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Ao CNPq Relatório Final O Conceito de Modernidade e a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro Ana Maria Tavares Cavalcanti Bolsista CNPq RD-2F CPF: 993.666.577 – 53 Processo: 300968/99-0 Bolsa: 01/00 – 06/01 Rua Felipe de Oliveira, 40 / 1102 Copacabana 22011-030 Rio de Janeiro RJ tel: (21) 275 6718 e-mail: [email protected]

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Ao CNPq

Relatório Final

O Conceito de Modernidade e a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro

Ana Maria Tavares Cavalcanti

Bolsista CNPq RD-2F CPF: 993.666.577 – 53 Processo: 300968/99-0 Bolsa: 01/00 – 06/01

Rua Felipe de Oliveira, 40 / 1102 Copacabana 22011-030 Rio de Janeiro RJ

tel: (21) 275 6718 e-mail: [email protected]

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RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDASEM PESQUISA E ENSINOE PLANO DE TRABALHO

ÍNDICE

I – RELATÓRIO DE ATIVIDADE DOCENTE......................................................................... 3II - RELATÓRIO DE PESQUISA............................................................................................... 4

1 - O período estudado - a agitação do meio artístico carioca durante os últimos anos da Academia Imperial de Belas Artes.....................................................................................5

1.1– Os Acontecimentos .........................................................................................................71.1.1 – Os professores da Academia e os projetos de reforma ............................................. 101.1.2 – Ataques a Rodolpho Amoêdo e Rodolpho Bernardelli............................................. 131.1.3 – Os artigos de Pardal Mallet na Gazeta de Notícias....................................................171.1.4 – Os acontecimentos dia a dia – retificações e interpretações......................................322 - Conclusão e questões em aberto.......................................................................................412.1 - A denominação de « Modernos »..................................................................................432.2 - A relação da produção brasileira com a arte européia...................................................442.3 - Os artigos na imprensa e a crítica aos métodos acadêmicos......................................... 452.4 - O ensino da pintura de paisagem...................................................................................452.5 - As obras dos ‘estudantes revolucionários’ de 1890 ..................................................... 473 - Bibliografia.......................................................................................................................47

Anexo 1 - Fichamentos...............................................................................................................55Atas das sessões do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro de 5

de junho a 10 de Novembro de 1890............................................................................... 56O Paiz – 19 de janeiro de 1885 a 14 de Dezembro de 1890..................................................65

Impressões do Brasil.........................................................................................................69Artes e Artistas................................................................................................................. 72Exposição de Belas Artes................................................................................................. 72Artes e Artistas................................................................................................................. 73Salão do Paiz.................................................................................................................... 74Diversões.......................................................................................................................... 74Seção Livre.......................................................................................................................74Moema..............................................................................................................................78Diversões.......................................................................................................................... 79Belas Artes........................................................................................................................84Artes e Artistas................................................................................................................. 97Sete Dias...........................................................................................................................98

Gazeta de Notícias – 16 de março a 14 de julho de 1890 .....................................................99Parreiras..........................................................................................................................120Antonio Parreiras............................................................................................................144Belas Artes......................................................................................................................144Belas Artes......................................................................................................................145Belas Artes......................................................................................................................145

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I – RELATÓRIO DE ATIVIDADE DOCENTE

Como bolsista recém-doutora do CNPq, coloquei-me à disposição da Escola de Belas

Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro para assumir o ensino das disciplinas que me

fossem propostas e as atividades docentes correspondentes.

Logo no primeiro semestre de vigência da bolsa, foi-me solicitado oferecer uma disciplina

para o Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. Ofereci, no primeiro semestre de 2000, a

disciplina “História e Crítica da Arte no Brasil do século XIX – I”, da qual fiz a ementa e o

programa. No segundo semestre de 2000, ofereci a continuação da mesma disciplina - “História

e Crítica da Arte no Brasil do século XIX – II”. No primeiro semestre de 2001, último período da

bolsa, foi-me solicitado assumir a disciplina de “Metodologia da Pesquisa” na Pós-Graduação, ao

invés da “História e Crítica da Arte no Brasil do século XIX – I”. A professora Sônia Gomes

Pereira, especialista em século XIX, estava de volta após um período de pós-doutorado em Paris.

Além disso, uma série de acontecimentos tristes e imprevistos (falecimento de um dos

professores, grave doença de outros dois) havia deixado a disciplina “Metodologia da Pesquisa”

sem professor.

Para a graduação da Escola de Belas Artes, foi-me solicitado assumir o ensino da

disciplina “História da Arte II”, o que fiz desde o primeiro semestre de 2000 até o primeiro

semestre de 2001.

Envio em anexo as ementas e programas das respectivas disciplinas.

As experiências de atividade docente junto aos alunos de graduação e de pós-graduação

foram muito positivas, e muito diversas. As turmas de graduação são numerosas, possuem mais

de cinqüenta alunos. As turmas da pós são pouco numerosas. No primeiro semestre de 2000

contei com sete alunos: seis do Programa de Pós-Graduação da EBA, e uma aluna doutoranda da

PUC-Rio que realizou uma das disciplinas na EBA/UFRJ, a minha disciplina. No segundo

semestre de 2000, tive onze alunos na Pós-Graduação. Meu trabalho teve boa aceitação por parte

dos alunos, alguns dos quais me procuraram para orientá-los em seus trabalhos de pesquisa. No

primeiro semestre de 2001, quando assumi a disciplina de Metodologia da Pesquisa, tive vinte e

um alunos.

As aulas no Programa de Pós-Graduação permitiram uma grande troca de informações e

idéias, pois os alunos são muito interessados e motivados, e alguns já realizaram trabalhos de

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pesquisa sobre a arte brasileira. No último semestre, a experiência como professora de

“Metodologia” foi muito interessante. Enquanto no ano de 2000 fiquei restrita aos estudos sobre a

arte do século XIX, este ano tive a oportunidade de ter na mesma sala alunos cujas pesquisas

abordam os objetos mais diversos.

As aulas na graduação foram um exercício para mim. Procurei dialogar com os alunos

sobre a arte dos períodos estudados, no caso os períodos do Renascimento, Maneirismo, Barroco,

Rococó e Neoclassicismo. A maior parte dos alunos da graduação possui muito poucas

informações sobre a história da arte, mas demonstraram muita sensibilidade nas observações que

fizeram sobre as obras que lhes foram apresentadas, e muito interesse para adquirir

conhecimentos sobre as mesmas.

As aulas para a graduação foram baseadas na exposição de slides comentados em sala,

com fundamentos em leituras recomendadas. As aulas na Pós-Graduação foram baseadas na

leitura e discussão de textos, e as apresentações de imagens vieram validar ou questionar noções

expostas nos textos. Os alunos da Pós já possuem uma cultura visual, e as obras de artes plásticas

discutidas em sala, na maior parte das vezes, fazem parte de seus conhecimentos prévios. O que

não se dá com a turma da graduação.

II - RELATÓRIO DE PESQUISA

Durante os 18 meses de minha bolsa de recém-doutor, realizei o trabalho de pesquisa

sobre o conceito de modernidade e a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Na

realização desta pesquisa, diversos métodos de trabalho foram utilizados. Por um lado, li e

estudei documentos da Academia (atas das sessões do corpo acadêmico), textos jornalísticos e

escritos contemporâneos à transição para a modernidade no meio artístico carioca do final do

século XIX, assim como textos mais recentes que abordam o mesmo período. Concomitante com

estas leituras e fichamentos, revi obras que já conhecia, e vi outras pela primeira vez, visitando

exposições (Mostra do Redescobrimento – século XIX), revendo acervos (Galerias do Museu

Nacional de Belas Artes, Museu D. João VI), e coleções particulares (Jaime Ramaciotti, Tobias

Visconti, leilões), assim como reproduções na literatura especializada. Tanto a leitura dos

documentos e textos, quanto o estudo da produção artística do período foram realizados à luz de

cinco questões principais que se tornaram tópicos de pesquisa:

1 - A denominação de « Modernos » entre os jovens alunos da Academia em 1890.

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2 - A relação da produção brasileira com a arte européia.

3 - Os artigos na imprensa e a crítica aos métodos acadêmicos.

4 - As obras dos ‘estudantes revolucionários’ de 1890.

5 - O ensino da pintura de paisagem.

Centrando a atenção nestes tópicos, aprofundei o estudo sobre o período de efervescência

que caracterizou o meio artístico carioca nos últimos anos do século XIX. Encontrei vasto

material de estudo nos jornais cariocas de 1890. Neste ano, a mobilização dos estudantes e

artistas contra a Academia foi assunto das crônicas jornalísticas e sensibilizou a opinião pública

contemporânea. Percebi que seria necessário, para bem analisar os cinco tópicos previstos,

reconstituir o histórico dos acontecimentos do ano de 1890. Neste relatório apresentarei as

informações obtidas através da pesquisa, mencionando constantemente trechos dos documentos

da época. Nesta tentativa de reconstrução dos fatos, retomarei os cinco tópicos mencionados,

interpretando os acontecimentos.

1 - O período estudado - a agitação do meio artístico carioca durante os últimos anos da Academia Imperial de Belas Artes

O final dos anos 1880 no Brasil foi marcado pelo enfraquecimento da Monarquia como

sistema político. Desde 1870, a crise se anunciava: o movimento republicano se organizava no

Rio de Janeiro, as relações entre o governo imperial e o exército eram instáveis, e a província de

São Paulo, em pleno desenvolvimento econômico, desejava mais autonomia. Este conjunto de

mudanças socio-econômicas criou as condições favoráveis às idéias de reforma e provocou a

queda do regime monárquico em 15 de novembro de 1889.

Este período representou igualmente uma fase crítica para a Academia Imperial de Belas

Artes. O governo já não garantia a continuidade nem dos concursos dos Prêmios de Viagem, nem

das Exposições Gerais. A ausência do apoio governamental deu origem às agitações

subseqüentes.

Os concursos de Prêmio de Viagem estavam interrompidos por falta de verbas desde

1878, e somente em 1887, nove anos mais tarde, a Academia organizou um novo concurso. No

entanto, este concurso não se realizou tranqüilamente. Havia duas vagas de pensionista

disponíveis e o concurso teve dois vencedores : o pintor de história Oscar Pereira da Silva

(1867-1939) e o arquiteto João Ludovico Maria Berna. Mas a decisão da comissão julgadora foi

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refutada e nenhum dos dois foi enviado à Europa.1 Esses contratempos só fizeram aumentar a

insatisfação dos estudantes.

Além disso, a última Exposição Geral havia sido organizada em 1884, e até o final do

regime monárquico nenhuma outra foi realizada.2 O Estado se queixava da insuficiência de

fundos, o que impedia a organização de novas exposições. Até então, os artistas tinham contado

com a ajuda oficial para mostrar suas obras ao público, e ressentiam-se da ausência desse apoio.

A interrupção das Exposições Gerais deixava evidente a debilidade da Academia e criava grande

descontentamento entre os alunos das Belas Artes. Os protestos cresciam, e em 1887 o diretor da

Academia manifestava sua posição a favor do restabelecimento das Exposições :

(...) as Exposições Gerais de Belas Artes são indispensáveis para o desenvolvimento do gosto artístico; falta-lhes, é verdade, a judiciosa crítica de arte; entre nós ela é quase exercida exclusivamente por escritores de talento, mas que muitas vezes são guiados pela própria impressão, sobre a qual podem influir simpatias ou desafeições pessoais. Tais exposições e o prêmio de primeira ordem são os meios mais eficazes que tem a Academia das Belas Artes para fazer progredir as artes e recompensar a seus cultores.3

Mas o apelo do diretor não obteve resposta favorável por parte do governo4 e a ausência

de exposições oficiais acabou produzindo a multiplicação das exposições privadas. No ano de

1886, quatro exposições importantes foram realizadas: os alunos organizaram duas exposições de

seus trabalhos no edifício da Academia ; a Galeria Vieitas expôs várias obras de João Baptista

Castagneto ; e Rodolpho Bernardelli organizou uma exposição reunindo pinturas de seu irmão

Henrique Bernardelli e paisagens de Fachinetti em uma das salas da Imprensa Nacional. O

movimento de exposições se acentuou ao longo de 1887. No início de 1888 o público pôde ver as

obras de Firmino Monteiro e Rodolpho Amoêdo, artistas que voltavam ao Brasil após um período

1 - Oscar Pereira da Silva e João Ludovico Maria Berna, vencedores do concurso de 1887 tiveram que esperar três anos antes de partir para estudar no estrangeiro, pois somente após a proclamação da República, em 1890, o Ministro Benjamin Constant decidiu validar o concurso de 1887. No mês de outubro de 1890, os dois premiados partiram enfim, indo aperfeiçoar-se em Paris.

2 - A Exposição Geral de 1884 foi a maior e mais importante realizada durante este período, quanto às obras expostas. Mas a comissão organizadora queixou-se da insignificância do número de visitantes. Comparando a Exposição de 1884 à de 1879, o público diminuiu consideravelmente. Em 1879 a entrada na exposição era gratuita e o público foi grande : 292.296 espectadores compareceram num período de 62 dias. Em 1884 a entrada tornou-se paga e a exposição foi visitada por 20.154 espectadores durante um período de cem dias.

3 - Relatório do diretor da Academia Imperial, Moreira Maia, em 1887. Citado por FREIRE, Laudelino. Um Século de Pintura, pp. 380 et 381. O prêmio de primeira ordem ao qual se refere o diretor era o Prêmio de Viagem.

4 - Após a exposição de 1884, somente em 1890, já sob o regime republicano, uma nova Exposição Geral foi realizada.

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de estudos na Europa, e as de Antônio Parreiras que, por sua vez, preparava sua partida para o

início do ano seguinte. Foram ainda expostas pinturas de Belmiro de Almeida, Castagneto e

outros.

Freqüentemente, as obras eram instaladas no espaço de livrarias e lojas de artigos gerais,

ou seja, em espaços que não eram concebidos para a exposição de obras de arte. De todo modo, o

mercado privado de difusão de arte se desenvolvia. Novas galerias surgiam, destacando-se as

seguintes : Insley Pacheco, Vieitas, Clément, De Wilde e Viúva Moncada.5

Além da organização de exposições privadas, os artistas se ajudavam financeiramente

suprindo a ausência de pensões governamentais para assegurar as estadias de aperfeiçoamento na

Europa. Sabe-se que Belmiro de Almeida pôde realizar estudos em Paris e na Itália graças ao

apoio de Rodolpho Bernardelli, Ângelo Agostini e outros amigos que lhe concederam, a partir de

1888, uma pensão mensal durante um período de cinco anos.6

Ao mesmo tempo em que os artistas, entregues a si mesmos, já não contavam com o apoio

oficial, uma crítica dos métodos acadêmicos era esboçada. Durante o ano de 1888, Ângelo

Agostini, jornalista que assinava a coluna das belas artes na Revista Ilustrada, encorajava os

artistas a se liberar das exigências acadêmicas :

(...) a arte deve ser livre, podendo cada artista dar o cunho de sua individualidade, no modo de sentir e executar, sem imitar nenhuma escola nem respeitar convenções e regras estabelecidas.7

Estas palavras refletiam igualmente o momento de transição política e a efervescência

geral dos espíritos. A ocasião era propícia às reivindicações em vista de uma reforma. Os

estudantes da Academia de Belas Artes começaram a manifestar seu descontentamento contra a

instituição que, até então, nunca havia sido seriamente questionada.

1.1 – Os Acontecimentos

– Pois sim! Duvidava Camilo e volvia à sua idéia fixa de revolta,(...).

– Por que não fazemos uma reunião definitiva de todos os que querem resistir à contagiosa estupidez do nosso meio social? Combinando, agremiando, poderíamos formar uma oposição vitoriosa, fundaríamos ateliers livres, teríamos exposições independentes, em suma, seríamos uma corporação vivendo vida própria, exercendo uma profissão.

5 - FREIRE, Laudelino. Um século de pintura. p.381.6 - REIS JÚNIOR. Belmiro de Almeida, 1858-1935. (p.20).7 - Revista Ilustrada, coluna « Belas Artes », Rio de Janeiro, 21-4-88. [Citado por PRADO, p. 87]

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– Magnífica idéia! – concordava Agrário. – Até poderíamos realizá-la já.

[DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1995, p.45.]8

O ano de 1890 foi, no meio artístico carioca, o ano da revolta contra a Academia de Belas

Artes. Três projetos de reforma e um projeto de extinção da Academia foram elaborados e

discutidos. Havia um clima de batalha em que se enfrentavam os “novos” e os “velhos”. Nos

Cafés e nas praças do centro da cidade, reuniam-se os artistas rebelados. A agitação que envolveu

artistas, estudantes, professores e críticos de arte, tornou-se assunto dos jornais que publicavam

artigos contra ou a favor da Academia. Divulgando as polêmicas, anunciando as reuniões dos

artistas, e influenciando a opinião pública que posicionou-se ao lado dos “novos”, os jornalistas

tiveram papel importantíssimo no episódio.

Alguns anos mais tarde, em 1899, Gonzaga Duque publicava o romance Mocidade Morta,

no qual tratava da mobilização dos jovens rebelados contra a Academia. Embora sendo obra de

ficção, o livro de Gonzaga Duque nos apresenta sua visão sobre os acontecimentos de 1890, e

expressa os sentimentos que animavam os protagonistas dos episódios.

Posteriormente, os fatos de 1890 tiveram sua importância e alcance minimizados, e foram

quase completamente esquecidos. Não se falou mais nos anseios dos jovens estudantes das Belas

Artes do final do século XIX. Apenas em 1944, um autor referiu-se a esses acontecimentos:

Frederico Barata em seu livro sobre Eliseu Visconti. O livro de Barata é a fonte mais conhecida

com informações sobre a revolta dos estudantes da Academia. Aí são relatados os fatos que

tiveram participação ativa de Visconti, ainda um jovem aluno da Academia:

Na mesma data em que os ânimos tanto se tinham exaltado na Academia, abandonaram-na os modernos, acompanhados na atitude pelos professores referidos [Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo]. E foram instalar-se, Visconti entre eles, no enorme barracão construído em pleno largo de São Francisco, junto à estatua de José Bonifácio, onde Aurélio de Figueiredo expusera o grande quadro alegórico "Redenção do Amazonas", transformando-o no que denominaram "Atelier Livre", um curso de pintura moldado na Academia Julian, de Paris, e no qual recebiam diariamente lições de Amoedo, dos Bernardelli e de Zeferino da Costa. Aí ficaram somente dois meses, pois a Prefeitura exigiu o barracão para demolir. O contratempo, porém, não lhes arrefeceu o entusiasmo e,

8 - A primeira edição do livro de Gonzaga Duque data de 1899, dois anos após o autor ter concluído o romance, em 1897.

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com o grupo muito aumentado, mudaram-se para um sobrado à rua do Ouvidor, entre as ruas da Quitanda e Sachet, mais ou menos à igual distância dos edifícios onde estavam instalados o "Jornal do Commercio" e "O Paiz". Inegavelmente monopolizavam as simpatias gerais e eram freqüentados por vários artistas feitos, que lhes levavam apoio moral e proveitosos conselhos, sendo entre todos mais assíduo João Batista Castagneto, o marinista ímpar da pintura brasileira. Já então eram também financeiramente auxiliados por vários mecenas, entre os quais Ferreira Araújo, Luiz de Rezende, José do Patrocínio e os próprios professores, que todos se cotizavam para as despesas necessárias à manutenção do "Atelier Livre" e patrocinaram, em meados de 1889 [sic], uma grande exposição de trabalhos dos filiados ao movimento, um verdadeiro "Salon" de independentes, que ocupava as duas salas da frente e logrou atrair numeroso público e excelentes expositores, destacando-se Eliseu Visconti, Fiúza Guimarães, Rafael Frederico, Bento Barbosa (desenhista da "Cidade do Rio") e França Júnior.9

Consultando os jornais do período, podemos encontrar as datas exatas de todos esses

acontecimentos, pois Frederico Barata enganou-se quando situou a exposição dos alunos do

Ateliê Livre em meados de 1889.10 Segundo os artigos de jornais, a revolta dos alunos ocorreu em

junho de 1890 e prolongou-se até o fim do ano. Aqui está um pequeno resumo : a primeira

reunião dos artistas para discutir sobre a reforma ou extinção da Academia foi realizada em 16 de

junho de 1890. No dia 9 de julho de 1890, as inscrições do Atelier Livre estavam abertas no

Largo de São Francisco. Em 14 de dezembro de 1890, João Ribeiro, jornalista de O Paiz

comentava a exposição dos estudantes do Atelier Livre :

Passei, há dias, pelo Atelier moderno. Lá estiveram expostos os trabalhos dos discípulos revolucionários da escola livre.

Impressão tardia a que dou.

Como arte revolucionária deve-se dizer que ali nada existia que pudesse dar semelhante indução. Mas havia um grande número de telas agradáveis.11

A observação feita pelo jornalista nos convida a refletir sobre a disparidade revelada por

esta constatação : as obras dos estudantes ‘revolucionários’ nada tinham de revolucionário.

9 - Frederico Barata. Eliseu Visconti e seu tempo, (pp.36, 37).10 - Para estabelecer a cronologia desses acontecimentos, consultamos os artigos de O Paiz e de A Gazeta

de Notícias. Estas datas correspondem também ao abandono de Rodolpho Bernardelli de suas funções de professor da Academia de Belas Artes. Segundo informação tirada da ata da reunião do Conselho em 7 de novembro de 1890, este abandono data de 6 de maio de 1890.

11 - J. R., « Sete Dias » In : O Paiz, 14 / 12 / 1890, (p. 1).

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Aparentemente, o descontentamento geral e a ação independente dos artistas não se voltavam

contra as concepções estéticas da Academia.

Quais as verdadeiras motivações da revolta? Para chegar a esta resposta, é útil reconstituir

os acontecimentos daquele ano, relendo com atenção as atas das sessões do corpo acadêmico da

Academia e os jornais da época.

1.1.1 – Os professores da Academia e os projetos de reforma

Art. 225 – Dos professores efetivos da extinta academia das Belas Artes, o governo distribuirá pelas novas e diferentes cadeiras da escola aqueles que mais convenham ao ensino conforme for indicado pela comissão nomeada para elaborar a presente reforma, e proverá por decreto, de acordo com as indicações da mesma comissão reformadora, as cadeiras restantes.

Art 226 – Dos professores honorários da extinta academia de Belas Artes, o governo suprimirá aqueles cuja conservação não seja exigida pelas conveniências da organização da nova escola, conforme for proposto pela comissão a que se refere o artigo antecedente.

[Projeto de reforma de estatutos da antiga Academia de Belas Artes, elaborado por Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo – Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1890 – publicado na Gazeta de Notícias, em 12 de março de 1890, pp.2-3.]

Vejamos alguns dados relevantes encontrados nas atas das reuniões dos professores no

ano de 1890. O primeiro dado interessante encontra-se na ata da sessão realizada em 22 de

fevereiro. O diretor Ernesto Gomes Moreira Maia, após diversos avisos, apresenta a ordem do

dia. A partir deste ponto, nota-se um desacordo por parte dos professores Rodolpho Amoêdo e

Rodolpho Bernardelli, contrários à continuação dos trabalhos. Transcrevo abaixo um trecho da

ata:

(...) o Sr. Cons.o Diretor diz que a reunião do Corpo Acadêmico tem por fim dar cumprimento ao art. do vigente estatuto – verificar a presença dos Srs. Professores e organizar a tabela das diversas aulas, com o respectivo horário. O Sr. Amoedo diz que, no momento em que se trata de organizar uma reforma da Academia, como a que acaba de propor a Comissão encarregada pelo Governo, parece-lhe acertado esperar pela aprovação da reforma, afim de se fazer de conformidade com ela a distribuição do horário. O Sr. Bernardelli afirma no mesmo sentido, declarando que não pode também desde já organizar os

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trabalhos de sua aula. O Sr. Conselheiro Diretor declara que pensa diversamente; que, estando apenas em elaboração a reforma, que não foi ainda devidamente apresentada, julga-se obrigado a seguir o que preceituam os atuais estatutos que são a lei, enquanto a reforma não foi posta em vigor. Parece-lhe assim que os Srs. Professores não tem razão para não apresentarem horário. O Sr. Dr. Cirne Maia declara que lhe parece seria de grande conveniência que os estatutos da reforma estivessem mais no domínio e conhecimento do Corpo Acadêmico e mesmo do público, para que fossem devidamente estudados e discutidos. O Sr. Cons.o Diretor pondera que os novos estatutos de que se trata, a comissão organizadora não os podia dar ainda como obra completa, por isso que, sendo membro dessa Comissão, pretende juntar-lhes uma memória explicativa, além de que ainda não as tinha subscrito com o seu nome, crendo que também não os haviam assinado os outros membros da Comissão, os Srs. Professores Bernardelli e Amoedo. Isto era mais uma razão para que se não pudesse representar a reforma como um impedimento à regularização dos trabalhos da Academia. Tomando em consideração as palavras do Sr. Cons.o

Diretor, os Srs. Amoêdo e Bernardelli, com elas se conformam, declarando, quanto à organização dos trabalhos de aulas, nenhuma modificação desejam fazer na que foi seguida no ano anterior. Consultados os outros Srs. Professores, declaram todos igualmente nenhuma modificação haver a propor na tabela e horário de aulas do ano anterior. Fica, assim, aceita essa organização de trabalhos para vigorar no corrente ano. Decide-se também que fiquem as aulas sob a direção do corpo docente que se acha em exercício. Não havendo mais que discutir, declara-se encerrada a sessão. Academia das Belas Artes, 22 de Fevereiro de 1890. [grifos nossos].12

Vê-se que mesmo antes do início do ano letivo de 1890, falava-se em reforma da

Academia. De fato, o governo republicano, recém instituído, nomeara em 30 de novembro de

1889 uma comissão para redigir os novos estatutos. É o que informa a ata da sessão seguinte,

realizada em 7 de abril de 1890, quando foi lido o:

(...) Aviso de 27 de Fevereiro de 1890, da mesma Secretaria dos Negócios do Interior, recomendando se providencie a fim de que a Congregação dê parecer sobre o projeto de reforma da Academia apresentado pela comissão nomeada a 30 de Novembro (...).13

Segundo o diretor da Academia, faziam parte da Comissão o próprio diretor, o professor

Rodolpho Bernardelli e o professor Rodolpho Amoêdo. No entanto, ao invés de um, a comissão

apresentara dois projetos de reforma: um assinado por Ernesto Moreira Maia, outro por Rodolpho

Bernardelli e Rodolpho Amoêdo. Além desses dois, um terceiro projeto fora enviado pela

12 - Ata da sessão do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes em 22 de fevereiro de 1890, p.72. Museu Dom João VI – EBA/UFRJ.

13 - Ata da sessão do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes em 7 de abril de 1890, p.73. Museu Dom João VI – EBA/UFRJ.

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Secretaria, sem assinaturas. É ainda a leitura da ata da sessão de 7 de abril que nos informa a

respeito:

Entrando na ordem do dia: (1a parte) discussão do projeto de reforma, o Sr. Conso Diretor declara que convocou a reunião do Corpo Acadêmico em conseqüência de Aviso [...ilegível] do Ministério do Interior, recomendando que se oferecesse ao estudo dos Srs. Professores o projeto de reforma remetido [...] da Secretaria de Estado desse Ministério e atribuído à comissão nomeada em 30 Novembro último. Ora, dessa comissão, em vez de um só projeto de reforma, existem três, a saber: - o que veio remetido da Secretaria do Interior, sem nenhuma assinatura; o que apareceu publicado pelas colunas da Gazeta de Notícias, no dia 12 de Março e assinado pelos Srs. Profs. Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo; e o que, na qualidade de membro da comissão, o Sr. Conso

Diretor apresenta, em separado, com assinatura de lavra sua, que serviu de base aos trabalhos da Comissão.14

Em seguida, o diretor declarou que seria conveniente o corpo acadêmico ter uma

informação comparada dos três projetos existentes. Para tal, julgava necessário eleger-se uma

comissão de três membros para estudar os projetos e redigir um parecer. Procedeu-se então à

eleição. Os três professores mais votados - José Maria de Medeiros com oito votos, Victor

Meirelles com sete, e Mafra com seis - foram designados para formar a comissão.15

Somente a partir da sessão realizada em 20 de agosto, passados mais de quatro meses da

formação da comissão, iniciou-se a apresentação do parecer sobre os três projetos e sua discussão

por parte dos membros do corpo acadêmico. A análise do parecer continuou nos dias 21, 23 e 30

de agosto. Sendo finalmente aprovado com ligeiras alterações no dia 30 de agosto, consta em ata

a informação de que seria enviado ao governo.

A introdução do parecer da comissão encarregada de analisar os três projetos é transcrita

na ata de 20 de agosto. Aí somos informados que o projeto sem assinaturas remetido pela

Secretaria de Estado dos Negócios está datado de fevereiro de 1890; que o projeto assinado por

Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo e publicado na Gazeta de Notícias de 12 de março,

está datado de 25 de janeiro; e que o terceiro projeto, manuscrito a lápis pelo diretor Ernesto

Moreira Maia, é datado de 22 de março de 1889.

A comissão esclarece ainda que o projeto remetido pela Secretaria “é, com algumas

modificações o mesmo publicado na “Gazeta de Notícias”, constando também de 228 artigos, e

assinado pelos Srs. Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo”. Além disso, a comissão observa

14 - Idem, ibidem.15 - Idem, ibidem.

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que o projeto dos professores Bernardelli e Amoêdo “foi calcado com alterações sobre o

manuscrito do Sr. Conselheiro Diretor”. Em seguida, o parecer destaca as alterações mais

polêmicas:

Entre essas alterações são notáveis duas principalmente: primo, a que no projeto dos Srs. Bernardelli e Amoedo estatui no artigo 7 o § 3 o, que o Conselho dos professores será composto unicamente dos professores de cinco aulas: - Pintura, Escultura, Gravura em Medalhas e pedras preciosas, Modelo Vivo, e Desenho de Arquitetura (de duas das quais eram professores os dois signatários do projeto; um efetivo, e o outro, interino), entretanto que desse Conselho de Professores dimana quase toda a autoridade e altas atribuições da Escola; secundo, a que nos artigos 225 e 226 comete aos ditos Srs. Bernardelli e Amoedo, como signatários do projeto, a designação e escolha dos professores que devam reger tanto as antigas cadeiras, como as novamente criadas, e bem assim a supressão, se o julgassem conveniente, de alguns, ou de todos os atuais professores honorários.16 [As sublinhas são do texto original, o negrito é nosso].

Conferindo o texto publicado na Gazeta de Notícias de 12 de março de 1890, percebe-se

que Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo compreendiam que apenas eles dois compunham

a comissão nomeada pelo governo para redigir os novos estatutos. Lê-se na Gazeta que o projeto

de reforma foi “elaborado pelos professores Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo, por

encargo que lhes cometeu o Sr. Dr. Aristides Lobo, quando ministro do interior”17. De modo

diferente pensava o Diretor da Academia. Conforme vimos anteriormente, segundo o Diretor

Ernesto Moreira Maia, a comissão era formada de três integrantes: os dois professores citados, e

o próprio Diretor.

No parecer há ainda um detalhe que deve ser ressaltado. A comissão observa que os

signatários do projeto, ou seja Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo, “eram” professores de

escultura e pintura, empregando o verbo no passado. De fato, em 20 de agosto de 1890, data da

sessão em que foi lido o parecer, já havia praticamente quatro meses que nenhum dos dois

comparecia à Academia.

A seguir relatamos os fatos que antecederam o afastamento dos dois professores.

1.1.2 – Ataques a Rodolpho Amoêdo e Rodolpho Bernardelli

À sua maneira de ver, aquela gente só não estava satisfeita com a Academia, era simplesmente questão de represálias. Ninguém

16 - Ata da sessão do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes em 20 de agosto de 1890, p.84. Museu Dom João VI – EBA/UFRJ.

17 - “Escola Especial de Belas Artes”. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 12 de março de 1890, p.2.

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queria saber de Arte, entregar-lhe asceticamente a sua alma, provando agruras penitentes de culto. Todos, em unanimidade, pensavam em regalias mecenásicas, nos favores e privilégios concedidos para a elaboração tranqüila de obras-primas, equiparadas à riqueza estimativa das telas de Vinci e Rubens! Cada um, dentro de si, apalpava a sua vaidadezinha (...).

[DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta, p.59]

Em 26 de março, aniversário da chegada da Missão Francesa ao Rio de Janeiro,

inaugurou-se a Exposição Geral de 1890. No dia 29 de março, o Diario do Commercio publicou

um artigo sobre o Salão de 1890, assinado por Cosme Peixoto, desancando as obras de Rodolpho

Amoêdo. O artigo começava analisando a Narração de Philetas, tela pintada por Amoêdo

durante sua estadia na Europa, ainda como pensionista do governo imperial:

Sobre esta composição alguma cousa se tem escrito, geralmente no estilo laudatório com que entre nós se acolhem os trabalhos das notabilidades no ovo; mas agora que o autor já saiu da casca, não há razão para que não se lhe diga a verdade, a que tem direito e que antes deve estimar: é uma concepção feliz e uma execução que, sendo aliás a mais perfeita de todas do mesmo autor, denota todos os defeitos e desfalecimentos de que depois deu prova exuberante.18

Após esta introdução, o autor passava a criticar os retratos expostos por Amoêdo:

O rosto humano, que em tão pequeno espaço, resume mundos inteiros de sentimentos e paixões, nunca terá do Sr. Amoedo valente intérprete; quando muito poderá pintar retratos, desses em que a fisionomia no êxtase do aborrecimento já foi fielmente apanhada pela fotografia.19

Cosme Peixoto citava diversos trabalhos de Amoêdo, sempre criticando-os severamente, e

finalizava com o seguinte comentário sobre o Cristo em Cafarnaum:

[Tela] que mereceu as honras da colocação permanente no salão da Academia, segundo informa o catálogo. É quadro pintado na Europa, e, portanto, infinitamente melhor que os feitos aqui pelo mesmo autor. Influência do meio – e de que teremos ocasião de ver muitos outros exemplos no correr destes artigos.

Não obstante algumas belas figuras desta composição, as quais não parecem dispostas pelo mesmo artista que pintou o grupo de retratos n.127, sempre diremos que o efeito geral da tela de que falamos tem um não sei que de fantasmagórico bem pouco agradável. O Christo é uma névoa, e até já reveste a clássica vestidura branca das almas do outro mundo. Parece obra de espírita.20

Nem mesmo o Cristo em Cafarnaum, obra sempre elogiada, escapou do ataque do crítico.

O autor concluía escrevendo:

18 - “O Salão de 1890”. In: Diario do Commercio, Rio de Janeiro, 29 de março de 1890, p.1.19 - Idem, ibidem.20 - Idem, ibidem.

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Do exposto conclui-se que os melhores trabalhos do Sr. Amoedo são os que executou na Europa como pensionista, e que a sua curta residência entre nós de dia em dia o vai fazendo desaprender quanto estudou. Influência do meio, repetimos, mas sem deixarmos de pensar que nisto há perigo para os discípulos da Escola de Belas Artes, e que ao Sr. Amoedo incumbe, quanto antes, desvanecer no espírito público a idéia de que vai retrogradando e que o aluno mestre do Christo em Capharnaum e da Narração de Philetas valia mais, e muito mais que o mestre aluno de alguns aleijões expostos.21

O mesmo autor, Cosme Peixoto, voltou à carga no dia 20 de abril de 1890, escrevendo

desta vez sobre as esculturas de Rodolpho Bernardelli. O início do artigo recordava os primeiros

passos de Bernardelli na carreira artística:

David foi a sua primeira estátua, depois a Saudade da Tribu, e em terceiro lugar A Espreita. Nessa quadra era um menino talentoso e modesto. (...).

Em 1879 mandou da Europa o Sr. Bernardelli um S. Sebastião e Fabíola em que mostrou, juntamente com incontestável progresso, o seu pendor para o culto do bonito, antes que para o do belo. Desde então, aos que sabem ler o futuro no presente, não ficou dúvida sobre a individualidade artística do jovem escultor. Nunca seria um artista criador e de altos vôos, mas ainda podia dar um operário do chic, um hábil fazedor de estatuetas disputadas pelo mundo fashionable.22

Uma das obras deste “operário do chic” era a Faceira, estátua realizada na Itália, na qual

o artista pretendera apresentar um tipo de cabocla. Cosme Peixoto afirmava que a Faceira, tão

apreciada pelo público brasileiro, fazia parte de uma fase em que o escultor “ameaçou desviar-se

da arte caindo na caricatura, ao gosto de Grévin”23.

Segundo o crítico, para escapar do perigo de cair na caricatura, Bernardelli passou, numa

segunda fase, a ater-se à fiel imitação da expressão natural do modelo:

Para se isentar da obsessão caricaturista, o Sr. Bernardelli aferra-se teimosamente à reprodução dos modelos. Receando que se transvie a sua imaginação, logo que lhe dê a liberdade, não hesita em condená-la à cópia servil.

Esta nova fase de sua vida artística foi a que produziu o S. Estevão e o Cristo e a Adúltera. O Sr. Bernardelli tomou um pequeno italiano, estendeu-o por terra, e com grande talento de imitação, reproduziu-o no gesso. Do semblante do varão forte que morreu orando pelos inimigos, não passou para a estátua nenhum reflexo intelectual ou moral.

21 - Idem, ibidem.22 - “ O Salão de 1890 - VI”. In: Diario do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo 20 de Abril de

1890, p.1.23 - Idem, ibidem.

Alfred Grévin (1827-1892) - caricaturista e pintor de indumentárias de teatro.

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O italianinho, modelo, confrangia o rosto, talvez pela fome que rapava na oficina – e eis o que o Sr. Bernardelli fixou na sua obra d’arte. E foi melhor: se não copiasse meramente a carinha confrangida do modelo, certamente a mudaria em careta e lá se ía pelos ares a gravidade do assunto.24

Sobre o Cristo e a Adúltera, que assim como o S. Estevão fora realizada na Itália durante

o período de estudos como pensionista, Cosme Peixoto afirmava:

No Cristo e a Adúltera dá-se a mesma falta de compreensão do assunto, ou antes a impossibilidade em que se acha o Sr. Bernardelli de exprimir o que não alcança intelectualmente.

E Cosme Peixoto concluía seu artigo com as seguintes observações:

Dir-me-ão os louvadores do Sr. Bernardelli que ele conhece a anatomia, e que na imitação dos tecidos não tem rival, principalmente neste país, onde é o único escultor. De acordo: e tanto assim que terminamos o precedente artigo reconhecendo a perícia mesteiral do criticado. Chamem-lhe, se quiserem, o alfaiate do mármore: e terão dito a verdade.

Lembra-nos ter visto, na galeria semi circular que rodeia o coro do Duomo de Milão, uma estátua singularíssima: a de um corpo humano, esfolado da cabeça aos pés, e com a pele atirada aos ombros, como se fosse uma capa. É um prodígio de anatomia, irrepreensível na execução dos ossos, dos músculos, dos tendões e dos vasos sangüíneos. E na Itália, mãe das artes, nunca levaram aquilo para um museu. O autor, um Agratus, não é contado entre os artistas italianos.

