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António Ribeiro Sanches Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real na cidade do Reino que se achasse mais conveniente Universidade da Beira Interior Covilhã – Portugal 2003

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António Ribeiro Sanches

Apontamentos para fundar-seuma Universidade Real na cidade

do Reino que se achasse maisconveniente

Universidade da Beira InteriorCovilhã – Portugal

2003

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Conteúdo

Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1Se convém ao Estado que fique a Universidade de Coimbra com o título de Régia

e Pontifícia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1Objecto e último fim desta Universidade Real. . . . . . . . . . . . . . . . . . 2Origem da Jurisdição das Universidades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

Continua a mesma Matéria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4Breve prospecto ou notícia da Universidade de Coimbra neste século. . . . . . 4Estabelecimento de uma Universidade Real que tenha por último fim ensinar as

Ciências úteis ao Estado e a virtude civil. . . . . . . . . . . . . . . . . . 5Exercício do Juiz Fiscal ou Censor da Universidade. . . . . . . . . . . . . . . 6Sobre as casas de pasto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Passeios Públicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8Dos Cafés. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8Propõem-se três Colégios dos quais constaria a Universidade Real. . . . . . . 9Por quantos anos estudariam neste Primeiro Colégio os Estudantes?. . . . . . 10Dos Lentes, dos Leitores deste primeiro Colégio e das mais Pessoas de que

constaria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11Continua a mesma matéria sobre os Estudantes Internos. . . . . . . . . . 12

Governo escolástico, económico do primeiro Colégio de Filosofia e Humanidades12Do Colégio da Medicina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13Do Colégio da Jurisprudência, terceiro de que seria composta esta Universidade13Leis ou Constituições tocantes aos Estudantes que o Senado Académico faria

conhecer por Editais a todas as Câmaras do Reino. . . . . . . . . . . . . 15Artic. II – Da Lei acima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16Artic. III – Da mesma Lei. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16Artic. IV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17Artic. V . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18Artic. VI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

Dos Exames antes dos Estudos da Universidade, dos anuais e dos últimos daformatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19Exames anuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19Do último exame de cada Colégio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Do vestido e do trato desta Universidade Real. . . . . . . . . . . . . . . . . . 21Dos graus desta Universidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

Continua a mesma matéria, e sobre os graus que se concederiam aos Es-trangeiros. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Dos Honorários ou Emolumentos dos Lentes e dos Leitores, e da proporção quehaviam de ter com os mais salários dos outros Tribunais e Colégios. . . . 24

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iv António Ribeiro Sanches

Continua a mesma Matéria. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24Algumas Providências do Conselho Académico no Governo da Universidade. 26Se para se estabelecerem em Portugal as Ciências será mais acertado que os

Estrangeiros assalariados as venham ensinar ou que os Nacionais vãoaprendê-las onde florescem?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Das Rendas desta Universidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28Alguns estabelecimentos mais que poderia ter a Universidade Real. . . . . . . 31De Academia Georgia Augusta, Quæ Gottingæ est,. . . . . . . . . . . . . . . 32Privilegium Regium. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real v

Gratum est, quod Patriæ civem, populoque dedisti,

Si facis, ut Patriæ sit idoneus, utilis agris,

Utilis & bellorum & pacis rebus agendis.

Juvenal. Satyr.XIV

Introdução

Hoje é máxima constante que a virtude, a ciência e ovalor dosPovosnão dependem da sua educação par-ticular nem da Religião que professam. Todos assen-tam, que das boas, ou más Leis civis, e da sua obser-vância provém o seu modo de viver e de pensar. OsEstados Políticos estão fundados na LeiNatural, e assuas principais Leis saiem e devem sair dela: e seráimpossível conservarem-se por muito tempo, se nãose observarem pelos dois mais potentes motivos, quedeterminam os homens a proceder, que são o prémio,e o castigo. Se não forem castigados severamente oscrimes, que arruinarem aautoridade, e aunião daRepública, e aqueles que destruirem a vida, a honra,e os bens dos súbditos; se o trabalho, a indústria, e ocumprir cada qual às obrigações que lhe destinou oEstado, não forem protegidos e premiados, nenhumaReligião revelada, nem ainda a Católica Romana, ob-servada tão religiosamente como em Portugal, serábastante para impedir a sua total ruína.

