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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CFF Nº 70028626653 2009/CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. POSSE DE ENTORPECENTE PARA TRÁFICO. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIRMADA. CABÍVEL A APLICAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO- EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO, POR MAIORIA. APELAÇÃO CÍVEL OITAVA CÂMARA CÍVEL Nº 70028626653 COMARCA DE PORTO ALEGRE D.A.C. .. APELANTE M.P. .. APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencido o Relator, em negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ. Porto Alegre, 19 de março de 2009. 1

Apelação Cível Nº 70028626653

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Apelação civel.

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recurso improvido, por maioria.
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencido o Relator, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor Des. Alzir Felippe Schmitz.
Porto Alegre, 19 de março de 2009.
DES. RUI PORTANOVA,
Presidente e Relator.
Des. Rui Portanova (PRESIDENTE E RELATOR)
Trata-se de apelação interposta por Dionatan nos autos que apuram a prática de ato infracional.
Narra a inicial a prática de tráfico de entorpecentes em que o apelante trazia consigo, para expor a venda, 01 (uma) pedra de crack, substância entorpecente causadora de dependência física e psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
A sentença julgou procedente a representação e aplicou medida de internação, sem possibilidades de atividades externas, pelos fatos tipificados no art. 33, da Lei 11.343/06.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
O caso.
Trata-se de apelação interposta por Dionatan nos autos que apuram a prática de ato infracional.
Narra a inicial a prática de tráfico de entorpecentes em que o apelante trazia consigo, para expor a venda, 01 (uma) pedra de crack, substância entorpecente causadora de dependência física e psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
A sentença julgou procedente a representação e aplicou medida de internação, sem possibilidades de atividades externas, pelos fatos tipificados no art. 33, da Lei 11.343/06.
Da autoria.
Em audiência de apresentação (fls. 57/62) o representado assumiu a autoria do ato infracional.
Os depoimentos das testemunhas (fls. 86/91) e o auto de arrecadação (fl. 15) imputam ao adolescente Dionatan a autoria do ato infracional.
Da materialidade.
A materialidade restou comprovada pelo termo de declarações (fl. 12), pelo auto de arrecadação (fl. 15), pelo laudo de constatação de natureza da substância (fls. 18/19) e pela prova oral judicializada.
Da medida sócio-educativa.
O ato infracional imputado ao adolescente diz respeito a posse de entorpecentes para o fim de tráfico.
Vale a pena notar as circunstâncias, tais como descritas na inicial, de como se deram os fatos:
“Policiais militares, em serviço de patrulhamento de rotina, abordaram o adolescente no local supramencionado, conhecido como ponto de tráfico de drogas, e apreenderam em seu poder a pedra de crack e, próximo a ele, a quantia de R$ 189,95 (cento e oitenta e nove reais e noventa e cinco centavos) em moeda corrente que récem havia jogado no chão com o propósito de dispensá-la.”
Na sentença constou que o fundamento legal para a internação foram os artigos 121 e 122, incisos I, II e III, ambos do ECA.
Como se sabe, embora o tráfico de entorpecentes seja equiparado a crime hediondo pela legislação penal vigente, a medida de internação somente será aplicada quando presentes as hipóteses previstas pelo art. 122, do ECA, quais sejam:
“Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”
Com efeito, não houve violência ou grave ameaça, restando afastada a hipótese do art. 122, inciso I, do ECA.
Importante ressaltar que também não existe notícia nos autos de descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta, hipótese do art. 122, inciso III, do ECA.
