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APLICAÇÃO DA ABORDAGEM SISTÊMICA EM ESTUDOS TERRITORIAIS RURAIS: A MICRORREGIÃO DE SÃO JOÃO DEL-REI (MG) RURAL TERRITORIAL STUDY AND APPLICATION OF SYSTEMIC APPROACH: SÃO JOÃO DEL-REI (MG) MICRO-REGION Djalma Ferreira Pelegrini Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais EPAMIG [email protected] Juliana Carvalho Simões Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais EPAMIG [email protected] Luiz Gustavo de Araújo Ladeira Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais EPAMIG [email protected] Ana Paula Pinheiro Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais EPAMIG [email protected] Sandra Regina Carvalho dos Santos Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais EPAMIG [email protected] Grupo de Pesquisa: 4. Abordagem sistêmica aplicada ao desenvolvimento rural sustentável

APLICAÇÃO DA ABORDAGEM SISTÊMICA EM ESTUDOS ... · abrangem uma área de 5.788,98 km2. ... Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção A área de estudo situa-se, ... da atração

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APLICAÇÃO DA ABORDAGEM SISTÊMICA EM ESTUDOS TERRITORIAIS

RURAIS: A MICRORREGIÃO DE SÃO JOÃO DEL-REI (MG)

RURAL TERRITORIAL STUDY AND APPLICATION OF SYSTEMIC APPROACH:

SÃO JOÃO DEL-REI (MG) MICRO-REGION

Djalma Ferreira Pelegrini

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG

[email protected]

Juliana Carvalho Simões

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG

[email protected]

Luiz Gustavo de Araújo Ladeira

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG

[email protected]

Ana Paula Pinheiro

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG

[email protected]

Sandra Regina Carvalho dos Santos

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG

[email protected]

Grupo de Pesquisa: 4. Abordagem sistêmica aplicada ao desenvolvimento rural

sustentável

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Resumo

O objetivo deste trabalho é discutir a experiência de estudo do quadro ambiental,

potencialidades, sistemas agrários, associações e cooperativas da microrregião de São João

del-Rei (MG), a partir da aplicação da abordagem sistêmica. O acesso a grandes mercados

consumidores e as condições edafoclimáticas constituem as grandes potencialidades

microrregionais. Entraves ao desenvolvimento rural: deficiências da educação no meio rural,

grande passivo ambiental, insuficiente estrutura de assistência técnica e extensão rural, baixo

grau de associativismo e cooperativismo.

Palavras-chave: abordagem sistêmica; diagnóstico rural microrregional; microrregião de São

João del-Rei (MG).

Abstract

The aim of this paper is to discuss the environmental framework study experience, potential,

farming systems, associations and cooperatives of micro São João del Rei (MG), from the

application of the systemic approach. Access to major markets, soil and climatic conditions

are the major micro-regional potential. Barriers to rural development: education deficiencies

in rural areas, large environmental liabilities, insufficient technical assistance and rural

extension structure, low level of associations and cooperatives.

Key words: systemic approach; rural appraisal micro-regional; São João del Rei micro-

region (MG).

1. Introdução

As marcantes disparidades regionais que podem ser verificadas no Estado de Minas e

a preocupação com o desenvolvimento rural motivaram a realização de diversas ações por

parte da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais - EPAMIG nos municípios da

microrregião de São João del-Rei. Palestras, dias de campo, visitas, reuniões técnicas, e

unidades demonstrativas foram organizadas no âmbito do Programa Microrregional de

Desenvolvimento Tecnológico da Agropecuária – PRODESAG, concomitantemente à

condução de pesquisas nos segmentos da fruticultura, olericultura, floricultura, bovinocultura,

dentre outras, a partir do estabelecimento de uma unidade de pesquisa no município de São

João del-Rei, no ano de 2004.

Ao final de um ciclo de quatro anos de atuação na microrregião, a EPAMIG propôs a

realização de um diagnóstico microrregional, como medida necessária para o conhecimento

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do quadro ambiental, produtivo, socioeconômico e tecnológico, que condicionava a

estagnação econômica dos municípios que compõem a microrregião de São João del-Rei. Esta

iniciativa desdobrou-se em novas ações, em razão da necessidade de aprofundamento na

compreensão da complexa problemática da produção rural / ambiente / sociedade rural /

organização da produção, como também em decorrência da urgência de atendimento às

demandas dos agricultores.

São inúmeras as dificuldades metodológicas que se interpõem no planejamento de

ações de pesquisa e intervenção em unidades territoriais de grandes dimensões. A

metodologia tradicional, de modo geral, se mostra incapaz de possibilitar a identificação das

peculiaridades do quadro natural e ambiental, e de, simultaneamente, possibilitar a

compreensão dos problemas rurais, em virtude da complexidade dos sistemas agrários e da

rede de organizações e representação de interesse dos agricultores.

Este relato tem o objetivo apresentar e discutir o conjunto de experiências vivenciadas

na microrregião de São João del-Rei, realizadas a partir de três etapas distintas: diagnóstico

rural microrregional, fórum de discussão sobre desenvolvimento rural, e análise da rede rural

de associações e cooperativas, em formato de síntese das pesquisas, discussões, reflexões e

suas repercussões. O texto inicia com uma descrição sucinta do quadro natural e populacional

da área de estudo, seguida de uma exposição da metodologia adotada, para, na sequência,

apresentar a discussão dos resultados.

2. Contextualização

A microrregião de São João del-Rei, no Estado de Minas Gerais, surgiu como

prolongamento da economia mineradora. No fim do século XVIII, o ciclo minerador entrou

em decadência e a população mineira se dispersou, à procura de terras propícias à agricultura

e pecuária. Sua posição intermediária, entre os sertões e o Estado do Rio de Janeiro,

possibilitou o surgimento de núcleos populacionais com certa constância.

Os municípios que compõem a microrregião de São João del-Rei estão

geograficamente situados no eixo Rio de Janeiro - Belo Horizonte - São Paulo.

Especificamente, os 15 municípios que compõem a área de estudo, a saber, Conceição da

Barra de Minas, Coronel Xavier Chaves, Dores de Campos, Lagoa Dourada, Madre de Deus

de Minas, Nazareno, Piedade do Rio Grande, Prados, Resende Costa, Ritápolis, Santa Cruz de

Minas, Santana do Garambéu, São João del-Rei, São Tiago e Tiradentes, conforme mapa 01,

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abrangem uma área de 5.788,98 km2. Nestes quinze municípios residem 182.696 pessoas, de

acordo com os dados disponibilizados pelo IBGE (2010).

Mapa 01. Microrregião de São João del-Rei (MG). Organização: Ivair Gomes

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Os municípios referidos apresentam caracterização típica, se considerados os aspectos

geomorfoclimáticos. De acordo com RADAMBRASIL (1983), as formações Caranaíba,

Prados, Tiradentes e Carandaí, que fornecem o embasamento geológico dos municípios em

estudo, correspondem ao Grupo São João del-Rei, em que predominam os relevos colinosos,

fracamente dissecados, com vertentes convexas e topos convexizados ou tabulares.