E porque?

Porque lhe falta o cunho da arte verdadeira, que se nos impõe com essa grande força – a beleza.

Esse tal Agratus, foi um excelente habilidoso. E o Sr. Bernardelli é outro.25

Nas sessões do corpo acadêmico, a obra de Rodolpho Bernardelli nunca fora criticada

assim. O mesmo não ocorreu, todavia, com Rodolpho Amoêdo, pois as críticas que Cosme

Peixoto lhe endereçara no artigo publicado no Diario do Commercio em 29 de março, foram

retomadas, em termos mais amenos, pelos professores membros da comissão encarregada de

avaliar as obras da Exposição Geral. Na ata da sessão do dia 30 de abril, pode-se ler o seguinte:

“(...). Os trabalhos expostos pelo Sr. Rodolpho Amoêdo não passaram desapercebidos à Comissão; não pode ela, porém, indicar-lhe prêmio algum por serem muito inferiores, quer no desenho, quer no colorido, quer na maneira de fazer, aos que executou na Europa durante o tempo de sua pensão. (...).

24 - “ O Salão de 1890 - VI”. In: Diario do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo 20 de Abril de 1890, p.1.

25 - “ O Salão de 1890 - VI”. In: Diario do Commercio. Rio de Janeiro, Domingo 20 de Abril de 1890, p.1.

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Academia das Belas Artes, 28 de Abril de 1890. (assinam os Srs. Profs.) Victor Meirelles, - Dr. Domingos de Araujo e Silva – João Maximiniano Mafra.” 26

Conforme relatado na mesma ata, após a leitura deste parecer, houve acalorada discussão

sobre a crítica às obras de Rodolpho Amoêdo. O Prof. Rozendo Muniz manifestou-se julgando

que seria melhor retirar esta parte do parecer. Os outros professores discordaram. Note-se que

Rodolpho Amoêdo e Rodolpho Bernardelli estavam presentes.

Na sessão seguinte, realizada em 5 de junho, tanto Amoêdo quanto Bernardelli não

comparecerem. E em todas as reuniões que se seguiram, nenhum dos dois compareceu. Na sessão

de 25 de julho, lê-se que Bernardelli faltou “sem causa participada”. Ainda nesta sessão

comunica-se que “por Decreto de 18 do corrente mês [julho] foi eliminado do quadro dos

professores honorários desta Academia Rodolpho Amoêdo por assim haver requerido”.27

Da leitura das atas e jornais, fica patente que Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo

acreditavam, no início do ano de 1890, que seria feita em breve uma reforma na Academia,

seguindo o projeto de sua autoria. Em fevereiro, os dois haviam entregue o projeto à Secretaria de

Negócios do Interior, e em março fizeram publicar o mesmo projeto na Gazeta de Notícias. No

entanto, ambos continuavam a comparecer às reuniões da Academia. As críticas de Cosme

Peixoto publicadas no Diario do Commercio talvez não os tenham abalado. Somente após a

sessão de 30 de abril, quando foi lido o parecer da comissão encarregada de julgar as obras da

Exposição Geral, sessão que foi encerrada com acalorada discussão sobre as críticas à produção

de Amoêdo, é que ambos se afastaram do exercício acadêmico.

1.1.3 – Os artigos de Pardal Mallet na Gazeta de Notícias28

Foi Camilo Prado quem veio tirá-lo do abatimento. Uma manhã, entrou na mansarda, radiante. Vinha mostrar um artigo destinado à Folha. No mesmo instante sacou do bolso as tiras de papel, garranchadas da sua letrinha nervosa e pôs-se a ler. Era uma diatribe contra a Academia. A frase pululava escaldante, estouravam os adjetivos, fuzilava, certeira, a

26 - Ata da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia de Belas Artes em 30 de Abril de 1890, p.76.Museu Dom João VI - EBA/UFRJ.

27 - Ata da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia de Belas Artes em 25 de julho de 1890, p.83.Museu Dom João VI - EBA/UFRJ.O pedido de Rodolpho Amoêdo para que seu nome fosse eliminado da lista de professores honorários da Academia data de 5 de maio de 1890. [GALVÃO, Alfredo. Cadernos de estudo da história da Academia Imperial das Belas Artes – 1o caderno. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1958, p.23]

28 - A íntegra dos artigos encontra-se ao final deste relatório, em anexo.

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longa adverbiação sonora do modernismo; não havia uma piedade em todo o aranzel apocalíptico e devastador. Lufadas acres de iconoclastismo, uivando como a tempestade exterminadora da Dies irae, vergastava furiosa, indomável, os reverenciosos acadêmicos, a que ele chamava “bonzos pantafaçudos estatelados na esterilidade de posturas caricatas”, e que, sob o granizo do ridículo, após a publicação do artigo, deveriam ficar impalpáveis nas cinzas de uma erupção, como as aldeias e vilas apanhadas em plena noite, pela inundação das lavas, (...).

[DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta, p.73]

Entre 30 de maio e 26 de junho de 1890, Pardal Mallet29 publicou na Gazeta de Notícias

uma série de doze artigos sobre a questão da Academia de Belas Artes. Pelas informações de que

dispõe, percebe-se que acompanhou de perto cada passo do confronto entre jovens e velhos

artistas. Segundo ele mesmo informa, freqüentava as rodas dos artistas rebelados, e estava

presente nas “conversas de café, que são no final das contas as melhores fontes de informação

para o jornalista e para o crítico”30. Além disso, nota-se que tinha acesso ao que se passava no

interior da Academia, pois relatou fatos ocorridos durante as sessões do corpo acadêmico, mesmo

após o afastamento de Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo. É bem possível que obtivesse

essas informações através de Raul Pompéia, que desde janeiro de 1890 ocupava o cargo de

Secretário da Academia31.

Aqui estão as datas e os títulos dos artigos de Pardal Mallet, na Gazeta de Notícias:

- 30 de maio – Academia de Belas Artes.

- 6, 7, 8, 9 e 11 de junho – Academia de Belas Artes I, II, III, IV e V.

- 14, 15 e 19 de junho – História Antiga, Lugar aos novos, Ainda a Academia.

- 24, 25 e 26 de junho – Pela Academia I, II e III.

29 - João Carlos de Medeiros PARDAL MALLET (Bagé, RS, 1864 - Caxambu, MG, 1894) – escritor e jornalista. Cursou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro até o terceiro ano, abandonando os estudos para dedicar-se ao jornalismo e à literatura. Foi um dos principais propagandistas da abolição. Como ficcionista, foi dos principais representantes do naturalismo no sul do país. Trabalhou com José do Patrocínio em A Cidade do Rio, de onde saiu para lançar A Rua, com Olavo Bilac, Raul Pompéia e Luís Murat. Durante algum tempo trabalhou na Gazeta de Notícias. Fundou O Combate, onde escreveu violentos artigos contra o marechal Floriano Peixoto. Preso durante a revolta de 1892, acabou sendo deportado para Tabatinga, no Amazonas, de onde voltou enfermo, falecendo logo depois. [Grande Enciclopédia Delta Larousse, 1978.]

30 - Gazeta de Notícias, 7 de junho de 1890.31 - Vide ata da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia de Belas Artes em 22 de Fevereiro de

1890, p. 71. Museu Dom João VI - EBA/UFRJ.Sabe-se que Pardal Mallet era colega de Raul Pompéia, e com ele lançou o periódico A Rua.

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O primeiro artigo, intitulado Academia de Belas Artes é uma tomada de posição na

batalha que se iniciava, tendo de um lado Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo, e do outro,

os antigos mestres da Academia. Neste primeiro artigo, de 30 de maio, Pardal Mallet refere-se ao

corpo acadêmico como um “sindicato” pronto a defender regalias, e pouco interessado na

qualidade do ensino. São suas as palavras abaixo:

E este sindicato que atualmente governa a Academia não só defende-se como quem defende interesse próprio contra qualquer tentativa de reforma, mas também pouco se ocupa em desenvolver pessoalmente os métodos de ensino.32

Como prova da ação de “sindicato”, Pardal Mallet refere-se às críticas publicadas por

Cosme Peixoto no Diario do Commercio:

De como ele [o sindicato que governa a Academia] procede em defesa do monopólio para explorar este orçamento, há provas muito recentes na célebre questão Cosme Peixoto, Bernardelli e Amoedo, que eram lentes e acreditavam que a revolução de 15 de novembro devia repercutir em todas as esferas da atividade nacional e tudo refundir. Bernardelli e Amoedo vinham de apresentar um projeto de reforma radical e completo. Era preciso desgostá-los, forçá-los a demitirem-se. E foi disso que se encarregou o escritor ou escritores que com o pseudônimo de Cosme Peixoto apareceram numa crítica covarde, porque era anônima mesmo quando se a queria responsabilizar, desonesta porque agredia ao invés de criticar. 33

Vê-se que Pardal Mallet compreendia as críticas de Cosme Peixoto como manobras dos

próprios professores da Academia para criarem um clima desfavorável a Rodolpho Bernardelli e

Amoêdo. De fato, os artigos de Cosme Peixoto não são isentos de malícia, neles os ataques têm

mira certa. É fato, igualmente, que Bernardelli e Amoêdo acabaram afastando-se da Academia.

Conforme já relatamos, ambos deixaram de comparecer às sessões do corpo acadêmico após a

reunião do dia 30 de abril, quando as obras apresentadas por Amoêdo na Exposição Geral foram

duramente criticadas. De acordo com o artigo de Pardal Mallet, este afastamento teria sido

desejado pelos outros professores, que teriam feito pressão utilizando o pseudônimo de Cosme

Peixoto.

Ainda neste mesmo artigo de 30 de maio, Pardal Mallet aponta vários defeitos da

Academia. A começar pelo prédio:

É preciso mudá-la de casa. Aquele prédio que está muito bom para Caixa de Amortização por causa da sua proximidade do tesouro, não serve para

32 - MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes”. In: Gazeta de Notícias, 30 de maio de 1890 (p.1).

33 - Idem, ibidem.

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Academia de Belas Artes. Começa por não ter luz; e não possui panoramas onde o olhar do artista dali mesmo possa descansar e possa aprender. Mudem-na para um morro de onde se descortine a nossa baía, de onde se veja a nossa cidade e de onde se observe a Serra do Mar. Além das inúmeras vantagens, esta colocação fará bem ao corpo e ao espírito dos professores e dos alunos.34

Em seguida, Pardal Mallet ataca os professores e o diretor:

O pessoal que lá está não serve.

O Sr. conselheiro Maia, além da tibieza que o caracteriza, é um velho professor de geometria, e a geometria, posto que o não pareça, é a maior inimiga da arte. A geometria é a linha reta e a arte é a linha curva.

O Sr. Victor Meirelles não tem talento. Na Primeira Missa – o melhor dos seus quadros, o primeiro plano é desgracioso e no segundo há desequilíbrio entre a quieteza dos que ouvem a missa e uma horda de índios que desemboca a toda a carreira por detrás do altar. Na Batalha de Guararapes e na Batalha de Riachuelo ele pintou uns combatentes muito escovadinhos como gente que acaba de sair do alfaiate com a sua fatiota nova. De bom ele só tem a fumaça da Batalha do Riachuelo. Pintor de fumaças!

O Sr. Bittencourt da Silva é o homem do Liceu de Artes e Ofícios. Para realçar este, sacrifica a Academia.

E o Sr. Pedro Américo, que tem talento mas é um preguiçoso, sempre pronto a copiar coisas alheias, é o homem que viaja na Europa.35

Mallet finaliza com o argumento que contrapõe os “novos” aos “velhos”:

Depois, eles todos são velhos. E a revolução brasileira não se fez para fazer revolução, não foi um complemento da festa aos Chilenos. Fez-se para entregar o Brasil a nós outros – os novos.36

No entanto, apesar de tanto criticar a Academia, Pardal Mallet não era favorável à sua

extinção. Desde o primeiro artigo, declarou-se pela reforma da Academia. Os argumentos que

apresentou para defender a permanência da Academia, embora reformada, foram três. O primeiro

referia-se ao museu. Pois se suprimissem a Academia, o museu permaneceria. Mas, escreveu

Pardal Mallet, “não há Museu nenhum que valha só por si. Precisa de ciceroni, precisa de quem

o interprete. E é este, no final das contas, o encargo dos professores, é isto o que lhes cumpre

fazer; era isto o que convinha acrescentar ao nosso Museu, (...)”.37

34 - Idem, ibidem.35 - Idem, ibidem.36 - Idem, ibidem.37 - Idem, ibidem.

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O segundo argumento a favor da continuação da Academia referia-se à “vantagem do

ensino simultâneo – permitir que muitos se sirvam ou se aproveitem de aparelhos que um só não

pode possuir, mas que o estado ou a cooperação, pode fornecer sem grandes dispêndios nem

sacrifícios de monta”.38

E o terceiro argumento, definitivo, era o que Mallet chamava de “lei darwinica”, ou “o

princípio de que a função faz o órgão”. Dizia ele:

Não temos artistas! Não temos meio artístico! Vamos a fingir que temos, vamos exercer esta função, porque o órgão de que necessitamos aparecerá com este exercício.39

Constata-se que o artigo de Mallet teve imediata reação por parte do diretor da Academia.

Na ata da sessão de 5 de junho de 1890, foi lida uma longa carta do diretor Ernesto Moreira Maia

dirigida a “S. Ex.a o Sr. Doutor Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro da Instrução

Pública, Correios e Telégrafos”. Tratava-se da exposição permanente do acervo da Academia. O

diretor propunha que a partir daquela data, a coleção permanecesse aberta ao público não

somente aos domingos, mas também nos dias úteis de 9:00 às 15:00. Além disso propunha que

fossem dadas palestras sobre “História evolutiva das idéias, dos costumes, a história da arte e a

elucidação de suas transformações sucessivas”.40 Segundo o diretor:

“Esse seria o verdadeiro, o único ensinamento realmente proveitoso e fecundo das galerias de exposição artística permanente; de outro modo ou não sendo assim, e na carência como se dá, de um catálogo longa e minuciosamente explicativo, essas galerias continuarão a ser apenas, para avultadíssimo número de indivíduos, os silenciosos sarcófagos da arte, arquivos mudos que não despertam o gosto nem incitam o espírito na contemplação e atento estudo dos objetos exibidos, (...).”41

Apenas seis dias após Pardal Mallet ter defendido exatamente esta colaboração entre

corpo acadêmico e museu, o diretor apresentava a mesma proposta ao Ministro. Mas não ficava

por aí a reação do diretor. Também consta em ata da mesma sessão, outro ofício endereçado ao

Governo. Moreira Maia fez questão de ler este ofício para os professores, e afirmou ter sido

“obrigado a assim proceder pelas acusações de que foi alvo a Academia das Belas Artes”:

O diretor pede a atenção dos Srs. Professores e lê: “no 90. Academia das Belas Artes. Capital Federal 31 de maio de 1890. Cidadão Ministro. Tenho a fortuna

38 - Idem, ibidem.39 - Idem, ibidem.40 - Ata da Sessão do Corpo Acadêmico da Academia de Belas Artes em 5 de junho de 1890, p.82. Museu

Dom João VI - EBA/UFRJ.41 - Idem, ibidem.

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de conhecer e acatar desde muitos anos a honrada respeitabilidade do vosso sisudo caráter e a inquebrantável firmeza do vosso elevado critério; estou por isso bem certo de que nada resolvereis sobre a Academia de Belas Artes sem maduro e mui refletido exame. Não obstante, porém, são de tal gravidade as acusações levianas que um cidadão ilustrado faz à mesma Academia, em um artigo ontem publicado na “Gazeta de Notícias” como se vê do retalho apenso, que me vejo obrigado, porque comungo nos preceitos doutrinais dos que adotam o lema de alta moralidade – viver às claras – e por que tenho consciência dos deveres a meu cargo, a pedir-vos, como respeitosamente vos peço, vos digneis de nomear uma Comissão de pessoas da vossa maior confiança, a fim de que venha procurar as provas desse sindicato a que se refere esse mesmo artigo; de sorte a poder a Academia, por meio dessa averiguação oficial, repelir de si, como lhe cumpre, as injustas acusações que lhe são feitas, como manifesta ofensa do seu decoro e do respeito que deve merecer no conceito dos homens sensatos e na opinião pública. Saúde e fraternidade. A S. Ex.a o Sr. General Doutor Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. O Diretor – Ernesto Gomes Moreira Maia.”

Para completar, o diretor, lembrando outras acusações de Pardal Mallet, pediu aos

professores que “se não descuidem do ensino da casa”. Comunicou-lhes igualmente que já havia

conversado com o professor Medeiros para que fossem realizadas algumas “modificações

vantajosas dos métodos”, que se adotasse “o sistema de copiarem os alunos da aula de desenho

figurado as boas telas das galerias”. Ressaltando que este procedimento havia sido tomado antes

da publicação do artigo da Gazeta de Notícias, Moreira Maia comunicou igualmente aos

professores que também se entendera com Victor Meirelles sobre “a conveniência de adotar no

ensino da aula desse Sr. Professor, o estudo alternativamente do gesso e do modelo vivo”.42

O segundo artigo de Pardal Mallet traz a data de 6 de junho, um dia após a reunião dos

professores da Academia. É evidente que alguém informara o jornalista sobre o conteúdo da

reunião; muito provavelmente, o secretário Raul Pompéia. O artigo de Pardal Mallet começa

referindo-se ao ofício de Moreira Maia ao governo:

A posição especial em que o Sr. Conselheiro Maia me colocou, não só requerendo uma comissão de inquérito para averiguar acusações aqui feitas, mas também incluindo um exemplar da “Gazeta” onde vinha o meu primeiro artigo no ofício que dirigiu ao general Benjamin Constant, força-me à justificação completa do libelo que formulei contra a Academia de Belas Artes, mesmo antes de nomeada a referida comissão.43

42 - Idem, ibidem.43 - MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes – I”. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 6 de junho

de 1890, p.1.

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Este é o pretexto para que o jornalista volte a atacar a Academia. Agora, Pardal Mallet

critica o regulamento e defende o projeto de reforma Bernardelli - Amoêdo.

Sobre o regulamento afirma:

(...) basta dizer que não há regulamento.

O velho sistema legislativo do Império tinha o costume de emendar leis, superpondo decreto sobre decreto, modificando-os com mais um aviso e mais uma portaria ainda. Daí nasceu o verdadeiro caos da nossa legislação, simbolizado no celebérrimo – ficam revogadas as disposições em contrário – que nunca ao certo era possível determinar logo de primeira vista.

Lá na Academia houve o decreto 1603 de 14 de março de 55, referendado por Couto Ferraz, houve depois o decreto 2423 de 25 de maio de 59, e houve mais ainda uma série interminável de portarias e avisos que é impossível achar em totalidade na coleção de leis do Brasil.

Uma providência, pois, se recomendava à administração, desde que ela tivesse critério e soubesse trabalhar: - ir refundindo de tempos em tempos o regulamento, deixando apenas as disposições, e imprimindo estas consolidações para que as pudessem conhecer os interessados ou curiosos.

Mas isto não existe. O que existe, trancado a sete chaves, é um velho folheto seboso em cujas margens o Sr. Mafra, secretário recentemente demitido, ía anotando as alterações que apareciam. E a lei, por conseguinte, ficou sendo lá na Academia um deus misterioso que ninguém podia conhecer, em nome do qual vinham os castigos e que para intérpretes e sacerdotes na terra tinha apenas o Sr. Maia, o Sr. Mafra e o Sr. Porteiro.44

Em seguida, Pardal Mallet defende a urgência da reforma, e sua realização de acordo com

o projeto de Bernardelli e Amoêdo, “trabalho muito bem feito”. Deste projeto, Mallet seleciona

alguns trechos que julga serem as “disposições mais importantes”, e os reproduz no artigo.

Dentre todos estes, destacamos o de número 54 :

Art 54 – Os professores efetivos da escola, em virtude destes estatutos, servirão dez anos consecutivos, findos os quais, passarão a pertencer à junta superior de Belas Artes, sem direito a vencimento algum.45

Pardal Mallet parece referir-se a este artigo 54, quando conclui seu texto com o seguinte

comentário:

Animado ao mesmo tempo do sentimento o mais liberal e do desejo de fazer efetivo o nosso desenvolvimento artístico, este projeto tem a grande vantagem de

44 - Idem, ibidem.45 - Idem, ibidem.

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não estagnar professores lá na Academia, de deixar sempre a porta aberta aos novos. É, enfim um projeto de artistas.46

O terceiro artigo publicado por Pardal Mallet na Gazeta de Notícias é especialmente

interessante. Intitula-se Academia de Belas Artes – II, e é datado de 7 de junho. Mallet inicia

informando o público sobre a existência de um outro projeto, o do grupo que ficou conhecido sob

a alcunha de Positivistas, que pedia a extinção da Academia:

(...) a idéia de acabar com a Academia ou convertê-la num simples museu tem prosélitos entre artistas mesmo.

Vem consignada na carta – projeto que os Srs. Montenegro Cordeiro, Décio Villares e Aurélio Figueiredo dirigiram ao ministro do interior, e que traz a data de 30 de janeiro do corrente ano.47

Para contrapor-se a esta idéia, Pardal Mallet começa apresentando o ponto comum a todos

os projetos apresentados:

Em um ponto estão todos de acordo, mesmo os signatários da carta-projeto, que foi inspirada nas doutrinas anti-acadêmicas do Centro Positivista: na necessidade de subvencionar as artes plásticas em seus trabalhos definitivos e em seus estudos preparatórios.

Esta necessidade é óbvia. E nenhum Estado pode a ela se furtar. (...).

Gaste Aluízio de Azevedo dois anos no preparo de um romance. Todos os que o quiserem possuir estão aptos a possuir este trabalho. Mas, depois de dois anos em uma tela, Amoedo só produziu uma tela, única que só pode ter, por conseguinte, um único adquiridor, que não pode, por conseguinte, obter a remuneração de todos. E é óbvio que a soma de muitas contribuições é mais lucrativa e menos onerosa do que o resultado de uma contribuição única.

Destas condições, que estão na própria natureza das coisas, resulta a obrigação para o Estado de subvencionar as artes plásticas, já criando museus que sejam ao mesmo tempo a posse para todos de qualquer uma dessas produções artísticas, e um comprador que faça pela concorrência a subida dos preços, já auxiliando o período preparatório dessa vida artística, que é um dos mais difíceis e mais cheios de provações.

E esta necessidade, que todos reconhecem e à qual o governo não se poderá esquivar, sobe de ponto aqui no Brasil; onde existem poucas fortunas e onde o dinheiro tem o costume de andar divorciado do espírito.48

46 - Idem, ibidem.47 - MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes – II”. In: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 7 de junho

de 1890, p.1.48 - Idem, ibidem.

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Após argumentar sobre a necessidade da subvenção estatal, Pardal Mallet passa a

apresentar as “razões psicológicas que determinam o antiacademismo de um grupo de artistas

diretamente interessados na questão”. E afirma serem duas essas razões:

A primeira é a imprestabilidade e a desmoralização da atual Academia. (...)..

A segunda consiste na influência que a vida e as tradições européias exercem sobre os nossos artistas.49

E aqui, Mallet começa a expor as diferenças entre o contexto europeu e o brasileiro:

Só na Europa existe arte velha e sedimentada; existem escolas diferenciadas em seu processualismo, guerreando-se, rivalizando-se.

Aqui existe por fazer.

A revolta lá na Europa consiste em destruir, a revolta aqui no Brasil consiste em construir.

E os nossos artistas, que são os revoltados, não podem por conseguinte aceitar a orientação dos revoltados do velho mundo.

As Academias não prestam, são absorventes e atrofiadoras, trabalham por esterilizar os artistas numa só feitura e numa só modelagem.

Mas começam a não prestar 50 anos depois de constituídas. Não nos serve, pois, a revolta lá dos outros, porque ainda não temos academia.

Vamos construí-la, porque ela é necessidade dos tempos de agora! E vamos construí-la na certeza de que há de ser preciso destruí-la daqui a 50 anos! 50

Assim, a modernidade desejada por Pardal Mallet previa a continuidade do trabalho dos

antigos:

Uma vez posta em andamento a reforma tão urgentemente reclamada, entregue a Academia a gente nova que tem talento e que tem mocidade, é preciso colocá-la bem, em lugar onde se possa fazer esse trabalho moderno, que não é desprestígio dos velhos mestres; mas que é a continuação do trabalho venerado dos antigos.51

O quarto artigo de Pardal Mallet, intitulado Academia de Belas Artes – III, e publicado na

Gazeta de Notícias do dia 8 de junho, é inteiramente dedicado a criticar e acusar o diretor da

Academia, o Conselheiro Ernesto Gomes Moreira Maia, pelo atraso do ensino artístico. Ao final

do artigo Pardal Mallet pede a demissão do diretor.

49 - Idem, ibidem.50 - Idem, ibidem.51 - Idem, ibidem.

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No quinto artigo, publicado em 9 de junho sob o título Academia das Belas Artes – IV,

Pardal Mallet continua suas acusações. Alguns professores são, de certa forma, desculpados. É o

caso de Domingos de Araujo e Silva, professor da cadeira de matemáticas aplicadas; de Rozendo

Muniz, professor de anatomia e fisiologia das paixões; de Neves Leão, professor de estética,

arqueologia e história das artes; de Cirne Maia, professor de perspectiva e desenho geométrico; e

de Medeiros, “que neste momento, enquanto o Sr. Parreiras não toma posse, é o único artista

que se esforça por fazer bons créditos à academia”52.

Mas, a velha guarda, “que pelo prestígio do seu nome devia ser a zeladora impecável do

nosso desenvolvimento estético”, é responsabilizada, juntamente com o diretor pelo “triste estado

de coisas”53.

Sobre o professor Mafra, “lente de desenho de ornatos”, Pardal Mallet afirma que

“manda copiar de estampas litografadas. Nunca serviu-se de um modelo em gesso. É um

atrasado e um prejudicial”54.

Sobre Victor Meirelles, diz que não tem talento e:

(...) como professor da aula de modelo vivo, não presta, não está na altura do cargo. Seguindo ainda as velhas práticas que permitiam a cópia de estátuas, falta-lhe a compreensão da arte moderna. Gosta de corrigir o modelo de acordo com as proporções acadêmicas. É autoritário, não admitindo que o aluno veja diferente do que ele vê. E, ao invés de animar a cópia de um modelo inteiro, manda principalmente fazer estudos de cabeça.55

Enfim, falando de Pedro Américo, Mallet o acusa de, apesar de ter talento, não saber

aplicá-lo, e por isso plagiar.

Além desses, Mallet cita ainda Bittencourt da Silva, o “lente aposentado e não substituído

da cadeira de arquitetura”. Sobre este, afirma que exerce sobre a Academia “uma influência

nociva, atrofiadora”56.

No sexto artigo, último desta série, intitulado Academia de Belas Artes – V e publicado

em 11 de junho, Pardal Mallet retoma a expressão “sindicato”, que utilizara no primeiro artigo, e

52 - MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes – IV”. In : Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 9 de junho de 1890, p.1.

53 - Idem, ibidem.54 - Idem, ibidem.55 - Idem, ibidem.56 -Idem, ibidem.

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afirma que foi este o ponto que “mais chocou ao Sr. Maia e o levou a oficiar ao governo,

pedindo uma comissão de inquérito”57.

Mas explica que se falou em “defraudação dos dinheiros públicos”, é porque os

“imprestáveis e os nulos (...) recebem dinheiro para fazer umas coisas que não fazem”,

“encarregam-se de promover o nosso adiantamento artístico, e cruzam os braços na inércia

criminosa de quem recebe salário e não trabalha”58. E Pardal Mallet continua suas acusações:

(...) cuidando apenas em conservar os lugares que ocupam, não vendo que estes interesses pessoais estão em guerra aberta contra o interesse geral, formaram sindicato para opor-se à imprescindível reforma que os deve desalojar de suas sinecuras. (...).

Rua! Com eles. 59

O sétimo e o oitavo artigos, intitulados respectivamente História Antiga e Lugar aos

novos, e datados de 14 e 15 de junho, não trazem verdadeiras novidades em relação ao que Pardal

Mallet já havia escrito nos outros seis. O nono nos mostra uma nova etapa da batalha. Intitula-se

Ainda a Academia e data de 19 de junho, ou seja, três dias após a primeira reunião dos artistas

para discutir a reforma ou extinção da Academia, realizada no salão do Derby Club no dia 16. Na

reunião, os artistas haviam votado uma monção de agradecimento a Pardal Mallet. É o que

podemos ler no relato publicado na Gazeta de Notícias do dia 17 de junho:

O Sr. Pereira Netto lê a seguinte proposta:

Considerando-se que o jornalista Pardal Mallet, com seu brilhante talento e sua coragem de moço, prestou inestimáveis serviços à arte brasileira, propõe:

1o – Que se insira na ata da sessão um voto de louvor pela sua brilhante atitude assumida nas colunas da Gazeta de Notícias em prol do engrandecimento das belas artes;

2 o - Que se lhe dê conhecimento oficial desta resolução, e que para isso seja nomeada uma comissão de cinco artistas. Esta proposta foi aprovada unanimemente.60

Em seu artigo do dia 19, é Pardal Mallet quem agradece:

Feitos os meus agradecimentos pessoais não só a Pereira Netto e aos artistas que votaram a sua honrosa monção, mas também a Rodolpho Bernardelli que tão bondoso se mostrou para comigo em seu artigo ontem publicado aqui na

57 - MALLET, Pardal. “Academia de Belas Artes – V”. In : Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro,11 de junho de 1890, p.1.

58 - Idem, ibidem.59 - Idem, ibidem.60 - “Reunião de artistas”. In: Gazeta de Notícias, 17 de junho de 1890, p.1.

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Gazeta, eu ainda tenho para dizer sobre a Academia de Belas Artes e sobre a reunião no Derby Club.61

A seguir, Pardal Mallet constata que a batalha foi ganha:

A campanha parece vencedora, pelo menos na opinião pública. A velha Academia tem atualmente o aspecto silencioso e triste das casas onde há gente que está morrendo. Os próprios discípulos, que o Sr. Victor Meirelles contratou para ter a quem dar aula, já quase não aparecem. E o próprio porteiro já não acredita mais na possibilidade de aumentar a sua galeria particular de quadros.62

Pardal Mallet deseja discutir agora sobre o que virá depois, o que vai ser posto no lugar da

velha Academia:

Se tenho voto na matéria, voto por uma nova Academia.

A idéia dos ateliers livres e da subvenção a artistas que sigam para Europa parece não satisfazer inteiramente ao caso. Trata-se exclusivamente de atender ao interesse da Arte, e esta não pode existir sem a criação de um meio artístico. Ora, este só pode ser criado em obediência e conformidade com o processo biológico de um núcleo primordial. A força dispersiva é muito boa, ela é porém uma irradiação e a irradiação supõe a existência de um centro.

Com desejo apenas de elucidar a questão, e nunca repugnante à idéia de me converter à opinião contrária, a mim me parece que, no propósito de acabar definitivamente com a Academia, existe o excesso característico de todas as reações violentas.63

Mallet conclui defendendo mais uma vez o projeto de reforma dos professores Rodolpho

Bernardelli e Rodolpho Amoêdo:

(...) no projeto Bernardelli – Amoedo, (...), há muita coisa boa, há principalmente uma Academia sem caráter de fixidez.

Marcando 10 anos para período máximo da atividade de um lente, marcando 5 para duração da gerência de cada diretor, ela ficará constantemente a renovar o pessoal, a dar lugar aos novos.

E a ele se poderia ajuntar a idéia de Ferreira Araujo – fazer com que o diretor fosse eleito ano e meio antes da ocasião de tomar posse, marcando-se-lhe um ano para estudar na Europa os progressos introduzidos no ensino e seis meses para os estudos da própria Academia e dos meios de adaptar-lhe os progressos observados.

Parece-me que assim se faz Arte.

61 - MALLET, Pardal. “Ainda a Academia”. In : Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro,19 de junho de 1890, p.1.

62 - Idem, ibidem.63 - Idem, ibidem.

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Em todo o caso parece-me que o campo está limpo para fazer a construção que quiserem fazer.64

Após este artigo do dia 19, Pardal Mallet publicou ainda outros três sobre o mesmo

assunto nos dias 24, 25 e 26 de junho; todos três receberam o título de Pela Academia, sendo

numerados I, II e III. O título já diz do que se trata: da defesa de uma nova Academia, contra a

idéia de extinção da mesma.

No artigo do dia 24 de junho, Pardal Mallet comenta que Aurélio de Figueiredo começara

a publicar no Correio do Povo, no dia anterior, “uma série de artigos, tendentes a insinuar e

justificar a extinção completa da atual Academia de Belas Artes e a sua substituição apenas por

ateliers, esparsos, subvencionados pelo governo”.65

Pardal Mallet discorda inteiramente da idéia, e a fim de demonstrar a inadequação das

propostas de Aurélio de Figueiredo, reproduz na Gazeta de Notícias os artigos do projeto cujos

signatários eram o próprio Aurélio, Décio Villares e Montenegro Cordeiro66, para em seguida

comentar as proposições dos três positivistas:

O projeto supra é opressivo. Subordina o artista ao governo como de forma alguma outra é possível. E não oferece garantias àquele, embora pareça firmar entre as duas partes uma espécie de contrato synallaginático.

Mais ainda:

Tolhe o desenvolvimento estético do país, não permitindo que particular adquira a posse de trabalho artístico porque o § IV do art. 6º em que se regulam as obrigações da primeira classe de pensionistas que recebem subvenções para trabalhar, para fazer Arte, ordena que eles percam a posse material dos seus trabalhos e que estes sejam recolhidos ao Museu.

Mais ainda:

Não compreende as conveniências do professor e do discípulo na parte a que se refere à segunda classe de pensionistas, a classe encarregada do ensino do desenho nas escolas, porque distrai aptidões superiores para misteres inferiores, o que é um desperdício da força coletiva, ou se propõe a fazer do Brasil inteiro um país de artistas, o que é um não senso.67

Pardal Mallet conclui seu artigo com as seguintes palavras:

Isto de positivismo em síntese, é uma história.

Há dez séculos que a humanidade tenta, sem conseguir, libertar-se do jugo opressivo da Bíblia.

64 - Idem, ibidem.65 - MALLET, Pardal. “Pela Academia – I”. In: Gazeta de Notícias, 24 de junho de 1890, p.1.66 - A íntegra do artigo, com a reprodução do projeto positivista, encontra-se no anexo.67 - MALLET, Pardal. “Pela Academia – I”. In: Gazeta de Notícias, 24 de junho de 1890, p.1.

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Não vale a pena por conseguinte pegar dos livros de Comte para fazer uma nova Bíblia.68

No artigo do dia 25, Pardal Mallet analisa a questão do ensino da pintura segundo “três

problemas diversos”: (1) - a difusão elementar do desenho, (2) - o preparo intelectual dos que se

destinam à profissão artística, e (3) - a formação da individualidade artística.

Após dividir a questão nestas três partes, o jornalista apresenta sua proposta de reforma da

Academia. Dos candidatos a estudantes de artes, deveriam ser exigidos os preparatórios de

“português, francês ou italiano, aritmética, geografia e história”.69 Os candidatos aprovados

passariam por um curso de três anos, organizado da seguinte forma:

1º ano – Aritmética e geometriaHistória das artesDesenho de figura.

2º ano - Ciências naturais em geral, física e química, especialmente aplicadas às artes,Perspectiva,AnatomiaDesenho de modelo vivo.

3º ano - Fisiologia aplicada às artes,Arqueologia,Desenho de modelo vivo e de paisagem do natural.70

Depois deste curso, poderia o aluno:

(...) tratar de fazer a sua individualidade como bem quiser, livre de regulamentações precisas, mas já apto ele mesmo a saber o que quer e a chegar à sua especialização artística. Fica-lhe então permitido o tomar um professor particular, ou matricular-se em um dos ateliers que o Estado para tal efeito deve subvencionar.71

Contra este projeto, Pardal Mallet acreditava que não procedia “o argumento da

centralização da arte” que Aurélio de Figueiredo apresentara “como argumento desfavorável à

existência da academia”, já que sempre existiriam “capitais intelectuais” para onde “afluem os

moços que tem audácia e tem talento”.72

O décimo segundo e último artigo de Pardal Mallet, intitulado Pela Academia III, foi

publicado na Gazeta de Notícias em 26 de junho, um dia após os artistas rebelados terem

68 - Idem, ibidem.69 - MALLET, Pardal. “Pela Academia – II”. In: Gazeta de Notícias, 25 de junho de 1890, p.170 - Idem, ibidem.71 - Idem, ibidem.72 - Idem, ibidem.

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entregue ao Ministro Benjamin Constant seu pedido de reforma da Academia. No dia 22,

conforme noticiado em O Paiz, os artistas reuniram-se no salão do Derby Club a fim de

“subscreverem uma petição que será entregue ao digno ministro da instrução pública,

relativamente à necessidade urgente da completa reforma na organização da Academia das

Belas Artes”.73

Pardal Mallet, escrevendo no dia seguinte à entrega do documento ao ministro, afirma que

nada mais tinha a fazer “sobre este caso da Academia de Belas Artes”.74 E resume o “caso”:

A imprestabilidade da atual está demonstrada:

1° - pela mensagem firmada pelos nossos mais notáveis artistas e ontem entregue ao Sr. Benjamin Constant

2° - pela defesa que o Sr. Rozendo Muniz tentou fazer da mesma Academia.

3° - pela defesa que o Sr. Pedro Américo também tentou fazer ontem.

4° - pelo silêncio dos outros réus.

5° - pelo juízo da opinião pública, que é toda favorável à revolução artística agora operada.75

De fato, mesmo Rozendo Muniz, que escrevera um artigo em defesa da Academia, no

Jornal do Commercio do dia 13 de junho, publicado também em O Paiz no dia 15 de junho; ou

Pedro Américo, em sua carta ao Ministro da Instrução Pública, publicada no dia 25 em O Paiz76,

acabaram fornecendo mais argumentos aos demolidores da Academia.

Completando porém sua argumentação, Pardal Mallet defende mais uma vez, em seu

artigo do dia 26, a construção de uma nova Academia. E acrescentando que estivera presente no

encontro dos artistas com o ministro Benjamin Constant, informa os leitores de que este

“declarou que pretendia gradativamente fazer a reforma da instrução primária, da secundária,

da superior e da artística”.77

Mas uma informação dada por Pardal Mallet nos parece significativa:

Sobre a Academia, entretanto. S. Ex. ficou de atender prontamente ao ofício do Sr. Maia, pedindo uma comissão de inquérito, e do qual não tinha ainda conhecimento.78 [grifo nosso].

73 - “Artes e Artistas”. In: O Paiz. Rio de Janeiro, 22 de junho de 1890, p.2.74 - MALLET, Pardal. “Pela Academia – III”. In: Gazeta de Notícias, 26 de junho de 1890, p.1.75 -Idem, ibidem.76 - A íntegra dos artigos em questão encontram-se no anexo.77 - MALLET, Pardal. “Pela Academia – III”. In: Gazeta de Notícias, 26 de junho de 1890, p.1.78 - Idem, ibidem.

