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 Apontamento s de Direito das Sucessõe s (1ª parte d o livro) O critério legal de distinção entre as figuras que podem ser consideradas basilares do Direito das Sucessões, isto é, o herdeiro e o legatário, está presente no art. 2030.º do Código Civil. 1  Segundo este critério, que é qualitativo , e não quantitativo, e nos termos do art. 2030.º/2, diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido 2 . A sucessão, é, também ela, um conceito definido por lei: o art. 2024.º define a sucessão como o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa  falecida e conseque nte devolução dos bens que a esta pertenciam. Um exemplo desta quota é metade (1/2) ou 50% da herança. Quanto à figura do legatário, é também ela definida pelo art. 2030.º/2 CC: É o que sucede em bens ou valores determinados, como, por exemplo, o imóvel  x,  bem como são tidos como legados as deixas de herança não partilhadas à qual foi chamado o testador, bem como a deixa da meação nos bens comuns. O legatário não o deixa de ser mesmo que o de cuiús não tenha, após descoberta superveniente, outros bens na altura da morte. Embora esteja a suceder na totalidade do património, esse facto é meramente acidental. É, ainda, concebível um legado sem especificação, como é comprovado pelo art. 2253.º, que prevê o legado de coisa genérica: de facto, o legado pode ter por objeto bens meramente determináveis (v.g. pelo critério do género), sendo, no entanto, importante que os mesmos sejam determináveis  no momento da abertura da sucessão. O art. 2030.º/3 considera herdeiro quem sucede no remanescente  dos bens do falecido, na falta de estipulação deste e o nº4 do mesmo  preceito (art.2030.º), apesar do ser qualificado imperativamente como legatário, o seu estatuto é  próximo àquele que é típico do herdeiro, dado que, como este, o usufrutuário tem o direito de exigir a partilha da herança. Uma evidência clara do carácter dispositivo da norma que acaba de ser enunciada reside no art. 2030.º/5, que determina que a quilificação dada pelo testador aos seus sucessíveis não lhes confere o título de herdeiro ou legatário em contravenção do disposto nos números anteriores. Mesmo que qualificado, p.e., pelo testador como herdeiro, aquele que sucede em bens determinados continua, para efeitos legais, a ser tido como legatário. Existe, contudo, uma figura que, neste âmbito, cumpre referir, e ela é a da  chamada herança ex re certa, que ocorre no caso de alguém que sucede em bens determinados ser tida como herdeiro. Assim, a figura da herança ex re certa ocorre em duas situações: a primeira é a existência de deixas categoriais dicotómicas que esgotam a totalidade da herança. Isto acontece porque o de cujus está automaticamente a repartir a herança em duas quotas apuradas por referência a uma categoria abstrata de bens, como, por exemplo, os bens imóveis a B e os móveis a C. Cada tipo de bem pretende funcionar como quota (neste caso, metade) hereditária. Para além disso, cada deixa funcionaria como remanescente em relação à outra (art. 2030.º/3). Já a segunda situação diz respeito ao legado por conta da quota, que ocorre quando a um sucessível são atribuídos  bens determinados em preenchimento de uma quota que lhe é atribuída pelo autor da sucessão. Caso o valor dos bens determinados ficar aquém do valor da sua quota, o sucessível que aceitar a quota tem o direito a exigir a diferença. No caso de exceder  o valor da quota, o legatário é tido como herdeiro até ao limite do valor da quota e legatário quanto ao valor dos bens em excesso. Por suceder simultaneamente numa quota e em bens determinados, alguma doutrina, nomeadamente, GALVÃO TELLES  , defende que o legatário por conta da quota deve ser considerado um herdeiro-legatário . Contudo, tal como considera JORGE DUARTE PINHEIRO, alguns aspetos do estatuto típico do herdeiro são incompatíveis com o do legatário, havendo, por isso, que escolher entre uma das figuras. Desta forma, este Autor considera que deve prevalecer a qualificação como herdeiro, por ser, no seguimento de PAMPLONA CORTE-REAL , a figura de que resulta o regime de maior relevo na estruturação do fenómeno sucessório. Figura diferente desta (que não deve, portanto, ser confundida) é a do legado  em substituição da quota, que é uma disposição mortis causa de bens determinados cuja aceitação pelo benificiário implica a não-aceitação  de uma quota hereditária em que, de outra forma, teria o direito de suceder (cf. 1  Doravante “C.C.” 2  Ao qual se costuma dar, tradicionalmente, o nome de de cujus. 

Apontamentos de Direito Das Sucessões (I Parte)

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  • Apontamentos de Direito das Sucesses (1 parte do livro)

    O critrio legal de distino entre as figuras que podem ser consideradas basilares do Direito das

    Sucesses, isto , o herdeiro e o legatrio, est presente no art. 2030. do Cdigo Civil.1

    Segundo este critrio, que qualitativo, e no quantitativo, e nos termos do art. 2030./2, diz-se

    herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do patrimnio do falecido2. A sucesso, ,

    tambm ela, um conceito definido por lei: o art. 2024. define a sucesso como o chamamento

    de uma ou mais pessoas titularidade das relaes jurdicas patrimoniais de uma pessoa

    falecida e consequente devoluo dos bens que a esta pertenciam. Um exemplo desta quota

    metade (1/2) ou 50% da herana. Quanto figura do legatrio, tambm ela definida pelo art.

    2030./2 CC: o que sucede em bens ou valores determinados, como, por exemplo, o imvel x,

    bem como so tidos como legados as deixas de herana no partilhadas qual foi chamado o

    testador, bem como a deixa da meao nos bens comuns. O legatrio no o deixa de ser mesmo

    que o de cuis no tenha, aps descoberta superveniente, outros bens na altura da morte.

    Embora esteja a suceder na totalidade do patrimnio, esse facto meramente acidental. , ainda,

    concebvel um legado sem especificao, como comprovado pelo art. 2253., que prev o

    legado de coisa genrica: de facto, o legado pode ter por objeto bens meramente determinveis

    (v.g. pelo critrio do gnero), sendo, no entanto, importante que os mesmos sejam

    determinveis no momento da abertura da sucesso. O art. 2030./3 considera herdeiro quem

    sucede no remanescente dos bens do falecido, na falta de estipulao deste e o n4 do mesmo

    preceito (art.2030.), apesar do ser qualificado imperativamente como legatrio, o seu estatuto

    prximo quele que tpico do herdeiro, dado que, como este, o usufruturio tem o direito de

    exigir a partilha da herana. Uma evidncia clara do carcter dispositivo da norma que acaba de

    ser enunciada reside no art. 2030./5, que determina que a quilificao dada pelo testador aos

    seus sucessveis no lhes confere o ttulo de herdeiro ou legatrio em contraveno do disposto

    nos nmeros anteriores. Mesmo que qualificado, p.e., pelo testador como herdeiro, aquele que

    sucede em bens determinados continua, para efeitos legais, a ser tido como legatrio. Existe,

    contudo, uma figura que, neste mbito, cumpre referir, e ela a da chamada herana ex re certa,

    que ocorre no caso de algum que sucede em bens determinados ser tida como herdeiro. Assim,

    a figura da herana ex re certa ocorre em duas situaes: a primeira a existncia de deixas

    categoriais dicotmicas que esgotam a totalidade da herana. Isto acontece porque o de cujus

    est automaticamente a repartir a herana em duas quotas apuradas por referncia a uma

    categoria abstrata de bens, como, por exemplo, os bens imveis a B e os mveis a C. Cada tipo

    de bem pretende funcionar como quota (neste caso, metade) hereditria. Para alm disso, cada

    deixa funcionaria como remanescente em relao outra (art. 2030./3). J a segunda situao

    diz respeito ao legado por conta da quota, que ocorre quando a um sucessvel so atribudos

    bens determinados em preenchimento de uma quota que lhe atribuda pelo autor da sucesso.

    Caso o valor dos bens determinados ficar aqum do valor da sua quota, o sucessvel que aceitar

    a quota tem o direito a exigir a diferena. No caso de exceder o valor da quota, o legatrio tido

    como herdeiro at ao limite do valor da quota e legatrio quanto ao valor dos bens em excesso.

    Por suceder simultaneamente numa quota e em bens determinados, alguma doutrina,

    nomeadamente, GALVO TELLES, defende que o legatrio por conta da quota deve ser considerado

    um herdeiro-legatrio. Contudo, tal como considera JORGE DUARTE PINHEIRO, alguns aspetos do

    estatuto tpico do herdeiro so incompatveis com o do legatrio, havendo, por isso, que

    escolher entre uma das figuras. Desta forma, este Autor considera que deve prevalecer a

    qualificao como herdeiro, por ser, no seguimento de PAMPLONA CORTE-REAL, a figura de que

    resulta o regime de maior relevo na estruturao do fenmeno sucessrio. Figura diferente

    desta (que no deve, portanto, ser confundida) a do legado em substituio da quota, que uma disposio mortis causa de bens determinados cuja aceitao pelo benificirio implica a

    no-aceitao de uma quota hereditria em que, de outra forma, teria o direito de suceder (cf.

    1 Doravante C.C. 2 Ao qual se costuma dar, tradicionalmente, o nome de de cujus.

  • 2

    v.g., art. 2165./1 e 2). Quem aceita o legado em substituio da quota no sucede numa quota:

    um simples legatrio, pelo que s pode reclamar os bens determinados que lhe foram atribudos

    por via sucessria. A qualificao como herdeiro ou legatrio determina a correspondncia a um

    regime tendencialmente (da se falar em estatutos-tipo) distinto. No estatuto-tipo de herdeiro

    cabem, por exemplo, o direito de exigir a partilha (art. 2101./1 que confere a co-herdeiros) e a

    responsabilidade pelos encargos da herana. Caso tenham sido designados dois legatrios para

    suceder num mesmo objeto, a partilha no forma de por termo indiviso. Regime apropriado

    , antes, o da diviso da coisa comum. Contudo, o carcter tendencial referido anteriormente faz

    com que haja casos em que herdeiros no possam exigir a partilha, o que ocorre no caso de se

    estar perante o herdeiro do remanescente ou universal, quando o resto do patrimnio tenha sido

    distribudo por legados, nem o que foi designado para suceder numa herana ex re certa. Pode,

    por outro lado, requerer partilha o legatrio contemplado com usufruto de uma quota da

    herana. O elemento mais importante na distino entre regimes o da responsabilidade pelos

    encargos da herana. Em geral, e tal como decorre dos arts. 2068., 2071.,2097. e 2098./1,

    essa responsabilidade cabe ao herdeiro. Contudo, existe uma nica exceo3 de responsabilidade

    externa, ponto em que diverge com a doutrina, dado que estes incluem neste conceito casos de

    responsabilidade interna, que existe no caso de a herana ser totalmente repartida em legados,

    art. 2227.. Uma vez que no existem herdeiros, por se ter dividido a herana apenas em

    legados, algum tem que satisfazer os encargos: falta de restantes, esse algum o legatrio.