A precipitação média anual nos municípios da microrregião varia de 1.400 mm a

1.600 mm anuais. A média das mínimas varia de 13,8 ºC a 15,2 ºC, enquanto a média das

máximas varia de 24,4 ºC a 26,8 ºC. Desta forma, identificam-se características de clima

temperado chuvoso, com inverno seco e verão chuvoso (ANTUNES, 1986). O quadro

fitogeográfico microrregional apenas parcialmente pode ser descrito, uma vez que a intensa

ação antrópica, especialmente durante as últimas décadas, provocou consideráveis alterações

na fisionomia, composição e estrutura da vegetação original, substituindo-a por formações de

interesse econômico (AMORIM FILHO; BUENO, 2002).

Tabela 01. Área territorial e evolução populacional, rural e da população total dos municípios da

microrregião de São João del-Rei, entre 1991 e 2010.

ÁREA km² POPULAÇÃO RURAL POPULAÇÃO TOTAL

MUNICÍPIO 1991 2000 2010 1991 2000 2010

Conceição da B. de Minas 273,67 1.695 1.347 1.161 3.898 4.021 3.954

Coronel Xavier Chaves 141,5 1.614 1.585 1.501 2.988 3.185 3.301

Dores de Campos 126,74 1.219 1.179 842 7.255 8.349 9.299

Lagoa Dourada 480,43 5.385 5.432 5.367 10.118 11.486 12.256

Madre de Deus de Minas 495,32 1.451 1.296 1.172 3.971 4.734 4.904

Nazareno 324,43 1.863 1.520 1.908 6.921 7.240 7.954

Piedade do Rio Grande 324,48 3.007 2.224 1.232 5.035 5.063 4.709

Prados 263,31 3.124 2.715 2.455 7.371 7.703 8.391

Resende Costa 633,37 3.677 2.707 2.137 9.706 10.336 10.913

Ritápolis 392,98 2.464 1.921 1.518 5.753 5.423 4.925

Santa Cruz de Minas 2,52 356 1 0 5.938 7.042 7.865

Santana do Garambéu 203,75 847 729 582 1.755 1.982 2.234

São João del Rei 1.467,82 6.047 4.831 4.612 72.747 78.616 84.469

São Tiago 575,03 3.536 2.782 2.090 9.642 10.425 10.561

Tiradentes 83,63 988 1.592 1.585 4.298 5.759 6.961

TOTAL 5.788,98 37.273 31.861 28.162 157.396 171.364 182.696

Fonte: IBGE, PNUD, IPEA e FJP (2013)

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A área de estudo situa-se, parte no domínio dos Mares de Morros florestados do

Sudeste do Brasil, e parte na faixa de transição deste com o domínio dos Cerrados, segundo a

caracterização do espaço natural estabelecida por Ab’Saber (2003), quando alude aos

domínios morfoclimáticos e fitogeográficos brasileiros.

A tabela 01 apresenta os dados agregados da população da microrregião de São João

del-Rei, em que se pode verificar um significativo aumento da populacional total (soma da

população urbana com a população rural), entre os anos de 1991 e 2010, concomitante à

diminuição da população rural. Para uma explicação mais detalhada a respeito das causas

desse movimento seriam necessários estudos demográficos específicos. Na interpretação de

Santos (2008, p. 37) o êxodo rural “é resultante, ao mesmo tempo, da atração que a cidade

exerce e da repulsão do campo, causas que estão imbricadas e são muito importantes e, às

vezes, de difícil apreciação. Uma e outra têm razões econômicas, psicológicas e sociológicas”

(SANTOS, 2008, p. 37). Porém, a continuidade do processo de êxodo rural na microrregião de

São João del-Rei é evidente.

A população rural nessa microrregião apresentou uma redução de 24,44 % entre os

anos de 1991 e 2010, enquanto que a população total apresentou um acréscimo de 16,07 %

durante o mesmo período. Com exceção dos municípios de Tiradentes, Nazareno e Lagoa

Dourada1, todos os demais municípios da microrregião apresentaram diminuição significativa

da população rural durante o período analisado.

Para este trabalho adotamos uma delimitação arbitrária de microrregião. Assim,

embora possam ser identificadas inúmeras peculiaridades em nível local, grande diversidade

entre os municípios, especialmente no que reporta à dinâmica dos sistemas agrários e ao grau

de modernização, assim como a visualização de nítidos contrastes, a noção de microrregião

não comporta o caráter de homogeneidade.

3. Discussão da Experiência

A experiência de aplicação da abordagem sistêmica no estudo da microrregião de São

João del-Rei pode ser dividida em três etapas distintas, a saber, diagnóstico rural

microrregional, fórum de discussão sobre desenvolvimento rural microrregional, e análise da

rede rural de associações e cooperativas. Pode-se afirmar, contudo, a interdependência e

complementaridade entre as etapas, de modo que a exclusão de qualquer das etapas

1 O município de Santa Cruz de Minas possui área rural irrisória, e, portanto, não foi considerado nesta análise.

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compromete o alcance dos resultados obtidos.

Na primeira etapa, o estudo sobre a socioeconomia rural da microrregião de São João

del-Rei foi orientado para a compreensão do contexto local, do ponto de vista ambiental,

econômico, social e tecnológico, integrando um conjunto de ações direcionadas para a

identificação de experiências bem sucedidas, potencialidades, detecção dos gargalos

tecnológicos e não tecnológicos nos diversos segmentos da produção rural, assim como os

obstáculos que se colocam ao desenvolvimento rural, sob uma perspectiva microrregional.

Em vista disso a estratégia metodológica incluiu o diagnóstico do quadro ecológico e

socioeconômico dos agricultores, a infraestrutura local, a identificação e caracterização dos

principais sistemas de produção adotados pelos agricultores, suas práticas e técnicas, a

caracterização dos tipos de agricultores e dos agentes envolvidos no desenvolvimento rural,

em acordo com a proposta de Garcia Filho (1997).

Desta forma foi necessário verificar “[...] o que os agricultores vêm fazendo para

sobreviver e para melhorar de vida, porque vêm fazendo assim e quais são os problemas mais

significativos que vêm enfrentando” (GARCIA FILHO, 1997, p. 07). Além disso, procurou-se

atentar para a direção que aponta a agricultura microrregional, se para o fortalecimento da

agricultura familiar, ou para a agricultura patronal.

As atividades conduzidas na microrregião de São João del-Rei, a partir do ano de

2009, com vistas à realização do diagnóstico rural microrregional, podem ser apresentadas, de

maneira sintética, como a seguir: (1) revisão bibliográfica e levantamento de dados

secundários, (2) estudo da paisagem, estudo do quadro natural e avaliação ambiental em nível

municipal, (3) análise / diagnóstico de sistemas agrários em nível municipal, ( 4) análise da

estrutura fundiária microrregional, (5) entrevistas com agricultores e representantes dos

diversos segmentos da produção rural, técnicos, dirigentes e ex-dirigentes de cooperativas e

associações, (6) análises das cadeias produtivas e do setor agroindustrial microrregional, (7)

análise do quadro populacional microrregional, (8) estudo das organizações sociais rurais, (9)

análise dos problemas e verificação das potencialidades dos municípios a partir de uma

abordagem microrregional.