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Apesar de toda a movimentação de estudantes e professores em torno da causa da

Academia, o Ministro ainda não tinha conhecimento do ofício enviado pelo diretor Ernesto

Moreira Maia há 25 dias. Sem dúvida nenhuma, a Academia de Belas Artes não fazia parte das

preocupações primordiais de S. Ex.a o Sr. General Doutor Benjamin Constant, Ministro da

Instrução Pública, Correios e Telégrafos.

Mas Pardal Mallet parece não se abalar com isso, e contente conclui:

Vai se reformar, por conseguinte, o negócio.

S. Ex. de toda esta discussão aproveitará a apresentação de três projetos: o Bernardelli - Amoedo, o Décio – Aurélio, e o meu que é conciliador.

(...).

Bem orientado e criterioso, dispondo destes elementos todos, o Sr. Benjamin Constant está, por conseguinte, nas condições perfeitas de tornar-se o pai e construtor da Arte Brasileira.79

Quanta esperança nesse jovem Pardal Mallet!

1.1.4 – Os acontecimentos dia a dia – retificações e interpretações

Duas semanas depois, reuniu-se parte do grupo em um Café. A proposta partiu do Sabino. Foi ele quem, aprumado, num segredante puxar de cadeira, e com voz gutural a fazê-la baixa, lançou a primeira idéia. Propunha, sensatamente, um acordo – entre eles que formavam o Zut, e o Estado, que mantinha a velha Academia. Conduziu com cuidado a proposta à evidência dos acontecimentos – estavam sem meios de estudos, eram paupérrimos, ninguém os coadjuvava nas suas aspirações e se achavam incompatibilizados com a corporação acadêmica, assim fariam um abaixo-assinado pedindo ao Governo para fechar a Academia reduzida à freqüência de meia dúzia de discípulos, e instituir ateliers livres.

[DUQUE, Gonzaga. Mocidade morta, p.88]

Foi no mês de julho que os estudantes tomaram a iniciativa de uma ação prática.

Conforme já foi dito, decidiram abandonar a Academia, indo trabalhar numa construção

provisória, o barracão que abrigara a exposição do quadro alegórico de Aurélio de Figueiredo, A

Redenção do Amazonas, situado no centro da cidade do Rio, mais precisamente no Largo de São

Francisco, ao pé do monumento a José Bonifácio.

79 - Idem, ibidem.

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A decisão de trabalhar fora do prédio da Academia foi tomada depois de uma série de

reuniões de artistas para discutir a ineficácia da instituição. Pode-se acompanhar a mobilização

dos estudantes através dos artigos de jornais que registraram o movimento. Em 17 de junho de

1890, a coluna Artes e artistas do jornal O Paiz publicava um resumo da primeira reunião :

No salão do Derby Club realizou-se ontem a reunião dos artistas pintores, escultores, arquitetos e gravadores. (...). Abrindo a reunião o Sr. Teixeira da Rocha apresentou a seguinte proposta :

Art. 1o - É ou não é útil a existência da Academia das Belas Artes, no estado de desmoralização em que se acha ?

Art. 2 o - É ou não é bem gasta a subvenção dada pelo governo, e esta subvenção produz os resultados a que é destinada ?

Art. 3 o - Atualmente a corporação docente da academia está na altura de pertencer a uma academia de belas artes ?

Art. 4 o - Não será mais útil ao ensino artístico que se aplique esse dinheiro em subvencionar oficinas de belas artes a moços, que tendo dado provas públicas de talento, queiram estudar belas artes nos grandes centros europeus, mediante concursos, exposições, etc ?

Foi aprovado o art. 1o da proposta, concordando todos os presentes que a existência da academia era inútil e nociva.80

Este resumo da reunião evidencia a insatisfação dos artistas com a Academia de Belas

Artes.81 Vemos que nesta ocasião, a própria existência da Academia foi questionada e os artistas

declararam sua inutilidade. Mas em 21 de junho, realizou-se uma nova reunião. No dia seguinte,

O Paiz relatava :

Efetuou-se ontem, no salão do Derby Club a reunião anunciada de artistas pintores, escultores, arquitetos e gravadores com o fim de subscreverem uma petição que será entregue ao digno ministro da instrução pública, relativamente à necessidade urgente da completa reforma na organização da Academia das Belas Artes.

Por aclamação foi nomeado presidente da assembléia o ilustre artista Rodolpho Bernardelli, que escolheu para seus secretários os seus distintíssimos colegas Rodolpho Amoêdo e Décio Villares.

Lida a representação, documento importantíssimo, que obteve unânimes aplausos, foi em seguida assinada por todos os artistas presentes e, segundo deliberação da mesma assembléia, estará até o dia 24, no barracão da exposição do quadro alegórico a Redenção do Amazonas, à disposição das pessoas, artistas ou amadores de belas artes, que queiram subscrevê-la.

80 - « Artes e artistas », In : O Paiz, 17 de junho de 1890.81 - Observamos que o principal motivo de insatisfação era a interrupção dos Prêmios de Viagem, pois os

estudantes consideravam a passagem pela Europa como indispensável à sua formação.

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(...), não é lícito supor que da parte do honrado e esclarecido ministro a importante representação encontre senão o mais decidido apoio para a pronta conversão do adiantado projeto em proveitoso fato.82

Por ocasião desta segunda reunião, já não se discutia a supressão da Academia, mas sua

reforma. Além disso, a presença de Décio Villares, como secretário, ao lado de Rodolpho

Amoêdo e Bernardelli, mostra que começava a haver conciliação entre os que num primeiro

momento haviam defendido a eliminação da Academia, e os que reivindicavam apenas uma

reforma da instituição.

O movimento dos jovens artistas era francamente apoiado pelos jornalistas. Mas O Paiz

publicou também, dois dias mais tarde, uma longa carta de Pedro Américo endereçada ao

Ministro da Instrução Pública. O pintor analisava a situação do ponto de vista dos defensores da

Academia. É interessante citar algumas passagens desta carta:

Capital Federal, 20 de junho de 1890.

Sr. Ministro - A atual agitação dos espíritos progressistas contra a Academia das Belas Artes, para alguns distintos escritores perfeitamente justificável e para outros nimiamente injusta, procede em parte de vícios reais daquela antiquada e infeliz instituição, porém, principalmente, de uma ilusão intelectual que consiste em atribuírem-se-lhe males dos quais ela própria se queixa há mais de um quarto de século, e que dependem de causas externas, radicadas e gerais, absolutamente independentes da vontade de um pequeno grupo de homens desunidos pelo desânimo ou por suas preocupações especiais.

(...) Não é tanto na deficiência do método, quanto na orientação particular do gosto público, que está o nó górdio que se procura desatar com uma violenta supressão, ou mesmo com a simples reforma da velha academia, abstração feita dos meios conducentes a tornarem o artista um cidadão praticamente útil, em vez de uma louca divindade imune e inútil (...).

Três condições são necessárias e indispensáveis à vida estética de um povo : o gênio, o método e o meio social. Mas, se porventura, uma dessas condições se deixa ultrapassar em importância, é sem dúvida o método. Imputar, pois, exclusivamente à instituição depositária das regras e preceitos elementares, (...), uma situação dependente de causas tão grandes e gerais, é desconhecer a imprescindibilidade do íntimo consórcio dos maiores fatores de todo o progresso possível na ordem dos fenômenos estéticos.

(...). Tímido produto de um meio refratário e apático, não incumbia à academia modificar a sociedade de que era a imagem, nem poderia ela reagir vitoriosamente contra as forças negativas que lhe opunham um povo sem sensibilidade e um governo sem orientação claramente definida no assunto. (...). De mais, essa supressão rápida e incondicional de que se fala, ainda quando motivada por fatos que a justificassem, ecoaria entre os povos mais cultos do

82 - O Paiz - 22 de junho de 1890 - p.2.

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mundo, acompanhada dos malévolos comentários daqueles que desejam pintar com os lineamentos do desatino e da violência o ilustrado governo da República.

(...). De mais reforme-se a atual academia, dando-lhe uma orientação totalmente liberal e moderna, mas encerrando-a nos limites de uma escola preparatória ; (...).

- A exemplo da França, da Alemanha, da Rússia, da Bélgica, da Espanha e de outros países cultos e experientes - que sustentam em Roma suas respectivas academias nacionais, com uma organização completa e sede em magníficos palácios - comece-se simplesmente por enviar à Europa um artista ilustrado e conhecedor dos dois ambientes, a fim de guiar os pensionistas do estado, informar o governo acerca dos acontecimentos artísticos dos principais centros, e servir, por assim dizer, de elo entre o movimento nacional e o daqueles brilhantes focos de produção ;

- finalmente, (...), propague-se e generalize-se o ensino do desenho, dê-se grande incremento ao estudo da arquitetura, e instituam-se pelos diferentes estados da República pequenas escolas especiais e pequenas galerias de arte, destinadas a disseminarem a instrução e a acolher os artefatos dignos de servirem de modelo e exemplo a um povo livre. (...).

Eis, Sr. Ministro, numa rápida síntese, o meu fraco entender a respeito do objeto que está sendo explorado pela curiosidade pública, e que ameaça degenerar em pomo de discórdia entre cidadãos ilustres e probos, ou em privilégio exclusivo da ambição pessoal, senão vos dignardes de opor solicitamente à corrente dos fatos quotidianos o prestígio do vosso critério, das vossas luzes e do vosso patriotismo.

Respeitoso vos saúda vosso humilde compatriota,

Pedro Américo

Capital Federal, 20 de junho de 1890. »83

Esta carta de Pedro Américo é a prova do alcance do debate que dividia o meio artístico

brasileiro. Se um dos pintores mais reputados da época pronunciou-se sobre o tema, é porque o

assunto era causa de grande inquietação. De fato, a própria existência da Academia estava em

jogo.

Por outro lado, as palavras de Pedro Américo são reveladoras. Ao invés de defender a

Academia contra uma possível supressão, o pintor parece atacá-la ainda mais. Ele sublinha todos

os problemas e fraquezas da instituição. Suas palavras exprimem o pensamento generalizado

sobre a inadequação do país às belas artes. E mesmo se propõe a difusão do ensino artístico em

todos os Estados do País, a única solução que lhe parece plausível para a formação dos artistas

83 - O Paiz - 25 de junho de 1890 - p.3.

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nacionais era a de enviá-los para estudar na Europa. De modo surpreendente, os artistas de todos

os grupos e até mesmo os artistas ligados à Academia, estavam de acordo sobre este ponto.

Mas a agitação dos estudantes continuava. Em 26 de junho, O Paiz publicava a seguinte

circular, publicada igualmente no Jornal do Commercio de 27 de junho:

Cursos de belas artes

Circular

Não podendo ficar paralisado o estudo das belas artes, e estando os ex-alunos da academia moralmente obrigados a não aproveitar o pouco material de ensino que lá se fornece, a comissão promotora da mensagem que acaba de ser entregue ao governo pedindo a supressão da academia, resolveu organizar cursos públicos e gratuitos em local que será mais tarde anunciado. Para a realização desta idéia pedem os abaixo assinados a subvenção do público, subvenção que será provisória, porque o Sr. general Benjamin Constant comprometeu-se a resolver satisfatoriamente e dentro em breve o problema do ensino artístico entre nós. Como processo de recolher a subvenção, os abaixo assinados deixam listas nas redações dos jornais.

Capital Federal, 25 de junho de 1890.

Rodolpho Bernardelli, escultor.Décio Villares, pintor.Rodolpho Amoedo, pintor.Aurélio de Figueiredo, pintor.Manoel Teixeira da Rocha, pintor,Francisco Ribeiro, pintor,Baptista Castagneto, pintor,Emílio Rouède, pintor,Henrique Bernardelli, pintor.84

No dia 9 de julho de 1890, O Paiz anunciava a abertura dos cursos públicos e gratuitos no

barracão instalado no Largo de São Francisco. O jornal informava também que oito alunos

estavam inscritos no curso de pintura, e dois outros no curso de escultura. Era a maneira

encontrada pelos estudantes para pressionar o governo de modo a convencê-lo da necessidade de

reformar a Academia. Esta teve grande dificuldade para garantir a continuidade dos cursos pois

os alunos se recusavam a freqüentá-los.

Conforme já foi mencionado, Frederico Barata, em seu livro sobre Eliseu Visconti,85

refere-se à movimentação dos estudantes contra a Academia de Belas Artes. É útil e agradável

84 - O Paiz, 26 de junho de 1890, p.385 - BARATA, Frederico. Eliseu Visconti e seu tempo. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1944.

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reler o livro de Barata. No entanto, quando consultamos os documentos do período, algumas das

informações que constam em seu relato não se confirmam.

Frederico Barata refere-se aos dois grupos de artistas descontentes, e denomina-os de

Modernos e Positivistas. Explica que os estudantes dos dois grupos visavam uma renovação, mas

cada grupo defendia um ponto de vista diferente sobre a melhor orientação da reforma. Os

Modernos criticavam a Academia e, no entanto, não queriam se desfazer dela. Ao contrário,

reclamavam uma maior eficácia de seus métodos e pediam a retomada dos concursos de Prêmio

de Viagem. Quanto às mudanças reivindicadas, elas se referiam mais a modificações do

regulamento da Academia, do que a uma reforma profunda das normas fundamentais do ensino

artístico. Os Positivistas, mais radicais, eram liderados por Montenegro Cordeiro, Décio Villares

e Aurélio de Figueiredo. Em seu projeto, chamado de “Projeto Montenegro”, pediam a supressão

da Academia.86

Até aqui, o relato de Frederico Barata corresponde às informações extraídas dos jornais da

época. De fato, entre os “Novos”, percebem-se dois grupos distintos: o dos Positivistas, e outro,

formado por estudantes que apoiaram os professores Rodolpho Amoêdo e Rodolpho Bernardelli.

Mas a denominação de Modernos, para designar o grupo, não aparece nos documentos do

período. A palavra modernidade, ou o adjetivo moderno, são utilizados. Mas os componentes do

grupo são habitualmente chamados de os “novos”.

No livro de Barata, os acontecimentos são contados como se a iniciativa da revolta tivesse

partido dos alunos da Academia, que em seguida teriam conquistado o apoio dos jovens

professores Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoêdo, o apoio do pintor Henrique Bernardelli,

irmão do escultor Rodolpho, e até mesmo a simpatia de um mestre mais antigo, Zeferino da

Costa. Barata chega a citar a participação de Zeferino da Costa nos cursos livres promovidos no

Largo de São Francisco.87

É necessário dizer, no entanto, que até agora não há nenhum documento que confirme a

participação de Zeferino da Costa como mestre no curso livre. Nenhum dos artigos de jornais

menciona seu nome. Além disso, Alfredo Galvão, em seu estudo sobre João Zeferino da Costa88,

afirma que em setembro de 1889, o pintor partiu para a Europa e só retornou ao Brasil em 1893.

Galvão reproduz um ofício assinado por Zeferino, datado de 16 de agosto de 1889, pedindo 86 - BARATA, pp. 29-34.87 - BARATA, p.34.88 - GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa, sua vida de estudante e a de professor contadas pelos

documentos existentes na Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 1973.

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dispensa para ausentar-se da Academia, onde regia a cadeira de pintura de paisagem, para

executar, na Itália, a encomenda da decoração da igreja da Candelária do Rio de Janeiro. Galvão

afirma ainda que Zeferino foi nomeado Professor da aula de modelo vivo em 1890, após a

reforma que transformou a Academia em Escola de Belas Artes; mas só pode assumir a cadeira

em 1893, após seu retorno ao país.

É bem provável que a fonte de informações de Frederico Barata tenha sido o próprio

Visconti, que em conversas informais relatasse suas memórias do tempo de estudante. Talvez nas

lembranças de Visconti, episódios anteriores tenham se misturado aos acontecimentos de 1890...

Realmente, Zeferino tinha um histórico de oposição à Academia, de lutas para realizar as aulas de

pintura de paisagem ao ar livre, requerendo insistentemente ao governo, passes gratuitos nos

bondes para levar os alunos aos arredores da cidade. E Visconti fora aluno de Zeferino nestes

anos, entre 1887 e 1889.

Assim como esta lembrança confusa, outros fatos da revolta dos alunos da Academia

parecem nebulosos. Para nos aproximarmos ao máximo do que teria sido a verdadeira história

dos acontecimentos de 1890, resta-nos recorrer, além dos relatos jornalísticos, às diversas versões

dos fatos contados pelos contemporâneos. Nesse sentido, não podemos deixar de citar o artigo

que Gonzaga-Duque escreveu contando sua vivência da revolta. O artigo tem o título de O

aranheiro da Escola, e faz parte do livro Contemporâneos.89 Gonzaga-Duque inicia contando

como se originara a revolta de 1890:

Em fins de 1887 o descontentamento lavrava pela maioria dos estudantes da Imperial Academia. Mas, esse descontentamento, provinha mais diretamente da organização obsoleta do regulamento do que, propriamente, das suas nugas e quizilias, a que estavam acostumados todos os artistas daquele tempo. (...).

A proclamação da República em 1889, veio trazer largas promessas a essa mocidade. Pensaram todos que a mudança do regime governativo implicava reforma radical na vida das nossas instituições, (...).90

É nesse contexto, diz o crítico, que um grupo de artistas, simpatizantes dos “princípios da

escola comtista”, elabora um projeto para a “organização do ensino das belas artes”. Este grupo,

formado por Montenegro Cordeiro, Décio Villares e Aurélio de Figueiredo, é elogiado por

Gonzaga Duque que julga seu projeto “inegavelmente utilíssimo e sério”.91 Da leitura dos trechos

89 - DUQUE, Gonzaga. “O aranheiro da Escola”. In: Contemporâneos. Rio de Janeiro: Typ. Benedicto de Souza, 1929, pp.215-225.

90 - Idem, pp.216-217.91 - Idem, p.217.

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transcritos por Gonzaga Duque, fica claro que a característica principal do projeto dos

positivistas era a eliminação total da Academia, e sua substituição por cursos em ateliers de

mestres subvencionados pelo governo. O futuro artista teria a liberdade de escolher o professor

que melhor lhe parecesse. Outro aspecto importante do projeto era a ênfase na difusão das artes

em todos os Estados do país e entre todas as classes e idades. Os estudantes de artes receberiam

pensões para que fossem ensinar o desenho nas escolas públicas de todo o Brasil, e era prevista a

fundação de museus em todos os Estados da federação.

Foi este aspecto descentralizador que agradou ao crítico. Mas, diz Gonzaga Duque,

“enquanto aqueles artistas, (...) confeccionavam o proveitoso plano de reforma, (...) os Srs.

Rodolpho Amoêdo e Rodolpho Bernardelli, iam trabalhando em outro projeto, orientados pelo

ensinamento oficial das Academias da Europa, particularmente a de Paris.”92

E Gonzaga Duque deplora o fato de o “excelente plano Montenegro, Décio e Aurélio” não

ter obtido a “atenção do governo que pensou de modo diverso e, respeitando os moldes arcaicos

disfarçados em reforma, pôs o condenado instituto em anacronismo com os puros princípios da

Democracia.” 93 Ou seja, o governo optou pelo projeto Bernardelli – Amoêdo, que não tinha

propostas de verdadeiras mudanças.

A parte mais interessante do artigo de Gonzaga Duque é quando ele conta sua

participação nos acontecimentos de 1890:

Então o autor dessa linhas, por esse tempo muito moço e iludido com os homens e as cousas de seu país, e os demais com a tola preocupação de se interessar pelas belas artes sem ter por si a responsabilidade profissional, reunindo-se a um grupo de jovens artistas, os mesmos ou quase todos os que fizeram o movimento reacionário, tentou organizar o ensino-livre das Belas Artes no Rio de Janeiro!94

A resistência desse grupo “chegou a ser extraordinária, quase um martírio... e algum dia

eu a contarei”- escreve Gonzaga Duque -“ao menos para ser lida por meia dúzia de moços”.95

E referindo-se aos episódios do Largo de São Francisco, prossegue:

(...) a Academia era acintosamente combatida por esse grupo de artistas que, ajudado por alguns capitalistas, fundaram um curso-livre no barracão construído pelo Sr. Aurélio de Figueiredo para a exposição de sua grande tela encomendada pelo governo do Amazonas.96

92 - Idem, ibidem.93 - Idem, p.221.94 - Idem, ibidem.95 - Idem, p.222.96 - Idem, pp. 222-223.

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A esses heróicos resistentes, Gonzaga Duque contrapõe os integrantes da comissão

nomeada pelo governo, os signatários dos projetos:

Enquanto assim procedíamos, a comissão nomeada pelo governo para elaborar o regulamento da reforma, e composta dos Srs. Amoêdo, R. Bernardelli e Dr. Moreira Maia, entrava em discordância, chegando o último destes membros a negar sua assinatura ao trabalho apresentado por aqueles seus companheiros. Teve o governo de substituir o Dr. Maia pelo Sr. Décio Villares, o signatário do projeto Montenegro! – (...) elaboração singularíssima, (...).97

O crítico se espanta com o rápido acordo entre Décio Villares e os professores Amoêdo e

Bernardelli, que pouco antes defendiam propostas diversas sobre a Academia. Finalmente, em

dezembro de 1890, foi promulgada a reforma da Academia. Sobre esta, Gonzaga Duque afirma

que se tratou apenas de mudança de nome, passando a Academia a ser chamada Escola Nacional

de Belas Artes. “Questão de rótulo”.98 Gonzaga Duque conclui:

Aqui temos em rápidas linhas a história dessa reforma. O nome artístico do novo diretor da nova Escola, ex-Academia, e o cultivo mental do seu vice-diretor, cargo novo entregue a uma das glórias da nossa arte, seriam o bastante para atrair a “mocidade de belas artes” se ela, em uma grande parte, não protestasse contra a forma caracteristicamente oficial dada ao instituto. Era uma questão de princípios e não de pessoas como muita gente supunha.99

De acordo com Gonzaga Duque, o verdadeiro problema da Academia, seu caráter oficial,

não havia sido resolvido com a reforma. O crítico lamentava que as mudanças consistissem

apenas numa troca de nomes e de pessoas, a estrutura permanecendo inabalável.

A leitura das atas, dos artigos de jornais, e dos relatos diversos sobre os acontecimentos de

1890, nos deixam a seguinte impressão: - Havia um real descontentamento dos estudantes com a

decadência da Academia. Esta decadência, no entanto, refletia a crise do governo imperial. A

Academia, conforme Gonzaga Duque sublinhava em seu artigo, tinha caráter oficial e dependia

da ajuda do governo federal para funcionar. Assim, faltando este apoio do Estado, desde o ano de

1887, o maior problema da Academia era a precariedade na qual vivia a instituição. Mas não

eram apenas os estudantes que estavam insatisfeitos. Os próprios professores se queixavam das

condições de trabalho. As reclamações abrangiam desde as péssimas instalações, (problemas de

espaço, de má iluminação, a falta de uma bela vista, e o desgaste dos materiais que não eram

repostos), passavam pelo despreparo dos alunos, e alcançavam o meio social, considerado inapto

para a apreciação das belas artes.97 - Idem, p.222.98 - Idem, p.223.99 - Idem, ibidem.

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Quanto à reivindicação de mudanças no plano estético, esta parecia ser elemento

secundário ou coadjuvante entre outras tantas carências. Nota-se que o projeto dos Positivistas

não abordava nenhuma revolução estética. E o projeto de reforma Bernardelli - Amoêdo resumia-

se aos aspectos institucionais, pedindo a demissão dos antigos professores, e limitando a dez anos

o período de atividade dos novos. Aliás, esta resolução acabou caindo em desuso, os professores

sendo reconduzidos, passados os primeiros dez anos.

Sabe-se que o desenlace deste episódio vivido pelos artistas e estudantes de artes no Rio

de Janeiro durante o ano de 1890, deixou uma sensação amarga para alguns dos seus

protagonistas. A sensação de que muito se lutara por muito pouco é expressa por Gonzaga

Duque, em seu livro Mocidade morta.

Os resultados práticos dessa reforma foram a renovação do corpo docente, a retomada de

uma freqüência anual das Exposições Gerais e o restabelecimento dos Prêmios de Viagem. Além

disso, um novo prêmio de viagem foi instituído para o melhor participante da Exposição Geral.

Por um lado, poderíamos pensar que, finalmente, tudo o que ocorreu em torno da

Academia em 1890, foi apenas resultado de brigas internas e ambições pessoais. Por outro lado, a

mobilização dos estudantes, a participação dos jornalistas e o envolvimento dos críticos, revelam

que havia um real anseio por renovação, mesmo que este desejo fosse ainda difuso, e seu objeto

indefinido.

2 - Conclusão e questões em abertoHouve unicamente o ruído alegre de rapazes que se insubordinam contra os estatutos de um curso obsoleto, contra as exigências casmurras de uns pobres mestres desiludidos... E logo ele, que não sabia também o que queria; (...); ele vadio romântico das tristezas, (...). Fizera-se peste, contagiou a alma sã dessa gente com a febre inquietadora da sua doença d’espírito – uma nebulosa intuição supercoeva do que estava para vir – a antevidência desse atormentado Moderno que vai, num deslumbramento de demência seduzindo os Cláudios Lantiers100 da Nova Era... Teve nisso uma perversidade de enfermo incurável a deliciar-se, secretamente, com

100 - Claude Lantier – O protagonista de L’Oeuvre, [de Zola], (...) buscava desesperadamente transpor para a sua tela o espírito evanescente da contemporaneidade. Ao se convencer, numa de suas crises depressivas, de não ter conseguido esse ideal, suicida-se diante da tela inacabada. (Alexandre Eulálio – nota para Mocidade morta ).

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o mal que pode transmitir aos ilesos nos menores contatos da imprevidência (...), envenenando a alma desses bons rapazes com as suas profecias de agitador, (...). Quantos enganos!...

[Reflexões de Camilo, personagem do romance Mocidade morta, de Gonzaga Duque, pp.227-228.]

Será que “houve apenas o ruído alegre de rapazes” insubordinados?

Apesar das semelhanças encontradas entre as práticas da Escola Nacional de Belas Artes e

as da antiga Academia Imperial, estes episódios mostraram que já se vivia uma nova fase das

artes plásticas no Brasil.

Durante o trabalho de pesquisa e de redação, as interpretações sobre os acontecimentos de

1890 foram sendo reavaliadas. A análise dos documentos estudados trouxe novos dados para a

compreensão do período. Relendo os jornais da época, fica evidente a radicalização que ocorre

em 1890. Nos artigos da imprensa, os críticos acusam os professores da Academia de oporem-se

radicalmente às novas tendências e permanecerem apegados às velhas receitas e fórmulas

acadêmicas101. Esta visão se estabeleceu e permaneceu válida até hoje. Mas se lermos os

documentos deixados por estes professores e analisarmos suas atitudes, torna-se evidente que

suas posições eram mais flexíveis.

Um exemplo deste fato se dá na Exposição Geral de 1890. Se é verdade que as

Exposições Gerais estavam interrompidas desde 1884, data em que se realizara a última do

período monárquico, no ano de 1890 realiza-se uma nova Exposição Geral, já sob o regime

republicano, mas ainda sob a guarda da Academia não reformada. É interessante observar que os

professores da Academia, encarregados de indicar quais obras deveriam ser adquiridas pelo

Governo para fazer parte de suas galerias permanentes, escolhem obras de paisagistas

provenientes do grupo Grimm (Parreiras, Castagneto, Caron), assim como quadros de alunos

rebelados da Academia (Eliseu Visconti, por exemplo)102. Estes dados parecem contraditórios

com a imagem negativa da Academia e de seus professores.

É necessário recordar igualmente que já na Exposição Geral de 1884, Grimm fora

premiado com a primeira medalha de ouro, juntamente com Driendl e Castagneto. Nesta mesma 101 - A coleção de artigos dos jornais O Paiz, Gazeta de Notícias, Jornal do Commercio, Vida Fluminense,

e Cidade do Rio, datados do ano de 1890, encontram-se no “Anexo 1”. 102 - Ver ata da sessão do dia 5 de junho de 1890, no “Anexo 1”.

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exposição, Vazquez e Caron são premiados com segunda medalha de ouro, e França Júnior com

menção honrosa103. Enfim, os alunos de Grimm, exceto os mais recentes na Academia, Parreiras e

Ribeiro, são contemplados com prêmios significativos, como muito bem aponta Carlos Roberto

Maciel Levy104. Ora, a oposição “Academia X Georg Grimm” é um dos elementos principais do

discurso crítico contra a Academia. No entanto, parece que esta oposição não significou uma

postura estética efetiva contra a pintura de paisagem ao ar livre.

Ainda sobre esta questão, é interessante ressaltar que Parreiras, antigo discípulo de

Grimm, torna-se professor da Academia assumindo a cadeira de Pintura de Paisagem. No ano de

1890, Parreiras organiza uma excursão à Serra de Teresópolis com seus alunos105. Nota-se então

que os procedimentos “modernos” eram absorvidos pela instituição acadêmica.

Estes são apenas dois exemplos, entre muitos outros, que indicam que a realidade dos

fatos não corresponde à interpretação que se impôs.

A efervescência que caracterizou o meio artístico carioca nos últimos anos do século XIX

deixa algumas questões em aberto, e para elas voltamos nossa atenção.

2.1 - A denominação de « Modernos »

A denominação de “Modernos” sob a qual ficou conhecido um dos dois grupos de alunos

rebelados contra a Academia não é isenta de interesse. À primeira vista, a utilização da palavra

« moderno » causa estranheza, e parece não corresponder às características estilísticas da

produção desses mesmos alunos. Na história da arte no Brasil, estamos habituados a associar a

palavra « modernidade » aos acontecimentos e manifestações artísticas ligados ao marco

constituído pela Semana de Arte Moderna de 1922.

Durante o curso que ministrei, no primeiro semestre de 2000, no Programa de Pós-

Graduação em Artes Visuais, uma das alunas colocou a seguinte pergunta: - Esta denominação de

“modernos” foi adotada pelos próprios alunos da Academia membros do grupo, ou teria sido uma

“invenção” posterior?

103 - Todos os três foram discípulos de Grimm.104 - LEVY, Carlos Roberto Maciel. O Grupo Grimm ; paisagismo brasileiro no século XIX. Rio de

Janeiro, Pinakotheke, 1980, p.28.105 - Ver ata da sessão do dia 6 de outubro de 1890, no “Anexo 1”.

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Esta pergunta me pareceu muito importante. A pesquisa indica que a denominação de

“modernos” cristalizou-se mais tarde, a partir de análises de historiadores posteriores. Nos textos

contemporâneos da época da revolta, a palavra “modernidade” aparece em alguns momentos; no

entanto, para referir-se ao grupo de jovens alunos, na maior parte das vezes encontramos a

denominação de “os novos”.

Interessante é notar que a “modernidade” tão desejada, não parece negar alguns valores da

própria Academia. Para perceber este fato, o artigo escrito por Pardal Mallet e publicado na

“Gazeta de Notícias” de 7 de junho de 1890106, que já foi citado acima, é importantíssimo. Neste

artigo o jornalista afirma que uma das razões pelas quais os jovens alunos da Academia revoltam-

se é fomentada pela “influência que a vida e as tradições européias exercem sobre os nossos

artistas”. E acrescenta:

Mas os casos são diferentes!

Só na Europa existe arte velha e sedimentada; existem escolas diferenciadas em seu processualismo, guerreando-se, rivalizando-se.

Aqui existe por fazer.

A revolta lá na Europa consiste em destruir, a revolta aqui no Brasil consiste em construir.

E os nossos artistas, que são os revoltados, não podem por conseguinte aceitar a orientação dos revoltados do velho mundo.

As Academias não prestam, são absorventes e atrofiadoras, trabalham por esterilizar os artistas numa só feitura e numa só modelagem.

Mas começam a não prestar 50 anos depois de constituídas. Não nos serve, pois, a revolta lá dos outros, porque ainda não temos academia.

Vamos construí-la, porque ela é necessidade dos tempos de agora! E vamos construí-la na certeza de que há de ser preciso destruí-la daqui a 50 anos!

Investigamos qual o sentido do conceito de « modernidade » adotado pelos jovens alunos

da Academia em 1890.

2.2 - A relação da produção brasileira com a arte européia

Esta é outra questão que merece ser aprofundada. Esta relação sempre esteve presente na

história da arte no Brasil. Sabe-se que os Modernos de 1890 buscaram inspiração na Academia

Julian de Paris quando abriram os cursos no Atelier Livre no Largo de São Francisco. Em que

106 - Artigo que se encontra no “Anexo 1”.

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medida esta filiação não contradiz a denominação de ‘modernos’ ? E como os artistas brasileiros

do final do século XIX receberam as novas tendências da arte difundidas na Europa ?

Na busca de respostas a essas questões, novamente releio os artigos recolhidos nos

arquivos da Biblioteca Nacional, as atas da sessão do Corpo Acadêmico da Academia (Anexo 1),

as críticas de Gonzaga Duque (A Arte Brasileira, Graves e Frívolos), e analiso a produção

artística dos alunos e mestres da Academia. As hipóteses que surgem devem ser ainda

demonstradas e provadas a partir de uma análise mais minuciosa dos textos recolhidos e da

análise das obras artísticas da época.

2.3 - Os artigos na imprensa e a crítica aos métodos acadêmicos

As críticas à Academia que aparecem nos artigos jornalísticos são outro aspecto a ser

abordado. Qual o papel da crítica nesse momento ? Como se posicionavam os diversos críticos ?

A partir do estudo de trabalhos já realizados sobre os críticos Gonzaga Duque e Ângelo Agostini,

entre outros, estamos relendo os artigos publicados na imprensa da época buscando identificar

qual o conceito de modernidade por eles utilizado.

2.4 - O ensino da pintura de paisagem

Segundo o testemunho do professor Zeferino da Costa (1840-1915) em 1888, o ensino da

pintura de paisagem era dificultado pela estrutura acadêmica. Sabe-se que Georg Grimm

(1846-1887), quando assumiu a cadeira de Paisagem, flores e animais, nos anos de 1882 e 1883,

trouxera uma renovação para a pintura de paisagem na Academia. Essas informações nos levam a

situar na década de 1880 a aspiração por uma aproximação da natureza, o que corresponde a uma

atitude moderna. No entanto, já na década de 1850, Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879),

quando diretor da Academia (1854-57) se esforçara para « despertar nos estudantes a consciência

de que uma ‘pintura nacional’ floresceria mediante a observação sistemática da natureza

brasileira. (...), a substituição de modelos europeus pela contemplação da natureza viva seriam

formas de fomentar a ‘arte nacional’. »107

107 - SQUEFF, Letícia Coelho. Entre o urbano e o selvagem : a paisagem brasileira no pensamento de Araújo Porto Alegre. Comunicação no I Colóquio Internacional de História da Arte - CBHA / CIHA, São Paulo, 5 - 10 de setembro de 1999.

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A questão da pintura de paisagem está relacionada com o tema da modernidade. Meu

objetivo é verificar como este ensino foi realmente praticado dentro da Academia, e quais

divergências ele inspirou e em que períodos.

Sobre esta questão, devo apontar aqui um novo dado. Durante uma aula sobre o grupo

Grimm ministrada por mim para os alunos da Pós-Graduação, um dos alunos, Ivan Coelho de Sá,

comentou que o estudioso Arnaldo Machado afirmara e provara a partir de documentos que o

ensino da pintura de paisagem ao ar livre na Academia do Rio de Janeiro não começou com

Georg Grimm, e sim com Zeferino da Costa. Através deste mesmo aluno, procurei Arnaldo

Machado, que me recebeu e pôs à minha disposição seu trabalho “João Zeferino da Costa e o

ensino da pintura de paisagem ao ar livre”, de 1991, trabalho não publicado. Com efeito, Arnaldo

Machado prova que foi João Zeferino da Costa (1840-1915) quem primeiro insistiu em lecionar a

cadeira de pintura de paisagem ao ar livre. Regressando ao Brasil em 1877 após período de

estudos na Europa, Zeferino foi logo eleito professor honorário da Academia Imperial das Belas

Artes permanecendo no magistério até sua morte, em 1915.

Arnaldo Machado afirma em seu trabalho:

A verdade, que queremos fortalecer, é que a objeção ao sistema de ensino dentro da sala de aula não ocorreu a partir do paisagista alemão [Grimm]. Antes, outro eminente professor vinha buscando, insistentemente, estimular e guiar os alunos da aula de Paisagem para o estudo em contato direto com a Natureza, segundo a prática de pintura ao ar livre. Esse professor era João Zeferino da Costa.108

Arnaldo Machado precisa que Zeferino passou a reger as cadeiras de Paisagem e de

Desenho Figurado em 26 de agosto de 1878, em substituição ao Prof. Agostinho José da Motta

que falecera em 21 de agosto do mesmo ano. Até pelo menos 19 de maio de 1879, Zeferino

continuou ensinando a Pintura de Paisagem. Em junho deste ano entra em licença para executar

em Roma os estudos para as pinturas decorativas da igreja da Candelária (do Rio de Janeiro). De

volta ao Brasil em agosto de 1880, retoma o ensino da Paisagem até meados de julho de 1881,

quando Leôncio da Costa Vieira tomou posse da cadeira, por concurso público. Em 25 de agosto

de 1881 Zeferino volta à cadeira de Paisagem, porque Leôncio pedira licença por motivo de

doença, vindo a falecer em 28 de setembro do mesmo ano. Zeferino dirigiu a cadeira até a

contratação de Grimm, em 1 de maio de 1882109.

108 - MACHADO, Arnaldo. João Zeferino da Costa e o ensino da pintura de paisagem ao ar livre. Rio de Janeiro, 1991, (p.30). Trabalho não publicado.

109 - Idem, p. 31.

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O documento definitivo encontrado por Arnaldo Machado nos arquivos da Academia que

se encontram no Museu Dom João VI, data de 28 de fevereiro de 1881. Neste documento, “o

Professor João Zeferino da Costa (...), apresenta conta e passa recibo de ‘despesa feita em

passagens de bonds da cidade ao Andarahy Pequeno e vice-versa com 5 alunos matriculados na

aula de Paisagem, por ordem do Exmo Snr. Cons.o Director da Academia das Belas-Artes’”.

O documento discrimina, a seguir, a despesa, dia a dia, de 23 de outubro a 29 de novembro de 1880, com passagens de ida e volta ao bairro Andaraí Pequeno.110

E Arnaldo Machado conclui:

Não foi portanto, por influência dos ensinamentos do notável paisagista e professor alemão que o nosso Zeferino da Costa assim procedeu. Dele é, indiscutivelmente, a primazia da aplicação do método de ensino que alguns, depois de Grimm, disseram que era revolucionário.111

Esta informação, que pode parecer a alguns mero detalhe, deve ser considerada

importante para reavaliar este período final da Academia Imperial das Belas Artes do Rio de

Janeiro. A renovação chegava pelas mãos de um ex-aluno da Academia, um Prêmio de Viagem

que estudara em Roma custeado pelo governo brasileiro.