A Religião revelada está fundada na Religião Na-tural: se o Estado civil não cultivar e promover estapela observância das suas Leis, será impossível quese observe aquela conforme os ditames sagrados. Detal modo, que os principais Ministros, e Missionáriosda salvação das almas, são os Magistrados, que coma Jurisdição, emanada do Trono, e com o seu exem-plo farão observar as Leis fundamentais, com que foiestabelecido: então é que se observará santamente aReligião revelada.

Mas o Soberano além da Regalia decastigare depremiar, tem ainda, entre as mais, a dePai e con-servadordo seu Povo. É ter cuidado de prevenir oscrimes, doutrinando-os para cumprir a sua obrigação.Os mais excelentes Monarcas que celebra a Históriasagrada e profana foram aqueles que tomaram aEdu-caçãodos seus povos à sua conta; fundando Escolaspúblicas, para adquirirem ali os hábitos da virtude,e as Ciências de que necessitavam os seus Estados.Por este tão suave e honroso caminho caminharamos Heróis que celebra a antiguidade.

Nesta consideração é que preferi escrever estesApontamentosa qualquer outro tratado de Filoso-fia Moral, ou de Medicina. Porque pensei, que sepelo vigor das Leis da Universidade que proponho,se educarem nela súbditos doutos e virtuosos, quecausaria maior utilidade à Religião e ao Estado, doque empregar o tempo em outra qualquer composi-ção. Considerando a importância da matéria, que es-crevo, e a sua utilidade, não me atrevi intitulá-la quedo nome de Apontamentos, como matéria da qual oLegislador poderá formar Leis e Estatutos que sir-vam para formar-se a Universidade. Espero que ne-

les se achem os conhecimentos necessários; e se porignorância minha não cumprir o que declaro, possoafirmar que não foi por falta de inquirir nos livros oque está escrito da Educação pública, tanto da anti-guidade como da dos nossos tempos; além da instru-ção particular que alcançei dos meus corresponden-tes, Lentes de Universidades.

Se convém ao Estado que fi-que a Universidade de Coim-bra com o título de Régia ePontifícia

Já em outro lugar mostrei a necessidade que tem oReino da educação da Mocidade Ingénua, e das Ci-ências sem as quais se não pode governar, nem con-servar. Também mostrei o grande detrimento quecausa às mesmas Ciências, e à Jurisdição Real, quea Teologia e o Direito Canónico se ensinem na Uni-versidade, onde se ensinam juntamente as Ciênciashumanas. Será impossível que entre Teólogos, e oSenado Académico que deve depender unicamentedo Poder Real, não haja discórdias, e tudo mais quepode causar o escândalo e a desordem civil. A Ju-risdição Real, única no Reino, é incompatível comas pretensões da Corte de Roma, e com as decisõesdo Concílio de Trento; onde toda a incumbência, egoverno das Universidades está confiada aos Bispos,e seus Cancelários, ou à mesma Corte de Roma; osGraus de Bacharel, de Doutor são conferidos por Mi-nistros Eclesiásticos com juramento de observaremas decisões daquela Cúria. Pelo que será impossívelque jamais os Teólogos, nem os Canonistas queiramser governados unicamente pelo poder Real, e vive-rem no seu Reino dependentes totalmente do seu So-berano, tendo autoridades no Direito Canónico, quealegaram em seu favor, e que desgraçadamente atéagora passavam por decisões de fé não fazendo casodo dito Direito nos nossos dias, nem a Igreja de Tu-rim, nem a de França.