A realização do diagnóstico resultou na publicação do “Diagnóstico rural da

microrregião de São João del-Rei (MG)” (PELEGRINI et al., 2010), e motivou discussões entre

lideranças rurais, pesquisadores, professores e extensionistas, que sugeriram a realização de

um evento de caráter regional, destinado a oportunizar o debate entre pesquisadores,

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professores, técnicos, líderes regionais e agricultores, acerca dos problemas, demandas e

potencialidades de desenvolvimento dos municípios da microrregião de São João del-Rei.

As atividades de planejamento e organização do fórum de desenvolvimento rural da

microrregião de São João del-Rei foram realizadas de maneira participativa, e contou com o

apoio de diversas instituições, dentre as quais pode-se destacar a EPAMIG, a Fundação de

Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), a Universidade Federal de São

João del-Rei (UFSJ), a EMATER, a Prefeitura Municipal de São João del-Rei, a Associação

Comercial de São João del-Rei, a Associação Regional dos Produtores Associados do Campo

das Vertentes (ARPA), e as secretarias de agricultura dos municípios da microrregião de São

João del-Rei. Assim, se pode afirmar que a proposta de realização do fórum surgiu como

consequência dos trabalhos de pesquisa inicialmente conduzidos, orientados pela intenção de

oferecer subsídios para a promoção do desenvolvimento rural dessa microrregião.

O fórum de discussões sobre o desenvolvimento rural da microrregião de São João

del-Rei foi realizado no dia 17 de março de 2011, no auditório do Campus Santo Antônio, na

Universidade Federal de São João del-Rei, e corresponde à segunda etapa da experiência. O

fórum de discussões foi efetivado a partir de apresentação dos resultados do diagnóstico rural

microrregional e da realização de painéis com especialistas sobre os seguintes temas: (a)

Problemas ambientais da microrregião de São João del-Rei, (b) Cooperativismo e

associativismo, (c) Comercialização de frutas e hortaliças na microrregião de São João del-

Rei, (d) Desenvolvimento Rural, (e) Marketing Rural, (f) Horticultura Convencional /

Horticultura Orgânica / Produção Integrada, (g) Sistemas de produção de leite para a

Microrregião de São João del-Rei (MG). Cada painel contou com um conferencista e três

debatedores. Após as discussões ocorridas entre os membros da mesa, o debate foi aberto aos

demais presentes, de maneira que oportunizou discussões entre pesquisadores, professores,

extensionistas, agricultores, líderes rurais, líderes políticos e estudantes. Ao final dos

trabalhos, propôs-se uma síntese das discussões, e os presentes foram convidados para a

composição de uma agenda de ações.

Dentre outras repercussões, as discussões ensejadas no fórum de discussões

ressaltaram a centralidade do papel das organizações rurais nos processos de desenvolvimento

rural. As deficiências verificadas no sistema de organização, associação, cooperação e

representação dos agricultores, deixaram evidente a necessidade de aprofundamento na

compreensão dos problemas inerentes à rede de cooperativismo e associativismo

microrregional. Tais posições estão respaldadas em teóricos contemporâneos, a exemplo de

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Santos (2005), que enfatiza a importância da solidariedade, da cooperação e da participação

da comunidade no planejamento e gestão, como atributos necessários para a promoção do

desenvolvimento rural.

A percepção de que a disponibilização de tecnologias e o aporte de recursos de capital

não foi suficiente para alavancar o desenvolvimento dos municípios estudados também

sugeriu uma avaliação detalhada das organizações sociais rurais. As cooperativas e

associações têm sido entendidas como formas de promoção do desenvolvimento, a partir

da potencial capacidade de formação de relações de reciprocidade e confiança.

Desta compreensão emergiu a sugestão de aprofundamento nos estudos a respeito do

grau de organização, associação, cooperação e representação de interesses dos agricultores na

microrregião de São João del-Rei. Se, de fato, os processos que conduzem ao

desenvolvimento rural ocorrem sob condições sociais específicas, qual o grau de

desenvolvimento rural pode ser esperado na microrregião de São João del-Rei, considerando

o capital social conformado por sua rede rural de associações e cooperativas? Tais indagações

deram lugar à proposição de uma nova pesquisa, intitulada “Análise e caracterização da rede

rural de associações e cooperativas da microrregião de São João del-Rei (MG)”, que, após

avaliada pela FAPEMIG, recebeu aporte financeiro para desenvolvimento.

O estudo da rede rural de associações e cooperativas da microrregião de São João del-

Rei, correspondente à terceira etapa da experiência, foi conduzido, a partir de 2011, na

seguinte sequência de atividades: identificação das associações de agricultores, entrevistas

com dirigentes de associações, entrevistas com ex-dirigentes de cooperativas, participação em

reuniões promovidas pelas associações, entrevistas com líderes rurais regionais (secretários e

ex-secretários municipais de agricultura, presidentes e ex-presidentes de sindicatos rurais de

produtores e de trabalhadores rurais, técnicos e extensionistas), entrevistas com associados, e

participação em reuniões da Associação Regional dos Produtores Associados do Campo das

Vertentes (ARPA). A participação dos extensionistas da EMATER, dos técnicos das

secretarias municipais de agricultura, e da Associação Regional dos Produtores Associados do

Campo das Vertentes (ARPA) foi fundamental na etapa de identificação das associações de

produtores. As entrevistas foram realizadas a partir de três modelos de roteiros previamente

estruturados (dirigentes, produtores associados, líderes rurais e técnicos).

Até recentemente operavam algumas cooperativas de produtores rurais na área de

estudo, a exemplo da Cooperativa Agropecuária de São Tiago – CASTIL. Contudo, todas

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atualmente estão inoperantes. Ex-dirigentes de algumas das cooperativas que operaram na

microrregião foram entrevistados, para estudo dos casos específicos.

Procurou-se identificar e estudar as associações de apoio à produção e

comercialização de produtos agrícolas e artesanais, de prestação de serviços de mecanização

agrícola, e as organizações cujas ações estão dirigidas para a promoção do desenvolvimento

comunitário. Foram identificadas associações com sedes nos municípios de Conceição da

Barra de Minas, Coronel Xavier Chaves, Dores de Campos, Lagoa Dourada, Madre de Deus

de Minas, Piedade do Rio Grande, Prados, Resende Costa, Ritápolis, Santana do Garambéu,

São João del Rei, São Tiago, Tiradentes (conf. mapa 1). Foram identificadas 76 associações

na área estudada.

Foram realizadas 34 entrevistas com dirigentes de associações, 41 entrevistas com

produtores associados, e 15 entrevistas com líderes rurais, técnicos e extensionistas,

totalizando o número de 90 entrevistas. Estabeleceu-se uma tipologia de associações, de

acordo com a finalidade para a qual se destinam, a saber, (1) apoio à produção e

comercialização, (2) desenvolvimento comunitário e (3) prestação de serviços de mecanização

agrícola. Foram estabelecidos critérios para avaliação do grau de motivação e participação dos

associados em suas organizações. As dificuldades e problemas vivenciados pelas associações

foram identificados por meio das entrevistas com dirigentes, produtores associados, técnicos,

extensionistas e lideranças rurais da área de estudo.