2.5 - As obras dos ‘estudantes revolucionários’ de 1890

As obras da geração de 1890 eram obras que nada tinham de revolucionário segundo a

crítica contemporânea. No entanto, talvez já apontassem para caminhos diferentes dos indicados

pela tradição acadêmica inicial. Nos interessa realizar um estudo comparativo da produção

desses jovens pintores e escultores do final do século com as obras dos artistas que haviam sido

professores da nova geração. Esta parte da pesquisa ainda está apenas esboçada.

3 - BibliografiaSobre arte e modernismo no Brasil - séculos XIX e XX

1. ACADEMIA CARIOCA DE LETRAS. Eliseu d’Angelo Visconti. Orações de Oswaldo Teixeira, Frederico Barata e Carlos da Silva Araujo. Rio de Janeiro, Sauer, 1944 - 1945.

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110 - Idem, p. 49.111 “- Idem, p.51.

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8. FEHRER, Catherine. The Julian Academy, Paris 1868 - 1939. Spring exhibition 1989. New York, Shepherd Gallery, 1989.

9. GRASSET, Eugène. Art Nouveau, décorations florales. Paris, Bookking international, 1988.

10. GRUNCHEC, Philippe. Les concours des Prix de Rome, 1797-1863. École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, Paris, 1986.

11. ________________. Les Concours d’esquisses peintes, 1816-1863. École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, Paris, 1986.

12. HUYGHE, PARINAUD, DORIVAL, DUBY et allii. Un siècle d’art moderne, l’histoire du Salon des Indépendants. Paris, Denoël, 1984.

13. LABAT-POUSSIN, Brigitte. Inventaire des Archives de l’École Nationale Supérieure des

Beaux-Arts et de l’École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs (Sous-séries AJ 52 et

AJ 53). Paris, Archives Nationales, 1978.

14. _______________. École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, AJ52: versement de 1983. Paris, Archives Nationales, 1988.

15. LAFORGUE, BURTY, CARDON, CASTAGNARY, CHESNEAU et allii. L’impressionnisme, 1874, une exposition. Editions de l’Amateur, 1996.

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16. LAURENT, Jeanne. A propos de l’Ecole des Beaux-Arts. Ecole nationale supérieure des Beaux-Arts, Paris, 1987.

17. LEMONNIER, Camille; KAHN, Gustave; SAUNIER, Charles, etc. Eugène Grasset et son oeuvre. Paris, La Plume, 1900. numéro spécial, n.261

18. LYOTARD, Jean-François et JUSKIEWENSKI, Claude. Catalogue de l’Exposition Henri Martin 1860 - 1943. Fragments, Paris, 1993.

19. MAINARDI, Patricia. The end of the Salon, art and the State in the Early Third Republic. University Press, Cambridge, 1993.

20. MARTINE, Herold. Académie Julian, 1868, historique. Paris, Presses de Jean Munier, 1987.

21. MICHEL, André. Notes sur l’art moderne (peinture), Corot, Ingres, Eugène Delacroix, Raffet, Meissonier, Puvis de Chavannes. A travers les Salons. Paris, Armand Colin, 1896.

22. MONNIER, Gérard. L’art et ses institutions en France, de la Révolution à nos jours. Gallimard, Paris, 1995.

23. MURRAY-ROBERTSON. Grasset: pionnier de l’art nouveau. Editions 24 heures, Lausanne, 1981.

24. PARINAUD, André. Barbizon, the origins of impressionism. Bergamo, Bonfini, 1994.25. PLANTIN, Yves & BLONDEL, Françoise. Eugène Grasset, Lausanne 1841 Sceaux

1917. Yves Plantin & Françoise Blondel. Paris, 1980.26. POOL, Phoebe. “The roots of Impressionism”. In: Impressionism. London, Thames and

Hudson, 1994.27. POMARÈDE, Vincent. “Les paradoxes de Corot – propos recueillis par Jeanne Faton-

Boyancé”. In: Dossier de l’art, Corot. Dijon, Editions Faton, mars-avril 1996.28. SEGRÉ, Monique. L’art comme institution, l’Ecole des Beaux-Arts, 19ème - 20ème siècle.

Les Editions de l’Ecole Normale Supérieure de Cachan, Cachan, 1993.29. THUILLIER, Jacques. Peut-on parler d’une peinture ‘pompier’ ? Essais et conférences

du Collège de France. Paris, PUF, 1984.30. VAISSE, Pierre. La Troisième République et les peintres. Flammarion, Paris, 1995.31. VITET, Louis & VIOLLET-LE-DUC, Eugène. A propos de l’enseignement des arts du

dessin. Ecole nationale supérieure des Beaux-Arts, Paris, 1984.32. WHITE, H. & C. La carrière des peintres au XIXe siècle. Flammarion, Paris, 1991.

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Anexo 1 - Fichamentos

• Atas1. Jornal O Paiz

- Jornal Gazeta de Notícias

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Atas das sessões do Corpo Acadêmico da Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro de 5 de junho a 10 de Novembro de 1890

(Fichamento por Ana Maria Tavares Cavalcanti )

Atas das sessões do Corpo Acadêmico (...) Academia das Belas Artes

[p.80] Ata da sessão em 5 de junho de 1890

(...) Presentes os Professores Ernesto Gomes Moreira Maia, Domingos de Araujo

[Domingos de Araújo e Silva – Professor honorário: 1864. Disciplina – Matemáticas aplicadas

1864; 1872 a 1890. Fonte: Museu D. João VI] , Victor Meirelles, Medeiros, Rozendo Muniz

[Rozendo Muniz Barreto – Professor honorário - 1880. Disciplina: Osteologia, Miologia e

Fisiologia das Paixões ou Anatomia e Fisiologia Artísticas (ou simplesmente Anatomia) 1888.

Fonte: Alfredo Galvão, M. Dom João VI112] e Cirne Maia, faltando o Sr. Prof. (...) Rodolpho

Bernardelli, com justificação de motivo o Sr. Prof. Comm. Mafra (...) Theophilo das Neves Leão,

e por se haverem ausentado do país com licença os Srs. Professores Conde da Motta Maia e Dr.

Pedro Américo (...).

[Leitura de Avisos e Ofícios] de 27 de maio em que, atendendo ao que representa o Ofício

no 84, de 12 do mesmo mês, da Diretoria da Academia, se autoriza a mesma Diretoria a fazer vir

da Europa livros e revistas para a biblioteca e todos os objetos necessários ao ensino da casa. (...).

O Sr. Cons.o Diretor abre a primeira parte da ordem do dia, mandando de acordo com os

estatutos proceder à apresentação das faltas dos alunos durante o mês findo. Com exceção do Sr.

Professor Comm. Medeiros que declara relevar as faltas dos alunos das aulas de desenho

figurado, nenhum dos Srs. Professores presentes oferece observação a respeito. Passando à

segunda parte da ordem do dia o Sr. Cons.o Diretor manda ler o parecer da Comissão

encarregada de formular parecer de proposta para a compra de trabalhos artísticos dentre os que

figuraram na última exposição geral. O secretário lê: “A Comissão incumbida de designar quais

112 - Fundo EBA notação 988Data : 17 / 12 / 1883 a ...Conteúdo : Cópia de decreto nomeando Rosendo Muniz Barreto, professor honorário da Seção de Ciências acessórias.

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os quadros que na última exposição geral de belas-artes, atento o merecimento, podem, mediante

aquisição dessas obras, vir enriquecer a nossa galeria nacional desta Academia propõe que sejam

adquiridos, em conformidade da avaliação a que procedeu, os seguintes quadros abaixo

mencionados: A. Parreiras: “Turbínio”, por 1.500$000; “Funeral em S. Doná”, 300$000;

“Pescadores do Adriático”, 300$000: soma 2.100$000: todos a óleo. Elyseu Visconti: “Uma

Pedreira”, 100$000; “Novilho”, 150$000; todos a óleo: soma 250$000. Estevam Roberto da

Silva: “Frutas – Estudo de Uvas”, 50$000, a óleo. Henrique Bernardelli: “Veneza”, paisagem

300$000; “Um Páteo”, 150$000; “Dicteriade”, 2000$000; “Calle de Veneza”, 200$000;

“Bandeirantes”, 7.000$000; “Uma Cachimbada”, 100$000; “Milho às Frangas”, 50$000,

“Meditação”, 500$000; as cinco primeiras a óleo, o sexto e o sétimo em aquarela, o último em

pastel. Hypolito Caron: “Ladeira de Santa Thereza”, 200$000; “Praia Formosa”, 100$000; ambos

a óleo, soma 300$000. A soma dos quadros de Henrique Bernardelli é de 10.300$000. João

Baptista Castagnetto: “A Praia de Imbuhy”, 300$000, a óleo. João Baptista Pagani: “Paisagem do

no 98 do catálogo da exposição”, 150$000; “Uma Floresta”, 300$000; o primeiro a óleo, o

segundo a guache, 300$000, soma 450$000. José Ferraz de Almeida Junior: “Caipiras

Negaceando”, a óleo, 7.000$000. Soma total: 20.750$000. Academia de Belas Artes 2 de junho

de 1890 (Assinados) Victor Meirelles de Lima, João Maximiano Mafra, Dr. Domingos de Araujo

e Silva.” Feita a leitura, o Sr. Cons.o Diretor faz notar a redução que sofreram os preços sobre a

avaliação apresentada pelos autores, observando que, entretanto, a Comissão guiou-se

rigorosamente pelo que acreditara que valiam os quadros. O Sr. Dr. Rozendo Muniz pergunta

qual o preço em que foi avaliado pelo autor o quadro “Os Bandeirantes”- vinte contos, informa o

Sr. Cons.o Diretor. O Sr. Dr. Rozendo Muniz pergunta qual a importância da verba destinada à

aquisição de trabalhos artísticos – Quarenta contos, diz o Sr. Cons.o Diretor acrescentando que

pensa que a aquisição dos quadros expostos, que se pretende fazer, pouco excederá de metade

dessa importância. O Sr. Dr. Rozendo Muniz entende que a preferência dos trabalhos deve se

fazer escrupulosamente por seleção de merecimento favorecendo ao mesmo tempo o maior

número possível de artistas. Nota que na proposta da Comissão pedem-se muitos trabalhos de um

mesmo artista, quando há tantos outros autores a satisfazer. O Sr. Comm. Victor declara em

tempo que se pretendia incluir na proposta da Comissão um trabalho do seu colega o Sr.

Comendador Medeiros, o que não se fez porque tendo sabido desta resolução, a ela se opôs o

mesmo Sr. Comm. Medeiros. Continuando diz o Sr. Dr. Rozendo que acresce que se trata em

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geral de artistas que alcançaram prêmio. [p.81] Quanto ao número de quadros a comprar é preciso

limitá-lo estritamente pela condição de preciosidade artística. Com a fácil escolha em breve

faltaria o espaço nas galerias (...). Acha um tanto elevada a avaliação do quadro do Sr. Ferraz de

Almeida. O Sr. Cons.o Domingos diz que vale entretanto mais que o d“Os Bandeirantes” que é

maior. Discute em seguida com o Sr. Dr. Rozendo Muniz a superioridade entre as duas citadas

telas entre as quais, julga o Sr. Dr. Rozendo se não pode facilmente decidir qual é a que leva

vantagem tanto que o seu colega Comendador Victor Meirelles, apesar da concorrência das duas

grandes telas distinguidas não achou que houvesse artista na última exposição à altura do prêmio

excepcional de uma comenda. Insiste o Sr. Cons.o Domingos no seu modo de pensar afirmando

que prefere “Os Caipiras Negaceando” pela impressão que este quadro lhe produz pessoalmente.

O Sr. Dr. Rozendo Muniz replica com a teoria de que a estética tem o seu sistema, e o Belo

segundo o gosto de cada um não levaria a crítica a um resultado. O Sr. Cons.o Domingos analisa

mais detidamente as telas comparadas e conclui. – O Sr. Dr. Rozendo Muniz pergunta a quanto

monta a diferença entre o preço de “Os Caipiras Negaceando” pela avaliação de seu autor e o

preço oferecido pela Comissão. O Sr. Cons.o Diretor diz que o Sr. Ferraz de Almeida não

determinou preço para o seu trabalho. (...).

[Ainda Rozendo Muniz] E depois, a verba da compra de quadros a que se destina? O Sr.

Cons.o Diretor lê perante o Corpo Acadêmico a consignação orçamentária. Será correto, diz o Sr.

Dr. Rozendo, que se consuma quase toda a verba com a Exposição? Concluindo suas observações

o Sr. Prof. lamenta que haja apenas em sessão para resolverem o debate dois artistas, lamenta

ainda mais que seja ele, um profano, quem tenha discutido o assunto de que se ocupou, deseja,

por isso, que suas opiniões se prevalecerem prevaleçam com o acordo liso e franco da Comissão

encarregada de avaliar os trabalhos artísticos. O Sr. Cons.o Diretor diz que a proposta de compra

pode ser feita ao Governo condicionalmente – se houver dinheiro. O Sr. Dr. Rozendo pergunta

porque antes se não oferecem os quadros melhores à escolha do Governo. O Sr. Commdor Victor

diz que o Governo não pode por si fazer esta escolha. O Sr. Cons.o Domingos diz que se o Sr. Dr.

Rozendo deseja reduzir o número dos quadros preferidos pela Comissão, ou fazer qualquer outra

modificação ao parecer dessa Comissão, formule precisamente uma proposta. O Sr. Comm dor

Victor Meirelles declara-se em oposição a esta idéia. O Sr. Cons.o Diretor, julgando encerrado o

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debate, sujeita a votos o parecer da Comissão de compra de quadros, o qual é unanimemente

aprovado.

[Segue-se a leitura de longa carta do Diretor da Academia dirigida ao governo. Trata-se da

exposição permanente do acervo da Academia. O Diretor propõe que agora esta coleção seja

aberta ao público não somente aos domingos, como nos dias úteis de 9:00 às 15:00; e propõe que

sejam dadas palestras sobre “História evolutiva das idéias, dos costumes, a história da arte e a

elucidação de suas (p.82) transformações sucessivas.] “Esse seria o verdadeiro, o único

ensinamento realmente proveitoso e fecundo das galerias de exposição artística permanente; de

outro modo ou não sendo assim, e na carência como se dá, de um catálogo longa e

minuciosamente explicativo, essas galerias continuarão a ser apenas, para avultadíssimo número

de indivíduos, os silenciosos sarcófagos da arte, arquivos mudos que não despertam o gosto nem

incitam o espírito na contemplação e atento estudo dos objetos exibidos, (...). A S. Ex.a o Sr.

Doutor Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Ministro da Instrução Pública, Correios e

Telégrafos. O Diretor Ernesto Gomes Moreira Maia”. Desejando igualmente que figure no livro

das Atas outro ofício que também endereçou ao Governo, obrigado a assim proceder pelas

acusações de que foi alvo a Academia das Belas Artes, pede a atenção dos Srs. Professores e lê:

“no 90. Academia das Belas Artes. Capital Federal 31 de maio de 1890. Cidadão Ministro. Tenho

a fortuna de conhecer e acatar desde muitos anos a honrada respeitabilidade do vosso sisudo

caráter e a inquebrantável firmeza do vosso elevado critério; estou por isso bem certo de que nada

resolvereis sobre a Academia de Belas Artes sem maduro e mui refletido exame. Não obstante,

porém, são de tal gravidade as acusações levianas que um cidadão ilustrado faz à mesma

Academia, em um artigo ontem publicado na “Gazeta de Notícias” como se vê do retalho apenso,

que me vejo obrigado, porque comungo nos preceitos doutrinais dos que adotam o lema de alta

moralidade – viver às claras – e por que tenho consciência dos deveres a meu cargo, a pedir-vos,

como respeitosamente vos peço, vos digneis de nomear uma Comissão de pessoas da vossa maior

confiança, a fim de que venha procurar as provas desse sindicato a que se refere esse mesmo

artigo; de sorte a poder a Academia, por meio dessa averiguação oficial, repelir de si, como lhe

cumpre, as injustas acusações que lhe são feitas, como manifesta ofensa do seu decoro e do

respeito que deve merecer no conceito dos homens sensatos e na opinião pública. Saúde e

fraternidade. A S. Ex.a o Sr. General Doutor Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro

da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. O Diretor – Ernesto Gomes Moreira Maia.”

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Lembrando outras acusações do libelo que ocasionou esse ofício, entende que deve significar aos

Srs. Professores que se não descuidem do ensino da casa. Neste sentido, comunica que se

entendeu com o Sr. Comendador Medeiros, usando do direito que lhe assiste de promover de

acordo com os Srs. Professores os interesses do ensino, por meio de modificações vantajosas dos

métodos, programas – para que se adapte o sistema de copiarem os alunos da aula de desenho

figurado as boas telas das galerias. Nota que este seu procedimento é anterior às acusações acima

referidas e que no momento o que faz é simplesmente dar conta dele ao ilustre Corpo Acadêmico.

Com o mesmo ânimo de melhorar as condições do ensino entendeu-se igualmente há algum

tempo, com o Sr. Comm. Victor Meirelles a respeito da conveniência de adotar no ensino da aula

desse Sr. Professor, o estudo alternativamente do gesso e do modelo vivo. Estes e outros cuidados

não lhe tem faltado para presidir aos trabalhos da Academia. O Corpo Acadêmico toma em

consideração as palavras do Sr. Conselheiro Diretor que em seguida declara encerrada a sessão.

Academia das Belas Artes, 5 de junho de 1890.

[assinados] Moreira Maia

[p.83]Victor Meirelles de Lima

José Maria de Medeiros

Cirne Maia

Domingos de Araujo e Silva

Theophilo das Neves Leão.

[p.83] Ata da sessão em 25 de julho de 1890

Presidência do Sr. Conselheiro DiretorSecretário interino – Theophilo das Neves Leão

A uma hora da tarde acham-se reunidos os Sros Diretor Conselheiro Ernesto Gomes

Moreira Maia, Professores Comendador João Maximiano Mafra, Victor Meirelles de Lima, José

Maria de Medeiros, o Engenheiro Paulo Cirne Maia, Antônio Parreiras e Theophilo das Neves

Leão. Faltam por motivo justificado os Srs. Professores Conde da Motta Maia ausente do país

com licença, Doutores Conselheiro Domingos de Araujo e Silva e Rozendo Muniz Barreto, e sem

causa participada o Sr. Comendador Rodolpho Bernardelli. O Sr. Diretor abre a sessão. (...)

Consta o expediente de (...); de um ofício do Diretor Geral da Secretaria do dito ministério

comunicando que por Decreto de 18 do corrente mês foi eliminado do quadro dos professores

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honorários desta Academia Rodolpho Amoêdo por assim haver requerido; de um requerimento

de Raul Teixeira Cardoso e de outro de Benvenuto Berna, pedindo ambos se lhes tranque a

matrícula, o primeiro na aula de desenho figurado, o segundo na de anatomia. A Congregação

resolve deferir o pedido do requerente Benvenuto Berna e não atender o motivo alegado pelo

requerente Raul Teixeira Cardoso. Passando-se à primeira parte da ordem do dia procede-se à

leitura das faltas de freqüência em junho deste ano pelos alunos matriculados nas diferentes

aulas; faltas que não são justificadas. Na segunda parte da ordem do dia o Sr. Professor

Comendador Mafra como relator da Comissão encarregada do parecer sobre o projeto de

reforma, segundo as ordens constantes no Aviso de 27 de fevereiro último, apresenta o trabalho,

isto é, um projeto de estatutos tal qual lhe pareceu conveniente, do que é dada a leitura. O Sr.

Conselheiro Diretor assenta mandar imprimir o dito trabalho na parte essencial em folhas avulsas,

afim de serem distribuídas pelos membros do Corpo Acadêmico, que serão ao (sic) depois

convocados para a respectiva discussão e assim é resolvido. Nada mais havendo a tratar levanta a

sessão. Academia de Belas Artes, 25 de julho de 1890.

(Assinados) Moreira Maia

Victor Meirelles de Lima

Cirne Maia

Domingos Araujo e Silva

Theophilo das Neves Leão

[p.83] Ata da sessão em 20 de agosto de 1890

[Trata-se do parecer da comissão encarregada de examinar as três propostas de reforma,

três projetos de Estatutos] “sendo um, sem assinatura, enviado pela Secretaria de Estado dos

Negócios do Interior, datado de Fevereiro do corrente ano; outro assinado pelos Srs. Rodolpho

Bernardelli e Rodolpho Amoêdo, datado de 25 de janeiro, publicado em 12 de março pela

“Gazeta de Notícias”, e o terceiro em manuscrito a lápis do Sr. Conselheiro Diretor, datado de 22

de março de 1889 (...). O projeto remetido pelo Governo, constando de 228 artigos, sobre o qual

tem a Congregação de emitir “parecer”, é, com algumas modificações o mesmo publicado na

“Gazeta de Notícias”, constando também de 228 artigos, e assinado pelos Srs. Rodolpho

Bernardelli e Rodolpho Amoêdo, e este foi calcado com alterações sobre o manuscrito do Sr.

Conselheiro Diretor. Entre essas alterações são notáveis duas principalmente: primo, a que no

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projeto dos Srs. Bernardelli e Amoedo estatui no artigo 7 o § 3 o, que o Conselho dos professores

será composto unicamente os professores de cinco aulas: - Pintura, Escultura, Gravura em

Medalhas e pedras preciosas, Modelo Vivo, e Desenho de Arquitetura (de duas das quais eram

professores os dois signatários do projeto (...)), entretanto que desse Conselho de professores

dimana quase toda a autoridade e altas atribuições da Escola; secundo, a que nos artigos 225 e

226 comete aos ditos Srs. Bernardelli e Amoedo, como signatários do projeto, a designação e

escolha dos professores que devam reger tanto as antigas cadeiras, como as novamente criadas, e

bem assim a supressão, se o julgassem conveniente, de alguns, ou de todos os atuais professores

honorários. (...) Quanto à mudança do título de “Academia de Belas Artes” para a de “Escola

Especial de Belas Artes” parece à Comissão ser tal mudança mal aconselhada, por quanto o título

de “Academia” com que é esta instituição conhecida, há mais de sessenta anos, é o que se dá em

outros países a estabelecimentos deste gênero, e a designação de “Escola especial” é mal cabida

[p.85] por haver nela cadeiras, cujas matérias de ensino não são – especiais – de Belas Artes.

(...)

Academia de Belas Artes, 20 de Agosto de 1890.

[Assinam] Moreira Maia

Victor Meirelles de Lima

José Maria de Medeiros

Cirne Maia

Domingos Araujo e Silva

Theophilo das Neves Leão.

Ata da sessão em 21 de Agosto de 1890[Ainda discute-se o parecer sobre a Reforma]Ata da sessão em 23 de Agosto de 1890[Ainda a reforma] (...)

[p.86] “Continua a discussão da última parte do parecer da Comissão encarregada de dar

opinião sobre o projeto de reforma. São aprovados os artigos 248 a 253 inclusive, o artigo 250

que faculta o provimento das cadeiras novas ou vagas com os professores atuais em exercício é

aprovado contra os votos dos Srs. Doutores Muniz Barreto e Cirne Maia. Fica também aprovada

a emenda proposta ao dito artigo 250. (...).

Academia das Belas Artes em 23 de agosto de 1890

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(Assinam) Moreira Maia, Victor Meirelles de Lima, José Maria de Medeiros, Cirne Maia,

Domingos de Araujo e Silva, Theophilo das Neves Leão.

Sessão de 30 de Agosto de 1890

[Finalmente o parecer é aprovado, com pequenas alterações, e será enviado ao Governo].

Ata da sessão em 6 de Outubro de 1890

(...)

Expediente: Procede-se à leitura de dois avisos datados de 18 de setembro (...) do

Ministério dos Negócios da Instrução Publica, Correios e Telégrafos, um reconhecendo a

utilidade das excursões artísticas para o desenvolvimento da cultura dos alunos e aprovando a

despesa na importância de trezentos e vinte e cinco mil réis (325$000) abonada ao Professor

Antonio Parreiras para a projetada excursão à Serra de Teresópolis, e outro em solução ao ofício

no 97 de 5 de junho deste ano, do Sr. Cons. o Diretor autorizando a aquisição por compra das telas

mencionadas na relação que foi acompanhando o dito ofício, não excedendo a importância de

vinte contos setecentos e cinqüenta mil réis (20.750.000) (...) Ordem do dia: justificação das

faltas de comparecimento em Agosto e Setembro últimos, dadas pelos alunos matriculados.

Foram somente abonadas as de Antonio de Souza Vianna na aula de pintura histórica.

[p. 88] Ata da sessão em 20 de outubro de 1890.

(...)

Com a palavra pela ordem o Sr. Doutor Moniz Barreto diz que por motivo de força maior

não esteve presente quando se aprovou a ata da sessão de 5 de junho deste ano; tendo-a, porém,

lido, sente-se obrigado à declaração seguinte: Sem fazer cabedal de outros pontos cinge-se apenas

a dois equívocos importantes: 1o - a inversão de seu juízo quanto a dois grandes quadros dos Srs.

Henrique Bernardelli e Ferraz de Almeida Junior; pois que dá preferência à tela “Caipiras

Negaceando” pela originalidade e firmeza da obra de arte, sem menosprezar o valor material dos

“Bandeirantes”; 2o – Não podia propor que abdicando seus direitos nessa parte técnica a

Congregação submetesse à escolha do Governo quadros que já deviam estar escolhidos pela

Comissão respectiva. (...).

O Sr. Doutor Rozendo Muniz Barreto declara que teve alunos ausentes na excursão à

Serra de Teresópolis e cujo aproveitamento está sendo prejudicado de modo que talvez não

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possam habilitar-se para o exame, até porque as aulas começaram este ano em princípios de

Maio. (...)

Academia das Belas Artes em 20 de Outubro de 1890

(Assinam) Moreira Maia

Victor Meirelles de Lima

Rosendo Muniz Bareto

José Maria de Medeiros

Cirne Maia

Theophilo das Neves Leão.

[A última ata data de 10 de Novembro de 1890]

(...)

O Sr. Conselheiro Diretor lê os artigos 117 e 119 dos Estatutos e declara que dirigiu ao

Governo o seguinte ofício: “No 159. Academia das Belas Artes. Capital Federal 7 de Novembro e

1890. Ex.o Sr. Ministro, Havendo ontem expirado o prazo de seis meses que tratam os artigos 117

e 119 dos Estatutos inda vigentes, cumpro o dever de levar por este modo ao conhecimento de V.

Ex.a que o professor de estatuária Rodolpho Bernardelli abandonou o exercício de todas as

funções do seu emprego nesta Academia, desde 6 de Maio do corrente ano, dia em que se abriram

as aulas. Saúde e Fraternidade. A S. Ex.a Sr. General Doutor Benjamin Constant Botelho de

Magalhães, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Instrução Pública Correios e

Telégrafos. O Diretor (assinado) Ernesto Gomes Moreira Maia.” Inteirada a Congregação

levanta-se a sessão. Academia das Belas Artes em 10 de Novembro e 1890.

[E não consta nenhuma assinatura, o que significa que não houve outra sessão para que a

ata fosse aprovada].

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O Paiz – 19 de janeiro de 1885 a 14 de Dezembro de 1890

(Fichamento por Ana Maria Tavares Cavalcanti)

O Paiz - Segunda-feira, 19 de janeiro de 1885, (p.2)Echos FluminensesA propósito de artes

É fora de dúvida que este país não ama as artes com o mesmo fervor e entusiasmo com

que acompanha uma por uma todas as peripécias de um pleito eleitoral.

Diante do Moisés de Miguel Angelo, das telas de Rafael e do Dominiquino, da cúpula

grandiosa de Bramante ou dos esplendores arquitetônicos do Parthenon, ele não sentirá o calafrio

subir-lhe pela espinha dorsal (...).

É natural.

O gosto e os sentimentos artísticos educam-se; e esta educação depende do meio, em que

se vive.

Nos países civilizados da Europa o homem habitua-se desde criança a ver o belo nas suas

múltiplas manifestações em tudo que o cerca.

Os edifício públicos tem a linha severa e correta e uma ordem arquitetônica. Alguns,

como por exemplo a Bourse e Paris, e a igreja da Madalena, fazem recordar a simplicidade

inimitável do estilo grego. Outros impõem-se às multidões pelas grandes moles de mármore

rendilhado e riquezas ornamentais sem número do estilo ogival. (...).

Os jardins estão povoados de mármores e bronzes; estátuas inúmeras ornamentam os

museus e as galerias públicas. (...).

Produções de grandes pintores antigos e modernos adornam as paredes e os tetos dos

templos. O pincel e a palheta travam lutas incruentas e gloriosas nos torneios das exposições

anuais.

Nos concertos ao ar livre popularizam-se as melodias dos mais afamados compositores.

Do que acabo de dizer conclui-se que o homem, ali, ao chegar à idade da razão, já tem a

vista e o ouvido por tal forma educados, que não poderá jamais conservar-se indiferente diante de

um objeto de arte.

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A linha, a cor e o som têm para ele encantos indizíveis.

Olhemos agora para nós.

Os nossos edifícios públicos não têm ogivas, nem as curvas risonhas do estilo bizantino, e

ainda menos a simplicidade grandiosa dos monumentos gregos.

Nos nossos jardins não figuram estátuas de mármore. O povo está habituado a ver apenas

aos domingos os jacarés do Passeio Público e o – sou útil ainda brincando.

Poucos, bem poucos são os que conhecem de vista a Faceira, de Bernardelli, a Primeira

Missa do Brasil, de Victor Meirelles, as paisagens do Motta, etc., etc.

(...).

A prova eloqüente de que o meio em que vivemos tem contribuído para o atraso da

arquitetura, da pintura e da estatuária entre nós está no desenvolvimento progressivo do nosso

gosto pela boa música.

Por que o Rio de Janeiro em peso idolatra a música?

Porque habituou-se desde infante a ir ouvindo as partituras das melhores óperas.

(...).

A sua educação musical foi passando por diversas fases até chegar a de hoje, em que

adora com místico fervor a música clássica!

(...) [Esperamos?], pois, que o nosso país seja na pintura, na estatuária e na arquitetura o

que é na música.

Devemos aplaudir sinceramente todos os estímulos que concorrem para este fim.

Eis a razão porque venho hoje dizer algumas palavras acerca de um estabelecimento

particular que muito poderá contribuir para o desenvolvimento da pintura e das artes plásticas

entre nós.

Trata-se de uma sala, uma simples sala.

Os artistas aqui não tinham um lugar onde pudessem expor convenientemente os seus

trabalhos.

As duas casas da rua do Ouvidor que se prestam a esse mister, não satisfazem as

condições exigidas.

Faltam-lhes a luz e o espaço.

A luz é a vida dos quadros; um quadro sem luz é um pulmão sem ar.

Pois bem, essa lacuna acaba de ser preenchida pelo Sr. de Wilde.

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Em sua loja de artigos de pintura e desenho à rua Sete de Setembro, n. 102, ele acaba de

abrir um salão especial para exposições de obras de arte.

O salão é um quadrilongo, que ocupa parte do pavimento superior da casa.

A luz que o ilumina vem de cima e é modificada por um abat jour.

Ela distribui-se igualmente por todos os quadros ali expostos.

Um vizinho não terá o direito de queixar-se do outro, como aconteceu na última exposição

da Academia das Belas Artes, em que algumas telas brilharam à custa do sacrifício de outras.

Vistosas armas indígenas e faïences ornam as paredes do recinto.

(...).

No salão do Sr. de Wilde, que está franqueada ao público, acham-se representados os Srs.

Driendl na sua famosa tela Uma cena da Baviera, e George Grimm em seus severos estudos de

pedras, e os Srs. Castagnetto, Teixeira, Vasquez, Caron, Ribeiro, Peres, Villaça, e outros que

honram a nossa moderna geração de artistas.

O nome de Castagnetto brilha em várias marinhas.

Este pintor imprime em tudo quanto faz o cunho da sua individualidade. Nos seus quadros

acabados, nos seus esboços, há um quê que revela aquele fogo do diabo, que é a partilha das

grandes vocações.

(...).

Entre os quadros, ainda não conhecidos pelo público, figuram os últimos estudos de

Teresópolis por Vasquez, Caron e Ribeiro.

Estes três artistas formados na única escola que deve ter o paisagista, que é o estudo

severo e consciencioso do natural, progridem sempre. Vê-se nelas a natureza brasileira em toda a

pujança de seu colorido vivo e brilhante e de suas linhas caprichosas.

(...).

O Rio de Janeiro deve freqüentar constantemente aquele recinto artístico.

Uma coisa lucrará, afianço-lhe.

Quer saber o que é?

Não comprar oleografias.

FRANÇA JUNIOR

O Paiz - Segunda-feira, 19 de janeiro de 1885, (p.2) [mesmo número e página do artigo precedente].(...)

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Efetuou-se anteontem no salão Imperial do Teatro D. Pedro II, a distribuição solene dos

prêmios aos alunos e alunas do Liceu de Artes e Ofícios, que os mereceram pela sua aplicação e

comportamento no último ano letivo.

O vasto teatro estava elegantemente adornado.

No fundo via-se sobre um pedestal uma estátua em bronze simbolizando o Gênio, com

coroas de louro na mão esquerda, e a direita levantada ao céu, indicando a imortalidade. (...).

Grande número de alunos e alunas vestidos de branco, com as fachas da Nova Legião,

ocupavam o palco constituído em anfiteatro, dando um aspecto imponente àquela notável

reunião.

Na parte posterior do arco do proscênio em caracteres monumentais lia-se a imperecível

frase do Barão do Amazonas ao encetar a ordem do dia sobre o combate naval do Riachuelo –

Não fizemos tudo quanto desejáramos, mas fizemos tudo quanto podíamos – e na anterior, (...),

esta significativa frase – Pro Patria semper.

(...)

A partir do camarote imperial, ricamente adornado com veludo e festões de flores, em

troféus apropriados, notavam-se os seguintes nomes – Jornal do Commercio, conselheiro João

Alfredo, Gazeta de Notícias, (...), Baronesa de S. Matheus, (...), Barão de Araújo Ferraz, (...),

Colégio de Santa Candida, (...) Conselheiro Paulino Felix Ferreira, Câmara dos Deputados,

conselheiro Affonso Celso, Senado Brasileiro, conselheiro Gaspar Martins.

(...).

Junto os capitéis das colunas de 1a ordem, em medalhões, viam-se os retratos de célebres

artistas em música, pintura, escultura e arquitetura.

Além disso, troféus e armas de diversas nações e galhardetes de variadas cores

completavam a ornamentação da sala do teatro, que regurgitava de numeroso auditório da nossa

melhor sociedade.

Ao chegarem, Suas Majestades Imperiais foram recebidas pela diretoria da Sociedade

Propagadora das Belas Artes e por uma comissão de professores do Liceu.

Logo que Suas Majestades apareceram na tribuna imperial, foi executado, pela excelente

banda de música do Arsenal de Guerra o hino nacional.

(...) [Vênia, discursos]

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Seguiu-se a distribuição dos prêmios de méritos, medalhas de prata e de bronze, que

foram entregues por Sua Majestade o Imperador aos seguintes alunos:

Sexo Masculino – Aula de desenho de figuras (...)

Aula de desenho de ornatos – Cópia de gesso – Terceira medalha de prata – Eliseu

d’Angelo Visconti; (...)

(...)

Aula de escultura de ornatos – Primeira medalha de bronze: Eliseu Angelo Visconti (...).

Aula de música (...)

Sexo feminino (...)

(...)

O Paiz – Domingo – 1o de janeiro de 1888 (p.1)(...)

Salão do “Paiz”

Temos exposto há dias uma tela do Sr. Eliseu d’Angelo Visconti, representando um ponto

da ilha das Cobras, quadro que se recomenda pela verdade da reprodução da paisagem e do

colorido.

O Paiz, Sexta-feira 21 de setembro de 1888, p.1[Redação – 63 – 65 Rua do Ouvidor – Propriedade de João José dos Reis Junior – tiragem 26000 exemplares]

Salão do “Paiz”(...)

Expomos hoje dois pratos pintados pelo Sr. Angelo Visconti, aluno da nossa Academia de

Belas Artes.

São dois trabalhos em que se revela talento e muita observação. Um deles,

principalmente, aquele em que, ao lado de um telheiro, vê-se uma espécie de lavanderia, é

admiravelmente tratado e sente a gente grande prazer em observar aquela simplicidade tão tosca e

ao mesmo tempo tão natural.

(...)

O Paiz – Domingo, 19 de janeiro de 1890 (p.1)

Impressões do Brasil

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Nada há que excite tanto a curiosidade do brasileiro como um livro escrito por estrangeiro

a respeito do Brasil.

Há como que certa dose de temor ao manusear-se o volume em que se sabe haver opiniões

sobre os nossos hábitos, os nossos recursos vitais, os elementos que temos como nação que

dispõe de imenso território, despovoado em grande parte, é fato, mas prenhe de inestimáveis

riquezas, (...).

Nós, os brasileiros, temos sido tão mal julgados; tais injustiças têm sido feitas a nosso

respeito; são tão numerosos os disparates atirados à publicidade, na Europa, por nossa conta, que,

ao depara-se-nos um volume em que se discorra sobre coisas do Brasil, perguntamos

antecipadamente se nos pintam como adornados de colares indígenas e de arco e flecha em

punho.

Um livro sobre a nossa terra verifica-se na generalidade, é censurável amontoado de erros,

péssimos conceitos e detestáveis considerações.

E se algum é, como esse de que me vou ocupar, baseado em boas intenções, encontra-se

sempre uma ou outra injustiça caluniosa, que o menor mal que produzem é apresentar-nos ao

estrangeiro, que nos desconhece, como indivíduos que necessitam que se lhes ensine os

rudimentos da educação.

(...) trata-se de um livro publicado em Milão pelo Dr. Affonso Lomonaco e que se intitula

Al Brasile.

É um volume de 447 páginas com uma carta [mapa] da baía do Rio de Janeiro e outra das

estradas de ferro desse estado, S. Paulo e Minas Gerais e numerosas gravuras sobre vários pontos

dos três estados aludidos e da capital.

(...).

Desgraçadamente, porém, o livro não é impecável, pois há trechos em que o viajante

italiano claudica, mostrando-se de leviandade e falta de reflexão grandemente censuráveis,

atendendo-se à imparcialidade e sã consideração que, como foi dito, se registra em grande parte

do volume.

Começarei pela seguinte e irrisória observação que se acha na pág. 272; (...).

O Sr. Dr. Affonso Lomonaco, que consagra o capítulo IX de seu livro aos costumes do

Brasil, escreve, depois de analisar o angu de milho, que entra “comunemente nell’alimentazione

degli schiavis:

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“Uma circunstância digna de nota, entre muitas, a respeito desta singular alimentação,

lembra a maneira por que os brasileiros comem, sendo conveniente que o leitor fique prevenido,

pois a sua recordação ainda me ofende no íntimo das vísceras. A prática a que aludo me parece

que depõe muito pouco em favor do seu bom gosto e também de sua limpeza (...).

