estabelecer relações interpessoais. Marchand (1985) enfatiza que no relacionamento

professor-aluno, por ocorrer de maneira tão intensa, deve ser considerado enquanto uma

unidade, em que ambos formariam um “par educativo”.

Apesar de ser um espaço em que ocorre a inter-relação entre professor e aluno, é

importante apresentar que esse não constitui o único relacionamento interpessoal

possível, pois nesse espaço realizam-se trocas de saberes e, também, de relacionamentos

entre alunos-alunos, alunos e demais funcionários.

O espaço da sala de aula é visto, de acordo com Haydt (2006), enquanto um local

privilegiado para a interação social. Nele se processaria, por meio da relação professor-

aluno e da relação aluno-aluno, um exercício constante que envolveria a assimilação de

conhecimentos, desenvolvimento de hábitos e atitudes de convívio, bem como a

cooperação e o respeito humano.

Se levarmos em conta que a principal função da escola é ensinar, teríamos dessa

maneira uma instituição social que visa, dentre outros pontos, instituir relações de

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 141-147

socialização, reforçando e estabelecendo novas crenças e valores, além de buscar reforçar

algumas normas de condutas sociais.

Os estudantes não trazem para a sala de aula apenas a motivação para aprender,

trazem expectativas pessoais com relação aos colegas, ao professor/professores, dirigem

sua atenção também para a utilização adequada do espaço físico, que pode efetivar um

melhor aproveitamento pedagógico e inter-relacional.

No convívio que ocorre no ambiente escolar não se deve deixar de lado a

existência de um domínio afetivo que se une à esfera cognitiva, pois o aluno nesse espaço

interage em sua integralidade. Uma vez que a educação é um processo eminentemente

social, ou seja, tal fenômeno só se dá quando ocorre o processo básico de interação (Garcia

apud Haydt, 2006), percebe-se que o estudante não age apenas com a razão, mas também

com os sentimentos e as emoções.

Será, portanto, por meio da relação professor-aluno e da relação aluno-aluno que

o conhecimento surge coletivamente construído. Desse modo, é na relação educativa,

ainda segundo a autora, que o educador pode estimular o interesse do aluno, além de

orientar seu esforço individual para aprender. Desse modo, o professor teria duas funções

primordiais, de acordo com Haydt (2006), nessa relação educacional:

• A função incentivadora e energizante, por meio da qual se deve aproveitar a curiosidade natural do educando para mobilizar seus esquemas cognitivos e despertar seu interesse.

• A função orientadora, em que se pode orientar o esforço do aluno para aprender, ajudando-o a construir seu próprio conhecimento.

De acordo com Gil (2008), os professores tendem a tratar o processo de ensino-

aprendizagem em seu aspecto mais formal, no qual estabelecem objetivos, definem

estratégias de ensino, selecionam recursos e determinam procedimentos diferenciados.

Contudo, se fizerem apenas as tarefas acima listadas, eles estariam deixando de lado um

importante aspecto da aprendizagem: a relação professor-estudante.

A intervenção do professor, principalmente no ambiente da sala de aula, além da

interação dele com a classe, poderá produzir um processo de ensino-aprendizagem

satisfatório, elevando a curiosidade ao nível de esforço cognitivo, transformando um

conhecimento confuso e fragmentado em um saber organizado e preciso.

Diversos teóricos focaram suas pesquisas e teorias sobre esse importante

relacionamento interpessoal, dentre eles ao longo desse artigo apresentar-se-ão três

enfoques mais adotados: o rogeriano e o socioconstrutivista.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 141-147

Na abordagem de Carl Rogers (1902-1987), conhecida como não-diretiva e

centrada no cliente, como o próprio autor preferia chamar seus pacientes, afirma-se que

tanto a responsabilidade pela condução do tratamento, quanto o sucesso do mesmo será

de responsabilidade do cliente. De acordo com tal abordagem, pode-se, assim, observar

no ambiente educativo o papel de facilitador designado ao professor.

A teoria rogeriana ficou conhecida como humanista, uma vez que, contrastando

com a teoria freudiana, baseava-se em uma abordagem otimista do homem. Uma crença

básica aqui é que o organismo humano sabe o que é melhor para ele, por isso o pensador

acreditava que as pessoas só aprenderiam aquilo que necessitassem ou que realmente

quisessem aprender. Assim, a relação professor-aluno só poderia tornar-se eficiente se a

mesma se destituísse de toda hierarquia e se impregnasse de confiança, não abandonando

os alunos a si mesmos, mas dando-lhes apoio para caminharem sozinhos.

De acordo com o segundo enfoque a ser apresentado, o socioconstrutivista,

podemos apresentar um importante psicólogo do século XX, Lev Semionovitch Vygotsky

(1896-1934), o qual, apesar de seu curto tempo de vida, apresentou uma extensa produção

com importantes estudos sobre o desenvolvimento intelectual.

Vygotsky (1991) atribuía um relevante papel às relações sociais para a criação da

cultura. Seus estudos decorrem da compreensão do homem como um ser que se forma em

contato com a sociedade, assim, a formação do mesmo se efetivaria em uma relação

dialética entre o sujeito e a sociedade ao seu redor, em que o homem modificaria o

ambiente tanto quanto o ambiente modificaria o homem. A interação que cada pessoa

estabelece com determinado ambiente efetivaria a chamada “experiência pessoalmente

significativa”.

De acordo com tal abordagem teórica, as funções psicológicas elementares, as

quais se caracterizam, por exemplo, pelo reflexo, se diferenciariam das funções

psicológicas superiores, como por exemplo, a consciência e o discernimento. Os processos

psicológicos mais complexos ou as funções psicológicas superiores diferenciariam,

portanto, os seres humanos dos outros animais.

Outro conceito relevante é o de mediação, por meio do qual todo aprendizado

deveria ser necessariamente mediado. Vygotsky atribuiu significativa importância ao

papel do professor, uma vez que esse atuaria como impulsionador do desenvolvimento

psíquico de seus alunos, realizando uma intervenção pedagógica que provocaria avanços.

Desse modo, o estudante também precisa participar ativamente de seu próprio

aprendizado, pesquisando, experienciando, trabalhando em grupo. Tais atitudes resultam

em estimulação ao desafio, desenvolvimento do raciocínio e constante busca pelo

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conhecimento, uma vez que esses últimos não estão prontos, mas devem ser trabalhados e

vivenciados pelo estudante.

Quando falamos da relação professor-aluno, alguns outros pontos são

importantes de serem levados em conta, dentre eles temos algumas possibilidades que

facilitariam tal processo no espaço de sala de aula. Segundo Gil (2008), um primeiro ponto

a ser considerado é o oferecimento de informações sobre o profissional docente de ensino

superior, podendo essa ser verbal e não-verbal.

Na linguagem verbal teríamos a apresentação realizada pelo próprio professor, a

qual em nossa instituição está sugerida para o primeiro dia de aula em nosso plano de

curso. O docente, neste instante, poderia apresentar, além de sua formação acadêmica,

também algumas características relevantes para o curso, como sua participação em

associações de classe e experiências profissionais. A linguagem não-verbal abrangeria a

maneira como o professor se porta frente à classe, por exemplo, a maneira como fala,

brinca, olha, ou seja, seus gestos, postura física e movimentos corporais.

A importância de se conhecer os alunos, como forma de se estabelecer

relacionamentos interpessoais mais centrados na turma específica com a qual o docente

trabalhará naquele semestre, enfatiza o papel incentivador que deve ser assumido pelo

professor.

Podemos citar, tomando como referência a bibliografia utilizada para a produção

desse artigo, algumas características do professor para que se possa apresentar de forma

eficaz no processo de ensino-aprendizagem, como apresentar bom-humor, expor de

maneira clara o conteúdo a ser trabalhado, ter habilidade para se comunicar com a sua

turma, dentre outras.

Em algumas ou várias das características apresentadas pelos estudantes, quando

avaliam o trabalho do docente, percebe-se que estas encontram imbricadas de valores. É,

no entanto, facilmente visível a importância da atitude dialógica para se efetivar um bom

andamento do processo didático-pedagógico.

Já no que tange à tipificação, deve-se reconhecer a diversidade de características

apresentadas pelos nossos estudantes. Em pesquisa realizada no final do século XX, Kuh,

Hu e Vesper (apud GIL, 2008) identificaram e classificaram os estudantes em dez tipos

específicos, de acordo com seus engajamentos nas atividades universitárias.

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A classificação ficou estabelecida da seguinte maneira:

1. Desengajados: estudantes que apresentam baixo nível de participação em todas as atividades, estudam poucas horas por semana e, de modo geral, tiram notas baixas.

2. Socializadores: apresentam notável nível de interação social com os seus pares, mas baixo nível de participação em atividades acadêmicas.

3. Recreadores: estudantes que dedicam um considerável tempo para as atividades esportivas, mas participam pouco de outras atividades, apresentando baixo nível de interação social.

4. Acadêmicos: possuem ativo papel em relação ao envolvimento nas atividades acadêmicas. São, em geral, os que obtêm as melhores avaliações.

5. Cientistas: aqueles que se encontram envolvidos com ações de cunho quantitativo, mas não apresentam bons resultados nas atividades de educação geral.

6. Individualistas: tais estudantes possuem elevada interação com os pares, participação em diversas atividades, muito esforço. No que diz respeito a procura por opiniões de professores, desenvolvem pouco contato com a faculdade, embora possam se envolver com seus pares.

7. Artistas: apresentam elevado nível de participação em atividades artísticas e interação com os colegas e outros membros da faculdade.

8. Esforçados: distinguem-se dos demais pelo alto nível de esforço despendido.

9. Intelectuais: formam um grupo menos numeroso e caracterizam-se pelo envolvimento com todas as atividades acadêmicas.

10. Convencionais: tal grupo é caracterizado por uma mistura de padrões de envolvimento.

Faz-se necessário ressaltar aqui que o público que forma o ensino superior

normalmente é composto por toda uma diferenciada gama de estudantes, classificados de

acordo com seus diversos engajamentos nas atividades acadêmicas.

A busca por uma suposta homogeneização foi, por muito tempo, focada

enquanto uma maneira de se realizar uma pseudo-facilitação do trabalho educativo, com

a suposta tentativa de melhoria da qualidade de ensino em todos os âmbitos. Contudo, o

que se percebeu foi uma crescente tentativa de massificação, formatação e padronização

do estudante.

Atualmente, o valor da diversidade é apresentado por diversos artigos e

pesquisas, as quais tendem a enfatizar que os estudantes que interagem em meio à

diversidade beneficiam-se, ampliando suas perspectivas e incrementando tanto o

pensamento crítico quanto ampliando seu engajamento intelectual.

Conforme o texto de Bariani e Pavani (2008), enfoca-se a leitura de que, para o

grupo de professores pesquisados, o que faz com que os alunos se interessem pelas aulas

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são questões relacionadas à técnica pedagógica, enquanto, para os próprios alunos

avaliados, não seria tanto a técnica, mas a postura atenciosa do professor em

contextualizar a matéria com a vida dos estudantes, buscando motivá-los a aprender.

Conclui-se, dessa maneira, a importância de se estabelecer uma interação real e

satisfatória entre esses dois atores principais, professor e alunos, do processo de ensino-

aprendizagem. Tanto para a boa participação dos alunos nas aulas quanto para efetivação

de maneira adequada no desempenho acadêmico deles. A relação professor-aluno e a

postura de comprometimento do docente apresentam-se, portanto, enquanto fatores

favoráveis de interação e construção do conhecimento de maneira dialógica.

REFERÊNCIAS

BARIANI, Isabel Cristina Dib; PAVANI, Renatha. Sala de aula na universidade: espaço de relações interpessoais e participação acadêmica. Estud. Psicol., Campinas, v.25, n.1, mar. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2008000100007&lng=pt&nrm=iso>.

BORDENAVE, J.E.D.; PEREIRA, A.M. Estratégias de ensino e aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2005.

CARBONARI, Maria Elisa E. Programa de auto-avaliação da Anhanguera Educacional: instrumento de gestão acadêmica. In: CARBONARI NETTO, Antonio; CARBONARI, Maria Elisa E.; DEMO, Pedro. A cultura da Anhanguera Educacional: as crenças e valores, o bom professor, a pesquisa e a avaliação institucional como instrumento de melhoria da qualidade. Valinhos: Anhanguera Publicações, 2009. p. 193-230.

GIL, A.C. Didática do ensino superior. São Paulo: Atlas, 2008.

HAYDT, R.C.C. Curso de didática geral. São Paulo: Ática, 2006.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Aglay Sanches Fronza-Martins

Atualmente é professora no grupo Anhanguera Educacional na graduação em Pedagogia. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em educação formal e não-formal, atuando principalmente nos seguintes temas: ação educativa, museus e educação não- formal.

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Luís Fernando Prado Telles Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO E SUAS FORMAS DE PLANEJAMENTO1

RESUMO

Este artigo apresenta uma introdução aos aspectos da teoria da comunicação e uma organização dos seus elementos a fim da sistematização das formas de planejamento do processo comunicacional, visando não apenas a clareza na transmissão das informações, mas também o convencimento. Para tanto, procede-se ao trabalho com as definições de língua e linguagem e suas respectivas funções, dando-se especial enfoque à função argumentativa e à retórica como fonte primeira das principais estratégias de comunicação que buscam gerar convencimento. O artigo se encerra propondo uma pequena revisão sobre algumas concepções de linguagem.

Palavras-Chave: comunicação; funções da linguagem; argumentação; retórica.

ABSTRACT

This article provides an introduction to aspects of communication theory and organization of its elements to the systematization of the forms of communication planning process, aimed not only clarity in transmitting information, but also convincing. To this, it proceed to work with definitions of language and parlance and their respective functions, with particular focus on the role of argument and rhetoric as the primary source of major communication strategies that seek to produce conviction. The article concludes by providing a brief review of some concepts of language.

Keywords: communication; language functions; arguments; rhetoric.

1 Material da 1ª. aula da Disciplina Técnicas de Comunicação Docente, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 18/7/2009 Avaliado em: 11/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. INTRODUÇÃO

A comunicação é uma atividade imanente à prática do professor. Assim, o profissional de

qualquer área do conhecimento que tenha sido atraído a assumir o desafio de ensinar, de

algum modo, já o fez pelo fato de ser, naturalmente, um bom comunicador. Trata-se,

portanto, de uma competência inerente à atividade do professor e que é aprimorada ao

longo de anos de experiência didática.

Estamos tratando, então, de uma competência que se constrói de maneira muito

particular, a partir de experiências muito variáveis: o que pode funcionar para um

professor pode não funcionar para outro, o que é eficaz com uma determinada classe

pode não ser com outra, um determinado tipo de assunto pode aceitar um tipo de

tratamento e ser menos adequado a outro. Não há uma fórmula pronta disponível que

possa ser sacada a qualquer momento no sentido da aplicação das técnicas de

comunicação. Contudo, é possível isolar de maneira mais ou menos esquemática os

elementos constitutivos da prática comunicacional.

Reconhecer os elementos comuns da comunicação, suas funções e seus modos de

funcionamento pode ser proveitoso ao professor no sentido de poder incorporar esse

conhecimento à sua prática já constituída. O reconhecimento da sistematização de tais

elementos pode funcionar de modo a fazer com que o professor possa criar instrumentos

próprios de auto-avaliação e de aprimoramento de sua atividade, no sentido, inclusive, de

uma sua melhor organização e planejamento.

Assim, o presente artigo pretende introduzir alguns conceitos básicos da teoria

da comunicação, suas formas de sistematização e as implicações desta na construção de

estratégias argumentativas. Para tanto, serão apresentados, também, alguns elementos

básicos da retórica e da teoria da argumentação com vistas a oferecer um instrumental

que possa orientar, minimamente, o planejamento do professor em sua prática

comunicacional. Paralelamente, busca-se, ainda, a construção de uma discussão sobre

alguns aspectos da comunicação e da linguagem priorizando a relativização de algumas

crenças e valores, inclusive quanto à idéia de correção e de adequação.

2. ELEMENTOS ESSENCIAIS DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

O que é comunicar? Basicamente, significa interagir, estabelecer um contato que tem por

objetivo transmitir informações, buscar entendimento e compreensão. A comunicação,

nesse sentido, é, como já dito, constitutiva da atividade do professor. Este, contudo, pode

dizer verdades sem que estas tenham o efeito de verdades ou até não aparentem ser

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verdades. O sucesso de sua comunicação dependerá do modo como trabalha os elementos

que a constituem.

A teoria tradicional da comunicação (VANOYE, 2007.) estabelece que esta deva

se processar a partir, basicamente, de sete elementos: a origem da mensagem é

denominada de fonte; o responsável pela transmissão da informação proveniente desta

fonte, seja pela linguagem verbal (oral ou escrita) ou por qualquer outro sistema de

códigos, é entendido como sendo o emissor; a informação a ser transmitida, que é

veiculada pelo sistema de códigos manipulado pelo emissor, é denominada de mensagem;

o elemento a que se destina a mensagem (um indivíduo, grupo ou auditório) é

denominado genericamente como sendo o receptor; o campo de circulação da mensagem

deve ser entendido como sendo o canal de comunicação, este é o responsável pelo

deslocamento espacial e/ou temporal da mensagem; aquilo que veicula a mensagem e

que é trabalhado pelo emissor, o sistema de signos, é compreendido como sendo um

código, o qual pode ser verbal ou não verbal, o primeiro utiliza-se da palavra falada e/ou

escrita e o segundo pode ser constituído pelos mais variados meios e técnicas; o sistema

de comunicação se completa com o elemento ao qual a mensagem se refere, que pode

corresponder a objetos materiais ou a aspectos abstratos que compõem a situação ou o

contexto da comunicação, a esse elemento dá-se o nome de referente.

A recepção da mensagem não significa, necessariamente, a sua compreensão.

Pode haver falhas de comunicação em qualquer um dos níveis acima mencionados, por

exemplo, a mensagem pode ser recebida, mas não compreendida, quando o emissor e o

receptor não possuem signos em comum; ou quando a comunicação é restrita, pois

poucos são os signos em comum. A comunicação pode ser eficiente quando há uma

completa compreensão dos signos emitidos, contudo, não basta que o código seja comum

para que se realize uma comunicação satisfatória. Outras variáveis que incidam sobre os

outros elementos da comunicação podem atrapalhar o seu sucesso. Alguns problemas

podem, por exemplo, ser originados de interferências indesejáveis na transmissão da

mensagem, a esse tipo de problema dá-se o nome de ruído. A perturbação da comunicação

originária de uma desorganização da mensagem caracteriza aquilo que se entende por

entropia, já a repetição indevida de informações durante o processo de comunicação leva o

nome de redundância.

3. ALGUMAS DEFINIÇÕES IMPORTANTES

O estabelecimento dos elementos essenciais da comunicação e de seu sistema é feito a

partir do entendimento pressuposto de alguns conceitos importantes. O primeiro deles é o

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de linguagem. Esta pode ser entendida como sendo um código, já que este pode ser

definido como um conjunto de regras para um sistema de signos que permite a

construção e a compreensão de mensagens. A linguagem verbal é, pois, um dentre muitos

outros códigos. Trata-se, portanto, segundo o lingüista Émile Benveniste (cf. VANOYE,

2007.), de um sistema de signos socializado. Isso significa dizer que a linguagem se

constitui como um conjunto de signos que se determinam em suas inter-relações, ou seja,

um conjunto no qual os seus termos integrantes não significam nada por eles próprios,

mas todos significam em função dos outros. Nesse caso, portanto, o sentido de um termo

na linguagem é constituído em função do contexto em que ele ocorre.

As línguas são, portanto, casos particulares de um fenômeno geral que é a

linguagem e constituem-se como o objeto primordial do interesse de um campo de

estudos que se denomina de lingüística geral, a qual trabalha, grosso modo, no sentido de

descrever e investigar tanto as características comuns quanto as variáveis das diferentes

línguas.

Um dado importante sobre a linguagem verbal e que contribui para o

entendimento de sua especificidade é o fato de esta ser um tipo de código, dentre vários,

que pode falar dos próprios signos que constituem o seu sistema ou mesmo referir-se a

outros signos. Esse caráter meta-referencial da linguagem verbal possibilita, ainda, a

criação de “jogos” com os seus signos e suas significações. Daí o caráter de abertura

inventiva que a linguagem verbal permite.

Mas, se a linguagem é um “sistema de signos”, resta o entendimento do que seja

o signo. Este deve ser pensado a partir da compreensão da relação entre três termos: o

significante, o significado e o referente. O elemento “material” do signo (sonoro ou

escrito), perceptível sensorialmente, é o que se entende por significante. O elemento

conceptual, não perceptível, a idéia geral do que aquele dado material pode significar é

entendido como sendo o significado. Já o referente é o objeto real ao qual remete o signo

numa determinada instância de enunciação. Assim, como exemplifica Vanoye,

[...] no caso do signo mesa, diversos significantes (um som, ou melhor, uma combinação de sons ou uma combinação gráfica, etc.) correspondem a um significado (o conceito de mesa) que, por sua vez, designa uma classe de referentes (mesa de um só pé, mesa redonda, mesa baixa, etc.). Em outros casos, um mesmo significante pode remeter a vários significados (por exemplo, o significante folha remete aos significados ‘folha de árvore’ e ‘folha de papel’); é o contexto que elimina a ambigüidade. (VANOYE, 2007.)

Este entendimento do signo permite a compreensão do seu caráter convencional

e, portanto, aponta para a arbitrariedade da linguagem. O signo é convencional já que

entre o significante o significado não há outra ligação senão o acordo (implícito ou

explícito) que se estabelece entre os usuários de uma mesma língua. A significação

construída a partir desse acordo, portanto, é o que garante a ligação entre o significante, o

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significado e o referente. Esse processo de construção de significação pode ser entendido

como pertinente a uma qualidade mais abrangente entendida como sendo o processo

simbólico. Ao usarmos uma determinada palavra para nos referirmos a um determinado

objeto (seja animado, inanimado ou abstrato) designado por esse nome, não há nada no

próprio objeto que se relacione com o signo verbal que foi usado para designá-lo. É pelo

uso que o processo de representação simbólica se estabelece.

4. AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM

Dos elementos do processo comunicacional derivam as funções de linguagem. Quem

estabeleceu o quadro destas funções foi o lingüista Roman Jakobson (cf. VANOYE, 2007.).

A função centrada no emissor, que exprime a sua atitude em relação ao conteúdo da

mensagem e ao contexto de comunicação é designada como função expressiva,

responsável por caracterizar textos em que a presença de quem o produz se faz marcante,

por meio da expressão de seus juízos, sentimentos, posicionamentos críticos, opiniões etc.

A função centrada na figura do destinatário da mensagem é aquela designada

como sendo a conativa. Textos em que se processa a construção da imagem do leitor,

geralmente com o intuito argumentativo, de persuasão, são aqueles orientados, portanto,

pela função conativa da linguagem. Já a função referencial é aquela centrada no referente

e marca textos que se pretendem informacionais, mais objetivos e menos marcados por

comentários ou juízos. Para fazermos uma redução esquemática, cada uma das funções

acima mencionadas seria centrada, respectivamente, na primeira, segunda e terceira

pessoas do discurso. Podendo esta última ser entendida, de uma maneira mais geral,

como aquele elemento a respeito de que se fala.

A função conhecida como função fática é aquela voltada ao canal de

comunicação, refere-se a tudo o que numa mensagem serve para efetivar, manter ou testar

o contato com o destinatário da mensagem. Esta função caracteriza textos que servem

para instaurar uma comunicação ou funcionam para facilitá-la. A função metalingüística é

aquela voltada ao próprio código, é aquela utilizada para criar explicações que visam

precisar a própria linguagem. Essa função é comum em textos explicativos e que propõem

a construção de definições e o estabelecimento de conceitos. A função poética da

linguagem é aquela que revela o caráter de jogo da linguagem, voltando-se aos próprios

signos que a constituem. Essa função está presente em textos que valorizam a informação

pela forma como a mensagem é trabalhada linguisticamente. Vale salientar que o

esquema destas funções serve apenas como um guia, não deve ser entendido a partir de

um paradigma normativo.

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5. COMUNICAR/ARGUMENTAR

Como dissemos acima, comunicar significa interagir, estabelecer um contato que tem por

objetivo transmitir informações, buscar entendimento e estabelecer a compreensão. Para

que o entendimento e a compreensão aconteçam não basta apenas que o discurso seja

claro, mas também é preciso que o discurso de quem comunica seja convincente, portanto,

quem comunica também deve buscar o convencimento. Assim, comunicar é já, de certa

maneira, argumentar.

A argumentação, ou o convencimento, é também uma das funções primordiais

da linguagem. Esta foi, como se sabe, uma das funções que mais receberam atenção dos

teóricos ao longo da história. Antes mesmo do desenvolvimento das teorias

contemporâneas sobre a comunicação e sobre a linguagem de uma forma geral, o que se

objetivava no estudo da linguagem era o seu aspecto argumentativo, capaz de convencer

e demover pessoas em suas posições e influenciar em suas atitudes. A esse ramo de

estudo da linguagem e da comunicação dá-se o nome de retórica.

Do próprio sentido etimológico da palavra argumentação podem ser

depreendidos os sentidos positivo e negativo que o termo retórica tem recebido desde os

tempos da Grécia antiga. O termo argumento, que vem do latim argumentum, tem em sua

raiz temática o termo argu-, que significa “fazer brilhar”, este termo também está presente

em termos como argúcia ou argentum (que significa prata). A argumentação é, portanto, o

processo por meio do qual a linguagem, seja falada ou escrita, faz brilhar uma idéia, uma

opinião.

Assim, uma tese que, em princípio, poderia ser considerada fraca ou pouco

convincente, passa a se tornar forte e, portanto, crível, depois de ganhar brilho, de se

tornar evidente e aceitável por meio da argumentação. Esse é o sentido positivo da idéia

de argumentação, tornar forte uma tese que era tida como fraca: em outros termos, a tese

pode ser até verdadeira, mas se não parecer aceitável, convincente, poderá ser descartada

pelo destinatário da mensagem. Já o sentido negativo da retórica é aquele que entende por

retórico o discurso que se pretende brilhante, mas que não se sustenta numa tese que seja

genuinamente forte. O sentido negativo da retórica é, portanto, aquele que se associa à

idéia de um discurso cheio de ornamentos, mas que é, no fundo, vazio. O sentido

pejorativo de retórica é aquele que se associa à idéia de um discurso empolado, pedante,

mas que não tem conteúdo.

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6. UM POUCO DE HISTÓRIA

Esses dois sentidos para a retórica não são exclusivos da contemporaneidade, eles vêm se

desdobrando desde os tempos dos gregos. Aliás, como lembra Olivier Reboul, a retórica é

uma invenção grega em dois sentidos, tanto quando entendida enquanto técnica retórica

que possibilitava a defesa de qualquer tese independente do conteúdo, quanto como

teoria retórica, enquanto elaboração de sua sistematização e fixação do seu conhecimento.

Apesar de ter seu nascimento na Grécia antiga, ainda hoje, quando se fala em retórica, seja

para se analisar um discurso publicitário ou político, por exemplo, a referência de base é

sempre a retórica dos gregos, principalmente os elementos sistematizados por Aristóteles.

Por isso, Reboul considera que a “história da retórica termina quando começa”. (REBOUL,

2000, p. 1)

Olivier Reboul situa o florescimento da retórica na Sicília Grega, e diz ser

judiciária a sua origem e não propriamente literária, no sentido da retórica enquanto

discurso belo e bem construído. Quanto ao nascimento da retórica, Reboul o entende

dentro do seguinte período:

Tomemos duas datas como referência: 480 a.C., batalha de Salamina, na qual os gregos coligados triunfaram definitivamente sobre a invasão persa, quando começou o grande período da Grécia clássica; 399, ainda antes da nossa era: a morte de Sócrates. (REBOUL, 2000, p. 2)

A retórica amadurece, nos ensina Reboul, num momento posterior à tirania e

anterior ao chamado período filosófico grego, marcado principalmente pelo platonismo.

O discurso retórico teria surgido como uma necessidade, enquanto prática necessária à

defesa das causas dos cidadãos gregos. Um dos primeiros personagens de vulto na

história da retórica teria sido Córax, um discípulo de Empédocles, e que teria sido o

responsável por organizar um primeiro documento sobre retórica. Córax é o primeiro a

dar uma definição para a retórica: criadora de persuasão.

A retórica, neste período, não estaria comprometida com a verdade, não

argumentaria a partir do evidente ou do verdadeiro universal, mas a partir daquilo que é

verossímil. Esse entendimento da retórica justifica, inclusive, a origem judiciária da

retórica, visto que só é possível argumentar sobre aquilo que pode ser alvo de um

julgamento, aquilo que está livre do poder despótico, por um lado, e, por outro, não é

visto a partir de uma verdade universal. Assim, segundo Reboul, “se no âmbito judiciário

se conhecesse a verdade, não haveria mais âmbito judiciário, e os tribunais se reduziriam

a câmaras de registro” (REBOUL, 2000, p. 3.).

Córax foi o inventor do argumento que leva o seu nome e servia para ajudar os

defensores nas piores causas. O chamado “argumento de Córax” consiste em dizer que

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 149-161

uma coisa é inverossímil por ser considerada verossímil demais. É o chamado argumento

de redundância, o qual pode ser reversível. Por exemplo, se partirmos da seguinte

premissa: “todas as evidências estão contra Pedro”, o argumento do Córax 1 reverteria

essa premissa segundo o seguinte raciocínio: “Pedro saberia que seria o primeiro suspeito,

logo não seria verossímil que cometesse o crime”. Esse argumento, por seu turno, poderia

ser revertido para a seguinte premissa, denominada de Córax 2: “mas justamente por isso

ele poderia cometê-lo, sabendo que não suspeitariam dele”. Esse argumento também

pode ser revertido usando-se o mesmo mecanismo de raciocínio.

Além dessas fórmulas de raciocínios argumentativos, os retores gregos foram os

responsáveis também por sedimentar o uso dos três principais tipos de discursos

retóricos, bem como dos chamados lugares de argumentação, elementos sistematizados

posteriormente por Aristóteles em sua Retórica. Os tipos de discursos retóricos são o

político, reservado a argumentar sobre as decisões sobre a cidade, o epidítico, o discurso

de elogio público, e o judiciário, destinado à defesa das causas dos cidadãos. Os quatro

lugares de argumentação, ou topoi, aos quais os retores podiam sempre recorrer em suas

argumentações eram os lugares de quantidade, qualidade, ordem e existente.

Um dos fundadores do chamado discurso epidítico foi Górgias, nascido na Sicília

grega em 485 a.C. Ficou conhecido pelo famoso discurso intitulado “Elogio de Helena”.

Helena, esposa de Menelau, teria se deixado raptar pelo troiano Páris. Para resgatá-la, os

gregos viram-se lançados numa longa guerra. Górgias foi o retor responsável por

defender, por meio de sua argumentação, o rapto de Helena. Em seu discurso de elogio

público de Helena, Górgias utiliza-se de uma estratégia argumentativa que ficaria

cristalizada na retórica como sendo o que se entende por “petição de princípio”.

A “petição de princípio” é uma proposição não necessariamente verdadeira ou

universal, mas que deve ser aceita pelo auditório como verdadeira, sobre a qual deve se

sustentar o início de toda a argumentação do retor. Em outros termos, consiste num

recurso retórico em tomar por admitida a tese que é preciso provar e que é enunciada de

uma forma um pouco diferente, para obter aceitação inicial do auditório. É o ponto de

partida consensual da argumentação, onde deve estar ancorado o acordo do orador com o

seu auditório. A “petição de princípio” usada por Górgias para defender Helena é a

seguinte: “o ato involuntário não é culpável”.