    Nos trs casos apontados em nota de rodap, a justificao de JORGE DUARTE PINHEIRO a

    seguinte: embora exista realmente um sacrifcio patrimonial sofrido pelos legatrios, decorrente

    da existncia de passivo, estes nunca respondem externamente por ela. Quem responde

    diretamente perante os credores da herana o herdeiro. Tambm no caso de a herana ser

    insuficiente para um cumprimento integral, o herdeiro paga as dvidas e reparte posteriormente

    o que restar do ativo entre os legatrios, na proporo de bens que o autor da sucesso lhes

    pretendia deixar, e, no caso de legado com o nus de encargo de pagamento de passivo, esta

    disposio vlida, mas s produz efeitos no plano das relaes internas, i.e. na relao entre

    sucessores. Os herdeiros que respondem, ainda que com direito de regresso, perante os

    credores. Quanto ao caso dos usufruturios, art. 2072., apenas obrigado a entregar aos

    herdeiros, para que estes respondam externamente, os meios para o cumprimento. Mais uma

    vez, quem responde externamente o herdeiro. H, contudo, mais diferenas de estatuto-tipo.

    Em regra, o acrescer um direito que assiste unicamente aos herdeiros (arts.

    2137./2,2301. a 2307.); os herdeiros so benificirios exclusivos da transmisso do direito de

    suceder (art. 2058.); possvel sujeitar a termo inicial a nomeao de legatrio, mas no a

    instituio de herdeiro (art.2243.); apenas os herdeiros tm direito de preferncia na venda ou

    dao em cumprimento do quinho hereditrio (art.2130./1); o princpio da indivisibilidade da

    vocao aplica-se a herdeiros e no a legatrios (arts. 2054./2, 2055., 2064./2 e 2250.); s os

    herdeiros so sujeitos a sanes por sonegao de bens da herana (art. 2096.) e, havendo

    inoficiosidade, normalmente as liberalidades testamentrias que lhes foram feitas so reduzidas

    antes das deixas a ttulo de legado (art. 2171.). Como afirmado por OLIVEIRA ASCENSO, o herdeiro um sucessor pessoal do de cuius, enquanto o legatrio mero beneficirio de uma

    atribuio patrimonial. Apesar de haver quem, como Oliveira Ascenso, defenda uma qualidade pessoal ao herdeiro e encare o legatrio como um mero transmissrio

    4, JORGE DUARTE

    PINHEIRO, luz do art. 2030., no considera essa orientao convincente. Alm de usar o termo

    sucessores tanto para herdeiros como para legatrios, a disposio legal faz depender a posio

    de herdeiro do objeto da designao, de uma dada configurao da atribuio patrimonial

    (totalidade ou quota, remanescente, sem especificao), e no uma qualidade pessoal do

    sucessvel. Ambas as designaes desencadeiam a esperana de uma futura aquisio

    3 Apesar de esta unicidade de exceo responsabilidade no ser consensual entre a doutrina. De facto, apontam-se

    como outros casos de herana insuficiente para os legados, quando haja passivo (art.2278.), legado onerado com

    encargo de pagamento de passivo (art.2276.) nem o legado de usufruto da totalidade ou uma quota da herana (art.

    2072.). 4 Explicando em maior detalhe este entendimento, JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito das Sucesses

    Contemporneo, AAFDL, 2011, p.69.

  • 3

    patrimonial, pelo que tanto herdeiro como legatrio so ambos adquirentes patrimoniais mortis

    causa.

    Quanto designao sucessria em razo da fonte, esta realiza-se atravs de factos

    designativos, que so circunstancias que atribuem a algum a condio de sucessvel. Estes

    factos designativos podem ser negociais, como o so o testamento e o pacto sucessrio, que

    esto na base, respetivamente, da sucesso testamentria e contratual, ou no negociais, que so

    as relaes jurdicas familiares, parafamiliares de unio de facto e economia em comum e o

    vnculo da cidadania. Estes factos designativos no negociais esto na base da sucesso

    legitimria e da sucesso legtima. Na sucesso legal comum, os factos designativos so a unio

    conjugal, o parentesco, a adoo e o vnculo de cidadania, uma vez que a afinidade, unio de

    facto e convivncia em economia em comum operam unicamente no campo das sucesses

    legais anmalas.

    Segundo a viso do professor, a lei alude impropriamente aos factos designativos no art.

    2026., que tem a epgrafe ttulos de vocao sucessria, que determina que a sucesso diferida por lei, testamento ou contrato. O testamento e contrato no so ttulos de vocao: so

    negcios que atribuem a qualidade de sucessvel antes da morte do de cuius, enquanto a vocao

    s se concretiza no momento da sucesso. Tambm a lei no um facto designativo, havendo,

    quanto muito, factos designativos no negociais, j referidos, que tm na sua origem apenas

    uma referncia legal, em vez de uma disposio legal conjugada com uma manifestao de

    vontade do de cuius. Os factos designativos no atribuem de modo definitivo a qualidade de

    sucessveis a determinadas pessoas, com excluso de outras. Assim, algum que a certa altura

    foi designado como herdeiro/legatrio pode ser afastado do mapa de sucessveis, tal como

    algum que no tinha possibilidade de ser chamado por morte do autor, pode vir a adquirir a

    qualidade de sucessvel. Antes da abertura da sucesso, como se v, o mapa de sucessveis

    instvel, dado que, at l, podem ocorrer eventos com relevncia designativa, como

    nascimentos, mortes, celebrao ou extino de casamentos, realizao ou revogao de

    testamento, pactos sucessrios Os arts. 2026. a 2028. referem-se s modalidades de sucesso com base no critrio do

    facto designativo, assim: testamentria no testamento, contratual no pacto sucessrio. Em

    qualquer uma dessas, vivel o cruzamento do critrio de designao em razo da fonte com o

    do objeto, ou seja, em qualquer uma das modalidades, um sucessvel pode ser designado para

    suceder como herdeiro ou legatrio: nas modalidades de sucesso voluntria (testamentria e

    contratual) no h restries quanto designao como herdeiro ou legatrio: a classificao

    depende do objeto da deixa, logo, da vontade do de cuius (art. 2030./5). J nas modalidades de

    sucesso legal, o interessado , em regra, designado para suceder como herdeiro, sendo que nos

    casos excecionais de sucesso legal anmala sejam chamados a suceder a ttulo de legado

    (portanto, como legatrios) Na sucesso legal comum, o sucessvel chamado para suceder na

    totalidade da herana, numa quota do patrimnio hereditrio ou no remanescente, sem

    especificao, conforme os arts. 2131. a 2136.. Assim, e em sntese, so concebveis heranas

    legitimas, legitimrias, testamentrias ou contratuais e pode haver legados testamentrios,

    contratuais e, excecionalmente, legtimos e legitimrios. Note-se que uma pessoa pode

    beneficiar de mltiplos factos designativos, que lhe confiram a qualidade de sucessvel em

    diversas modalidades de sucesso5.

    Relativamente hierarquia das modalidades de sucesso, que feita segundo o critrio

    do facto designativo, a sucesso legitimria prevalece sobre todas as outras, seguindo-se a

    sucesso contratual que se sobrepe, geralmente (embora haja excees, consideradas infra)

    testamentria, sendo que em ltimo lugar se encontra a sucesso legtima, que cede perante as

    outras todas.

    A sucesso legtima cede perante qualquer outra modalidade de sucesso porque tem

    carter supletivo. Nos termos do art. 2027., a espcie de sucesso legal que pode ser afastada

    pela vontade do autor da sucesso, quer seja unilateral (testamento) ou bilateral (pacto

    5 V.g. A doa por morte a B um bem x, mediante conveno antenupcial; A e B casam trs meses depois, e, na

    constncia do matrimnio, A faz testamento em que deixa a B (a titulo de herana portanto) da herana. B ser

    sucessvel contratual, testamentrio, legtimo e legitimrio de A.

  • 4

    sucessrio). Assim, a sucesso legtima opera, conforme o art. 2131., quando o falecido no

    tenha disposto, vlida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens que podia dispor depois da

    morte.

    J a sucesso legitimria tem carcter injuntivo, pelo que prevalece sobre as outras

    modalidades, incluindo a contratual e testamentria. Nos termos do art. 2027., a que na pode

    ser afastada pela vontade do autor da sucesso. A sucesso legitimria confere ao sucessvel o

    direito legtima, que a poro de bens que o de cuius no pode dispor, por ser legalmente

    reservada aos herdeiros legitimrios (cf. art. 2156.). As liberalidades que ofendam a legitima,

    ditas inoficiosas, so redutveis em tanto quanto for necessrio para que a legtima seja

    preenchida, conforme os arts. 2168. e 2169., pelo que se v que a reduo por inoficiosidade

    que, na pratica, assegura a posio cimeira da sucesso legitimaria relativamente voluntria.

    Quando o art. 2171. fala das disposies testamentrias, bem como as liberalidades que hajam

    sido feitas em vida do de cuius (liberalidades entre vivos), no se deve excluir, por no estar

    referido, a sua submisso sucesso legitimria. De facto, o art. 1705./3 determina que os

    pactos sucessrios a favor de terceiro no esto isentos da reduo por inoficiosidade, e o art.

    1759. estabelece que as doaes para casamento esto igualmente includas na reduo por

    inoficiosidade, no distinguindo entre doaes mortis causa e inter vivos. Como se disse, a

    sucesso contratual ocupa o segundo lugar da hierarquia: cede perante a sucesso legitimria,

    prevalece, normalmente, sobre a testamentria e sempre sobre a legtima. Esta ordem relativa

    em relao sucesso testamentria reflete-se no seu regime de revogao. Sendo o contedo

    patrimonial do testamento livremente revogvel pelo de cuius, como determinam os arts.

    2179./1 e 2311. ss, a participao do de cuius num pacto sucessrio incompatvel com o

    testamento prejudica a eficcia deste negcio unilateral. Assim, o pacto sucessrio pode revogar

    o testamento do disponente, mas, em principio, no e afetado por um testamento do autor da

    sucesso dado que, por regra, o pacto sucessrio no livremente revogvel (cf. arts. 1701./1,

    1705./1, 1755./2 e 1758.). Contudo, existe uma hiptese em que o valor hierrquico de um

    pacto sucessrio o mesmo que um testamento: a do pacto sucessrio em favor de terceiro, pelo

    qual o disponente tenha reservado para si a faculdade de livre revogao (art.1705./2).

    1. A sucesso legtima

    Trata-se de uma modalidade de sucesso legal, supletiva, que se verifica quando o falecido no

    tiver disposto vlida e eficazmente, no todo ou em parte, do patrimnio que podia dispor depois

    da morte, conforme o art.2131.CC. Apesar de ser considerada ab intestato, de quem no fez

    testamento, pode coexistir com a sucesso testamentria e, na falta de testamento, concorrer

    com outras modalidades de sucesso. A dependncia quanto sucesso testamentria (por ter

    disposto o destino do seu patrimnio) no exclusiva, uma vez que a ausncia de testamento e

    disposies testamentrias no implica necessariamente a abertura da sucesso legtima: pode a

    parte do patrimnio que estava disponvel para disposies mortis causa ter sido validamente

    diferida por via contratual e, havendo testamento relativo a uma parte do patrimnio, pode a

    outra parte estar submetida s regras da sucesso legitimria. Como se pressupe, a

    excluso/limitao da sucesso legtima pressupe a eficcia lato sensu de outras modalidades

    de sucesso.

    Quando se faz referncia sucesso legtima tem-se em vista a sucesso legtima

    comum, que est submetida ao regime contido nos arts. 2131. a 2155., e no a anmala (que

    tem como objeto um legado), que sujeita a um regime diferente. Tal como sugere a

    terminologia legal, no art.2131., o sucessvel legitima comum designado para suceder como

    herdeiro.