Os brasileiros costumam comer em um só prato todas as iguarias que constituem a sua

alimentação, misturando-a de maneira a formar um pastel heterogêneo, que seria difícil a uma

garganta européia engolir. Misturam arroz e feijão, verduras, sopa, quando a fazem, ovos, carne,

farinha de mandioca e qualquer outra coisa que possa estar sobre a mesa, e acabam por completar

a obra derramando sobre tudo a salada com os seus ingredientes. Feito isto, com a ponta da faca,

que, para tal mister, substitui a colher, tratam alegremente de engolir toda aquela massa. É um

verdadeiro comer de porcos e em frente a tal espetáculo não se pode ficar senão horrorizado.

(...). Se alguém se permitir o direito de fazer alguma observação sobre o singular costume,

os brasileiros surpresos, são capazes de responder que assim procedem porque vêem os outros

fazer o mesmo e que, em conclusão, lhes é indiferente misturar os elementos dentro ou fora do

estômago; mas se tomassem o cuidado de refletir que é, atendendo à multiplicidade das

sensações, resultante da variedade de comidas, deglutidas separadamente, que o jantar se torna

agradável; (...); que o paladar, como todos os outros sentidos, tem as suas exigências que é

preciso respeitar, sob pena de se ir contra as leis fisiológicas; se refletissem, digo, em todas essas

coisas... e em outras ainda, estou certo que considerariam esse seu hábito como verdadeiro

atentado ao bom gosto, como verdadeira aberração bestial, e se conformariam na prática de se

alimentarem com usos mais simples e mais sãos. (...).”

Está pasmo o leitor, não é verdade?

E certamente experimenta pela injustiça caluniosa do Sr. Lomonaco a repugnância que

esse senhor afirma ter experimentado as primeiras vezes que viu comer os brasileiros.

Mas com que espécie de gente viveu o autor do Al Brasile?

Não me parece que o Sr. Lomonaco tenha saído da classe mais baixa (...) [como a]

daqueles seus compatriotas que comem talharim cortando à tesoura pelo vendedor ambulante

(...).

Compreende-se facilmente que para estudar uma sociedade, não se procura de preferência

a ralé, que é uma das partes componentes de um povo, é fato, mas que, em caso algum, sob pena

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de nos assistir o direito de negar ao escritor as mais vulgares qualidades de observador, serve para

base de julgamento de uma sociedade.

(...)

Henrique Etepple [ou Stepple?]

[ainda na mesma pág.] (...)

Na casa Vieitas estão expostos alguns estudos de pintura do Sr. d’Angelo Visconti,

esperançoso aluno da Academia de Belas Artes. (...)

O Paiz, Terça-feira, 4 de fevereiro de 1890, p.2

Artes e Artistas

Dentre os alunos que freqüentam atualmente a Academia das Belas Artes, um há que tem

diante de si o mais lisonjeiro futuro, pela maneira conscienciosa por que estuda.

O público não o conhece ainda bastante, porque ele peleja na sombra, como um humilde

soldado, trabalhando, trabalhando sempre.

Esse aluno, que será muito breve um grande artista, se não desanimar na estrada, como

tantos outros, obcecados pela indiferença do público é o Sr. Visconti, que acaba de ser laureado

na última exposição com a medalha de ouro.

Visconti há de ser incontestavelmente um dos nossos mais distintos paisagistas.

Colorista por natureza, como todos aqueles que nascem sob a luz suave do mais belo céu

do mundo, ele sabe imprimir em seus quadros a nota individual de seu talento, de sua maneira de

sentir.

No salão Vieitas confirmará o leitor o que havemos dito, admirando estudos da nossa

natureza, firmados pelo pincel do novel paisagista.

Quanta verdade e quanta observação naquelas pequenas telas!

O ar circunda por entre a vegetação.

A luz é perfeitamente distribuída.

(...).

O Paiz – Domingo, 2 de março de 1890, p2.Artes e Artistas

(...)

Exposição de Belas Artes

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No edifício da Academia de Belas Artes está instalada a galeria de pintura, escultura, etc.,

que dentro em poucos dias será franqueada ao público.

(...).

O salão de pintura a óleo, especialmente, oferece importância pouco vulgar em nossas

exposições, tão pobres que têm sido pela quantidade e pela qualidade dos trabalhos.

Henrique Bernardelli concorre com 30 valiosas telas pintadas em Roma, onde se acha a

estudos, e são incontestavelmente as produções que mais atrairão o visitante.

De Antônio Parreiras, também pintadas na Itália em sua última viagem, há oito telas, duas

das quais de grandes dimensões e todas dignas de desenvolvida referência.

O salão de pintura apresenta o número relativamente avultado de 127 quadros, poucos dos

quais conhecidos e dessa totalidade são autores:

Henrique Bernardelli (30); Estevão Silva (19); Rodolpho Amoedo (10); H. Caron (9);

Antonio Parreiras (8); J. B. Pagani (6); Luiz Ribeiro (6); J. Baptista da Costa (5); E. A. Visconti

(4); Augusto Petit (3); Guilherme Santos (3); André Delfino (2); J. B. Castagnetto (2); França

Junior (2); J. M. de Medeiros (2); Fachinetti (2); Pedro Peres (2); Belmiro de Almeida (1); B.

Freidler (1); Eduardo Dantas (1); H. Sachy (1); J. C. Seabra (1); Luiz Cunha (1); P. Furtado de

Mendonça (1); Pedro Américo (1); Pedro Weingartner (1); H. Driendl (1); A. R. Pinto bandeira

(1).

Ouras salas são ocupadas com trabalhos de desenho, litografia, aquarela, guache,

arquitetura, escultura e indústria decorada (exposição suplementar de fotografia e relojoaria).

(...).

Oxalá esta primeira exposição, que aliás tanto promete de benéficos efeitos, seja incentivo

para o aumento de importância que devem adquirir as que se lhe sucederem anualmente.

*Na galeria Moncada está exposto o retrato a óleo do vice-almirante Wandenkolk, ministro

da marinha, que a intendência da marinha mandou executar para ser colocado na sua secretaria.

O Paiz – 15 de junho de 1890 (p.2)

Artes e Artistas(...)

Encerra-se brevemente a exposição do quadro alegórico a “Redenção do Amazonas”.

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Foi visitada por 55 pessoas anteontem a exposição do quadro alegórico “A Redenção do

Amazonas”

As galerias da Academia das Belas Artes foram visitadas durante a semana finda por 686

pessoas.

Hoje serão franqueadas ao público das 10 horas da manhã às 2 da tarde.

Salão do Paiz

Recomenda-se muito à atenção e ao apreço dos visitantes do nosso Salão, a magnífica

marinha de Castagnetto que temos exposta.

Representa ela o naufrágio do lugar Marinho I e é tomado para ponto de vista a praia de

Copacabana.

O hábil especialista produziu com este excelente quadro mais um trabalho que recomenda

o seu raro e há muito reconhecido merecimento artístico.

Diversões(...) – [Diversas sobre teatro]

Atelier Moderno (rua do Ouvidor 45) - Exposição de quadros do paisagista Antônio

Parreiras – das 11 horas da manhã às 4 da tarde.

Largo de S. Francisco de Paula – Exposição do quadro “A Redenção do Amazonas”, do

artista Aurélio de Figueiredo – Das 10 horas da manhã às 4 da tarde e das 6 às 9 da noite.

Academia de Belas Artes – Exposição das galerias, das 10 horas da manhã às 2 da tarde.

(...)

Seção LivreAcademia das Belas Artes (*)

(* este artigo não foi ontem publicado por falta de espaço – N. R.)

Não devem passar em julgado afirmações inexatas, nem é justo que se irrogue a pecha de

retrógrado, atrasado ou estacionário a quem acompanha, por obrigação, e por gosto, os

movimentos progressivos da ciência aplicada às belas artes.

Em que pese a críticos insidiosos ou mal informados, uns – imprudentes demolidores, que

só querem sobressair pela audácia, outros – refletidos e cautelosos, que almejam desimpedido o

espaço para mais cômodas ocupações, resplandeça a verdade acima de todos os interesses.

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Res, non verba.

Cesse a gritaria pueril e desmanchem-se enredos sofísticos, perante a realidade dos fatos.

Domine serena a justiça onde ferino pessimismo tenta morder as reputações, armando botes de

serpente.

Contra arrogantes e gratuitas censuras venham provas inconcussas.

Estou certo de que o meu talentoso discípulo o Sr. Mallet, reconhecerá que foi mal

informado.

Na Academia das Belas Artes não se estuda atualmente anatomia só com o manequim,

mas com o adequado expositor, o esqueleto, os primores da escola clássica o modelo vivo e as

explicações gráficas de mecânica artrológica.

A fisiologia das paixões não é ensinada pelo manual de Paul Janet. Seria absurdo e

irrisório aplicar a semelhante disciplina de ordem artística um compêndio de filosofia elementar,

adaptado aos estabelecimentos de instrução secundária. Fazem-se preleções inteiramente de

acordo com o que há de melhor, com as positivas experiências de Duchenne em sua Analyse

electro-phisiologica da expressão das emoções e das paixões, tenho procurado conciliar, quanto é

possível, as exigências dos novos processos de ensino com os obstáculos próprios de um

regulamento anacrônico e da inferioridade mental dos alunos, baldos de imprescindível preparo...

Logo ao entrar, por mais que investigasse, não me foi dado encontrar vestígios nem de

programa, nem de compêndio, nem do sistema pedagógico dos meus antecessores.

Apenas chegou-me aos ouvidos tradição do memorável Dr. Pertence. Esse luzeiro da

cirurgia nacional, sem adstringir-se a delimitações oficiais e livros técnicos, arrebatava os

ouvintes com a palavra radiosa e proficiente, em seus lances entusiásticos perante as estátuas de

Gladiador e do Laocoonte, quando estava substituindo ao velho senador Luiz Carlos que, dizem,

narcotizava o auditório com as descritivas minúcias do ethmoide e do esphenoide.

Compreendo que um verdadeiro curso de anatomia e fisiologia artísticas deve ministrar a

noção científica a quantos já possuam a noção empírica das formas, das atitudes e dos

movimentos, sem desatender à conveniência de omitir as demasias de uma obra destinada aos

novéis artistas, regularmente dirigidos em seus estudos especiais, adotei para compêndio o

magnífico trabalho de Mathias Duval.

Além do grande Harles, na Alemanha, e de Marshall, na Inglaterra, não conheço maior

competência, nem melhor guia do que esse emérito professor da Escola das Belas Artes de Paris,

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a quem coube, após a morte de Broca, a honrosíssima [sic] direção do gabinete antropológico

daquela metrópole do progresso.

Organizei programa de ensino conforme a orientação e o método preconizados por

autoridade tão competente. Tive, porém, de lutar com os maiores embaraços para fazer-me

entender por alguns discípulos quase analfabetos, conquanto querençosos e atentos às lições.

Será possível comunicar os elementos mais rudimentares de qualquer ciência a pessoas

que não conhecem o valor dos termos, já não digo em língua estranha, mas no pátrio idioma?

Em tais condições, embora afluam os catecúmenos, dar-se-á o multi vocati et paucietecti

[muitos são chamados, poucos os escolhidos]. É o que vai sucedendo na Academia de Belas

Artes, onde, em compensação de alguns exames brilhantemente prestados, a mor parte dos alunos

tem forçosamente que retrair-se logo ao começo, ou desaparecer no fim do ano letivo, porque lhe

falta o essencial para o bom êxito do curso.

Tão certo da eficácia dos meios ao meu alcance, quanto da insuficiência de propedêutica

dos matriculados, aliás consentida por lei ainda em vigor, recorri para o governo, apontando-lhe a

causa principal do lamentável efeito e propondo o remédio, em um parecer, lido em congregação,

a 18 de fevereiro de 1888.

Queiram os competentes e insuspeitos apreciar os trechos seguintes da minha proposta,

encaminhada, com aprovação unânime do corpo docente, ao ministério do Império pelo

venerando conselheiro Nicolao Tolentino:

“Não basta que a obra de arte brote do pincel ou do escopro, animado pelo fogo da

inspiração, que nem sempre baixa do céu com a mesma intensidade e presteza. Músico, pintor,

estatuário ou arquiteto, é forçoso que o mineiro da imaginação saiba o como e o por que das

belezas que produz. O próprio gênio pode hoje acertar, mas amanhã claudicará, se desatender aos

preceitos, que da esfera da ciência derivam para as fontes da arte, assim como dos recursos desta

soube aproveitar-se aquela em convivência íntima, qual a de Ticiano e André Vezaleo, segundo o

atestam as esplêndidas figuras que ilustram a obra anatômica – De humani corporis fabrica.

“Isto não é arvorar em literato ou cientista quem quer que se destine a uma carreira

artística. Não há meio, porém, de adquirir noções e teorias elementares de ordem científica, sem o

conhecimento da gramática, e no idioma que mais facilmente se preste a veículo de aprendizagem

regular.

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“Não há fugir deste dilema: ou a seção de ciências acessórias da academia, para ser

realmente profícua, requer preparatórios, ou se os dispensa, melhor suprimi-la.

“Renuncie-se assim a tamanho aparato para efeitos negativos, com o ministrar subsídios

da ciência a entendimentos quase analfabetos. Com dispêndio e sem títulos pomposos, ter-se-ão

cursos práticos de pintura, escultura e arquitetura, nos quais idealistas ou realistas achem campo

adequado às expansões de mero empirismo.

“Proponho que a congregação, pesando as desvantagens resultantes para os estudos

artísticos e reconhecendo os obstáculos a professores e alunos, por falta de preparo indispensável

às disciplinas lecionadas na seção acessória, submeta ao critério do governo a conveniência de

obrigar a matrícula na Academia das Belas Artes aos exames de português e de francês,

previamente feitos perante a inspetoria geral de instrução primária e secundária ou pelo menos a

títulos de aprovação plena nesses idiomas, obtidos no Liceu de Artes e Ofícios.”

***

Até hoje não fui atendido. Conto, porém, com a energia e notória proficiência do atual

ministro da instrução pública. Com a sistematização comtista ou spencerista, ou eclética

imprimindo à cultura intelectual e moral da nova república por esse novo e condigno

administrador, é de crer que em breve, se reforme a nossa academia artística.

Até lá contenham-se os sôfregos, não desesperem os incrédulos, nem se aventurem

previsões ao talante de grupos e propagandas exclusivistas.

Realmente o edifício é imprestável, caducou de fato o regulamento, há muito que suprimir

e outro tanto que acrescentar. Haja reorganização administrativa e pedagógica, de modo a

engrandecer-se a nação pelo melhoramento das belas artes, e pelo bem estar do artista.

Enquanto, porém, não se renovam ou se transformam os aparelhos e processos estéticos

dessa instituição fundada por D. João VI, e há quase um século, tão mal servida de espaço, de luz,

de meios pecuniários e de simpatia pública, é clamorosa injustiça deprimir-lhe os veros

préstimos.

De lá saíram para o estrangeiro, para o túmulo e para a glória esses artistas que se

tornaram patrimônio nacional.

Por muito que progridam os novos peregrinos da arte, não se degradam os velhos

iniciadores. Embora se afirmem as aptidões ou cresçam os triunfos de Ferraz de Almeida, de

Décio Villares, de Zeferino da Costa, de Péres, de Amoedo, de Estevão da Silva e de Parreiras,

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influídos de nobre emulação; é indeclinável o apreço à contribuição que ficou de Agostinho da

Motta e ao labor incessante do prestimoso Bethencourt da Silva.

Por mais que me arroube a flama original do gênio no mármore vivificado por

Bernardelli, não posso resistir ao encanto dos plágios de Pedro Américo e das fumaças de Victor

Meirelles.

Velhos ou jovens, cada qual tem o seu estímulo, a sua divisa e o seu escopo. Todos,

porém, são filhos desta incomparável porção da América, onde há lugar para todos; onde as

maiores revoluções se operam sem sangue e só com flores de vergel ou de retórica; onde reina e

governa, como indisputável soberana, a mais produtiva natureza, causa exemplar da arte; onde

mais belo que o Éden das ficções de Milton, franqueia-se a todas as raças, a todas as crenças, a

todas as legítimas aspirações, o recuperado paraíso nas pompas florestais da terra mais fecunda e

nas opulências do céu mais luminoso e fagueiro; onde o pensamento se aproxima de Deus,

revelado, compreendido ou incognoscível, porque no espaço e no tempo some-se o orgulho

humano perante a evidência de tanta grandeza.

ROZENDO MONIZ

-------------------------------O Paiz – (Redação – 63 - 65 Rua do Ouvidor 63 – 65) – O Paiz é a folha de maior tiragem e de maior circulação na América do Sul

Segunda-feira, 16 de junho de 1890, (p.2)Artes e Artistas

Moema

Tem este nome uma peça rigorosamente brasileira, composição da talentosa e distinta

escritora nacional D. Corina Coaracy.

O novo trabalho da aplaudida autora será lido hoje, às 3 horas da tarde, em reunião de

literatos, artistas e jornalistas, no teatro Lucinda.

*Hoje, ao meio dia, no edifício do Derby-Club, realizar-se-á uma reunião de artistas

pintores, escultores, arquitetos e gravadores, a fim de tratar-se de assuntos que interessam as

respectivas classes e as belas artes.

...

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Diversões(...)

Atelier Moderno – (rua do Ouvidor, 45) – Exposição de quadros do paisagista Antônio

Parreiras – das 11 horas da manhã às 4 da tarde.

Largo de S. Francisco de Paula – Exposição do quadro “A Redenção do Amazonas”, do

artista Aurélio de Figueiredo – Das 10 horas da manhã às 4 da tarde e das 6 às 9 da noite.

Academia de Belas Artes – Exposição das galerias, das 10 horas da manhã às 2 da tarde.

(...)

O Paiz – 17 de junho de 1890 (p.1)ECHOS

Na Academia das Belas Artes há alunos que a força de ver aquele belo espécimen de

arquitetura, querem levantar outro intra-muros.

Intra-muros é modo de dizer, porque os rapazes estão juntando cal e pedra para uma

parede fisiológica para encobrir paixões.

(p.2) Artes e ArtistasNo Salão do Derby Club realizou-se ontem a reunião dos artistas pintores, escultores,

arquitetos e gravadores.

À 1 hora da tarde, por proposta do Sr. Teixeira da Rocha, foi aclamado presidente Aurélio

de Figueiredo e secretários Emílio Rouède e Pereira Netto.

Abrindo a reunião o Sr. Teixeira da Rocha apresentou a seguinte proposta:

“Art. 1o: É ou não é útil a existência da Academia das Belas Artes, no estado de

desmoralização em que se acha?

Art. 2o: É ou não é bem gasta a subvenção dada pelo governo, e esta subvenção produz os

resultados a que é destinada?

Art. 3o: Atualmente a corporação docente da academia está na altura de pertencer a uma

academia de belas artes?

Art. 4o: Não será mais útil ao ensino artístico que se aplique esse dinheiro em

subvencionar oficinas de belas artes a moços, que tendo dado provas públicas de talento, queiram

estudar belas artes nos grandes centros europeus, mediante concursos, exposições, etc.

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“Foi aprovado o art. 1o da proposta, concordando todos os presentes que a existência da

academia era inútil e nociva.

Em seguida o Sr. Emílio Rouède propôs verbalmente que se lavrasse uma ata da reunião,

com a proposta por extenso, declarando-se que o primeiro artigo foi aprovado e os mais ficaram

prejudicados.

Ainda foram apresentadas outras propostas, que, em vista da aprovação da do Sr. Rouède,

ficaram prejudicadas.

Pereira Netto propôs que se lançasse em ata um voto de louvor ao Dr. Pardal Mallet e

Emílio Rouède a José do Patrocínio.

Estas propostas foram aprovadas, e lavrou-se em seguida uma ata da reunião, à qual

estiveram presentes, além dos senhores mencionados, os artistas Castagnetto, Visconti, Ribeiro e

muitos outros cujos nomes não nos ocorrem de momento.

(...).

O Paiz – 19 de junho de 1890 (p.2)ARTES E ARTISTAS

Numa das vidraças do estabelecimento A Notre Dame de Paris estão expostos três

pequenos quadros de Pedro Américo, pequenos pelas dimensões das telas, porém muito grandes

quanto ao merecimento artístico.

Representa um deles dois leões numa furna [?], dois belíssimos leões de cabeças

majestosas, olhar penetrante e juba eriçada, dois leões que vivem na tela, que parecem rugir

encarcerados naquela caverna. Uma pequena nesga de céu que se mostra ao fundo prejudica

talvez um pouco a severa harmonia do colorido.

Outro quadro representa um tigre repleto, deitado com o ventre quase todo voltado para o

chão, a fera acabou de banquetear-se e sente-se pesada, exausta.

O terceiro quadro – um quadrinho de meio palmo – um leão de pé, é precisamente

primoroso. É necessário vê-lo para verificar que não exageramos o qualificativo.

São três telas de mestre, cheias de arte, de verdade, de energia de tons e precisão em todos

os detalhes; escrupulosas, minuciosas, sem contudo se confundirem com as miniaturas banais.

Os animais representados, - formosos espécimens, foram copiados do natural, no Jardim

das Plantas, de Paris, na viagem que acaba de efetuar o ilustre artista brasileiro.

***

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Seção LivreAcademia de Belas Artes

ao insigne estatuário Bernardelli

Ainda bem! Falou o chefe, o Deus-ex-machina de todo o movimento revolucionário, que

ameaça destruir o pessoal e o material da velha academia, Phidias brasileiro, mais poderoso que o

da Grécia, para quem forçosamente há de convergir o maior apreço dos Péricles da nova

república, assim como já o mereceu dos próceres da falecida monarquia, Rodolpho Bernardelli,

arrancando-se a ocupações sobre humanas, desceu até a minha obscura individualidade.

Por muito que o grande artista, despindo-se de sua quase divindade, inatingível na esfera

dos gênios, se disfarçasse num pigmeu da imprensa, em mangas de camisa, para nivelar-se com o

mísero mortal e infringir-lhe o mais duro castigo, malogrou-se completamente a temerosa

invectiva.

Que desazo no emprego das almas! Que pasmosa antítese nos efeitos daquele buril, tão

delicado a reanimar no mármore a fisionomia de heróis e agora tão grosseiro a servir de pena, a

garatujar, gotejante de atrabilis, a ofender a lógica e a gramática.

Do fundo de tão másculo escultor, arvorado em Júpiter tonante contra quem se não atreve

a roubar-lhe o fogo celeste: irromperam sobre mim vitupérios e dislates inesperados; como se de

um astro saísse a escuridão.

Que resvalar de ofensas contra o próprio ofensor, ao chover impetuoso de sua cólera

fulmínea!

Ao mesmo tempo que me qualifica de intruso e inútil, o nume indignado exprobra-me a

audácia de assumir a defesa importante da Academia das Belas Artes, a qual, em seu entender,

não presta para nada!

Verbera-me o caráter no apego à mesquinha gratificação (1.505 por mês!) e na

volubilidade com que acendo uma vela a Deus e outra ao diabo, esquecendo-se de que, num

lance de pundonor, já renunciei à posição muito mais rendosa no ministério da agricultura, e não

me dobro ao gênio do mal, em suas maquinações contra o verdadeiro e o belo, dispostas a invadir

e anarquizar o sereno culto das artes, em detrimento da fraternidade artística.

O novo Miguel Ângelo, sem declarar onde e como aprendeu anatomia, exclui toda a

corporação médica do Brasil da concorrência com o Sr. Décio Villares, porque é só esse pintor o

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competente para ensinar aquela matéria científica aos freqüentadores da moderna ou da antiga

escola transformada em ateliers livres.

Assegura o mestre que, se recebi louvores do atual diretor, este só elogia sob a pressão do

medo. No entanto, quando fui elogiado, aquele ilustre funcionário não tinha de que temer-se.

Estava em perfeita harmonia com o ídolo tão miraculoso, o festejado estatuário, que teve o poder

de anular um concurso de pintura e arquitetura, legalmente julgado, seduzindo príncipes e

suplantando ministros, de encontro a um parecer inconcusso do conselho de Estado.

Pondo-se, enfim, a descoberto, mostra-se o gênio em toda a firmeza de sua

impassibilidade olímpica. Que hombridade!

Só voltará ao templo da arte para iluminar os fiéis, quando o culto e os sacerdotes forem

inteiramente outros. Do contrário resistirá a todas as forças do céu e da terra.

Por quem é, não nos abandone o insigne Bernardelli! Continue em suas ocupações

sublimes, volte para as alturas de onde, nos impulsos do seu divino cinzel ou escopro, terão de

ressurgir na pedra ou no bronze os vultos heróicos de Osório e Caxias.

Deixe que se revolvam na poeira das lutas mundanas e das conquistas efêmeras a

mediocridade, a ignorância e a estultice de criaturas incorrigíveis ou refratárias aos lumes da nova

orientação estética.

Tornando a mim dos rudes golpes que me atirou o ídolo furibundo, reconheço que fui

distinguido com a inesperada agressão.

Prometo não incorrer em outra falta. Conservo-me, porém, no meu posto, enquanto m’o

permitir a autoridade que me convidou a ocupá-lo.

Quando me retivesse o amor ao ordenado licitamente percebido, isso não seria de admirar.

Durante um ano ganho menos na academia, do que o egrégio estatuário em poucos dias num

busto.

Esqueça-se de mim que sou apenas um sopro de vida no largo estádio das ciências e das

artes.

Viva ao menos em paz, recolhido à obscuridade, quem não dispõe de influência para

garantir a encomenda de custosas estátuas, nem possui méritos para glorificar-se em vida, ou

passar a posteridade, no mármore animado pelas concepções do famoso o omnímodo Bernardelli.

Oxalá que no incremento moral da pátria, multipliquem-se os heróis e corram rios de

ouro, para condigna retribuição de atarefados artistas.

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Na iminência da catástrofe de que está ameaçada a velha academia, prometo ao triunfador

saudá-lo com a resignação das vítimas votadas às feras, para divertimento dos Césares.

Chegue a minha vez e não hesitarei em repetir com os meus companheiros de infortúnio:

Ave; Bernardelli, morituri te salutan!

ROZENDO MONIZ

***

[continuam: a exposição de Parreiras no Atelier Moderno; a exposição da “Redenção do

Amazonas”, e as galerias da Academia.]

O Paiz – 21 de junho de 1890 (p.1)Artes e Artistas

Reunidos na oficina Bernardelli, os artistas Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoedo,

Henrique Bernardelli, Baptista Castagneto, Décio Villares, Manoel Teixeira da Rocha, Aurélio de

Figueiredo, Francisco Ribeiro e Emílio Rouède, convencionaram convidar os seus colegas

pintores, escultores, arquitetos e gravadores para uma reunião que se efetuará hoje, ao meio-dia,

no salão do Derby Club, afim de assinarem a petição que devem dirigir ao cidadão ministro da

instrução pública.

[continuam as exposições: Parreiras, Aurélio de Figueiredo “Redenção do Amazonas”, e

galerias da Academia.]

O Paiz – 22 de junho de 1890, (p.2).Artes e Artistas

Efetuou-se ontem, no salão do Derby Club a reunião anunciada de artistas pintores,

escultores, arquitetos e gravadores com o fim de subscreverem uma petição que será entregue ao

digno ministro da instrução pública, relativamente à necessidade urgente da completa reforma na

organização da Academia das Belas Artes.

Por aclamação foi nomeado presidente da assembléia o ilustre artista Rodolpho

Bernardelli, que escolheu para seus secretários os seus distintíssimos colegas Rodolpho Amoedo

e Décio Villares.

Lida a representação, documento importantíssimo, que obteve unânimes aplausos, foi em

seguida assinada por todos os artistas presentes e, segundo deliberação da mesma assembléia,

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estará até o dia 24, no barracão da exposição do quadro alegórico a Redenção do Amazonas, à

disposição das pessoas, artistas ou amadores de belas artes, que queiram subscrevê-la.

Com o incremento que a bem sucedida propaganda tem tomado, não é lícito supor que da

parte do honrado e esclarecido ministro a importante representação encontre senão o mais

decidido apoio para a pronta conversão do adiantado projeto em proveitoso fato.

*

Durante a semana finda as galerias da Academia das Belas Artes foram visitadas por 745

pessoas.

Hoje estarão franqueadas ao público, das 10 horas da manhã às 2 da tarde.

*

(...)

A exposição do quadro – Redenção do Amazonas encerra-se no dia 30.

Foi anteontem visitada por 65 pessoas.

O Paiz, Rio de Janeiro, Segunda-feira 23 de junho de 1890, (p.1)O PAIZ é a folha de maior tiragem e de maior circulação na América do Sul. Propriedade de Antonio Pereira Leitão e Co.O Paiz, Quarta-feira 25 de junho de 1890 (p.3)

Belas Artes

Ao digno Ministro da instrução pública

Sr. Ministro – A atual agitação dos espíritos progressistas contra a Academia das Belas

Artes, para alguns distintos escritores perfeitamente justificável e para outros nimiamente injusta,

procede em parte de vícios reais daquela antiquada e infeliz instituição, porém principalmente, de

uma ilusão intelectual, que consiste em atribuírem-se-lhe males, dos quais ela própria se queixa

há mais de um quarto de século, e que dependem de causas externas, radicadas e gerais,

absolutamente independentes da vontade de um pequeno grupo de homens desunidos pelo

desânimo ou por suas preocupações especiais.

Essa agitação cessaria, creio eu, logo que fosse removida a impossibilidade na qual se

acham os artistas, principalmente os moços esperançosos e utilizáveis, de desenvolverem o

próprio talento em um ambiente menos refratário à verdadeira Arte, e acharem saída, profícua e

honrosa, para o produto estético de suas quotidianas lucubrações.

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Da contemplação puramente teórica e platônica de um fenômeno qualquer da ordem

social jamais brotou a seiva, que alimenta o amor do verdadeiro e do belo em suas

corporificações radiantes.

Não é tanto na deficiência do método, quanto na orientação particular do gosto público,

que está o nó górdio que se procura desatar com uma violenta supressão, ou mesmo com a

simples reforma da velha academia, abstração feita dos meios conducentes a tornarem o artista

um cidadão praticamente útil, em vez de uma louca divindade, imune e desnecessária, como os

mentecaptos importunos entre os maometanos.

O povo brasileiro – dizia há 35 anos o ilustre barão de Santo Angelo [Manuel de Araujo

Porto-Alegre, recebeu o título de barão quando diretor da Academia (1854) ] – ainda não se

nivelou com aquele plano das sociedades altamente educadas, do qual se encaram as belas artes

como uma necessidade vital; o legislador não está compenetrado do valor humanitário das

produções do engenho e da realidade do artista como força civilizadora.

É o que ainda hoje diríamos, se não se distinguisse desse obscuro meio social a imprensa

fluminense, com seus fulgurantes lampejos, e sua incessante aspiração a dirigir e iluminar a

Pátria no meio desse universal evoluir das coisas e se o luminoso civismo dos varões, que

atualmente presidem aos destinos deste país, não fosse garantia o bastante para a próxima

satisfação de todos os grandes anelos [desejos] nacionais.

Três condições são necessárias e indispensáveis à vida estética de um povo: o gênio, o

método e o meio social. Mas, se porventura, se uma dessas condições se deixa ultrapassar em

importância, é sem dúvida o método. Imputar, pois, exclusivamente à instituição depositária das

regras e preceitos elementares, ou das altas tradições da história, uma situação dependente de

causas tão grandes e gerais, é desconhecer a imprescindibilidade do íntimo consórcio dos maiores

fatores de todo o progresso possível na ordem do fenômenos estéticos.

Nenhum governo ilustrado, ainda mesmo nos países onde o espírito público está

preparado para sacudir o jugo de todas as tiranias intelectuais, ousaria suprimir sem uma longa

preparação do ambiente uma instituição que guiou os primeiros passos dos mais provectos

artistas nacionais, e tem acalentado em seu seio tantos dos maiores peregrinos da arte americana,

Tímido produto de um meio refratário e apático, não incumbia à academia modificar a

sociedade de que era a imagem, nem poderia ela reagir vitoriosamente contra as forças negativas

que lhe opunham um povo sem sensibilidade e um governo sem orientação claramente definida

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no assunto. Pelo órgão dos seus diretores, dos seus membros mais ilustres, dos seus oradores,

muitas vezes, entretanto, tentou fazê-lo, mas foi obrigada a retroceder para o álveo [leito de um

rio] que lhe era traçado pelo pendor natural das coisas, e a continuar a deslizar tristemente, como

o Níger ou o Nilo por entre bárbaros que adoram os astros nascentes e os apedrejam no ocaso, até

se perder no oceano da indiferença pública, apesar de rolarem em seu seio as pérolas e os

brilhantes onde ainda refulgem algumas das glórias mais puras da escola brasileira,

De mais, essa supressão rápida e incondicional de que se fala, ainda quando motivada por

fatos que a justificassem, ecoaria entre os povos mais cultos do mundo, acompanhada dos

malévolos comentários daqueles que desejam pintar com os lineamentos do desatino e da

violência o ilustrado governo da República.

Se o dever deste é tutelar a educação das crianças e dos adolescentes, encaminhar os

cidadãos para a voluntária observância da ordem ou para a fecunda contemplação do verdadeiro e

do belo, também o é de amparar com benévola vigilância as instituições consagradas ao exercício

de tão altos sacerdócios.

As grandes manifestações da Arte não carecem das influências acadêmicas; pelo

contrário: é durante o período de sua gestação mental, que os verdadeiros criadores sentem a

necessidade de se libertar de todas as limitações da teoria, de toda opressão contrária à

independência da própria individualidade, e ao mesmo tempo carecem de um apoio que poderia

esmagar esta última. É por isso que eles parecem, às vezes, contraditórios, reclamando

simultaneamente a assistência pecuniária do poder e a afirmação pública e legal de uma liberdade

ilusória em toda a condição de protegido. Compete ao atual governo, verdadeiramente liberal e

ilustrado, compreender o quanto há de patriótico e sublime nessa cândida ingenuidade do talento;

e não negar a proteção de que dependerá, talvez, o maior esplendor da nossa nascente escola de

pintura e escultura.

Para exercer sobre os passos desta uma benévola vigilância, libertando ao mesmo tempo

os artistas esperançosos das influências acadêmicas que eles temem, crie-se uma inspetoria geral

de belas artes, colocada imediatamente sob a alçada do ministro da instrução pública e incumbida

de promover o progresso do ensino artístico e sua difusão por todo o país.

De mais, reforme-se a atual academia, dando-se-lhe uma orientação totalmente liberal e

moderna, mas encerrando-a nos limites de uma escola preparatória;

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- recolham-se os tesouros artísticos encerrados no atual edifício e ainda as parcelas

aproveitáveis que se acham dispersas, em uma (...) [ escola?] nacional das belas artes,

onde se acolham constantemente as premissas do talento sem preferência de escola

nem considerações estranhas ao mérito;

- instituam-se escolas livres, de caráter técnico superior, sob a direção dos artistas mais

eminentes do país e subvencionadas pelo estado, enquanto se mostrarem fecundas em

resultados úteis à mocidade;

- a exemplo da França, da Alemanha, da Rússia, da Bélgica, da Espanha e de outros

países cultos e experientes – que sustentam em Roma suas respectivas academias

nacionais, com uma organização completa e sede em magníficos palácios – comece-se

simplesmente por enviar à Europa um artista ilustrado e conhecedor dos dois

ambientes, a fim de guiar os pensionistas do estado, informar o governo acerca dos

acontecimentos artísticos dos principais centros, e servir, por assim dizer, de elo entre

o movimento nacional e o daqueles brilhantes focos de produção;

- finalmente, para que não sejam frustrados os esforços do governo, nem baldados os

sacrifícios do país, no intuito de utilizar em benefício público a capacidade estética do

brasileiro, propague-se e generalize-se o ensino do desenho, dê-se grande incremento

ao estudo da arquitetura, e instituam-se pelos diferentes estados da República,

pequenas escolas especiais e pequenas galerias de arte, destinadas à disseminarem a

instrução e a acolher os artefatos dignos de servirem de modelo e exemplo a um povo

livre.

Se, porém, essa organização sistemática, que proponho a favor da Arte e do Artista,

repugnar ao espírito prático e positivo daqueles que concebem uma sociedade sem tradições, um

governo sem direitos e uma arte sem leis, então realize-se em plena América do Sul uma das mais

aforísticas proposições do norte-americano Harrey: fechem-se todas as academias, todos os

estabelecimentos pedagógicos, e as faculdades, e os museus; e não se invoque mais a intervenção

opressora do estado, para que sejam livres os mestres, livres os discípulos, livre a arte e a ciência

e livre também o povo de admitir ou não as obras do intelecto em suas preocupações positivas.

Eis, Sr. Ministro, numa rápida síntese, o meu fraco entender a respeito do objeto que está

sendo explorado pela curiosidade pública, e que ameaça degenerar em pomo de discórdia entre

cidadãos ilustres e probos, ou em privilégio exclusivo da ambição pessoal, se não vos dignardes

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de opor solicitamente à corrente dos fatos quotidianos o prestígio do vosso critério, das vossas

luzes e do vosso patriotismo.

Respeitoso vos saúda vosso humilde compatriota.

PEDRO AMÉRICO

Capital Federal, 20 de junho de 1890.

O Paiz – 26 de junho de 1890 (p.1)Novos e Velhos

---...L’arido legnoFacilmente s’accendeE piu che i verdi rami avvampa e splende.

Exclamava o velho padre Metastasio no seu tempo; mas dava-lho um doce se o dissesse

agora.

Faca velha não corta; a lâmina está gasta e o dentado gume mastiga e remancha sem

proveito algum.

Que os velhos da nova república recorram ao provérbio – façam das fraquezas forças – e

levantem-se contra a flâmula de guerra que flutua no pescoço de Pardal Mallet.

Este demônio é o pior inimigo da velhice. Inimigo terrível que não recua, que reforça a

violência do ataque ao arreganho do adversário.

Se o Sr. conselheiro Maia ainda não pediu a sua demissão de diretor da Academia das

Belas Artes é por um pensamento secreto, pensamento que eu aqui descubro aos leitores – em

muita reserva, está claro: - S. Ex. espera renascer das próprias cinzas.

Tem razão o Sr. conselheiro, e tem razão o Pardal Mallet.

O Sr. conselheiro tem razão, porque julga que a academia é que precisa dos seus serviços.

E Mallet tem razão, porque pensa justamente o contrário.

E vamos e venhamos. Eu não discuto aqui o Sr. conselheiro Maia, eu discuto o princípio,

e tudo tem a sua época.

*Ora, imaginem que eu compro um rutilante guarda-chuva, sólido como os diabos, capaz

de me prestar os maiores serviços durante seis meses. Se passado este tempo a seda parte-se nas

dobras, as aspas relaxam-se e eu, julgando-o digno de descanso e incapaz de exercício, quero pô-

lo no canto, e o velho e estragado chapéu murmura-me: - Não, não me deite fora! Eu abriguei-o

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durante meio ano, privei-o de que a chuva o ensopasse e de que o sol o crestasse. Eu fui quem

fui; conserve-me; eu fui de primeira qualidade!

Se isto se desse, o que eu deveria fazer? Pô-lo fora ou expor-me a ser mal servido.

*Nesta comparação não vai desrespeito; empreguei o substantivo composto guarda-chuva,

porém a essência deste exemplo profundo está no adjetivo – velho.