O fato de a retórica orientar-se pelo paradigma da verossimilhança e não o da

verdade ou o exclusivo da evidência levou os retores a serem criticados por colocarem o

discurso argumentativo unicamente a serviço do belo em detrimento da verdade. Foram

acusados, também, de construírem discursos belos e ornamentados com a finalidade

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única de serem agradáveis e, portanto, conseguirem seus objetivos por meio de uma

espécie de manipulação. Os retores, também chamados de sofistas, seriam aqueles que

estariam distantes da verdade. Segundo Reboul, deve-se a uma certa compreensão a

respeito dos sofistas “a idéia de que a verdade nunca passa de acordo entre

interlocutores, acordo final, que resulta da discussão, acordo inicial também, sem o qual a

discussão não seria possível”. (REBOUL, 2000.)

O elemento chave para a retórica sofística seria, pois, a idéia de acordo. Segundo

os críticos da sofística, esse fundamento da retórica seria perigoso, pois o seu mundo seria

um mundo sem verdade, sem realidade objetiva. Privado da comprovação objetiva, o

discurso retórico ficaria sem referente, sem outro critério senão o seu próprio sucesso. Este

consistiria, pois, na aptidão para convencer pela aparência de lógica e pelo estilo. Assim, a

finalidade da retórica sofística não seria encontrar o verdadeiro, mas dominar por meio da

palavra, deixando, desse modo, de servir ao saber e ficando disponível apenas como

instrumento de exercício do poder. A retórica converte-se, segundo seus críticos, na

rainha despótica da sofística.

O principal crítico da retórica sofística foi Platão. Em seu diálogo Górgias, encena

o debate entre Sócrates a personagem cujo nome o intitula. Sócrates, fingindo ignorar o

que é a retórica, pede ao retor que a defina. Górgias diz que a retórica é a criadora de

persuasão. Em seguida, Sócrates pergunta se o retor precisa ter ciência daquilo sobre o

que pretende persuadir. A essa pergunta Górgias responde que o retor pode defender

qualquer causa e argumentar sobre qualquer assunto sem ter de conhecê-lo. Assim, por

meio do debate entre Sócrates e Górgias, Platão demonstra que a retórica, por pretender

tratar de qualquer assunto, acaba por não ser conhecedora de nada. Para Platão, a retórica

não chega nem mesmo a ser uma tekhné, uma arte, pois ela nada cria e dela nada resulta. É

como a prática de cozinhar, é a manipulação do produto de outras artes que procura dar

sabor aos produtos para agradar ao paladar. A retórica também procura dar sabor aos

produtos de outras artes a fim de agradar a determinados auditórios. Nesse sentido, a

retórica não passaria da prática de adular com a finalidade de manipular aqueles a quem

o retor dirige o seu discurso.

Segundo Olivier Reboul, a retomada do sentido positivo da retórica na

atualidade se deu, principalmente, a partir de 1960, com os estudiosos propositores de

uma “nova retórica”, que tem nos nomes de Chaïm Perelman e Oldbrechts-Tyteca os seus

principais representantes. Essa retomada da retórica garantiu a ela a recuperação de seu

sentido enquanto arte, ou técnica. Trata-se da arte de persuadir pelo discurso. A matéria

de que se ocupa a retórica é, então, o discurso que tem como objetivo criar persuasão. A

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 149-161

especificidade da persuasão retórica consistira, portanto, em se “levar a crer” sem,

necessariamente, “levar a fazer”. O “levar a fazer” sem “levar a crer” não seria

procedimento retórico, mas sim poderia ser resultado de ameaça ou de promessa. Do

sentido grego de técnica recuperou-se a idéia da arte retórica tanto como habilidade

espontânea quanto competência adquirida. Contudo, tanto num sentido como noutro, os

procedimentos seriam os mesmos. No caso do primeiro, os elementos podem ser

depreendidos a posteriori, no do segundo, a priori. A correta aplicação dos procedimentos é

que caracterizariam a retórica enquanto técnica de comunicação e de convencimento.

A partir da recuperação do sentido positivo da retórica, enquanto técnica

aplicada ao discurso voltado à persuasão deu-se, concomitantemente, a revalorização e

reatualização de uma série de seus elementos. Olhar especial mereceram os três elementos

básicos constitutivos da retórica e que foram estabelecidos já desde Aristóteles: os

chamados meios de competência da afetividade, a saber, o ethos, ou caráter do orador, e o

pathos, entendido como sendo o elemento referente às emoções do auditório; e os

chamados meios da competência da razão, ou logos. Neste caso, papel importante exerce

um tipo de raciocínio retórico também já definido por Aristóteles e que seria um meio

termo entre o raciocínio comprometido com as verdades universais e o raciocínio

falacioso, que conduziria a uma inverdade. Trata-se do raciocínio entimemático, um meio

termo entre o silogismo da lógica formal e a sua versão viciada, o sofisma. Os entimemas

são os silogismos retóricos, não são paralogismos ou sofismas e, por outro lado, também

não constituem verdades universais, mas criam verdades contextuais, aceitáveis. São

silogismos baseados em premissas prováveis, aceitáveis, mas não universais.

A estes três elementos da retórica têm se voltado alguns teóricos da atualidade,

principalmente quando lançam mão do famoso bordão do gerenciamento da razão e da

emoção. Estes três elementos da retórica têm se mostrado eficientes quando recuperados

de maneira inteligente no trato do tema da comunicação no que concerne às questões das

habilidades gerenciais, por exemplo.

7. ALGUMAS ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO

A idéia de Reboul de que a história da retórica termina quando começa parece fazer ainda

mais sentido quando nos deparamos com formulações como a que nos oferecem Baldwin,

Rubin e Bommer ao tratarem da comunicação empresarial como uma das habilidades

gerenciais a serem desenvolvidas, consideram o seguinte:

As pessoas se convencem a alinhar suas atitudes e comportamentos com os de uma outra pessoa por três razões principais. Aristóteles foi o primeiro a articular esses três elementos da persuasão, que mudaram muito pouco desde aqueles tempos da antiga

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Grécia. Em primeiro lugar, somos persuadidos pela credibilidade pessoal, ou etos, de um orador. Em segundo lugar, reagimos aos apelos emocionais, ou patos, de uma mensagem. Por fim, somos estimulados pelos argumentos lógicos, ou logos, que dão suporte a uma posição. (BALDWIN et al., 2008, p. 43)

As estratégias de comunicação devem estar centradas, segundo os autores, nestes

três elementos do discurso. A estratégia focada no ethos deve visar a construção da

credibilidade pessoal do emissor. Deve reforçar o seu caráter salientando o seu

conhecimento de causa na área de atuação, o seu caráter ético e profissional, além de dar

relevância aos valores compartilhados com o seu auditório. A estratégia focada no pathos,

ou no receptor do discurso do orador, deve buscar despertar as emoções dos ouvintes de

modo a fazê-los concordar com a mensagem. As duas técnicas mais eficazes que podem

ser usadas para se trabalhar a emoção do auditório são: a técnica da justiça e a técnica de

contar histórias. A primeira confia na tendência universal do homem de tratar o outro

como ele próprio é tratado. A segunda aposta na possibilidade de o público reconhecer-se

na história, identificar-se à situação e ser convencido pelo arrebatamento emocional

causado pela história e não propriamente pela lógica da argumentação. Outra estratégia

importante reside na utilização do argumento baseado no exemplo, que pode tanto

favorecer o trabalho com o pathos no sentido de aproximar o auditório ao caso tratado,

quanto como pode servir de elemento a ser usado pelo logos. Este, por seu turno, pode ser

trabalhado pelos dois caminhos mais naturais de construção de um discurso

argumentativo: pela via dedutiva ou pela via da indução. Ambas devem vir

acompanhadas de evidências. Pela primeira via, parte-se de uma proposição genérica em

direção às evidências particulares; pela segunda, parte-se de evidências, de casos

particulares, para a proposição de generalizações e conclusões.

Além dessas estratégias básicas, vale, ainda, o uso de argumentos baseados na

experiência, nas relações de causa e efeito, nos dados quantitativos e qualitativos (dados

estatísticos, por exemplo) e os argumentos baseados na autoridade. Em outros termos,

vale o retorno ao porto seguro dos lugares de argumentação.

8. FUNÇÕES DA RETÓRICA

Olivier Reboul estabelece, pelo menos, quatro funções primordiais da retórica. A primeira,

inerente ao próprio discurso argumentativo, é a função persuasiva. A segunda seria

aquela centrada na competência do orador de interpretar o discurso do outro e de usar

essa interpretação em favor de sua argumentação, trata-se, pois, da função hermenêutica

da retórica. A terceira delas seria a função heurística, uma vez que o discurso

argumentativo não serve apenas para transmitir uma informação e para criar persuasão,

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mas também tem a função de descoberta. Por fim, Reboul aponta para a função

pedagógica da retórica, que é, sem dúvida, a primordial para a atividade docente. De

certa maneira, a função pedagógica é constitutiva da natureza da retórica, pois pela

argumentação procura-se, de certo modo, a condução do interlocutor ou do auditório.

Como considera Reboul, “em todo caso, os professores, quase sempre sem saberem, fazem

retórica” (REBOUL, 2000, p. xxii).

9. ALGUNS CONSELHOS DE VIEIRA

Padre Vieira, grande orador do século XVII, em seu conhecido “Sermão da Sexagésima”,

oferece-nos alguns passos que deve seguir qualquer um que queira construir um texto

persuasivo. Segundo Vieira, o texto (oral ou escrito) que se pretende argumentativo deve:

1. Tratar de uma só matéria; 2. Defini-la para que se conheça; 3. Dividi-la para que se distinga; 4. Prová-la com a escritura (leia-se argumento); 5. Confirmá-la com o exemplo; 6. Amplificá-la com: causas; efeitos; circunstâncias; conveniências; apresentar

inconveniências que devem ser evitadas; responder às dúvidas; adiantar os possíveis argumentos contrários e refutá-los.

10. REVENDO ALGUMAS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

A partir do que foi discutido nesse artigo, é possível considerarmos que a linguagem é

apenas um meio de transmissão de pensamento? Ou, então, que a linguagem é apenas

mais um código? As respostas a essas perguntas devem ser negativas se enxergarmos a

linguagem, e a língua de uma maneira específica, sob a perspectiva interacionista da

comunicação que aqui procuramos construir. Sob esse escopo, a língua deve ser pensada

como algo que é construído e reconstruído no processo de interação. Do mesmo modo, o

sujeito deve ser pensado como aquele que se constrói e se completa por meio de seu

discurso, de sua linguagem.

Nesse sentido, é possível dizer que a linguagem não transmite pensamentos, mas

é responsável pela constituição deles, por torná-los possíveis. Portanto, segundo uma

visão interacionista da linguagem, esta não deve ser vista sob uma perspectiva

representacional, como sendo porta-voz de pensamentos, ou sob um ponto de vista mais

neutro que procure defini-la como se fosse apenas um código manipulável. É possível

depreender da linguagem uma certa noção de código, mas esta não é suficiente para

defini-la.

Sob esta perspectiva de linguagem, a comunicação não deve ser entendida

apenas como um processo que faz uso da linguagem, mas, sim, ela existe na e para a

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linguagem. A comunicação não deve ser entendida, então, apenas como o resultado de

um processo de transmissão de informações de um emissor a um receptor, mas enquanto

interação humana. Sob essa perspectiva, o sujeito se constitui na linguagem na medida em

que interage com o outro.

A linguagem, nesse sentido, extrapola certo entendimento primeiro de

comunicação como simples processo de transmissão de mensagens e passa a ser vista de

acordo com a idéia de um trabalho simbólico que institui e promove a mediação das

relações sociais. Assim, a linguagem suporta também aquilo que não é dito, aquilo que é

sugerido, além de valores éticos e morais que lhe são externos. Essa concepção nos abre as

portas para podermos falar sobre as relações entre linguagem e poder e sobre

heterogeneidade lingüística.

REFERÊNCIAS

BALDWIN, Timothy T.; RUBIN, Robert; BOMMER, William. Desenvolvimento de habilidades gerenciais. Tradução de Arlete Simille Marques. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

REBOUL, Olivier Reboul. Introdução à retórica. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Luís Fernando Prado Telles

Possui bacharelado e licenciatura em Letras (1997), mestrado (2000) e doutorado (2009) em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, ambos na área de Literatura Portuguesa. Desde 2001, atua como professor de nível superior nas áreas de

Língua Portuguesa e de Literatura. Participou, na qualidade de parecerista, da equipe responsável pela elaboração do Catálogo do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM/2005) proposto pelo Ministério da Educação. Atuou como professor dos cursos de formação continuada para professores do Ensino Fundamental e Médio oferecidos pela Secretaria do Estado da Educação de São Paulo em conjunto com a Unicamp (2005-2006). Foi professor das Faculdades de Campinas-Facamp de 2002 a 2009. Atualmente é Supervisor Acadêmico da Área de Educação e Humanas do Departamento de Pós Graduação e Extensão da Anhanguera Educacional S.A. Áreas de atuação e de interesse: Literatura Portuguesa, Teoria da Literatura, Teoria do Romance, Teoria da Narrativa, Teoria da Modernidade e Pós-modernidade.

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Ronaldo Barbosa Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

PERSPECTIVAS DE USO DO COMPUTADOR NO ENSINO1

RESUMO

Neste artigo discute-se alguns aspectos do processo ensino-aprendizagem apoiado pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Parte da idéia de que os papéis do aluno e do professor, antes bem delimitados e até antagônicos, agora parecem se confundir. São apresentadas e discutidas também algumas modalidades de aproveitamento do uso do computador no ensino: emprego de programas tutoriais, simuladores, linguagens de programação, Internet entre outros.

Palavras-Chave: tecnologia de informação; computação; ensino; comunicação.

ABSTRACT

This article discusses some aspects of the teaching-learning process supported by new information technologies and communication. It starts with the idea that the roles of student and teacher, previously well-defined and even antagonistic, now appear to be mixed. Also presents and discusses some methods of use of computer in education: application of tutorial programs, simulations, programming languages, Internet among others.

Keywords: information technology; computing; teaching; communication.

1 Material da 1ª. aula da Disciplina Tecnologias Aplicadas ao ensino e aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 18/7/2009 Avaliado em: 11/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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164 Perspectivas de uso do computador no ensino

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1. INTRODUÇÃO

A utilização de novas tecnologias educacionais convida a uma série de reflexões sobre

estratégias de ensino e aprendizado, vantagens e desvantagens do uso do computador em

lugar de outros meios e novos papéis para o professor e para o aluno.

Este texto apresenta alguns destes novos cenários condicionados pelas novas

tecnologias, discute argumentos favoráveis e desfavoráveis à utilização do computador no

ensino e apresenta uma categorização bastante genérica de modalidades de uso.

2. NOVOS CENÁRIOS

2.1. Passagem do analógico para o digital

O impacto do uso do computador na sociedade tem raiz, em grande parte, na passagem

da representação da informação do formato analógico para o formato digital.

Há séculos a humanidade e a escola lidam com informações em suportes

analógicos: livros, lousa, cadernos. Há poucas décadas começou-se a assistir à troca do

analógico pelo digital. À medida que as tecnologias digitais transformaram a

representação da informação, transformaram também a forma como a informação é

transmitida e comunicada e os processos de mudança se aceleraram.

Entretanto o simples armazenamento da informação em suporte digital não

garante mudanças significativas de função, como é o caso dos CDs de música, agora

antigos, por exemplo. Em uma formulação simples, o suporte analógico tende ao estático

enquanto o suporte digital convida ao transitório. Assim a facilidade, em princípio, com

que a informação em suporte digital pode ser transformada e reaproveitada, convida à

sua reedição e a novas abordagens na relações de autoria e representação (LEVY, 1999).

Na passagem do analógico para o digital talvez esteja também a encruzilhada do

uso de computadores na escola: se os livros ou a lousa simplesmente derem lugar a

grandes telas de computador ligadas à Internet, mantendo-se as mesmas rotinas

tradicionais de ensino e transmissão de conhecimento, haverá apenas uma troca de

suportes e a escola seguirá na forma tradicional.

Por outro lado, considerando que o suporte digital convida a uma reviravolta nos

papéis do aluno como receptor da informação e do professor como transmissor da

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 163-181

informação, encontramo-nos em um momento especial de reformulação ou até revolução

no ensino tradicional.

2.2. Liberdade do aluno em aprender

Parece sensato considerar que cada um de nós aprende de maneira diferente, que o

aprendizado é quase tão pessoal quanto uma impressão digital, que não há duas pessoas

que aprendam exatamente da mesma maneira. Com isso, no processo de ensino-

aprendizagem haveria necessidade de se respeitar a forma como cada pessoa aprende, de

acordo com seu estilo cognitivo. A discussão de como flexibilizar os modos de aprender e

ensinar deriva hoje fortemente das novas tecnologias de comunicação e da Internet.

Porém, tal flexibilização no contexto brasileiro esbarra na legislação, considerada

bastante restritiva. Há autores que argumentam que a rigidez da legislação educacional

brasileira em lugar de proteger a qualidade do ensino, retira do aluno a liberdade de

aprender (LITTO, 2008).

Enquanto em algumas universidades européias e americanas, é dado ao aluno a

opção de cumprir disciplinas à distância a fim de acelerar seu aprendizado e sua

formatura, no Brasil essa prática é desconhecida.

Dois exemplos da rigidez da legislação brasileira são as recentes e severas

restrições a cursos EaD de nível superior e a proibição do chamado ensino domiciliar,

onde crianças em lugar de frequentar instituições de ensino, estudam em casa.

Para ilustrar o primeiro exemplo, o Ministério da Educação, em 21 de novembro

de 2008, fechou 1.337 pólos de educação a distância, o que representa mais da metade de

todos os núcleos EaD do país.

Reproduzimos abaixo trecho do depoimento da Associação Brasileira de

Educação a Distância (ABED) que assim reagiu a esse fechamento:

Acreditamos que o MEC esteja equivocado ao estabelecer que há apenas um único modelo de qualidade na EAD, e que é este o modelo adotado pela Universidade Aberta do Brasil (UAB), importante projeto do próprio Ministério. O MEC diz que é apenas no formato da educação “semipresencial” (a mistura do presencial com a EAD), com atendimento regular de alunos em “pólos presenciais, é que existe “qualidade”. Essa visão diminui as possibilidades de experimentação, de inovação e de abordagens pluralistas, fatores altamente positivos, defendidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9394/1996). Da mesma forma, representam uma atitude conservadora e fechada. Por exemplo, o MEC exige biblioteca presencial e específica para cada curso oferecida no pólo, e não aceita bibliotecas digitais online, ou a possibilidade de a biblioteca central da universidade enviar livros solicitados pelos alunos. As premissas de “estrutura física e de tutor presencial” adotadas pelo MEC representam, na prática, um entrave para a EAD no país. (LITTO, 2008).

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No segundo exemplo, a educação domiciliar, movimento que se fortaleceu nos

Estados Unidos conhecido como homeschooling, encontra ainda poucos adeptos no Brasil.

Para os adeptos do homeschooling, não há necessidade de se frequentar a escola

para aprender desde que os próprios pais ensinem os filhos em casa. Em casos

excepcionais, quando há necessidade, os pais contratam professores particulares, mas

ainda assim prevalece o ensino no domicílio do aluno e com atenção individualizada.

No Brasil, o ensino domiciliar é anticonstitucional. Todo pai ou responsável que

deixar de matricular um filho na escola pode ser processado pelo Ministério Público,

considerando-se tal atitude crime de abandono intelectual com penas variando de

pagamento de multa até a perda temporária ou definitiva da guarda da criança.

Essa ameaça, apesar do rigor da lei, não impede que muitas famílias continuem

firmes no propósito de ensinar no lar.

Os defensores do ensino domiciliar argumentam que o aprendizado para

acontecer não depende de escolas e que ele deve ter algo de espontâneo:

O ensino que não foi solicitado não apenas não produz aprendizagem, mas também cria uma resistência ao aprendizado [...] Qualquer ensino que o estudante não tenha pedido vai provavelmente impedir ou atrapalhar seu aprendizado. (HOLT, 2007).

De alguma forma, os argumentos em defesa do ensino domiciliar reforçam a

flexibilização do ensino que as novas tecnologias educacionais ajudam a promover. São

eles, entre outros: aprende-se o tempo todo; ambientes de aprendizado são inúmeros, não

faz mais sentido obrigar que o aprendizado seja limitado no espaço e no tempo; a relação

aluno-professor deve se estender além do contato presencial das aulas tradicionais na

escola.

A chamada aprendizagem ativa expõe claramente algumas dessas prerrogativas,

enfatizando que o aluno tem responsabilidade e deve ser o protagonista de seu processo

educacional, buscando, através de múltiplos canais de aprendizagem, interação com seus

professores e com outros alunos que também aprendem por outras vias.

Esse modelo permite adequação do processo ao estilo cognitivo de cada aluno e

pode, no melhor dos casos, alterar estruturas rígidas do processo de ensino tradicional e

formal.

É comum que apareçam questionamentos acerca da “perda de controle” do

professor sobre o aprendizado do aluno quando livremente exposto às tecnologias de

ensino, entretanto sabemos que o professor pode e deve acompanhar passo a passo o

percurso cognitivo da construção do conhecimento do discente, aceitando o desafio de

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alterar a hierarquia para propor um trabalho colaborativo que aconteça,

preferencialmente, em rede.

Apesar da abrangência das pesquisas e da bibliografia que discute o aprendizado

com apoio da tecnologia dos computadores em todas as áreas do conhecimento, ainda

encontramos grande número de professores que não se aproximam dessa ferramenta

imaginando que os antigos modelos devam eternizar-se.

É bastante inquietante, por exemplo, o depoimento de um professor que compara

a realidade educacional atual com a realidade educacional de seu tempo de estudante,

conforme apurado por Bonetto (2008). Tal professor afirma: “Nós (professores) ensinamos

muito mais (hoje), coisas que também são importantes e não eram ensinadas

(antigamente), mas com certeza o nível de abstração e compreensão dos alunos hoje é

muito menor”.

Prevalece a crença de que o nível de compreensão e abstração do aluno de hoje é

baixo, embora autores contemporâneos afirmem justamente o contrário, quando

consideradas a utilização de novas ferramentas digitais e audiovisuais.

Essa contradição aponta claramente para a necessidade de se discutir o assunto

com os professores que não foram formados em mundo tão “digital” e se deparam,

constantemente, com esse conflito no seu desempenho profissional diário.

Encontramos-nos, portanto, diante do desafio de novas abordagens de ensino. E

esse fato, evidentemente, altera as relações entre alunos e professores. A positividade ou a

negatividade dessas transformações dependerá enormemente do empenho de seus atores

principais.

2.3. Inovação e conservadorismo

O aproveitamento de computadores no ensino tem sido até agora bastante conservador. A

informática já se reveste, em parte, das mesmas características de outros recursos

didáticos. Um exame dos software educativos de ciências disponíveis no mercado revelou

que neles predomina a transmissão de conteúdos, não levam em conta especificidades do

ambiente escolar e afastam o professor do processo educativo ao favorecer um uso

“individualizante” desconsiderando hipóteses ou conhecimentos prévios dos alunos

(SILVA; MARCHELLI, 1998).

Embora o trabalho de (SILVA; MARCHELLI, 1998) sejam anteriores à

popularização da Internet, acreditamos que a mesma situação continue a ocorrer nos dias

de hoje.

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Se considerarmos que o problema da educação possa ser resumido a seus

métodos, sem referência maior aos contextos em que ele se dá, um exame das novas

tecnologias de informação e comunicação sugere um potencial de mudanças no ensino

tradicional, aquele centrado no professor e baseado na transmissão de conteúdos.

É possível notar que as novas tecnologias de informação e comunicação poderiam

favorecer novas abordagens educacionais uma vez que geram oportunidades para que o

aluno sintetize, organize e reestruture a informação, além de exercer controle maior sobre

tempo, espaço e velocidade de sua própria aprendizagem; o acesso a informações

independe de sua localização geográfica; a melhor comunicação entre os alunos facilita o

aprendizado cooperativo que se estende além da sala de aula; as fontes de informação se

deslocam do professor e do livro-texto para uma fonte variadíssima e dinâmica de

informações no qual o próprio aluno pode ser provedor dessa fonte dinâmica de

informações (GLOBE, 2003) e os estudantes têm uma variedade de mídias para expressar

suas compreensões, Beloni (1999), Lévy (1999) e outros.

Portanto, a utilização da Internet e as novas tecnologias de informação e

comunicação ofereceriam o caminho para uma renovação ou mesmo revolução do ensino

como dito anteriormente.

Contudo, pode-se argumentar que uma parte das inovações supracitadas é

conhecida desde o ensino programado e as “máquinas de ensinar” a serviço das teorias

psicológicas comportamentais da década de 50 (SKINNER, 1975). Nessa linha, o aluno

submetido à instrução programada ou às máquinas de ensinar também teria um papel

ativo, seu ritmo seria respeitado, haveria um maior engajamento no processo de

aprendizagem, a programação de atividades seria compatível com seu nível intelectual

etc. Todas essas “vantagens” estariam associadas ao fato de que o método poderia atingir

um maior número de alunos. Do ponto de vista do professor, este ficaria livre para outras

tarefas e teria melhor evidenciadas as variáveis com que lidar em busca de maior

eficiência em seu trabalho.

Tal constatação enfraquece uma visão apressada do poder de mudanças

associado ao uso do computador no ensino, se tomado de forma isolada, sem referências a

um contexto maior, e independente de o uso do computador estar (ou não) associado a

pretensões mais ou menos inovadoras.

Um argumento bastante forte e favorável ao uso do computador no ensino

aponta que por ser o computador capaz de suportar todas as modalidades audiovisuais,

este facilitaria uma melhor adequação do processo de aprendizagem ao estilo cognitivo

do aluno.

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Sobre isso, Ferrés (1998, p.136) comenta:

A educação com multimeios tem algumas vantagens suplementares. Cada meio ativa nos alunos alguns mecanismos perceptivos e mentais diferentes. A educação com multimeios permite, então, adaptar-se às capacidades perceptivas e mentais dos diversos alunos, compensando os déficits derivados da aprendizagem com outros meios expressivos.

Outro argumento é o de que o uso do computador torna os ambientes de estudo

mais adaptáveis às situações de aprendizado, fazendo com que tais ambientes ganhem em

originalidade e adquiram certo caráter experimental, fatores considerados

educacionalmente estimulantes para os alunos e professores.

A questão é que soluções tecnológicas no ensino só funcionam com a ativa

participação dos professores e muitas vezes estes desconhecem por onde começar. Há

consenso de que quando conhecemos uma tecnologia nova, não é claro o que podemos

fazer com ela e depois que a conhecemos é necessário ainda um esforço criativo adicional

para aproveitá-la do ponto de vista educacional. Em outras palavras, existe uma dinâmica

de aprender com a tecnologia e modificar nossa relação com ela conforme a conhecemos.

2.4. O que esperar do novo estudante e da nova escola

Para o estudante da era digital, presume-se que ele deva saber lidar com abundância de

recursos, que seja capaz de manter o foco quando está pesquisando na Internet e que saiba

compilar resultados consistentes.

Outro ponto é que o estudante aprenda a contribuir com o processamento e a

criação de recursos e saiba criar seu próprio ambiente de aprendizagem não só em termos

de conteúdo como também em termos de funções e serviços a ele agregados.

Caberia à escola, por outro lado, oferecer as estudantes plataformas que eles

mesmos pudessem adaptar e compartilhar em função de seu estilo de aprendizagem e de

suas lacunas de conhecimento, recolocando a aprendizagem como uma atividade atraente

e motivadora.

3. MODALIDADES DE USO DO COMPUTADOR NO ENSINO

3.1. A questão da linguagem visual

Uma reflexão sobre usos do computador no ensino talvez devesse começar pela utilização

didática de imagens pelos professores, uma vez que a tela do computador pode emular

facilmente suportes clássicos como pôsteres, fotografias, slides e transparências além do

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que a veiculação de imagens é um dos atributos quase sempre esperados nas atividades

didáticas baseadas em computador.

Segundo levantamento de Pimentel (2002) sobre utilização de imagens no ensino,

ao mesmo tempo em que os professores reconhecem nas imagens uma multiplicidade de

funções pedagógicas com forte caráter motivador, predominantemente utilizam-nas de

modo ilustrativo. Esse procedimento desconsidera o caráter polissêmico ou subjetivo da

própria imagem, prevalecendo a transmissão direta de mensagens simples em lugar do

aproveitamento da sua função “epistemológica” (segundo formulação de Amador, 1998).

Predominam assim as funções de identificação, descrição e reconhecimento,

freqüentemente associadas à passividade dos alunos, em detrimento da interpretação,

comparação e análise. Aqui aparece um conflito em relação ao desenvolvimento do

raciocínio abstrato dos estudantes. Segundo a abordagem da Pedagogia Waldorf, o

estudante ao receber imagens prontas em qualquer suporte audiovisual, estaria recebendo

“imagens-clichês e conceitos mortos”, com sacrifício de seu poder de imaginação e

criatividade (LANZ, 1990).

É curioso observar que as dificuldades apontadas pelos próprios professores em

lidar com imagens segundo Pimentel (2002) e Calado (1994) residem mais, no entender

dos professores, em aspectos de ordem estrutural como equipamentos não apropriados,

escassez de material de apoio, custos de aquisição, entre outros, do que em aspectos

metodológicos ou que digam respeito ao reconhecimento da insuficiência desses

profissionais no domínio da linguagem visual.

Calado (1994) indica que a falta de maior formalização da linguagem visual com

vistas ao ensino é um dos obstáculos na capacitação dos professores e que não se pode

atribuir meramente à vontade do professor, os problemas em lidar de forma mais criativa

com a imagem. Sabe-se que a escola tem grande dificuldade em lidar com linguagens que

não sejam as tradicionais oral e escrita (TARDY, 1976; CALADO, 1994; AMADOR, 1998;

LÉVY, 1999; entre outros). Para Amador (1998), a utilização didaticamente pobre de

imagens em aula se deve às idéias pré-concebidas de que o papel das imagens é o de

meramente auxiliar na comunicação baseada na informação textual e verbal, e que a

leitura de imagens não necessita ser treinada, bastando para tal uso a intuição e

experiência do professor.

Assim, se consideradas apenas as dificuldades apontadas pelos professores, o

uso do computador em apoio à utilização de imagens no ensino poderia amenizar alguns

entraves ao uso didático das imagens em aula: a escassez de material, diminuição de

custos e estrutura logística necessária para sua veiculação – pode-se supor que bastaria

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existir certa organização e estrutura de computadores com acesso à Internet para que

houvesse uma comunicação mais rica em termos de utilização de imagens no ensino.

Entretanto, pelo anteriormente exposto, essa contribuição seria um tanto vaga, pois não

incide diretamente na valorização do raciocínio do aluno.

Tanto Amador (1998) quanto Calado (1994) consideram que há um domínio de

competências associadas à linguagem visual que precisaria ser mais bem explorado e que

seria favorecido se o professor tivesse oportunidade de lidar diretamente com as técnicas

para geração de imagens: intui-se aqui que a capacidade de gerar imagens afeta a própria

percepção do sujeito sobre as mesmas. As técnicas de produção das imagens, tanto pelo

professor quanto pelo aluno, ajudariam a promover a linguagem visual; o computador,

como ferramenta de edição e produção de imagens, enriqueceria a utilização destas no

ensino e aprendizagem de temas diversos, indo além dos aspectos meramente ilustrativos

ou motivadores.

Se o conceito de “imaginação” significa habilidade para produzir imagens e o

computador pode potencializar essa produção, é de se esperar que, de alguma forma, a

utilização de ferramentas baseadas em computador também possa estimular a imaginação

e a linguagem visual. Até mesmo a profusão de imagens acessíveis via computador

poderia conduzir à diversificação da utilização pedagógica das imagens.

Até aqui limitamo-nos ao uso de imagens estáticas baseadas em computador.

Devemos considerar que o computador é suporte não apenas a imagens estáticas mas a

variedades de modelos dinâmicos em duas ou três dimensões e que pode oferecer alto

grau de interação com essas imagens. A questão do aproveitamento da linguagem visual

na escola torna-se ainda mais complexa.