As estratégias adotadas neste trabalho incluiu diferentes procedimentos de pesquisa e

comunicação, com o objetivo de garantir a participação de extensionistas, agricultores e

demais agentes que atuam no meio rural nas três etapas de seu desenvolvimento. Os

resultados apresentados no próximo item constituem uma síntese das conclusões obtidas.

4. Resultados

A microrregião de São João del-Rei caracteriza-se por apresentar um grande passivo

ambiental, expressão do conflito entre agricultura e extrativismo, de um lado, e ambiente, de

outro. A grande ocorrência de voçorocas, principalmente nos municípios de São João del-

Rei, Ritápolis, Nazareno e Piedade do Rio Grande, tem merecido estudos de diversos

especialistas. Ferreira (2005, p. 01), associa a origens das voçorocas “[...] ao desmatamento e

à mineração do ouro no século XVIII, potencializadas pela presença de solos com alta

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erodibilidade, baixa fertilidade natural, uso agrícola fora das classes de capacidade do uso da

terra, manejo incorreto do solo e ausência de práticas conservacionistas”.

Destaca-se que a extração mineral, prolongada ao longo das décadas, raramente foi

acompanhada por ações de mitigação de impactos. Há relatos sobre a ocorrência de garimpos

clandestinos nas margens do Rio das Mortes ainda nos dias de hoje. A exposição do subsolo

durante longo período de tempo, agravada pela alta susceptibilidade à erosão, resultou em

imensas áreas degradadas.

O estudo de Ferreira (2005) enumera elementos condicionantes da fragilidade natural

de uma parcela significativa dos solos desta microrregião, quais sejam a gênese e fertilidade

dos solos (solos originários de alteração de gnaisse granítico), geomorfologia, presença de

atributos físicos e geométricos que favorecem a ampliação dos processos erosivos. Contudo, o

estudo deixa claro que diversos fatores antrópicos potencializam o crescimento das voçorocas

e podem estar relacionados com suas prováveis origens, destacando-se dentre os principais:

estradas antigas que recebiam tráfego de veículos com tração animal, desvios de enxurrada,

valos limítrofes, desmatamento, mau manejo do solo, manejo de pastagens inadequado

(pastejo acima da capacidade de suporte), mineração (ouro, caulin, quartzo, manganês e

cassiterita), queimadas e extração de cascalho.

Os principais impactos provocados pelas voçorocas “[...] estão associados ao

assoreamento dos cursos d’água, à diminuição de áreas agrícolas, à imposição de riscos e

prejuízos às populações que vivem e utilizam as suas bordas e interiores” (FERREIRA, 2005, p.

01). As medidas que podem ser propostas para minimizar os impactos provocados pelas

voçorocas incluem a adoção de manejo conservacionista dos solos e o planejamento das

atividades rurais e urbanas. Também é necessário destacar que a ausência de vegetação ciliar

acelera o assoreamento de inúmeros cursos d’água que drenam a microrregião.

Por iniciativa do Centro Regional Integrado de Desenvolvimento Sustentável -

CRIDES, uma associação civil sem fins lucrativos estabelecida no município de Nazareno,

diversas ações vêm sendo implementadas a partir do Programa Maria de Barro, com vistas à

sensibilização, mobilização, capacitação social, integração e articulação de comunidades

atingidas pelos impactos das voçorocas. As principais ações do programa são dirigidas para a

recuperação de voçorocas, educação ambiental, produção de mudas e divulgação de técnicas

ecológicas para construções.

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No município de Ritápolis está localiza a Floresta Nacional de Ritápolis / ICMBIO,

em área de 89,9 hectares, em que além da preservação da biodiversidade local, desenvolve-se

a produção de mudas de espécies nativas e trabalhos de educação ambiental.

Em todos os municípios pesquisados, verifica-se grande ocorrência de terrenos que

apresentam limitações ao uso agrícola, impostas pela declividade, em graus variáveis,

característica que, associada à baixa fertilidade natural dos solos, restringe a prática da

agricultura moderna.

A prática da agricultura, como atividade econômica, é, em geral, condicionada pelos

elementos do meio físico, pelas técnicas de condução dos cultivos e criações e pelos aspectos

relacionados à organização da produção e da comercialização. A prevalência de condições

desfavoráveis tem acarretado a manutenção de uma significativa parcela do território desta

microrregião à margem do processo de modernização que se verifica em outras microrregiões

do Estado, durante as últimas décadas. Até mesmo nos municípios que se mostram dinâmicos

relativamente à produção rural, a exemplo de Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas e São

João del-Rei, existem zonas agroecológicas que apresentam grandes limitações para o uso

agrícola, seja em função da declividade, seja pelas características de seus solos. Em algumas

destas áreas habitam pequenas comunidades que convivem com problemas de baixa renda e

subemprego.

A estrutura fundiária microrregional se mostra bastante fragmentada, com

predominância de pequenas propriedades rurais. As propriedades com área inferior a 100

hectares correspondem a 95,21 % do total das propriedades. O estrato com maior frequência

corresponde às propriedades com área entre 5 e 25 hectares, e apenas 11 propriedades na

microrregião possuem área superior a 500 hectares, conforme pode ser conferido no quadro 1.

Esta configuração territorial microrregional, em princípio, se mostra adequada à

aplicação de planos de desenvolvimento e de estratégias de fomento à produção rural, tendo

em vista a tendência de melhor utilização de recursos de terra e capital, e de aproveitamento

de sinergias entre cultivos e criações, compatíveis com as práticas adotadas pelos agricultores

familiares.

A tabela 3, que apresenta dados sobre PIB, população rural, e valor agregado da

agropecuária dos municípios estudados, comparativos entre dois períodos, permite a

realização de diversas análises, enquanto fundamenta a caracterização dos municípios.

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Tabela 2 - Estrutura fundiária da microrregião de São João del-Rei (MG)

Município

Área (ha)

até 5

5 a menos

de 25

25 a menos

de 50

50 a menos

de 100

100 a

menos de

200

200 a

menos de

500

500 a

menos de

1.000

Total

Conceição da Barra de Minas 72 214 76 42 15 4 1 424 Coronel Xavier Chaves 105 167 60 19 5 3 0 359 Dores de Campos 130 222 49 24 3 0 0 428 Lagoa Dourada 330 826 231 97 25 5 0 1.514 Madre de Deus de Minas 67 192 107 124 69 22 3 584 Nazareno 105 385 109 78 27 4 2 710 Piedade do Rio Grande 216 392 140 97 33 15 0 893 Prados 224 455 96 55 19 1 0 850 Resende Costa 376 733 182 108 36 6 1 1.442 Ritápolis 89 234 80 69 35 10 1 518 Santa Cruz de Minas 1 8 1 0 0 0 0 10 Santana do Garambéu 32 111 57 41 39 10 2 292 São João del-Rei 649 1.140 457 278 103 26 1 2.654 São Tiago 141 511 234 126 39 6 0 1.057 Tiradentes 91 99 36 7 2 0 0 235 Total 2.628 5.689 1.915 1.165 450 112 11 11.970 Fonte: INCRA (2011)

A reunião de dados secundários (de população, produto interno bruto, e valor agregado

da agropecuária), aos dados e informações obtidos na pesquisa de campo, possibilitou a

caracterização dos municípios e a realização do diagnóstico microrregional. A partir da

reunião dos dados secundários e de pesquisa, os municípios foram ordenados segundo a

dinâmica socioeconômica e populacional rural:

Municípios que apresentam decréscimo populacional rural: Conceição da Barra de

Minas, Coronel Xavier Chaves, Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas, Piedade do

Rio Grande, Prados, Resende Costa, Ritápolis, Santana do Garambéu, São João del-

Rei, São Tiago, e Tiradentes,

Municípios que apresentam baixo ritmo da atividade rural: Conceição da Barra de

Minas, Dores de Campos, Ritápolis, Santana do Garambéu, e Tiradentes,

Municípios que apresentam significativo dinamismo no setor rural: Lagoa Dourada,

Madre de Deus de Minas, Nazareno, São João del-Rei, e São Tiago.