    O modo de clculo da herana varia de modalidade para modalidade de sucesso. Na

    legtima, necessrio distinguir consoante esta coexista com a sucesso legitimria ou no.

    Se for aberta a sucesso legitimria, o VTH igual ao valor da quota disponvel menos

    o valor das liberalidades mortis causa vlidas e eficazes (VTH=QD-LMC). A massa de clculo

  • 5

    tem como referncia a quota disponvel dada a autonomia da sucesso legitimria, que abrange

    toda a quota indisponvel, perante a legtima que, portanto, s pode operar no mbito da QD. O

    valor das liberalidades enunciadas tem que ser abatido na sequncia da lgica do art.2131..

    Se no for aberta sucesso legitimria, ao valor do relictum abatido o valor do

    passivo e o valor das liberalidades mortis causa (R-P-LMC).

    Do art.2132, conjugado com o art.2133../1, resulta que so sucessveis designados

    como herdeiros legtimos: cnjuge, os parentes na linha reta, os parentes na linha colateral at

    ao quarto grau, os descendentes de irmo do de cuius, independentemente do grau de parentesco

    na linha colateral e, por fim, o Estado, ao que se inclui a adoo plena (art.2133./1, promio).

    Esta designao de familiares do de cuius permite atingir uma finalidade legal de proteo da

    famlia a famlia constituda pelo vnculo conjugal, paternal, adotivo e por consentimento no

    adotivo. Note-se que o adotado plenamente tido, para efeitos legais, como filho e, portanto,

    sucessvel de primeira classe.6

    Em termos de regras gerais, a sucesso legtima obedece a trs:

    - Preferncia de classes;

    - Preferncia de graus de parentesco;

    - Diviso por cabea.

    O elenco de sucessveis vasto, mas nem todos so chamados a suceder. Assim, o direito de

    suceder atribudo apenas aos sucessveis legtimos prioritrios. Identificados os sucessveis

    prioritrios, necessrio saber como se repartir a herana legtima entre eles. O critrio geral

    dado pela regra da diviso por cabea.

    A regra da preferncia de classes determina que os sucessveis de uma classe preferem

    aos de classes subsequentes, pelo que s os primeiros (prioritrios) so chamados sucesso

    arts.2133./1 e 2134.. Tambm a disciplina do art.2137. se encontra na lgica da regra da

    preferncia de classes.

    A regra da preferncia de graus de parentesco estabelece que dentro de cada classe, os

    parentes de grau mais prximo preferem aos de grau mais afastado: art.2135.), regra esta que

    pode ser posta em causa pelo instituto do direito de representao, art.2138.. Esta regra tambm

    se aplica, com as devidas adaptaes, aos vnculos anlogos ao parentesco, tal como a adoo e

    a filiao por consentimento no adotivo.

    A regra da diviso por cabea determina que os sucessveis legtimos prioritrios

    sucedem em partes iguais e aplica-se normalmente, entre parentes de cada classe (art.2136.) e

    na situao de concurso de cnjuge com descendentes (art.2139./1, primeira parte), valendo

    ainda a regra, em princpio, para a adoo plena e filiao por consentimento no adotivo, dado

    que tem vnculos semelhantes ao parentesco.

    A lei prev, contudo, excees regra da diviso por cabea: arts. 2139./1, primeira

    parte,2142./1, 2146. e 2138., que diz respeito ao direito de representao. Este susceptvel

    de criar excees regra da diviso por cabea na herana legtima em situaes de sucesso de

    descendentes (art.2140.) e adotados restritamente e seus descendentes (art.1999./2).

    Quanto s regras prprias para cada classe de sucessveis, a lei estabelece regras

    prprias.

    6 O que, todavia, no poderia sequer ser tomado em conta, merc da tutela constitucional que dada aos filhos ditos

    ilegtimos: o art.36./4 CRP probe a discriminao a qualquer ttulo dos filhos.

  • 6

    Assim, a primeira a ser analisada, com base no art.2133./1, a) a que integra o cnjuge

    e descendentes. Nesta classe, o cnjuge sobrevivo no chamado sucesso legtima se data

    da morte se encontrar divorciado ou separado de pessoas e bens que j tenha transitado, ou

    venha a transitar em julgado, ou se vier a ser proferida posteriormente a essa data, nos termos do

    art.1785., aplicvel ex vi do art.2133./3, tal como no caso de casamento inexistente

    (art.1630.). Contudo, a simples separao judicial de bens e o regime de separao de bens,

    convencional ou imperativo, no obstam a que um cnjuge possa ser sucessor legtimo de outro.

    Como se pode verificar, a sucesso na primeira classe pode abranger cnjuge +

    descendentes, s descendentes, ou s o cnjuge. Havendo concurso entre cnjuge e

    descendentes, a diviso faz-se por cabea (art.2139./1, primeira parte), salvo quando o cnjuge

    concorrer com mais de trs filhos, hiptese na qual se verifica uma das excees sucesso por

    cabea, dado que, como dispe a segunda parte do art.2139./1, a este (cnjuge) tem que ser

    reservado pelo menos um quarto (1/4), sendo os restantes trs quartos (3/4) divididos pelos

    filhos em parcelas iguais. Caso o de cuius no deixe cnjuge sobrevivo (art.2139./2), ou se o

    cnjuge sobrevivo estiver separado de pessoas e bens (art.2133./3), a herana divide-se pelos

    filhos em partes iguais ou, caso haja filho nico, caber a este a totalidade. Como se v, a

    poro que cabe aos filhos sempre igual entre eles, ainda que no se esteja perante igual

    modalidade de filiao. Quanto aos descendentes do segundo grau e ss, estes so chamados em

    representao dos descendentes do de cuius que no poderem ou no quiserem aceitar a

    herana: art.2140., haja ou no concurso com os ascendentes.

    A sucesso da segunda classe ocorre se no houver descendentes (art.2142./1, primeira

    parte).

    A segunda classe (art.2133./1, b)) conduz-se ao chamamento do cnjuge e ascendentes,

    onde se verifica mais uma exceo regra da diviso por cabea: o art.2142./1 determina que

    ao cnjuge caibam duas teras partes (2/3), e aos ascendentes uma tera parte (1/3), sendo que,

    na falta de cnjuge, os ascendentes so chamados a suceder na totalidade (art.2142./2), entre os

    quais vigoram plenamente as regras da preferncia de graus e diviso por cabea, como disposto

    no art.2142./3. J o art. 2144. determina que na falta de descendentes e ascendentes, o cnjuge

    chamado totalidade da herana legtima.

    Na falta de cnjuge, parentes na linha reta, adotado restritamente e seus descendentes,

    so chamados sucesso legtima os irmos e, representativamente, os filhos destes: arts.

    2133./1 Promio e 2145., sendo que, se o de cuius apenas tiver um irmo, apenas a este que

    cabe a totalidade da herana. No caso se concurso entre irmos, determina o art.2136. que a

    diviso se faz por cabea, sendo que existe uma regra especial para distinguir entre irmos

    uterinos e germanos: art.2146..

    Note-se que, quanto situao jurdica dos sucessveis legtimos em vida do de cujus, esta

    reflecte apenas a titularidade de um interesse reflexamente protegido: nem de um direito de

    suceder, nem de uma expectativa jurdica.

    1.1. Sucesso testamentria

    Apesar do art.2179. dar uma definio de testamento, como o acto unilateral e revogvel pelo

    qual uma pessoa dispe, para depois da morte, de todos os seus bens ou parte deles, JORGE

    DUARTE PINHEIRO no considera a definio legal totalmente rigorosa, dando a seguinte definio:

    testamento o negcio jurdico (por ter natureza negocial e no de mero ato jurdico) unilateral

    pelo qual algum procede a disposies de ltima vontade.

  • 7

    Apesar de no ser determinante, ou mesmo obrigatrio, o contedo do testamento

    predominantemente patrimonial, razo pela qual a sua caracterizao se far tendo por base o

    seu contedo patrimonial.

    Tambm se caracteriza pela solenidade: para ser vlido, tem que revestir uma

    determinada forma prescrita na lei (cf. arts. 2204.ss): este formalismo destina-se a garantir a

    correspondncia entre as disposies testamentrias e a vontade do de cuius. A revogabilidade

    prevista no art.2179., sendo que o art.2311. estabelece uma proibio de o testador renunciar

    faculdade de revogar o seu testamento. Assim, uma faculdade irrenuncivel, a de revogar o

    testamento. Por se tratar de um negcio normalmente singular ou individual, o art. 2181. probe

    o chamado testamento de mo comum, ao proibir a interveno de duas ou mais pessoas no ato

    de testar. Apresentam-se como excees a esta regra os arts. 946./2,1685./3, b) e art.1704..

    Porm, esta interveno de vrias pessoas no testamento, para alm do testador, no bule com o

    principio da uni pessoalidade, caso seja ditada por razes de ordem formal (assim, a interveno

    de notrio ou testemunhas).

    Quanto sua autoria, o testamento um negcio normalmente pessoal (art. 2182./1),

    pelo que, em princpio, as clusulas testamentrias tm que ser feitas pelo prprio autor da

    sucesso, o que determina, em regra, que o mesmo no possa ser feito por meio de representante

    ou nncio, nem que pode ficar dependente do arbtrio de ningum. Este princpio que o

    princpio da feitura (material, dado que o testamento publico, p.e., escrito pelo notrio e o

    cerrado pode ser escrito por outra pessoa que no o testador: arts. 2205. e 2206./1,

    respetivamente conhece excees, relativas s disposies testamentrias no essenciais,

    repartio de deixas e nomeao do legatrio, nas condies previstas no art. 2182./2 e,

    escolha da coisa legada, nas condies do art. 2183.e s substituies pupilar e quase-pupilar.

    O art. 2182./1 apenas subordina ao princpio da pessoalidade as disposies

    testamentrias que so reputadas como essenciais, que so, a saber, a instituio de herdeiros, a

    nomeao de legatrios, a determinao do objeto das deixas e a vinculatividade das clusulas,

    ficando, por isso, de fora as restantes clusulas testamentrias. Contudo, o art. 2182./2 permite

    at o afastamento desse principia em aspetos ao permitir que o testador cometa a terceiro a

    repartio da herana ou legado, no caso de nomear uma generalidade de pessoas (al. a)),

    nomeao de legatrio de entre as pessoas por ele determinadas (al. b)). O art. 2183./1

    configura mais um desvio a esta regra ao determinar que o testador pode deixar a escolha da

    coisa legada justa apreciao do onerado, legatrio ou terceiro, desde que indique o fim do

    legado e o gnero ou espcie em que ele se contm. Verificada uma das trs situaes que JORGE

    DUARTE PINHEIRO apelida de delegaes de competncia, qualquer interessado tem faculdade

    para requerer ao tribunal a fixao de um prazo para que a pessoa indicada tome a deciso que

    foi incumbida para tomar (art. 2182./3 e 2183./2). Quanto s substituies pupilar e quase

    pupilar, apresentam-se como as nicas hipteses de representao legal no contedo essencial

    do negcio testamentrio (cf. arts. 2297.a 2300.).

    Todas estas particularidades justificam a existncia de uma disciplina especial ou

    aplicao adaptada da disciplina geral dos requisitos do negcio jurdico. Assim, e como se

    ver, o testamento tem que a obedecer a vrios requisitos, nomeadamente, de fundo (licitude do

    objeto e fim, capacidade, legitimidade e consentimento) e de forma (comum e especial), que

    sero analisados de seguida.