Desde a imagem estática na tela do computador (fotografia, esquema, imagem de

satélite, mapa, desenho...) obtida por diferentes meios e com diferentes objetivos até a

utilização de simulações complexas e interativas há uma grande variedade de incertezas e

certamente dificuldades e desafios para o professor e para a escola. Em um extremo

oposto ao das imagens estáticas estão as simulações complexas, que possibilitam interagir

até mesmo com imagens que não tenham qualquer relação com cenas naturais, como por

exemplo, os modelos de dinâmica demográfica, evolução das espécies, ecossistemas

(LÉVY, 1999).

Matthews (1994) também aponta que o computador poderia facilitar a construção

de ambientes simulados que favorecessem a experimentação e a imaginação na medida

em que removeriam obstáculos para geração e testes de hipóteses, permitindo

extrapolações para situações idealizadas (os chamados “experimentos mentais”). Tais

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ferramentas poderiam servir para testar hipóteses, delimitá-las, avaliar suas implicações e

correlações e levantar outros aspectos talvez bastante familiares àquilo que caracteriza o

raciocínio lógico e espacial.

A dificuldade para se refletir sobre esses usos é que as simulações complexas

apenas começaram a ser criadas e ainda estão longe da realidade dos nossos professores.

Para explorar o potencial educativo do raciocínio geológico, dependemos de mais

reflexões e experiências de ensino-aprendizagem com imagens para promover a

alfabetização visual ou alguma espécie de “pedagogia das imagens”.

Se a educação depende de quem está conduzindo o processo, de onde e em qual

contexto este se dá, a ênfase deve deslocar-se do instrumento de suporte (o computador)

para a capacitação do elemento humano que o utiliza (a figura do professor) sem

desconsiderar uma série de questões associadas à cultura, sociedade, ideologia e política.

Nos itens abaixo, abordaremos exemplos práticos de aplicação do computador no

ensino.

3.2. Programas tutoriais ou instrução programada

Os programas tutoriais, nos formatos mais tradicionais, apresentam um curso na forma de

roteiro em que um conjunto de informações é apresentado em módulos no computador

(Figura 1).

Figura 1 – Software Focus on Grammar – Adison Wesley Longman Publishing Company.

Para se progredir no curso, de um módulo a outro, é necessário fazer alguns

exercícios ao final de cada módulo, podendo-se retornar ao início ou fazer uma revisão

dos assuntos já vistos. Em alguns sistemas esse retorno é compulsório até que o usuário

possa progredir nas lições. Uma característica fundamental dos programas tutoriais

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tradicionais é que o material transmitido é selecionado, armazenado e apresentado de

forma rígida e todo usuário é tratado da mesma maneira.

Entre as vantagens dos programas tutoriais estão a possibilidade do aluno poder

fazer o curso de sua casa ou do local de trabalho, sem a supervisão de um professor e

seguindo seu próprio ritmo e disponibilidade de tempo. Esses programas requererem

pouquíssima preparação e são considerados frios e cansativos por muitos estudantes, o

que os torna adequados apenas a certos tipos específicos de conteúdos e perfis de usuário,

notadamente ensino técnico ou de idiomas.

Identificados com a proposta instrucionista de ensino, os tutoriais visam segundo

Demo (1998), que o estudante memorize informações, automatize respostas e recupere

eventual falta às aulas.

Contudo, com a incorporação de inovações no terreno da Inteligência Artificial,

sistemas tutoriais mais complexos são capazes de tomar decisões sobre o que ensinar e

como fazê-lo a fim de conduzir uma interação mais “sob medida” com o usuário. Essas

tecnologias são denominadas genericamente de TI – Tutoriais Inteligentes e representam

os principais esforços da tecnologia recente na tentativa de implementar no computador a

figura de um “bom professor” no estilo tradicional (BARANAUSKAS, 1999).

3.3. Experimento simulado

Experimentos simulados podem substituir o experimento real quando este é muito caro,

inviável ou arriscado, mas não apenas nesses casos. Podem também servir para uma

preparação do experimento real, ajudando a focalizar as implicações conceituais do

experimento que será realizado. Algumas das qualidades associadas a esse tipo de

aplicação segundo Valente (1993), são o imediato feed-back, imparcialidade, orientação

incansável e rapidez na proposição de novos problemas que podem ser rapidamente

apresentados aos alunos. Contudo, carregam também suas incertezas: até hoje não foi

possível provar de forma contundente que esse tipo de aplicação possa contribuir para o

desenvolvimento de raciocínios de alto nível dos alunos como a tomada de decisões,

análise de dados ou resolução de problemas.

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No exemplo apresentado (Figura 2), a utilização do programa em aula presume

que o modelo científico tenha sido corretamente implementado uma vez que não se tem

acesso ao seu código de programação.

Fonte: http://www.ugent.be/ir/img/dmse

Figura 2 – Software educacional HSC Chemistry.

Ao variar parâmetros, não há como garantir a qualidade dos efeitos obtidos se

comparados a um ensaio real no laboratório.

3.4. Simuladores

A expressão mais sofisticada dos programas denominados “simuladores” são os

ambientes nos quais o comportamento do usuário altera a experiência (Figura 3).

Fonte: http://static.sftcdn.net

Figura 3 – Tela do simulador Flight Simulator.

Essa experiência é dita “adaptativa” porque se relaciona à modificação do

conteúdo em diferentes aspectos, dependendo das ações e técnicas do usuário. Ainda

atravessamos uma fase embrionária no desenvolvimento de simuladores para o ensino,

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que atualmente se encontram mais relacionados a jogos sofisticados e manifestações de

arte. Contudo, as possibilidades de desenvolvimento por esse caminho no campo

educacional são promissoras. Pode-se, por exemplo, imaginar experiências baseadas em

simulações onde os modelos científicos possam ser questionados e compreendidos

verdadeiramente como “modelos” (LÉVY, 1999).

As ferramentas de animação e modelagem (incluídas aqui na categoria de

simuladores) podem ser particularmente interessantes na medida em que permitem

representar imagens e processos criando situações-problema por meio de cenários,

relevos, paisagens... (Figura 4).

Figura 4 – Área de trabalho do software de modelagem Bryce.

Contudo, são ferramentas complexas cujo aprendizado é excessivamente técnico

e demorado, o que reduz seu interesse mesmo no ensino de nível superior, pois

atrapalharia o cumprimento do programa da própria disciplina.

Uma crítica associada a programas de simulação é a de que eles estimulariam a

visão cienticifista, de que o mundo real pode ser simplificado e controlado da mesma

maneira que nos programas (SETZER, 2001).

3.5. Ferramentas de apresentação

Ferramentas de apresentação do tipo PowerPoint fornecem suporte audiovisual à

atividade expositiva e se encontram banalizadas hoje, sobretudo no nível superior de

ensino.

Nas mãos do professor, ferramentas de apresentação podem servir para a

veiculação de materiais de apoio didático que espelhem o próprio nível e estilo do

professor. Por outro lado, é somente quando nas mãos do aluno, que o uso da ferramenta

de apresentação permite as oportunidades educacionais mais interessantes. Verifique em

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um dos textos complementares deste material como aproveitar melhor o uso da

ferramenta PowerPoint em sala de aula.

3.6. Jogos educativos simples

Muitos jogos em computador fascinam crianças e adultos. Há ampla variedade de jogos

em computador, sendo uma categoria normalmente associada também a outras

modalidades aqui apresentadas como simulação, tutorial etc.

Neste espaço consideramos apenas os jogos simples que remetam diretamente a

uma aplicação que se possa chamar de “educativa”.

Cooperação, autonomia e concentração seriam algumas das atribuições do uso de

jogos no computador que por outro lado, podem reforçar o individualismo e negar o

coletivo (BOGATSCHOV, 2001). Sua relevância do ponto de vista educativo é discutível

porque na maioria dos casos o jogo não prevê a mediação com um professor e implicaria

um uso autônomo em relação à escola e ao processo de ensino, bem como isolamento

social entre outros aspectos considerados negativos.

3.7. Programas de referência e mecanismos de busca na Internet

Os programas de referência (Figura 5) e os mecanismos de busca ou consulta

convencionais na Internet remetem às bases de dados para consulta ou títulos de interesse

geral, ao estilo, de certa forma, das tradicionais enciclopédias impressas, porém muito

superiores e diferentes destas.

A Internet modificou a forma como consultamos informações e nos relacionamos

com computadores, fazendo despencar o interesse por software do gênero revista ou

enciclopédia eletrônica, abriu a possibilidade de se obter informações atualizadas em

tempo real através de uma tremenda variedade de sites, muitos deles funcionando como

bases de informações “multimídia” sobre os mais variados assuntos.

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Figura 5 – Tela do serviço Google.

Entretanto, o aproveitamento educacional eficaz da Internet é um grande desafio

para a escola e educadores: perda de foco do estudante, confiabilidade de informações,

plágio, entre outros que serão tratados ao longo desta disciplina.

Um esquema de aproveitamento da Internet denominado WebQuest sugere um

método por meio do qual o professor estabelece critérios para uma dada pesquisa,

recomenda os sites a serem consultados, estabelece regras e objetivos do trabalho a fim de

que o aluno possa efetivamente adquirir e integrar conhecimentos (DODGE, 2002).

A Pós-graduação da Anhanguera Educacional tem utilizado o modelo WebQuest

desde o início de 2008 com sucesso entre alunos e professores.

3.8. Tecnologias de Informação e Comunicação via Internet

Denominamos NTIC um conjunto de utilizações capazes de superar algumas das

restrições de tempo, espaço e seqüência associadas aos métodos de ensino tradicionais e

estão associadas mais diretamente à Internet fornecendo suporte para novas modalidades

de comunicação e de acesso a informação (telemática). Incluem-se aqui fóruns de

discussão, listas de discussão, grupo de notícias (newsgroups), FAQs (frequent asked

questions), blogs e outros.

Merece destaque particular a arquitetura de hipertextos que é a base da

multimídia e da arquitetura da Internet. As vantagens cognitivas do hipertexto têm sido

discutidas amplamente na literatura inclusive como uma das saídas para lidar com uma

quantidade muito grande de informações, própria dos tempos atuais.

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Um exemplo é formulado por Mendes (2001), segundo ela, a estrutura de um

hipertexto é particularmente adequada ao ensino de história da ciência ao permitir uma

abordagem associativa, onde as relações encontradas entre os fatos históricos são os links

que ocorrem nos hipertextos e as atitudes de escolha e saltos dos “nós” de informação

definem caminhos de uma leitura não dirigida, favorecendo assim que o leitor tenha

múltiplas visões da ciência. Uma crítica associada à utilização de hipertextos na educação

é a de que ela estimularia a preguiça mental do leitor que se habituaria a uma leitura

fragmentada, induzindo-o à “preguiça mental” (SETZER, 2001).

3.9. Linguagens de programação

Sabe-se que a atividade de programação de computadores fortalece o raciocínio lógico do

aluno e tradicionalmente é associada às Ciências Exatas, mas isso mudou com a

veiculação de ambientes gráficos na Internet (Figura 6).

Figura 6 – A parte da codificação em linguagem HTML que resulta na interface da revista eletrônica WIRED.

A importância do tema ganhou novo ânimo com o chamado software livre que

corresponde a programas de computador que possuem código-fonte aberto e disponível,

isto é, as linhas de código da programação são editáveis, permitindo que a idéia original

do programa possa ser aperfeiçoada e modificada por aqueles que conheçam a sintaxe da

linguagem na qual o programa foi implementado. O conceito de software livre é bem

diverso do conceito de um software convencional, proprietário, no qual o código de

programação é secreto e de propriedade da empresa que o desenvolveu, sendo quase

impossível decifrá-lo.

Para Fagundes (2002), por meio do software livre o usuário programador ganha a

liberdade de criar, inventar e ampliar conhecimentos numa forma de apropriação que

revela uma nova visão de mundo, em um grau inacessível aos usuários de software

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proprietário: “A tecnologia é a grande ferramenta da solidariedade mundial e o software

livre, a liberdade. Na escola, ele representa a concepção de educação livre”.

Certa exaltação do software livre deixa entrever, entretanto, alguma ingenuidade

uma vez que raros alunos ou mesmo professores teriam o conhecimento técnico

necessário para modificar ou criar seus próprios programas, cabendo isso a usuários

avançados, poucos estudantes de informática de nível superior ou programadores

profissionais.

3.10. Ferramentas polivalentes

Editores de textos, gerenciadores de bancos de dados, planilhas eletrônicas (ferramentas

de apresentação foram consideradas uma modalidade à parte), são todas aplicações que

favorecem a realização de uma série de tarefas cuja qualidade dependerá do tipo de

propostas didáticas em que forem inseridas. As ferramentas polivalentes podem otimizar

o processo de gestão da informação em contextos de educação e aprendizagem, apesar de

não terem sido projetadas com essa finalidade (CANO, 1998).

A utilização de ferramentas polivalentes no ensino como fim, e não como meio,

sobretudo no nível de ensino fundamental e médio ainda é muito valorizada, no sentido

de que estas aumentariam a empregabilidade futura dos estudantes.

Uma crítica que se faz a esse argumento é o de que as interfaces tornam-se cada

vez mais amigáveis, com sistemas de ajuda que dispensam a necessidade de cursos; outra

crítica é a de que esses programas mudam radicalmente em períodos curtos de tempo,

não havendo justificativa para que, por exemplo, crianças e jovens aprendam a usar

ferramentas que estarão completamente modificadas os estudantes atinjam a idade adulta

(SETZER, 2001).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar esta primeira parte da disciplina “Tecnologias Aplicadas ao ensino e

aprendizagem” cujo intuito, em linhas gerais, é o de convidar os professores para um uso

mais ativo, e crítico e responsável da tecnologia educacional, valemo-nos de um

argumento simples de Belloni (1999). Para a autora, o principal motivo para integrar

informática e educação não é o fato de que as novas tecnologias sejam necessariamente

mais relevantes ou mais eficazes do que as mídias tradicionais em qualquer situação de

aprendizagem e sim, a realidade incontestável de que a tecnologia ocupa e ocupará cada

vez mais espaço no universo de todos nós, alunos e professores.

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Ronaldo Barbosa

Graduação em Engenharia de Computação pela Unicamp (1996), especialização em jornalismo científico (2004, Labjor-Unicamp) e mestrado em Geociências pela Unicamp (2003). Cursa doutorado no Instituto de Geociências da Unicamp na área de Ensino e História da

Ciência. Ministra disciplinas em cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Educação, Engenharia, Sistemas de Informação e Comunicação. Atualmente é professor titular da UNIP (Campinas), FPJ (Jundiaí), Metrocamp (Campinas). É Supervisor de Ensino a Distância (EaD) do Departamento de Pós-Graduação da Anhanguera Educacional SA (AESA). Desenvolve periféricos de computador para deficientes e softwares educacionais para ensino fundamental, médio e superior. Possui experiência nas áreas de Educação e Tecnologia, com ênfase em Softwares Educativos e Internet, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de ciências, tecnologia educacional, Ensino a Distância, engenharia de software, ensino de geociências e formação de professores para uso de novas tecnologias educacionais.

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Adriane M. Soares Pelissoni Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 2 [email protected]

AVALIAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: CENÁRIOS E TENDÊNCIAS1

RESUMO

Avaliar um conteúdo ou uma disciplina não é algo isolado, ou somente de responsabilidade do professor. Este procedimento está conectado ao contexto mais amplo do ensino, não pode ser visto somente na relação com a disciplina ministrada. A prática avaliativa é de suma importância nos diferentes níveis de ensino e está sendo modificada de acordo com os novos paradigmas educacionais. Este artigo é resultado de levantamento bibliográfico e tem por objetivo discutir a diferenciação entre avaliação do ensino e avaliação da aprendizagem de acordo com os teóricos das últimas décadas. Foi realizado também um panorama sobre a avaliação da aprendizagem no ensino superior, para isto foram apresentados e discutidos os conceitos de competência e habilidades relacionados as atividades deste nível de ensino.

Palavras-Chave: avaliação; conteúdo; competência; educação.

ABSTRACT

Evaluating content or a discipline is not something separate, or only the teacher responsibility. This procedure is connected to the broader context of education, can not be seen only in relation to the subject taught. The evaluation practice is very important at different levels of education and is being modified according to the new educational paradigms. This article is the result of literature review and aims to discuss the distinction between evaluation of teaching and learning assessment according to the theorists of recent decades. Was also carried out an overview assessment of learning in higher education, for it were presented and discussed the concepts of competence and skills related activities at this level of education.

Keywords: assessment; content; competence; education.

1 Material da 1ª. aula da Disciplina Avaliação do ensino e da aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 20/07/2009 Avaliado em: 13/02/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. AVALIAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: CENÁRIOS E TENDÊNCIAS

A sala de aula é um local repleto de acontecimentos, no qual estão em cena dois

protagonistas: professores e alunos. Alguns dos acontecimentos que aí se desenrolam

marcam a totalidade dos discentes, como é o caso da avaliação. Quem não teve contato

com aquele aluno que “deu um branco” na hora da prova, que chorou ou até mesmo

aquele que lhe interpelou no corredor dizendo: “Quebra essa professor, é só meio ponto!”

Ao longo da história educacional e no cotidiano de nossas práticas educativas,

avaliar é quase sinônimo para prova, um procedimento único e padrão, no qual o

professor atesta a capacidade ou incapacidade do educando perante um dado

conhecimento (DEMO, 2009). No entanto, as teorias no campo pedagógico vêm

demonstrando que avaliar é algo mais amplo, envolve o processo de ensino e

aprendizagem, a mediação do professor, a relação com o saber, o desenvolvimento de

competências e habilidades.

Os currículos da Anhanguera Educacional são montados visando desenvolver

competências e habilidades, de acordo com o projeto pedagógico de cada curso. Ao

preencher o seu diário de classe você tem contato com estas competências e habilidades a

serem desenvolvidas. Assim, ao assumir o ensino por competências e habilidades não é

possível reproduzir práticas avaliativas de memorização de conteúdos e de classificação

dos alunos. É necessário ampliar a concepção de avaliação, que pode ser entendida como

processo, diagnóstico, condutor de novas práticas.

Avaliar um conteúdo ou uma disciplina não é algo isolado, ou somente de

responsabilidade do professor. Este procedimento está conectado ao contexto mais amplo

do ensino, não pode ser visto somente na relação com a disciplina ministrada. Por isso,

este artigo tem por objetivo discutir a diferenciação entre avaliação do ensino e avaliação

da aprendizagem. Pretende, além disso, fornecer um panorama sobre a avaliação da

aprendizagem, os conceitos de competência e habilidades.

2. AVALIAÇÃO DO ENSINO X AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Para introduzir a temática da avaliação educacional é necessário diferenciar alguns

conceitos que na prática docente se misturam e, muitas vezes, chegam a ser considerados

sinônimos. O que significa avaliar? Seria medir o conhecimento? Testar?

Segundo o dicionário Aurélio, avaliar significa: ”determinar a valia ou o valor de;

apreciar ou estimar, o preço, o merecimento, calcular, estimar; fazer a apreciação; ajuizar”.

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Enquanto medir, significa “determinar ou verificar, tendo por base uma escala fixa, a

extensão, medida, ou grandeza de; comensurar; ser a medida de.” Já Luckesi (2006)

aponta que a definição mais comum e adequada para avaliação seria “um julgamento de

valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de

decisão” (p.33).

Sendo a avaliação um julgamento valorativo, é necessário fazer uma distinção

entre os objetos que esta ação se destina no campo educacional. É comum encaramos

como avaliação educacional somente o procedimento pedagógico que o professor executa

frente à aprendizagem dos alunos, isto seria somente um dos aspectos da avaliação

educacional. Este processo, que envolve o julgamento valorativo da aprendizagem do

aluno é denominado por Luckesi (2006) de avaliação da aprendizagem.

Já avaliação do ensino é o processo que certifica a qualidade do ensino oferecido,

feito por órgãos oficiais. Como nos mostra Carbonari (2009), a avaliação do ensino na

Anhanguera Educacional envolve tanto a qualidade percebida quanto a qualidade certificada.

A qualidade percebida, conceito criado pela instituição, reflete a percepção dos alunos em

relação à qualidade do serviço educacional prestado. Esta avaliação é realizada por meio

do programa de avaliação institucional (PAI). Já a qualidade certificada é o resultado das

avaliações externas realizadas pelos órgãos oficiais (MEC e INEP), por meio das

autorizações e reconhecimento dos cursos, e pelos resultados do ENADE – Exame

Nacional de Desempenho dos estudantes.

A presente disciplina foi organizada a partir, justamente, deste entendimento de

que a avaliação educacional envolve tanto a avaliação da aprendizagem como a avaliação

do ensino. Nas duas primeiras aulas, focaremos atenção nas discussões teóricas sobre a

avaliação da aprendizagem, dando ênfase as possibilidades de ações dos docentes no

ensino superior. Já nas duas últimas, abordaremos as discussões sobre avaliação do

ensino, com ênfase para o Programa de Avaliação Institucional (PAI) e do SINAES

(Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior).

3. AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Avaliação da aprendizagem ganhou o centro das discussões no campo educacional há

algumas décadas. Segundo Demo (2009), as práticas educativas ainda seguem o modelo

tradicional de ensino, no qual o professor repassa grande quantidade de conteúdo e o

aluno trata de absorver, guardando na memória até o dia da provas. Luckesi (2006)

acrescenta que as práticas avaliativas são decorrentes de um processo histórico iniciado

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com a escola moderna, que podem ser exemplificadas com as práticas de provas e exames

praticadas nos colégios jesuítas no inicio do século XVI. Isto conduz à conclusão de que o

reprodutivismo escolar faz parte da história educacional brasileira, situações atuais fazem

com que estas práticas ainda sejam amplamente difundidas no ensino. Principalmente por

ser um sistema de ensino propedêutico e voltado para preparação para provas seletivas e

classificatórias como o vestibular, e não para o sucesso acadêmico do aluno

(HOFFMANN, 1996).

Segundo Luckesi (2006), a atual prática da avaliação escolar estipulou como

função do ato de avaliar a classificação e não o diagnóstico, como deveria ser

constitutivamente. Ou seja, o julgamento de valor que teria a função de possibilitar a

tomada de decisão sobre o objeto é entendido como algo estático e finalizado. Assim, é

possível classificar o objeto avaliado a partir de padrões previamente estabelecidos. Em

todo o sistema de ensino, atribuem-se menções ou notas que são distribuídas numa escala

subordinada a média. É possível identificar similaridade deste cenário com muitas

práticas que fazem parte do cotidiano acadêmico das instituições de ensino superior. O

que se propõem aqui não é uma revolução das práticas, mas sim um entendimento do seu

significado da avaliação da aprendizagem e a sua adequação ao objetivo proposto.

De acordo com Luckesi (2006):

A avaliação educacional escolar assumida como classificatória torna-se, desse modo, um instrumento autoritário e frenador do desenvolvimento de todos os que passarem pelo ritual escolar, possibilitando a uns o acesso e aprofundamento no saber, a outros a estagnação ou evasão dos meios do saber. Mantém-se, assim a distribuição social. (p.37)

Neste sentido, a aula continua sendo o centro nevrálgico da educação superior. A

função básica dos professores é dar aula e dos alunos é freqüentar a aula, sendo que a

freqüência é uma das formas decisivas da avaliação. Isso coloca em cheque a grande

questão “aula não é necessariamente aprendizagem” (DEMO, 2004). O aluno pode e deve

aprender de outras formas, para além da aula expositiva. Esta discussão nos remete à

ligação entre avaliação e aprendizagem. Como já abordado por Barbosa (2009), aprender

possui um sentido polissêmico, depende, em grande parte, da teoria de aprendizagem

que se tem em mente. Então, avaliar a aprendizagem significa estar em contato com uma

visão pessoal sobre avaliar, é identificar e refletir sobre a crença pessoal sobre este ato.

Este processo reflexivo pode ser resumido através da respostas a três perguntas:

1) O que entendo por aprender?

2) O que é avaliar?

3) O quê e como os alunos deveriam aprender?

A avaliação também possui diferentes definições e objetivos que foram

apresentadas ao longo das últimas décadas. Ressalta-se que os conceitos abordados fazem

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contraposição ao modelo tradicional de ensino, isto é, dão ênfase aspectos e objetivos

diferentes para avaliação da aprendizagem puramente classificatória. Para ter-se um

panorama desta diferentes perspectivas, foi construído o Quadro 1, que sintetiza os

principais entendimento da avaliação nas últimas décadas.

Quadro 1 – Quadro teórico de abordagem da avaliação da aprendizagem nas últimas décadas.

Autor Conceito de avaliação Ênfase da avaliação

Ralph Tyler (1949)

O processo de avaliação consiste essencialmente em determinar em que medida os objetivos educacionais estão sendo realmente alcançados pelo programa do currículo e do ensino.

Caráter funcional

Daniel Stufflebeam (2007)

Avaliação é o processo de delinear, obter e fornecer informações úteis para o julgamento de decisões alternativas.

Caráter processual

Michael Scriven (1967)

Avaliação é uma atividade metodológica que consiste na coleta e na combinação de dados relativos ao desempenho.

Diferença entre avaliação e mensuração

Bloom, Hastings e Madaus (1983)

Avaliação é um método de coleta e de processamento dos dados necessários à melhoria da aprendizagem e do ensino. Avaliação é superior ao rotineiro exame escrito. Avaliação auxilia no esclarecimento dos objetivos.

Definição dos objetivos

A análise do Quadro 1 permite identificar que a avaliação da aprendizagem

possui diferentes funções. Destaca-se o caráter funcional, no qual a avaliação determina a

eficácia do ensino, isto é, se os objetivos educacionais que foram propostos estão sendo

alcançados; o caráter processual, no qual avaliação é um meio de obter informações e

reconduzir as práticas educativas; o papel da avaliação na aprendizagem na definição dos

objetivos do ensino, sendo a avaliação uma forma de acessar a aprendizagem e auxiliar na

recondução dos objetivos do ensino.

É possível identificar a diferença entre avaliação e mensuração. A mensuração

seria somente uma forma objetiva, quantitativa e classificação numérica da aprendizagem,

o que Luckesi (2006) denominou de caráter classificatório da avaliação da aprendizagem.

Segundo Scriven (1967), avaliação da aprendizagem não é uma forma de mensuração, é

algo ao mesmo tempo objetivo e subjetivo, pois atribui valores; é um julgamento, a partir

de dados objetivos. Isso significa dizer que avaliação da aprendizagem pode fazer uso da

mensuração, mas para que tenha o caráter emancipatório é necessário extrapolá-la. A

avaliação da aprendizagem pode ser quantitativa e qualitativa, pois é possível julgar a

aprendizagem a partir da sua quantidade e/ou da qualidade.

Como apresenta Perrenoud (1999), a avaliação da aprendizagem deve ser,

sobretudo, formativa. Este entendimento leva o professor a observar mais

metododicamente os alunos, a compreendê-los melhor, de modo a ajustar de maneira

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sistemática e individualizada suas intervenções pedagógicas e as situações didáticas que

propõem. Tudo isso numa expectativa de aperfeiçoar as aprendizagens dos alunos. Essa

concepção se situa abertamente na perspectiva da regulação intencional da aprendizagem,

cuja intenção é determinar o caminho já percorrido por cada um e aquele que resta a

percorrer com vistas a intervir para otimizar o processo de aprendizagem em curso. Desta

forma, a avaliação formativa trás perspectiva de ação tanto para alunos como para

professores, é um conjunto de informações que devem ser interpretadas e conduzir novos

meios de ação.

Assim, o ato de avaliar não pode ser visto como algo isolado, pronto e acabado.

Ele deve ser entendido como ato emancipatório, que supera os limites da aprendizagem

tanto dos alunos como dos professores. Dentro desta perspectiva, faz-se necessário

repensar as formas de devolução, o retorno desta avaliação (feedback). Esta situação pode

ser sintetizada a partir de questionamentos comuns aos docentes:

• Como informar o aluno sobre o status de sua aprendizagem?

• A nota traduz a aprendizagem?

• Como auxiliar o aluno na construção de um caminho a aprender?

Perrenoud (1999) coloca que esta devolução ao aluno deve ser objetiva, voltada

para os objetivos do ensino e, acima de tudo, deve ser um mecanismo de auto-regulação

aos alunos. Ou seja, que possibilite uma reflexão ativa, que supere a classificação

valorativa e coloque o aluno frente a uma postura ativa de sua aprendizagem, que o faça

agir de diferentes formas para o alcance dos objetivos educacionais e pessoais.

Em síntese, a avaliação da aprendizagem deve superar o caráter puramente

classificatório que normalmente orienta as práticas educativas na atualidade. Esta deve

ser entendida como um processo contínuo e sistemático, que é funcional e orientadora dos

objetivos educacionais propostos ao ensino. Ou seja, a avaliação deve ter uma função

diagnóstica, a partir da qual se verifica a situação da aprendizagem dos alunos para

propor novos meios de mediação e de intervenção do professor. É uma leitura da

aprendizagem dos alunos e também uma forma de promover a auto-regulação da

aprendizagem entre os discentes.

Tendo em vista a importância do processo de avaliação da aprendizagem e sua

relação com a eficácia do ensino, a seguir serão abordados os conceitos de competências e

habilidades aplicados à atividade da docência no ensino superior. Esta relação se faz

necessária para identificar e evidenciar as competências e habilidades do professor para

promover uma avaliação da aprendizagem emancipatória.

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4. ENSINO E AVALIAÇÃO: DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

No senso comum, a palavra competência está associada à excelência. Percebemos esta

condição quando ouvimos ou falamos: “aquele professor é realmente competente” ou “os

alunos conseguiram aprender porque aquele professor é muito competente”. Assim,

parece claro que na linguagem do senso comum a competência está associada a um

conjunto de elementos que permitem a um sujeito abordar uma situação complexa e

resolvê-la a contento (MORETTO, 2008).

Para introduzir esta temática foi necessário recorrer a teóricos da educação que

fazem uma conceituação sobre competência e habilidades. Este assunto não é algo

consensual entre os acadêmicos da área educacional, mas sim motivo de inúmeras

discussões e diferenciação a partir da matriz teórica assumida. Desta forma, optou-se em

apresentar o conceito apresentado por Philippe Perrenoud (1999, 2000), amplamente

utilizado no cenário educacional, principalmente, no ensino superior.

Para Perrenoud (1999), competência “é a capacidade do sujeito de mobilizar

recursos (cognitivos) visando abordar uma situação complexa” (p.159). Como evidencia

Moretto (2008), o conceito de competência se relaciona a quatro aspectos importantes:

1) Competência é algo individual, está ligado ao fato de “ser capaz de”.

2) A ação de mobilizar significa movimentar com força interior, não um ato automático de transferência de um lado para outro.

3) No que tange a competência, os recursos são algo mais amplos que somente os recursos cognitivos, isto é, são necessários conhecimento intelectual e recursos no domínio emocional.

4) Competência está relacionada a uma situação complexa que envolve conteúdos específicos, habilidades e procedimentos, linguagens, valores culturais e administração das emoções.

Sendo assim, fica evidente que competência se relaciona intrinsecamente com

habilidades, porém são coisas distintas. Competência está no campo da amplitude, de

buscar recursos (cognitivos e emocionais) visando uma situação complexa. Enquanto a

habilidade está associada ao saber fazer, isto é, está relacionada a uma ação, física ou

mental, indicadora de uma capacidade adquirida (PERRENOUD, 1999)

A Anhanguera Educacional, ao assumir um ensino baseado em habilidades e

competências, quer oferecer ao educando algo além da formação especifica de uma

profissão (o saber fazer). Almeja oferecer um ensino que seja capaz de promover

competências entre os discentes. Ou seja, deseja desenvolver nos alunos recursos

cognitivos e emocionais para que possam abordar uma situação complexa que extrapole

os limites da situação acadêmica e educativa.

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Este fato se relaciona claramente com a avaliação da aprendizagem, pois um

ensino comprometido com o desenvolvimento de competências e habilidades não pode

avaliar de forma estática e classificatória seus alunos. Não é possível usar métodos

avaliativos que só conseguem dar informações sobre o estado e condição da

aprendizagem. Além disso, de acordo com o escopo teórico não é possível desenvolver

competências e habilidades de forma instantânea, este é um processo de formação que

acontece ao longo do tempo (PERRENOUD, 2000). Por isso, os instrumentos de avaliação

da aprendizagem devem ser construídos com a perspectiva formativa.