Tal entendimento está de acordo com o STF que já decidiu neste mesmo sentido:
Ato Infracional Equiparado a Crime Hediondo e Internação. Por entender não configuradas as estritas hipóteses legais que autorizam o regime da medida de internação, descritas nos incisos I e II do art. 122 da Lei 8.069/90 - ECA (“Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;”), a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de menor submetido à medida sócio-educativa de internação por prazo indeterminado, pela prática, em concurso com um outro menor e outros maiores, de ato infracional equivalente a tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12). Na espécie, a sentença de primeira instância optara pela medida mais gravosa, em razão de o ato ilícito praticado ser equiparado a crime hediondo, e da existência de reiteração, pelos menores, no cometimento de outras infrações graves. Considerou-se que, no caso, a conduta descrita se amoldaria ao crime de tráfico de entorpecentes, praticado, entretanto, sem violência ou grave ameaça. Além disso, não se teria a hipótese de reiteração no cometimento de outras infrações graves, porquanto não seria suficiente a mera existência de outros processos por fatos anteriores, mas a pré-existência de sentença transitada em julgado, reconhecendo a efetiva prática de pelo menos duas infrações. No ponto, destacou-se a existência de um único processo em curso contra o paciente e de outros dois nos quais se concedera a remissão (ECA, art. 127). HC deferido para cassar a sentença na parte em que impôs a medida de internação ao paciente, a fim de que outra seja aplicada, como se entender de direito. Estendeu-se a decisão ao outro menor, haja vista ter sido invocado contra ele a existência de apenas um outro processo, no qual, também concedida a remissão. Precedente citado: HC 84603/SP (DJU de 3.12.2004). HC 88748/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.8.2006. (HC-88748).
Desta forma, resta a hipótese prevista no art. 122, inciso II, do ECA, relativa à reiteração no cometimento de outras infrações graves. Logo, a certidão de antecedentes parece ter determinado o resultado deste processo.
Vale a pena, começar por uma análise específica do que consta na certidão de antecedentes (fls. 130/131).
Vale a pena abrir item próprio.
Antecedentes.
A certidão dá conta da existência de 02 registros.
O número de ocorrências que consta da certidão, contudo, bem analisado o que está certificado, não pode, de logo, ser tomado contra os interesses da apelante.
A leitura da certidão de antecedentes da apelante dá conta que temos:
- uma aplicação da medida de Prestação de serviços à comunidade, cumulada com a Liberdade assistida, e;
- o outro registro refere-se ao presente feito, portanto, ainda em andamento.
Portanto, numa leitura constitucionalmente adequada é lícito afirmar que o representado possui, apenas, um antecedente.
Desta forma, ainda que a certidão de antecedentes do adolescente apresente dois registros, estes não podem ser considerados como suficientes para concretizar a hipótese de internação prevista no inciso II do artigo 122 do ECA.
Isto porque para configurar “a reiteração no cometimento de outras infrações graves” não basta a mera existência de outros processos por fatos anteriores, mas sim, a existência de, pelo menos, duas sentenças transitadas em julgado, reconhecendo a efetiva prática de infração.
Em casos análogos, tenho entendido que somente valem como antecedentes constitucionalmente válidos, as apurações de atos infracionais anteriores onde foi aplicada alguma medida sócio-educativa ao representado.
Sendo assim, o adolescente que apresenta, apenas, uma sentença transitada em julgado reconhecendo a prática de ato infracional, não pode ser internado com base no inciso II do artigo 122 do ECA.
Neste sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. FURTO. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIRMADA. DESCABÍVEL A APLICAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. PROPORCIONALIDADE ENTRE O ATO INFRACIONAL E A MEDIDA IMPOSTA. Autoria A autoria foi comprovada pela confissão do representado, pela palavra da vítima e pelas provas orais colhidas em juízo. Materialidade Demonstrada pelo boletim de ocorrência, pelos autos de avaliação indireta e pelas provas orais colhidas em juízo. Medida Socioeducativa Caso de furto de uma bicicleta e um telefone celular, em que descabe a aplicação de medida sócio-educativa de internamento. Análise dos antecedentes que deve atender os termos da Constituição Federal. DERAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70022255814, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/12/2007).”
Nesta mesma seara, o julgado do STF supra citado (HC 88748/SP), expõe a necessidade de ater-se aos termos constitucionais, quando da análise dos antecedentes infracionais dos adolescentes. Tal entendimento está de acordo com o STF que já decidiu neste mesmo sentido.