    Quanto aos requisitos de fundo, o primeiro que cumpre analisar o da licitude do

    objeto e do fim.

    A esse respeito, determina o art. 2186. que nula a disposio da qual se retire da

    interpretao do testamento que foi essencialmente determinada por um fim contrrio lei ou

    ordem pblica, ou ofensivo dos bons costumes. Esta disposio consagra o requisito da licitude

  • 8

    do fim, ajustando o disposto no art. 281. ao testamento. Exemplos de fim ilcito do testamento

    so as deixas de casa para explorao da atividade de prostituio de terceiros, contrrio lei e

    previsto no art.170. do C.P7, prtica de adultrio, violando os bons costumes, ou organizao de

    atos terroristas, cf. art. 301. do C.P.

    Tambm o objecto do negcio testamentrio deve ser licito. Nesse sentido, determinam

    os arts. 2230. e 2245. que as disposies testamentrias condicionais e modais ilcitas tm-se

    por no escritas, ao que, na falta de norma especial, deve ser aplicado o art. 280., no caso em

    que nulo o testamento cujo objeto seja fsica ou legalmente impossvel, contrrio lei,

    indeterminvel, contrrio ordem pblica ou ofensivo dos bons costumes (v.g. objeto da lua,

    fisicamente impossvel, bem de domnio publico, juridicamente impossvel, e uma coisa

    qualquer, que um objeto indeterminvel.

    Relativamente ao requisito de fundo da capacidade, este termo deve ser entendido como

    a capacidade para testar, vulgarmente conhecida como a capacidade testamentria ativa, que no

    se confunde com a passiva, dado que esta a capacidade para suceder por testamento. Pode

    ainda distinguir-se, neste polo activo, a capacidade de gozo e de exerccio.

    Tm capacidade testamentria activa de gozo todas as pessoas singulares, mas apenas as

    singulares (art.2188.), uma vez que as pessoas coletivas no beneficiam de capacidade de gozo

    para a titularidade de situaes jurdicas que pressuponham a qualidade humana, como o caso

    do direito de testar (art. 160./2).

    Tm capacidade testamentria ativa de exerccio todas as pessoas singulares que a lei

    no declare incapazes de testar, conforme disposto no art. 2188.. Assim, a lei considera que so

    incapazes de testar os menores no emancipados e os interditos por anomalia psquica

    (art.2189.), sendo que a capacidade do testador se determina pela datado testamento (art.2191.,

    sendo que, para o testamento cerrado, essa data relativa de aprovao, cf. art. 2207.). A

    consequncia jurdica do testamento feito por incapazes a nulidade (cf. art. 2190.). Neste

    mbito, nula a disposio testamentria que seja feita por menor de 16 ou 17 anos, que tenha

    objetos subtrados sua administrao em virtude de ter casado sem autorizao dos

    representantes legais ou respetivo suprimento, sendo que a incapacidade por menoridade

    subsiste enquanto queles bens (vejam-se os arts. 1604./al. a), 1649., e 2189., al. a)). A

    capacidade testamentria ativa no pode ser suprida por meio de assistncia ou representao, a

    no ser no mbito das substituies pupilar e quase pupilar. Cumpre, ainda, referir que a

    capacidade testamentria ativa de exerccio no significa acesso a todas as formas de

    testamento, j que o art. 2208. impede as pessoas que no saibam ou no possam escrever de

    dispor em testamento cerrado, consagrando uma incapacidade de testar especfica, a

    Inabilidade para fazer testamento cerrado. Por aplicao analgica do art. 2190., o testamento

    cerrado feito por quem no possa ou no saiba ler nulo.

    Relativamente s substituies pupilar e quase-pupilar, referidas supra, so as nicas

    situaes de suprimento da incapacidade de testar. Assim, a lei chama substituio pupilar

    faculdade que conferida ao progenitor, que no esteja inibido total ou parcialmente do poder

    paternal, de substituir os filhos (que so chamados substitudos ) os herdeiros ou legatrios,

    que so os substitutos, que bem lhe aprouver, para o caso de os filhos falecerem sendo

    menores, conforme o art. 2297./1.

    O n2 do art. 2297. prev a caducidade da substituio logo que o substitudo perfaa

    dezoito anos, ou se falecer deixando descendentes ou ascendentes e, apesar de no ser dito na

    lei, esta substituio fica tambm sem efeito no momento em que o substitudo se emancipe,

    7 Cdigo Penal.

  • 9

    uma vez que a faculdade de substituio atribuda ao progenitor apenas enquanto este titular

    do poder paternal, conforme o incio do art. 2297./1.

    Por sua vez, e luz do art. 2298./1, a substituio quase-pupilar a faculdade que

    conferida ao progenitor, que exercer o poder tutelar, cujo regime idntico ao paternal, nos

    termos do art. 144., de substituir aos filhos incapazes de testar em consequncia de interdio

    por anomalia psquica, os herdeiros ou legatrios que bem lhe aprouver. O n2 do art. 2298.

    enuncia duas causas de caducidade especficas da substituio quase-pupilar, que so a) o

    levantamento da interdio por anomalia psquica, e b) a sobrevivncia ao substitudo de

    descendentes e ascendentes, ficando igualmente sem efeito quando ao substitudo sobreviva

    cnjuge8. A substituio pupilar havida para todos os efeitos como quase pupilar, no caso de o

    menor ser declarado interdito por anomalia psquica, conforme o art. 2299..

    Quanto aos bens abrangidos, o art. 2300. determina que as duas formas de substituio

    s podem abranger os bens que o substitudo haja adquirido por via do testador, que o

    progenitor que exerce a faculdade de substituio, embora a ttulo de legtima.

    A sua colocao sistemtica (na mesma seco da substituio direta e fideicomissria)

    no deve ser mal interpretada, uma vez que estas tm a natureza, no de vocaes, mas de

    substituies pelo lado ativo que configuram meios de suprimento da incapacidade de testar.

    Por ser uma substituio pelo lado ativo, os pressupostos da vocao dos substitudos devem ser

    aferidos relativamente ao filho e no ao progenitor, sendo que substitutos usado um sentido

    imprprio: os sucessveis designados pelo progenitor (testador) no vo substituir o filho;

    sucedem a este.

    Quando ao requisito de fundo da legitimidade para dispor em benefcio de certas

    pessoas, as chamadas indisponibilidades relativas, h que referir que uma pessoa capaz de

    testar no pode validamente designar qualquer pessoa como sucessvel, porque existem

    restries faculdade de dispor por morte em benefcio de certas pessoas. A estas restries se

    d o nome de indisponibilidades relativas. Estas indisponibilidades so divisveis em duas

    categorias: as nominadas, previstas nos arts. 2192. a 2198., e as que se destinam a sancionar a

    violao de regras sobre impedimentos matrimoniais impedientes (art. 1650./2). As

    indisponibilidades relativas tm em vista todas as liberalidades, e no apenas as testamentrias,

    pelo que o disposto nos arts. 2192. a 2198. se aplica, com as devidas adaptaes, s doaes

    (art. 953.), mortis causa ou inter vivos; o art. 1650./2, alude quer doao, quer ao testamento.

    Especificamente quanto ao regime das indisponibilidades relativas nominadas, constata-

    se que a lei determina a nulidade de disposies testamentrias feitas a favor de tutor, curador,

    administrador legal de bens e produtor (art. 2192./1 e 2), da disposio a favor de mdico ou

    enfermeiro que tratar do testador, ou sacerdote que lhe prestar assistncia espiritual, se o

    testamento for feito durante a doena e o seu autor vier a falecer dela (art. 2194.), do cmplice

    do testador adltero (art. 2196.), dos intervenientes do testamento (art. 2197.) e de interpostas

    pessoas de todas as referidas (art. 2198.). Os intervenientes no testamento so os que a lei

    considera como tal: o notrio ou entidade com funes notariais que lavrou o testamento

    publico ou cerrado, a pessoa que escreveu o testamento cerrado e as testemunhas ou intrpretes

    intervenientes. Nos termos do art. 2198./2, consideram-se interpostas pessoas o cnjuge ou

    herdeiro presumido de qualquer um dos sujeitos dos arts. 2192., 2194., 2196. e 2197.

    (inibidos), bem como outrem que, mediante acordo com um dos sujeitos inibidos, se tiver

    comprometido a transmitir a este a coisa ou direito objeto de disposio testamentria. Assim,

    8 Sendo que esta opo no consensual. A favor, para alm de JORGE DUARTE PINHEIRO, os professores PAMPLONA

    CORTE-REAL, CAPELO DE SOUSA, CARVALHO FERNANDES e EDUARDO DOS SANTOS. Contra, esto os professores PIRES DE

    LIMA/ANTUNES VARELA e, aparentemente, OLIVEIRA ASCENSO.

  • 10

    v.g., invlida a nomeao como legatrio do marido da notria, contida em testamento pblico

    lavrado por esta (arts. 2197. e 2198.).

    Contudo, este regime, ou melhor, este mbito, circunscrito em determinadas situaes.

    Assim, vlida a disposio testamentria feita a favor do tutor, curador, administrador legal de

    bens ou produtor, bem do mdico ou enfermeiro que tratar o testador, ou do sacerdote, quando o

    testamento tiver sido feito durante a doena e o testador vier a falecer dela, se os beneficirios

    forem parentes na linha reta, colaterais ate ao 3 grau do testador, ou se algum deles for cnjuge

    do disponente (arts. 2192./3, e art. 2195., al.b)). Igualmente no so afetados pela nulidade

    fundada em indisponibilidade relativa nominada, os legados remuneratrios de servios a favor

    de mdicos, enfermeiros e sacerdotes (art. 2195. al. a)). Quanto disposio feita a favor da

    pessoa com quem a pessoa cometeu adultrio esta valida se se limitar a assegurar alimentos ao

    beneficirio ou se o casamento j estava dissolvido, ou os cnjuges estavam separados de

    pessoas e bens ou de facto h mais de um ano, data de abertura da sucesso (art. 2196./2).

    Relativamente ao art. 1650./2, reage inobservncia de trs impedimentos com situaes, que

    so a violao do parentesco no terceiro grau da linha colateral, a lei prev a incapacidade do tio

    ou tia para receber do sobrinho ou sobrinha qualquer benefcio por testamento ou doao; do

    impedimento relativo ao vnculo de tutela, e de violao do vnculo de adoo restrita (v.

    p.126.)

    As indisponibilidades relativas no so, como se v, verdadeiras incapacidades, mas,

    antes, meras ilegitimidades9: as disposies testamentrias so nulas por causa de uma especial

    relao existente entre o autor e o benificirio da deixa. Em geral, o de cujus pode testar

    validamente a favor de outras pessoas, e o benificirio da disposio ferida de nulidade no est

    impedido de adquirir bens deixados por outro testador. Embora a questo de as

    indisponibilidades relativas serem ilegitimidades ativas ou passivas (defendendo o carter ativo,

    OLIVEIRA ASCENSO, criticado por CARVALHO DE FERNANDES, que afirma que essa considerao

    excessiva, uma vez que o epicentro da questo nem sempre se situa do aldo do testador),as

    circunstncias de indisponibilidades tm que existir data do testamento, por acarretarem

    invalidade das disposies testamentrias, desvalor que pressupe normalmente um vcio

    originrio do negcio. Assim, v.g., o art. 2192./1 no abarca a disposio feita a uma pessoa

    que, aps o testamento, foi designada curador do testador, entretanto inabilitado!