Esta perspectiva não quer dizer que os instrumentos clássicos de avaliação

(provas escritas e orais, trabalhos, seminários) serão extintos e substituídos. Ao contrário,

isto quer dizer que os instrumentos de avaliação devem ser entendidos de outra maneira,

consoantes a perspectiva de ensino assumida. Desta forma, a avaliação da aprendizagem

pode e deve incluir procedimentos como provas, trabalhos escritos ou orais, mas estes

devem estar relacionados ao desenvolvimento de competências e habilidades e serem

visto como um momento de diagnóstico da aprendizagem, e não como um momento de

acerto de conta entre professores e alunos.

Moretto (2008) faz uma aplicação do conceito de competência e analisa as

características de um professor competente, segundo os conceitos de Perrenoud (1999),

em duas situações complexas: ao operacionalizar uma aula e ao avaliar a aprendizagem

dos alunos. Segundo o autor, o professor competente no ensinar:

• Conhece o conteúdo especifico de sua disciplina – identifica os assuntos relevantes, tendo em vista o contexto dos alunos. Assim, o professor necessita de um contínuo estudo da sua disciplina, tanto do ponto de vista dos conteúdos conceituais como nos processos de ensino. Esta mesma competência também foi apontada por Demo (2009), o professor deve estar constantemente envolvido em atividades criativas, de pesquisa e inovação.

• Tem habilidade no ensinar – o professor sabe administrar uma aula, escolher as estratégias adequadas ao grupo de alunos, de acordo com as necessidades do grupo no que tange aos aspectos psicossociais e cognitivos.

• Identifica valores culturais ligados ao ensinar – o professor consegue situar a sua atuação profissional com os elementos de um paradigma que se estabeleceu ao longo do tempo. Não vê a sua atuação docente desconectada dos fatores sociais e culturais, influenciada tanto pelos meios de comunicação como pelos elementos socioeconômicos.

• Utiliza a linguagem pertinente – é capaz de utilizar linguagem pertinente para facilitar a construção de relações significativas. Sempre que utiliza um termo desconhecido (muitas vezes utilizamos termos técnicos em sala de aula totalmente desconhecidos pelos alunos) faz a sua contextualização utilizando para recursos de aproximação com os alunos.

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• Administra as emoções – é capaz de administrar o mundo amplo de emoções existente dentro de uma sala de aula (raiva, ira, medo, alegria, insegurança), sem precisar apelar para punição ou autoritarismo, é um dos recursos que o professor precisa ter para enfrentar a situação complexa de ensinar.

As competências elencadas acima são claras e mostram que ser professor é algo

complexo, que exige o desenvolvimento de competências e habilidades distintas de outras

profissões. Esta temática foi abordada por Perrenoud (2000), em seu livro “As dez novas

competências para ensinar”. Nele, o autor ressalta que não basta a intenção de ensinar,

mas é necessário mobilizar recursos cognitivos e emocionais para esta ação. Ser professor

do ensino superior não é uma profissão de final de semana, ou um bico, é algo que exige

profissionalismo e um intenso processo de aprendizagem.

A partir desta discussão, também é possível elencar as competências necessárias

do professor no que tange a avaliação da aprendizagem, a partir do paradigma formativo.

Segundo Moretto (2008), o professor competente no avaliar a aprendizagem:

• Sabe que a prova é um momento privilegiado de estudo, e não um acerto de contas – O professor entende a avaliação na perspectiva formativa e não como um momento de punição ou acerto de contas entre professor e aluno. Além disso, conhece e utiliza diferentes técnicas e instrumentos para avaliar de forma processual e contínua os alunos.

• Elabora bem as questões das provas – O professor que sabe contextualizar os procedimentos avaliativos de acordo com os objetivos estabelecidos, pergunta de forma clara e precisa, seleciona os conteúdos relevantes e não coloca situações de “pegadinhas” para os alunos.

• Administra valores culturais ligados à avaliação – O professor que entende que a avaliação por muito tempo foi utilizada como instrumento de controle e punição, e tenta quebrar este paradigma, entende que avaliação da aprendizagem é um momento privilegiado de ensino. É aquele que desenvolve a competência na situação complexa de avaliar e relaciona as questões da avaliação aos valores culturais dos alunos e mobiliza os recursos necessários para isso.

• Utiliza linguagem clara e precisa para o comando as questões – Seleciona o tipo de linguagem mais adequada, que seja mais clara o possível nos momento de avaliação. Assim, se elaborar a seguinte questão “quais as características de um aluno?”, percebe que esta formulação pode causar confusão entre os discentes, pois não estabeleceu claramente que tipos de características que estão envolvidas. Faz uma reformulação e estabelece critérios para correção da questão.

• Cria ambiente favorável ao controle das emoções – aquele professor que entende as emoções presentes em situações de avaliação (angústia, medo, alegria, tensão e estresse) e faz uso de recursos capazes de criar condições para que o aluno se sinta tranqüilo e sem estresse no momento de avaliação, seja ela através de qualquer instrumento.

Em suma, a partir das discussões apresentadas é possível perceber que os

instrumentos de avaliação da aprendizagem (provas, trabalhos, seminários) que são

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amplamente utilizados nas atividades educacionais podem e devem continuar a fazer

parte da práxis do ensino superior. A mudança reside na forma de entendimento da

avaliação, que supera o paradigma classificatório e adentra no campo da formação.

Espera-se que este artigo possa ter atingido o objetivo proposto, que foi sintetizar

as principais linhas teóricas que norteiam as práticas de avaliação no ensino superior.

Além disso, espera-se que este texto seja um convite à reflexão sobre o tipo e a qualidade

das práticas avaliativas realizadas e uma forma de iniciar e mobilizar novos cursos de

ação por parte dos professores.

REFERÊNCIAS

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Adriane Martins Soares Pelissoni

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora do curso de especialização em Psicopedagogia do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, professora

de didática da Faculdade Anhanguera de Campinas e coordenadora do Serviço de Atendimento ao Estudante (SAE). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino superior, atividade docente, pesquisadores- formação, ensino de psicologia e produção bibliográfica.

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Luís Fernando Prado Telles Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

ALGUNS ASPECTOS DA VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA1

RESUMO

O presente artigo procura apresentar a importância do reconhecimento da variação lingüística na construção do processo de comunicação entre professor e aluno. Para tanto, oferece uma introdução aos principais conceitos de variação lingüística, apresentando os seus tipos e seus respectivos exemplos. A partir daí, discute a relativização do conceito de erro em linguagem, bem como a relação entre linguagem e poder, para, em seguida, trabalhar a questão do preconceito lingüístico por meio da desconstrução de alguns mitos sobre linguagem.

Palavras-Chave: variação lingüística; linguagem; poder; preconceito lingüístico.

ABSTRACT

This article presents the importance of the recognition of linguistic variation in the construction of the communication process between teacher and student. To this, it offers an introduction to key concepts of language variation, with their types and their examples. Since then, it discusses the relativity of the concept of error in language, as well as the relationship between language and power, then to work the issue of linguistic prejudice through the deconstruction of a few myths about language.

Keywords: linguistic variation; language; power; linguistic prejudice.

1 Material da 2ª aula da Disciplina Técnicas de Comunicação Docente, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 22/7/2009 Avaliado em: 10/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. INTRODUÇÃO

Como já sabemos, um dos fatores que influenciam no sucesso da comunicação é a

adequação do discurso do orador ao auditório, para tanto, aquele que profere o seu

discurso deve saber reconhecer as características do seu público, as suas particularidades,

e saber respeitá-las no sentido de fazer-se, também, respeitado. Portanto, essa adequação

está estreitamente ligada à eficácia da construção do ethos do orador, bem como ao

trabalho com o pathos do auditório.

Dentre os elementos cruciais ao trabalho com a adequação está a própria

linguagem. Tanto a do orador quanto a do auditório, leia-se, no caso específico tratado

aqui, professor e aluno. Relativizar algumas compreensões sobre linguagem, levando-se

em conta os aspectos da variação lingüística pode ajudar o professor a reavaliar o seu

próprio processo de construção discursiva, bem como o do aluno, inclusive no sentido de

poder repensar a prática comunicacional frente a expectativas do que sejam discursos

belos e corretos.

O presente artigo tem a intenção de apresentar uma pequena discussão que

proponha um deslocamento em relação a compreensões idealistas sobre linguagem, no

sentido de chamar a atenção para o fato de que os critérios para a formulação de

valorações dos fenômenos lingüísticos são construídos socialmente e, portanto, revelam

usos ideológicos da língua. Tais usos podem ser iluminados pelo reconhecimento de

diferentes registros e níveis de linguagem e pelo entendimento de algumas categorias de

relativização provenientes do campo de estudo da variação lingüística, o que permite se

repensar a noção de erro, bem como a relação entre linguagem e poder, e suas na

construção de mitos e preconceitos lingüísticos.

O reconhecimento destes elementos pode ajudar o professor a refletir sobre a sua

prática lingüística não apenas no sentido de repensar a valorização do seu próprio

discurso, mas, inclusive, o do seu aluno, de uma maneira geral. Reconhecer os elementos

da variação lingüística pode auxiliar o professor a adequar o seu discurso ao público ao

qual se dirige e, concomitantemente, saber valorizar, também, o discurso deste público,

impedindo que se interponham, na relação ensino e aprendizagem, mitos e preconceitos

sobre linguagem que possam causar ruídos na comunicação e atravancar o processo de

educação, distanciando professor e aluno.

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2. NOTAS SOBRE A NOÇÃO DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Toda língua é viva. Isso significa dizer que se modifica e se reinventa ao longo do tempo.

A língua não é um bloco monolítico, uno e plenamente distinguível em seus limites e

dimensões; apresenta variações que podem ser condicionadas, por exemplo, pelo lugar,

pelo grupo social, pela situação de comunicação ou pelo tempo. A variação é inerente ao

fenômeno lingüístico, é constitutiva, inclusive, do próprio processo de formação das

línguas. As línguas românicas, por exemplo, tais como o português, o italiano, o espanhol,

dentre outras, são derivações do chamado latim vulgar (ou popular), variação já bem

distinta do latim culto.

De certo modo, então, é possível considerar que as línguas românicas de um

modo geral são provenientes de um fenômeno lingüístico que, em certo momento da

história, constituiu-se como um desvio em relação ao que se entendia como sendo a

norma culta do latim. Assim, desse modo, o que podia ser considerado erro em um

determinado tempo, de acordo com um determinado padrão ou norma, em outro acabou

por constituir o padrão de outra língua. Isso dá o mote para repensarmos a noção de erro,

o que faremos mais adiante.

Reconhecer o fenômeno da variação lingüística, despido de preconceitos, é

fundamental para o falante reconhecer-se em sua própria língua e se constituir

legitimamente enquanto sujeito, uma vez que essa constituição passa, necessariamente,

pela possibilidade de se reconhecer em seu espaço, em seu grupo social, em seu tempo e,

também, pela capacidade de se adequar às diferentes situações de manifestação

lingüística. No que se refere à questão da comunicação na relação ensino e aprendizagem,

é fundamental, portanto, que tanto o professor como o aluno possam se constituir

enquanto sujeitos reconhecendo-se em suas variantes lingüísticas, respeitando as

variações provenientes do discurso alheio e sentindo-se respeitados em suas variantes.

O fenômeno da variação pode ser notado com mais facilidade quanto aos

aspectos do vocabulário e da pronúncia. Contudo, pode ser constatado nos mais diversos

planos da língua. Por exemplo, no plano fônico, é patente a diferença de pronúncia do “s”

em final de sílaba dependendo da região do país, em alguns lugares é pronunciado como

uma chiante (como fazem os cariocas) e em outros como sibilante (como os paulistas). A

depender também da região, o “t” e o “d” seguidos de “i” (leia-se o som de “i”) podem

assumir diferentes pronúncias, variando da sonoridade também chiante (o que

equivaleria a soar como algo próximo de “tchi” e “dji”) para outra não chiante (“ti” e

“di”). A primeira forma é a predominante no país, já a segunda é menos comum, sendo

reconhecida como marca regional e, em alguns casos, associada a certa influência da

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imigração italiana. Ainda no que se refere ao plano da fala, há variações curiosas como

pronúncia do “e” da palavra “festa”, por exemplo, como se fosse um ditongo “éi”, como

em algumas ocorrências de fala do carioca. Outro caso bastante patente é a diferença na

dicção do som do “r” em final de palavra ou em alguns casos em que ocorre no interior

delas, como o famoso “r” da palavra “porta”. O paulistano pronuncia de um jeito, o

paulista do interior do estado de outro e o carioca de outro.

Além do plano fônico, há variações que podem se dar no plano morfológico

(como a conjugação, por analogia, de certas formas de verbos irregulares como se fossem

regulares: “se eu ver, se eu propor, ele interviu”); no plano lexical (por exemplo: “bicha”

por “fila”, “cueca” por “calcinha”, “muriçoca” por “mosquito”) e, inclusive, no plano

sintático. Quanto a este último, interessante notar, por exemplo, que em certas regiões do

Brasil faz-se o uso do pronome de tratamento de segunda pessoa “tu”, mas com o verbo

conjugado na terceira pessoa; em determinadas regiões é comum o uso do pronome lhe(s)

na função de objeto direto (como nas ocorrências “eu lhe vi”, “eu lhe adoro”); em

determinadas situações de fala usam-se os pronomes pessoais oblíquos no lugar dos retos

ou não se faz a concordância nominal e nem verbal principalmente para marcar o plural.

Inúmeros podem ser os exemplos de variações lingüísticas, mas para uma

organização mais sistemática de suas possibilidades, os estudiosos as caracterizaram,

basicamente, a partir de quatro conceitos. Há a variação diatópica, aquela que é associada

ao lugar e que compreende, portanto, os regionalismos. As variações que marcam as

diferenças de grupos sociais (seja referente à classe social, a grupos identitários ou de

profissionais) são denominadas de variantes diastráticas e compreendem, por exemplo, a

diferença no uso de gírias, jargões, termos técnicos, e, inclusive, a diferença em relação à

chamada norma culta e a dita popular. A variação que tem como fator o caráter temporal

é entendida como sendo uma variação diacrônica e a que incide sobre a situação de

comunicação é chamada de diafásica, esta variação é aquela que tem como parâmetro a

adequação de produção discursiva, tal como as exigências situacionais de formalidade e

informalidade, as quais têm a ver, respectivamente, com uma certa atitude mais tensa ou

menos tensa, mais controlada ou menos controlada da produção lingüística. A variação

nestes quatro aspectos podem se dar, portanto, em qualquer um dos planos lingüísticos

acima aventados (o fônico, o morfológico, o sintático, o lexical, dentre outros).

O que torna complexo o fenômeno da variação lingüística é o fato de que esses

diferentes fatores não se dão de forma independente, mas se entrecruzam e se

determinam. Na esfera de uma variante lingüística determinada socialmente, pode haver

outro fator de variação que estabeleça diferenças em outros níveis. Por exemplo, as gírias

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que caracterizam um determinado grupo social podem variar ao longo do tempo e,

portanto, estabelecer uma variação lingüística dentro de um mesmo círculo social. Ou,

ainda, a variação diafásica que se dê no sentido da informalidade à formalidade exige,

comumente, uma variação diastrática, no sentido da passagem do uso da variante popular

à culta. Na maioria das vezes, as incompreensões sobre a variação lingüística, os

equívocos e os preconceitos se dão quando se toma como critério de valoração uma

variante em relação à outra, como se uma fosse o padrão e a outra o desvio. Esse é o

equivoco que se faz, por exemplo, quando se cobra a corretude da língua falada a partir

dos paradigmas da língua escrita, sendo esta mais atrelada ao paradigma da gramática

normativa. Dito isto, faz-se importante passarmos a uma breve apresentação da diferença

de paradigmas entre a perspectiva normativa e a descritiva da língua a fim de se poder

relativizar a noção sobre o que seja “erro” em linguagem.

3. SOBRE A NOÇÃO DE ERRO EM LINGUAGEM

Basicamente, o reconhecimento e o entendimento da variação lingüística sem a

preocupação com o seu julgamento, a priori, só é possível a partir da perspectiva

descritivista da linguagem. Essa perspectiva é a que orienta, de um modo geral, a ciência

da linguagem, o campo de estudos conhecido como lingüística. Esta encara a língua como

um fenômeno que deve ser entendido em seus mecanismos e não julgado previamente a

partir de regras ou preceitos estabelecidos arbitrariamente. Nesse sentido, essa

perspectiva procura entender e descrever as regras inerentes ao funcionamento das

línguas em vez de impor regras ao uso. A abordagem descritiva da linguagem procura

demonstrar como diferentes modos de linguagem possuem diferentes regras sem se

pautar pela noção de “erro”, mas sim a partir da noção de “variação”. Considera a língua

como algo dinâmico, de uso, e não como algo prescrito ou idealizado que tem de ser

reproduzido de modo correto, idêntico a uma forma ideal.

Por outro lado, a abordagem normativa da linguagem é aquela baseada nos

preceitos da gramática tradicional. Essa abordagem não é científica, pois não se preocupa

em descrever a língua de acordo com as leis que realmente demonstram orientar o seu

uso. Essa abordagem funciona no sentido de prescrever um código que não corresponde,

em muitos momentos, ao uso efetivo da língua. A abordagem normativa da língua

distancia-se do cientificismo, pois não é descritiva, mas prescritiva e, enquanto tal,

considera a existência de erros e preocupa-se em estabelecer uma regra que diga o que é

correto e incorreto.

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A partir desta distinção é possível se falar, então, em dois tipos de gramática:

uma descritiva, que procura entender as regras de funcionamento das diferentes

manifestações lingüísticas, e uma normativa, que prescreve regras a serem seguidas.

Enquanto a gramática descritiva procura entender um fenômeno lingüístico para

descrever a sua lógica, a gramática normativa se preocupa em dizer se tal fenômeno está

certo ou errado. Diante de um fenômeno como, por exemplo, o típico “nós vai” a

gramática normativa dirá apenas que foge à regra e que, portanto, constitui um erro; já a

gramática descritiva procurará entender a lógica daquilo que a gramática normativa

entende por erro e, diante disso, poderá entender a existência de leis mais profundas,

menos evidentes que orientam as formulações lingüísticas de um modo geral. Neste caso

tomado como exemplo, a gramática descritiva enxerga a lei da economia de meios agindo

na linguagem: se a marcação do plural já se dá no pronome, dispensa-se, portanto, a

marcação redundante no verbo.

Dessa forma, muitos casos encarados como erros pela gramática normativa são

vistos pela gramática descritiva como modalidades de variação e não necessariamente

como algo que tem de ser corrigido ou combatido. Em substituição à pergunta sobre se

um fenômeno é errado ou não se colocará a pergunta sobre a sua adequação ou não ao

momento de enunciação. No caso das variantes lingüísticas, portanto, a idéia de correção

é extralingüística, outros fatores que não propriamente lingüísticos permitirão decidir se

determinado fenômeno é ou não adequado. Há, por exemplo, situações de comunicação

que exigem maior cuidado, uma adequação mais pertinente à chamada norma culta,

outras, por outro lado, são quase que impositivas do uso de uma variante mais informal,

mais coloquial.

Mas se a questão é a adequação, então, para a gramática descritiva não há erro?

Sim, há, mas o erro, nesse plano, tem a ver com outro conceito, o de “agramaticalidade”.

O erro, sob a perspectiva da lingüística, existe quando há agramaticalidade e isso não

significa o desvio em relação à norma culta, à gramática normativa, mas diz respeito ao

fenômeno lingüístico do qual não é possível depreender-se uma lógica de funcionamento,

nem quando considerado internamente em suas relações, nem quando colocado em

relação com outros fenômenos da língua. O fenômeno é agramatical quando não se pode

reconhecer nele o funcionamento de alguma lei ou esta ser depreendida dele. Trata-se,

pois, de um fenômeno sem gramática, destituído de regras de funcionamento. Conforme

explicam Savioli e Fiorin, toda língua possui um sistema fundamental de regras gerais

que se desrespeitadas conduzem a algo que não é próprio da língua, ou que não é mais

reconhecido como pertencente a ela. No caso da agramaticalidade,

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[...] o erro é intralingüístico, não tem nada a ver com um julgamento social sobre uma variedade lingüística mais ou menos prestigiada. Se um falante disser Menino bola joga campo no, terá violado regras do sistema, como o artigo deve preceder o substantivo, a preposição precede o termo que rege, etc. Nesse caso, não terá produzido uma frase do português, mas terá pronunciado um amontoado de palavras. (FIORI; SAVIOLI, 2001, p.30).

Dificilmente um falante comete o tipo de agramaticalidade acima citada como

exemplo. Contudo, no plano da língua escrita, há alguns casos de agramaticalidade que

são relativamente comuns, tais como frases em que faltam termos essenciais como o

predicado, ou períodos compostos por subordinação em que não aparece a oração

principal.

De acordo com o exposto acima, então, é possível considerar que a noção de

“erro” é mais pertinente ao campo da gramática normativa, já para a lingüística, a noção

de erro é sempre vista de modo relativo, se algo é denominado de erro ela sempre

perguntará em relação a que. Já a agramaticalidade não deve ser vista a partir da idéia de

erro, mas deve ser vista como uma manifestação lingüística em que não há propriamente

um erro em relação a uma norma, mas uma ausência de regra que faz daquela

manifestação algo irreconhecível como pertencente a uma determinada língua. Conforme

alerta Marcos Bagno, seria possível

até dizer que existem “erros de português”, só que nenhum falante nativo da língua os comete! Por exemplo, seriam “errados” os enunciados abaixo Aquela garoto me xingou Eu nos vimos ontem na escola Júlia chegou semana que vem Não duvido que ele não queira não vir aqui Que o livro que a moça que Luís que trabalha comigo me apresentou escreveu é bom não nego. Esses enunciados, precisamente por serem agramaticais, isto é, por não respeitarem as regras de funcionamento da nossa língua, não aparecem na fala espontânea e natural de falantes nativos do português do Brasil, mesmo que sejam crianças pequenas que ainda não freqüentam escola ou adultos totalmente iletrados. (BAGNO, 1999, p. 125)

Apesar de ser possível a relativização das noções de erro e de correção da

gramática normativa a partir da perspectiva mais ampla da lingüística e da gramática

descritiva, isso não significa que a gramática normativa seja inútil ou que deva ser

descartada de uma hora para outra. Ela ainda é um dos principais parâmetros sobre os

quais se orientam muitas práticas lingüísticas, principalmente aquela da escrita, que

precisa de uma base convencional estabelecida para funcionar de modo eficiente e preciso.

O problema ocorre quando a gramática normativa é tomada como diapasão de tudo

quanto se refere à língua a ponto de se chegar à confusão comum de se tomar a gramática

normativa do português como se esta fosse a própria língua portuguesa. O problema é

maior ainda quando essa generalização, aí sim errônea, é tomada como pressuposto,

mesmo que inconscientemente, e passa a funcionar como instrumento de opressão e de

exclusão nos jogos que orientam as relações de poder existentes na sociedade.

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4. LINGUAGEM E PODER

Como ensina Maurízio Gnerre, a linguagem não é usada somente para veicular

informações, mas ocupa papel central, inclusive, na função de comunicar ao ouvinte a

posição que o falante ocupa de fato ou pensa que ocupa na sociedade em que vive. Ainda

segundo o lingüista, as regras que orientam a produção apropriada dos atos de linguagem

devem levar em conta as relações sociais em que estão envolvidos o emissor e o receptor.

Para tanto, todo emissor, ou produtor de um ato lingüístico, deve saber quando pode ou

não falar, sobre qual conteúdo lhe é consentido falar e que tipo de variedade lingüística é

oportuna, ou seja, qual é mais adequada à situação de comunicação. O problema se dá,

atenta Gnerre, quando determinados falantes de uma língua são excluídos da

possibilidade de escolher uma variedade por não terem acesso a ela, como no caso da

variedade culta ou tida como padrão (considerada, muitas vezes, como sinônimo da

própria língua e, geralmente, associada a conteúdos de prestígio), ou são excluídos

simplesmente por utilizarem-se de uma variante lingüística que lhes é própria, mas que é

desprestigiada socialmente, como é o caso de algumas variantes regionais, por exemplo.

Conforme alerta Gnerre,

[...] uma variedade lingüística “vale” o que “valem” na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Essa afirmação é válida, evidentemente, em termos “internos”, quando confrontamos variedades de uma mesma língua, e em termos “externos” pelo prestígio das línguas no plano internacional. Houve época em que o francês ocupava a posição mais alta na escala de valores internacionais das línguas, depois foi a vez da ascensão do inglês. O passo fundamental na afirmação de uma variedade sobre as outras é sua associação à escrita e, conseqüentemente, sua transformação em uma variedade usada na transmissão de ordem política e “cultural”. (GNERRE, 1988, p. 61)

De certa maneira, Gnerre está afirmando que os valores e os juízos construídos

sobre as variantes lingüísticas não têm sua sustentação em critérios propriamente

lingüísticos, mas provêm de conceitos já estabelecidos socialmente, é por isso que a

variedade lingüística vale o que valem na sociedade os falantes. Isso significa dizer que

uma determinada variante regional, por exemplo, é mais valorizada do que outra não

porque suas regras são mais exatas, mais claras, ou porque é intrinsecamente mais bela do

que outra, mas sim porque a variante ganha os valores já previamente construídos

socialmente sobre a determinada região e seus respectivos habitantes.

Outro aspecto importante frisado por Gnerre é o caráter de legitimação de uma

variedade lingüística garantido pela sua associação à escrita e, portanto, a uma certa

norma gramatical. Aqui, volta-se, novamente, ao problema da associação da língua a um

único padrão, o da escrita e da gramática normativa, o que levaria àquela generalização

errônea acima aludida, a de se tomar a gramática normativa como sinônimo de língua

portuguesa. Esta associação estaria na base, segundo Marcos Bagno, da maioria dos mitos

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sobre linguagem que dão sustentação ao fenômeno do preconceito lingüístico que tem

funcionado como instrumento de dominação e de agravamento do processo de exclusão

social no Brasil. Conforme considera Bagno:

O preconceito lingüístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é o vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua. [...] A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta. Essa descrição, é claro, tem seu valor e seus méritos, mas é parcial (no sentido literal e figurado do termo) e não pode ser autoritariamente aplicada a todo o resto da língua – afinal, a ponta do iceberg que emerge representa apenas um quinto do seu volume total. Mas é essa aplicação autoritária, intolerante e repressiva que impera na ideologia geradora do preconceito lingüístico. (BAGNO, 1999, p. 9-10)

5. SOBRE O PRECONCEITO LINGÜÍSTICO: DESCONSTRUINDO ALGUNS MITOS

Em seu livro Preconceito lingüístico: o que é, como se faz, Marcos Bagno lista oito dos

principais mitos sobre a língua portuguesa que conduzem à criação do preconceito

lingüístico. As explanações sobre cada um dos mitos constituem os capítulos da primeira

parte do livro. O primeiro deles é aquele que pode ser resumido pela seguinte afirmação:

“a língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Esta frase

constitui-se como a afirmação de um mito, pois, como já dito anteriormente, a língua não

é um bloco monolítico, mas constituída de variações. O fato de o português ser a língua

da grande maioria da população brasileira significa que esse português é homogêneo. Na

base desse mito está a idéia acima aventada de que a língua portuguesa do Brasil é a

língua da gramática normativa. Para Bagno, acreditar nesse mito significa, por um lado,

desconsiderar as variantes lingüísticas do português do Brasil como sendo manifestações

lingüísticas legítimas e merecedoras de respeito e, por outro, assumir que existe uma

grande parcela da população que pode ser entendida como os “sem língua”, já que,

seguindo a lógica que sustenta o mito, não têm acesso ao chamado padrão culto da língua,

muito pautado, como já dissemos, no paradigma da escrita e da gramática normativa.

O segundo mito isolado por Bagno é traduzido pelas afirmações complementares

de que o “brasileiro não sabe português” e de que “só em Portugal se fala bem

português”. Para o lingüista, estas duas afirmações refletem a existência de um único

problema, o complexo de inferioridade do brasileiro. O fato de o brasileiro se dizer

desconhecedor da língua de que é falante nativo tem a ver novamente como o fato de

identificar a língua à gramática normativa e esta a uma tradição cultural que, muitas

vezes, lhe foi imposta como superior e que está associada historicamente à cultura do

colonizador. O que ocorre, explica Bagno, é que o português falado pelo brasileiro é

diferente e não inferior ao falado em Portugal. Portanto, o segundo não deve ser usado

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como critério de avaliação do primeiro. Para marcar mais claramente a diferença, Bagno

chama a atenção para o fato de que os lingüistas preferem chamar o português falado no

Brasil de português brasileiro. No plano da linguagem escrita, o português de Portugal e do

Brasil são pouco divergentes, ainda mais agora com o novo acordo ortográfico que tende a

aproximar os modos de escrita, contudo, no que se refere à fala, constituem-se ambas

variantes legítimas da língua portuguesa e, como nos mostra Bagno, as duas se

distanciam, em muitos momentos, mas em diferentes caminhos, do que é tido como

norma gramatical. No Brasil, por exemplo, os pronomes “o”/ ”a” usados em posição

proclítica são muito pouco usados na linguagem falada, o mesmo se pode dizer do uso

das posições enclíticas das formas pronominais “lo” e “la”. Em vez de se dizer, no Brasil,

“eu o vi”, diz-se “eu vi ele”; em vez de “eu vou pegá-lo”, diz-se “eu vou pegar ele”. Estas

formas são usadas na fala apenas em situações mais formais, em momentos de produção

discursiva mais tensa, em que o enunciador pretende marcar que domina as regras

gramaticais de uso do pronome. Se estas formas de uso pronominal não são comuns na

língua falada pelo brasileiro e são mais corriqueiras na fala dos portugueses, por outro

lado, há outras construções que são mais comuns ao falante português e menos ao

brasileiro, mas que constituem, do mesmo modo, um desvio à regra gramatical. Por

exemplo, a expressão “mais pequeno” não é aceita no português brasileiro como sendo

correto, já em Portugal isso é de uso corrente. Conforme diz Bagno, do mesmo modo

como nós cometemos os nossos “pecados” contra a gramática normativa, os portugueses

também cometem os deles. Em Portugal, por exemplo, na língua falada, o plural de “tu”

não é o “voz”, mas “vocês” e quando se faz o uso dos possessivos, os portugueses usam o

"vosso”/“vossa” em referência a “vocês”, pronomes que, gramaticalmente, só poderiam

ser usados com “o vós”. Dizem, por exemplo: “Vocês trouxeram os vossos filhos?”.

Conclui Bagno, portanto, que nem o português brasileiro ou o falado em Portugal “é mais

certo ou mais errado, mais feio ou mais bonito: são apenas diferentes um do outro e

atendem às necessidades lingüísticas das comunidades que os usam, necessidades que

também são... diferentes!” (BAGNO, 1999, p. 32).