*A reforma da Academia das Belas Artes é necessária, mais do que isso – é indispensável.

O seu pessoal de hoje é incompatível com o progresso das artes. Alguns que ali dentro

estão nunca fizeram coisa alguma, outros são a sombra do que foram.

Não é a sombra que deixa o sol durante a noite, que desenvolve os corpos que necessitam

de calor.

Se o próprio sol, segundo a previsão científica, um dia há de esfriar matando a terra de

frio! Como querem os diretores da mentalidade artística do Brasil arvorar-se em focos eternos?

*Todo o homem de verdadeiro talento tem duas fases na sua vida. A primeira de criador, a

segunda de fabricador.

Taine discute bem este ponto no capítulo 1 da Filosofia da Arte.

A primeira época é a do sentimento verdadeiro, em que ele tira todo o partido do seu

talento em pleno desenvolvimento, em que ele trabalha ansiosamente, ininterruptamente

devorado pelo sonho único que lhe ocupa a imaginação; dentro das suas obras palpita inteiro o

seu coração com as suas dolorosas tragédias, com as suas tempestades, com as suas raras

bonanças.

A segunda é a da manière, da decadência. Quando esta começa não há nada mais a

esperar, Tudo o que aparece já apareceu mais original, mais vigoroso, mais admirável.

Para que o argumento não falhe, Taine discute dois homens de extraordinário

merecimento: Miguel Angelo – uma das quatro cariátides do mundo, na frase do ilustre crítico – e

Pedro Cornélio.

*Quando a gente acaba de falar neste homens que encheram tantos séculos; que dominam

triunfantes do alto da sua imortalidade, fica visivelmente atrapalhado, seriamente confundido,

terrivelmente enfiado.

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Pois não parece de um ridículo pasmoso que eu queira aplicar a lei da decadência aos

Migueis Angelo e aos Cornélios daqui?

Onde estão eles, esses originais, esses criadores que marcaram a sua primeira fase com

produtos de tão subido valor, que hoje, velhos, julgam-se com direito à permanência no lugar?

Com todas as lâmpadas de Edson, que, creio ser as mais intensas, pode-se procurar com a

maior paciência e com o maior escrúpulo e ninguém encontrará a originalidade dos acadêmicos

brasileiros.

Tudo aquilo que ali fulgura é alheio. É triste, mas é verdade!

Os velhos levavam vida alegre e descuidosa; nada fizeram, nada deixaram. E mesmo que

o fizessem, hoje o gelo penetrou-lhes os ossos, não há mais cobertor capaz de tirar suor quente e

são.

*A nova geração artística do Brasil é forte, valente, brilhante.

Só hoje é que se começa a fazer a arte tal qual ela deve ser feita, com amor, com

escrúpulo, com verdade.

A convenção senil inventou a balela de que a gente boa era a do seu tempo. E aplica isto a

respeito de tudo.

Pouco importa que o tempo corra, que novos processos apareçam, que novas coisas se

inventem, que tudo sobrepasse o passado. Para eles o bom tempo era o seu tempo. Tanto nas lutas

do trabalho glorioso, como nas pândegas da mocidade.

Remetam-se os velhos aos lugares que lhes competem; cumpram a sua missão e deixem o

campo livre aos que podem corrigir as suas obras e que podem exaltar a pátria.

Para os fósseis impossíveis que tropeçam a todo o instante nos princípios mais

comezinhos da arte não há moços de verdadeiro merecimento.

Os únicos poetas do Brasil para eles são Gonçalves Dias, Varella e Casemiro de Abreu,

que tiveram algum talento mas que, absolutamente hoje não competiriam já pelo fundo dos seus

trabalhos, como pela forma que os ... despe, com Luiz Murat, Olavo Bilac ou Raimundo Correia,

para citar simplesmente três nomes.

Os único romancistas são Alencar, Macedo e Bernardo Guimarães. O primeiro e o último

salvam-se, porque os seus trabalhos respiram poesia brasileira, mas não é o seu patetismo que

vence o vigor de Aluísio Azevedo ou de Raul Pompéia ou de Machado de Assis.

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A escultura resume-se naquele (Deus lhe fale (...) (?)) que fez a estátua do Progresso na

garre da estrada de ferro Central. Rodolpho Bernardelli que procure outro ofício.

A pintura é Pedro Américo ou Victor Meirelles.

Amoedo, Bernardelli (Henrique), Aurélio, Parreiras e muitos outros que todos os dias

apresentam documentos novos do que valem, não passam de mediocridades.

Mas o diabo é a gente encontrar nos trabalhos desses moços justamente aquilo que falta

nos dos velhos.

Eles com a quantidade pretendem justificar a qualidade.

É possível que qualquer um desses que foram apresente infinitas produções; mas com

certeza em nenhuma delas se encontra o sentimento que se apaixona pela própria obra; que, para

fazê-la grande, verdadeira, eterna, escreverá, ou pintará com o seu próprio sangue,

Estes que se consomem, que dão tudo o que possuem do seu trabalho para torná-lo digno

do seu nome, são os que agora vão aparecendo, são os novos.

Produzir a galope é reproduzir as impressões alheias que estão bailando no cérebro.

Alexandre Dumas pai escreveu o Cavalheiro da Casa Vermelha em 76 horas; Gustave

Flaubert escreveu a Tentação de Santo Antonio em 20 anos.

É enorme a desproporção?

Confrontem-se as obras e veja-se qual a que fica de pé.

*Perdoem-me os senhores velhos da nova república se lhes pareço irreverente; o que não

lhes posso parecer, de certo, é suspeito.

Se eu não morrer quando se passarem muitos anos que escrevi isto, estarei velho. Então é

que será o diabo. A mocidade que vem ainda é mais endemoniada.

Perdoem-me e creiam que não há como um dia depois do outro, e que ninguém as faz que

não as pague.

*Aqui, debaixo desta coluna onde me assino, apelo para a morte para escapar ao castigo.

Guimarães Passos.

[Sebastião Cícero dos Guimarães Passos – jornalista e poeta parnasiano (Maceió, 1867 –

Paris, 1909). Membro fundador da Academia Brasileira de Letras.]

O Paiz – 26 de junho de 1890 (p.2)Artes e Artistas

Cursos de belas artes

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Na “Seção Livre” inserimos uma importante circular da ilustre comissão promotora da

reforma no ensino das belas artes, noticiando a criação de cursos públicos e gratuitos para os

alunos da atual Academia que os quiserem freqüentar.

Para angariar as subvenções com que serão fundados esses cursos provisórios, temos à

disposição do público uma lista iniciada pelo distinto artista Aurélio de Figueiredo. Daremos

publicidade aos nomes dos subscritores com declaração das suas contribuições a proporção que à

lista em nosso poder forem concorrendo as assinaturas.

[mais abaixo: continuam as exposições (Parreiras, Aurélio de Figueiredo, galerias da

Academia)]

O PLAGIO – estudo por Pedro AméricoI

Antes de definir o que entendo por plágio, quer nas letras, quer nas belas artes, seja-me

permitido fazer observar ao leitor quanto, sob pretextos mais ou menos disfarçado, se tem

ultimamente abusado deste termo, tão claro em aparência, e entretanto singularmente obscuro

quando é examinado com a necessária atenção.

A mais sucinta análise das ocasiões e circunstâncias históricas, em que a crítica crera

poder aplicá-lo, bastaria para nos convencer assim da dificuldade da sua aplicação como do

palpável erro dos escritores que dele se servem, para fulminar o reconhecido mérito de uma obra

cuja originalidade pretendem negar.

Com efeito, a história dos melhores frutos de qualquer literatura ou de qualquer escola

artística nos ensina que o produto mais constante do espírito humano, longe de ser o invento, no

sentido absoluto desta palavra, é, ao contrário, o aperfeiçoamento do assunto, o desenvolvimento

dos meios de expressão, a transformação mais ou menos profunda da idéia ou da forma inicial, a

qual, de simples que era em sua origem, tornou-se ornada, elegante, rica, majestosa, revestindo

sucessivamente as exterioridades mais diversas e mais consentâneas ao gosto da épocas que

atravessou, até se achar completamente esgotada.

O Orlando furioso, por exemplo, um dos mais complexos poemas italianos depois da

Divina Comédia, é a um tempo a condensação e a idealização poética dos pensamentos

derramados pelos bardos e trovadores franceses dos anos 1000 a 1200, nas suas bárbaras canções,

em cujas estâncias se enquadravam mais antigas legendas de origem oriental.

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Trazidos para a França pelos Cruzados, os singelos pensamentos que originaram aquelas

grosseiras composições tomaram uma forma nas balelas (?) relativas ao rei Arthur, outra nos

Romances da mesa redonda, entre os quais avulta a antiga, maravilhosa e prolixa Canção de

Orlando, que, com o Orlando enamorado do poeta Bojardo, mais particularmente despertou o

gênio de Ariosto.

De modo que, da vaga e indelineável fantasia do Oriente saiu, em última análise, a vasta

composição italiana depois de uma longa elaboração histórica, em que, como na embriogênica,

foi o confuso ideal da idade média, sucessivamente passando pelos estados transitórios de um ser

destinado à vida plena, até exaurir todas as formas que a imaginação podia atribuir ao legendário

cavaleiro.

O poema de Ariosto não terá, provavelmente, sucessor de assunto idêntico, porque o

pensamento original esgotou-se na sua expressão definitiva, e não haverão esforços, nem

artifícios, nem atavios literários capazes de dar vida ao que morreu magnificado em tão gloriosa

apoteose.

Mas não é somente na literatura italiana que essa anthese fulgurante de um pensamento

antigo nas criações de um homem de gênio se tem manifestado com a mesma evidência: um

estudo comparado das obras principais da literatura francesa, isto é, daquela que mais influência

tem exercido sobre as sociedade modernas, conduz a conclusão que seus ilustres representantes

nunca hesitaram em adotar pensamentos alheios, quer de antecessores, quer de contemporâneos,

para modificá-los, revesti-los de novos aspectos. E imprimir-lhes o cunho da própria

originalidade.

Molière, por exemplo, acha o esboço do Médico à força no Vilain mire de Durand,

poemeto alegre e singelamente irônico contra os homens obrigados a sustentar uma carga

demasiado pesada, que lhes foi imposta pelas exigências sociais.

A comédia de Terêncio intitulada Os irmãos, que já era uma imitação dos Adelphos de

Menandro, também lhe pôs diante do espírito o assunto da sua Escola dos maridos, que ele

desenvolveu magistralmente.

O mesmo autor, na primeira cena da Escola das mulheres põe em verso, quase com as

idênticas palavras, as expressões que Rabelais atribui a Pantagruel em resposta a um dos mais

engraçados discursos de Panurge; e acha em um romance, no qual já La Fontaine havia imitado

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Apuleu, o assunto de quase toda a Psyche, peça em que teve por colaboradores dois grandes

contemporâneos, Cornélio e Quinault.

Ora, se o procedimento de Molière se pudesse qualificar de reprovável, fora necessário

acusar ao mesmo tempo a ele, La Fontaine, Quinault e Cornélio.

Do mesmo modo, nas Fourberies de Scapin o célebre comediógrafo transformou e

completou o Pédant joué, do seu antigo condiscípulo Cyrano de Bergerac; tão certo estava de

poder modificar vantajosamente as intenções literárias do infeliz colega, em cujas obras não

duvidaram beber inspirações outros notabilíssimos autores como Fontenelle nos seus Mundos,

Voltaire no Micromegas, e Swift na Viagens de Gulliver.

Com as Precieuses ridicules, que compusera enquanto moço, fez Molière o mesmo que

havia feito com o Pédant joué, repetindo e engrandecendo o seu primeiro ensaio até o

transformar nas Femmes savantes, em que o assunto adquire as maiores proporções de que era

susceptível. Prova evidente da consciência que ele tinha da sua crescente superioridade, junta à

certeza de poder sempre acrescentar novas belezas ao objeto que contemplava como poeta.

Dante não fez coisa mui diversa apoderando-se de inúmeros pensamentos de outros

autores antigos para manifestar os que lhe eram peculiares, e transformando, e ampliando

sucessivamente a idéia fundamental da Vida nuova, poema de sua adolescência, para compor o

Convilo, e mais tarde a longa, complexa e profunda Divina Comédia, que fixou o ideal dos fins

da idade média e fundou a língua moderna italiana.

Tanto não julgava Molière que fosse ilícito aos grandes poetas exercerem o próprio

talento em um sujeito já explorado, e mesmo pedirem inspiração à forma com que o acham

revestido, que não duvidou propor a Racine para por em cena

Ces deux frères de qui la guerre

Ne cessa point dans le tombeau; versos tirados de uma ode de Malherbe a Maria de

Médicis. Ora, foi desenvolvendo na sua Thebaide esse terrível assunto, em que Eurípedes já

havia achado matéria para uma obra primorosa, as Phenícias, e Sêneca um magnífico estudo de

retórica, que Racine estrou em 1664.

Não são estas as únicas provas de desprevenção e do talento com que Molière se

apoderava de um tema já tratado, para fazer dele uma obra nova, sem contudo tolher-lhe os traços

característicos.

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Foi assim que ele fez com a Aulutaria de Plauto, de que tirou o Avarento, peça literária

completamente conforme a índole do poeta francês, e entretanto de tal semelhança comparada ao

texto latino, que, em certos pontos, passaria por uma simples paráfrase deste, se não lhe fosse

sempre muito preferível como desenvolvimento de ação cênica, e como obra de concatenação

lógica. (...).

Se pois, o fato da semelhança ou mesmo da identidade parcial de duas ou mais obras

diversas constituísse prova de plágio, nenhum autor mereceria mais do que Molière a imputação

dessa espécie de delito literário, de que hoje se faz carga a um dos maiores dramaturgos

contemporâneos Victoriano Sardou.

(continua)

O Paiz, 26 de junho de 1890, p.3 [ainda mesmo exemplar com artigo de Guimarães Passos e estudo de Pedro Américo]

Cursos de belas artesCircular

Não podendo ficar paralisado o estudo das belas artes, e estando os ex-alunos da academia

moralmente obrigados a não aproveitar o pouco material de ensino que lá se fornece, a comissão

promotora da mensagem que acaba de ser entregue ao governo pedindo a supressão da academia,

resolveu organizar cursos públicos e gratuitos em local que será mais tarde anunciado. Para a

realização desta idéia pedem os abaixo assinados a subvenção do público, subvenção que será

provisória, porque o Sr. general Benjamin Constant comprometeu-se a resolver satisfatoriamente

e dentro em breve o problema do ensino artístico entre nós. Como processo de recolher a

subvenção, os abaixo assinados deixam listas nas redações dos jornais.

Capital Federal, 25 de junho de 1890.

Rodolpho Bernardelli, escultor.

Décio Villares, pintor.

Rodolpho Amoedo, pintor.

Aurélio de Figueiredo, pintor.

Manoel Teixeira da Rocha, pintor,

Francisco Ribeiro, pintor,

Baptista Castagneto, pintor,

Emílio Rouède, pintor,

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Henrique Bernardelli, pintor.

O Paiz, 27 de junho de 1890, p.1

[Continuam as exposições: de Parreiras no Atelier Moderno; de Aurélio Figueiredo no Largo de São Francisco; das galerias da Academia].O Paiz, 28 de junho de 1890, sábado, p.1

Artes e Artistas(...)

Encerra-se hoje a exposição do ilustre paisagista nacional Antonio Parreiras.

A exposição do quadro Redenção do Amazonas foi anteontem visitada por 70 pessoas,

Encerra-se segunda-feira.

O Paiz, 29 de junho de 1890, domingo, p.2.Artes e Artistas

Considerando a necessidade de um salão com todas as condições precisas para exposições

de belas artes, o provecto artista professor Souza Lobo propõe-se a organizar a Companhia

Acropolio que edificará um salão com vastas proporções comportando até 2 quadros que tenham

60 palmos de largo, com distância indispensável para que o espectador possa ter o verdadeiro

ponto de vista, e luz bastante para iluminá-los; o que ainda não possuímos, e que é inadiável,

atendendo-se à urgente necessidade que o número já elevado de artistas tem de expor os seus

trabalhos e vendê-los; se já existisse isso, não seria necessário aos artistas construírem, e com

grande dificuldades e sacrifícios, barracões, como ainda atualmente Aurélio de Figueiredo foi

obrigado a fazer.

As oficinas da companhia servirão para complemento das obras de arte, expostas

especialmente as de litografia, fotografia e tipografia, que serão os instrumentos de propaganda

das belas artes.

Em conseqüência de existir só na Capital Federal a Academia das Belas Artes, os artistas

por falta de recursos, aqui se aglomeram, não podendo transportar-se para os outros estados, onde

iriam educar o povo e fundar escolas de desenho e de outros ramos, bem como melhorar os meios

de prover à sua subsistência: a companhia tem em seus estatutos um meio de facilitar aos jovens e

mesmo veteranos artistas nessas tentativas.

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A reprodução de todos os trabalhos artísticos pela fotografia e outros processos concorrerá

também para compensar seus autores, no caso de não obter a venda do original, pois venderá

muitos exemplares da reprodução.

A companhia encarregar-se-á também de torná-los conhecidos e vendáveis, em todos os

estados do Brasil e no estrangeiro.

Nos estatutos da companhia há disposições que auxiliam os artistas quando queiram

executar qualquer trabalho em grande formato, concedendo os seus salões; aos músicos e

literatos, facilitando-lhes os meios precisos para que por falta de capital lhes não sobrevenha o

desânimo e o país perca vocações dignas de animação,

O periódico ilustrado, que formará o maior meio de propaganda, será moldado nas mais

aperfeiçoadas formas de publicações artísticas, e vender-se-á por preços ao alcance de todos,

visto ser também o órgão de anúncio da companhia e dos interesses dos artistas, publicando-se

tudo o que tiver relação com as oficinas artísticas e acompanhando o progresso dos países mais

adiantados.

(...)

***

As galerias da Academia de Belas Artes foram visitadas durante a última semana por 530

pessoas.

O Paiz, 30 de junho de 1890 - Segunda-feira (p.2)

Artes e Artistas(...)

A exposição do quadro “Redenção do Amazonas” foi anteontem visitada por 34 pessoas;

esteve encerrada à noite por causa do mau tempo.

Hoje é o último dia em que pode ser vista a tela de Aurélio de Figueiredo.

O Paiz - Quarta-feira, 9 de julho de 1890, (p.2)

Artes e ArtistasBelas Artes

Inscreveram-se ontem para a freqüência dos cursos públicos e gratuitos de Belas Artes os

seguintes alunos:

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Pintura – (...), Eliseu d’Angelo Visconti, (...), João Baptista da Costa (...) [ao todo 8

alunos]

Escultura - [2 alunos] (...)

O livro das inscrições continua no barracão do largo de S. Francisco de Paula à disposição

dos interessados.

O Paiz – Domingo, 14 de Dezembro de 1890 (p.1)

Sete Dias(...)

Passei, há dias, pelo Atelier Moderno. Lá estiveram expostos os trabalhos dos discípulos

revolucionários da escola livre.

Impressão tardia a que dou.

Como arte revolucionária deve-se dizer que ali nada existia que pudesse dar semelhante

indução. Mas havia um grande número de telas agradáveis.

Havia, por exemplo, as telas de Visconti, que, na sua qualidade de esperança, abusa

consideravelmente do verde. As suas paisagens dão ares de parque inglês, pelos seus tons de

verde tenro, muito cuidado, de jardim. Por isso mesmo, um só quadrinho em que não se nota esse

abuso é o melhor e é aquele que nos mostra um pardieiro amarelo sob a ramada de uma bela

árvore bem colorida.

(...)

*

Todas as vezes que penso sobre as artes figurativas, lembra-me, sempre que elas se fazem

sob a cultura progressiva dos sentidos. Primeiramente a visão, pela arquitetura e pela pintura;

depois, o ouvido – pela música. E eu imagino que em um futuro remotíssimo por um refinamento

de artistas blasés haverá uma cultura do olfato e uma arte do cheiro.

(...).

J.R.

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Gazeta de Notícias – 16 de março a 14 de julho de 1890

(Fichamento por Ana Maria Tavares Cavalcanti)

Gazeta de Notícias – Domingo, 16 de março de 1890, (p.2).

Brasileira na Europa

D. Beatriz Ferro Cardoso de Oliveira figura na exposição do Salão de Paris de 1890,

expondo um quadro seu, denominado Etrennes d’une bayadère.

É difícil expor-se um trabalho no Salão em virtude do número limitado que se escolhe

dentre os milhares que se apresentam.

O nome de nossa distinta patrícia figura no catálogo da Union des femmes peintres et

sculpteurs.

É caso de felicitar a distinta brasileira.

Gazeta de Notícias – Quinta-feira, 20 de março de 1890 (p.1)

Belas artes

Há longos dias estão dispostos nas salas da Academia todos os objetos de arte que

representam a luta dos nossos artistas contra o meio estéril em que se debatem; está pronto o

catálogo, as aulas não se podem abrir, porque as salas estão tomadas pela exposição, e esta não é

inaugurada, com grande prejuízo do público, dos expositores e do ensino.

Gazeta de Notícias - Sexta-feira, 21 de março de 1890, (p.1).

Panorama do Rio de Janeiro

O vapor De Bay chegado anteontem de Antuérpia trouxe a grande tela de Victor

Meirelles, pintada de colaboração com o pintor Langerock.

Esta tela que mede 115 metros de comprimento sobre 15 de largura, representa a cidade e

baía do Rio de Janeiro, e esteve exposta em 1888 na cidade de Bruxelas, donde foi removida para

a exposição de Paris do ano passado, alcançando ali medalha de ouro.

O enorme volume foi ontem transportado para terra e acha-se guardado no arsenal de

guerra.

A grande tela será exposta em um pavilhão que se vai construir no Largo do Paço.

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Gazeta de Notícias - Quinta-feira, 27 de março de 1890.

Academia de Belas Artes

Realizou-se ontem, à 1 hora da tarde, a inauguração da Exposição de Belas Artes, na

presença dos Srs. generalíssimo chefe do governo provisório, ministro do interior, secretário do

governo, secretário do Sr. ministro do interior, governador do Estado do Rio de Janeiro, oficiais

de mar e terra, entre os quais os do estado-maior do chefe do governo provisório, comandante do

corpo de polícia, diretores da secretaria do interior, representantes da imprensa e grande número

de cavalheiros e Exmas senhoras.

Os Srs. chefes do governo, ministro do interior e governador do Estado do Rio de Janeiro

foram recebidos por uma comissão de professores, composta dos Srs. comendadores Victor

Meirelles e Mafra, conselheiro Dr. Domingos de Araujo e Silva, Dr. Cirne Maia, Amoedo e

Bernardelli. A comissão acompanhou os ilustres visitantes no seu percurso pelas galerias, e até a

porta principal do edifício, quando se retiraram, depois de terem examinado a exposição por mais

de uma hora.

À entrada e à saída do generalíssimo, tocou o hino nacional a banda de música do corpo

militar de polícia do Rio.

***O público demorou-se no edifício até às 3 horas da tarde, hora em que foi encerrada a

sessão de inauguração.

A saída foi feita pela porta lateral de oeste.

Foram distribuídos catálogos a todos os visitantes.

***A guarda de honra que formou em frente ao edifício, foi dada pelo 24 de infantaria. Desta

guarda foram destacadas sentinelas de baioneta calada para (... ilegível).

A vigilância (... ilegível) feita por praças de polícia requisitadas para secundar o pessoal

efetivo de guardas da academia.

***A data escolhida para inauguração da exposição recorda um aniversário que liga-se

intimamente à história da arte nacional.

A 26 de março de 1816 chegaram a esta capital diversos artistas mandados vir por D. João

VI para ensinarem no curso de artes que aquele monarca pretendia fundar. Entre esses, que

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chegaram depois de dois meses de viagem na barca americana Calphe, vinham Lebreton,

Grandjean de Montigny, os dois Taunay e o ilustre matemático François Ovide.

Gazeta de Notícias – Sábado, 29 de março de 1890 (p.2)

Publicações a pedidosAcademia das Belas Artes

Ao cidadão ministro e secretário de Estado dos Negócios do interior.

Os abaixo-assinados, diretamente interessados na reforma do ensino das artes do desenho,

pedem-vos a adoção do projeto apresentado ao vosso antecessor pelos concidadãos Montenegro

Cordeiro, Décio Villares e Aurélio de Figueiredo, pois corresponde cabalmente e do modo mais

econômico a todas as necessidades da classe, bem como a todas as aspirações sociais de liberdade

e progresso.

J. Fiúza GuimarãesPedro A. de CastilhoAugusto QuintellaIzaltino BarbosaRaul CardosoJosé Pinto GouveiaEmm. LacailleMartinho DomienseAlberto DelpinoSebastião Vieira FernandesJúlio de Magalhães MacedoMiguel PellegriniAlberto LimaArthur F. LucasMaurício JubimAntonio de Souza ViannaJosé de Alvarenga BarretoAntonio Calvet de BittencourtFrancisco de Paula e OliveiraEgydio José da Graça BastosVicente P. B. LeitãoAlfredo PinheiroAlberto Vieira de MesquitaJ. C. Souza AlbuquerqueAntonio Moreira CastroZeferino Velloso da Silveira PontualJosé Martins da Silva SobrinhoLuiz J. de Araujo AmorimPedro Fernandes Machado

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Alfredo Baptista Martins(Alunos da Academia)

Antonio Benevenuto(Escultor)

Arthur Orozinho Xavier de Azevedo(Engenheiro-arquiteto)

Luiz Gonzaga Duque-EstradaJ. Porto-AlegreAlfredo Xavier Simões(ilegível)J. Mattos (...)Julio C. L. ReisHonório Esteves do SacramentoJoão J. NoéGodofredo Francisco LealManuel Porto Alegre

(Amadores).

Gazeta de Notícias - Segunda-feira, 31 de março de 1890 (p.1).

Belas Artes

Quem visita a nossa Academia de Belas Artes não sente a impressão agradável do viajante

que volta à sua terra, do homem que entra em sua casa. O ar que ali se respira não é o nosso ar,

aqueles não são os nossos costumes, não é aquela a nossa gente, não é assim a nossa paisagem, e

portanto, aquela não é a nossa arte, não é a arte nacional, não é a fixação na tela e no mármore da

vida, da alma brasileira.

Na galeria em que estão expostos os quadros novos, em cuja honra foram abertas as portas

do velho edifício, que ali vive esquecido em um beco, há aqui e acolá umas abertas para esse céu;

não é bem nos Bandeirantes, de Henrique Bernardelli, que ele mesmo, com o seu talento superior

do artista de raça, deve ver que não tem o colorido das nossas florestas; é preciso procurá-lo ao

lado da grande tela, na tela pequena que ele pintou em Petrópolis, uma cascata, em que a água

talvez não seja bastante transparente e bastante viva, mas em que a mata já tem aquelas múltiplas

nuances de verde, que lhe fazem o encanto e são o seu característico, verdes de tonalidades

alegres, abrilhantadas pelo sol; é preciso procurar a nossa natureza numa pequena paisagem que

Hypolito Caron pintou em Juiz de Fora, em uma outra de Pombal, de Rodolpho Amoedo, e em

outras de França Junior, de Visconti, de Baptista da Costa, e de poucos mais.

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Fora disso não há uma figura que fale da nossa história, dos nossos costumes, da nossa

vida. E no entanto, vê-se que os nossos artistas vão fugindo à inspiração que dominava a geração

a que sucedem e que está representada nos quadros da galeria n.2, em tempo classificados na

Academia como constituindo a arte nacional. O que é que inspirava então os nossos artistas, e lá

está representado? Era a Morte de Sócrates, S. João Baptista no cárcere, a degolação do referido

S. João, a flagelação de Cristo (que ainda já pouco mais de um ano serviu de tema para

concurso), Eliezer e Rebeca, um lavrador dos campos... de Pharsalia, Sócrates afastando

Alcebíades do vício (esta questão palpitante de interesse inspirou nada menos que dois artistas),

Caim amaldiçoado, Moisés recebendo as tábuas da lei, Jugurtha, Telemaco, toda a mitologia,

todo o catecismo, toda a história de Roma.

E o público não ía ver as galerias, dizia-se. Para que? Que se importa o público com

Sócrates, e com Moisés, e com Telemaco?

Se ainda hoje, nos museus da Europa, o visitante para diante dessas telas é que as

pintaram os grandes mestres e o que se vê não é o assunto, é o artista; mas ver um quadro em que

o pintor nos falta ao espírito ainda menos que o assunto, realmente não é caso para ninguém sair

de seus cômodos.

A exposição atual é talvez a mais brilhante que temos tido, e se o público ainda se não

decidiu a freqüentá-la, é porque anda escabriado das outras, e ainda não tem fé na arte nacional.

Pois é obra meritória incitá-lo a ir ver. Vendo os quadros, adquirindo alguns, estimulando

os artistas pelo aplauso e por tornar-lhes a vida possível, é que chegaremos a ter arte nacional,

principalmente se o governo se decidir a tomar o alvitre de reformar a academia, para que ela dê

o que deve dar, alvitre que só tem outra alternativa razoável, fechá-la de uma vez, porque é inútil

que ela continue a dar-nos Telemacos e Jugurthas.

E se quer que o guiemos, se quer ter logo desde o primeiro dia uma impressão que o

obrigará a voltar, embora não seja de arte nossa pelo assunto, ao entrar na galeria nova procure

um quadro que fica ao fundo, à direita, a Dicteriade, de Henrique Bernardelli; vá caminhando até

o meio da sala, fitando-a sempre, e quando estiver bem no seu ponto, no ponto em que cada um

vê melhor, diga-nos se já viu uma tela mais voluptuosamente quente, se não tem tentações de

tocar o sedoso daqueles tecidos, e se não é aquilo o atestado bem eloqüente do quanto vale a

permanência de um artista de talento em um meio verdadeiramente artístico.

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Aí está a verdadeira arte italiana moderna em toda a sua perfeição, e como a tela é de um

artista nosso, ali está o que é preciso para termos arte nacional, se o governo e o público

entenderem que vale a pena cultivar a preciosa planta, que também enriquece as nações, influindo

sobre os costumes, pois nem só de café vive o homem.

[anônimo]

Gazeta de Notícias - Quarta-feira, 2 de abril de 1890 (p.2).

Academia das Belas Artes

A exposição geral de belas artes foi ontem visitada por 138 pessoas. O preço da entrada

hoje é de 500 rs.

[obs.: o preço do exemplar do jornal Gazeta de Notícias era de 40 rs.]

Gazeta de Notícias – Domingo, 6 de Abril de 1890 (p.1)

De ParisOs dois Salons – Aquarelistas - Boutet de Mouvel e Besnard

Abriram-se as exposições de pintura e escultura que precedem a abertura do Salon anual.

Este ano é preciso dizer dos Salons porque serão dois em vez de um, como era d’antes.

Haverá o Salon Bouguereau no Palácio da Indústria, e o Salon Meissonnier, que é o dos

dissidentes, no Palácio das Belas Artes, que ficou de pé (e que será conservado) no Campo de

Marte. Vaidades, lutas de amor próprio, birras, a intriga de atelier e de academias, a propósito das

recompensas concedidas pelo jury da Exposição Universal de 1889, que a maioria do Comitê dos

90 da Sociedade dos Artistas não quis reconhecer, e finalmente um voto mal pensado numa

reunião tumultuosa da mesma sociedade, recusando aos medalhados da Exposição as honras e

privilégios de entrada hors-concours nos Salons anuais, determinaram a retirada de Meissonnier e

cento e vinte e tantos dos seus partidários. (...).

O caso é que todos se queixavam do aumento anual da quantidade de produções de menor

valor (ou mesmo de nenhum) que nas exposições anuais do Palácio da Indústria afogavam

literalmente o pequeno número de telas de merecimento.

(...)

A verdade, porém, é que na enorme quantidade de pintores que há em França, e que vai

crescendo rapidamente, a proporção dos que tiveram a vocação, dos predestinados, dos possuídos

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da obsessão representativa da forma das coisas por linhas e cores, para os que exercem esta

profissão como exerceriam outra qualquer, honestamente e nada mais, mantém-se sem alteração.

A França é a principal fornecedora dos mercados de arte do mundo inteiro, e a sua imensa

publicidade assinala à procura de todos os amadores que os podem disputar, os gêneros de valor

real, de mistura com aqueles que um capricho da moda e a intriga dos que dispensam honras e

criam reputações artísticas, elevaram artificialmente a cotações respeitáveis. (...).

Os Salons serão dois este ano, mas não se pode esperar que eles exponham o dobro das

obras de valor dos outros anos, a julgar pelas exposições parciais dos cercles da rua Boissy

d’Auglas e da rua Volney e pela dos aquarelistas da rua de Sèze. (...)

[O articulista destaca os trabalhos de apenas dois aquarelistas: Boutet de Mouvel e

Besnard].

DOMICIO DA GAMA

Gazeta de Notícias, Segunda-feira, 7 de Abril de 1890 (p.1)

Belas Artes

Quem quiser fazer idéia do que era o espírito acadêmico entre nós no ensino das Belas

Artes, visite a exposição de escultura e o atelier do artista excepcional que se chama Rodolpho

Bernardelli; e que há de ser, a despeito de todos os embaraços, mais dia, menos dia, o iniciador

da nossa vida artística.

Sujeito aos programas antigos, Bernardelli copiou a Vênus Calipígea e a de Medicis;

entregue à própria inspiração, modelou a Faceira, um primor de graça e naturalidade, feito na

Europa, com as recordações saudosas da pátria; tendo de fazer o seu último trabalho de

pensionista, ao gosto acadêmico, submeteu-se a ele pelo assunto, mas fugiu-lhe pelo modo de o

tratar, porque o Cristo e a adúltera deve ter arrepiado a pele dos antigos sustentáculos da

academia, os idólatras de Jugurtha e de Caim; tratando um assunto religioso, o Martírio de Santo

Estevão, fê-lo trabalhando a linha com o naturalismo com que Flaubert trabalhava a palavra.

Da Academia vão ao atelier do grande artista, vejam as suas estátuas, os seus bustos, os

seus menores trabalhos, e digam se tal artista é produto da nossa carunchosa escola.

Na exposição, vejam os trabalhos de seu discípulo, Berna – aquele mesmo inspirado pelo

poema de Longfellow, cuja fisionomia fala, os bustos de um menino, uma baiana, e um

conhecido preto mina vendedor de jornais – e digam-nos depois se não está ali iniciada a reforma,

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não só da Academia de Belas Artes, mas a reforma da arte nacional. No mesmo sentido falam os

dois estudos de um nosso compatriota, que está em Roma trabalhando depois de ter recebido as

primeiras lições dos Bernardellis.

O que consola, na atual exposição de pintura, à falta de cor local, é a independência que

vão revelando os pintores. O confronto dela com a galeria da chamada escola nacional dá

esperanças de futuro lisonjeiro, e demonstra a reação espontânea dos moços contra a rotina que

sempre predominou na Academia.

Basta ver os paisagistas. O bom Grimm arrancou-os das salas sem luz, onde eles

copiavam paisagens de litografias baratas e levou-os para o campo, pô-los na escola da natureza;

aí eles aprenderam a pintar por si, como Vasquez, como Caron, como Ribeiro, como França

Junior, como Parreiras, e a princípio todos eles tinham mais ou menos a maneira do mestre; mas,

ao fim de algum tempo, até dessa influência se libertaram, e hoje cada um deles tem a sua

individualidade.

Mais novos do que eles, Visconti e Baptista da Costa, guiados cremos por Zeferino e

Amoedo, aprendendo também na natureza, vão revelando disposições notáveis para a arte,

principalmente o primeiro, que fez nesta exposição uma estréia brilhantíssima.

Há positivamente um como renascimento, que só espera, para dar todos os seus frutos,

que o compreendam, que o sintam os homens que nos governam, para que a reforma seja feita no

sentido do movimento já iniciado, no sentido da tendência de espírito dos artistas novos,

inspirados uns na pujança da nossa natureza, robustecidos outros pela convivência com os

mestres na Europa e o estudo das obras que têm resistido ao tempo, e hão de resistir, porque são a

suprema verdade, e esta é o único ideal.

[anônimo]

Gazeta de Notícias – Quarta-feira, 23 de Abril de 1890, (p.1)

O nosso colega Emílio Rouède, da Cidade do Rio, nos pede a transcrição das seguintes

linhas:

“A crítica que um, ou vários indivíduos, ocultando-se sob o pseudônimo de Cosme

Peixoto, fazem das obras e do merecimento de Rodolpho Bernardelli, no Diário do Commercio

do dia 19 do corrente mês, causou-me forte indignação. Tendo, por um lado, a certeza de que, em

muitos de meus companheiros, produziram o mesmo efeito as injustas apreciações do crítico do

Diário do Commercio, faço um apelo aos pintores, escultores, gravadores e críticos do Rio de

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Janeiro, para virem, no dia 24 deste mês, às 7 horas da noite, à sala da redação da Cidade do Rio,

afim de combinar o meio de levantar um protesto coletivo contra as opiniões externadas por

Cosme Peixoto no Diário do Commercio.

Se tomo a liberdade de iniciar este pensamento é porque, sendo pintor e jornalista, me é

mais fácil que a outrem executar as decisões que a reunião aprovar. - Emílio Rouède.”

Gazeta de Notícias – Domingo, 27 de Abril de 1890, (p.1)

Bernardelli

Céu cor de cinza, ruas molhadas, um bocejo por tudo. A rua do Ouvidor cabeceia,

aborrecida e sonolenta. Caio nas garras de X.

- Garanto-lhe que há crise, filho.

Empolga-me o I.:

- Afinal, o Tydel...

Z. desabafa sobre mim:

- Fiz ontem um soneto. Ouve...

Mas dois amigos piedosos arrancam-me dali. E desatamos os três a correr, a voar,

alucinados, engolindo espaço, quebrando esquinas, atravessando ruas.

- Aí vem um boato... fujamos! Aí vem um político... fujamos! Aí vem um poeta

inédito... fujamos!

Para onde? Para o Corcovado, para o diabo, para qualquer parte onde não haja nem boatos

nem sonetos: e, às duas horas, caímos esfalfados à porta do atelier dos Bernardelli. Dependuro-

me à campainha, faço-a vibrar, com um desespero angustioso de náufrago pedindo socorro.

A arte torna bons os corações: quase todo artista é caridoso. Compreendem lá dentro que

há uma desgraça a evitar, a porta escancara-se generosamente.

***Entramos. Na ampla sala serena, de uma serenidade de templo, de largas portas e largas

janelas, abrindo para o jardim, irradia logo aos nossos olhos a face patriarcal do velho Fachinetti,

de barba de neve, de boca risonha; e seu riso parece dizer:

- Entrem, meninos, entrem que eu não sou egoísta: aqui há sossego para mais um.

Ao lado dele, mais calmo ainda, com uma beatitude de frade feliz, o Sebrão chupa um

cigarro, namorando um baixo relevo egípcio. Escarrancho-me num banco, dou um suspiro de

alívio.

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- Sejam bem aparecidos! – canta a doce voz de Rodolpho Bernardelli. Levanto a cabeça.