    O ltimo requisito de fundo o requisito do consentimento: Este requisito tem um

    regime especial, contido nos arts. 2180. e 2199. a 2203., sendo que este regime especial no

    esgota a matria do consentimento do testador: so subsidiariamente aplicveis as regras gerais

    sobre o consentimento no negcio jurdico (arts. 240. a 257.), que tm que ser adaptadas,

    graas ao carter no receptcio do testamento.

    Em primeiro lugar, o negcio testamentrio exige uma vontade do testador, pelo que o

    art. 2180. determina que nulo o testamento em que o testador no tenha exprimido cumprida e

    claramente a sua vontade, mas apenas por sinais e monosslabos (sim, no) em resposta a

    perguntas feitas. Daqui se retira que a expresso da vontade do testador tem que ser clara e

    cumprida, imposio que no visvel no negcio jurdico em geral. A esta declarao, deve

    estar subjacente a vontade de testar, o que pressupe existir uma vontade negocial e

    coincidncia entre a vontade negocial.

    Assim, a anlise feita nos mesmos termos que o negcio jurdico: em primeiro lugar,

    h que abordar a falta de vontade negocial, na qual o art. 2199. regula a incapacidade acidental

    no negcio testamentrio: segundo este preceito, o testamento feito por quem, devido a qualquer

    9 Contra, entendendo que so incapacidades de suceder, CUNHA DE S.

  • 11

    causa, ainda que transitria, se encontrasse incapacitado de entender o sentido dele, ou no tinha

    o livre exerccio da sua vontade anulvel.

    A ausncia de um regime especial para as demais situaes de falta de vontade de testar

    determina o recurso s normas gerais (!). Assim, as declaraes no srias, coao fsica e falta

    de conscincia na declarao importam a inexistncia do testamento, por fora dos arts. 245. e

    246.. Note-se que a exigncia de indemnizao prevista nos arts. 245./2 e 246. apenas existe

    nos negcios com declaratrio, pelo que no aplicvel ao testamento.

    Quanto s divergncias entre a vontade e a declarao, estas esto reguladas somente

    nos arts. 2200. e 2203., pelo que tambm h que dar uso regulao geral.

    Assim, o art. 2200. determina que anulvel a disposio feita aparentemente a favor

    de pessoa designada no testamento mas que, na realidade, e por acordo com essa pessoa, vise

    beneficiar outra. Uma vez que no negocio testamentrio no existe declaratrio, o pacto

    simulatrio feito entre o testador e a pessoa aparentemente designada no testamento, sendo

    que a disposio testamentaria simulada anulvel e no nula, num claro desvio ao regime do

    art. 240./2. O art. 2200. apenas prev a simulao relativa por interposio fictcia de pessoa,

    mas a absoluta e relativa objetiva tambm so atendveis ao negcio testamentria, por

    aplicao subsidiria das regras gerais. Caso haja uma destas, continua a prevalecer a

    anulabilidade da disposio, pese embora o recurso s solues gerais, com o intuito de se

    garantir a unidade de consequncias associadas simulao testamentria. Por ser anulvel, a

    disposio testamentria simulada por interposio fictcia vlida nos termos do art. 241./2.

    Alis, a lei (art.2259./1) determina uma situao de disposio testamentria dissimulada

    vlida.

    Quanto reserva mental, ela afecta a validade do testamento (no consensual: a favor,

    PAMPLONA CORTE-REAL; contra, OLIVEIRA ASCENSO) e, ao abrigo do art. 244./2, segunda parte,

    anulvel a disposio testamentria contrria vontade real do testador que tenha sido feita com

    intuito de enganar qualquer pessoa. Tambm aqui no h direito a indemnizao, na opinio de

    JORGE DUARTE PINHEIRO. Contra, OLIVEIRA ASCENSO.

    O art. 247. fixa o regime comum do erro na declarao: anulvel quando respeite o

    requisito da essencialidade. Uma vez que o testamento um negcio no receptcio, esse facto

    afasta o requisito da cognoscibilidade da essencialidade do erro, pelo que, para que haja erro e

    consequente anulabilidade com fundamento em divergncia no intencional entre declarao e

    vontade do testador, basta que seja cumprido o requisito da essencialidade. Como o art. 248.

    no aplicvel por no haver declaratrio, o art. 2203. determina que se o testador tiver

    indicado erroneamente a pessoa do herdeiro ou legatrio ou bens que so objeto da disposio

    mas que, da interpretao seja possvel concluir que a pessoa ou bens que ele pretendia referir, a

    disposio vale relativamente a esta pessoa ou a estes bens.

    De seguida so analisados os vcios na formao da vontade: Ao abrigo do art. 2201.,

    anulvel a disposio testamentria determinada por erro, dolo e coao.

    O regime do erro-vicio no testamento corresponde ao regime geral, arts. 251. a 254.,

    com os ajustamentos do carter no receptcio e pelo art. 2202. Assim, a anulao com

    fundamento em erro-vcio implica que sejam preenchidos os requisitos da essencialidade do

    erro (requisito geral) e a essencialidade resultante do prprio testamento, requisito que

    exclusivo do negcio testamentrio, e estabelecido no art. 2202.. Em contraste ao erro, na

    declarao testamentria no admissvel prova complementar da essencialidade do erro vicio

    (posio parcialmente contra a qual est OLIVEIRA ASCENSO).

    Em virtude do cariz no receptcio do negcio, h tambm que adaptar o regime do erro

    sobre a base do negcio (art. 252./2): Ser, portanto, anulvel a disposio viciada por erro

    sobre as circunstancias que fundaram a deciso de testar.

  • 12

    Relativamente coao moral, e dado o disposto no art. 2201., plenamente aplicvel ao

    negcio testamentrio, pelo que anulvel a disposio testamentria determinada pelo receio

    de um mal de que o testador foi ilicitamente ameaado com o fim de extorquir a disposio. E,

    note-se, tanto faz que esta venha de sucessvel designado como de terceiro (cf. art. 256.).

    Quanto ao negcio usurrio, e por no haver norma especial, deve-se aplicar o preceito geral do

    art. 282., cujo n2 prev anulabilidade do negcio quando algum explorando a situao de

    necessidade de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiros, a promessa ou concesso de

    benefcios excessivos ou injustificados.

    Em relao aos requisitos de forma do testamento h que considerar que o testamento se

    caracteriza pela solenidade, estando sujeito legalmente a um mnimo de forma. Assim, no

    admissvel um testamento meramente oral (ou, em termos jurdicos, nuncupativo), que, a existir,

    nulo, por aplicao do art. 220., embora haja autores, como GUILHERME DE OLIVEIRA, que

    considerem que o regime aplicvel o da inexistncia. Quanto ao testamento em particular e

    sua forma, o Cdigo Civil tem um captulo respetivo a essa temtica, no qual distingue entre a

    forma comum (testamento pblico, cerrado e, mais recentemente, o internacional: vide art. 4.,

    al. a) do C.N.10

    e, mais especificamente, os arts. 111. ss do mesmo diploma), bem como as

    formas especiais (arts. 2210. e seguintes), relativas a testamento de militares e pessoas

    equiparadas, a bordo de navio ou aeronave e o testamento lavrado em caso de calamidade

    pblica. Podem ainda ser, no CC, observadas mais duas formas adicionais, ditas

    especialssimas: a do art. 946./2, que determina que ser havida como disposio

    testamentria a doao que produza os efeitos por morte se tiverem sido observadas as

    formalidades dos testamentos, que a doutrina considera que basta que uma doao por morte

    seja feita atravs de escritura pblica, e a do art. 1704., que permite a insero em conveno

    antenupcial de disposies testamentrias feitas por esposados em benefcio de terceiros, ao

    atribuir valor testamentrio instituio de herdeiro e nomeao de legatrio feitas por algum

    dos esposados na conveno, ou em favor de certa pessoa e determinada que no intervenha no

    ato como aceitante.

    Quanto s formas comuns do testamento, a primeira referida no art. 2204. e diz

    respeito figura do testamento pblico. Este tipo de testamento lavrado por notrio no livro de

    notas para testamentos pblicos e para escrituras de revogao de testamentos (cf.,

    nomeadamente, arts. 2205. CC e 7./ a) e 11. do C.N.), sendo que, depois de lavrado,

    registado num livro especial para testamentos (art. 7./1, al. d) CN), sendo que, ao contrrio da

    escritura pblica, este testamento exige a interveno de testemunhas instrumentrias (art.

    67./1, al. a) e n2) e tambm tm carter confidencial. A segunda forma comum do testamento,

    tambm ela prevista no art. 2204. o testamento cerrado. Este testamento manuscrito e

    assinado pelo testador o por outra pessoa a seu rogo, ou manuscrito por outra pessoa a rogo do

    testador e por este assinado (art. 2206./1CC e 106./1 CN), devendo, a pessoa que assinou o

    testamento, rubricar as folhas que no tenham a sua assinatura (art.2206./3) e este testamento

    deve ser aprovado pelo notrio, nos termos dos arts. 106. a 108. do Cdigo do Notariado,

    conforme disposto no art. 2206./4 CC. Assim, esta exigncia de aprovao dos testamentos

    cerrados acarreta a nulidade do testamento que seja simplesmente escrito e assinado pelo

    testador (designado testamento olgrafo); assim, art. 2206./5. As formalidades do instrumento

    descrito no art. 108. CN. Quanto data da aprovao, a disposta no art. 2207.,

    designadamente, para os efeitos do art. 2191. e verificao de outros requisitos de fundo.

    Quanto aos poderes do testador, este, tal como previsto no art. 2209./1, pode conserv-lo em

    10

    Cdigo do Notariado.

  • 13

    seu poder, comet-lo guarda de terceiro ou deposit-lo em qualquer repartio notarial, sendo

    que o art. 2208. prev que os que no sabem ou no podem ler so inbeis para dispor em

    testamento cerrado, numa incapacidade de gozo que tem como consequncia a nulidade. Este

    artigo (o art. 2208.) justifica que a doutrina (nomeadamente, OLIVEIRA ASCENSO), efetue uma

    interpretao ab-rogante do art. 2206./2, na parte em que se alude pessoa que no saiba

    assinar, utilizando o argumento de que no concebvel algum que saiba ler e no assinar.

    Assim, o testador s pode deixar de assinar o testamento cerrado quando no possa faz-lo,

    ficando consignado no instrumento de aprovao a razo por que no o fez.

    Quanto terceira forma comum de testamento, o testamento internacional, que

    escrito pelo testador ou terceiro, em qualquer lngua, mo ou por quaisquer outros meios, e

    elaborado nos moldes da LUFTI (p.865 da Coletnea), nomeadamente, os arts. 1./1 e 3. do

    mesmo diploma. O art. 5. regula quem deve assinar, e os arts. 4. e 10. a sua certificao.

    O certificado do testamento internacional equivale aprovao do testamento cerrado.

    Ou seja, o testamento cerrado e o internacional so figuras afins, dado que, em ambos, o

    testamento escrito pessoalmente pelo testador ou por outra pessoa a seu pedido, intervindo o

    notrio ou o agente consular em momento posterior para o aprovar. Os instrumentos de

    aprovao tm que ser (tanto para um como para outro) registados por notrio num livro de

    registo prprio (art. 7./1 d) CN). Quanto aos arts. 109. a 115., disciplinam o depsito,

    restituio e abertura de testamentos cerrados e internacionais. O art. 38./1e 2 do CN regula a

    composio dos testamentos pblicos e cerrados, etc. Quanto ao art. 32./2 CN, impe o

    princpio da confidencialidade dos testamentos e das respetivas escrituras de revogao, antes

    da abertura da sucesso.