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Tabela 03. PIB, valor agregado da agropecuária e população rural dos municípios da

microrregião de São João del-Rei, entre dois períodos

PIB (1.000 R$) VAA (1.000 R$) POPULAÇÃO RURAL

MUNICÍPIO 2007 2013 2007 2012 2000 2010

Conceição da B. de Minas 21.002 34.345 7.367 6.176 1.347 1.161

Coronel Xavier Chaves 20.304 39.506 6.979 9.562 1.585 1.501

Dores de Campos 79.917 174.422 1.566 1.700 1.179 842

Lagoa Dourada 73.000 131.632 23.147 30.707 5.432 5.367

Madre de Deus de Minas 36.510 90.773 14.036 30.393 1.296 1.172

Nazareno 72.086 199.634 14.036 19.214 1.520 1.908

Piedade do Rio Grande 131.096 129.583 9.869 12.876 2.224 1.232

Prados 44.185 126.601 5.920 10.027 2.715 2.455

Resende Costa 55.188 106.264 11.065 13.409 2.707 2.137

Ritápolis 27.587 44.084 8.592 6.058 1.921 1.518

Santa Cruz de Minas 29.036 70.377 20 33 1 0

Santana do Garambéu 10.593 22.727 2.010 2.424 729 582

São João del-Rei 726.460 1.483.230 29.493 33.634 4.831 4.612

São Tiago 59.962 115.347 14.734 17.924 2.782 2.090

Tiradentes 59.339 102.866 1.976 1.980 1.592 1.585

TOTAL

Fonte: PNUD, IPEA, FJP (2013)

Os municípios de Madre de Deus de Minas, São João del Rei, e Lagoa Dourada,

experimentaram um marcante crescimento da produção agrícola durante os últimos anos.

Nestes municípios ocorreu diminuição da população rural no período entre 1991 e 2010,

embora em pequena escala. Contudo, a mecanização das operações agrícolas, especialmente

facilitada pela topografia e pelas condições climáticas adequadas para produção de grãos,

pode explicar parte do dinamismo econômico. A produção de grãos é também significativa no

município de Lagoa Dourada. Além disso, este município dispõe da maior população rural

dentre os municípios da área estudada, cuja mão de obra concentra-se, principalmente, na

produção de hortaliças e tubérculos.

Os municípios de Conceição da Barra de Minas, Dores de Campos, Ritápolis e

Santana do Garambéu têm se caracterizado pelo baixo ritmo de desenvolvimento rural. Nestes

municípios, os agricultores vislumbram poucas oportunidades de produção no ambiente rural

e encontram grandes dificuldades na industrialização e comercialização dos produtos. Além

disso, o decréscimo da população rural é flagrante, conforme pode ser verificado na tabela 2.

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As associações de agricultores nos municípios de Conceição da Barra de Minas, Dores

de Campos, Santana do Garambéu e Tiradentes são em pequeno número, e, em geral, se

mostram pouco ativas. Em Dores de Campos os agricultores não contam com apoio da

EMATER, em razão da ausência de convênio entre a prefeitura municipal e a empresa de

assistência técnica e extensão rural.

O município de Tiradentes também apresenta estagnação da produção rural,

condizente com a pequena população residente no campo. Porém, trata-se de um município

cuja dinâmica econômica está principalmente relacionada com a afluência de turistas, cujas

atividades, frequentemente, atraem os trabalhadores oriundos do campo.

A predominância de solos com baixa aptidão agrícola, e a existência de áreas que

sofreram grande impacto antrópico, certamente explica grande parte do fraco desempenho

apresentado pelos segmentos produtivos rurais do município de Ritápolis. Neste caso, as

ações implementadas pelas 4 associações que atual em prol do desenvolvimento comunitário

no município têm sido mais efetivas do que as ações das 3 associações de apoio à produção.

Resumidamente, a baixa vitalidade econômica que se verifica em alguns dos

municípios da microrregião de São João del Rei parece estar relacionada às condições do

quadro físico regional, que têm limitado a aplicação das modernas tecnologias agrícolas, ao

baixo dinamismo dos setores comerciais, industriais e de serviços urbanos, que se mostram

incapazes de catalisar o processo de desenvolvimento regional, como também ao grau

reduzido de associativismo e cooperativismo. Entretanto, os estudos de campo possibilitaram

a identificação de algumas experiências muito positivas, no que diz respeito à organização dos

agricultores em associações.

O parque agroindustrial da microrregião concentra-se, principalmente, nas indústrias

laticinistas, à exceção do abatedouro de aves localizado no município de Prados e do

abatedouro de bovinos em São João del-Rei. Somente os municípios de Madre de Deus de

Minas e Lagoa Dourada contam com estruturas destinadas ao armazenamento de grãos.

Potencialidades microrregionais

A pesquisa também permitiu a detecção de potencialidades regionais, que estão

listadas a seguir:

a) mercado potencial expressivo para produtos agrícolas (especialmente produtos

orgânicos e agroecológicos), em decorrência da afluência de turistas às cidades de São

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João del-Rei, Prados e Tiradentes;

b) potencial de expansão da cultura da mandioca e fabricação de polvilho, tendo em

vista a demanda mensal de 40 t de polvilho no município de São Tiago – para

fabricação de biscoitos;

c) possibilidade de expansão do mercado de queijos em função do reconhecimento da

microrregião pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), como área de produção

de queijo Minas artesanal;

d) potencial de expansão da floricultura, com vistas ao atendimento dos mercados local e

regional;

e) potencial de expansão da fruticultura, uma vez que existem condições edafoclimáticas

favoráveis ao cultivo de fruteiras temperadas (maçã, pêssego, nectarina, etc) e

tropicais (citros, goiaba, etc);

f) potencial de expansão da cultura do trigo, tendo em vista as condições edafoclimáticas

adequadas à produção dessa cultura para panificação;

g) potencial de expansão da suinocultura e avicultura, em função da disponibilidade de

milho;

h) potencial de desenvolvimento rural a partir da melhoria da participação dos

agricultores em associações, cooperativas e organizações de caráter solidário,

i) potencial para implantação de agroindústrias, haja vista a produção de milho e a

expansão recente das culturas de soja e trigo;

j) posicionamento geográfico em condições de explorar os grandes mercados

consumidores do Sudeste do País. A cidade de São João del-Rei encontra-se a cerca de

200 km de Belo Horizonte, 330 km do Rio de Janeiro e 460 km de São Paulo.