O terceiro mito atacado pelo lingüista em seu livro é aquele que se pauta na

afirmação de que o “português é muito difícil”. Como diz, essa idéia é “prima-irmã”

daquela de que “brasileiro não sabe português”. Essa afirmação tem a mesma origem na

falsa identificação da língua portuguesa à gramática normativa. O fato de não conhecer as

regras da gramática normativa não significa que um falante nativo do português não

saiba a sua língua. Aqui, faz Bagno uma distinção importante: “saber uma língua, no

sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com

naturalidade as regras básicas de funcionamento dela.” (BAGNO, 1999, p. 35). Segundo o

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autor, esse mito é denunciado, por exemplo, por certas incongruências quanto à cobrança

de correção em relação à regra gramatical, visto que há casos mais evidentes que outros e

que, por isso, não são aceitos; outros, por serem menos evidentes, são aceitos por aqueles

mesmos que condenam aqueles primeiros. O exemplo é o caso da questão da regência do

verbo assistir, segundo Bagno,

Aquelas mesmas pessoas que, por causa da pressão policialesca da escola e da gramática tradicional, usam a preposição a depois do verbo assistir, também dizem que “o jogo foi assistido por vinte mil pessoas”. Ora, se o verbo assistir pede uma preposição é porque ele não é transitivo direto, e só os verbos transitivos diretos podem, segundo as gramáticas, assumir a voz passiva. Desse modo, quem diz “assisti ao jogo” não poderia, teoricamente, dizer “o jogo foi assistido”. Só que essa esquizofrenia gramatical acontece o tempo todo. Basta ler jornais como a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo, cujos manuais de redação decretam que o verbo assistir tem que vir obrigatoriamente seguido da preposição a. Na voz ativa, a preposição aparece: “Vinte mil pagantes assistiram ao jogo”, porque assim manda o manual da redação. Mas na hora de usar a voz passiva, a gramática intuitiva brasileira do redator se manifesta, e a gente encontra milhares de exemplos do tipo “o jogo foi assistido por vinte mil pagantes”. Essas pessoas, então, ficam em cima do muro: “acertam” na voz ativa, por causa do patrulhamento lingüístico, mas “erram” na passiva, porque se deixam levar pelo uso normal do português brasileiro. (BAGNO, 1999, p. 37)

Esse mito número três, segundo Bagno, teria alçado o chamado “português” ao

nível de uma entidade quase que mística e sobrenatural à qual apenas alguns poucos

iniciados teriam acesso. Esse mito seria responsável, ainda, por sustentar toda uma rede

mercadológica que faria dessa “dificuldade” do português um “produto com boa saída

comercial” (BAGNO, 1999, p. 38).

O mito de número quatro seria uma espécie de contrapartida lógica dos mitos

dois e três, uma vez que se “o brasileiro não sabe português” porque o “português é

muito difícil”, então, nada mais natural a conclusão de que “as pessoas sem instrução

falam tudo errado”. Esta seria a assertiva que sustentaria o quarto mito. Para trabalhar a

desconstrução desse mito, Bagno recorre novamente à discussão sobre linguagem e poder

e procura demonstrar, por meio de exemplos, como fenômenos exatamente idênticos do

ponto de vista lingüístico são valorizados de modos distintos a depender de quem os

produz. O primeiro caso trabalhado por Bagno é o fenômeno lingüístico da transformação

de “l” em “r” em encontros consonantais como pode ocorrer nas pronúncias de palavras

como “Cláudia/Craudia”, “chiclete/chicrete”, “planta/pranta”. Essas formas de

pronúncia estigmatizadas socialmente e consideradas muitas vezes como sinônimo de

“burrice”, na verdade constituem um fenômeno fonético, nos mostra Bagno, que está na

base da própria formação da língua portuguesa padrão. O fenômeno da transformação de

“l” em “r” na pronúncia de certas palavras numa variante coloquial, não padrão, do

português brasileiro é o mesmo que possibilitou a formação de algumas palavras do

português padrão. A esse fenômeno dá-se o nome de rotacismo e é o que explica a

formação de algumas palavras provindas do latim, tais como “praga”, que veio de

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“plaga”, “obrigar’ que veio de “obligare”, “fraco” que veio de “flaccu”, dentre outras

muitas. Chama a atenção Bagno, inclusive, para o fato de que o próprio Camões escreveu

“pubricar”, “pranta”, “frauta”, “frecha” em Os Lusíadas.

Outro exemplo é o fenômeno lingüístico da palatalização. Este nome é usado para

designar o fenômeno já mencionado anteriormente a respeito da pronúncia da consoante

“t” antes do som de “i”. Esse “t” é pronunciado como algo próximo de “tch”, assim, a

maioria dos falantes do sudeste pronuncia a palavra “titia” como “tchitchia”. Bagno

chama a atenção para o fato de muitos falantes nordestinos pronunciarem esse mesmo

som do “tch”, só que em ocorrências em que o som posterior é de “u” (não estarmos

usando os símbolos do alfabeto fonético, mas devemos frisar que estamos falando de som

e não de grafia). Portanto, não raro é possível encontrar a pronúncia “oitchu”para a

palavra escrita como “oito”. Tanto no caso da pronúncia da palavra “titia” quanto no da

palavra “oito” o fenômeno lingüístico é o mesmo, mas a avaliação que se faz de cada um

não é a mesma.

A conclusão de Bagno é simples. Se o fenômeno é o mesmo, mas nuns casos se

aceita e em outros não, em uns casos é tido como normal e em outros como “estranho”,

“engraçado” ou até “errado”, então o problema não está naquilo que se fala, mas em quem

fala o quê. Evidencia-se, assim, o fato de que o preconceito lingüístico decorre de outros

tipos de preconceito, como o social e o regional.

Bagno segue em sua cruzada contra o preconceito lingüístico e em seu trabalho

de desconstrução dos mitos sobre linguagem. O quinto mito é aquele que diz que “o lugar

onde melhor se fala o português no Brasil é o Maranhão”. Bagno chama a atenção para o

fato de se ter criado esse mito muito em razão do fato de nesse estado ainda se usar o

pronome de segunda pessoa seguido das formas verbais com a terminação “-s” própria

da segunda pessoa: “tu vais”, “tu queres”. O fato é que se os maranhenses fazem essa

concordância correta, por outro lado também dizem coisas do tipo como “esse é um bom

livro para ti ler”, em vez do que seria o correto: “Esse é um bom livro para tu leres”. Ou

seja, se eles “acertam”, por um lado, “erram”, por outro. Assim, Bagno demonstra a

falácia da argumentação generalizante de se tomar a fala de uma determinada região do

país como exemplo do português chamado correto segundo a gramática normativa. Esse

caso trabalhado por Bagno é apenas um meio usado pelo lingüista para combater aquilo

que entende por “ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de

falantes o ‘melhor’ ou o ‘pior’ português” e alerta para o fato de que “se tivermos de

incentivar o uso da norma culta, não podemos fazê-lo de modo absoluto”, em detrimento

de outras variantes lingüísticas.

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Na parte de seu livro reservada à desconstrução do sexto mito, Bagno procura

argumentar contra o estabelecimento da escrita como paradigma de correção e de

julgamento da língua de um modo geral. O mito resume-se à seguinte afirmação: “O certo

é falar assim porque se escreve assim”. Contra esse mito, o lingüista chama a atenção para

o fato de que a escrita alfabética é uma tentativa de representação gráfica, convencional da

língua falada. Em sendo assim, seria uma incongruência querer inverter a situação e

cobrar da fala uma adequação à escrita. É um contra-senso querer estabelecer a escrita

como paradigma da língua falada. Em outros termos, em vez de se dizer pronuncie assim,

pois se escreve assim, o mais justo seria, considera Bagno, por exemplo, dizer a um aluno

que ele pode dizer “bonito” ou “bunito”, “louco” ou “loco”, mas que só pode escrever

“bonito” e “louco”, porque deve haver uma ortografia convencionada para a língua para

que todos possam ler e compreender o que se escreve.

O sétimo mito combatido por Bagno é aquele que afirma que “é preciso saber

gramática para falar e escrever bem”. De certo modo, esse mito incorre no mesmo engano

do anterior, da mesma forma que houve uma inversão na lógica da relação entre língua

falada e língua escrita, também ocorreu em relação à gramática. Esta, a princípio, deveria

servir para descrever e registrar as regras e funcionamentos da língua, seria, portanto,

para ser uma decorrência da língua. Contudo, alerta Bagno,

como a gramática, porém, passou a ser um instrumento de poder e de controle, surgiu essa concepção de que os falantes e escritores da língua é que precisam da gramática, como se ela fosse uma espécie de fonte mística invisível da qual emana a língua ‘bonita’, ‘correta’ e ‘pura’. (BAGNO, 1999, p. 64).

Esse mito número sete estaria centrado naquela confusão inicial já aventada

anteriormente de se tomar a gramática normativa como sinônimo de língua. Mas é preciso

desfazer essa confusão, diz Bagno, “não há por que confundir o todo com a parte”. Assim,

é possível considerar que conhecer a gramática normativa pode ser um dentre muitos

instrumentos que contribuem ao uso eficaz da língua falada e escrita, mas talvez não seja

uma condição exclusiva ou necessária.

O último dos mitos combatidos por Bagno é aquele que diz que o “domínio da

norma culta é um instrumento de ascensão social”. O lingüista também procura explicitar

a lógica perversa que dá base a essa formulação e demonstra que, na verdade, via de

regra, quem tem acesso à norma culta é quem já passou por um processo de ascensão

social, ou que já está numa posição privilegiada socialmente. Dominar ou não dominar a

norma culta não é garantia de ascensão social e o inverso também é verdadeiro, nada

garante que as pessoas privilegiadas econômica e socialmente possuam, de fato, maior

domínio da norma culta. O fato de terem condições mais facilitadoras não significa que,

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de fato, possuam maior domínio. Por outro lado, como diz Bagno, o domínio da norma

culta de nada vai adiantar a uma pessoa

que não tenha casa decente para morar, água encanada, luz elétrica e rede de esgoto. O domínio da norma culta de nada vai servir a uma pessoa que não tenha acesso às tecnologias modernas, aos avanços da medicina, aos empregos bem remunerados, à participação ativa e consciente nas decisões políticas que afetam sua vida e a de seus concidadãos. (BAGNO, 1999, p. 70)

Esses oito mitos sobre a língua, diz Bagno, resumem as crenças errôneas que

sustentam a permanência do preconceito lingüístico em nossa sociedade. Ao final do

livro, lista uma série de noções que devem ser levadas em consideração para se assumir

uma nova postura diante da língua na luta contra o preconceito lingüístico. A essas

noções Bagno dá o nome de “cisões” e as endereça aos professores de língua portuguesa,

mas cabem perfeitamente a todo falante de português. Para a luta contra o preconceito

lingüístico, é necessário:

1. “Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua, por isso ele sabe essa língua”;

2. “Aceitar a idéia de que não existe erro de português”, mas “diferenças de uso ou alternativas de uso em relação à regra única proposta pela gramática normativa”;

3. “Não confundir erro de português com simples erro de ortografia”; 4. “Reconhecer que tudo o que a gramática normativa chama de erro é na verdade

um fenômeno que tem uma explicação científica perfeitamente demonstrável”; 5. “Conscientizar-se de que toda língua muda e varia. O que é hoje visto como

‘certo’ já foi ‘erro’ no passado. O que hoje é considerado ‘erro’ pode vir a ser perfeitamente aceito como ‘certo’ no futuro da língua”;

6. “Dar-se conta que a língua portuguesa não vai nem bem, nem mal, ela simplesmente vai...”;

7. “Respeitar a variedade lingüística de toda e qualquer pessoa, pois isso equivale a respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano, porque”

8. ”A língua permeia tudo, ela nos constitui enquanto seres humanos, nós somos a língua que falamos”.

9. (BAGNO, 1999, p. 143-144)

6. MODALIDADES DE LINGUAGEM E A PRODUÇÃO DO TEXTO ESCRITO

Desse nosso passeio pela cruzada de Bagno contra o preconceito lingüístico deve resultar,

sim, a relativização de um entendimento de língua a partir do paradigma único da

gramática normativa, mas isso não quer dizer que devamos jogar tudo para o alto e

entregarmo-nos a um vale tudo lingüístico. Respondendo a uma pergunta que ele próprio

formula, Então, vale tudo?, Bagno dirá que o uso da língua, tanto em sua modalidade oral

como escrita, deverá encontrar o ponto de equilíbrio entre os eixos da adequabilidade e o da

aceitabilidade. Por exemplo, não é aceitável e nem adequado se cobrar a estrutura e a

correção gramatical de um texto escrito no discurso oral, ainda mais se este discurso for

pertinente a uma situação informal de comunicação. A modalidade escrita da língua é

aquela em que o paradigma da gramática normativa se faz mais adequado, e, mesmo

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 195-210

assim, isso dependerá do nível de formalidade, de informalidade e de outras

condicionantes do texto.

Em seu outro livro, Bagno dá a dica para resolvermos a relação com a gramática

normativa. Em vez de subordinarmos a nossa linguagem ao paradigma único da

gramática com o fito de ficarmos nos policiando quanto ao certo e o errado, deveríamos

inverter a situação e usarmos o conhecimento de gramática a favor de nossa atuação

lingüística. Sugere que devamos “fazer da gramática o instrumento para tocar a música da

linguagem” (BAGNO, 2000, p. 311) e, assim, substituirmos a gramática pela dramática da

linguagem, por meio da qual atuamos enquanto sujeitos. Nesse sentido, escrever, para

Bagno (2000, p. 311) “não é alinhar mecanicamente uma série de palavras ou de orações. É

ter plena consciência de que cada palavra, de que cada oração é apenas uma brecha para o

mundo, e que é este mundo que é importante, interessante, vital”.

Estas palavras de Bagno servem não apenas para encerrar este artigo, mas

iluminam o trabalho posterior, a ser desenvolvido nas duas aulas seguintes sobre a

construção do texto escrito e, porque não dizer, dos modos de constituição do sujeito

enquanto ator em sua língua, para nos aproximarmos, aqui, de uma perspectiva mais

dramática sobre a linguagem.

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

______. Dramática da língua portuguesa: Tradição gramatical, mídia & exclusão social. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

GNERRE, Maurízio. Linguagem e poder. Subsídios à proposta curricular de língua portuguesa para o 1º. e 2º. graus. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo - Secretaria de Estado da Educação, 1988, p. 61-63. (Coletânea de Textos – Volume I).

SAVIOLI, Franciso Platão; FIORIN, José Luís. Manual do candidato: português. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

Luís Fernando Prado Telles

Possui bacharelado e licenciatura em Letras (1997), mestrado (2000) e doutorado (2009) em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, ambos na área de Literatura Portuguesa. Desde 2001, atua como professor de nível superior nas áreas de

Língua Portuguesa e de Literatura. Participou, na qualidade de parecerista, da equipe responsável pela elaboração do Catálogo do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM/2005) proposto pelo Ministério da Educação. Atuou como professor dos cursos de formação continuada para professores do Ensino Fundamental e Médio oferecidos pela Secretaria

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210 Alguns aspectos da variação lingüística

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do Estado da Educação de São Paulo em conjunto com a Unicamp (2005-2006). Foi professor das Faculdades de Campinas-Facamp de 2002 a 2009. Atualmente é Supervisor Acadêmico da Área de Educação e Humanas do Departamento de Pós Graduação e Extensão da Anhanguera Educacional S.A. Áreas de atuação e de interesse: Literatura Portuguesa, Teoria da Literatura, Teoria do Romance, Teoria da Narrativa, Teoria da Modernidade e Pós-modernidade.

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Ronaldo Barbosa Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

PESQUISA NA INTERNET, DIREITOS AUTORAIS E DISTÂNCIA TRANSACIONAL1

RESUMO

Neste artigo são apresentadas recomendações sobre como utilizar a Internet para potencializar pesquisas escolares, uma introdução à modalidade de ensino a distância (EaD) por meio da apresentação do modelo de distância transacional e um apanhado sobre questões de direitos autorais no mundo digital.

Palavras-Chave: internet; ensino a distancia; distância transacional; direito autoral.

ABSTRACT

This article presents recommendations on how to use the Internet to empower school research, an introduction to the sport of distance learning by presenting the model of transactional distance and an overview on copyright issues in the digital world.

Keywords: Internet; distance learning; distance transactional; copyright.

1 Material da 2ª. aula da Disciplina Tecnologias Aplicadas ao ensino e aprendizagem, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 25/7/2009 Avaliado em: 24/2/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. PESQUISA NA REDE INTERNET

A Internet fez desaparecer as antigas enciclopédias impressas, certo? Errado. Pode-se ler

na revista Veja (edição de 15 de fevereiro de 2009) que a enciclopédia Barsa teve seu

faturamento triplicado nos últimos cinco anos, recuperando-se do descrédito em que

estava mergulhada desde 1997, sob o efeito da Internet.

A Internet apesar de ser um meio mais barato e rápido de se fazer pesquisas ou

consultar informações, é vista com reserva por muitos pais e educadores: os estudantes se

dispersam facilmente, visitam sites não relacionados aos temas das pesquisas e usam

fontes de credibilidade duvidosa. Assim, os vendedores da Barsa conseguem convencer

muitos pais de que o velho formato impresso de enciclopédia ainda é válido por conter

informações suficientemente atualizadas e confiáveis e, portanto, adequadas às pesquisas

escolares. Para muitos professores, mecanismos como o Google, convidam o estudante a

não pensar, o ato de “copiar-colar” de material contido no primeiro ou segundo link

dominaria a idéia de “pesquisa” na cabeça dos estudantes.

Embora o “copiar-colar” seja tão antigo quanto o lápis e o papel, há agora com os

computadores ao menos duas novidades com as quais nós professores precisamos

aprender a lidar: (i) acessibilidade imediata a um volume imenso de fontes de informação

com e sem qualidade comprovada; (ii) facilidade do ato em si mesmo, pois o aluno não

precisa nem mesmo ler antes de copiar, bastam dois ou três cliques com o mouse para

transferir o material. Diante disso, inclusive no ensino superior, conhecemos casos de

alguns professores chegam a proibir a entrega de trabalhos digitados no computador na

intenção de inibir assim a prática de plágio por parte dos alunos.

2. EVOLUÇÃO DAS ENCICLOPÉDIAS NO COMPUTADOR

Os esforços para disponibilizar enciclopédias em formato digital começaram com as

enciclopédias em CD-ROM como Encarta ou Grolier. As últimas versões dessas

enciclopédias acenavam para o formato online: era possível aprofundar as pesquisas via

Internet em sites associados a esses softwares. Com as facilidades de acesso à rede, os

mecanismos de busca evoluíram da simples localização de ocorrências de palavras em

títulos de sites, para uma busca cada vez mais detalhada fazendo com que as

enciclopédias em CD-ROM (estas sim!) desaparecessem ou se tornassem um mero

complemento da enciclopédia impressa.

Gradualmente, sites especializados do gênero enciclopédia, mas que contivessem

informações confiáveis apropriadas para pesquisas escolares como ocorria nas antigas

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enciclopédias impressas, ganharam um novo interesse. Exemplo disso é o site Wikipédia

(http://pt.wikipédia.org), livre e gratuito, talvez o website mais visitado do mundo. No ar

desde 2001, o Wikipédia conta com mais de 20.000 voluntários em todo o mundo e possui

atualmente mais de 3 milhões de artigos em 200 idiomas. Além de disponibilizar

gratuitamente em um mesmo espaço informações sobre inúmeros assuntos, a novidade é

que o Wikipédia permite ao próprio internauta não profissional incluir novas entradas em

suas bases de dados. Essa abertura gerou óbvios problemas de inconsistência e o risco do

Wikipédia também não ser uma fonte confiável.

Uma pesquisa recente da revista Nature, entretanto, desmente isso. Comparando

a veracidade de informações na Wikipédia e na Enciclopédia Britânica impressa, a pesquisa

da Nature surpreende: com relação a fatos, omissões ou declarações duvidosas, o balanço

foi de 162 falhas na Wikipédia e 123 na Britânica. Isso significa que a Wikipédia já é quase

tão eficiente quanto a tradicional Enciclopédia Britânica e que em breve possa superá-la.

Entretanto, usar o Wikipédia ou a Enciclopédia Britânica como fonte única de consulta é

arriscado e restritivo, sob qualquer circunstância.

3. SUGESTÕES PARA AVALIAR CONFIABILIDADE DE INFORMAÇÕES NA INTERNET

A web tornou possível obter informação de qualquer lugar do mundo em poucos cliques

de mouse. Mas como avaliar a qualidade e precisão daquela informação? A Universidade

de Alberta (EUA) recomenda seis aspectos que devem ser observados pelos estudantes e

que procuramos sintetizar no Quadro 1.

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Quadro 1 – Evaluating Information Found on the Internet (adaptado).

Controle de qualidade Quando procurar material na Internet, lembre-se de que não há controle de qualidade, nem tudo que está na Internet é verdade, e que nem toda informação está publicada na Internet.

Necessidades de pesquisa Antes de procurar na web, saber o tipo de informação que lhe interessa ajudará na seleção de links que você recebe. Por exemplo, se você digitar o termo de busca “pena de morte” em um mecanismo de pesquisa, você receberá milhares de links. Mas você busca opinião pessoal, pesquisa histórica, informação do governo, dados estatísticos, ou artigos de pesquisa? Saber o tipo de informação de que você precisa facilita muito a seleção de links.

Autoria

Quem escreveu isso? É pesquisador universitário? Está afiliado a alguma instituição ou organização? Qual? Que outros trabalhos ele publicou?

Ponto de vista É boa prática discernir ponto de vista, opinião ou subjetividade. Estatísticas e bibliografia suportam bons pontos de vista. Cheque URL’s e lembre-se de que corporações e organizações sócio-políticas devem apresentar a si mesmas da forma mais clara possível.

Conteúdo

Verifique se o conteúdo do site é satírico, educacional, entretenimento, ou apresentação de pesquisa. O texto que o site veicula possui referências bibliográficas? Quais?

Comparabilidade

Cheque outros websites para validar a informação verificando se são suportados por outros autores de reputação na mesma área. Procure as mesmas coisas em outra fonte de pesquisa, cruze informações!

Fonte: <http://www.library.jhu.edu/researchhelp/general/evaluating/index.html>. Acesso em: 15 jul. 2009.

4. SUGESTÕES PARA SOLICITAR TRABALHO DE PESQUISA ESCOLAR NA INTERNET

Existem inúmeros bons sites de pesquisa nas mais diversas áreas. Se a primeira idéia é

recomendar aos alunos que acessem links que constem de livros ou revistas

especializadas, pode ser interessante também tentar novos caminhos. Para auxiliar o

professor, elaboramos algumas recomendações, fruto de discussões em cursos de

formação de professores da rede pública estadual que temos participado, com alguns

relatos de bons resultados.

Antes de recomendar a pesquisa escolar na Internet, caberia ao professor(a):

1) Ter clara as diferenças entre fazer uma “busca” e uma “pesquisa” e qual a importância disso para a formação de seus alunos naquele tópico.

2) Evitar pesquisas muito amplas ou sem referências. Por exemplo, em lugar de sugerir uma pesquisa sobre “tsunamis”, sugerir a busca dessa palavra no site da Revista Ciência Hoje (http://www.nature.com).

3) Limitar a extensão do texto a ser entregue uma vez que trabalhos mais curtos são mais difíceis de serem copiados e exigem reelaboração (um grupo de professores em discussão sobre este assunto chegou a um limite de trinta linhas de texto em formato padrão Arial 12).

4) Aprofundar o que sabe sobre o funcionamento de mecanismos de busca como o uso de filtros, delimitadores e recursos de pesquisa avançada.

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Compartilhar esse conhecimento com os alunos.

5) Mostrar aos alunos como o próprio mecanismo de busca pode ser usado para detectar plágio (colocando passagens suspeitas do texto entre aspas e repetindo a busca, por exemplo). Apelar ao uso de detectores de plágio como o software Farejador (http://www.farejadordeplagio.com.br).

6) Sugerir aos alunos que visitem e conheçam sites famosos pelo esquema de venda de trabalhos escolares e debater em sala de aula sobre questões de plágio, autoria, originalidade e legalidade entre outras. Em um sentido mais amplo, permitiria contemplar idéias de como a ciência e o próprio conhecimento é construído, validado e compartilhado (e também descartado ou copiado).

5. ENSINO A DISTÂNCIA: FERRAMENTA DA MODERNIDADE

Os avanços tecnológicos dos últimos anos geraram novos comportamentos e novas

demandas. Com o uso ostensivo de computadores, temos cada vez mais opções de lazer,

cultura e acesso a novas formas de informação e conhecimento. Há quem diga que a

escola atravessa hoje uma revolução copernicana.

Durante muito tempo os processos educacionais foram vistos como pouco

dinâmicos, onde os atores (alunos, professores, planejadores) desempenhavam papéis

bem definidos. Cabia ao professor transmitir conhecimentos aos alunos que os recebiam

passivamente. Dessa forma, o professor era detentor ou fonte exclusiva do conhecimento.

A modernidade mudou isto. Professores e alunos tornaram-se atores de processos mais

dinâmicos de aprendizagem onde os alunos têm a possibilidade de escolher o quê,

quando, onde e como aprender.

Outro componente desta mudança na educação foi a possibilidade de acesso

instantâneo a um volume inimaginável de informações. Transformar dados e informação

em conhecimento, e o sujeito não se contentar com um conhecimento que chega pronto e

acabado, tornou-se habilidade indispensável para os estudantes do século XXI.

A tecnologia atual nos possibilita imaginar novos modelos de educação

inspirados no auto-aprendizado, na autonomia do aluno e na interação comunicacional,

de forma que nos afastamos cada vez mais dos currículos fechados e pré-definidos.

Nascem assim ferramentas de EaD apoiadas na Internet. Além de flexibilização de espaço

e tempo, traços comuns da EaD em qualquer época, a Internet estendeu as oportunidades

de experiências de aprendizado a níveis sem precedentes.

Para muitos autores, são características da modalidade EaD, entre outras:

• a massificação do ensino;

• autonomia do aluno.

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Os primeiros resultados do ENADE (exame do MEC que avalia o ensino

superior), demonstram que os alunos que ingressaram em cursos superiores com essa

modalidade de ensino, na maioria das áreas estão se saindo melhor do que os estudantes

que fazem o mesmo curso, mas da maneira tradicional (ALUNO, 2007).

6. CONCEITO DE DISTÂNCIA TRANSACIONAL

Desenvolvido por Michael G. Moore o conceito de distância transacional é importante

para localizar as variáveis em jogo em um curso na modalidade EaD, tanto do ponto de

vista de quem participa diretamente do processo (aluno, professor, tutor), como do ponto

de vista de quem administra ou modela um novo curso. O conceito tem funcionado

também como ferramenta para comparar diferentes modelos de cursos EaD, ou mesmo

para comparar o modelo de ensino presencial com modelos de ensino a distância, ou,

ainda, como um caminho para flexibilizar o ensino presencial tradicional.

Isso se deve ao fato de que, em resumo, o conceito de distância transacional

corresponde a um espaço psicológico e comunicacional entre alunos e professores, espaço

este que não depende da distância física entre os envolvidos. Em lugar da distância física,

a distância transacional depende de como as seguintes variáveis se equacionam: (i)

autonomia do aluno, (ii) estrutura do curso e (iii) interação.

6.1. Distância transacional: variável Autonomia do aluno

Relacionada à capacidade do aluno em depender menos da participação do professor e de

ser capaz de controlar os principais processos de ensino-aprendizagem nos quais está

envolvido. Atividades interativas diversas podem reduzir a distância transacional,

tornando os alunos mais autônomos. Alunos autônomos não dependem tanto da

estrutura do curso, já alunos menos autônomos tendem a exigir mais interação e uma

maior estrutura formal dos cursos.

O sucesso de um curso EaD depende, entre outros fatores, de os alunos serem

capazes de desenvolver a capacidade de estudar de forma autônoma, o que é não trivial

conforme relata Peters (2004):

Os alunos têm de desenvolver, se acostumar e até mesmo internalizar uma nova abordagem, porque têm de organizar a aprendizagem independentemente e têm que assumir para si muitas responsabilidades que antes eram dos professores. Têm que ser ativos não apenas ao executar suas tarefas de aprender, mas também ao interpretar e refletir criticamente sobre o que estão fazendo quando aprendem. (PETERS, 2004).

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6.2. Distância transacional: variável Interação

Relacionada à comunicação interna entre os participantes de um processo de ensino e

aprendizagem. Quanto maior é a interação, menor é a distância transacional. São fatores

que afetam a interação: número de alunos por professor ou tutor, oportunidades de

comunicação, personalidade dos alunos e professores. Entre exemplos de promoção da

interação entre alunos, incluem-se fóruns eletrônicos, chats, videoconferências, e-mail, blogs

e outros.

6.3. Distância transacional: variável estrutura

Compõe a estrutura de um curso: apresentação, suporte, avaliação e a forma como o curso

se organiza. Quando o curso é aberto ao diálogo, essa estrutura pode ser adaptada

conforme os interesses e estilo cognitivo do aluno, o que contribuiria, nesse caso, para

uma menor distância transacional. Um exemplo de um curso de estrutura rígida é aquele

onde não há possibilidade de modificações na forma como é organizado. Teríamos a

distância transacional elevada, por exemplo, em um curso transmitido pela televisão em

horário fixo, pois a estrutura seria fixa ao longo do curso.

7. QUESTÕES DE DIREITO AUTORAL – ALGUMAS IDÉIAS LIVREMENTE EXTRAÍDAS DE SALINAS (2006)

7.1. Direito Autoral: o que é? O que protege?

O Direito Autoral protege ‘as criações do espírito humano’ [...] que se destinam à difusão

do conhecimento e ou da cultural (SALINAS, p. 20), ‘independentemente do mérito ou do

valor da criação intelectual’, ou seja, ‘pouco importa se o texto é bom ou ruim (ibidem, p.

25).

Em síntese, proteção ‘não cogita a qualidade da obra, mas o fato de ela ser o

resultado de uma criação intelectual’ (ibidem, p. 25).

Esta proteção abrange o direito ao nome, ou seja, ‘todo autor tem o direito a que

seja colocado o seu nome [...] em cada forma de utilização da obra’ (ibidem, p. 32), por isso,

consideramos plágio e ofensa aos direitos autorais a usurpação de textos, vídeos e

imagens, sem a devida referência.

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Curiosidade: A palavra ‘plágio’ significa, em latim, ‘o furto do homem livre para

ser escravo e analogamente foi introduzido para significar o furto de obra intelectual para

fazê-la passar como sendo de autoria de outrem’ (ibidem, p. 20).

7.2. Obras protegidas pelo direito autoral

A título de exemplo, são protegidos: os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

conferências, composições musicais; ilustrações, obras de desenho e audiovisuais; as

adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como

criação intelectual nova; programas de computador (enumeração do artigo 7º da Lei nº

9610/98 – Lei dos Direitos Autorais).

7.3. Obras NÃO protegidas pelo direito autoral

De outro lado, há obras que não tem proteção de Direito Autoral: (enumeração do artigo

8º da Lei nº. 9610/98 – Lei dos Direitos Autorais).

a) textos de lei;

b) idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais (por exemplo, fórmulas matemáticas);

c) os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

d) os formulários em branco;

e) as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;

f) o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.

7.4. Para utilizar obra protegidas pelo direito autoral

Em regra, para utilização de obra intelectual de terceiros, há:

a) ‘obrigatoriedade de licença, prévia e expressa’;

b) a possibilidade que o autor delimite as condições de uso da obra (ibidem, p. 29).

Excepcionalmente, admite-se o ‘uso livre’ (ou seja, o uso da obra intelectual,

independente do prévio consentimento do autor ou remuneração). Esta possibilidade

excepcional está fundada no ‘interesse público’.

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7.5. Obras de uso livre

Hipóteses de uso livre de obra intelectual (exceções à regra) (enumeração do artigo 46º

da Lei nº. 9610/98 – Lei dos Direitos Autorais).

Direito de Citação: constitui uma das mais importantes limitações ao direito do autor. A citação deve ser feita em livros, jornais, revistas, artigos ou qualquer outro meio de comunicação (não no anúncio publicitário, por exemplo).

Características da citação:

• Deve estar imbuída da finalidade de realizar estudo ou crítica.

• Deve ser feita de forma acessória em relação à obra principal, com o caráter de ilustração do assunto ou tema que está desenvolvendo.

• Sempre indicar autor e fonte.

REFERÊNCIAS

ALUNO a distância vai melhor no Enade. Folha Online – Educação, São Paulo, 10 set. 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u327081.shtml>.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil - Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9610/98 – Lei dos Direitos Autorais, 19 fev. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l9610.htm>. Acesso em: 22 jul. 2009.

MOORE, M. Teoria da distância transacional. Disponível em: <http://www.abed.org.br/revistacientifica/Revista_PDF_Doc/2002_Teoria_Distancia_Transacional_Michael_Moore.pdf>.

PETERS, Otto. A educação a distância em transição. São Leopoldo: Unisinos, 2007.

SALINAS, Rodrigo Kopke. Introdução ao direito autoral. In: CRIBAI, Isabela (Org.). Produção cultural e propriedade intelectual. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2006.