    Agora quanto s formas especiais de testamento, elas so, a saber, o testamento militar;

    o testamento martimo; o testamento feito a bordo de navio; e o testamento feito em caso de

    calamidade pblica. Note-se que o testamento feito por portugus em pas estrangeiro (art.

    2223.), no uma forma especial de testamento mas, antes, uma restrio ao funcionamento de

    uma regra de Direito Internacional Privado, estabelecida no art. 65.., e tambm no se confunde

    com o testamento internacional, bem como a aplicao deste preceito (art. 2223.) s se aplica

    no caso de o testamento feito no estrangeiro no tiver seguido uma forma prescrita no direito

    portugus. Quanto a regras legais, a lei contem regras especficas e comuns para estas quatro

    formas especiais: as regras especficas do testamento militar figuram nos arts. 2210. a 2213.,

    as do testamento martimo nos arts. 2214. a 2218., o testamento em caso de calamidade

    publica no art.2220. e, por ltimo, o art. 2219. manda aplicar ao testamento feito a bordo de

    aeronave, com as necessrias adaptaes, o disposto sobre o testamento martimo. Resta referir

    que o que estatudo nos arts. 2211. e 2212. se aplica, para alm do testamento militar, para as

    restantes trs formas especiais de testamento, pelo que todas as formas especiais comportam

    duas subformas: testamento pblico e cerrado. Normalmente, a competncia para lavrar o

    pblico ou aprovar o cerrado incumbe ao comandante de unidade ou fora militar (testamento

    militar) comandante da aeronave, e, no caso de calamidade, a qualquer notrio. Tambm os arts.

    2221. e 2222. fixam regras comuns s vrias formas especiais, nomeadamente, a sujeio a um

    prazo de eficcia, caducando dois meses apos a cessao da causa que obstava a que o testador

    usasse as formas comuns do testamento (n1 do art. 2222.).

    O art. 2184. prev uma figura importante na sucesso testamentria, que da do

    testamento per relationem: este preceito sanciona com a nulidade a disposio que dependa de

    instrues ou recomendaes feitas a outrem secretamente, ou se reporte a documentos no

    autnticos, ou no escritos e assinados pelo testador, com data anterior do testamento ou

    contempornea desta. Ou seja, aquele que remete para outro ato que, por seu turno, completa

  • 14

    uma disposio testamentria constante do primeiro testamento11

    . Um sector doutrinrio,

    nomeadamente, e entre outros, GUILHERME DE OLIVEIRA e PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, numa

    interpretao declarativa e a contrario da segunda parte do art. 2184., a disposio em causa

    seria vlida se o documento ao qual se reporta o testamento per relationem tivesse sido escrito e

    assinado pelo testador com a mesma data ou anterior do testamento, independentemente de se

    tratar de uma disposio essencial, bastando a remisso para o documento escrito e assinado

    pelo testador com a mesma data ou anterior ao testamento. Contudo, JORGE DUARTE PINHEIRO

    contra esta viso, afirmando que a mesma s seria vlida se o prprio documento para o qual

    remete o testamento per relationem, tivesse, ele prprio, a forma de um testamento cerrado, pelo

    que, na sua tica, necessria uma restrio dos resultados de uma interpretao a contrario

    deste preceito: as disposies essenciais devem observar uma certa dignidade formal, sob pena

    de carecer de sentido a prescrio de uma forma legal para os testamentos , numa viso

    tambm adotada por OLIVEIRA ASCENSO. Ou seja, as exigncias formais limitam a relevncia

    deste tipo de testamento, dado que as exigncias formais ainda existem e recaem sobre as

    disposies essenciais (cf. Art. 2182./1), ou, porque no colide com a formalidade exigida, a

    forma de escritura pblica. Quanto s restantes disposies testamentrias, e continuando no

    pensamento de JORGE DUARTE PINHEIRO, estas sero vlidas se a remisso for feita, pelo menos,

    para documentos escritos e assinados pelo testador com a mesma data ou anterior do

    testamento, ou seja, realizando uma interpretao declarativa e a contrario da segunda parte do

    art. 2184.. Assim, um testamento cerrado que remeta a determinao do objeto do legado para

    um documento meramente escrito e assinado pelo testador, contendo, portanto, uma disposio

    essencial, nulo, por fora da sua interpretao restritiva e a contrario do art. 2184.. Alm

    disso, esta seria nula por fora do art. 2206./5 (relativo ao testamento cerrado).

    Relativamente temtica da interpretao e integrao do testamento, cumpre

    comear, em primeiro lugar, com a temtica da interpretao: os arts. 236. a 238. regem a

    interpretao do negocio jurdico, mas, contudo, o art. 2187. contm normas especiais de

    interpretao de testamento, pelo que s na insuficincia das segundas se justifica uma aplicao

    das normas gerais, e desde que estas no colidam com as caractersticas do negcio

    testamentrio. O n1 do art. 2187. determina que, na interpretao das disposies

    testamentrias, se observe o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o

    contexto do testamento. Consagra-se, assim, claramente12, uma orientao subjetivista, que

    determina que a interpretao do testamento visa a detectao da vontade real do testador.

    Contudo, o testamento feito num momento para que produza efeitos num outro momento

    (morte do testador). Assim, e como sublinha CORTE-REAL, cumpre apurar a vontade do testador

    apontado para o momento presumvel da morte; o intrprete tem que detetar uma vontade real,

    se bem que conjetural., sendo ainda de referir que esta procura est restringida pelo

    contexto do testamento, pelo que, ao abrigo do art. 2187./2, se admite prova complementar,

    extrnseca ao testamento, como documental ou testemunha, para fixar a vontade real do de

    cujus, subjacente declarao negocial, sendo que esta no surtir qualquer efeito no caso de

    no ter no contexto um mnimo de correspondncia, ainda que imperfeitamente expressa, tal

    como relativamente ao negcio jurdico. Esta expresso contexto, e no texto, do art. 238.,

    obriga a que se faa uma interpretao que no se circunscreva a palavras ou disposies

    testamentrias isoladas mas, antes, ao teor de todo o testamento, conforme defende SANTOS

    JNIOR. Concluindo, o art. 2187. consagra uma orientao subjetivista mediada e limitada pelo

    11 Por exemplo, um testamento cerrado em que A diz que deixa a T os bens que indica num papel que est guardado

    no porta-luvas de um automvel, e nesse papel alude-se a um automvel e uma bicicleta. 12 Embora haja quem esteja contra este entendimento, porventura com base na parte in fine (conforme o contexto do

    testamento) deste preceito, como o caso de NAZARETH LOBATO GUIMARES.

  • 15

    contexto do testamento. Quanto aplicabilidade das normas gerais, o art.236., marcado por

    uma teoria objetivista e da impresso do destinatrio, no parece muito aplicvel, mas a lgica

    de aproveitamento parece ser til. Por outras palavras, valer a interpretao do contexto que se

    afigurar mais razovel. O art. 237. aplicvel, caso resulte duvida entre dois ou mais sentidos

    na disposio testamentria, pelo critrio que contm. O art.238. tambm, com a modificao

    de texto para contexto, tem cabimento para as disposies no essenciais, dado que esto

    subtradas de exigncia legal. O CC contm, nos arts. 2225. a 2228.,2260., 2262., 2263. e

    2274., entre outros, normas interpretativas de disposies testamentrias, distinguindo-se,

    portanto, das que esto inseridas no art. 2187. e que definem a orientao que deve presidir

    atividade do intrprete. V.g., o art. 225. determina que a disposio feita a uma generalidade de

    pessoas, sem qualquer indicao, (v.g. pessoas com sida) seja considerada feita a favor das

    existentes no lugar em que o testador tinha o domiclio data da morte, o art. 226. relativo a

    parentesver os artigos!

    Relativamente integrao das lacunas do testamento, a regra geral estabelecida no

    art. 239., que alude aos ditames da boa-f. Na falta de norma legal especfica, a razo

    determinante do cariz formal do negcio e o art. 2187. no permitem a interao quanto a

    aspetos essenciais da sucesso testamentria que, como decorre do art. 2182./1, devem ser

    regulados pelo testador. Um exemplo raro de norma que prev integrao de aspetos essenciais

    da sucesso testamentria resulta a contrario do art. 2185.. Assim, e quanto a pontos

    secundrios, instrumentais, no essenciais, o testamento passvel de ser integrado de harmonia

    com a vontade que o de cuius teria tido se houvesse previsto o ponto omisso. O art. 239. ser,

    ento, relevante, na parte que se estabelece a integrao mediante o recurso vontade hipottica

    do autor do negcio, uma vez que a possibilidade de preencher uma lacuna atravs dos ditames

    da boa-f seja, quanto a JORGE DUARTE PINHEIRO, menos clara. Alis, como salienta GUILHERME DE

    OLIVEIRA, duvidoso saber at que poto as regras da boa-f, construdas para os negcios

    jurdicos vulgares, so aplicveis a um negcio estranho ao comrcio jurdico.

    Quanto ao contedo do testamento13

    , porventura a matria mais importante da

    sucesso testamentria, a primeira distino que importa referir que este pode ter contedo

    patrimonial ou pessoal. O n2 do art. 2179. alude expressamente a disposies de carter no

    patrimonial que a lei permite inserir no testamento, determinando, assim, que so vlidas ainda

    que no ato revestido de forma testamentria em que estejam contidas no figurem disposies

    de carter patrimonial. Entre estas disposies que no tm carter patrimonial, que a lei permite

    incluir no testamento, pode citar-se as que respeitam perfilhao, declarao de maternidade,

    designao de tutor e sufrgios. A perfilhao permitida em testamento, nos termos do art.

    1853., al. b) e sempre irrevogvel, no sendo prejudicada pela revogao do testamento pela

    qual tenha sido feita (art.1858.); a declarao de maternidade tem eficcia constitutiva do

    vnculo de filiao, ao abrigo dos arts. 114./1 e 129. do CRC14

    , a designao de tutor vlida

    por fora do art. 1928./3, etc., sendo que a doutrina (GUILHERME DE OLIVEIRA, OLIVEIRA

    ASCENSO) apresenta outros exemplos de contedo no patrimonial que passvel de introduo

    no testamento, tais como a instituio de fundaes (art.185.), ou a nomeao de testamenteiro

    (art. 2320.), entre outros15

    . Efetivamente, no h obstculos incluso em testamento destas

    disposies, mas, no entanto, pode, segundo JORGE DUARTE PINHEIRO, ser questionvel a sua

    arrumao no campo predominantemente patrimonial, dado os efeitos que estes atos tm, que

    so, normal ou predominantemente patrimoniais. Note-se, contudo, de que no se deve crer que

    13 No sentido aplicvel generalidade dos negcios jurdicos, ou seja, no o quid sobre o qual este recai mas, sim, a

    prpria regulamentao que posta em vigor pelo (s) seu (s) interveniente (s); sendo que, neste caso, ser apenas um. 14 Cdigo do Registo Civil. 15 Para observar os restantes exemplos, vide JORGE DUARTE PINHEIRO, Ob. Cit., p. 156.