Este panorama sugere a concepção e execução de um plano de desenvolvimento

microrregional, assim como a adoção de estratégias que considerem os problemas

microrregionais, as potencialidades locais e a complementaridade entre os municípios.

Sistemas agrários e cadeias produtivas

Produção animal

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A pecuária leiteira e a fabricação de queijos são atividades tradicionalmente praticadas

na mesorregião dos Campos das Vertentes, desde o século XVIII. A intensificação do

processo de urbanização e expansão do mercado interno de consumo, motivou a implantação

de indústrias laticinistas, especialmente a partir da década de 1970. A pecuária leiteira passou

por um processo de tecnificação, a partir da adoção de estratégias de alimentação dos

rebanhos com silagens, capaz de proporcionar elevada produção de leite nos meses de

estiagem.

A vulgarização do uso de silagens e rações balanceadas possibilitou o aumento da

produção de leite durante as últimas décadas. Contudo, a adoção de tais práticas ocasionou a

elevação dos custos de produção. Viabilizou-se o sistema de produção, do ponto de vista

técnico, porém, a custo elevado. Atualmente, as pastagens pouco contribuem para a

alimentação dos rebanhos. Conformou-se, portanto, um sistema de produção de leite, nesta

microrregião, baseado na utilização de silagem, como principal volumoso, especialmente para

os meses de seca, fornecimento de rações balanceadas (concentrados) e rebanho com frações

variadas de genética da raça holandesa.

Verifica-se que a eleição do processo de ensilagem, como tecnologia prioritária para

fornecimento de alimentos para os rebanhos leiteiros, ocorreu antes que se dispensasse a

atenção necessária às tecnologias de correção e conservação de solos, assim como de

formação e manejo de pastagens. A adoção conjunta destas práticas, que possibilitam a

alimentação dos rebanhos em regime de pasto, durante a maior parte dos meses do ano,

permitiria a redução dos custos de produção, enquanto também oportunizaria melhor

aproveitamento das áreas das propriedades.

As apresentações e discussões que tiveram lugar durante o Fórum de desenvolvimento

rural da Microrregião de São João del-Rei apontaram que o manejo intensivo de pastagens

constitui uma importante opção para incrementos produtivos, uma vez que as gramíneas

tropicais apresentam altas produtividades, e que se bem manejadas podem aumentar a

produção de leite. Além disso, o planejamento estratégico da oferta de forragem possibilita a

redução de compra de alimentos externos à propriedade.

Os baixos preços pagos pelas indústrias laticinistas constituem-se na principal queixa

dos produtores de leite da microrregião de São João del-Rei. As razões de ordem técnica

explicam uma parcela significativa desta problemática, ou seja, o sistema de produção mais

difundido implica na totalização de custos elevados de produção, e, como consequência, em

pequena margem de lucro aos produtores.

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Esta situação é agravada pela configuração produtiva em vigor, em que os segmentos

produtivos rurais relacionam-se, à montante, com as indústrias de bens para a agricultura e

com os setores comerciais, e, à jusante, com as agroindústrias. Enquanto os segmentos

produtivos rurais se encontram atomizados e desorganizados, os setores industriais e

comerciais urbanos constituem, em geral, oligopsônios fortemente organizados, o que

repercute fortemente na imposição de preços aos produtores.

Não foi possível estimar com precisão, os custos de produção e a receita obtida com a

venda de leite por parte dos produtores, uma vez que produtores dispõem de anotações de

receitas e despesas. Entende-se como fundamental o estabelecimento de sistema de registro

dentro das propriedades, tanto relativas ao controle dos rebanhos, como ao controle de custos

de produção e receitas. Por conseguinte, sugere-se que as ações dos técnicos e pesquisadores

devem ser principalmente direcionadas, nos dias de hoje, para a gestão da atividade, para a

redução dos custos de produção de leite, e para a promoção do associativismo.

A despeito da importância da pecuária de leite para a economia desta microrregião,

este segmento da produção rural apresenta, em geral, baixa produtividade, provocando

repercussões como abandono da atividade por parte de inúmeros agricultores, aumento do

desemprego e pobreza rural e agravamento das condições de vida de muitas famílias.

Produção Vegetal

A face norte do território do município de Madre de Deus de Minas (que pode ser vista

como um prolongamento da face sul do município de São João del-Rei e do noroeste do

município de Piedade do Rio Grande) apresenta topografia plana e solos, em geral, adequados

para a agricultura moderna. Compõe-se, assim, uma extensa área onde se praticam cultivos

mecanizados. O processo de incorporação dessas áreas para o cultivo de milho, soja, trigo e

feijão teve início na década de 1990, a partir da migração de agricultores arrendatários e

compradores de terras provindos do estado de São Paulo e do sul de Minas Gerais.

A produção de grãos (milho, feijão, soja e trigo) apresentou um grande crescimento na

última década nos municípios de Madre de Deus de Minas, Lagoa Dourada, São João del-Rei,

Piedade do Rio Grande e Nazareno. A produção de grãos nesses municípios representa o

segmento mais modernizado da agricultura microrregional. A área de produção de milho

atinge 22.000 hectares, a de soja, 8.000 hectares, enquanto a área de cultivo de feijão alcança

11.100 hectares, e a de trigo, 8.400 hectares. Nos últimos anos, a cultura do trigo expandiu-se

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nos municípios de Madre de Deus de Minas e São João del-Rei, especialmente em função das

adequadas condições edafoclimáticas, que possibilitam a produção de grãos adequados para

panificação.

A área de cultivo de café na microrregião estudada ultrapassa 3.000 hectares, enquanto

vislumbra-se a possibilidade de sua expansão, fato que vem ocorrendo nos municípios que

apresentam topografia adequada, a exemplo de Nazareno.

O cultivo de hortaliças e tubérculos tem sido conduzido na microrregião de São João

del-Rei a partir de sistemas convencionais de cultivo, embora seja evidente a existência de um

mercado potencial para produtos orgânicos, principalmente o que é associado ao turismo. Os

produtores de São João del-Rei cultivam grande número de espécies hortícolas. Dentre as

folhosas destacam-se alface, chicória e repolho. Existem grandes áreas destinadas ao cultivo do

inhame e, em menor escala, ao do tomate, quiabo, pimentão e abobrinha. Nesse município, cerca

de 100 agricultores familiares dedicam-se a esta atividade no eixo das comunidades do

Barreiro / Giarola.

A prática da horticultura no município de Lagoa Dourada difundiu-se nos últimos 25

anos. As principais culturas hortícolas conduzidas são: inhame, cenoura, vagem e tomate.

Áreas com produção expressiva são encontradas também nos municípios de Coronel Xavier

Chaves, Tiradentes, e Prados.

Os cultivos apoiam-se em uma cultura principal, a exemplo do tomate, que é sucedida por

culturas que demandam pequeno investimento em insumos, a fim de aproveitar a fertilidade do

solo conferida pela adubação da cultura anterior. A rotação de culturas permite também a

redução da incidência de pragas e doenças. Os esquemas apresentados a seguir prestam-se

como exemplos de sucessões frequentemente adotadas nos sistemas agrários dessa

microrregião:

a) alface – inhame/pimentão/quiabo – milho – alface;

b) tomate – vagem – milho – tomate.