Eis os termos da ementa:
“(...) Além disso, não se teria a hipótese de reiteração no cometimento de outras infrações graves, porquanto não seria suficiente a mera existência de outros processos por fatos anteriores, mas a pré-existência de sentença transitada em julgado, reconhecendo a efetiva prática de pelo menos duas infrações. No ponto, destacou-se a existência de um único processo em curso contra o paciente e de outros dois nos quais se concedera a remissão (ECA, art. 127). (...) HC 88748/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 8.8.2006. (HC-88748).”
Ou seja, estamos aqui restringindo o direito fundamental à liberdade de ir e vir sem nenhuma previsão legal, sem que se possa, sequer, alegar que a adolescente tenha uma conduta assídua de envolvimento em atos infracionais no passado.
Eis a justificativa da sentença para aplicar a medida de internação:
“Com relação à medida socioeducativa aplicável, à par da gravidade do ato infracional cometido, que impõe um tratamento severo por parte da Justiça, verifica-se que no caso concreto se trata de um adolescente que já teve condenação anterior pelo mesmo tipo de delito, tráfico de entorpecentes, recebendo medida socioeducativa em meio aberto, que não chegou a cumprir e que não surtiram o efeito de afastá-lo do crime na medida em que tornou a delinquir, por isto, agora, neste momento, novamente envolvido com drogas, a internação se impõe até para a própria segurança do adolescente, uma vez que, ao que tudo indica, além de se dedicar à venda de entorpecentes, o que provavelmente ocorre em razão de sua dependência química, cuida-se exatamente de um viciado com bastante comprometimento com as drogas e que não teve êxito em se tratar, inclusive negando-se a se tratar em meio aberto, necessitando portanto de controle externo a ser exercido por parte do Estado para tentar afastá-lo das drogas.”
Nesse passo, é licito dizer que as provas atestam que realmente ocorreu a conduta ilícita do representado.
Todavia, é lícito concluir que não há no ato infracional apurado nestes autos, o preenchimento de pelo qualquer um dos requisitos legais de “ameaça ou violência contra a vítima, reiteração no cometimento de outras infrações graves e descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta”, a ponto de ensejar ao adolescente a medida sócio-educativa de internação.
Por outro lado, a situação do representado, reconhecida pela própria sentença, me leva a crer que, não só a aplicação de internação, bem como de qualquer outra medida sócio-educativa não seja adequada ao adolescente.
Isto porque entendo que estejamos diante de um caso de exclusão da responsabilidade infracional pela alienação mental do representado.
Vale a pena abrir um tópico próprio.
Exclusão da responsabilidade infracional pela alienação mental.
Ao observar-se a jurisprudência dos Tribunais, bem como desta Corte, é lícito afirmar que, pouco a pouco, vem ganhando força a aplicação de institutos e princípios penais na esfera menorista.
Dentre os inúmeros princípios penais existentes, podemos citar alguns que têm sido aplicados com maior frequência no âmbito jurisdicional da infância e juventude, como o princípio da insignificância e a prescrição da pretensão punitiva e/ou executiva das medidas sócio-educativas.
Como, o âmago do direito menorista é o mesmo do Direito Criminal, qual seja, a proteção dos direitos humanos, é lícito dizer que sempre sobra espaço para aplicação das conquistas que protegem o infrator.
Nesse passo, assume especial relevância o instituto penal da exclusão da responsabilidade infracional pela causa exculpante oriunda da alienação mental.
A exclusão da culpabilidade em razão da inimputabilidade por alienação mental está prevista no art. 26, caput, do Código Penal , e quando tiver como causa a dependência de drogas, no art. 45 da Lei 11.343/06 . De rigor, essas são as normas do direito penal que determinam a isenção de pena pela inimputabilidade decorrente da alienação mental.
A reflexão acerca da aplicação deste instituto na esfera da infância e juventude assume especial relevância em razão do aumento indiscriminado do consumo de drogas pesadas entre os adolescentes, especialmente o crack e a merla.
O crack e a alienação mental.
Com efeito, as pessoas que apresentam um quadro de dependência de drogas que causa profunda alteração do sistema nervoso central - como é o caso do crack e a merla, ambos derivados da cocaína -, geralmente não reúnem qualquer condição para entender o caráter ilícito da conduta infracional ou de determinar-se conforme esse entendimento.