  • 16

    s podem figurar num testamento as disposies cuja incluso seja, expressa ou tacitamente,

    permitida por um preceito legal, dado que, vigorando um princpio geral de liberdade negocial,

    deve optar-se por uma interpretao que no seja demasiadamente legal. A lei permite inserir no

    testamento todas as disposies de carter no patrimonial cuja incluso no seja, direta ou

    indiretamente, vedada pela prpria lei16

    (assim, no admitida a impugnao, por testamento,

    do ato de perfilhao, dado o seu formalismo), pelo que, em princpio, o testamento pode versar

    sobre situaes de carter no patrimonial, suscetveis de serem exercidas pelo seu titular por

    ato unilateral, como o corpo (cremao), ou sobre a transferncia post mortem de embrio, nos

    termos do art. 22./3 da LPMA. Ainda dentro deste campo de estudo, so destacveis duas

    distines: a primeira, que contrape o contedo principal (em relao ao qual cabem as deixas

    a titulo de herana ou legado. Se o autor da sucesso fizer uma deixa em que atribui pura e

    simplesmente uma quota da herana, essa quota quantificada tendo por base o R, deduzido do

    P (R-P), sendo os legados analisados infra) e acessrio (no qual cabem as condies, termos, e

    modos), e outro que contrape o contedo comum e anmalo. Neste (anmalo), o que se

    demarca do que normal, incluindo o contedo acessrio, instituio de fundaes, substituio

    direta e fideicomissria.

    Quanto questo dos legados, que fazem parte do contedo principal do testamento,

    surge importante considerar as modalidades de legados, na qual se tomam por base trs

    classificaes: a classificao romanista (a), a classificao de GALVO TELLES (b) e a

    classificao que ope os legados tpicos aos atpicos (c).

    a) A classificao romanista agrupa os legados em duas modalidades: per vidicationem,

    relativos atribuio da propriedade ou outro direito real, e o per damnationem, que

    atribui ao legatrio um direito de crdito contra o herdeiro;

    b) A classificao construda por GALVO TELLES reparte os legados em dispositivos, que se

    traduzem numa diminuio do ativo da herana, e podem ser legados de direitos, reais

    ou obrigacionais, preexistentes no patrimnio do de cuius, legados de direitos novos

    formados custa de direitos preexistentes no patrimnio do falecido, v.g., deixa de

    usufruto, e legados de exonerao de obrigaes, v.g., perdo de dvida e em

    obrigacionais, que acarretam aumento do passivo hereditrio: o legatrio adquire um

    direito perfeitamente novo que nem sequer foi constitudo custa de um direito

    preexistente do autor da sucesso. Os arts. 2269. e 2271. contm normas supletivas

    aplicveis aos legados dispositivos de direitos reais, sendo que tambm o art. 2272.

    regula um legado dispositivo de direito real, o legado de coisa onerada. O art. 2261.

    refere-se ao legado de crdito, que um legado dispositivo de direito de crdito, tipo de

    legado tambm previsto no art.2273., relativo ao legado de prestao peridica. Quanto

    ao art. 2258., ele prev normas supletivas para o legado de usufruto, legado dispositivo

    de direito novo, pelo qual, na falta de indicao em contrrio, se considera que a deixa

    de usufruto feita vitaliciamente ou se o benificirio for uma pessoa coletiva, por trinta

    anos;

    c) Esta terceira classificao divide os legados em tpicos e atpicos, conforme estejam, ou

    no, tipificados da lei. Os legados mencionados anteriormente so alguns legados

    tpicos; outros so o legado de coisa alheia (legado obrigacional, segundo GALVO

    TELLES), o legado de coisa genrica e o legado alternativo: no legado de coisa alheia,

    16

    Isto porque, e como se deve ter sempre em mente, o contedo do testamento e do prprio Direito das Sucesses em geral predominantemente patrimonial. Assim, quando se fala no cariz pessoal, este deve ser entendido como uma rea menos utilizada neste ramo do Direito, como que secundria, embora, como

    se saiba, este seja permitido dentro dos limites legais.

  • 17

    previsto nos arts. 2251.,2252.,2254. e 2256., o testador deixa uma coisa que, no todo

    ou em parte, no lhe pertence. Em regra, o legado de coisa alheia nulo, exceto no caso

    previsto nos arts. 2251./3,1685./3, a parte que lhe pertencer no caso do art. 2252./1,

    primeira parte, ou se o testador sabia que no lhe pertencia a totalidade da coisa (art.

    2252./2, segunda parte), o caso do art. 2254., o legado de coisa do prprio legatrio

    nos termos do art. 2256./, etc. Quanto ao legado de coisa genrica, tem por objeto uma

    coisa indeterminada de certo gnero (v.g., um automvel): aqui, a escolha da coisa, em

    cumprimento deste legado, cabe ao sucessor onerado com o encargo, exceto se o

    testador tiver atribudo a escolha o prprio legatrio ou a terceiro, conforme disposto no

    art. 2266./2, ou se, tendo este falecido, aos seus herdeiros (art.2266.). O silncio do

    testador sobre a matria regulado pelo art. 2266./2: a escolha recair sobre as coisas

    existentes na herana, e o legatrio incumbido de escolher pode optar pela melhor,

    sendo que nos restantes aspetos da escolha se aplicam, mutatis mutandis17

    , as normas

    gerais dos arts. 400. e 542.. Tambm o art. 2253. importante. Quanto ao legado

    alternativo, tem por objeto duas ou mais coisas, ou prestaes, para que seja escolhida

    apenas uma (semelhantes s obrigaes alternativas), sendo a liberalidade vlida,

    estando subordinada ao regime, devidamente adaptado, das obrigaes alternativas

    (arts. 543.ss, aplicveis ex vi do art. 2267.. A regulao de a quem incumbe a escolha

    regulada no art. 2268..

    Quanto s disposies condicionais, a termo ou modais, o testamento pode estar sujeito a

    este tipo de clusulas acessrias, que, no so as nicas possveis (v.g. o exemplo de

    OLIVEIRA ASCENSO: imposio ao legatrio da obrigao de dar preferncia a certa pessoa).

    Em regra, permite-se a instituio de herdeiro ou a nomeao de legatrio sob condio

    suspensiva ou resolutiva (art.2229.); o art. 2234. apresenta uma considerao legal na qual

    se considera feita sob condio resolutiva, a instituio ou nomeao de herdeiro e legatrio

    sob condio de no dar certa coisa ou no praticar certo acto, a no ser que o contrrio

    resulte do testamento. Quanto aos efeitos do preenchimento da condio suspensiva ou

    resolutiva, eles retroagem-se imperativamente data da morte do testador, conforme o art.

    2242./1, sendo esta retroatividade limitada nos termos dos ns 2 e 3 do art. 277. (cf.

    Art.2242./2). Na pendncia da condio, prev-se um regime especial, relativamente

    prestao de cauo e quanto administrao: a prestao de cauo nos arts. 2236./1 e 2, e

    art. 2237./2 e, relativamente administrao, os arts. 2237./1 e 2238. e 2239..

    O princpio subjacente ao regime das condies ilcitas ou impossveis na instituio de

    herdeiro ou nomeao de legatrio diverge do regime geral (art.271.): em geral, este nulo

    mas a instituio de herdeiro ou nomeao de legatrio no , normalmente, prejudicada por

    estas condies; so s estas condies que so nulas (na letra da lei, tidas por no

    escritas). Contudo, se as condies testamentrias forem fsica ou legalmente possveis,

    atendvel a declarao de vontade do testador que exclua a subsistncia da disposio

    principal, conforme o art. 2230./2. A lei, nos arts. 2232. e 2233., d exemplos de

    condies contrrias lei, sendo que tambm contrria lei a chamada condio

    captatria, i.e., instituio ou nomeao de herdeiro ou legatrio sob condio de que o

    herdeiro/legatrio o faa igualmente no seu testamento alguma disposio a favor do

    testador ou terceiro, sendo que ela nula (art. 2231.). Quanto instituio de herdeiro, ela

    no pode ser sujeita a termo. O termo aposto deixa a ttulo de herana tem-se por no

    escrito, conforme o art. 2243./2. Quanto nomeao de legatrio, no pode ser sujeita a

    17 I.e., com as necessrias adaptaes.

  • 18

    termo final, exceto se a disposio principal versar sobre direito temporrio. Caso no se

    verifique esta exceo, o termo final nulo, conforme disposto no art. 2243./2. Assim, a

    inadmissibilidade dos termos no prejudica as disposies principais. A nomeao de

    legatrio pode estar, contudo, sujeita a termo inicial, mas a clausula tem um efeito peculiar,

    que descrito no art. 2243./1: o de adquirir o direito legado antes do prazo estipulado,

    suspendendo-se somente a execuo da disposio principal. Relativamente

    admissibilidade ou no de sujeio a clusula modal, tanto a instituio de herdeiro como a

    nomeao de legatrio podem ser sujeitas a disposies modais, modos ou encargos,

    conforme previsto no art. 2244.. No obstante disso, o art. 2245. manda aplicar aos

    encargos impossveis e ilcitos o disposto sobre condies testamentrias (dado que as

    figuras da condio e encargo so diferentes) impossveis e ilcitas, podendo o tribunal,

    quando o considere justificado e o testador no tenha disposto coisa diversa, impor ao

    sucessvel testamentrio onerado pelas disposies odeias a obrigao de prestar cauo

    (art.2246.). Caso o benificirio desta liberalidade no cumpra a obrigao para a qual foi

    imposto, o art. 2247. d a faculdade a qualquer interessado para exigir o seu cumprimento,

    e a resoluo (opes paralelas ao regime geral, 963.ss) prevista no art. 2248., tendo que

    respeitar os fundamentos que so exigidos para ser requerida a resoluo do modo.

    Tambm as instituies podem ser institudas por testamento, nos termos do art. 186./1;

    a sua revogabilidade prevista no art. 185./4, as estipulaes do de cuius, relativamente a

    ela, no art. 186./2. O regime o normal para as fundaes, com as particularidades legais

    que so previstas pelo facto de ser feito post mortem.

    Os testamentos, como qualquer negcio jurdico, tambm so passveis de sofrer

    desvalores jurdicos, causados pelas suas caractersticas no serem aceites pelo direito.

    nesse mbito que se fala na ineficcia lato sensu do testamento. Esta abarca, por um lado,

    a inexistncia, invalidade, revogao e caducidade, e, por outro, situaes que resultam, por

    exemplo, de inoficiosidade.

    Relativamente inexistncia e invalidade, h que dizer que as situaes de inexistncia

    do testamento correspondem s do regime jurdico em geral (assim, falta de conscincia na

    declarao ou coao fsica, por exemplo), e submetidas ao regime geral: no produzem

    qualquer efeito, pode a inexistncia ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo,

    independentemente de declarao judicial.

    Em contrapartida, no campo da invalidade, a lei estabelece regras especiais para o

    testamento: por um lado, estatui especificamente as causas de invalidade a partir do art.

    2179., encontrando-se logo um caso no art. 2180., mas, s vezes, estas previses

    contrariam claramente o regime geral. Exemplo claro, e j referido, disso mesmo, o da

    hiptese de disposio testamentria simulada que no nula, mas sim anulvel (art.2200.,

    que se desvia do disposto no art. 240./2. Mais melindrosa se torna a situao em que a lei

    estabelece proibies sem ter determinado consequncias da sua infrao. Nomeadamente,

    o art. 2181., que impe que no podem testar no mesmo ato duas ou mais pessoas, mas

    qual a consequncia dessa ao? Ver-se- adiante. Quanto ao regime prprio de arguio e

    sanao de invalidades do testamento ou disposio testamentria, este refere-se nulidade

    e anulabilidade: nos termos do art. 2308., a ao de nulidade caduca ao fim de dez anos, a

    contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa de

    nulidade. Esta nulidade especial demarca-se do regime geral, uma vez que a tpica

    invocvel a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.286.).