Os principais problemas enfrentados pelos horticultores relacionam-se com as

variações climáticas (chuvas em excesso, granizo e inundações), que interferem na produção e

provocam frustrações de safra, às dificuldades enfrentadas no controle de pragas e doenças, à

falta de assistência técnica e às deficiências apresentadas pela estrutura de comercialização.

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A mosca branca e as viroses constituem grandes problemas na cultura do tomate. As

pulverizações com agrotóxicos são frequentes nas culturas de folhosas, como forma de controlar

as viroses e o ataque de bactérias e fungos. A mosca minadora também constitui praga que

requer controle constante.

Um dos painéis que ocorreram durante a realização do Fórum sobre desenvolvimento

rural da microrregião de São João del-Rei tratou especificamente da temática da agroecologia,

agricultura orgânica e hidroponia, como alternativas capazes de resultar na produção de

alimentos livres de agrotóxicos. As palestras e discussões se dirigiram para as técnicas de

produção e uso de biofertilizantes, compostagem, produção de húmus, bokashi, em

substituição aos fertilizantes sintéticos. A importância da qualidade das mudas, a

diversificação de cultivos e produção de caldas (a exemplo da calda bordalesa) como

estratégia de controle de pragas e doenças em substituição aos agrotóxicos foi destacada.

Tratou-se também do processo de certificação de produtos orgânicos e agroecológicos, por

intermédio das certificadoras e das organizações de controle social (OCS).

A fruticultura é uma atividade relativamente recente na microrregião de São João del-

Rei, e vem sendo praticada, principalmente nos municípios de São João del Rei, Coronel

Xavier Chaves, São Tiago, Piedade do Rio Grande e Prados. A áreas de cultivo mais

expressivas são de tangerina, laranja e maçã crescente. Contudo, há cultivos também de uva,

pêssego, banana, abacate, figo, caqui e goiaba.

Os principais problemas enfrentados pelos fruticultores, e que se constituem em

gargalos para o desenvolvimento da fruticultura na microrregião, dizem respeito à ausência de

linhas de crédito específicas, falta de assistência técnica, dificuldades no controle de pragas e

doenças, e na insegurança na venda da produção, decorrente da frequente inadimplência dos

compradores.

A floricultura, nessa microrregião, é uma atividade restrita aos municípios de São João

del-Rei e Ritápolis. Apesar da pequena adesão dos agricultores a esse segmento, a floricultura

representa uma grande potencialidade regional. A produção atual de flores não é capaz, sequer,

de suprir o mercado local. Os floricultores enfrentam dificuldades decorrentes das variações

climáticas (frio, geadas, ventos, calor excessivo) e do controle de pragas, e alegam que a mão-

de-obra disponível é, em geral, pouco qualificada para atuação em uma atividade em que é

imprescindível o conhecimento das técnicas de cultivo. Acrescenta-se que, afora a ação da

EPAMIG, os produtores não contam, atualmente, com assistência técnica especializada nesse

segmento.

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Encontrou-se grande dificuldade para levantamento de dados da área de cultivo de

eucalipto nessa microrregião, em parte porque tais informações concentram-se em poder de

empresas de reflorestamento, e os órgãos oficiais consultados também não possuem

informações a respeito.

Tendo em vista os problemas de comercialização de frutas e hortaliças, foram

implantados alguns “Barracões dos Produtores” nos municípios de São João del-Rei, Lagoa

Dourada que, posteriormente, foram desativados. Os motivos da desativação parecem estar

relacionados com a incapacidade de atender a todos os produtores, especialmente em função do

grande volume de produtos, ou pela falta de articulação entre os produtores. Dessa forma,

persistem, nessa microrregião, os problemas crônicos relacionados com a estrutura de

comercialização de produtos hortícolas. Tais problemas mostram-se especialmente graves para

o caso dos produtos que são transportados para as CeasaMinas e, posteriormente retornam para

os municípios da microrregião, com os preços elevados em razão do transporte e pela

intermediação desnecessária.

Verifica-se uma flagrante deficiência no serviço de assistência técnica e extensão rural

que abrange todos os segmentos da produção rural na microrregião de São João del-Rei, que

decorre, principalmente, do reduzido número de técnicos disponibilizados para apoio aos

produtores. Em vista disso, este serviço tem sido oferecido, especialmente, pela rede de

revenda de agrotóxicos.

Rede rural de associações e cooperativas da microrregião de São João del-Rei

A realização de entrevistas ofereceu subsídio para a consideração das dificuldades

enfrentadas pelas associações, como também das potencialidades, no que reporta ao

desenvolvimento local. Observou-se uma relação positiva entre o grau de participação /

motivação dos associados e o sucesso das associações. Verificou-se que quanto maior o grau

de motivação / participação dos associados, maior o número de resultados positivos pelas

associações, e menor o número de dificuldades e problemas referidos pelos entrevistados.

Os problemas enfrentados pelas associações dizem respeito, em grande medida, à

falta de participação e de motivação dos associados, às dificuldades financeiras, à

inadimplência por parte de associados, ao desinteresse e individualismo por parte dos

associados, às dificuldades de negociação com as agroindústrias, aos conflitos de

interesse de natureza política, dentre outras.

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As associações comunitárias se mostram mais alinhadas ao atendimento dos

interesses coletivos, enquanto facilita a ajuda mútua. Por outro lado, as demais

associações (de prestação de serviços e de produção e comercialização) estão muito

vinculadas à produção. Nesse ambiente, as relações de troca e de reciprocidade coexistem.

Os elementos de mercado encontram-se fortemente presentes na lógica das

associações e, principalmente, na atuação dos indivíduos, o que fragiliza a formação dos

ciclos sociais de reciprocidade. Entretanto, a estrutura voltada para uma relação mista,

com frequência, permite, mesmo que de forma assimétrica, o estabelecimento de

diferentes formas de reciprocidade (SABOURIN, 2011).

As instituições públicas têm atuado no sentido de fortalecer as associações, como

um mecanismo de transferência de suas responsabilidades na execução de seus

programas, tanto do âmbito federal, como estadual e principalmente municipal. Essa não é

uma postura ineficiente, em princípio, uma vez que a reciprocidade não é desenvolvida

por elementos culturais e nem por características inerentes aos seres humanos, mas pelo

convívio entre os indivíduos, na troca de ações. Portanto, a atuação pública pode estimular

tais ações. Mas, também, por outro lado, pode engendrar mais conflitos do que benefícios,

se a estrutura social não for capaz de permitir a ajuda mútua e a geração de valores sociais.

Portanto, não parece correto afirmar que o desenvolvimento rural decorre diretamente

da atuação de organizações sociais, sejam elas cooperativas ou associações. Parece existir

uma dependência anterior, relativamente à estrutura que forma as organizações, e que

pode promover o fortalecimento da comunidade, a partir da ampliação da união entre os

associados, ou gerar mais conflitos e exclusão de membros da comunidade.

Não se pode esquecer que, em muitas ocasiões, as assimetrias geradas não decorrem

apenas de instituições públicas, mas das relações internas estabelecidas nas próprias

associações. A posição de dirigente representa uma posição de poder, cuja liderança pode

levar à confiança dos membros ou à desconfiança, aliada à exclusão de parte dos

associados.