Principalmente, quando a dita conduta infracional tem como único objetivo obter recursos para a aquisição da droga.
Neste sentido, vale a pena transcrever o que diz o Juiz de Direito João Paulo Bernstein, Titular da 2ª Vara Judicial da Comarca de Palmeira das Missões, em trabalho junto à Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul:
“Todos os magistrados que jurisdicionam Varas da Infância e Juventude, promotores, defensores, assistentes sociais, oficiais de proteção sabem do que se está falando, ou seja, da condição que esses adolescentes nos são apresentados para as audiências, na quase totalidade das vezes trazidos por meio da expedição de mandados de busca e apreensão, em condições precárias de higiene, sem qualquer dignidade, com dificuldades de comunicação, dado o grau de dependência e comprometimento psíquico causado pelas referidas drogas.
São adolescentes que por vezes estão alheios a realidade que os cercam, uma vez que não reúnem mais condições pessoais para manter relações familiares, assumir qualquer atribuição ou responsabilidade, ou mesmo para ter os cuidados mínimos para preservação de sua saúde, bem estar e da própria vida. Esses adolescentes estão focados, diariamente, na necessidade de obter a droga a qualquer custo, sendo comum trocarem por ela os objetos familiares ou furtados de terceiros por menos de um décimo do valor.
Nas infrações contra o patrimônio, que representam a grande maioria dos processos visando a aplicação de medida socioeducativa, cada vez mais constatamos que os adolescentes infratores são dependentes dessas drogas. Entre esses dependentes infratores vimos multiplicarem nos últimos dois anos, com a proliferação do crack, os casos de adolescentes com psicose cocaínica, tendo em vista as alterações psíquicas provocadas pela dependência, que segundo o Livreto Informativo Sobre Drogas Psicotrópicas , exige o consumo de doses cada vez maiores da droga:
A tendência do usuário é aumentar a dose da droga na tentativa de sentir efeitos mais intensos. Porém, essas quantidades maiores acabam por levar o usuário a comportamento violento, irritabilidade, tremores e atitudes bizarras devido ao aparecimento de paranóia (chamada entre eles de “nóia”). Esse efeito provoca um grande medo nos craqueros, que passam a vigiar o local onde usam a droga e a ter uma grande desconfiança uns dos outros, o que acaba levando-os a situações extremas de agressividade. Eventualmente, podem ter alucinações e delírios. A esse conjunto de sintomas dá-se o nome de “psicose cocaínica”.
Feitas essas observações, é possível afirmarmos que esses adolescentes usuários de crack e merla, após alguns meses de dependência, dificilmente conseguem determinar-se de acordo com o entendimento da ilicitude de suas condutas infracionais, seja em razão da psicose cocaínica, seja em razão da fissura, patologias agudas que destroem a capacidade de escolhas comportamentais. Observa-se, ainda, no dia-a-dia forense, o elevado comprometimento neuronal desses usuários, a ponto de não lembrarem o nome dos pais, data de nascimento e outras informações básicas de suas vidas. Isso caracteriza, sem dúvida, uma alienação mental patológica, pela dependência em drogas, como disposto no art. 45 da Lei 11.343/06.”
Ou seja, o quadro patológico descrito como psicose cocaínica pode levar o dependente químico a alucinações, delírios, paranóias e depressões profundas, estimulando, inclusive, condutas violentas de sua parte.
Por outro lado, o uso prolongado e em quantidades cada vez maiores, associado ao alto poder de dependência do crack, ainda segundo o Livreto Informativo Sobre Drogas Psicotrópicas, ocasionam, invariavelmente, uma vontade avassaladora de consumir a droga novamente, chamada fissura:
Logo após a “pipada”, o usuário tem uma sensação de grande prazer, intensa euforia e poder. É tão agradável que, logo após o desaparecimento desse efeito (e isto ocorre muito rapidamente, em 5 minutos), ele volta a usar a droga, fazendo isso inúmeras vezes, até acabar todo o estoque que possui ou o dinheiro para consegui-la. A essa compulsão para utilizar repetidamente dá-se o nome popular de “fissura”, que é uma vontade incontrolável de sentir os efeitos de “prazer” que a droga provoca. A “fissura” no caso do crack e da merla é avassaladora, já que os efeitos da droga são muito rápidos e intensos.