Lá está ele, no alto do andaime, abraçado ao trabalho desde as seis da manhã. Desce logo, para

nos dar um aperto de mão. E começa a mostrar-nos a sua obra extraordinária. Sofreando o cavalo,

espada em punho, alta a cabeça vitoriosa, numa bela atitude de comando, Osório vive naquela

estátua prodigioso.

É ele próprio quem ali está, no campo de batalha, encarando o perigo. A todo instante,

espera-se que os seus lábios se descerrem, que a sua espada se abata, que o cavalo voe, no

arranco da investida. Depois, mostra-nos os baixo relevos para o pedestal, 24 de Maio e Passo da

Pátria, duas obras estupendas de arrojo e de originalidade. Depois, os baixos relevos para a

estátua de Caxias, bustos, estatuetas, estudos, bibelots.

E vendo-o tão confiante no seu trabalho, tão cônscio da sua força, tão seguro da sua

vitória, eu fico, desculpe-me o Emílio Rouède, fico a sorrir daquele protesto coletivo, que só pode

ter um resultado: dar importância a quem não tinha importância.

***Porque, afinal, todo o mundo tem o direito de achar que Bernardelli não tem talento. É

uma opinião tola, mas é uma opinião. Que querem? O Sr. Cosme não gosta de Bernardelli? Pois a

única pessoa que perde com isso é o próprio Sr. Cosme, que dá uma triste idéia do seu gosto: aí

está.

Então se um crítico vier dizer que Luiz Murat não sabe fazer versos, os poetas brasileiros

hão de reunir-se para protestar contra este crítico? Santo Deus! Se formos proibir que cada um

tenha a sua opinião, que há de ser de tanta gente, que, não tendo nem talento, nem razão, limita-se

a ter esta coisa inofensiva e simples, que nunca fez mal a ninguém: uma opinião?

Bernardelli é um vitorioso. E o seu mérito ficou sendo o mesmo, antes e depois da crítica,

antes e depois do protesto. Bernardelli tem talento e trabalha: não precisa de que os seus colegas

o venham elogiar, porque só as mediocridades precisam de elogios.

O.B. [Olavo Bilac]

Gazeta de Notícias, Sexta-feira, 30 de maio de 1890 (p.1)

Academia de Belas Artes

Fala-se em suprimir a Academia de Belas Artes. A conservá-la como hoje está, melhor é

com efeito suprimi-la.

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O orçamento de 70 contos, pouco mais ou menos que anualmente lhe destinam, tornou-se

um simples objeto para a exploração de sindicato, deixou de ser a subvenção que o Estado

fornece às artes. E este sindicato que atualmente governa a Academia não só defende-se como

quem defende interesse próprio contra qualquer tentativa de reforma, mas também pouco se

ocupa em desenvolver pessoalmente os métodos de ensino.

De como ele procede em defesa do monopólio para explorar este orçamento, há provas

muito recentes na célebre questão Cosme Peixoto, Bernardelli e Amoedo, que eram lentes e

acreditavam que a revolução de 15 de novembro devia repercutir em todas as esferas da atividade

nacional e tudo refundir. Bernardelli e Amoedo vinham de apresentar um projeto de reforma

radical e completo. Era preciso desgostá-los, forçá-los a demitirem-se. E foi disso que se

encarregou o escritor ou escritores que com o pseudônimo de Cosme Peixoto apareceram numa

crítica covarde, porque era anônima mesmo quando se a queria responsabilizar, desonesta porque

agredia ao invés de criticar.

Se ele assim é, quando trata de defender o seu monopólio, mais nocivo se torna ainda no

exercício das suas funções impassível e quieto para tudo quanto for melhoramento, deixando que

a Academia vá vivendo pela lei da inércia.

A conservá-la, pois, como está, melhor é suprimi-la.

***

Entretanto uma série de argumentos existe, que milita pela continuação da Academia.

Se a suprimirem, conservarão o museu. Mas não há Museu nenhum que valha só por si.

Precisa de ciceroni, precisa de quem o interprete. E é este, no final das contas, o encargo dos

professores, é isto o que lhes cumpre fazer; era isto o que convinha acrescentar ao nosso Museu,

para onde o Sr. Landislau Netto e mais ilustres companheiros vão arrecadando riquezas, mas que

devia ter junto a si, um professorado que em preleções públicas, ensinassem os diversos ramos

das ciências naturais em geral, e do Brasil em especial.

Ela oferece mais ainda, a vantagem do ensino simultâneo – permitir que muitos se sirvam

ou se aproveitem de aparelhos que um só não pode possuir, mas que o estado ou a cooperação,

pode fornecer sem grandes dispêndios nem sacrifícios de monta.

E, no que se refere ao bom cultivo das nossas atividades estéticas, um argumento máximo

existe exigindo até a continuação da Academia, quando mesmo fossem inferiores ao que são os

resultados por ela fornecidos. Ele é uma lei darwinica, e a história de todo o desenvolvimento

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biológico, é o princípio de que a função faz o órgão. Não temos artistas! Não temos meio

artístico! Vamos a fingir que temos, vamos exercer esta função, porque o órgão de que

necessitamos aparecerá com este exercício.

*

Mas, se procedem estes argumentos em favor da continuação da Academia, é preciso

reformá-la.

É preciso mudá-la de casa. Aquele prédio que está muito bom para Caixa de Amortização

por causa da sua proximidade do tesouro, não serve para Academia de Belas Artes. Começa por

não ter luz; e não possui panoramas onde o olhar do artista dali mesmo possa descansar e possa

aprender. Mudem-na para um morro de onde se descortine a nossa baía, de onde se veja a nossa

cidade e de onde se observe a Serra do Mar. Além das inúmeras vantagens, esta colocação fará

bem ao corpo e ao espírito dos professores e dos alunos. O homem pensa segundo a capacidade

do recinto onde está, e só pode ter idéias verdadeiramente grandes ou no sem-limite da escuridão,

ou no sem-limite do pleno ar, quando apenas sente por cima de si a calote azulada do céu.

***É preciso principalmente reformar o pessoal, em cuja lista mínima importância deve ter o

tal porteiro que, discutido como tem sido e louvado como foi em ata da congregação, parece ser o

verdadeiro diretor da Academia ou pelo menos a ninfa Egeria dos diretores.

O pessoal que lá está não serve.

O Sr. conselheiro Maia, além da tibieza que o caracteriza, é um velho professor de

geometria, e a geometria, posto que o não pareça, é a maior inimiga da arte. A geometria é a linha

reta e a arte é a linha curva.

O Sr. Victor Meirelles não tem talento. Na Primeira Missa – o melhor dos seus quadros, o

primeiro plano é desgracioso e no segundo há desequilíbrio entre a quieteza dos que ouvem a

missa e uma horda de índios que desemboca a toda a carreira por detrás do altar. Na Batalha de

Guararapes e na Batalha de Riachuelo ele pintou uns combatentes muito escovadinhos como

gente que acaba de sair do alfaiate com a sua fatiota nova. De bom ele só tem a fumaça da

Batalha do Riachuelo. Pintor de fumaças!

O Sr. Bittencourt da Silva é o homem do Liceu de Artes e Ofícios. Para realçar este,

sacrifica a Academia.

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E o Sr. Pedro Américo, que tem talento mas é um preguiçoso, sempre pronto a copiar

coisas alheias, é o homem que viaja na Europa.

***Depois, eles todos são velhos. E a revolução brasileira não se fez para fazer revolução,

não foi um complemento da festa aos Chilenos. Fez-se para entregar o Brasil a nós outros – os

novos.

PARDAL MALLET

Gazeta de Notícias - Rio de Janeiro – Sexta-feira, 6 de junho de 1890, p.1.

Academia de Belas ArtesI

A posição especial em que o Sr. Conselheiro Maia me colocou, não só requerendo uma

comissão de inquérito para averiguar acusações aqui feitas, mas também incluindo um exemplar

da “Gazeta” onde vinha o meu primeiro artigo no ofício que dirigiu ao general Benjamin

Constant, força-me à justificação completa do libelo que formulei contra a Academia de Belas

Artes, mesmo antes de nomeada a referida comissão.

E eu gostosamente presto-me ao caso, sem antipatias pessoais para quem quer que seja,

mas pouco me importando de passar por cima de individualidades, desde que se trata do interesse

geral da Arte, alegrando-me com ódios que desperte desde que possa com eles comprar um pouco

de adiantamento para a vida artística brasileira.

***A primeira proposição enunciada afirma não só a vetustez e imprestabilidade do atual

regulamento, mas também a conveniência de promulgar o projeto de reforma Bernardelli -

Amoedo.

Do atual regulamento! Para adiantar matéria e mostrar desde já o que vale a administração

da Academia, basta dizer que não há regulamento.

O velho sistema legislativo do Império tinha o costume de emendar leis, superpondo

decreto sobre decreto, modificando-os com mais um aviso e mais uma portaria ainda. Daí nasceu

o verdadeiro caos da nossa legislação, simbolizado no celebérrimo – ficam revogadas as

disposições em contrário – que nunca ao certo era possível determinar logo de primeira vista.

Lá na Academia houve o decreto 1603 de 14 de março de 55, referendado por Couto

Ferraz, houve depois o decreto 2423 de 25 de maio de 59, e houve mais ainda uma série

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interminável de portarias e avisos que é impossível achar em totalidade na coleção de leis do

Brasil.

Uma providência, pois, se recomendava à administração, desde que ela tivesse critério e

soubesse trabalhar: - ir refundindo de tempos em tempos o regulamento, deixando apenas as

disposições, e imprimindo estas consolidações para que as pudessem conhecer os interessados ou

curiosos.

Mas isto não existe. O que existe, trancado a sete chaves, é um velho folheto seboso em

cujas margens o Sr. Mafra, secretário recentemente demitido, ía anotando as alterações que

apareciam. E a lei, por conseguinte, ficou sendo lá na Academia um deus misterioso que ninguém

podia conhecer, em nome do qual vinham os castigos e que para intérpretes e sacerdotes na terra

tinha apenas o Sr. Maia, o Sr. Mafra e o Sr. Porteiro.

***Não há lei de verdade por conseguinte. Mas o tal mito de lei, que se pode reconstruir

como se reconstrói os fósseis, de antemão deve ser julgado imprestável.

O progresso faz-se hoje em dia muito rapidamente. A humanidade que Pascal figurava um

homem só, constantemente a aprender, ganha mais atualmente em cinco anos do que antigamente

ganhava em um século. É de urgência, pois, juntar ao epíteto de velho a significação de

imprestável, sem que haja nisso, entretanto, uma profanação à velhice, sem que fuja do espírito a

idéia do respeito e do reconhecimento que devemos aos nossos maiores, sem esquecer o muito

que eles trabalharam para conseguir que nós trabalhássemos mais do que eles.

E a data desses decretos aí está dizendo que eles não podem mais servir, que não possuem

condições para viabilidade nos tempos modernos.

O primeiro, a base fundamental da lei vigente, tem por exemplo o:

Art.29 – A estatuária será ensinada conforme os bons princípios da escola clássica...

e mais ainda:

Art. 133 – O porteiro é obrigado:

.....

8o – A embaraçar...

Como de justiça, enfim, esses velhos regulamentos, muito bons para o tempo em que

foram promulgados, já não servem. Modelam-se em princípios que a arte já repeliu.

Não possuem, nem podiam possuir a compreensão das coisas atuais.

Por exemplo:

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Art. 39 – Para qualquer aluno poder ser admitido na aula de matemáticas aplicadas é

indispensável que saiba ler, escrever e contar as quatro espécies de números inteiros.

Esta aula de matemáticas aplicadas é a inicial do curso. Dela se passa para todas as outras.

E a exigência de habilitações intelectuais para a matrícula na Academia é por conseguinte de uma

parcimônia que não pode ser mantida, que exige pronta e imediata reforma.

Se é assim de urgência a reforma, existe um projeto elaborado que não é somente um

trabalho muito bem feito.

Pertence a Rodolpho Bernardelli e a Rodolpho Amoedo, traz a data de 25 de janeiro do

corrente ano, e foi publicado na Gazeta de Notícias de 12 de março.

Extenso para uma reprodução, convém entretanto citá-lo nas suas disposições mais

importantes:

Art. 1o – A atual Academia das Belas Artes passará a ter a denominação de Escola

Especial de Belas Artes, e será destinada ao ensino da pintura, da escultura da arquitetura e da

gravura, medalhas e pedras finas.

Art 2 o – Ela compreende:

1o – Um curso preparatório para pintores, escultores e gravadores; e outro para arquitetos;

2o – Cursos orais relativos aos diferentes ramos da arte;

3o – A escola técnica, dividida em cinco seções, a saber:

A seção de pintura;

A seção de escultura;

A seção de arquitetura;

A seção de gravura;

A seção de ciências acessórias.

4o – Ateliers em número de cinco, a saber:

Dois para pintura, sendo um para estudos de modelo vivo;

Um para escultura;

Um para gravura.

5o – Coleções

6o – Uma biblioteca

Art. 3o – O ensino da escola, destinado à propagação e aperfeiçoamento das artes e do

desenho, é gratuito e compreende:

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1o – No curso preparatório para pintores, escultores e gravadores:

I – Desenho figurado, cópia do antigo e do natural;

II – Desenho de anatomia artística;

III – Elementos de arquitetura decorativa e desenho elementar de ornamentos;

IV – Preleções de história das artes, mitologia, costumes e roupagens, noções de

química aplicadas às tintas, vernizes e secativos;

V – Ótica elementar, perspectiva prática, sombras geométricas e físicas.

2o – No curso preparatório para arquitetos:

I – Desenho linear aplicado à arquitetura, abrangendo as ordens toscana, dórica,

jônica, coríntia, compósita e estilo gótico; desenho de aguadas e diversos

estilos de ornatos;

II – Desenho figurado, cópia do gesso;

III – Ótica elementar, perspectiva prática e sombras geométricas;

IV – Geometria descritiva;

V – Cálculo e mecânica prática;

VI – Elementos de física (calor, acústica e eletricidade); noções de química

aplicada.

3o – Nos cursos orais:

Anatomia artística;

Fisiologia das paixões;

História da Arte;

Arqueologia.

Estes cursos, inclusive os preparatórios são livres e de franca admissão para qualquer

pessoa, nacional ou estrangeira, que queira freqüentá-los; e só obrigatórios para os alunos que se

destinam à escola técnica, pretendendo obter prêmios, recompensas, títulos e diplomas.

4o – Na escola técnica:

Estudos práticos, modelagem, exercícios de aplicação artística, composição, modelagem

[sic] e concursos.

A escola técnica compreende dois cursos, a saber:

1o – Curso para pintores, escultores e gravadores, abrangendo:

I – Aula de desenho de modelo vivo;

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II – Aula de pintura;

III – Aula de escultura;

IV – Aula de gravura.

2o – Cursos para arquitetos abrangendo:

I – Aula de desenho de arquitetura: plantas, perfis, cortes e elevações de edifícios

antigos e modernos, em relação ao caráter fisionômico dos diversos estilos;

II – Aula do estudo de materiais de construção e sua resistência;

III – Aula de teoria da arquitetura na construção dos edifícios, arcos, abóbadas,

madeiramentos, tetos, vigamentos e escadas;

IV – Aula de estereotomia e levantamento de plantas topográficas;

V – Aula de composição decorativa;

VI – Aula de história da arquitetura e legislação sobre edificação.

5o – Nos ateliers:

Exercícios técnicos, práticos e concursos.

O ensino no atelier deve ser feito de modo a aperfeiçoar o trabalho do aluno até o ponto

de poder criar por si mesmo obras de arte.

...

Art 7o – O pessoal docente compreende:

1o – Para os cursos preparatórios:

Um professor de desenho figurado, cópia do antigo e do natural, desenho de anatomia

artística;

Um professor de elementos de arquitetura decorativa e desenho elementar de ornatos;

Um professor de preleções de história das artes, mitologia;

Um professor de ótica elementar perspectiva prática, sombras geométricas e físicas;

Um professor de desenho linear aplicado à arquitetura, abrangendo as ordens toscana,

jônica, coríntia, compósita, e estilo gótico; desenhos de aguadas e de ornatos;

Um professor de geometria descritiva, cálculo e mecânica prática;

Um professor de elementos de física (calor, acústica e eletricidade); noções de química

aplicada às tintas, vernizes e secativos.

2o – Para os cursos orais:

Um professor de anatomia artística e fisiologia das paixões;

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Um professor de arqueologia, costumes e roupagens.

3o – Para a escola técnica:

Um professor de pintura;

Um professor de escultura;

Um professor de gravura em medalhas e pedras preciosas;

Um professor de desenho de modelo vivo;

Um professor de desenho de arquitetura: plantas, perfis, cortes e elevação de edifícios

antigos e modernos, em relação ao caráter fisionômico;

(Estes cinco professores técnicos são os que constituem o conselho)

Um professor de materiais de construção e sua resistência; teoria da arquitetura na

construção dos edifícios, arcos, abóbadas, madeiramentos, tetos, vigamentos e escadas;

Um professor de estereotomia e levantamento de plantas topográficas;

Um professor de composição decorativa, história da arquitetura e legislação sobre

edificação.

4o – Os ateliers ficam respectivamente a cargo dos professores de pintura, de escultura, de

gravura e modelo vivo.

...

Art. 8o – O diretor será nomeado por decreto, que confirme a eleição feita pelo conselho

de professores, escolhendo dentre as pessoas de reconhecida probidade e talento que pertençam

ao pessoal docente. O seu exercício será de cinco anos consecutivos, podendo ser reconduzido.

...

Art 54 – Os professores efetivos da escola, em virtude destes estatutos, servirão dez anos

consecutivos, findos os quais, passarão a pertencer à junta superior de Belas Artes, sem direito a

vencimento algum.

....

Art. 89 – Ninguém se poderá matricular tendo menos de 15 e mais de 30 anos de idade.

....

Art. 92 – Os ouvintes e os amadores serão admitidos mediante requerimento ao diretor.

Para estes não haverá limitação de idade.

....

Art 93 – Para ser admitido à matrícula em qualquer dos cursos preparatórios, é necessário:

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1o – Ter a idade exigida no art. 89.

2o – Apresentar certidões de aprovação em português, francês, geografia, aritmética e

desenho elementar de imitação; além destes preparatórios, álgebra, geometria e desenho linear,

para o curso de arquitetura.

...

Art. 94 – Para a admissão no curso da escola técnica e nos ateliers, exige-se habilitação no

respectivo curso preparatório e nas respectivas matérias dos cursos orais.

...

Art. 95 – Os ouvintes ou amadores poderão ser admitidos em qualquer aula ou atelier,

independentemente de habilitação preparatória.

...

Art. 129 – Os artistas que, pela especialidade de seus estudos, houverem adquirido

conhecimentos excepcionais sobre qualquer parte da teoria, da história ou da técnica das artes,

poderão abrir, na escola ou suas dependências, cursos livres em que exponham seus métodos,

idéias úteis sobre as matérias que compõem o ensino oficial das belas artes, e para isso deverão

dirigir ao conselho de professores um requerimento acompanhado dos documentos de sua

idoneidade profissional e folha corrida, no qual designem a matéria que pretendem ensinar e o

programa que se propõem seguir.

Art. 227 – Enquanto a difusão do ensino do desenho de imitação não se generalizar por

meio da instrução pública, haverá na Escola uma aula anexa para o ensino elementar do desenho

artístico.

Esta aula, que será dividida em duas ou mais seções, segundo a freqüência, ficará a cargo

de um ou mais professores comissionados, que serão dispensados desde que não sejam

necessários.

Não poderão servir nesta aula professores efetivos da Escola, nem honorários em

exercício.

A gratificação pecuniária que os professores desta aula tenham de receber será arbitrada

pelo conselho, podendo caber a cada um, além de um vencimento fixo, uma quota por aluno que

exceda a um determinado número.

***

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Animado ao mesmo tempo do sentimento o mais liberal e do desejo de fazer efetivo o

nosso desenvolvimento artístico, este projeto tem a grande vantagem de não estagnar professores

lá na Academia, de deixar sempre a porta aberta aos novos. É, enfim um projeto de artistas.

E, apelando para ele, tenho o direito de julgar demonstrada a primeira afirmação do libelo.

Pardal Mallet.

Gazeta de Notícias – sábado – 7 de junho de 1890, p.1

Academia de Belas ArtesII

A questão da impropriedade do prédio onde atualmente funciona a Academia, está

subordinada à da continuação da mesma Academia.

E a preliminar merece consideração porque a idéia de acabar com a Academia ou

convertê-la num simples museu tem prosélitos entre artistas mesmo.

Vem consignada na carta – projeto que os Srs. Montenegro Cordeiro, Décio Villares e

Aurélio Figueiredo dirigiram ao ministro do interior, e que traz a data de 30 de janeiro do

corrente ano. E é por vezes aventada nessas conversas de café, que são no final das contas as

melhores fontes de informação para o jornalista e para o crítico. Foi assim, por exemplo, que

conheci a opinião de Henrique Bernardelli, que pede o fechamento da Academia, e a fundação de

dez ateliers entregues a dez artistas com obrigações para estes de admitirem gratuitamente os

alunos que solicitarem essa matrícula.

***Em um ponto estão todos de acordo, mesmo os signatários da carta-projeto, que foi

inspirada nas doutrinas anti-acadêmicas do Centro Positivista na necessidade de subvencionar as

artes plásticas em seus trabalhos definitivos e em seus estudos preparatórios.

Esta necessidade é óbvia. E nenhum Estado pode a ela se furtar.

O artista da palavra escrita, isto é: o artista da arte mais completa e mais humana,

independe quase do governo, e tem para si um fácil mercado apropriado às condições modernas.

O seu trabalho, reproduzido pela imprensa, fica suficientemente retribuído, embora seja mínima a

contribuição de cada um dos que a adquire.

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Não assim o das artes plásticas. O seu trabalho concretiza-se num só objeto, só pode ter

um único possuidor.

Gaste Aluízio de Azevedo dois anos no preparo de um romance. Todos os que o quiserem

possuir estão aptos a possuir este trabalho. Mas, depois de dois anos em um tela, Amoedo só

produziu uma tela, única que só pode ter, por conseguinte, um único adquiridor, que não pode,

por conseguinte, obter a remuneração de todos. E é óbvio que a soma de muitas contribuições é

mais lucrativa e menos onerosa do que o resultado de uma contribuição única.

Destas condições, que estão na própria natureza das coisas, resulta a obrigação para o

Estado de subvencionar as artes plásticas, já criando museus que sejam ao mesmo tempo a posse

para todos de qualquer uma dessas produções artísticas, e um comprador que faça pela

concorrência a subida dos preços, já auxiliando o período preparatório dessa vida artística, que é

um dos mais difíceis e mais cheios de provações.

E esta necessidade, que todos reconhecem e à qual o governo não se poderá esquivar, sobe

de ponto aqui no Brasil; onde existem poucas fortunas e onde o dinheiro tem o costume de andar

divorciado do espírito.

***Se assim é, se de uma forma ou de outra deve forçosamente haver a subvenção, vale a

pena conhecer das razões psicológicas que determinam o antiacademismo de um grupo de artistas

diretamente interessados na questão.

Parece que são duas.

A primeira é a imprestabilidade e a desmoralização da atual Academia. Esta, porém, tem

de ser em breve removida não só por causa do espírito acentuadamente reformador e progressista

do general Benjamin, mas também porque a questão chegou ao seu máximo de intensidade e o

próprio Sr. Conselheiro Maia é quem chama para ela a atenção (...).

A segunda consiste na influência que a vida e as tradições européias exercem sobre os

nossos artistas.

Mas os casos são diferentes!

Só na Europa existe arte velha e sedimentada; existem escolas diferenciadas em seu

processualismo, guerreando-se, rivalizando-se.

Aqui existe por fazer.

A revolta lá na Europa consiste em destruir, a revolta aqui no Brasil consiste em construir.

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E os nossos artistas, que são os revoltados, não podem por conseguinte aceitar a

orientação dos revoltados do velho mundo.

As Academias não prestam, são absorventes e atrofiadoras, trabalham por esterilizar os

artistas numa só feitura e numa só modelagem.

Mas começam a não prestar 50 anos depois de constituídas. Não nos serve, pois, a revolta

lá dos outros, porque ainda não temos academia.

Vamos construí-la, porque ela é necessidade dos tempos de agora! E vamos construí-la na

certeza de que há de ser preciso destruí-la daqui a 50 anos!

***Liquida a preliminar, improcedentes que são as razões psicológicas de sustentar o

antiacademismo de alguns dos nossos artistas, fica de pé a questão da propriedade ou

impropriedade do prédio onde funciona.

Ele não serve porque não tem luz e não tem panorama, e porque a arte de hoje em dia não

vive a copiar cópias, quer o pleno ar, vai diretamente à natureza.

E esta razão basta.

Uma vez posta em andamento a reforma tão urgentemente reclamada, entregue a

Academia a gente nova que tem talento e que tem mocidade, é preciso colocá-la bem, em lugar

onde se possa fazer esse trabalho moderno, que não é desprestígio dos velhos mestres; mas que é

a continuação do trabalho venerado dos antigos.

Pardal Mallet

Gazeta de Notícias - Rio de Janeiro – Domingo, 8 de junho de 1890, p.1.

Parreiras

Parreiras, um dos artistas que com mais brilho concorreram ao último Salão, acaba de

abrir no Atelier Moderno a sua exposição particular. Apenas três quadros já conhecidos. Todos os

mais novos; e é nesses últimos, creio, que está o atestado melhor do grau de aperfeiçoamento a

que chegou o pujante talento do grande discípulo de Grimm.

Quem passa meia hora no Atelier Moderno diante daqueles quadros, sai dali com uma

confiança inabalável no futuro desta arte nacional tão pouco protegida, que os novos estão

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construindo, de esforço em esforço, fazendo de cada dificuldade e de cada injustiça que

encontram, novos incentivos para o trabalho.

Que bela, que valente, essa geração que aí está, no atelier, no jornal, na tela ardente de

cores e nas páginas vivas do romance, trabalhando, extenuando-se, lutando corajosamente com o

meio, sacrificando-se generosamente, para preparar a felicidade das gerações que hão de vir.

Todos esses novos morrerão sem recompensa; mas os que vierem depois, em tempos melhores,

quando o trabalho artístico for considerado o maior e o mais respeitado de todos os trabalhos, hão

de agradecer comovidos o sacrifício dos que lhes desbravaram o caminho, educando o povo que

os há de aplaudir e venerar.

***Da sua viagem de estudo pela Itália, trouxe Parreiras, além dos quadros que figuraram no

Salão, alguns que fazem parte da exposição de agora. Entre eles há um, La mia demora sulle Alpi,

que é uma tela deliciosa: neve por tudo, melancólico, monótona; ao fundo a casa; uma mulher à

janela. Faz frio perto do quadro, tal é o frisson que o pincel do artista conseguiu imprimir àquela

paisagem; Outro: Triste mattino, Volta da pesca, na meia luz crepuscular erra uma tristeza

infinita; clareia-se o céu vagamente coberto de névoas; alveja a praia, lambida pela água calma; e

os pescadores seguem, andrajosos, tiritando na tristeza daquela fria manhã de trabalho. Outros

ainda: Agonia – queda das folhas, árvores agonizantes, espectrais, sacudindo as galhadas nuas;

Riflesso – uma obra prima: Veneza, à beira d’água, um tufo de vegetação, duas mulheres, céu de

um azul sereno, e céu, folhas, mulheres e flores refletindo-se em baixo na água arrufada e

trêmula...

Mas os quadros que mais encantam são os brasileiros, onde esplende, exuberante e bela, a

vegetação da terra querida da pátria. Nunca com tanta verdade e amor Parreiras transportou para

a tela a assombrosa natureza americana, como agora, em que o seu pincel parece folgar, restituído

enfim à glória eterna e ao encanto inexcedível das paisagens do Brasil.

Em primeiro lugar, a Tristeza. Divino! Sobre a encosta deserta uma árvore só se levanta,

imóvel e desolada; um caminho estreito serpenteia entre a vegetação rasteira; céu nublado;

crepúsculo; e ao fundo, entre nuvens escuras ardem laivos de sangue do sol. Confesso que a não

ser a Saudade de Henrique Bernardelli, nunca, mas absolutamente nunca, vi quadro nenhum que

me comovesse tanto, e cuja impressão se me comunicasse à alma, tão profundamente, com tanta

espontaneidade. Quem vê a Tristeza, sente positivamente, com a mesma intensidade e com a

mesma força, a impressão que dominava o artista no momento do trabalho.

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Depois do Dedo de Deus e o Fundo da Grota, dois pedaços de natureza, apanhados ao

vivo, palpitando, com perfume, com luz, com movimento. Depois Gaivotas - encurva-se a praia,

branca e infinita. Sobe a encosta bruta, de pedra, faiscando ao sol, coroada com uma facha de

verdura. E, à procura do peixe atirado à areia pelas águas, as gaivotas descem e sobem, pousam e

voam, cruzam-se, às duas, às três, loucas, reunindo-se, separando-se, equilibrando-se nas asas

espalmadas e brancas. Depois, outros, muitos outros, um punhado de primores, suficientes para

firmar incontestável, o renome de um artista.

***Ah! Vivam os novos! Vivam os novos! Aqui está um novo, saído do seu próprio e

exclusivo esforço, glorioso em plena mocidade, fazendo pela arte brasileira, ele só, mais do que

fizeram todos os fósseis, cujos quadros amarelecem na academia, nessa mesma academia onde o

Sr. Maia julga ter prestado um serviço excepcional aos alunos, ordenando-lhes que copiem

estampas nas galerias da exposição permanente.

Vivam os novos! A arte, a sempre nova, precisa de quem a ame e de quem a fecunde, com

o ardor viril e poderoso da mocidade...

Olavo Bilac

Gazeta de Notícias – Domingo, 8 de junho de 1890, p.1.

Academia de Belas ArtesIII

Nomeado lente de matemáticas aplicadas por aviso de 19 de maio de 1859, e nomeado

vice-diretor por decreto de 30 de novembro de 1861, o Sr. Conselheiro Ernesto Gomes Moreira

Maia, atual diretor da Academia, além de já ter chegado à idade em que os homens precisam

descansar, não tem competência para o cargo que exerce.

Funcionário muito pichoso [?] e amigo da ordem, capaz de escrever vinte ofícios para

mandar pragmaticamente consertar uma fechadura irresoluto e tíbio, S. Ex. Não possui nenhuma

das condições necessárias para ser diretor de uma Academia de Belas Artes.

Falta-lhe a faculdade de compreender o que é Arte. Em sua vida não conta nem a compra

de um quadro. Lá na Academia gosta de ver cópias dos quadros que já existem nas galerias.

Ainda não compreendeu os intuitos da propaganda que movem contra ele; e no ofício que dirigiu

ao ministro, pedindo uma comissão de inquérito, revela-se que pensa ter apenas de justificar a

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legalidade das despesas que tem feito, quando a questão é muito diversa, quando o

responsabilizam pelo atraso em que se acha o ensino artístico entre nós.

Agora mesmo, nesta faina em que está de preparar a Academia em poucos dias, para bem

receber a comissão de inquérito, acaba de tomar duas resoluções que são mais um documento da

sua nulidade estética: 1o – mandar que os alunos da aula de desenho figurado vão copiar quadros;

2 o – alternar semanalmente na aula de modelo vivo, a cópia do natural e a cópia de estátuas.

***Na realidade o Sr. Maia não tinha obrigação de ser artista. Isto não é um requisito

indispensável à vida de quem quer que seja. Mas, reconhecendo em si esta falta de aptidão, S. Ex.

tinha obrigação de não aceitar o cargo para que o nomearam e que não estava na altura das suas

forças.

É este o seu grande crime, é esta a causa da campanha que sofre atualmente – campanha

que muito o deve molestar em seus bons sentimentos pacatos de homem honesto, campanha, em

todo caso, imprescindível, porque acima do bem-estar de um venerável ancião a quem eu devo

perdoar as expressões injuriosas que empregou contra mim, existe o interesse da Arte, para a qual

S. Ex. é um trambolho que se precisa a todo transe remover.

Assim não é (...); entretanto. E aparece lá na Academia com a compostura solene e grave

de homem frio, de homem que não tem nervos, de homem superior a estas coisas de pintura, de

homem de ciência que vive em confabulação mística com a verdade.

Deslocado do seu meio, não compreende e não pode adaptar-se ao meio em que vive. O

artista parece-lhe um maluco. E é muito de supor que S. Ex. pense ser o diretor de um hospício de

alienados.

***A esta suposição se devem filiar alguns dos seus atos, que de outra forma só poderiam ser

qualificados como manobras de intrigante. Dizem que não é bom contrariar os loucos, que até é

conveniente aceitar-lhes as doutrinas, fingir-se de acordo com eles. E talvez seja isto o que S. Ex.

faz.

Não pode contar com o Sr. Mafra, para cuja demissão de secretário concorreu, pelo menos

com o silêncio. Seja como for, este procedimento incompatibilizou-o com todo o pessoal. S. Ex.

não pode contar com o Sr. Victor Meirelles, porque no tempo em que o Sr. Aristides Lobo ía

reformar tudo, S. Ex. ligou-se a Bernardelli e Amoedo, na esperança de lhe conservarem o lugar.

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Não pode contar com o Sr. Medeiros, que é atualmente o único reator artístico que vive lá

na Academia.

Não pode contar com o Sr. Pedro Américo, cujas pretensões, S. Ex. esteve sempre a

atrapalhar, no tempo em que vivia ligado ao Sr. Victor Meirelles.

Contará com o Sr. Conselheiro Domingos, depois da divergência que tiveram em

congregação da escola Politécnica?

Contará com o Sr. Neves Leão que é interino e deve passar a cadeira ao Sr. Pedro

Américo?

Contará com Parreiras, que no final das contas é um artista novo e revolucionário?

Contará com o secretário, quando este se chama Raul Pompéia?

Contará mesmo com o porteiro, que S. Ex. não se importaria em alijar no tempo do Sr.

Aristides?

Terá valor moral o apoio de seu filho, o Sr. Dr. Cirne Maia, que, apesar de filho, queria

entretanto votar contra o voto de louvor ao porteiro?

Não. S. Ex. não pode contar com ninguém. S. Ex. só pode contar com o Sr. Conde da

Motta Maia, se é que ele já não está demitido da cadeira que regia.

***Sem habilitações artísticas, e sem apoio pessoal, eis enfim o que é o Sr. Conselheiro Maia

lá dentro da Academia e Belas Artes.

Pesa sobre si a responsabilidade de todo o atraso e de todos os deleixos desse

estabelecimento de instrução. Tíbio por um lado, incompetente por outro, S. Ex. se tem prestado

ao serviço de todas as conspirações, ora com uns, ora com outros, sempre com aqueles que

parecem ter a influência do momento.

E não há mais quem o salve dessa responsabilidade. A comissão de inquérito que S. Ex.

reclamou, e da qual espera um atestado de honestidade, não tem nada que fazer sobre este

assunto, porque não é isto que está em discussão. Ela terá que falar sobre a sua competência,

como diretor, e terá que negá-la, porque este é o caso.

Ao Sr. Conselheiro Maia resta em síntese um recurso – pedir a sua aposentadoria.

Se a não pedir, é preciso aposentá-lo. Em nome da arte, em nome desse talento brasileiro

que agora aparece tão grande, é preciso pô-lo para fora da Academia.

Pardal Mallet

Gazeta de Notícias – Segunda-feira, 9 de junho de 1890, p.1

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Academia de Belas ArtesIV

Já em 61 a coleção das decisões do governo consignam uma portaria do Sr. Saraiva, que

traz a data de 11 de junho, chamando a atenção do diretor sobre o deleixo e abandono em que os

lentes da academia tem os seus cursos. E desde então pouca diferença existe no procedimento do

pessoal docente.

É preciso em todo o caso dizer que os vícios do atual regulamento em grande parte

contribuem para isso. A exiguidade dos preparos intelectuais exigidos para admissão de alunos

tolhem até um certo ponto a liberdade dos mestres.

Entre os casos justificáveis estão:

O Sr. Conselheiro Domingos de Araujo e Silva, nomeado aliás por aviso de 11 de outubro

de 1864; que na cadeira de matemáticas aplicadas pouco poderia fazer mesmo quando não tivesse

chegado à idade avançada;

O Sr. Rozendo Muniz, substituto do Sr. de Motta Maia, que na cadeira de anatomia e

fisiologia das paixões poderia em outras condições ser criticado por ensinar anatomia

simplesmente com manequim e servir-se de compêndio atrasado e imprestável de Paul Janet para

as suas preleções de fisiologia das paixões;

O Sr. Neves Leão que terá de passar ao Sr. Pedro Américo a cadeira inadmissível de

estética, arqueologia e história das artes, cadeira inadmissível pela sua pletora;

O Sr. Cirne Maia que é moço, mas que infelizmente serve debaixo das ordens de um pai e

que pouco pode falar de si na cadeira de perspectiva e desenho geométrico;

E principalmente o Sr. Medeiros, que neste momento, enquanto o Sr. Parreiras não toma

posse, é o único artista que se esforça por fazer bons créditos à academia.

Afora estes, existe a velha guarda que pelo prestígio do seu nome devia ser a zeladora

impecável do nosso desenvolvimento estético, mas a quem imediatamente depois do diretor cabe

a responsabilidade do triste estado de coisas aqui notado.

Vem primeiro o Sr. Mafra, cuja data de nomeação não pude encontrar, mas que é velho,

muito velho, que não sabe lecionar, que há cinco anos não encontra um aluno bastante generoso

para comparecer a sua aula. Lente de desenho de ornatos, ele manda copiar de estampas

litografadas. Nunca serviu-se de um modelo em gesso. É um atrasado e um prejudicial enfim.

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Vem depois o Sr. Victor Meirelles, nomeado por decreto de 5 de abril de 1862, continua a

não ter talento apesar do artigo anônimo que mandou publicar nos A pedidos do Jornal do

Commercio. E, como professor da aula de modelo vivo, não presta, não está na altura do cargo.

Seguindo ainda as velhas práticas que permitiam a cópia de estátuas, falta-lhe a compreensão da

arte moderna. Gosta de corrigir o modelo de acordo com as proporções acadêmicas. É autoritário,

não admitindo que o aluno veja diferente do que ele vê. E, ao invés de animar a cópia de um

modelo inteiro, manda principalmente fazer estudos de cabeça.

E vem enfim o Sr. Pedro Américo, cujo decreto de nomeação não pude também encontrar.

Há mais ou menos 20, entretanto que é professor, mas desses vinte será necessário descontar uns

18 de licenças. Tem talento, muito talento, mas não sabe aplicá-lo. Plagia. A proclamação da

independência, por exemplo, é calcada sobre o 1806 de Meissonier. E não dá idéia do assunto.

Quem vê a fotografia desse quadro, assim à primeira vista pensa assistir a um episódio de

batalha, pensa que um general acompanhado do seu estado maior vinha subindo uma cochilia e,

ao chegar ao alto, esbarrou na vertente oposta com um piquete de cavalaria inimiga que o vai

matar ou pelo menos fazer prisioneiro.