Ronaldo Barbosa

Graduação em Engenharia de Computação pela Unicamp (1996), especialização em jornalismo científico (2004, Labjor-Unicamp) e mestrado em Geociências pela Unicamp (2003). Cursa doutorado no Instituto de Geociências da Unicamp na área de Ensino e História da

Ciência. Ministra disciplinas em cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Educação, Engenharia, Sistemas de Informação e Comunicação. Atualmente é professor titular da UNIP (Campinas), FPJ (Jundiaí), Metrocamp (Campinas). É Supervisor de Ensino a Distância (EaD) do Departamento de Pós-Graduação da Anhanguera Educacional SA (AESA). Desenvolve periféricos de computador para deficientes e softwares educacionais para ensino fundamental, médio e superior. Possui experiência nas áreas de Educação e Tecnologia, com ênfase em Softwares Educativos e Internet, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de ciências, tecnologia educacional, Ensino a Distância, engenharia de software, ensino de geociências e formação de professores para uso de novas tecnologias educacionais.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

Adriana Camargo Pereira Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

ÉTICA E REAVALIAÇÃO: A PERSPECTIVA DE LEONARDO BOFF1

RESUMO

O artigo traz uma reavaliação da Ética a partir da reflexão do teólogo Leonardo Boff, intitulada A Ética e a formação de valores na sociedade. O texto analisa os três eixos fundamentais da crise que surge com o impacto do desenvolvimento mal planejado, que são a apartação social, o sistema de trabalho e o alarme ecológico, e discute uma nova base ética fundamentada no cuidado, na solidariedade e na responsabilidade.

Palavras-Chave: ética; responsabilidade sócio-ambiental; formação de valores; Leonardo Boff.

ABSTRACT

The article offers a reassessment of Ethics from the reflection of the theologian Leonardo Boff, entitled “A Ética e a formação de valores na sociedade“ (Ethics and the formation of values in society). The paper examines the three fundamental axes of the crisis that arose with the impact of poorly planned development, which are the social apartheid, the system worked and the alarm ecological, and discusses a new foundation based on care ethics, solidarity and responsibility.

Keywords: ethical; social and environmental responsibility; formation of values; Leonardo Boff.

1 Material da 1ª. aula da Disciplina Ética e Responsabilidade Socioambiental, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 15/08/2009 Avaliado em: 16/02/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. A ÉTICA E A MORAL

A Terra se formou há 4,5 bilhões de anos. Há 3,8 bilhões de anos a primeira forma de vida

a estabilizar na terra na terra foi, provavelmente, uma espécie de alga. Há 225 milhões de

anos iniciou o reino dos dinossauros, e há 65 milhões de anos uma colisão de um

asteróide com a Terra os extinguiu. Começou então o reino dos mamíferos. Há 500 mil

anos surgiu o homo erectus, ancestral dos atuais seres humanos modernos.

Nessa evolução, podemos considerar que, por o lado, o homem tem poucos anos

de existência e, por outro lado, compõe um ecossistema bem maior. Segundo o

paleontólogo Fahad Moysés Arid, da Universidade Estadual Paulista, se compararmos a

Terra a uma árvore, a humanidade não passa de um raminho, desses que só servem de

suporte para uma única folha, perdida no meio da copa frondosa. Não somos sequer um

ramo longo.

No entanto, o homem vem provocando grandes impactos, desde o início de sua

existência, vêm ocasionando grandes mudanças no meio ambiente. No último século, o

processo industrialista, a urbanização, o crescimento populacional fizeram com que a

Terra ultrapassasse sua capacidade de resistência e de regeneração, segundo vários órgãos

de acompanhamento ecológico mundial.

No momento atual, a humanidade sente nitidamente o impacto do

desenvolvimento mal planejado, chagando a questionar desde seus valores enquanto

indivíduo e sociedade, até seus modos de produção e consumo. Essa crise que afeta todas

as sociedades é, segundo Leonardo Boff, estrutural,

[...] atinge os fundamentos da civilização que construímos nos últimos séculos e que hoje é globalizada. Essa crise alcançou níveis tão agudos que nos obriga a pensar e a encontrar saídas inovadoras se quisermos dar conta, de forma responsável, das intimidações e dos desafios que a realidade nos apresenta e que envolvem tanto o presente quanto o futuro da humanidade (BOFF, 2003).

Para compreendermos os conceitos de Responsabilidade Socioambiental,

Desenvolvimento Sustentável, Responsabilidade Empresarial, devemos inicialmente

entender os questionamentos que estão sendo feitos pela humanidade em relação aos seus

valores e atitudes, a partir do estudo da Ética. Para iniciar esse estudo o presente texto

traz uma análise das reflexões sobre a Ética e a Moral, a partir de Leonardo Boff. A Carta

da Terra fundamenta, também, essa abordagem.

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2. A ÉTICA E A FORMAÇÃO DE VALORES NA SOCIEDADE

A base da construção ética, cujo campo é a prática, está fundamentada na pressuposição

de que a ética surge quando o outro surge diante de nós. O outro pode ser nós mesmos

quando analisamos nossa consciência e identificamos o ódio, a compaixão, a

solidariedade, a vontade de dominação ou de cooperação para, assim, percebermos as

conseqüências de nossos atos.

O outro pode ser aquele que está a sua frente, homem, mulher, criança, amarelo,

negro, portador de deficiência, indigente ou empresário. Pode ser uma comunidade, a

sociedade como um todo e de uma forma mais global, pode ser a natureza, a Terra. Diante

do outro ninguém pode ser indiferente, e é nessa relação que surge a ética. Ao dar-se

conta de sua responsabilidade, da conseqüência dos seus atos, que podem ser ruins ou

bons para o outro surge a ética.

O panorama mundial da crise financeira, guerras, miséria, mudanças climáticas,

coloca em questão a relação do indivíduo com outro, visto que a conseqüência de seus

atos demonstra uma relação antiética entre indivíduos, comunidades, países, e do homem

com a própria Terra. O teólogo Leonardo Boff, na sua reflexão intitulada A Ética e a

formação de valores na sociedade, aponta três eixos fundamentais dessa crise: a apartação

social, o sistema de trabalho e o alarme ecológico.

A apartação social, gerada pela pobreza e pela miséria, é representada por

milhões de excluídos em todo o mundo, “os considerados zeros econômicos que sobrevivem

à margem da sociedade e, por também serem humanos, gritam querendo viver, participar

e cada vez mais repudiam o veredicto de morte que pesa sobre sua vida (idem)”.

Segundo Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2007 do Banco Mundial, a

pobreza extrema diminuiu 21% entre 1990 e 2004. Mas cerca de 985 milhões de pessoas

ainda vivem com menos de U$ 1 por dia. O estudo ainda mostra que 10 milhões de

crianças menores de cinco anos morrem todos os anos por causa de doenças que podem

ser prevenidas. No Brasil, segundo o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento, 7,5 milhões de brasileiros ainda têm renda domiciliar inferior a um

dólar por dia.

Segundo dados publicados no Estado do Mundo em 2005, dos 6,6 bilhões de

habitantes do planeta, apenas 1,7 bilhões conseguem consumir além de suas necessidades

básicas (25%); 1/3 da população, que significam 2 bilhões de pessoas, não têm acesso à

energia, como eletricidade e combustíveis fósseis (petróleo, gás natural etc.). Ainda

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segundo o mesmo estudo, em 2025, se nada for feito, 4 bilhões de pessoas (metade da

população mundial) estarão sem acesso a saneamento básico.

Leonardo Boff considera o risco de que efetivamente a humanidade aceite como

inevitável essa apartação mundial, e que os desiguais deixem de ser desiguais e passem a

ser dessemelhantes e, portanto, não mais pertencentes à família humana, o que leva a

percepção de que os laços de cooperação e solidariedade são mínimos em todo o mundo.

O segundo eixo da crise está no sistema de trabalho. O mundo passa por uma

grave crise de emprego. O capital especulativo conquistou a hegemonia sobre o capital

produtivo, demonstrando que a lógica da economia de mercado mundial é muito mais

competitiva do que cooperativa.

Outro problema está relacionado ao desenvolvimento tecnológico, que apesar de

representar um avanço para humanidade, tem sérias conseqüências sociais, gerando altos

índices de desemprego. As sociedades foram construídas com base no trabalho e vivemos

hoje um desenvolvimento sem trabalho.

E aqueles que estão no ócio vão se multiplicar aos milhões. O desafio é descobrir como passar de uma sociedade de pleno emprego para uma sociedade de plena ocupação; é saber como tornar criativo o ócio, resgatando o sentido originário do trabalho como forma humana de plasmar o mundo, e dando sentido à nossa vida, ao recuperar nossa dignidade e nossa condição de seres criativos (ibidem).

Como podemos promover o desenvolvimento sustentável quando o próprio

desenvolvimento torna as pessoas cada vez menos capacitadas para o atual mundo do

trabalho. Segundo pesquisa realizada em 2008 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil

(CGI), apenas 28% dos brasileiros possuíam computador e 20% tinham acesso a Internet.

Ainda para ficar neste levantamento, 61% dos brasileiros não usavam a internet e o

computador por falta de habilidade.

Considerando ainda que no Brasil somente 11% dos jovens, entre 18 e 24 anos,

têm acesso a educação superior (MEC), e que no mundo são mais de 100 milhões de

crianças em idade escolar fora da escola, percebemos que o sistema educacional e de

trabalho precisa ser repensado, no sentido de promover a inclusão social e o resgate da

dignidade do homem.

Se considerarmos os dados brutais, como os publicados pelo Instituto Akatu, de

que no Brasil, em 2007, cento e noventa e dois empreendimentos foram autuados em 16

estados diferentes, por manter trabalhadores em situação análoga à de escravos, então

percebemos a emergência da mudança.

Nós nos constituímos pelo trabalho. É preciso criar outro padrão de civilização. Devemos buscar outro tipo de relação social, de relação com a natureza, e encontrar outra forma de interpretar o trabalho. Tudo isso suscita um enorme problema ético:

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como organizar a sociedade para que as pessoas não se sintam excluídas, destituídas dela (ibidem).

O terceiro eixo da crise está no que Boff chama de alarme ecológico.

A Terra sofre um estresse fantástico em todos os seus ecossistemas. A espécie humana ocupa 83% do planeta, e este, dada a voracidade do processo industrialista, já ultrapassou em 20% a capacidade de resistência e de regeneração, segundo contatam vários órgãos de acompanhamento ecológico mundial (ibidem).

Isso quer dizer que consumimos em 12 meses o que a natureza leva 16 meses

para produzir.

Esse estresse transparece fundamentalmente em dois pontos. Um deles é a falta

de alternativas para energia fóssil, outro é a crise da água potável. Os combustíveis fósseis

são o gás natural, o petróleo e o carvão mineral, formados pela decomposição de matéria

orgânica através de um processo que leva milhares e milhares de anos e, por este motivo,

não são renováveis ao longo da escala de tempo humana. A economia mundial está tão

dependente da energia fóssil que o simples aumento do preço do barril de petróleo (que é

o mais explorado para fins energéticos) influencia fortemente as bolsas de valores. E a

falta de alternativas é um dos grandes pilares da crise.

Embora 70% da superfície do planeta esteja coberta por água, apenas 1% desse

volume é apropriado para o consumo. No Brasil, por exemplo, o aumento da população

nas últimas duas décadas fez com que o consumo per capita de água dobrasse. Com isso,

milhões de brasileiros já não têm acesso à água de boa qualidade, o resultado é que cerca

de 70% das internações de crianças estão relacionadas a doenças causadas pela água. A

Agência Nacional de Águas (ANA) mostra que a poluição está fora de controle nos

principais rios de oito estados, da Bahia ao Rio Grande do Sul. Diante desse quadro,

confirmam-se as projeções da ONU de que a água será a causa da maior crise deste século.

Segundo os dados do Estado do Mundo, o consumo residencial de água

aumentará mais da metade até 2025. Atualmente, a falta de água limpa e saneada mata

quase 1,7 milhões de pessoas por ano. Anualmente, 10 milhões de vazamentos químicos

acidentais acorrem por todo planeta. Hoje a temperatura média do planeta está 2,5° C

acima do que era há 50 anos atrás. O desmatamento e a queima de combustíveis fósseis

são as principais causas do aquecimento global.

Esquecemos que o capital biológico natural pertence à vida, e não apenas aos seres humanos. É preciso elaborar uma nova benevolência, um novo tipo de relação com a natureza, cujo desenvolvimento não se faça contra ela, mas com ela, e que haja uma percepção de justa medida da escassez dos recursos [...] Ou nos salvamos todos, ou morremos juntos. E juntos devemos encontrar uma solução que seja justa, que garanta a sustentabilidade2 (ibidem).

2 Em 1983, a ONU criou a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), presidida pela ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Em 1987 foi publicado o documento “Nosso Futuro Comum”, conhecido como Relatório

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Há a necessidade de uma nova relação da humanidade com a natureza, devemos

nos preocupar com a qualidade de vida global, com toda forma de vida, da qual somos

apenas uma pequena parte, na metáfora com a árvore, apenas um raminho, desses que só

servem de suporte para uma única folha. O que Leonardo Boff propõe é uma nova base

ética, para que o ser humano encontre um novo padrão de comportamento, novos valores,

preocupação e cuidado com nosso futuro, com nossa Terra e seus ecossistemas e com as

condições da nossa sobrevivência.

O teólogo propõe que essa nova base ética seja fundamentada no cuidado, na

solidariedade e na responsabilidade. A crença básica da filosofia, desde os filósofos

gregos até os modernos, é de que o fundamento do ser humano é a racionalidade. Essa

crença ocidental é contestada por Leonardo Boff que defende que o fundamento da

existência humana não reside na racionalidade, mas sim na afetividade.

Boff busca sustentação no discurso psicanalítico que afirma que a base sobre a

qual se sustenta o ser humano é o afeto, ligado à parte do cérebro mais ancestral que

temos, o sistema límbico, que surgiu 230 milhões de anos atrás com os mamíferos, sua

afetividade, a gestação, a intimidade e o cuidado com a cria.

A razão culmina na contemplação e funda suas raízes na afetividade. Assim, a experiência de base não é ‘penso, logo existo’, mas ‘sinto, logo existo. Nós afetamos a realidade e somos afetados por ela. E nesse jogo de afeto vamos construindo nossa racionalidade, nosso projeto de liberdade, nossos projetos históricos. É por meio dessa sensibilidade de fundo que elaboramos nossos valores. O valor é o caráter precioso do ser, aquilo que o torna digno de ser. Nós sentimos, percebemos valores. E é só quando sentimos e vivemos com profundidade que podemos nos movimentar no reino dos valores. É por eles que moldamos a vida e somos (ibidem).

Boff afirma que precisamos de vigor e ternura, trabalho e cuidado. Empenho

transformador e o habitar o mundo com sentimento, poesia, alegria, jovialidade, amizade,

amor. São essas as forças que estruturam a existência do ser, da comunidade, da

humanidade. Juntos, devemos dar um sentido a essa conjugação de povos e raças, criando

uma história nova; não mais a história do Brasil nem a de outro país, e sim a história da

humanidade como família, como uma espécie junto das outras espécies.

O cuidado é fundamental, é uma atitude amorosa para com a vida, e toda vida

precisa de cuidado, se não cuidarmos de uma criança quando ela nasce ela acaba

morrendo. Precisamos dessa ética mínima ligada à própria vida e, no entanto, percebemos

crianças e jovens desassistidos, a economia em crise por processos especulativos,

ecossistemas em desequilíbrio. “É preciso elaborar uma ética do cuidado, que funciona

Brundtland, onde aparece pela primeira vez o termo desenvolvimento sustentável, como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades”. O termo sustentabilidade, devido a sua complexidade, vem sendo vastamente discutido por organismos internacionais, sociedade civil e órgãos governamentais.

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como um consenso mínimo a partir do qual todos possamos nos amparar e desenvolver

uma atitude cuidadosa, protetora e amorosa para com a realidade”.

A solidariedade e a cooperação, segundo os estudiosos da física quântica, são

fundamentais, na medida em que todos os seres se interdependem. Uma comunidade só

funciona quando cria laços de cooperação. Segundo Boff, os etno-antropólogos dizem que

o salto da animalidade para a humanidade ocorreu no momento em que nossos ancestrais

começaram a levar o que caçavam para o grupo, de modo a dividir o alimento

fraternalmente entre si. A solidariedade e a cooperação é que permitiram a sociabilidade,

o surgimento da linguagem, e definem o ser humano como sócio, como companheiro —

filologicamente, aquele que comparte o pão.

Responsabilidade é dar-se conta das conseqüências que advêm de nossos atos.

“Hoje lidamos com a biotecnologia, com os mistérios supremos da natureza, modificamos

a base físico-química da natureza e não sabemos quais serão as conseqüências. Impõe-se

uma ética da responsabilidade, da justa medida, da cautela e da prevenção”.

O cuidado, a solidariedade e a responsabilidade devem ser um objetivo de

cooperação mundial, um projeto político, um projeto pessoal. Essa base ética proposta por

Boff pode estabelecer um patamar mínimo para que alcancemos um padrão de

comportamento que seja humanitário. Como tratar humanamente os seres humanos,

como tratar bem a vida que vai além da nossa vida pessoal? Essa é a grande questão de

fundo. Na resposta, temos de superar a visão antropocêntrica, a visão radicada somente

no ser humano.

A Carta da Terra representa um amplo esforço alinhado às questões propostas por

Leonardo Boff. O teólogo, inclusive, participou da elaboração desse documento. Entre os

participantes, incluem-se destacadas instituições internacionais, governos nacionais e suas

agências, associações universitárias, organizações não-governamentais e grupos

comunitários, governos locais, grupos ecumênicos, escolas e negócios – assim como

milhares de indivíduos.

Esse documento é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a

construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. Busca inspirar todos os

povos a um novo sentido de interdependência global e responsabilidade compartilhada. É

um chamado a ação.

Temos de nos tornar ecocêntricos, vale dizer, centrados naquilo que está presente na palavra “ecologia”: “a casa” (oikos), que pode ser a casa em que moramos, a cidade na qual residimos, o Estado a que pertencemos e o país que é nossa pátria. Hoje, a Terra é o

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grande desafio. E nós, como seres humanos, somos a própria Terra. Todos nós devemos fazer nossas revoluções moleculares, o que significa que cada um pode começar por si mesmo (ibidem).

REFERÊNCIAS

BANCO MUNDIAL. Relatório do Desenvolvimento Humano 2007. PNUD, 2007. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/rdh/>.

BOFF, Leonardo. A ética e a formação de valores na sociedade. São Paulo: Instituto Ethos Publicação, 2003.

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra. São Paulo: Peirópolis, 2000.

WWI-Worldwatch Institute. O Estado do Mundo 2005. UMA-Universidade Livre da Mata Atlântica, 2005.

Adriana Camargo Pereira

Graduação em Comunicação Social Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1996) e mestrado em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Atualmente é coordenadora do Departamento de Extensão da

Anhnaguera Educacional. Tem experiência na área de Comunicação e Sustentabilidade, atuando principalmente nos seguintes temas: publicidade e propaganda, ensino superior e responsabilidade social.

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Inês Regina Waitz Centro Universitário Anhanguera unidade Pirassununga [email protected]

Magda Patrícia C. Arantes Centro Universitário Anhanguera unidade Leme [email protected]

EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UM OLHAR SOBRE AS ORIGENS1

RESUMO

As Instituições de Educação Superior, nas últimas décadas, passam a ser alvos de debates, nos quais se questionam o papel desse nível de ensino na sociedade contemporânea, sua relação com o mundo do trabalho e com o mercado, além de suas possibilidades de contribuição com programas de desenvolvimento econômico e social. Para compreender esse contexto, o presente trabalho faz um resgate histórico da origem do ensino superior até a década de 30, a fim de mostrar como se consolidou a idéia de um modelo de Universidade no país, e proporcionar uma reflexão de como as políticas públicas adotadas nessa época se relacionam com a atual organização do ensino superior no Brasil.

Palavras-Chave: ensino superior; políticas públicas; origem e evolução.

ABSTRACT

Higher education institutes become the targets of debates in recent decades, in which they question the role of this level of education in contemporary society, its relationship to the world of work and with the market, beyond its possible contribution to programs of economic and social. To understand this context, this paper makes a historical review of the origin of higher education until the 30s, to show how it has consolidated the idea of a model university in the country and provide a reflection of how public policies adopted at this time relate to the current organization of higher education in Brazil.

Keywords: higher education; public policies; origin and evolution.

1 Material da 1ª. aula da Disciplina Legislação e Políticas do Ensino Superior, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 15/08/2009 Avaliado em: 28/01/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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230 Ensino superior no Brasil: um olhar sobre as origens

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1. INTRODUÇÃO

A democratização do acesso ao ensino superior, notado nas últimas décadas, se associa à

nova organização social, que necessita de trabalhadores com melhor formação. As

Instituições de Ensino Superior (IES), nas últimas décadas, passam a rever os processos de

ensino e de aprendizagem, estimulando a co-responsabilidade do aluno na aquisição das

competências exigidas pelo mercado de trabalho. Esse quadro de aceleradas mudanças

fez com que governos e países instalassem debates sobre as IES, nos quais se

questionavam o papel da educação superior na sociedade contemporânea, sua relação

com o mundo do trabalho e com o mercado, além de suas possibilidades de contribuir

com programas de desenvolvimento econômico e social.

Com o intuito de compreender melhor as políticas adotadas e as circunstâncias

que levaram a atual organização e composição do ensino superior no Brasil nos dias

atuais, o presente trabalho tem como objetivos: identificar como e quando o país teve

acesso à educação superior; refletir sobre as conseqüências dessa origem e verificar como

foi consolidada a idéia de Universidade no país. Delimitou-se como eixos de estudo os

seguintes períodos da história do Brasil: Período Colonial, o Império e a República - até a

década de 30, quando Getúlio Vargas assumiu o poder.

2. A ORIGEM DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

A forma como se origina e evolui uma cultura define bem a evolução do processo

educativo. As trocas culturais, quando se processam, numa situação real tendem a fazer

enriquecer as culturas interessadas, um enriquecimento mútuo. Porém, no colonialismo,

iniciado na Idade Moderna, as trocas culturais foram realizadas das mais diversas formas.

No que se refere ao Novo Mundo e ao Brasil, o que houve foi uma transferência pura e

simples dos padrões europeus para as terras das Américas. Uma transferência de hábitos

de uma vida diária, idéias, formas de organização social e política e formas de educação.

Assim, nesse contexto em que o Brasil foi colônia de Portugal (1500-1822), o

sistema educacional teve três fases:

• 1ª fase (1549-1759) – o predomínio dos jesuítas e a implementação do ensino religioso;

• 2ª fase (1759-1808) – as reformas do período pombalino a expulsão dos jesuítas;

• 3ª fase (1808-1821) – o período em que D. João VI, então rei de Portugal, trouxe a Corte para o Brasil.

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Na primeira fase colonial, a educação era ministrada pelos jesuítas, que

implementaram duas categorias de ensino: a instrução simples primária, das escolas de

primeiras letras para os filhos de portugueses e índios, e a educação média, dos colégio

destinados aos meninos brancos que se formavam mestres em artes e bacharéis em Letras.

Durante 210 anos foram os jesuítas os educadores do Brasil, fato que não só marcou o

início da história da educação no Brasil, mas também o que diz respeito às conseqüências

para a nossa cultura.

A catequese era usada para converter os povos das regiões colonizadas à fé

católica. Era muito viável para a metrópole, pois servia para domesticar os índios no

processo da colonização. Os colégios eram destinados a formar sacerdotes ou para

preparar os estudos superiores para jovens que não seguiriam a vida sacerdotal. Os

primeiros foram construídos em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Olinda. Nesses

colégios, primeiramente, ensinavam latim e casos de consciência e, posteriormente,

passaram a dar aulas de teologia, doutrina cristã, latim, sintaxe e sílaba, gramática

portuguesa, retórica, matemática, música, artes e ofícios, preservando assim a cultura

portuguesa.

Os padres da Companhia de Jesus possuíam total poder no setor educacional, e

este era completamente alheio à realidade da colônia, sem nenhuma preocupação com o

trabalho. Dessa forma, a educação não representava grande coisa na construção da

sociedade nascente. Essa educação instituiu duas características que marcaram a nossa

educação ao longo da história: o elitismo e a exclusão. Somente tinha direito à educação

uma minoria de donos de terra e senhores de engenho, excluindo dessa minoria as

mulheres e os filhos primogênitos, aos quais reservava a direção futura dos negócios

paternos. Os colégios eram freqüentados apenas por homens que não os primogênitos.

Assim, os padres acabaram ministrando, em princípio, educação elementar para

a população índia e branca em geral (salvo as mulheres), educação média para os homens

da classe dominante, parte da qual continuou nos colégios preparando-se para o ingresso

na vida sacerdotal e educação superior religiosa só para essa última. A parte da população

escolar que não seguia a carreira eclesiástica encaminhava-se à Europa, a fim de

completar os estudos, principalmente na Universidade de Coimbra, de onde deviam

voltar letrados.

Esse direcionamento elitista e excludente não foi suficiente para que os jesuítas

inaugurassem o ensino superior no Brasil, pois conforme Sguissardi (2004) a “idéia de

universidade no Brasil” foi negada pela Coroa dos Jesuítas.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 229-239

A catequese que, em princípio, constituía o principal da presença da Companhia

de Jesus no Brasil, acabou gradativamente cedendo lugar, em importância, à educação de

elite. A educação, dada pelos jesuítas, foi se transformando em uma educação de classe.

Essas características, que tão bem distinguiam a aristocracia rural brasileira, marcaram

todo o período colonial e imperial e atingiu o início do período republicano, sem sofrer

em suas bases qualquer modificação estrutural, mesmo quando as camadas mais baixas

da população começaram a buscar “status” na instrução:

[...] já não era somente pela propriedade da terra e pelo número de escravos que se media a importância ou se avaliava a situação social dos colonos: os graus de bacharel e os de mestre em artes (dados pelos colégios) passaram a exercer o papel de escada ou de ascensor, na hierarquia social da colônia, onde se constituiu uma pequena aristocracia de letrados, futuros teólogos, padres-mestres e magistrados. (AZEVEDO apud ROMANELLI, 2006, p.36).

Neste cenário de uma sociedade que se divide entre o branco colonizador e a

população nativa, era natural que a camada dominante procurasse copiar os hábitos da

camada nobre portuguesa. A falta de enraizamento nas condições locais dava à cultura

letrada, administrada pelos jesuítas, o controle, domínio e manipulação culturais e

intelectuais, ao mesmo tempo em que conferia “status” à classe dominante, contribuindo

para manter a distância entre esta e as demais camadas sociais.

Foi assim que a cultura intelectual se transferiu para o Novo Mundo através da

camada social dominante. A imitação dos modelos de cultura intelectual importados e a

forma como se processou a colonização no Brasil gerou uma duplicidade na evolução da

sociedade e do sistema educacional, duplicidade observada, segundo Romanelli (2006),

pela acentuada dicotomia entre “valores reais e valores proclamados”.

Na segunda fase, os jesuítas foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal,

que implantou uma política pública proibindo o uso de outras línguas que não fosse o

português. A educação passa a ser gerida pelo Estado e enfrenta a primeira e desastrosa

reforma de ensino do país. Pombal criou escolas chamadas régias, oficializando o ensino;

e instituiu um imposto para a manutenção do ensino primário, denominado subsídio

literário.

A reforma pombalina gerou uma fragmentação do sistema educacional,

permitindo uma pluralidade de aulas isoladas e dispersas. A educação nessa época não

contava com um número de letrados suficiente para preencher as lacunas dos jesuítas.

Com a queda de Pombal, a organização educacional acabou por se esfacelar. Entre os

séculos XVI e XVIII, o Brasil pôde ser classificado como um país multilíngüe, etnicamente

diversificado, eminentemente rural e não escolarizado.

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Apenas com a vinda da família real ao Brasil, em 1808, algumas transformações

significativas ocorreram. Diante da transferência da sede do reino, e junto com ele a

burocracia civil, militar e eclesiástica, foram criados alguns cargos, cursos, cadeiras,

escolas e as primeiras faculdades para atender às necessidades dessa nova população.

Todas as mudanças ocorridas no ensino público devem-se à influência de D. João VI nessa

terceira fase. Ele permitiu a abertura de escolas de Primeiras Letras em todo o país e

multiplicaram-se as escolas secundárias de artes e ofícios, além de permitir, através de

uma Carta Régia, o início do ensino superior no país. Foi assim que, em 1808, nasceu o

Colégio Médico-Cirúrgico, na Bahia, e, em seguida, surgiu o Curso de Cirurgia e

Anatomia, no Rio de Janeiro.

Segundo Morosini (2005), em 1808, por uma carta régia do Príncipe regente, é permitida a criação do curso médico na Bahia, que, embora muito rudimentar, apresentava-se sob a forma de um curso regular, sistematizado e com um regime escolar. Também neste ano é concedido o título do primeiro professor do ensino superior brasileiro, e são estabelecidas as determinações para o desempenho dessa função. Nas Instruções para lente de cirurgia, que se constituiu no Primeiro Estatuto de Ensino Superior Brasileiro, o curso deveria ter duração de quatro anos, desenvolvidos por aulas teóricas, em salas do Hospital Militar, e por aulas práticas duas vezes por semana, em uma das enfermarias, ao fim do qual seria concedido um certificado ao praticante. Eram habilitados a freqüentar os alunos que tivessem conhecimento de língua francesa, pagando seis mil e quatrocentos réis ao professor [...] Na Carta Régia de 1808, o professor ensinaria em conformidade com instruções que lhe eram remetidas, esperando-se dele zelo, conhecimento da instrução, estudos luminosos, patriotismo e desempenho do conceito que se fazia da sua pessoa. (MELO, p. 3-4)

Em 1910, também foi criada a Academia Real Militar, que mais tarde tornou-se a

Escola Nacional de Engenharia ou a Escola Politécnica. O Decreto de 23/2/1808 instituiu

uma cadeira de Ciência Econômica; e o Decreto de 12/10/1820 organizou a Real

Academia e Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, depois convertida em

Academia das Artes.

Dessa forma, o ensino superior surgiu tardiamente e decorreu de uma mudança

na estrutura política do estado português que aqui se instaurou com a vinda da Coroa

portuguesa. Teve um caráter mais profissionalizante que universitário, pois essa abertura

foi determinada para atender aos interesses da elite que aqui aportou com D. João VI. Isso

significa que no período colonial não havia ainda Universidades, mas sim cursos

profissionalizantes de nível superior. Um ensino superior sem relação entre teoria e

prática, elitista e funcional aos interesses dominantes. Pouca coisa dessa característica do

ensino superior brasileiro mudará com o Império (1822-1889).

3. POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DO IMPÉRIO ATÉ A REPÚBLICA

Após a independência política (1822), o ensino brasileiro foi estruturado em três níveis:

primário, secundário e superior. O primeiro era a “escola de ler e escrever”, que ganhou

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um incentivo da Corte e aumentou suas disciplinas consideravelmente. O secundário se

manteve dentro do esquema das “aulas régias”, mas ganhou uma divisão em disciplinas.

Houve um crescimento das escolas superiores, mas sempre no modelo de escolas

desconexas e voltadas para a formação profissional. Houve algumas tentativas de criar a

primeira Universidade do país, mas nenhuma saiu do papel.

Em 1824, D. Pedro I outorgou a nossa primeira Constituição, a qual inspirava a

idéia de um sistema nacional de educação. Segundo ela, o Império deveria possuir escolas

primárias, ginásios e universidades, porém as normas incluídas entre os mais diversos

temas tratados por nossa Constituição, não foram cumpridos. Porém, era preciso divulgar

os ideais liberais, em voga na Europa e América do Norte, aparentemente assumidos pelo

Brasil (“valores reais/valores proclamados”).