    Assim, a nulidade testamentria atpica est sujeita a prazo; por ter prazo, que depende da

    data de conhecimento do interessado, no pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

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    J o art. 2308./2 determina que a ao de anulabilidade do testamento caduca ao fim de,

    no dez, mas dois anos a contar da data. Na anulabilidade atpica, que a que est em

    causa, a arguio deve ser feita dentro do ano subsequente cessao do vcio que lhe serve

    de fundamento. As regras de suspenso e interrupo da prescrio aplicam-se aos referidos

    prazos de arguio de invalidades, conforme o art. 2308./3, que, porm, so prazos de

    caducidade. Apesar da livre revogabilidade do testamento, a invalidade pode ser invocada

    em vida do de cuius, p.e., para obstar entrega de bens a legatrios e herdeiros em caso de

    curadoria definitiva (art.102.).

    Para efeitos de arguio das invalidades, so considerados interessados todos os que

    sero chamados a suceder se o testamento ou disposio testamentria for invalidade, como,

    p.e., os sucessveis legtimos. O art. 2310. atribui carter imperativo a este regime de

    arguio, por determinar que o testador no pode impedir que o seu testamento seja

    impugnado nos casos de nulidade ou anulabilidade.

    Quanto ao caso de confirmao, ela tem um regime prprio, sediado no art. 2309., que

    determina que no pode prevalecer-se da nulidade ou anulabilidade aquele que a tiver

    confirmado. Isto significa que a nulidade testamentria atpica suscetvel de confirmao,

    algo que se mostra completamente diferente do regime geral, no qual a confirmao

    excluda para a nulidade. Alm disso, a conformao do art. 2309. distingue-se da do art.

    288. por no sanar plenamente a invalidade: a confirmao feita por um interessado impede

    apenas que ele venha invocar a invalidade testamentria atpica em apreo: no extingue o

    direito de arguio que hipoteticamente assiste a outros interessados.

    A relevncia da invalidade testamentria atpica, nulidade ou anulabilidade esta

    inteiramente dependente da ao ou omisso de particulares, j que so eles os nicos que a

    podem invocar. E a eles cabe tambm a facilidade de sanar a invalidade tpica da

    disposio, mediante conformao ou deciso de no arguir nulidade ou anulabilidade

    dentro do prazo legal. , no entanto, dificilmente concebvel que, dado o regime em causa,

    certas matrias fiquem ao labor da vontade dos interessados. Sobre esse ponto se debruou

    muita doutrina e jurisprudncia.

    GUILHERME DE OLIVEIRA no admite a confirmao de todas as disposies testamentrias

    nulas. No seriam suscetveis, nomeadamente, as disposies contrrias ordem pblica e

    bons costumes, ou as de carter pessoal contrrias lei, como a perfilhao de um nascituro,

    feita antes da conceo (cf. Art. 1855.).

    J OLIVEIRA ASCENSO considera que se h um mero erro escrito particular que o de cuius

    designou testamento, no se pode supor a caducidade da ao ou da confirmao, pelo que o

    testamento seria inexistente, no obstante o que decorre do art. 2206./5.

    Por outro lado, um acrdo da Relao (Ac. RL 30/10/2007), julgou inadmissvel a

    transao numa ao destinada a obter declarao de nulidade de um testamento, porque dar

    sem efeito um testamento no materializa um direito disponvel.

    JORGE DUARTE PINHEIRO considera, em primeiro lugar, que no se pode dizer que a

    nulidade tpica, do art. 286., no se aplica ao negcio testamentrio. Essa nulidade afecta as

    disposies testamentrias, condicionais ou modais, ilcitas ou impossveis, que se tm por

    no escritas (arts. 2229. e 2245.). E tem que se aplicar s disposies testamentrias

    principais ilcitas (art. 280./1), impossveis (art. 280./2), essencialmente determinadas por

    fim ilcito (art.2186.) ou que no observem a forma legalmente prescrita (arts.

    220.;2206./5), ou seja, so estas que devem ser afetadas pelo regime geral, na sua opinio!

    Assim, a invalidade do negcio testamentrio pode consistir, por ordem de gravidade, numa

    nulidade tpica, nulidade atpica ou numa anulabilidade atpica. Ora, desta forma, na falta de

    estatuio especfica, qual seria a consequncia de infrao de uma norma legal relativa ao

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    negcio testamentrio Normalmente, a nulidade, mais precisamente, a nulidade atpica,

    criada especialmente para o negcio testamentrio. Nas situaes menos graves, na qual se

    afigure excessivo o prazo de arguio da nulidade atpica, ter sentido a anulabilidade

    atpica. E, por fim, quanto s situaes em que se afigure incompatvel a entrega da

    relevncia da invalidade iniciativa, ou falta dela, dos interessados, s poder haver

    nulidade tpica. Assim, e na opinio, o desvalor indicado para o testamento de mo comum

    (art.2181.), referida supra, ser a nulidade tpica.

    Passando revogao do testamento, esta corresponde a um ato jurdico pelo qual o

    autor da sucesso manifesta vontade de extinguir o negcio que realizou. um modo de

    extino e ineficcia do negcio jurdico, que se demarca da caducidade, considerada infra:

    a ltima tambm extingue o testamento, mas no consiste num ato jurdico, dado que o

    efeito extintivo da caducidade decorre de um facto jurdico. O art. 2179. define o

    testamento como um ato revogvel e o art. 2311. probe ao testador a renuncia faculdade

    de revogar o testamento. Com efeito, o n2 do art. 2311. estabelece que se tem por no

    escrita a clusula testamentria que contrarie a faculdade de revogao, fixando-se, assim,

    uma nulidade tpica para este caso, reveladora da sua importncia enquanto caracterstica do

    testamento.

    Existem duas classificaes atinentes revogao. A primeira distingue a revogao

    total da parcial, com base no critrio do mbito da revogao do testamento. O art. 2311.

    alude, inclusive, faculdade de revogar, no todo ou em parte, o testamento. A segunda

    classificao a que assenta no modo de operar da revogao do testamento, e que

    distingue entre revogao expressa, quando o testador declara, num testamento posterior ou

    em escritura pblica subsequente, que revoga no todo ou em parte aquele testamento

    (art.2312.), nos termos dos arts. 7./1, al. a), 11. e 12., 67./1, al. a), 2 e 3 CN), a

    revogao tcita, que ocorre quando o mesmo autor faa um testamento posterior

    incompatvel (art. 2313./1), sendo que, conforme o n2 do art. 2313., se aparecerem dois

    testamentos incompatveis com a mesma data, tm-se por no escritas em ambos as

    disposies contraditrias, sendo que o art. 2314. regula os efeitos da revogao do

    testamento que, por seu turno tenha feito uma revogao expressa ou tcita de outro, pelo

    qual vigora a regra de que a revogao do testamento contraditrio no prejudica a

    revogao efetuada por este testamento. Contudo, o n2 do art. 2314. prev que o

    testamento anterior ao revogatrio que, por sua vez, foi revogado, recobre a sua fora se o

    tstador, revogando o posterior, declarar ser da sua vontade que revivam as disposies do

    primeiro, num fenmeno apelidado de roborao. Este ato tem que ser feito num terceiro

    testamento e, portanto, no pode ter lugar no caso de revogao real, que opera por

    destruio fsica do testamento ou alienao ou transformao da coisa legada. Este tipo de

    revogao referenciado no art. 2315. e regulada no art. 2316.. Qualquer testamento,

    incluindo o publico, pode ser objeto de revogao real por alienao ou transformao da

    cosia legada, o que no acontece revogao real por inutilizao do testamento, que no se

    aplica ao testamento publico. admitido quanto ao cerrado nos termos do art. 2315. e, por

    maioria de razo, ao internacional, dado que a este se aplicam as regras do cerrado. A

    revogao real por inutilizao ocorre quando o autor da sucesso tenha destrudo o

    testamento cerrado de maneira a tornar impossvel a leitura da primitiva disposio (art.

    2315.). Note-se que h uma diferena semntica importante: se este tiver sido destrudo, e

    no dilacerado (rasgado), i.e., se tiver sido destrudo e no for possvel ler a primitiva

    disposio, no h revogao, mas sim caducidade, e se o ato foi praticado por pessoa

    diversa, sem inteno revogatria ou quando o mesmo se encontrava privado do uso da

    razo. Quanto revogao real de um legado testamentrio por alienao ou transformao

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    da coisa legada verifica-se quando o testador tenha alienado ou transformado a coisa legada

    em outra com diferente forma, denominao ou natureza (cf. art. 2316.).

    Quanto caducidade do testamento, abrange todas as causas de ineficcia do negcio

    que no se reconduzam inexistncia, invalidade, revogao ou inoficiosidade. O art.

    2317., a esse respeito, contm um elenco meramente exemplificativo de casos de

    caducidade de disposies testamentrias, repartido em 5 alneas (alneas a) a e)), aos quais

    JORGE DUARTE PINHEIRO acrescenta vrios outros casos de caducidade no previstos neste

    preceito, como so os casos dos arts: 188./1, 1650./1,1704. e 1716., 1706./1, 1791./1 e

    1974., 2059.,2222./1 e 2, 2257. e a impossibilidade superveniente de leitura da primitiva

    disposio testamentria, quando no se conclua ter havido revogao de testamento

    cerrado, internacional, ou especial, e o legado de coisa certa que tiver perecido por causa

    no imputvel ao testador. Quanto situao do sucessvel testamentrio, pode-se dizer que

    este titular de um interesse reflexamente protegido, antes da morte do de cuius.

    1.2. Sucesso contratual

    O art. 2028., relativo sucesso contratual, prev no n1 trs tipos ou modalidades de pactos

    sucessrios: pactos renunciativos, mediante os quais algum renuncia sucesso de pessoa

    ainda viva, pactos aquisitivos ou designativos, mediante os quais algum regula a sua prpria

    sucesso, e pactos dispositivos, mediante os quais algum dispe de sucesso de terceiro ainda

    no aberta. Note-se que os pactos aquisitivos, designativos ou de sucedendo, nada mais so do

    que doaes por morte, mediante as quais o doador designa o donatrio seu herdeiro ou

    legatrio. Por fora do art. 2028./2, apenas so vlidos os pactos sucessrios nos casos

    previstos na lei, resultando dai que os pactos puramente renunciativos e dispositivos so nulos,

    mas podem ser vlidos alguns pactos designativos. A nulidade em apreo a dos negcios

    jurdicos em geral (art. 285. e ss), e no a nulidade atpica, que exclusiva das disposies

    testamentrias. Enquanto o testamento um ato unilateral livremente revogvel, o pacto

    designativo um ato bilateral, que, em principio, no livremente revogvel pelo doador

    mortis causa: a bilateralidade do pacto condiciona o teor das deixas a ttulo de herana e legado:

    a no revogabilidade unilateral impede que o de cujus pratique atos unilaterais de disposio

    mortis causa a ttulo gratuito ou, s vezes, oneroso, incompatveis com clusulas pactcias. Estes

    pactos, renunciativos, designativos ou dispositivos, vin