Feitas estas considerações, tenho como imperiosa a conclusão de que adolescentes nessas condições deixam de ser inimputáveis, apenas, em razão da imaturidade natural - por contarem entre 12 e 18 anos -, mas também pela alienação mental.
Alienação mental esta que acaba afastando-os por completo da semi-maturidade natural da adolescência e, por consequência, remete-os novamente ao desenvolvimento mental de uma criança.
A alienação mental e o direito punitivo.
E, nestas situações, caso estivéssemos lidando com um imputável, a exclusão da culpabilidade por alienação mental resultaria na aplicação de medida de segurança para o adulto (art. 96 e seguintes do Código Penal).
Logo, ao adolescente que também se encontra alienado mentalmente, deve ser aplicada uma, ou mais de uma, das medidas de proteção previstas no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, mais especificamente tratamento médico, psicológico e psiquiátrico, assim como o tratamento para os alcoólatras e para os toxicômanos.
Contudo, nestes casos fica vedada a aplicação de medida sócio-educativa ao adolescente, seja isolada ou cumulada com medida de proteção.
Caso contrário, havendo aplicação cumulativa de medida sócio-educativa com medida de proteção, para a hipótese de inimputabilidade por alienação mental do adolescente, estaríamos trazendo novamente para o ordenamento jurídico o sistema duplo binário do Código Penal de 1940.
Tal diploma legal que permitia a aplicação de medida de segurança em complemento à pena, ainda que o réu fosse considerado parcialmente incapaz.
Nesse sentido, a lição de DAMÁSIO E. DE JESUS :
A reforma penal de 1984, no art. 98, adotou o sistema vicariante (ou initário): ou é aplicada somente pena ou somente medida de segurança. É uma fórmula unicista ou alternativa: não podem ser aplicadas ao condenado semi-responsável uma pena e uma medida de segurança para a execução sucessiva; ou bem a pena, ou bem a medida de segurança, conforme o caso.
Enfim, a improcedência da representação e a impossibilidade de aplicação de medida sócio-educativa ao adolescente que apresenta dependência patológica de drogas, emerge, não só da ausência de culpabilidade quando da prática do ato infracional, mas também de sua incapacidade de cumprir a medida sócio-educativa.
Essa incapacidade resulta da falta de consciência crítica do dependente químico em relação aos seus atos, bem como da ausência de condições de assumir qualquer responsabilidade.
Aqui, vale a pena lembrar que a capacidade de cumprir a medida sócio-educativa é requisito indispensável para a sua aplicação, conforme o art. 112, § 1º, do ECA.
E, nestas hipóteses, como já foi dito anteriormente, a aplicação exclusiva da medida de proteção é a indicada.
Isto porque, o agir do adolescente não corresponde ao estágio de desenvolvimento natural, considerando-se a sua idade, em face do rebaixamento em sua personalidade.
Essa é a interpretação extraída da norma do art. 112, § 3º, do ECA, que determina tratamento individual e especializado, em local adequado às condições dos adolescentes portadores de alienação mental ou sofrimento psíquico .
O tratamento adequado a que se refere a norma supracitada é aquele previsto no art. 101, incisos V e VI do mesmo Estatuto.
Ou seja, medida protetiva.
Quanto ao ponto, diz a doutrina de JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA :
Poderá não se fazer sujeito da medida socioeducativa este adolescente quando padecer de sofrimento psíquico que o incapacite. Tal jovem, mesmo ao atingir a idade de imputabilidade penal, permanecerá inimputável nos termos do art. 26 do Código Penal. Neste caso, sequer responsabilidade juvenil terá, por não possuir capacidade para cumprir medida socioeducativa (art. 112, § 1º).
Faz-se deste modo insusceptível de aplicação de medida socioeducativa, mesmo sendo autor de ato infracional, haja vista sua incapacidade de cumpri-la. Deverá ser submetido a uma medida de proteção, nos termos do art. 101, inc. V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo ser internado em hospital psiquiátrico ou submetido a tratamento ambulatorial, sem submissão de medida socioeducativa.