Algumas vezes a posição de dirigente é assumida por grupos que buscam

benefícios próprios, e não exatamente os benefícios da comunidade, como um todo. O

resultado desse processo, geralmente, recai no uso dos benefícios da associação para um

pequeno grupo, quando a comunidade não interage e não cobra dos dirigentes.

Em outros casos, o dirigente assume a posição de líder da associação, e mesmo

atuando em prol da comunidade, assume toda a responsabilidade sobre a associação. Neste

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caso, ocorre uma personificação da associação na figura do dirigente. E, apesar de se

configurar em uma ação positiva para o grupo, traz embutidos elementos negativos, pois

a falta do dirigente resulta no fim da associação.

Pode-se afirmar que a pura lógica da troca tem enfrentado grandes obstáculos para

se consolidar na microrregião de São João del-Rei, o que pode ser percebido nas ocorrências

de falências das cooperativas e permanência das associações. Portanto, as formações

mistas, como nas associações, mesmo apresentando todas as dificuldades, como

assimetrias e alienações nas formas de reciprocidade, têm conseguido permanecer como

estratégia para os sistemas de produção mais tradicionais.

O desenvolvimento das comunidades não tem sido muito expressivo, mas a

permanência do produtor no campo pode ser considerado como um progresso. Nesse

sentido, as políticas públicas também se mostraram relevantes, nas associações que

souberam aproveitar os incentivos e, a partir deles, estabelecer vínculos de reciprocidade

e confiança entre os associados.

Foi possível identificar casos de associações muito bem sucedidas, em que os

associados estão motivados e são participativos. Tais associações têm alcançado

resultados muito importantes, não apenas no que diz respeito a benefícios econômicos,

mas também em união, solidariedade e reciprocidade.

Na microrregião de São João del-Rei, as associações de comercialização e

produção se concentram no setor leiteiro, em decorrência da relevância deste segmento na

economia microrregional. No município de São João del-Rei foram criadas associações de

produtores de leite a partir de estímulos da Secretaria Municipal da Agricultura e da

EMATER, como parte do movimento que resultou no reconhecimento da região como

produtora de queijo Minas Artesanal, por parte do Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA.

O estabelecimento do Sistema Municipal de Inspeção – SIM, foi implementado com o pré-

requisito de filiação dos produtores rurais a alguma associação, a fim de que possam requerer

o selo do serviço de inspeção. Com esta medida os produtores de leite foram induzidos à

associação, ainda que de modo não puramente espontâneo. A obtenção de recursos que

viabilizaram a aquisição de 2 caminhões com tanques isotérmicos para transporte do leite

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reunido pelas associações congregadas pela ARPA2, no ano de 2008, presta-se também o

exemplo de sucesso.

No caso das cooperativas de comercialização e processamento de leite, as três que

existiam faliram recentemente, sendo que duas se dissolveram e uma foi incorporada por

outra cooperativa regional, sediada em Bom Sucesso.

Em entrevistas com ex-cooperados e ex-dirigentes foi possível perceber pontos em

comum na falência dessas cooperativas, sendo estes: a má gestão econômica e a falta da

capacidade de incrementar a sociabilidade cooperativa e de apoio mútuo.

A má gestão é evidenciada pela incapacidade de evitar perdas (leite ácido,

presença de antibiótico e água no leite), falta de capacidade gerencial e habilidade de

sociabilidade, realização de investimentos sem planejamento e apoio técnico, dificuldades

gerenciais em lidar com custos operacionais e variações de preços, dificuldades estruturais

para lidar com a concorrência no mercado, especialmente com os laticínios locais.

A junção da falta de participação com a má gestão não poderia ter outro resultado

que não a insolvência. A estrutura de mercado do setor de laticínios tem cobrado cada vez

mais eficiência das empresas, a partir da lógica capitalista. Não há espaço para gestão

ineficiente. Conforme já referenciado, a estrutura de mercado do setor é oligopolizada e

altamente competitiva. Contudo, a pouca participação denota a falta de relação de

reciprocidade, que neste caso seria representada pela reciprocidade binária de

compartilhamento. Não existiram valores de pertencimento e confiança na cooperativa.

Não houve um reconhecimento de que a cooperativa era um bem comum, e que socorrê-la

seria uma ação de ajuda mútua. Na realidade, vários cooperados abandonaram a

cooperativa, ao verem os problemas surgirem. Este abandono já ocorria mesmo antes,

com a concorrência de preços, pela qual há a oferta de um pequeno diferencial de preço

de compra do seu leite, entre a cooperativa e seus concorrentes, os pequenos laticínios

locais ou outras empresas do setor oligopolizado.

Assim, as cooperativas da região não integraram eficientemente a lógica da troca e

nem tiveram como se sustentar na lógica da reciprocidade, uma vez que esta não foi

implantada.

2 A Associação Regional dos Produtores Associados do Campo das Vertentes (ARPA) congrega 23 associações

de produtores na microrregião de São João del-Rei, e foi reconhecida como entidade de utilidade pública pela lei

4.185, de 17 de abril de 2008.

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5. Considerações Finais

A metodologia de análise / diagnóstico dos sistemas agrários, combinada à análise de

cadeias produtivas, tomadas sob uma perspectiva microrregional ofereceram os modelos

metodológicos adequados para a realização do diagnóstico rural microrregional. O

diagnóstico rural microrregional apontou os principais entraves ao desenvolvimento rural,

especialmente porque relacionou os aspectos ainda pouco esclarecidos referentes à

organização da produção, à dinâmica dos sistemas de produção na área de estudo, e por

apontar as fragilidades observadas no quadro ambiental.

É necessário registrar que a aplicação de inovações tecnológicas e os estímulos

direcionados para a melhoria da interação e cooperação social resultam em respostas mais

efetivas em sociedades desenvolvidas do ponto de vista educacional. Assim, se pode

relacionar o baixo grau de associativismo e cooperativismo rural às carências da escola básica

no meio rural microrregional.

Em vista disso, incluímos as deficiências apresentadas pela educação básica no meio

rural na lista dos mais graves empecilhos ao desenvolvimento rural que foram identificados

nessa microrregião, que relaciona também os problemas apresentados pelo quadro ambiental,

a insuficiente estrutura de assistência técnica e extensão rural, o baixo grau de agregação dos

agricultores por meio de associações e cooperativas.

A produção de queijos artesanais e de alimentos orgânicos e agroecológicos, que tem

aumentado nos últimos anos na microrregião de São João del-Rei, pode encontrar mercados

promissores nos circuitos de turismo histórico, dos quais as cidades de São João del-Rei e

Tiradentes são importantes centros. A proximidade com três dos maiores centros urbanos do

país, a saber, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, também se relaciona às

potencialidades microrregionais de escoamento da produção. A verificação de que existem

condições edafoclimáticas favoráveis ao cultivo de diversas plantas de interesse agronômico

também compõe a lista das potencialidades que podem ser aproveitadas.

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6. Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais –

FAPEMIG, pelo apoio financeiro para o desenvolvimento das pesquisas e pela concessão de

bolsas.

7. Referências

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Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

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