Em 1827, duas leis voltam a discutir a educação: a primeira cria os cursos

jurídicos em Olinda e São Paulo, preparando nossos bacharéis para comporem o aparato

jurídico próprio do novo Estado Nacional. A segunda regulamentou o ensino para as

“escolas de primeiras letras”. Estas “escolas de primeiras letras” representavam os

interesses reais da classe dominante. A proclamação da necessidade de uma educação

popular foi apenas uma farsa liberal, encenada pelos dominantes, para dissimular o jogo

político que realizavam com vistas a garantir-lhes os direitos e privilégios. Não foram

criadas Universidades, não foram sistematizados o ensino de médio e nem criado o curso

primário completo. Em todos os níveis, o que se tinha eram cursos isolados, frágeis e

compartilhados.

Na década de 1850 foi criada a Inspetoria Geral da Instituição Primária e

Secundária do Município da Corte. Marcavam o ensino da época: a inexistência de

vínculos com o mundo prático e o foco mais nos jovens que para crianças. Essa ênfase nos

jovens dava-se num contexto marcado pelo elitismo e pelo autoritarismo inerentes à

sociedade imperial, pois a educação popular não tinha a atenção das autoridades e

culminava na falta de formação docente para o magistério primário e na insuficiência dos

que eram formados.

Com relação ao ensino superior, Ghiraldelli Junior (2008) afirma que:

No campo do ensino superior, quem quisesse uma boa escola deveria se deslocar para os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda. Quem desejasse seguir a carreira médica deveria se contentar coma Bahia e o Rio de Janeiro. A engenharia estava restrita, de certo modo, à Escola politécnica do Rio de Janeiro. Havia ainda cursos militares do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e de Fortaleza. Existia também o curso da Marinha, no Rio de janeiro. O Rio de Janeiro detinha, ainda, escola para o ensino artístico e mais seis seminários para o ensino religioso. Não existia uma política integrada entre o governo central e o que se fazia nas províncias, o que nutria não só um caráter heterogêneo para a educação brasileira da época como também mostrava, para qualquer viajante, uma imensa alteração de qualidade da educação quando este fosse caminhando de província a província. (p.29)

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É provável que esse descompasso entre as políticas do governo central e das

províncias tenha sido causado pelo Ato Adicional à Constituição de 1824, em vigor a

partir de 1834, que passou às Províncias o direito de legislar sobre a instrução pública de

nível primário e secundário. As escolas de nível superior ficavam a cargo do governo

central. Mas devido ao caráter elitista da educação imperial, a escassa demanda e a pouca

importância que o ensino superior representava para o aumento de lucratividade da

nação brasileira, até o início da República (1889), foram criados apenas entre 12 a 15

cursos e faculdades superiores.

Ressalta-se que, na segunda metade do século XIX, a escola primária era

freqüentada por menos de 10% da população livre em idade escolar e poucos

continuavam os estudos em níveis mais altos. Pode-se inferir, assim, o número reduzido

daqueles que conseguiam diploma de conclusão em cursos superiores, daí que o mesmo

dava ao portador poder, prestígio e remuneração.

Assim, as políticas educacionais do Brasil Império procuraram garantir a

continuidade da tradição aristocrática típica do período colonial e, manter seu caráter

elitista e excludente. As reformas apenas aperfeiçoaram aquilo que já existia, sem alterar

sua estrutura, sem abolir os mecanismos de exclusão que impediam o acesso maior ao

nível superior.

O início da república foi marcado por uma relativa urbanização do país, o que

exigia carreiras de trabalho mais dependentes de escolarização. Associado ao clima de

inovação política, surgiu a motivação para que nossos intelectuais viessem a discutir a

necessidade de abertura de escolas. Mesmo com esse clima, a Constituição de 1891 não se

preocupou com o ensino em particular, mas referendou responsabilidades dos estados e

da União com o ensino primário, secundário, técnico-profissional, normal e superior em

todo o país.

Ressalta-se que a política educacional da Primeira República universalizou no

Brasil as idéias de uma rede de ensino primário, público, gratuito e laico, criando um

sistema escolar apropriado (Escolas Normais e Grupos Escolares). Porém, não podemos

deixar de perceber que o sistema criado foi insuficiente e insensível ao mundo do

trabalho.

Para o ensino superior, apesar do caráter oligárquico, foi um período fertil já que

há um aumento significativo das Instituições de Ensino Superior no país – passa de 25

(1907) para 338 (1933). Entretanto, mesmo com esta expansão, a taxa de escolarização era

muito baixa, pois somente 0,05% da população total do país, em torno de 17 milhões de

habitantes, estava matriculada em um curso superior (MELO, p. 11).

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 229-239

Mesmo com essa expansão, o aparecimento das primeiras universidades

brasileiras foi tardio. Somente em 1920 surge a primeira Universidade brasileira, a

Universidade do Rio de Janeiro2, após algumas experiências que não perduraram na

década de 10.

Era o modelo neonapoleônico nas quais, segundo Sguissardi (2004), predominariam “critérios” e “indicadores” como ausência de estruturas de pesquisa e pós-graduação stricto sensu consolidada e reconhecida; presença majoritária de docentes em regime de tempo parcial ou horista e sem qualificação pós-graduada que habilite para a pesquisa, isolamento das universidades, ou porque eram únicas ou porque eram agregadas apenas formalmente; dedicação quase exclusiva às atividades de ensino; estrutura administrativo-acadêmica voltada para a formação de profissionais etc. (apud MELO, p. 12).

Contudo, a herança do passado colonial contribuiu para manter uma sociedade

dual, elitista e excludente. As propostas para um novo modelo de Universidade, com

conseqüente desenvolvimento de atividades de pesquisa, não foram suficientes para

mudar o panorama excludente tanto educacional como sócio-político daquele período.

Ao se fazer um balaço do ensino superior no Brasil, até a década de 30, conforme

Morosini (2005) constata que as modificações foram apenas superficiais, pois embora

tenham ocorrido modificações estruturais significativas no regime político, na economia e

nas relações sociais, o intuito era garantir a manutenção das relações entre dominantes e

dominados. Tanto o Império como a Primeira República, apesar dos muitos projetos e do

entusiasmo, manteve o status da educação superior e não conseguiram efetivar a idéia de

Universidade no Brasil.

4. NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO SUPERIOR: DE 1930 A 1945

Esta nova fase pode ser dividida em três períodos. O primeiro período, pós-revolução de

30, teve Getúlio Vargas no poder como membro do governo revolucionário. No segundo

período, Vargas governou após a promulgação da constituição de 1934. O terceiro marca o

período de 1937 a 1945, quando Vargas exerceu o poder como ditador, à frente do

chamado Estado Novo.

A primeira medida que deve ser destacada entre as políticas educacionais desse

período foi a Reforma do ensino superior assinada por Francisco Campos, titular dos

Ministérios da Educação e Saúde, representada no Estatuto das Universidades Brasileiras,

2 Podem sem citadas como primeiras universidades: Universidade do Rio de Janeiro (1920), Universidade Federal de Minas gerais (1927), Universidade de São Paulo (1934) e Universidade do Rio Grande do Sul (1934).

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que tem como modelo a Universidade do Rio de Janeiro. Esse Estatuto, de 1931, por

decreto presidencial3, se constitui na primeira diretriz geral para o ensino Superior.

Por esta reforma a organização do sistema universitário do país tem como ponto de partida a criação de universidades pela justaposição de pelo menos três dos seguintes institutos de ensino superior: Faculdade de Direito, Faculdade de medicina, Escola de Engenharia e;ou Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Na fase precedente, o ensino superior concretizava-se em cursos isolados. Nesta, criam-se as universidades a partir da junção de cursos superiores. Porém, apesar da universidade se constituir numa figura que paira sobre os cursos que a compões, estes se mantêm praticamente autônomos nas questões de ensino e isolados uns dos outros. (MOROSINI, 2005, p. 309-310)

Porém, embora o Estatuto definisse a universidade como padrão para a

organização do ensino superior, permitiu também a existência de estabelecimentos

isolados. Nesse sentido, o termo universidade foi usado de maneira aparente, pois se

mantinha o isolamento das instituições de ensino superior. As universidades não

passavam de um aglomerado de faculdades isoladas que podiam, inclusive, manter sua

autonomia jurídica.

Tendo substituído Francisco Campos no Ministério da Educação, em 1934,

Gustavo Capanema deu seqüência ao processo de reforma educacional. Mas, segundo

Sguissardi (2204), o perfil elitista e conservador viu na perspectiva de uma universidade

autônoma, produtora de um saber desinteressado, formadora de indivíduos teórica e

politicamente críticos, cultores da liberdade, uma ameaça à “ordem” e às “boas relações”

Universidade-Estado.

Mesmo assim, a Universidade de São Paulo (USP) propôs um novo modelo de

ensino superior. Criada pelo decreto n◦ 6.283, de 25/01/1934, do governador de São

Paulo, Armando Sales de Oliveira, e obedecendo ao Estatuto das Universidades

Brasileiras, de 1931, a USP reuniu os vários cursos superiores existentes no Estado4, tendo

como enlace a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que viria integrar, em uma base

comum, os ensinamentos de diversas áreas do saber, sendo a porta de entrada em

qualquer dos cursos profissionalizantes. Além disso, a proposta da USP baseava-se em

três vertentes, características da universidade moderna: ensino, pesquisa e extensão. Essa

é a marca do modelo germânico/humboldtiano onde, segundo Sguissardi (2004), nessas

instituições predominavam “critérios” e “indicadores” como:

[...] presença de estruturas de produção científica e de pós-graduação stricto sensu consolidada e reconhecida; presença majoritária de docentes em regime de tempo integral e com qualificação pós-graduada que habilite para pesquisa; integração das unidades em torno de projetos comuns de ensino e pesquisa; associação de ensino,

3 Através desse Estatuto, além das normas específicas para a Universidade do Rio de Janeiro (Decreto 19.852), cria-se o Conselho Nacional da Educação (Decreto 19.850) e institui-se normas gerais para a organização das universidades (Decreto 19.850). 4 A USP incorporou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Farmácia e Odontologia, o Instituto de Educação e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba, e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Maria Antonia.

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pesquisa (e extensão) em diferentes níveis; estrutura administrativo-acadêmica voltada para a formação de profissionais e para a formação de pesquisadores na maioria das áreas do conhecimento. (MELO, p. 16)

Porém, esse modelo não deixou de sofrer a reação conservadora das escolas

profissionais, revestindo-se dos traços do modelo napoleônico. Apesar dessa reação, esse

período é marcado por uma relativa abertura dos canais de acesso ao ensino superior,

com aumento de cursos, que proporcionou o crescimento do número de estudantes

oriundos das “camadas médias”. É nesse contexto que nasce a União Nacional dos

estudantes – UNE, criada em 1937, a qual se destaca na luta contra o Estado Novo e o

Fascismo, propondo um novo projeto para o ensino superior.

O conservadorismo enraizado pelas origens e a relativa abertura do acesso ao

ensino superior marcam o caráter ambíguo dessa época. Assim, ao mesmo tempo em que

é inegável as perspectivas que foram abertas para as universidades e o ensino superior e

apesar do Estatuto das Universidades Brasileiras determinar a existência da figura da

universidade com instancias hierárquicas como a do diretor das escolas, a figura marcante

deste período ainda era a do professor catedrático.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Traçar um olhar sobre as origens da educação, relacionada com o desenvolvimento sócio-

econômico brasileiro, permite perceber o quanto a sociedade brasileira foi marcada pelo

elitismo e pela exclusão. O ensino superior surgiu nesse contexto, tardiamente, voltado

para aqueles que podiam pagar, além de adotar uma série de mecanismos e obstáculos

que excluía a maioria da população.

Assim, até a década de 30, as faculdades eram apenas escolas isoladas onde havia

um modelo de ensino profissionalizante de nível superior. No contexto do Estado Novo é

que se desenvolveu a idéia de Universidade e experiências inovadoras como a da

Universidade de São Paulo modernizaram o ensino superior, garantindo-lhe um modelo

de universidade por aglutinação dessas faculdades isoladas. A partir dessa época, a crítica

a cátedra e ao caráter elitista que prevaleceu desde o período colonial tornaram-se alvos

de discussões e propostas em torno da reforma universitária que mudariam a história da

educação no país. Mas isso é outra história.

REFERÊNCIAS

GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação brasileira. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

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MELO, André Lins de; SANTOS, Elisangela de Jesus R. Santos; ANDRADE, Gercília Pereira. Ensino Superior no Brasil: do elitismo colonial ao autoritarismo. In: VIII Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas - HISTEDBR, 2009, Unicamp- Campinas. História, educação e Transformação: tendências e perspectivas, 2009. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/.../ErJB7MMF.doc>.

MENDONÇA, Ana Waleska P.C. A universidade no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd, n. 14, 2000. Disponível em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde14/rbde14_09_ana_waleska_p_c_mendonca.pdf>.

MOROSINI, Marilia Costa. O ensino superior no Brasil. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (Orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. v. III: Século XX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 30. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

SGUISSARDI, Valdemar. A universidade neoprofissional, heterônoma e competitiva. In: MANCEBO, Deise; FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Universidade: políticas, avaliação e trabalho docente. São Paulo: Cortez, 2004.

STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena C. Histórias e memórias da educação no Brasil. v.III: Século XX. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

Inês Regina Waitz

Possui graduação em Letras (1993) e mestrado em Teoria Literária (1997), ambos pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP. Também cursou Gestão Educacional, pós-graduação lato-sensu oferecido pelo Centro Universitário

Anhanguera, onde é professora titular. Também atua como supervisora de avaliação externa de instituições e de cursos. Tem experiência na área de Letras e Educação, com ênfase em Literatura, Ensino e Avaliação, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura, leitura, práticas educativas, avaliação do ensino superior.

Magda Patrícia Caldeira Arantes

Possui graduação em Engenharia Elétrica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1983), mestrado (1988) e doutorado (2003) em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia Elétrica e de Computação,

com ênfase em Teleinformática, atuando nos seguintes temas: simulação de sistemas, estrutura crossbar, qualidade de serviço, microcontroladores, microprogramação e encaminhamento de células. Possui também experiência na área de Educação, atuando principalmente nos temas: currículos (tecnologia, engenharia, computação e informática), avaliação de cursos, avaliação institucional e auto-avaliação. Atualmente é professora titular do Centro Universitário Anhanguera e Diretora de Avaliação Externa da Anhanguera Educacional.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 5, Ano 2009

Pedro Marques Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

Adriana Camargo Pereira Anhanguera Educacional S.A. [email protected]

MEIO AMBIENTE: PERSPECTIVA HISTÓRICO-POÉTICA1

RESUMO

O artigo discute a degradação ambiental, evidenciada por um número substancial de pesquisas cientificas e por vários órgãos de acompanhamento ecológico mundial, a partir de um recorte da história do Brasil e a exploração dos recursos naturais, na visão de alguns historiadores e poetas. O texto assume um discurso fragmentário, assim como nossos atuais ecossistemas, concatenando citações e comentários.

Palavras-Chave: meio ambiente; crise ecológica; poesia; história.

ABSTRACT

The article discusses the environmental degradation, evidenced by a substantial number of scientific researches and various organs of global environmental monitoring, from a cut in Brazil's history and exploitation of natural resources, in the view of some historians and poets. The text assumes a fragmentary speech, as well as our current ecosystems, concatenating quotes and comments.

Keywords: environment; ecological crisis; poetry; history.

1 Material da 2ª. aula da Disciplina Ética e Responsabilidade Socioambiental, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 22/08/2009 Avaliado em: 16/02/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. PARA COMEÇO DE CONVERSA

Embora a maioria das pessoas acredite que a crise ecológica seja algo de ocorrência

recente, o biólogo Fernando Fernandez2 defende a hipótese de que o homem já operava

como principal causa da onda de extinções ocorridas entre 50 mil e 500 anos atrás. O

homem intervém no meio ambiente negativamente há bastante tempo.

Alguns cientistas defendem a hipótese de que as extinções de mamutes na

Europa, bisões na América do Norte, preguiças gigantes na América do Sul, cangurus

gigantes e hipopótamos na Austrália, ocorreram em função das mudanças climáticas. Mas

Fernandez considera este ponto de vista inconsistente, visto que as extinções ocorreram

em épocas diferentes3, em lugares diferentes, e não sincronicamente, como deveria ser no

caso de extinção por glaciações. Na Nova Zelândia, há 900 anos atrás, as extinções, por

exemplo, coincidiram com a chegada dos colonizadores polinésios, chamados maoris, na

direção sul do arquipélago.

Quando os portugueses aportaram no que é hoje território brasileiro, a Mata

Atlântica “virgem” já era quase toda secundária e completamente perturbada (pelo menos

nas áreas mais planas) devido à agricultura de coivara4 praticada pelos índios. Para

compreender a evolução da degradação ambiental, evidenciada por um número

substancial de pesquisas cientificas e por vários órgãos de acompanhamento ecológico

mundial, propomos aqui um recorte da história do Brasil e a exploração dos recursos

naturais, na visão de alguns historiadores e poetas.

Trata-se de um texto polifônico, na medida em que as citações e nossos

comentários concatenam-se de maneira a compor um percurso fracionado, harmônico

apenas no todo. No fundo, assumimos um discurso fragmentário para, propositadamente,

simular e, a um só tempo, chamar a atenção para o estado alarmante de nossos

ecossistemas: no princípio vastos e coesos, agora espedaçados em ilhas pela ação humana

predatória. No século XVI, muitos julgavam ter achado aqui uma espécie de paraíso

terreal, dada a pujança da natureza e certa ingenuidade de seus habitantes. Daí para estas

terras se tornarem o paraíso dos recursos naturais, era uma questão de tempo e

exploração.

2 INSTITUTO ETHOS. Instituto Ethos Reflexão - Aprendendo a lição de Chaco Canyon: do "desenvolvimento sustentável" a uma vida saudável. Por Fernando Fernandez. São Paulo: Instituto Ethos, ano 6, no. 15, ago.2005. 3 Austrália – 46-47 mil a.a. (anos atrás); América do Norte – 13 mil a.a.; ilhas do Mediterrâneo e do Caribe – 3.000-4.000 a.a. ; Madagascar – 1000-2000 a.a; e Nova Zelândia – 900-600 a.a. 4 A roça de coivara, método criado pelos indígenas e adotado pelos primeiros colonizadores, implica a abertura de uma clareira na mata, com a derrubada da vegetação a posterior queima de pilhas de arbustos secos, cujas cinzas adubam a terra para o plantio.

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2. BRASIL COLÔNIA (1500-1822)

Se vos perguntam por que tantos riscos se correram, por que se afrontaram tantos perigos”, escreve o poeta de I-Juca-Pirama, “por que se subiram tantos montes, por que se exploraram tantos rios, por que se descobriram tantas terras, por que se avassalaram tantas tribos; dizei-o, e não mentireis: – foi por cobiça.” Cobiça insaciável, na loucura do enriquecimento rápido. (PRADO, 1997, p. 91)

A busca desenfreada pelo enriquecimento levou os portugueses, e não só eles

entre os povos europeus, a enxergar a América como fonte inesgotável de recursos

vegetais, animais, minerais e, depois, agrícolas. Veja-se o poema a seguir, em que o elogio

à terra brasileira está em franca sintonia com o projeto político-exploratório da metrópole,

que tratava a colônia, não por acaso, como Empresa Brasil, a ponto de batizá-la com o

nome da madeira que daqui extraia indiscriminadamente.

[...] Tenho explicitado as frutas e legumes, Que dão a Portugal muitos ciúmes; Tenho recopilado O que o Brasil contém para invejado, E para preferir a toda a terra, Em si perfeitos quatro AA encerra, Tem o primeiro A, nos arvoredos Sempre verdes aos olhos, sempre ledos; Tem o segundo A, nos ares puros Na tempérie agradáveis e seguros; Tem o terceiro A, nas águas frias, Que refrescam o peito, e são sadias; O quarto A, no açúcar deleitoso, Que é do Mundo o regalo mais mimoso. [...] (OLIVEIRA, 2001, p. 174-175) Considere o caso dos silvícolas sul-americanos habitantes da floresta tropical. Por um lado, a natureza pródiga e a ausência de fortes flutuações climáticas não os obrigam a tomar providências para a longa e árdua travessia do inverno [...] Por outro lado, contudo, o sucesso na atividade de caça, pesca e coleta da qual eles tiram o sustento diário depende da extensão e principalmente da densidade de animais e vegetais disponível para imediato consumo no território sob o domínio da tribo. (GIANNETTI, 2005, p. 217-218)

Em outro texto do período colonial, encena-se justamente a exploração predatória

do português, agora já bastante reforçada pelas mãos escravas. É absolutamente brutal o

contraste com a prática indígena, cuja essência, mesmo com todos os problemas, está mais

próxima ao que chamaríamos hoje de atitude ecologicamente-correta, ou sustentável.

[...] Ó grandes sempre, ó imortais Paulistas! Embora vós, Ninfas do Tejo, embora Cante do Lusitano a voz sonora Os claros feitos do seu grande Gama, Dos meus Paulistas louvarei a fama. Eles a fome e sede vão sofrendo, Rotos e nus os corpos vêm trazendo; Na enfermidade a cura lhes falece, E a miséria por tudo se conhece. Em seu zelo outro espírito não obra Mais que o amor do seu Rei: isto lhes sobra. Abertas as montanhas, rota a Serra, Vê converter-se em ouro a pátria terra;

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O Etíope co'os Índios misturado Eis obedece ao próvido mandado Dos bons Conquistadores: desde o fundo, De ouro e diamantes o país fecundo Produz as grandes, avultadas somas. [...] (COSTA, 2001, p. 258)

Mesmo diante da evidente e sensível exploração predatória, apontada pelos

historiadores e poetas, muitos ainda acreditam que temos em muitos lugares uma fauna e

flora em bom estado. Poucos conservam, no entanto, essa ilusão em relação à Mata

Atlântica, por exemplo, uma vez que sabemos que dela só restam 7%, e maior parte do

que subsiste não passa de pedaços espalhados da natureza original, pequenos trechos

totalmente perturbados.

3. BRASIL IMPÉRIO (1822-1889)

A economia brasileira [...] fundava e hauria suas forças [...] naquilo que constituía sua fraqueza orgânica, a grande lavoura produtora de gêneros de exportação. Se era nesta que se baseavam a riqueza e a produtividade nacionais, era ela também [...] a responsável pelas acanhadas perspectivas do país. Disfarçava-se [...] esta profunda contradição graças ao virtual monopólio, de que gozava o Brasil, da produção de um gênero cuja procura nos mercados internacionais não cessava de se expandir: o café. Alguns outros produtos da mesma categoria econômica reforçavam, embora em plano muito inferior e modesto, esta situação [...] (PRADO JR., 1982, p. 217)

Nação recém independente, um Brasil agrário elege como símbolo central a

natureza prodigiosa. Foi uma escolha política, ideológica e cultural. As elites orgulham-se

da terra, lançam o olhar contemplativo e idealizado sobre ela. Mal percebem os danos

econômicos, ambientais e sociais que a monocultura reservaria num futuro próximo.

Trabalhando pouco, usufruindo o luxo sustentado por uma grande massa escravizada,

romantizavam o país de dentro de suas casas-grandes e palacetes. Viviam “deitados em

berço esplêndido”, para não dizer em redes e esteiras, como iria patentear a letra do Hino

Nacional.

[...] O balanço da rede, o bom fogo Sob um teto de humilde sapé; A palestra, os lundus, a viola, O cigarro, a modinha, o café; Um robusto alazão, mais ligeiro Do que o vento que vem do sertão, Negras crinas, olhar de tormenta, Pés que apenas rastejam no chão; E depois um sorrir de roceira, Meigos gestos, requebros de amor, Seios nus, braços nus, tranças soltas, Moles falas, idade de flor; Beijos dados sem medo ao ar livre, Risos francos, alegres serões,

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Mil brinquedos no campo ao sol posto, Ao surgir da manhã mil canções: Eis a vida nas vastas planícies Ou nos montes da terra da Cruz: Sobre o solo só flores e glórias, Sob o céu só magia e só luz. Belos ermos, risonhos desertos, Livres serras, extensos marnéis, Onde muge o novilho anafado, Onde nitrem fogosos corcéis... [...] (VARELA, 2003, p. 149) O estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição. A indistinção fundamental entre as duas formas é prejuízo romântico que teve os seus adeptos mais entusiastas durante o século XIX. (HOLANDA, 1995, p. 141)

No Império, a maior parte da população começava cada vez mais a ocupar uma

faixa sócio-econômica entre senhores e escravos. O Estado vai sendo construído por

poucos e para poucos, sem priorizar as pessoas, as quais passam a estabelecer estruturas

sociais e de organização calcadas na família. A monocultura gera problemas de

esgotamento da terra, e no mais das vezes avança sobre pequenas propriedades de

culturas menores. O impacto dessa prática predatória pôde ser visto no Vale Paraíba, que

começa o século XX com o solo esgotado e com cidades não raro esvaziadas de gente. Ou

no Nordeste, como constatado a seguir.

[...] Bem a Joana me dizia Nas horas de privação: – Homem, faz um roçadinho, Planta arroz, planta feijão, Que esta vida de alugado Ao pobre não serve, não! [...] Duzentos passos de terra Arrendei para o roçado, E empurrei no mato a foice, E depois de broqueado, Fui à derruba e picá-lo Espanando o meu machado! [...] Seco o mato, fiz a cama E acabando de aceirá-lo, Pus-lhe fogo... que buraco! Não custou encoivará-lo! Fazia Joana as coivaras, E eu tratava de cercá-lo. [...] Vindo que fosse o inverno, Plantá-lo fomos um dia, As covas eu preparava, O resto Joana fazia, Punha a semente, e de terra Com seu pé a cova enchia. [...]

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Bom inverno! Em pouco tempo Meu legume vi nascer! Chamei Joana para vê-lo... Tudo então era prazer! Que alegria sente a gente Vendo o que planta crescer! [...] (GALENO, 1978, p. 100)

No mundo ocidental, pelo menos até o final do século XVIII, antes do início da

Revolução Industrial, a atividade exploratória dos recursos naturais mais expressiva

resumia-se, em grande parte, à devastação de florestas européias para a obtenção de

lenha, então o combustível por excelência.

Por volta de 1830, estima-se que a população mundial era de aproximadamente 1

bilhão de habitantes e apenas 2,5% destes habitavam aglomerados urbanos. De lá para cá,

o uso intensivo dos combustíveis fósseis, e o aumento da população impactaram

consideravelmente a pressão sobre os recursos naturais.

4. BRASIL REPÚBLICA (1889-)

Se o índice de urbanização pouco se alterou entre o fim do período colonial até o final do século XIX e cresceu menos de quatro pontos nos trinta anos entre 1890 e 1920 (passando de 6,8% a 10,7%), foram necessários apenas vinte anos, entre 1920 e 1940, para que essa taxa triplicasse, passando a 31,24%. A população concentrada em cidades passa de 4,552 milhões de pessoas em 1920 para 6 208 699 em 1940 [...] Nesse período, a população ocupada em serviços cresce mais depressa que o total da população economicamente ativa. (SANTOS, 2005, p. 25)

No Brasil de inícios do XX, a urbanização era talvez mais temida do que

comemorada. O progresso, estampado em nossa bandeira em certo sentido bastante

positivista, não era necessariamente visto como positivo, como o arauto de benesses para

o cidadão comum. Até os anos de 1940, uma parte substancial da literatura brasileira não

raro questiona a falta de qualidade de vida na cidade e, em alguns casos, até da

consumação exagerada dos recursos naturais. A seguir, nota-se que mesmo uma

urbanização ainda incipiente, anterior aos anos de 1910, já motivava apreensão.

[...] Com que magoado encanto, Com que triste saudade, Sobre mim atua Esta estranha feição das Árvores da Rua... E elas são, entretanto, A única ilusão rural de uma cidade. As Árvores urbanas São, em geral, conselheiras e frias, Sem as grandes expansões e as grandes alegrias Das provincianas. Não têm, sequer, os plácidos carinhos Dessas largas manhãs provinciais e enxutas; Nem a orquestra dos ninhos Nem a graça vegetal das frutas.

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Vivem tão sós e tão tristonhamente... É que lhes falta Céu sentimental e escampo E o doce afeto Da campônia gente. [...] (PEDERNEIRAS, 2004, p. 72) Em nossos dias, o principal problema brasileiro é atender essa imensa massa urbana que, não podendo ser exportada, como fez a Europa, deve ser reassentada aqui. Está se alcançando, afinal, a consciência de que não é mais possível deixar a população morrendo de fome e se trucidando na violência, nem a infância entregue ao vício e à delinqüência e à prostituição. O sentimento generalizado é de que precisamos tornar nossa sociedade responsável pelas crianças e anciãos. (RIBEIRO, 2006, p. 184)

Com a maioria dos brasileiros agora morando em cidades, a partir, sobretudo,

dos anos de 1960, a percepção sobre o país é bastante alterada. O orgulho pelas matas

infindáveis e pujantes do Brasil chega a desaparecer ou a parecer estranho. A própria

maneira de filtrar e refletir a realidade sente o impacto da urbanização mal calculada.

Em certos casos, como no poema abaixo, o trauma urbano chega à tamanha

desumanização do indivíduo que, mesmo consciente da insalubridade, ele prefere o vício

urbano, deflagrando um preocupante sintoma cujo final pode ser a inconsciência

ecológica, a omissão, a autodestruição. Gonçalves Dias, poeta maranhense do século XIX,

era só alegria com a natureza brasileira, que chega a Ferreira Gullar, maranhense do

século XX, já diminuída e temerosa.

Se disser que prefiro morar em Pirapemas ou em outra qualquer pequena cidade do país estou mentindo ainda que lá se possa de manhã lavar o rosto no orvalho e o pão preserve aquele branco sabor de alvorada Não não quero viver em Pirapemas Já me perdi Como tantos outros brasileiros me perdi, necessito deste rebuliço de gente pelas ruas e meu coração queima gasolina (da comum) como qualquer outro motor urbano A natureza me assusta. Com seus matos sombrios suas águas suas aves que são como aparições me assusta quase tanto quanto esse abismo de gases e de estrelas aberto sob minha cabeça. (GULLAR, 1980, p. 429)

A agenda ambiental vem conquistando importância crescente, nas últimas

décadas, no planejamento do desenvolvimento das pessoas, empresas e países. Em 1972, a

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, propôs,

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pela primeira vez, que as nações estabelecessem planos para equacionar os conflitos entre

as óticas e práticas de preservação ambiental e do desenvolvimento. Em 1987 o relatório

Nosso Futuro Comum, conhecido como Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre o

Meio Ambiente e o Desenvolvimento, lançou o conceito de desenvolvimento sustentável5.

Em 1989, outra resolução da ONU propôs a elaboração de estratégias para deter a

degradação ambiental e promover o desenvolvimento sustentável, induzindo à criação da

Agenda 21, um programa global aprovado em 1992, durante a Conferência sobre o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento do Rio de Janeiro, para ser implementado pelos países ao

longo do século XXI. A ONU também promoveu, em 2000, a Cúpula do Milênio, durante

a qual 191 países aprovaram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, as chamadas

Metas do Milênio, com o compromisso de cumpri-las até 2015. Uma delas — a sétima — é

garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente.

O Protocolo de Kyoto é um acordo internacional para reduzir as emissões de

gases-estufa dos países industrializados e para garantir um modelo de desenvolvimento

limpo aos países em desenvolvimento. O documento prevê que, entre 2008 e 2012, os

países desenvolvidos reduzam suas emissões em 5,2% em relação aos níveis medidos em

1990. O tratado foi estabelecido em 1997 na cidade de Kyoto, Japão, e assinado por 84

países. Destes, cerca de 30 já o transformaram em lei. O pacto entrará em vigor depois que

isso acontecer em pelo menos 55 países.

O acordo impõe níveis diferenciados de reduções para 38 dos países

considerados os principais emissores de dióxido de carbono e de outros cinco gases-

estufa. Para os países da União Européia, foi estabelecida a redução de 8% com relação às

emissões de gases em 1990. Para os Estados Unidos, a diminuição prevista foi de 7% e,

para o Japão, de 6%.