Em tempo, é preciso ter cautela na avaliação da existência ou não do sofrimento psíquico decorrente da dependência química, pois nem sempre o usuário de drogas apresentará dependência patológica.
Em muitos casos, o usuário de drogas não se encontra em estágio avançado da dependência. Dependência avançada que prejudica a percepção do caráter ilícito do fato, impossibilitando um comportamento de acordo com o entendimento, bem como impossibilitando o recebimento do conteúdo pedagógico contido na medida sócio-educativa.
Sendo assim, a incapacidade resultante da alienação mental pela dependência química deve resultar inequívoca das provas constantes nos autos. Caso contrário, se torna necessária a realização de uma perícia médica para detectar a existência ou não da patologia.
Quero dizer, quando o conjunto de provas constantes nos autos demonstra, com segurança, que o adolescente apresenta um grau de dependência química, ocasionando um quadro de psicose cocaínica ou de fissura, conforme antes explicado, a perícia médica é dispensável.
Em suma, a perícia médica na hipótese de incapacidade originada pelo psicológico é complementar e subsidiária para o convencimento do juiz.
O crack e o representado.
Sendo assim, ante as peculiaridades do caso concreto, tenho como inafastável a conclusão de que estamos diante de um caso de aplicação do princípio da exclusão da responsabilidade infracional pela alienação mental do representado.
Aqui, vale ressaltar que a improcedência da representação resulta das circunstâncias pessoais do adolescente, tendo em vista seu grau de envolvimento com drogas, mais especificamente com crack.
Envolvimento este que restou demonstrado no termo de audiência perante a 3ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, extraído do processo 1885995, onde lhe foi aplicada a medida em meio aberto (fl. 83):
“J: O Dionatan (...), esse adolescente está com medida de liberdade assistida aplicada em sentença, acusado de tráfico de drogas e porte de arma. Ele ficou recolhido no ICS de 12 de fevereiro a 19 de março de 2008, iniciou o cumprimento mas depois não quis mais, segundo vizinhos estaria usando abusivamente crack, no relatório de junho. O relatório de julho diz que segunda a mãe que compareceu no PEMSE ele não compareceria nem amarrado pois passa as noites na rua, usa crack e não obedece. Tem algo a acrescentar ao PEMSE?
T: As informações que eu tenho da colega que acompanhava são essas doutor, de que realmente a família não tem controle, o adolescente está muito envolvido com crack e se nega a cumprir as medidas.”
Neste mesmo sentido, o comprometimento da conduta do representado, pelo uso indiscriminado da droga derivada da cocaína, foi reconhecido pela julgadora de primeiro grau ao proferir a sentença, ora recorrida (fl. 07):
“(...) por isto, agora, neste momento, novamente envolvido com drogas, a internação se impõe até para a própria segurança do adolescente, uma vez que, ao que tudo indica, além de se dedicar à venda de entorpecentes, o que provavelmente ocorre em razão de sua dependência química, cuida-se exatamente de um viciado com bastante comprometimento com as drogas e que não teve êxito em se tratar... (...).” (grifo nosso)
Ou seja, tendo em vista o relato e o trecho da decisão, acima transcritos, não é exagero concluir que o adolescente apresenta um quadro de comprometimento de sua conduta pelo uso abusivo de crack.
Desta forma, tendo em vista que o conjunto probatório contido nos autos demonstra, com segurança, que o adolescente apresenta um grau de dependência química, ocasionando um quadro de psicose cocaínica ou de fissura, a improcedência da representação é medida que se impõe, com base na exclusão da responsabilidade infracional pela alienação mental do representado.
ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao apelo para julgar improcedente a representação e aplicar ao representado, de ofício, única e exclusivamente, as medidas protetivas previstas no art. 101, incisos V e VI, do ECA.
Expeça-se alvará de soltura se por al não estiver internado.