***Ah! Vem também o Sr. Bittencourt da Silva. O lente aposentado e não substituído da

cadeira de arquitetura, não podia ser esquecido na resenha do pessoal docente lá da Academia,

porque ainda hoje em dia exerce sobre ela uma influência nociva, atrofiadora.

Centro, por assim dizer, e alma do partido conservador artístico, ele é o homem do liceu,

em proveito de cujos créditos não se teme de concorrer para amesquinhar a Academia, mas em

proveito de cujos créditos também nada faz de bom.

Como artista, como arquiteto, concorreu para isso que nós vemos, para esta cidade do Rio

de Janeiro onde; como belezas arquitetônicas só existem algumas igrejas antigas, a fachada da

Academia e a fachada do Gabinete Português.

Construtor da escola do largo do Machado, fez chalet; construtor de uma ala do externato

do Instituto Nacional fez a célebre sala do grau, pesada, muito pesada e sem condições acústicas;

deu o plano para nossa Câmara Municipal.

Se assim não vale como artista, no Liceu tem feito coisas do arco da velha. Recebendo

uma subvenção de 60 contos e grande soma de donativos, nunca prestou contas públicas desse

dinheiro. E de vez em quando ameaça fechar este estabelecimento por falta de recursos.

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Reside entretanto nesse mesmo Liceu e tem sempre dinheiro para publicar Polyantheas

tão luxuosamente impressas quanto invalidamente escritas.

Pardal Mallet

Gazeta de Notícias – Quarta-feira, 11 de junho de 1890, p.1

Academia de Belas ArtesV

Além de todos os fatos já apontados que chegam para demonstrar o 5o articulado do meu

libelo onde afirmo a anarquia administrativa que reina lá na Academia, outros existem ainda, que

vem agora com oportunidade para indicação.

Por exemplo, o Sr. Mafra, no tempo em que era secretário, esquecia-se quase sempre de

lançar no livro competente as atas da congregação.

Tudo, enfim, naquela casa padece do vício inicial dos homens e dos regulamentos que

possui. E as conclusões da comissão de inquérito que o Sr. Maia solicitou só podem ser as piores

possíveis contra este estabelecimento destinado ao desenvolvimento das nossas faculdades

estéticas, e onde se tem feito tudo, menos a realização destes intuitos.

Já o mais forte de todos os (...) está na impossibilidade de falar da Academia, sem falar do

porteiro. Este funcionário subalterno, que não devia entrar em linha de conta, quando se tratasse

de coisa séria e se visasse unicamente o propósito de reformar regulamentos e pessoal superior,

imiscuiu-se em tudo, tudo absorveu.

Deram-lhe o hábito da Rosa, e esse hábito pesou com toda a sua gravidade, para deslocar

o equilíbrio daquela instituição e pô-la de pernas pro ar.

Lá dentro é um senhor absoluto. Marca ou não marca falta como bem quer. Inventou o

cavalheirismo galanteador de não marcar faltas nas alunas. Consultam-no como o oráculo

supremo daquele templo da Arte.

Agora mesmo o elogiaram em ata da congregação pelo muito que fez em prol da última

exposição.

E a propósito: Este ato não consta oficialmente, porque Raul Pompéia não o incluiu na

ata, que entretanto foi aprovada sem contestação.

***E passando ao 6 o articulado do libelo, com pressas de terminar, porque é sempre dolorosa

a viagem através da incompetência, da ignorância, do deleixo e da subserviência humanos, foi ele

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o ponto culminante da questão, o que mais chocou ao Sr. Maia e o levou a oficiar ao governo,

pedindo uma comissão de inquérito.

As expressões exploração e sindicato – que S. Ex. não quis aplicar no sentido rigoroso das

palavras, levaram-no a supor, que contra a administração da Academia movia-se uma acusação

de defraudação dos dinheiros públicos.

***Ela existe com efeito. A velha guarda da Academia, os imprestáveis e os nulos defraudam

com efeito os cofres públicos porque recebem dinheiro para fazer umas coisas que não fazem,

porque encarregam-se de promover o nosso adiantamento artístico, e cruzam os braços na inércia

criminosa de quem recebe salário e não trabalha.

E, cuidando apenas de seus interesses pessoais, cuidando apenas em conservar os lugares

que ocupam, não vendo que estes interesses pessoais estão em guerra aberta contra o interesse

geral, formaram sindicato para opor-se à imprescindível reforma que os deve desalojar de suas

sinecuras.

São pelo menos eles os responsáveis pela crítica anônima de Cosme Peixoto que visava o

intuito de desgostar os novos.

Foram eles que intrigaram junto ao Sr. Cesário Alvim, que levaram-lhe um número da

Vida Fluminense onde S. Ex. vinha caricaturado, a propósito de coisas da Academia para

conseguir que se não fizesse a reforma.

Rua! Com eles.

***Termino aqui.

Fui brutal. Feri interesses e magoei individualidades.

Mas conservo a consciência tranqüila de quem só tratou de servir ao interesse da Arte, e

de quem não admite que o chamem de caluniador, seja como for, e muito menos em documento

oficial.

Tenho escrito.

Pardal Mallet

P.S. – Ainda estou para saber onde o meu velho mestre Rozendo Muniz encontrou falta de

respeito que tradicionalmente dedico a todos quanto foram meus mestres. Franqueza gritadora e

brutal é um feitio de temperamento, e o temperamento do Sr. Rozendo é o temperamento dos

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homens que não (...) nas criações de ministros, e que podem servir-se depois destes fatos para

argumento em seu favor.

Outro post-scriptum – Relativamente ao Liceu tenho a dizer que o Sr. Bittencourt da Silva

que isto não vai o matar, e que cada coisa tem seu tempo e a sua oportunidade. E, no que se refere

aos insultos com que o mesmo senhor houve por bem me honrar, devo dizer que há muita

covardia quando um velho se aproveita da sua fraqueza para provocar um moço, que discutia

apenas, e tratava de justificar acusações, notoriamente verdadeiras.

P.M.

Gazeta de Notícias – Sábado, 14 de junho de 1890

História Antiga

Naqueles bons tempos em que eu era simplesmente aluno do Colégio de Pedro II e

discípulo do Sr. Rozendo Muniz, logo no princípio do seu curso protestei contra o tal negócio de

ecletismo. Não me lembro ao certo quais eram os argumentos de que me servia. Mas o caso devia

reduzir-se, mais ou menos, em negar caráter de doutrina filosófica a isto que é apenas um

método, e em afirmar a minha repugnância pelas colchas de retalhos.

Ainda não mudei de opinião, e ao meu mestre de ontem, como ao meu mestre de hoje,

digo a mesma coisa.

Apresso-me em fazer a retificação pedida e em dizer-me mal informado, quando escrevi

que o Paulo Janet era o compêndio da aula de anatomia e fisiologia das paixões.

Apresso-me também em destacar do seu artigo, ontem publicado no Jornal do

Commercio, o seguinte trecho, que vem, a ser a confirmação de tudo quanto escrevi em geral

contra a Academia:

“Realmente o edifício é imprestável, caducou de fato o regulamento, há muito que

suprimir e outro tanto a acrescentar. Haja reorganização administrativa e pedagógica, de modo a

engrandecer a nação pelo melhoramento das belas artes e pelo bem-estar do artista.”

Mas respondendo ao conjunto do artigo do Sr. Rozendo, confesso não poder inteiramente

compreender o seu ecletismo.

Não se trata de escolas artísticas, que todas devem ser aceitas pelo crítico como

manifestações diversas, mas simplesmente da arte.

Trata-se de estar cá ou de estar lá.

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O caso nem mesmo é de reformar a academia. O caso é de acabar aquilo e fazer uma

academia de verdade. Para esta não servem os velhos materiais. Eles são, pelo menos, suspeitos

de ter cupim.

Pardal Mallet.

Gazeta de Notícias – Domingo, 15 de junho de 1890, p.1

Lugar aos Novos

No advento da República e na pressa com que todos os velhos funcionário do Império

vieram aderir à nova ordem de coisas, está implicitamente contida a condenação do velho regime.

Este não se reduzia, porém, à pessoa do velho Imperador. Por mais que o queiram fazer

mitológico, homem superior que sabia dominar os homens e as coisas do seu tempo, não há meio

de concentrar nele toda a responsabilidade do passado.

Ruiu por terra a doutrina dos grandes homens absolutos, ninguém mais acredita em

generais que vencem só por si, nem em reis que reformam e adiantam os povos com a força única

de seus decretos. À luz da crítica histórica, o trabalho do progresso humano manifestou-se

solidário e coletivo, apenas fortuitamente simbolizado por um homem que na maior parte dos

casos é entretanto quem menos faz. E a responsabilidade, por conseguinte, do Segundo Império

pertence a todos quanto nele direta e superiormente trabalharam.

Lugar aos novos! pois, aos que ainda não fizeram nada.

Não há meio de sair deste raciocínio:

Uma vez reconhecida a imprestabilidade do trabalho feito, confessada por aqueles

mesmos que o dirigiram, é preciso apelar para outra gente, porque essa que estava se anulou.

Não vale a experiência de que fazem gabo. Esta experiência foi simplesmente a

inspiradora dos erros já cometidos. E a experiência, em segundo lugar, é apenas a lição do

passado; não explica por si só o segredo do futuro.

E não vale a força que aparentam. A atividade humana tem os seus limites traçados dentro

da própria vida. Vai desde o período em que o homem completa a sua educação, até o período em

que o homem precisa descansar. Às vezes aparece mais cedo; outras vezes aparece mais tarde,

mas não pode exceder a quinze anos, e só pode fingir que se prolonga como se prolonga a

mocidade das mulheres – com cosméticos e pinturas.

Lugar aos novos! pois, aos que ainda não fizeram nada.

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***A quem ficou de direito pertencendo o Brasil no dia em que lhe rasgaram a Constituição?

Ou por outra: quais foram os verdadeiros fatores da revolução?

A guerra do Paraguai foi mais do que um desastre financeiro, foi mais do que a

cumplicidade revoltante dos governos de três povos para destruir um só, foi o desperdício das

nossas atividades, gastas lá para longe em fazer a tradição gloriosa desse soldado brasileiro, cuja

bravura era tamanha que conseguia empanar o crime do governo.

Mas, depois desta guerra que nos absorveu uma geração inteira, para nos deixar somente a

alma varonil e forte dos vencedores de 15 de Novembro, depois dessa guerra formou-se uma

outra mocidade, formou-se uma outra geração que nos invadia as academias e saía de lá para

levar a toda a aparte o zoosperma fecundante das crenças liberais e dos sonhos revolucionários.

Foi esta quem, entrando na família, abalou a pouco e pouco as opiniões sistematicamente

conservadoras dos velhos; foi ela quem fez das suas irreverências iconoclastas o reativo

dissolvente onde desaparecem a blindagem de respeitos que cercava as antigas instituições; foi

ela quem contrabandou para todas as esferas um modo novo de dizer e um modo novo de pensar;

foi ela, enfim, quem sonhou esta realidade de agora, e quem sabe todo o segredo do maquinismo

dos seus sonhos.

É a ela, por conseguinte, que o Brasil ficou de direito pertencendo.

Lugar aos novos! pois, aos que ainda não fizeram nada.

***À atualidade brasileira falta, entretanto, a compreensão exata deste caso necessário. As

Bastilhas renderam-se, não foram demolidas, ficaram ainda em poder dos velhos De Launay.

Este Brasil, entretanto, pertence a nós que somos moços, que ainda não fizemos nada, que

no caso de errar, faremos apenas o que os velhos sabem fazer, mas que podemos acertar como

eles não podem, porque temos mocidade e porque não nos acabrunha o remorso dos erros

cometidos.

A pátria não é, não pode ser essa mãe carinhosa de que falam. As mães envelhecem e

esperam o amparo desses filhos, junto a cujos berços velaram noites e noites. A pátria é sempre

moça. A pátria é a amante que nos dá tudo, mas que tudo exige de nós.

Ela precisa de quem tem força e vigor. Não pode aturar o reumatismo dos velhos

enflanelados. E não lhe fica bem receber alta noite na janela, os D. Juans que sobem pela escada

de corda.

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Lugar aos novos! pois, aos que ainda não fizeram nada.

Pardal Mallet

Gazeta de Notícias – Terça-feira, 17 de junho de 1890, p.1.

Reunião de artistas

No salão do Derby Club reuniram-se ontem muitos artistas em sessão, tendo sido lavrada

a seguinte ata:

“À 1 ¼ da tarde, achando-se presentes os Srs. Aurélio de Figueiredo, Pereira Netto, Luiz

Ribeiro, A. Visconti, J. B. Castagneto, Honorio Bicalho S. do Couto, L. Amorim, P. Machado, A.

Azevedo Chaves, Teixeira da Rocha, A. T. Ribeiro, João Batista da Costa, Raphael Frederico,

Julio de Macedo Magalhães, Sebastião Fernandes, Paulino José Tavares, Franklin de Almeida

Mafra, Antenor de Castro, Antonio da Cunha Figueiredo, Braz Ignacio de Vasconcellos, José

Pinto de Gouvea, Thomaz Bento Barbosa, José Alves da Costa Brasileiro, Theotonio Capistrano,

José Joaquim de Oliveira Júnior, João Baptista de Oliveira, Antonio Varella, Emílio Rouède,

Francisco Ribeiro, Alfredo Pinheiro, Manuel Porto-Alegre, por proposta do Sr. Teixeira da

Rocha, são convidados para constituir a mesa os Srs. Aurélio de Figueiredo, presidente; Pereira

Netto e Emílio Rouède, secretários. A mesa ocupa os seus lugares e é aberta a sessão.

É dada a palavra ao Sr. Teixeira da Rocha, que envia à mesa a seguinte proposta:

1o – É ou não útil a existência da Academia de Belas Artes no estado de desmoralização

em que se acha?

2 o – É ou não é bem gasta a subvenção dada pelo governo, e esta subvenção tem

produzido os resultados a que é destinada?

3 o – Atualmente a corporação docente da Academia estará na altura de uma Academia de

Belas Artes?

4 o – Não será mais útil ao ensino artístico que se aplique este dinheiro subvencionando

Oficinas de Belas Artes, e a moços que tenham dado provas públicas de talento, queiram estudar

belas artes nos grandes centros europeus, mediante concursos, exposições, etc.?

Sujeita à discussão é aprovada unanimemente o artigo 1o e prejudicados o 2o e 3 o.

Sobre o artigo 4o suscitou-se longa discussão, ficando por proposta do Sr. Emílio Rouède,

adiadas para melhor oportunidade e rejeitadas as propostas dos Srs. Teixeira da Rocha, Luiz

Ribeiro e P. Netto e encerrada a discussão.

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O Sr. Pereira Netto lê a seguinte proposta:

Considerando-se que o jornalista Pardal Mallet, com seu brilhante talento e sua coragem

de moço, prestou inestimáveis serviços à arte brasileira, propõe:

1o – Que se insira na ata da sessão um voto de louvor pela sua brilhante atitude assumida

nas colunas da Gazeta de Notícias em prol do engrandecimento das belas artes;

2 o - Que se lhe dê conhecimento oficial desta resolução, e que para isso seja nomeada

uma comissão de cinco artistas. Esta proposta foi aprovada unanimemente.

O Sr, Emílio Rouède propôs que se estenda esse voto de louvor ao Sr. José do Patrocínio,

redator chefe da Cidade do Rio, pelos grandes serviços prestados com a sua brilhante pena à

causa das belas artes. É aprovada e nomeada a seguinte comissão: Manuel Teixeira da Rocha,

José Pinto de Gouvêa, Raphael Frederico, Francisco Ribeiro e Ângelo Visconti.

O Sr. presidente propõe, e é unanimemente aplaudido, um voto de louvor à sociedade

Derby Club, pela sua gentileza em ter cedido o seu salão de honra para a referida sessão. Nada

havendo mais a tratar, é encerrada a sessão às 2 ½ horas da tarde.

Capital federal, 16 de junho de 1890.

Assinados: Aurélio de Figueiredo, presidente. Pereira Netto e Emílio Rouède, secretários.

***O ministro reúne-se hoje, às 7 horas da noite, no palácio Itamaraty, para discussão do

projeto da Constituição.

...

Gazeta de Notícias – Quarta-feira, 18 de junho de 1890 (p.2)

Ao Dr. Rozendo Moniz

É admirável a habilidade com que procura encaixar-se numa questão na qual nada tem

que ver, pois o distinto escritor Pardal Mallet não lhe deu tanta importância, para que se

apresentasse como defensor da velha Academia de Belas Artes.

Pelos seus artigos vê-se claramente que o fim principal é conservar o ordenado, e por isso

acende uma vela ao diabo e outra a Deus; não venho dizer aqui se tem ou não capacidade para

ocupar o lugar de professor de anatomia numa Academia de Belas Artes; o que posso dizer é que

quando faleceu o senador Luiz Carlos, em congregação fui eu que me opus à nomeação do Dr.

Motta Maia; desejava que se abrisse concurso ou que se nomeasse o meu colega e amigo Décio

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Villares, que tinha sido premiado em concurso de anatomia na academia de Paris, e que acho o

único competente; a congregação foi contra meu desejo, e para ser agradável a alguém, nomeou o

Dr. Motta Maia, o qual, seja dita a verdade, pediu para seu substituto (por estar impedido) o

distinto Dr. Oscar Bulhões. O diretor, na sua alta sabedoria, entendeu que o senhor preencheria

melhor esse lugar e o nomeou.

O que o senhor tem feito, ignoro-o; é verdade que transcreve um elogio do diretor, mas o

diretor elogia sempre que tem medo.

O fim, porém, do presente é o seguinte: no seu artigo do Paiz de ontem, o senhor alude a

um professor que, sem estar doente, tem deixado de comparecer para dar aula; essa sua acusação,

sem dizer o nome pode prejudicar aqueles pacatos professores que tão sistematicamente ganham

seu ordenado. Venho, pois, declarar que esse professor sou eu, eu que tenho brio e amor à arte,

para nunca mais comparecer enquanto não se fizer a nova escola ou ateliers livres. Declaro mais,

que não peço licença nem demissão, deixo que o governo me demita a bem do serviço público. O

meu atelier estará sempre aberto a todos os moços que quiserem aprender.

Feitas estas declarações, pretendo não voltar mais à imprensa, aguardando porém que o

governo torne a resolução de acabar com aquela instituição mumificada, e tão levemente

desmascarada pelo ilustre Pardal Mallet.

Rodolpho Bernardelli

17 – 6 – 90

Relação, 6 A

Gazeta de Notícias – Quinta-feira, 19 de junho de 1890, (p.1)

Ainda a Academia

Feitos os meus agradecimentos pessoais não só a Pereira Netto e aos artistas que votaram

a sua honrosa monção, mas também a Rodolpho Bernardelli que tão bondoso se mostrou para

comigo em seu artigo ontem publicado aqui na Gazeta, eu ainda tenho para dizer sobre a

Academia de Belas Artes e sobre a reunião no Derby Club.

A campanha parece vencedora, pelo menos na opinião pública. A velha Academia tem

atualmente o aspecto silencioso e triste das casas onde há gente que está morrendo. Os próprios

discípulos, que o Sr. Victor Meirelles contratou para ter a quem dar aula, já quase não aparecem.

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E o próprio porteiro já não acredita mais na possibilidade de aumentar a sua galeria particular de

quadros.

Mas resta agora saber o que é que se vai por no lugar da velha Academia. Sim, porque, no

final das contas o governo não há de simplesmente destruir, precisa construir um substitutivo.

***Se tenho voto na matéria, voto por uma nova Academia.

A idéia dos ateliers livres e da subvenção a artistas que sigam para Europa parece não

satisfazer inteiramente ao caso. Trata-se exclusivamente de atender ao interesse da Arte, e esta

não pode existir sem a criação de um meio artístico. Ora, este só pode ser criado em obediência e

conformidade com o processo biológico de um núcleo primordial. A força dispersiva é muito

boa, ela é porém uma irradiação e a irradiação supõe a existência de um centro.

Com desejo apenas de elucidar a questão, e nunca repugnante à idéia de me converter à

opinião contrária, a mim me parece que, no propósito de acabar definitivamente com a Academia,

existe o excesso característico de todas as reações violentas.

“Aí está em que deu o espírito de rotina daquele odioso areópago”, disse ontem Arthur

Azevedo no sua boa frase despretensiosa e pachorrenta. [areópago – tribunal de Atenas que se

localizava sobre a colina de Arés; assembléia de juizes, de sábios, de homens de letras muito

competentes.]

Mas é preciso coibir os excessos e refletir sobre o caso.

***Uma vez reconhecido que aquilo que lá está não presta, disposto o governo a fazer obra

nova, convém atender a todos os argumentos que militam a favor de uma Academia no momento

atual.

Eles consistem primeiramente na necessidade e criar um meio artístico – criação só pode

operar-se coesivamente, concentrando as forças dispersas.

E consistem depois nas enormes vantagens do ensino simultâneo que é em síntese a única

forma verdadeira de aprender.

Se assim é, vale a pena ver também qual é o valor dos argumentos apresentados em

contrário.

O academismo!

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Mas o academismo só é prejudicial, atrofiador e opressivo, quando chegou a sedimentar

tradições, quando cunhou moldes definitivos, dentro dos quais desaparece a individualidade de

qualquer.

A vantagem de criar escolas diversas!

Mas escola – método e sistema – é tão atrofiadora como a Academia, é uma

academiazinha; e depois não vem ao caso porque nós não podemos ter escolas sem primeiro ter

Arte.

***Depois no projeto Bernardelli – Amoedo, que precisa ser alterado na regulamentação

interna onde entrou a colaboração do Sr. Maia, que permite também a inclusão de uma cadeira de

paisagem, há muita coisa boa, há principalmente uma Academia sem caráter de fixidez.

Marcando 10 anos para período máximo da atividade de um lente, marcando 5 para

duração da gerência de cada diretor, ela ficará constantemente a renovar o pessoal, a dar lugar aos

novos.

E a ele se poderia ajuntar a idéia de Ferreira Araujo – fazer com que o diretor fosse eleito

ano e meio antes da ocasião de tomar posse, marcando-se-lhe um ano para estudar na Europa os

progressos introduzidos no ensino e seis meses para os estudos da própria Academia e dos meios

de adaptar-lhe os progressos observados.

***Parece-me que assim se faz Arte.

Em todo o caso parece-me que o campo está limpo para fazer a construção que quiserem

fazer.

PARDAL MALLET

Gazeta de Notícias - Terça-feira, 24 de junho de 1890, (p.1).

Pela AcademiaI

Com o prestígio do seu talento e da sua posição artística, Aurélio de Figueiredo começou

ontem, no Correio do Povo, uma série de artigos, tendentes a insinuar e justificar a extinção

completa da atual Academia de Belas Artes e a sua substituição apenas por ateliers, esparsos,

subvencionados pelo governo.

Confrontando um projeto apresentado ao Sr. Aristides Lobo, em 30 de janeiro do corrente,

e que vem firmado pelos artistas Montenegro Cordeiro, Décio Villares e por si, com o projeto

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Bernardelli – Amoedo, o ilustre antagonista reconhece, entretanto, que o único propósito de

agora, está em aproveitar o ensejo de demolição da velha Academia para dotar o Brasil com uma

instituição que satisfaça inteiramente os seus fins e promova o bem-estar e prosperidade da Arte.

Nesses termos, pois, eu peço licença para discordar.

***Vem com oportunidade, primeiro, a transcrição desse projeto contraposto ao Bernardelli –

Amoedo.

Hei-lo:

Art 1o – Fica extinta a Academia de Belas Artes e fundado com o material existente o

Museu Nacional de Pintura e Escultura.

Art 2o – Ficam conseqüentemente demitidos todos os atuais professores, conservando o

Estado os honorários dos que não tiverem outro meio de subsistência, enquanto persistir tal

situação, e aposentando com o ordenado por inteiro aos que por idade avançada não puderem

mais tentar nova profissão.

Art 3o – O Museu ficará a cargo de um diretor da livre confiança e nomeação do governo,

e só manterá o pessoal estritamente necessário ao bom desempenho de suas funções.

Ele terá por fim:

I – Ser o depositário e zelador das obras de arte que lhe forem confiadas;

II – Manter-se em exposição permanente ao público;

III – Fazer aquisição de cópias fiéis dos quadros e estátuas notáveis dos mestres de todas

as escolas que têm florescido;

IV - Promover a reprodução, por meio de cópias ou de outros processos de suas obras

mais importantes e distribuí-las pelos diferentes Estados confederados, afim de iniciar em cada

um deles um pequeno museu.

Art 4o – O estudo de arquitetura far-se-á d’ora em diante sob a imediata direção prática

dos arquitetos já existentes.

Art 5o – O governo manterá duas categorias de pensionistas: a primeira será constituída

pelos artistas que tiverem dado, por meio de trabalhos expostos à apreciação pública,

indiscutíveis provas de verdadeira capacidade estética; a segunda constará de um determinado

número de estudantes que provarem, num prévio concurso, se acharem nos casos de ensinar os

rudimentos de sua arte.

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Art 6o – A pensão dos primeiros será de 4:800$ anuais e só será concedida mediante os

seguintes compromissos por parte do candidato:

I – oferecer, pelo conjunto de seus atos privados e públicos, provas de moralidade e

civismo;

II – residir na pátria, sede normal de todo verdadeiro cidadão;

III – servir ao Estado em comissão de júri artístico ou quaisquer outras para as quais seja

nomeado;

IV – perder a posse do material de seus trabalhos, que serão recolhidos ao Museu.

Art 7o – O Estado por sua vez, contrairá os seguintes compromissos:

I – premiar, como achar conveniente, as obras de largo fôlego que surgirem, atendendo: 1o

– ao rojo e magnitude da concepção, 2o – à nobreza e importância do assunto, 3o – à maestria da

execução técnica;

II – manter dois terços da pensão às viúvas, mais os filhos menores que fiquem reduzidos

à penúria, no caso de morte do pensionista que os amparava;

III – manter a pensão ao artista que na idade de 63 anos, época natural da aposentadoria,

não tenha filhos ou netos que o possam sustentar materialmente;

IV – fornecer todo o material de que o pensionista necessitar para a execução dos seus

trabalhos.

Art 8o – O Estado fica com a liberdade de suspender a pensão nos casos seguintes:

I – quando o artista passar um ano sem demonstração alguma de atividade, salvo o caso

comprovado de moléstia;

II – quando haja denúncia de que o pensionista falta aos compromissos tomados; se isto

ficar provado num conselho de investigação constituído por três pessoas da confiança do governo

para esse fim nomeadas.

Art 9o – As pensões da segunda categoria serão de 1:440$ anuais e só serão concedidas

mediante os seguintes compromissos por parte dos candidatos:

I – oferecer pelo conjunto de seus atos privados e públicos provas de moralidade e

civismo;

II – prestar serviços ao Estado, ensinando desenho ou escultura nas diversas escolas

públicas que lhe forem designadas;

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III – continuar seus estudos e dar provas disso apresentando-se aos concursos gerais no

fim de cada ano;

IV – sujeitar-se a ser transferido de um Estado para outro, segundo as exigências do

serviço público.

Art 10o – O Estado, por sua vez, contrairá os seguintes compromissos:

I – elevar a pensão a 1:920$ quando o pensionista puder exercer simultaneamente o

professorado das duas artes;

II - estabelecer a emulação por meio de concursos no fim de cada ano entre os estudantes

mais adiantados de todas as escolas públicas, premiando aos professores e alunos que mais se

distinguirem;

III – estabelecer prêmios de viagem à Europa por espaço de três anos, aos quais poderão

concorrer todos os cidadãos brasileiros que se julgarem nos casos;

IV – a preferir nestes concursos, quando haja identidade de circunstâncias, o concorrente

que mais serviços tenha prestado ao Estado.

Art. 11o – O Estado fica com liberdade de suspender a pensão nos casos seguintes:

I – infração dos compromissos aceitos, depois de criterioso exame;

II – quando os serviços do pensionista se tornarem desnecessários ao Estado.

***

Como argumento contra, esta transcrição vale por si só, dispensando até comentários.

O projeto supra é opressivo. Subordina o artista ao governo como de forma alguma outra

é possível. E não oferece garantias àquele, embora pareça firmar entre as duas partes uma espécie

de contrato synallaginático.

Mais ainda:

Tolhe o desenvolvimento estético do país, não permitindo que particular adquira a posse

de trabalho artístico porque o § IV do art. 6º em que se regulam as obrigações da primeira classe

de pensionistas que recebem subvenções para trabalhar, para fazer Arte, ordena que eles percam a

posse material dos seus trabalhos e que estes sejam recolhidos ao Museu.

Mais ainda:

Não compreende as conveniências do professor e do discípulo na parte a que se refere à

segunda classe de pensionistas, a classe encarregada do ensino do desenho nas escolas, porque

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distrai aptidões superiores para misteres inferiores, o que é um desperdício da força coletiva, ou

se propõe a fazer do Brasil inteiro um país de artistas, o que é um não senso.

E mais ainda:

Não diz uma palavra sobre o ensino superior da Arte a que entretanto tem direito as

vocações fortemente acentuadas, e que é uma necessidade para o exercício completo das funções

orgânicas da nação.

***

Isto de positivismo em síntese, é uma história.

Há dez séculos que a humanidade tenta, sem conseguir, libertar-se do jugo opressivo da

Bíblia.

Não vale a pena por conseguinte pegar dos livros de Comte para fazer uma nova Bíblia.

PARDAL MALLET

Gazeta de Notícias, quarta-feira, 25 de junho de 1890 (p.1)

Pela AcademiaII

Nesta questão do ensino das artes plásticas, ou mais especialmente da pintura, há três

problemas diversos a resolver, que não devem ser baralhados, e de cuja confusão resulta em

grande parte o vício dos sistemas pedagógicos existentes ou propostos.

O primeiro é o da difusão do ensino elementar do desenho. Pedem-no os ilustres

formuladores do projeto positivista e os signatários da mensagem que vai ser entregue ao Sr.

Benjamin Constant. A sua adoção importa um imenso desenvolvimento para o país inteiro, pois o

conhecimento do desenho é uma escola de bom gosto e uma esplêndida ferramenta para todo o

operário. Mas não tem nada que ver com o caso. Pertence exclusivamente ao plano do ensino

geral e primário, que a Constituição acaba de tornar obrigatório.

O segundo é o do preparo intelectual daqueles que se destinam à profissão artística. Não

pode ser dispensado, porque já se foi o tempo da ciência infusa e porque o centro de gravidade do

trabalho moderno deslocou-se da atividade imaginativa para a experimentalista e reflexionadora.

E só pode ser ministrado em uma ou algumas academias cujos resultados neste caso não se

diferenciarão dos resultados fornecidos pelas outras academias.

O terceiro, enfim, é o da formação da individualidade artística, formação que se deve

operar com muita independência, mas sob as vistas de um mestre. É o complemento da evolução

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completa do artista. Não lhe vem até fora de propósito a designação de terceiro estado. E tanto se

pode fazer dentro como fora de uma academia.

***

Uma vez estabelecida esta classificação tripartida, parece que fica mais simples de

resolver o problema do ensino das artes plásticas, permitindo até esta justa conciliação eqüitativa,

em que os atos de governo se devem inspirar com relação aos partidos antagônicos e radicais.

Seja como for, adotem o projeto que adotarem, existirá o Museu. Junto a ele existia a

academia do ensino secundário, cujo regulamento pode ser feito à vontade, uma vez que tenha o

seguinte arcabouço:

Preparatórios exigidos: Português, francês ou italiano, aritmética, geografia e história.

Curso:

1º ano – Aritmética e geometria

História das artes

Desenho de figura.

2º ano - Ciências naturais em geral, física e química, especialmente

aplicadas às artes,

Perspectiva,

Anatomia

Desenho de modelo vivo.

3º ano - Fisiologia aplicada às artes,

Arqueologia,

Desenho de modelo vivo e de paisagem do natural.

***Assim preparado com este curso, rápido aliás e não sobrecarregado, pode o aluno tratar de

fazer a sua individualidade como bem quiser, livre de regulamentações precisas, mas já apto ele

mesmo a saber o que quer e a chegar à sua especialização artística.

Fica-lhe então permitido o tomar um professor particular, ou matricular-se em um dos

ateliers que o Estado para tal efeito deve subvencionar.

- E aí torna-se perfeitamente indiferente que o atelier funcione no prédio onde funcionou

a academia, ou em outro qualquer lugar. Ele deve, porém, estar subordinado à fiscalização do

diretor da academia, porque as artes precisam independer do governo, fazer vida à parte,

dirigirem-se a si mesmas.

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Esses ateliers poderão ser:

1 de arquitetura

1 de escultura

2 de pintura, sendo um de paisagem

1 de gravura.

***Tal é ao mesmo tempo o projeto mais simples, mais lógico e que pode conciliar as

diversas opiniões artísticas que se dividem sobre o assunto.

Contra ele não procede, porque não procede em si, o argumento da centralização da arte

que Aurélio de Figueiredo apresentou como argumento desfavorável à existência da academia.

Façam as federações que quiserem, haverá sempre as capitais intelectuais. É para elas que afluem

os moços que tem audácia e tem talento, e que, como Daudet, chegam a Paris com 15 soldos, ou,

como Aluizio Azevedo, chegam ao Rio de Janeiro com 5$000.

PARDAL MALLET

[Alphonse Daudet – escritor francês, (Nimes, 1840 – Paris, 1897). Obras: Les lettres de

mon moulin, 1866; Tartarin de Tarascon, 1872; Tartarin sur les Alpes, 1885; Port Tarascon,

1890, entre outras.]

Gazeta de Notícias - Quinta-feira, 26 de junho de 1890 (p.1)

Pela AcademiaIII

Parece-me que nada mais tenho a fazer sobre este caso da Academia de Belas Artes.

A imprestabilidade da atual está demonstrada:

1° - pela mensagem firmada pelos nossos mais notáveis artistas e ontem entregue ao Sr.

Benjamin Constant

2° - pela defesa que o Sr. Rozendo Muniz tentou fazer da mesma Academia.

3° - pela defesa que o Sr. Pedro Américo também tentou fazer ontem.

4° - pelo silêncio dos outros réus.

5° - pelo juízo da opinião pública, que é toda favorável à revolução artística agora

operada.

***Se assim é no relativo à destruição, no que se refere à construção também o caso está

acentuado e definido.

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A idéia da não Academia tem apenas o prestígio dos seus três formuladores.

Pela Academia estão, entretanto:

1° - Os próprios artistas que em artigo em outro local publicado, vão fundar uma

Academia livre.

2° - O Sr. Pedro Américo, que além de tudo, deseja para si o lugar de diretor... lá na

Europa.

3° - O bom-senso que não pode admitir a importação aqui no Brasil de ideais muito bons

apenas em países onde o espírito artístico já está tradicionalmente firmado.

***Há mais apenas isto:

O Sr. Benjamin Constant, recebendo ontem uma comissão, composta de Rodolpho

Bernardelli, Rodolpho Amoedo, Aurélio de Figueiredo, Teixeira da Rocha, Castagneto, Ribeiro e

do escritor destas linhas, declarou que pretendia gradativamente fazer a reforma da instrução

primária, da secundária, da superior e da artística.

Sobre a Academia, entretanto. S. Ex. ficou de atender prontamente ao ofício do Sr. Maia,

pedindo uma comissão de inquérito, e do qual não tinha ainda conhecimento.

Vai se reformar, por conseguinte, o negócio.

S. Ex. de toda esta discussão aproveitará a apresentação de três projetos: o Bernardelli -

Amoedo, o Décio – Aurélio, e o meu que é conciliador.

E não precisa se importar com a idéia do Sr. Pedro Américo – porque este senhor é um

velho que nada fez enquanto podia, e que não pode fazer agora quando quer.

Bem orientado e criterioso, dispondo destes elementos todos, o Sr. Benjamin Constant

está, por conseguinte, nas condições perfeitas de tornar-se o pai e construtor da Arte Brasileira.

PARDAL MALLET

Gazeta de Notícias - Quarta-feira, 2 de julho de 1890, (p.2)

BELLAS ARTES

Subscrição aberta para a manutenção de cursos públicos e gratuitos de pintura, escultura e

arquitetura:

Conde de Figueiredo............500$000

M. J. da Fonseca..................500$000

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Antonio Bernardo Pinto...... 500$000

Banco do Brasil................... 500$000

2:000$000

Gazeta de Notícias – Quinta-feira, 3 de julho de 1890, (p.1)

BELLAS ARTES

Subscrição aberta para a manutenção de cursos públicos e gratuitos de pintura, escultura e

arquitetura:

Banco dos E. U. do Brasil ......................................................... 500$000

Barão de Jaceguar [?, difícil leitura, acho que é este o nome]... 500$000

Vaz de Carrilho (corretor).......................................................... 200$000

Francisco de Paula Palhares....................................................... 200$000

1:600$000 Quantia publicada .................................................................. 2:000$000 3:600$000Gazeta de Notícias – Sábado, 5 de julho de 1890, (p.1)

Antonio Parreiras

Este distinto artista, que há pouco fez exposição de grande número de trabalhos seus na

academia de Belas Artes, e pouco depois outros no Atelier Moderno, teve a gentileza de oferecer

a esta redação uma bonita paisagem.

Agradecemos o delicado e valioso mimo.

Gazeta de Notícias - Quarta-feira, 9 de julho de 1890, (p.2)

Belas Artes

Inscreveram-se ontem para a freqüência dos cursos públicos e gratuitos de Belas Artes, os

seguintes alunos:

Pintura – Arthur Francisco Lucas, José Galdino de Castro Junior, Julio de Magalhães

Macedo, Antônio da Cunha Figueiredo, Elyseo d’Angelo Visconti, José Pinto de Gouvêa, João

Baptista da Costa e Stefano Cavalero.

Escultura – José Roberto da Silva Oliveira e Hermógenes de Paula Torres.

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O livro das inscrições continua no barracão do largo de S. Francisco de Paula, à

disposição dos interessados.

Gazeta de Notícias - Quinta-feira, 10 de julho de 1890, (p.2).

Belas Artes

Para a subscrição aberta para a manutenção de cursos públicos e gratuitos de pintura,

escultura e arquitetura, assinaram mais:

Banco de Crédito Real ....................................200$000

Gaffré Guinle ..................................................100$000

D. A. C. Valdetaro [ou Valderato?].................100$000

400$000

Quantias publicadas.......................................3:600$000

Total........4:000$000

Acham-se à disposição do público listas no barracão do largo de S. Francisco de Paula e

nas redações dos jornais.

Gazeta de Notícias - Segunda-feira, 14 de julho de 1890, (p.1)

Belas Artes

Para freqüentar os cursos públicos gratuitos de Belas Artes inscreveram-se mais os

seguintes alunos:

Pintura – J. Fiúza Guimarães, Arnaldo Augusto Ferreira Braga, Martinho Dumiense,

Deocleciano Martyr, Alfredo A. Bastos, Agostinho Queiroz, Isaías de Oliveira, Olegário de

Moraes Cavalcante e Bento Barbosa.

Escultura – Antonio Pinheiro e Guilherme Lobo.

***O livro das inscrições continua à disposição dos interessados no barracão do largo de S.

Francisco de Paula.