Para a China e os países em desenvolvimento, como o Brasil, Índia e México,

ainda não foram estabelecidos níveis de redução. Apesar de não serem obrigados a

cumprir metas de redução, esses países já respondem por quase 52% das emissões de CO²

mundiais e por 73% do aumento das emissões em 2004. Segundo a Agência de Avaliação

Ambiental da Holanda, em 2006, a China ultrapassou em 8% o volume de gás carbônico

emitido pelos EUA, tornando-se o maior emissor desse gás no mundo, sendo responsável,

sozinha, por quase um quarto do total mundial, mais do que toda a UE.

5 Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades.

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O Brasil é o quarto maior emissor de gases de efeito estufa (GEE), principalmente

por causa do desmatamento e das queimadas na Amazônia. Globalmente, a destruição

das florestas tropicais é responsável por 20% das emissões de GEE.

As florestas desempenham papel vital na estabilização do clima global,

armazenando grandes quantidades de carbono que, se liberadas, agravariam o

aquecimento global. Estima-se que entre 80-120 bilhões de toneladas de carbono estejam

alocados na Amazônia. Se destruída, a floresta liberaria o equivalente a 50 vezes as

emissões anuais de GEE dos Estados Unidos. Neste cenário crítico, aquilo que desde

sempre foi motivo de orgulho para os brasileiros, literalmente viraria fumaça.

REFERÊNCIAS

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Pedro Marques

Bacharel e Licenciado em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (2000). Mestre em Teoria e História Literária pela UNICAMP (2003). Doutor em Teoria e História Literária pela UNICAMP (2007). Atividades (palestras e mini-cursos) e publicações críticas

(artigos, ensaios e livros) voltadas, em geral, para a composição e apreciação de poesia. Foi professor do programa Teia do Saber, pela UNICAMP. Supervisor de Pós-Graduação na área de Educação e Humanas da Anhangüera Educacional, instituição na qual também leciona. Editor e colaborador das revistas de poesia Salamandra (2001), Camaleoa (2002) e Lagartixa (2003). Articula e contribui para o site de crítica de arte Crítica & Companhia. Colaborador do Palavra, caderno literário do Le Monde Diplomatique. Livros: Em Cena com o Absurdo (poesia, 1998), Antologia da Poesia Romântica Brasileira (crítica e organização, 2007), Antologia da Poesia Parnasiana Brasileira (crítica e organização, 2007), Olhos nos Olhos (poesia, 2008); Manuel Bandeira e a Música: com três poemas visitados (ensaio, 2008).

Adriana Camargo Pereira

Graduação em Comunicação Social Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1996) e mestrado em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Atualmente é coordenadora do Departamento de Extensão da

Anhnaguera Educacional. Tem experiência na área de Comunicação e Sustentabilidade, atuando principalmente nos seguintes temas: publicidade e propaganda, ensino superior e responsabilidade social.

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Inês Regina Waitz Centro Universitário Anhanguera unidade Pirassununga [email protected]

Magda Patrícia C. Arantes Centro Universitário Anhanguera unidade Leme [email protected]

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO SUPERIOR: O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO1

RESUMO

Este artigo apresenta a trajetória do ensino superior no Brasil no período iniciado após o “estado novo” até a década de 90, focalizando as principais políticas públicas adotadas nesse período. Assim, o trabalho resgata o processo de democratização do acesso ao ensino superior, a influência do Banco Mundial nesse processo e as mudanças ocorridas após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Palavras-Chave: ensino superior; políticas públicas; reformas; legislação.

ABSTRACT

This article presents the history of higher education in Brazil in the period beginning after the “new state” until the 90s, focusing on major public policies adopted during this period. Thus, the study review the process of democratizing access to higher education, the influence of the World Bank in this process and the changes following the adoption of the Law of Directives and Bases of Education.

Keywords: higher education; public policies; reforms; legislation.

1 Material da 2ª. aula da Disciplina Legislação e Políticas do Ensino Superior, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Didática e Metodologia do Ensino Superior – Programa Permanente de Capacitação Docente. Valinhos, SP: Anhanguera Educacional, 2009.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

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Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Informe Técnico Recebido em: 22/08/2009 Avaliado em: 01/02/2010

Publicação: 21 de abril de 2010

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1. INTRODUÇÃO

Em decorrência da industrialização e urbanização, surge, na década de 30, pela primeira

vez no Brasil uma ação planejada visando à organização nacional da educação. As

Reformas Educacionais, surgidas na década de 30, como a do “Manifesto aos pioneiros da

Educação Nova”, iniciaram uma luta ideológica que culminou em um projeto de Lei das

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1948. Conhecer as medidas educacionais

adotadas desde o início do século é fundamental para a compreensão da estrutura que se

tem nos dias atuais.

Com relação ao ensino superior, destacamos a reforma assinada de Francisco

Campos, titular dos Ministérios da Educação e Saúde, representada no Estatuto das

Universidades Brasileiras (11/04/1931), que tem como modelo a Universidade do Rio de

Janeiro. São as primeiras diretrizes direcionadas à educação superior que abrem as

perspectivas para se pensar em Universidade no Brasil2. Merece destaque nesse período,

pelo grau de diferenciação, a Universidade de São Paulo, criada em 1934; a Universidade

do Distrito Federal, de estrutura arrojada, criada, em 1935, por Anísio Teixeira, Secretário

da Educação, mas que teve curta duração, já que foi extinta, em 1939, ao incorporar-se à

Universidade do Brasil.

Devido ao processo de industrialização, o ensino profissionalizante foi foco dos

governantes nesse período. A partir das “Leis Orgânicas” de Gustavo Capanema,

ministro do Estado Novo, cria-se o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)

e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Nessa época, também é

regulamentado o curso de formação de professores, com diretrizes nacionais, trazendo

consigo certo otimismo referente à valorização da carreira docente, que de fato não se

concretiza.

Após 1945, a legislação universitária reflete o processo de redemocratização do

país, apesar de a organização do país permanecer a mesma: ensino médio dividido em

ensino propedêutico (para as elites) e ensino profissional (para a classe trabalhadora).

Dessa forma, de maneira discriminatória, já se definia quem seria conduzido ao ensino

superior.

Nesse trabalho, busca-se olhar a trajetória do ensino superior, a partir da época

denominada pós “estado novo” até a década de 90, apontando as principais políticas

públicas adotadas. Esse resgate proporcionará uma reflexão sobre o processo de

2 O Decreto 19.850 cria o Conselho Nacional de Educação, o Decreto 19.851 contém normas gerais para a organização das universidades, e o Decreto 19.852 legisla especificamente para a Universidade do Rio de janeiro.

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democratização do acesso ao ensino superior, a influência do Banco Mundial nesse

processo, e as mudanças ocorridas após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação.

2. O CAMINHO PERCORRIDO ATÉ A DEMOCRATIZAÇÃO PÓS-VARGAS

Segundo Guiraldelli Junior (2008), o período que se seguiu ao “Estado Novo” conviveu

com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e com certa organização do ensino

herdada pelo autoritarismo deixado pelo regime ditatorial de Vargas.

O período que se inicia em 1945 reflete o clima de afirmação democrática que

invadiu o mundo no ambiente do pós- guerra. Nesse contexto, a Constituição de 1946,

promulgada durante o governo Dutra, possuía os ideais de igualdade, liberdade e

solidariedade e proclamava a educação como direito de todos, além de dar competência à

União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Porém, a organização

educacional permaneceu a mesma e a legislação manteve o capítulo da educação e da

cultura referido na Constituição de 1934:

• ensino primário para todos e gratuito nas escolas públicas;

• obrigatoriedade de oferta do ensino primário gratuito por parte de empresas com mais de cem empregados;

• ingresso no magistério através de concurso de provas e títulos;

• responsabilidade educativa compartilhada pela família e pela escola, podendo haver oferta pública e privada em todos os níveis de ensino;

• oferta obrigatória de ensino religioso, embora fosse facultativa para os alunos.

Tal conjuntura propiciou a mudança nos canais de ascensão social. Até a década

de 1950, a ascensão ocorria através da “reprodução do pequeno capital” e/ou abertura de

um negócio. Após essa data, abrem-se canais no “topo das burocracias públicas e

privadas”, onde diplomas escolares passam a constituir critério para a posse do cargo.

Assim, segundo Stephanou e Bastos (2006, p. 312), os cursos superiores passam a ser

buscados como estratégia de ascensão social.

Nessa época ocorre a federalização de muitas universidades estaduais, com

exceção da USP, que permanece estadual. A “federalização” foi responsável pela

ampliação do ensino superior gratuito e pela criação das universidades federais que hoje

existem no país. Inclusive no segmento militar, com a criação do Instituto Tecnológico de

Aeronáutica (ITA) em 1947, que significou uma inovação acadêmica, seguindo os padrões

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dos EUA. O modelo do ITA influenciou na modernização do ensino superior no Brasil,

principalmente na criação da Universidade de Brasília.

Também merecem destaque: a Universidade Católica do Rio Grande do Sul

(1948), que após dois anos passa a chamar-se Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul, que, segundo Morosini (2005), foi a primeira universidade marista3 no

mundo; e a Universidade de Brasília (UnB)4 que concretiza o projeto de universidade

como instituição de pesquisa e centro cultural, concebido por Darcy Ribeiro e sintetizado

em seu livro Universidade necessária. Essa última seria uma universidade que objetivava

manter junto ao humanismo e a livre criação cultural a ciência e a tecnologia modernas e

manter junto ao governo uma reserva de especialistas altamente qualificados. A

Universidade de Brasília foi criada com o intuito de atender à necessidade de formar para

burocracia governamental de especialistas bem qualificados, além de servir como modelo,

abrangendo mais áreas do conhecimento que pudessem influenciar nos rumos das

universidades do país.

Devido à necessidade de modernização das universidades e o estímulo à

formação do docente-pesquisador foram criadas neste período: a Sociedade Brasileira

para o Progresso da Ciência (SBPC) e as agências governamentais Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (Capes).

Com a volta de Getúlio ao poder (1950-1954), dá-se a federalização de muitas

universidades estaduais, medida adotada para que o Conselho Federal de educação

exercesse maior controle sobre as instituições. Outras medidas foram adotadas para a

equivalência dos cursos profissionais a secundário, para que fosse possível a progressão

no sistema educacional, sendo tais medidas ampliadas na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB) de 1961. Tais medidas foram adotadas devido ao número de

trabalhadores que aumentava consideravelmente, porém sem qualificação.

Contudo, o período foi promissor para a expansão do ensino médio e,

consequentemente, o aumento de demanda pelo ensino superior.

3 Religioso da Congregação dos Maristas, consagrada ao ensino, e fundada, em 1817, por Marcellin Champagnat (1789-1840), eclesiástico francês. 4 Conforme Sguissardi (2004) a busca de um modelo integrado que garantisse a associação do ensino com a pesquisa e uma coordenação das atividades de todas as unidades básicas e profissionais, ante o fracasso ou decadência do experimento da USP, retomou fôlego com a criação da Universidade de Brasília – UnB –, por iniciativa de Darcy Ribeiro. Anísio Teixeira saudou-a como uma verdadeira “estrutura integrada”, “inovações em início de implantação”, quando a experiência até então, segundo ele, era “a da escola superior independente e auto-suficiente, governada pela oligarquia de professores e de tempo parcial”.

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3. A DITADURA MILITAR

Desde a redemocratização do país em 1946 é retomada a luta dos “pioneiros da educação

nova”. Em 1948 é apresentado pelo ministro Clemente Mariani um anteprojeto da LDB à

Câmara dos Deputados que segundo Hilsdorf (2002, p.110) era de orientação liberal e

descentralizadora. Por ter sofrido grande oposição, liderada por Gustavo Capanema, que

defendia o controle da educação pela União, o projeto foi “engavetado” e só retomado em

meados da década seguinte com a apresentação de substitutivos por Carlos Lacerda, sob

orientação privatista. O processo de aprovação desta Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBEN) foi longo e conflituoso, só sendo aprovada (Lei nº. 4.024), em

20 de Dezembro de 1961.

A LDBEN, em linhas gerais, não alterou as disposições relativas às questões do

ensino vigentes. Restringiu-se a delimitar que a fixação dos currículos mínimos e a

duração dos cursos caberiam ao Conselho Federal de Educação – CFE. Assim, a

autonomia obtida pelas Universidades foi limitada pelas atribuições do CFE, que tinha

poder muito grande, decidindo sobre o funcionamento das instituições de ensino

superior, públicas ou privadas e sobre o reconhecimento das universidades, podendo,

inclusive, nestas intervir.

Porém, a LDBEN de 1961 delegou às universidades a normalização sobre

concursos, distribuição dos docentes segundo o tipo de disciplinas e cursos a serem

atendidos, pois entendia que caberia aos estatutos destas universidades desenvolver o

assunto, atendendo às peculiaridades de cada órgão.

Ressalta-se que a política educacional superior constituiu o período de 1945-64

como uma fase de construção do próximo período, que se instaura com a reforma

universitária de 1968. Neste período, atuaram educadores do porte de Anísio Teixeira,

Fernando Azevedo, Lourenço Filho, Carneiro Leão, Paulo Freire, entre outros que

deixaram seus nomes na história da educação por suas realizações.

Com o Golpe militar de 1964, muitos educadores passaram a ser perseguidos em

função de posicionamentos ideológicos. Todas as iniciativas do período anterior foram

desativadas. O Decreto-Lei 477 calou professores e alunos e a bandeira da Reforma

Universitária, defendida pelo Movimento Estudantil foi incorporada pelo Estado, mas de

maneira desvirtuada.

A Ditadura Militar durou 21 anos, do golpe que depôs João Goulart (Jango), de

31 de março de 1964, à eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney, em janeiro de

1985. Em termos educacionais, o período foi marcado pela repressão, privatização do

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ensino, exclusão dos setores mais pobres do ensino elementar de boa qualidade,

institucionalização do ensino profissionalizante na rede pública regular (sem qualquer

arranjo prévio para tal), divulgação de uma pedagogia calcada em técnicas e tentativas

variadas de desmobilização do magistério através de abundante e confusa legislação

educacional. (MELO; SANTOS; ANDRADE, 2009, p.18-19).

A Lei nº. 5.540/68, “Lei da Reforma Universitária”, baseada nos estudos do

Relatório Atcon (Rudolph Atcon, teórico norte-americano) e no Relatório Meira Matos

(coronel da escola superior de Guerra), foi aprovada de cima para baixo. Segundo Aranha

(1996, p.214), essa reforma acabou com a cátedra5, unificou o vestibular que passou a ser

classificatório, aglutinou as faculdades em universidade (para obter uma maior

produtividade com a concentração de recursos), criou o sistema de créditos, permitindo a

matrícula por disciplina, além de, a nomeação dos reitores e diretores de unidade (esta

agora dividida em departamentos) dispensar a necessidade de ser do corpo docente da

universidade, podendo ser qualquer pessoa de prestígio da vida pública ou empresarial.

A reforma também fragmenta as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras,

resultando na criação das Faculdades ou Centros de Educação, estruturando as

universidades brasileiras em quatro modelos básicos: a) a agregação dos departamentos

em alguns poucos centros; b) a reunião dos departamentos em número maior de

institutos, faculdades ou escolas; c) a ligação dos departamentos diretamente à

administração superior, sem instâncias intermediárias; e d) a superposição dos centros às

faculdades, aos institutos e às escolas. (CUNHA, 2000, p. 182)

As mudanças no ensino superior brasileiro foram muitas e rápidas nos anos 60,

influindo até na localização geográfica das instituições. Enquanto as faculdades públicas,

situadas nos pontos centrais das cidades, foram transferidas para os campi no subúrbio –

com o intuito de apaziguar a militância política dos estudantes; as faculdades particulares

faziam exatamente o inverso. Porém, mesmo com tantas mudanças no ensino superior

brasileiro na década de 60, persiste a seletividade, em decorrência da dualidade do

ensino, onde a elite bem preparada ocupa as vagas nas melhores universidades, restando

às faculdades privadas de baixo nível para os mais pobres.

Dessa forma, a política educacional dos governos militares permitiu a criação dos

Departamentos Universitários e, sobretudo, a criação de uma “Universidade Aberta”.

Preservam-se as poucas e boas Universidades Públicas e escancarava outras instituições

de categoria inferior para a massa estudantil. Os diplomas de ensino superior eram

5 Cargo de professor universitário, titular em determinada disciplina.

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atribuídos, muitas vezes, apenas para “cicatrizar” a dolorosa ferida de uma sociedade

desigual.

Na fase de redemocratização da sociedade brasileira, a modernização do ensino

superior já se processava, modernização essa que foi desvendada pós-68 e se caracteriza

pela busca da formação da força de trabalho de nível universitário com vistas a, de um

lado, atender o capital monopolista e, por outro lado, aplacar os anseios de uma

mobilidade social das camadas médias.

Em maio de 1971, na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, o

Ministro Jarbas Passarinho, do Ministério da Educação e Cultura, convida um grupo

representante de diferentes estâncias educacionais de todo o Brasil a participar do “Curso

de Especialização sobre o ensino de 1º e 2º graus”. A finalidade foi elaborar o ante-projeto

da lei de reforma do ensino, a qual redundou na Lei 5.692/71, também conhecida como

“Reforma Passarinho” – vista como a segunda LDB do Brasil. Essa Lei regulamenta o

ensino de primeiro e segundo graus, que, entre outras determinações, amplia a

obrigatoriedade escolar de quatro anos para oito anos, aglutina o antigo primário com o

ginasial, suprimindo o exame de admissão e criando a escola profissionalizante.

Assim, pode-se dizer que na ditadura militar a educação sofreu duas grandes

reformas, em 1968 e 1971, precedidas por alguns acordos MEC-Usaid (Ministério da

Educação e Cultura e United States Agency for International Development) pelo qual o Brasil

receberia apoio técnico e financeiro para implementar as reformas, atrelando o sistema

educacional brasileiro ao modelo econômico estabelecido pelos americanos.

Assim, os dispositivos legais instaurados pelos militares buscaram por um lado a

continuidade de um processo de modernização do ensino superior calcado na

“racionalidade e eficiência” capitalista e, por outro, manter o controle autoritário das

universidades como forma de resguardar essa tendência modernizante. Jacob (1997)

ressalta que através de decretos, as universidades têm seus estatutos modificados e são

reestruturadas, seguindo o modelo empresarial taylorista, cujas principais finalidades

deveriam ser o rendimento e a eficácia. Foi imposta uma legislação ditatorial que golpeou

os direitos fundamentais da população e instituiu a repressão, usando o aparato policial

militar.

Outro grande impacto para educação em decorrência do Golpe, foi a

reestruturação da representação estudantil, com a “extinção” da UNE, evitando a

organização dos estudantes nacionalmente, “permitindo” a atuação dos Diretórios

Acadêmicos (DA’s) e dos Diretórios Centrais dos Estudantes (DCE’s), mas só no âmbito

dos curso e das universidades, respectivamente, sem exercerem ação política, tidas como

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subversivas. Ainda para manter sobre controle a juventude brasileira são instituídas,

segundo Aranha (1996, p. 211), disciplinas de caráter ideológico e manipulador, no caso

do ensino superior a disciplina EPB (Estudos de Problemas Brasileiros).

Conforme assinala Guazzelli (2004) os governos militares que se instalaram nos

anos de 1960 e 1970 se constituíram na única solução possível para as classes dominantes

da América Latina e para o imperialismo norte-americano. As burguesias renunciaram a

projetos próprios de capitalismo e se conformaram com a posição de sócios menores do

imperialismo. As novas condições ditadas pelo capitalismo internacional não admitiam

concessões e atos de rebeldia. Nesse sentido, optou-se por uma orientação econômica de

acordo com os interesses do capital monopólico norte-americano, sendo que os regimes

militares que se instalaram tiveram alguns compromissos básicos: desnacionalização da

economia; desmantelamento do capitalismo de Estado; acentuada redução das obrigações

do Estado quanto ao bem-estar social; promoção da concentração de capital; orientação

pró-monopólica do setor agrário; e a pauperização da classe operária. Essas mediadas,

guardadas as peculiaridades de cada caso, caracterizaram a nova etapa do capitalismo

latino-americano.

Nota-se que a partir desta década houve um processo de privatização do ensino

no país, caracterizando a educação enquanto um grande negócio, desresponsabilizando o

Estado de seu dever, destinando verba pública para a iniciativa privada. Tal

posicionamento tem continuidade nas décadas seguintes.

4. A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR E A INFLUÊNCIA DE CAPITAL ESTRANGEIRO

A ditadura chega ao fim em 1985, mas deixa como legado as condições materiais e

ideológicas necessárias para a continuidade e aprofundamento de nossa inserção

subordinada e dependente no capitalismo internacional em todas as esferas, inclusive a

educação em todos os seus níveis, entre eles o superior. Por outro lado, nunca na história

do país foram abertas tantas universidades particulares como nos anos 80 e 90. Expansão

impulsionada pelas políticas de isenção fiscal para os empresários da educação.

É nesse contexto que nasce a Constituição de 1988, promulgada no dia 5 de

outubro, durante o governo do então presidente José Sarney. A sétima Constituição

adotada no país6, chamada de “Cidadã” por Ulysses Guimarães, assegurou garantias

sociais, como a responsabilidade dos agentes públicos por má administração,

6 As anteriores são as de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967.

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preocupação com direitos individuais, garantia de saúde e de seguridade social a todos os

brasileiros, igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, liberdade de

aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, valorização do

ensino e garantia do padrão de qualidade.

Essa Constituição, por sua natureza, exigiu uma nova lei para a educação, de

autoria do Senador Darcy Ribeiro, com a colaboração do Senador Marco Maciel, dando

origem ao projeto da atual LDB nº 9.394/96. Essa Lei, considerada uma revolução na

educação brasileira, após 25 anos de vigência da 5.692/71, busca o pleno desenvolvimento

da pessoa humana e visa a mobilizar toda a sociedade brasileira acompanhada de uma

clara vontade política de mudar. Na discussão do projeto de lei no Senado, até chegar aos

91 artigos aprovados, defendeu-se ardorosamente o fortalecimento da descentralização e a

democratização do espaço escolar.

O Quadro 1 apresenta, de forma esquematizada, a organização do ensino nas

disposições das outras leis de diretrizes e bases da educação nacional.

Quadro 1 – Leis da educação nacional.

Lei 4.024/61 Duração Lei 5.692/71 Duração Lei 9.394/96 Duração

• Ensino Primário 4 anos

• Ciclo Ginasial do Ensino Médio

4 anos

• Ensino de Primeiro Grau

8 anos

• Ciclo Colegial do Ensino Médio

4 anos • Ensino de Segundo Grau

3 a 4 anos

• Educação Básica:

- Educação Infantil

- Ensino Fundamental

- Ensino Médio

Variável

9 anos7

3 anos

• Ensino Superior Variável • Ensino Superior Variável • Educação Superior Variável

Obs.: Obs.: Obs.: A passagem do Primário para o Ginasial era feita através de uma prova de acesso: o Exame de Admissão. Os ciclos Ginasial e Colegial eram divididos em Ramos de Ensino, a saber: Secundário, Comercial, Industrial, Agrícola, Norma e outros.

Com a junção dos antigos Primário e Ginasial, desapareceu o Exame de Admissão. A duração normal do 2º grau era de 3 anos. Ultrapassava, no entanto, este limite quando se tratava de Curso Profissionalizante. O Ensino de 1º grau e 2º grau tinham uma carga horária mínima anual de 720 horas e o ano letivo a duração mínima de 180 dias.

Os níveis da educação Escolar passam a ser dois: educação básica e educação superior. A educação de jovens e adultos, a educação profissional e a educação especial são modalidades de educação. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, passam a ter a carga horária mínima de 800 horas anuais, distribuídas em 200 dias letivos anuais, no mínimo.

7 A Lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei no 9.394, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade.

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Na perspectiva de implementar tais ajustes proposto pela nova LDB, o então

Ministro da Educação do Governo de FHC, Paulo Renato de Souza, pronunciou-se no ano

de 1996, sobre os três pilares de sua política para reforma Universitária, que trazem em si

as recomendações do Banco Mundial8, sendo eles: 1) Avaliação Institucional e Exame

Nacional de Cursos (Provão); 2) Autonomia Universitária; e 3) Melhoria do Ensino,

através do Programa de Gratificação e estímulo à Docência/GED). Pilares estes que

apontam para a consolidação do projeto neoliberal que tem a sua maior expressão nas

propostas apresentadas para “autonomia universitária”, que em resumo consolidam a

intenção de privatização da universidade pública brasileira, descomprometendo o Estado

com o seu financiamento.

Portanto, há de se perceber que o projeto de reforma do estado brasileiro faz

parte de um projeto mundial do neoliberalismo9, que pretende introduzir nas funções

públicas os valores e critérios do mercado, disseminando a idéia de que todos devem

pagar pelo que recebem. Por outro lado, através dessas reformas, o ensino superior ficou

mais acessível à população como um todo, amenizando a elitização que percorreu toda a

história da educação neste país.

5. COMO O BANCO MUNDIAL FEZ PARTE DAS REFORMAS EDUCACIONAIS

Criado em 1944, o grupo Banco Mundial, composto por vários organismos (BIRD, FMI e

outros), com vários países-membros, cuja participação nas votações é proporcional ao

aporte de capital, tinha como objetivo realizar empréstimos financeiros aos países em

desenvolvimento para reconstruir as economias devastadas pela guerra e financiar

empresas do setor privado.

Da década de 50 ao início dos anos 70, com o agravamento da dívida dos países

de terceiro mundo, houve um redirecionamento nas políticas do Banco, tendo-se voltado

às políticas de industrialização desses países, a fim de inseri-los no sistema comercial

internacional, com a tese de que a pobreza desapareceria com o crescimento econômico.

Na prática não aconteceu, houve na verdade um maior distanciamento entre países ricos e

pobres, e um aumento das desigualdades sociais, pois os lucros dos investimentos

ficavam concentrados nas mãos de uma minoria. O endividamento dos países do terceiro

mundo cresceu. Com isso, o BM assumiu, junto ao FMI, papel central na renegociação e

8 Os cinco países que definem as políticas do Banco Mundial são: EUA, Japão, Alemanha, França e Reino Unido. Os EUA ocupam a presidência e possuem a maior parte dos recursos do Banco (SHIROMA et al., 2002) 9 Em geral, refere-se ao conjunto de idéias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia. De acordo com esta doutrina, deve haver total liberdade de comércio (livre mercado), pois este princípio garante o crescimento econômico e o desenvolvimento social do país.

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garantia dos pagamentos das dívidas externas, passando a impor condições para obtenção

de novos financiamentos.

As condições impostas para novos financiamentos referiam-se tanto aos projetos

financiados especificamente, quanto a programas de ajuste estrutural, atingindo as

políticas internas dos países, provocando, inclusive, mudanças nas suas legislações. Daí

decorre as muitas mudanças no sistema educacional brasileiro, influenciadas pelo Banco

Mundial.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/1996), em 1996, depois de oito anos

de intenso debate, constituiu-se em um marco histórico importante na educação brasileira,

uma vez que reestruturou a educação escolar, reformulando os diferentes níveis e

modalidades da educação. Além disso, desencadeou um processo de implementação de

políticas e ações educacionais e de ampliação dos mecanismos de acesso aos cursos de

nível superior. Nesse contexto, criou os chamados cursos seqüenciais e os centros

universitários; instituiu a figura das universidades especializadas por campo do saber;

implantou Centros de Educação Tecnológica; substituiu o vestibular por processos

seletivos; flexibilizou os currículos; criou os cursos de tecnologia e os institutos superiores

de educação, entre outras alterações.

Passados dez anos de sua aprovação, a LDB ainda tem enormes desafios para

vencer, entre os quais se pode destacar: a ampliação do acesso e da garantia da

permanência dos estudantes na educação superior e o estabelecimento de mecanismos

efetivos de aferição e controle da qualidade. Porém, embora complementada por

diferentes mecanismos legais (leis, decretos, portarias, resoluções, pareceres), a LDB deve

ser tomada como um marco importante na configuração da educação brasileira.

Nesse sentido, falar sobre a democratização do acesso e a inclusão na educação

superior implica em estabelecer políticas que beneficiam variados atores sociais. A LDB

confirmou tendência de reforço à autonomia das universidades no tocante às formas de

acesso dos concluintes do ensino médio aos cursos superiores. Com essa autonomia,

observa-se que o processo de diversificação dos modelos de seleção nas IES intensifica-se;

entretanto, isso não significa o fim do processo de elitização e de seletividade social.10

10 Segundo dados do INEP, atualmente existem distintas formas de ingresso nas IES. Entre elas destacam-se: vestibular; Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM); avaliação seriada no ensino médio; teste/prova/avaliação de conhecimentos; avaliação de dados pessoais/profissionais; entrevista e exame curricular/do histórico escolar. (http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/formas_acesso.stm).

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 5, Ano 2009 • p. 251-264

O que se verifica, portanto, é que a democratização do acesso ao ensino superior,

ocorrida na última década, se deu essencialmente por meio do setor privado. Apesar de os

números parecerem expressivos, a universidade pública está distante de alcançar o

estágio de democratização do acesso no Brasil. Os matriculados em IES públicas são

poucos diante dos números totais da população, sua diversidade cultural e fortes

desigualdades sociais. Esse fato pode justificar as políticas direcionadas para os

segmentos menos favorecidos da sociedade e, sobretudo, para negros, índios e estudantes

provenientes das escolas públicas.

Desse modo, uma questão continua posta, apesar da autonomia de seleção e da

expansão da oferta: como tornar mais democrático o acesso e a permanência na educação

superior?

Em uma sociedade marcada pela heterogeneidade cultural e pela diferença de

classes, o que prevalece é a competição livre e aberta entre os desiguais. Nesse sentido, a

LDB não ocasionou qualquer ruptura com o padrão de seleção instituído que privilegia os

candidatos com maior capital econômico e cultural. A seleção continua baseada nas

aptidões e capacidades naturais que, historicamente, tem assegurado que a educação

superior, sobretudo os cursos de maior prestígio social, seja destinada a uma elite

econômica e culturalmente privilegiada.

É preciso reconhecer que a elevação da qualificação geral da população brasileira

constitui-se em aspecto essencial em uma sociedade e em uma economia baseada cada vez

mais na educação e no conhecimento. Por um lado, portanto, há o desafio de atender a

demandas econômicas e sociais heterogêneas por educação superior; de outro, a

necessidade de ampliar significativamente a produção de conhecimento que contribua

para o bem-estar coletivo e para a construção da sociedade futura.

Assim, as perspectivas de universalização da educação superior no Brasil

implicam, no momento, entre outros fatores, na retomada da discussão sobre a melhoria

da qualidade do ensino principalmente na educação básica, para consequentemente

melhorar a educação superior. Depois de alguns anos de aprovação da LDB (Lei nº

9.394/96), observa-se que ainda são enormes os desafios para uma efetiva democratização

da educação escolar no Brasil, incluindo a educação básica (educação infantil, ensino

fundamental e ensino médio) e a educação superior.

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Inês Regina Waitz

Possui graduação em Letras (1993) e mestrado em Teoria Literária (1997), ambos pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP. Também cursou Gestão Educacional, pós-graduação lato-sensu oferecido pelo Centro Universitário

Anhanguera, onde é professora titular. Também atua como supervisora de avaliação externa de instituições e de cursos. Tem experiência na área de Letras e Educação, com ênfase em Literatura, Ensino e Avaliação, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura, leitura, práticas educativas, avaliação do ensino superior.

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Magda Patrícia Caldeira Arantes

Possui graduação em Engenharia Elétrica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1983), mestrado (1988) e doutorado (2003) em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia Elétrica e de Computação,

com ênfase em Teleinformática, atuando nos seguintes temas: simulação de sistemas, estrutura crossbar, qualidade de serviço, microcontroladores, microprogramação e encaminhamento de células. Possui também experiência na área de Educação, atuando principalmente nos temas: currículos (tecnologia, engenharia, computação e informática), avaliação de cursos, avaliação institucional e auto-avaliação. Atualmente é professora titular do Centro Universitário Anhanguera e Diretora de Avaliação Externa da Anhanguera Educacional.

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