Des. Claudir Fidélis Faccenda (REVISOR E REDATOR)
No que concerne à aplicação de medida de internação, sem possibilidade de atividades externas, deve ser mantida, ainda que o adolescente não tenha agido com ameaça ou violência à pessoa, o fato é de natureza grave.
Sabe-se que a medida de internação é regida pela excepcionalidade, devendo ser aplicada somente se esgotadas as demais possibilidades de recuperação do adolescente, nos termos do § 2º do artigo 122 do ECA.
Todavia, o ato infracional de tráfico de entorpecentes é extremamente grave e considerado pela legislação penal como crime hediondo. Assim, a medida de internação sem possibilidade de atividades externas torna-se importante a fim de que a jovem tome consciência da reprovabilidade social de sua conduta quanto ao tráfico de substâncias entorpecentes.
Nesse sentido existem inúmeros precedentes na Corte, a exemplo das seguintes ementas:
“ ATO INFRACIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. 1. O ato infracional de tráfico de substância entorpecente é da maior gravidade e evidencia, por si, preocupante situação de desajuste pessoal e familiar do adolescente. 2. A aplicação da medida socioeducativa de internação sem a possibilidade de atividade externa é adequada para que o adolescente tome consciência da reprovabilidade social que pesa sobre o ato infracional praticado. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70016320616, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 27/09/2006).
“ ECA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. REINCIDÊNCIA. INTERNAÇÃO. Com a confissão da autoria e prova suficiente da materialidade do delito de tráfico de drogas, impõe-se a aplicação ao infrator de medida socioeducativa de internação, sem possibilidade de atividades externas. Entretanto, a medida de internação deve ser cumulada com os tratamentos psicoterápico e contra drogadição, para reformular o comportamento ilícito do jovem reincidente na prática de atos infracionais desta natureza. Apelo improvido, com aplicação de medida. (Apelação Cível Nº 70011116134, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 08/06/2005).”
“ ECA. ATO INFRACIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CORRETA APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO, SEM ATIVIDADES EXTERNAS. MÉRITO Materialidade. Materialidade está comprovada pelo auto de apreensão, bem como laudo de constatação. Autoria. A autoria restou comprovada pela confissão do adolescente. Medida socioeducativa. Considerando a gravidade do ato infracional praticado, tráfico de entorpecentes, bem como apresentar antecedentes e avaliação psicológica nada boa, impõe-se a manutenção da medida socioeducativa de internação sem possibilidade de atividades externas. APELO NEGADO. (Apelação Cível Nº 70012303855, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 15/12/2005).”
Considerando que o consumo de drogas é dos flagelos da sociedade moderna, a sua comercialização é prática altamente nociva e fomentadora da violência urbana. A incidência, principalmente, sobre os jovens, aliciando-os para o caminho da marginalidade e contribuindo, sobremaneira, para a desestruturação da família, são fatores que justificam plenamente a recrudescimento da medida sócio-educativa ao jovem infrator.
Quanto à tese do eminente Relator, entendo que não há amparo na doutrina e na legislação.
Dessa forma, a sentença merece mantida pelos seus próprios fundamentos e pelas razões aqui apontadas.
Do epigrafado, voto pelo improvimento da apelação.
Des. Alzir Felippe Schmitz
A questão mereceu precisa análise de parte do douto revisor, razão por que acompanho os argumentos por ele expendidos, negando provimento do recurso.
DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº 70028626653, Comarca de Porto Alegre: "POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, VENCIDO O DES. RELATOR."
Julgador(a) de 1º Grau: BETINA MEINHARDT RONCHETTI
Código Penal – Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”
Lei nº 11.343/06 – Art. 45. É isento de pena o agente que, em razão de dependência química, ou sob efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo, da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Livreto Informativo Sobre Drogas Psicotrópicas, elaborado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, Departamento de Psicobiologia e Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina - , 5ª edição, CLR Brasileiro Editores, 2007, págs. 36/39.
JESUS, Damásio E, de – Direito Penal, 1º vol., 17ª ed., Saraiva, São Paulo, 1993, págs. 443/444.
SARAIVA, João Batista Costa – Adolescente em Conflito com a Lei, da indiferença à proteção integral, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2003, págs. 80/81.
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