Estas considerações, e outras muitas, que não sãodeste lugar, me parece, serão bastantes para que S.Majestade que Deus guarde, ordene ou que a facul-dade de Teologia e dos Cânones sejam transplantadasem Évora, ou em Braga, para ali se ensinarem à custameramente dos Bispos e dos Cabidos, debaixo da di-recção dos Prelados; mas com a inspecção de doisMagistrados Fiscais seculares, para observarem quenão ensinassem doutrina alguma nem imprimissemlivro ou conclusãoonde se contradissesse a Jurisdi-

2 António Ribeiro Sanches

ção Real, ou lei fundamental do Reino, costume daUniversidade de Paris e de Turim.

Constaria então a Universidade Real que propo-nho de três Colégios somente. O primeiro da Filoso-fia e Matemáticas. O segundo de Medicina; e o Ter-ceiro da Jurisprudência, e das Leis do Reino. Destemodo se podiam ensinar estas ciências, graduarem-se nelas os que as aprendessem por autoridade Real,sem intervenção da Corte de Roma, nem obrigaçãode adjuvarem as suas leis: prática constante por cincoséculos da Universidade de Nápoles.

Objecto e último fim desta Uni-versidade RealO intento que tiveram as escolas que fundaram osImperadores Romanos (como veremos abaixo) e quedeve ter a Universidade que proponho, é formar amocidade ingénua do Estado, de tal modo que se-jam capazes de servir a pátria no tempo da paz eda guerra, e tão virtuosos que pelo seu bom proce-der e exemplo, comuniquem aos povos as virtudessociáveis e cristãs, adquiridas pela imitação, e peloensino dos Magistrados da Universidade, e dos seusLentes. Mui limitado proveito retiraria o Estado, seo último fim de uma Universidade fosse formar umMatemático, um Médico, e um Jurisconsulto, des-tituídos das virtudes morais, e daquele amor do bemcomum; isso seria empregar o Estado tantos cabedaise tanto cuidado, para servir-se de homens mercená-rios, ou de tantos oficiais que têm só por objecto olucro do seu saber e da sua indústria. É coisa incrívelque as Universidades Pontifícias estejam destituídasde estatutos; que obriguem os Estudantes a aprendera vida honrada e virtuosa de cidadão e que consintamos seus Reitores, Cancelários, Mestres-escolas, todosEclesiásticos, que cada dia infrinjam as leis Naturais,as Civis e a do decoro, protegendo-os da Justiça se-cular, e abstraindo-os do castigo decretado pelas LeisCivis? Mas não lhes convém que saiam da Universi-dade homens cidadãos, amantes do bem público, queconheçam o seu Rei pelo único Soberano: o objectodestas Universidades é fundar uma Monarquia arbi-trária dentro da legítima, e sustentar-se à custa destaúltima que os Estudantes formados não julguem porsi, e que só se convençam pela autoridade e pelo po-der usurpado dos que os ensinaram.

As máximas da vida virtuosa e civil, (que de-vem ser o segundo objecto desta Universidade) nãose aprendem à força deMissões, de Novenas, nemde Práticas espirituais: só as Leis e os estatutosda Universidade bem observados, e executados porMagistrados prudentes e virtuosos, cidadãos com fa-

mília, ou em estado de a ter, poderão inspirar noânimo dos Estudantes estas virtudes adquiridas peloensino, pela sujeição, e pelo exemplo dos superiorese dos seus Lentes. A educação regular, obrigada aobservar-se pelo medo dos castigos e da desonra, po-derá fazer nascer o hábito das virtudes morais, quesabemos por experiência não se adquirem jamais porconselhos, nem admoestações ainda que sejam pro-nunciadas com todas as flores da eloquência.

Origem da Jurisdição das Uni-versidades

Até o ano 1158, quandoFrederico Primeirocha-madoBarbarossa, governava o Império do Ocidente,nenhuma Academia ou Escola tinha Jurisdição paracastigar os que nelas ensinavam e estudavam. Aque-las antigas escolas do Egipto, da Grécia e de Atenas,não somente não tinham Jurisdição alguma, mas nemainda os Professores tinham honorários do tesourodo Estado. Flávio Vespasiano foi o primeiro que lhesconcedeu honorários do seu fisco, limitando esta gra-tificação aos Professores da Eloquência Grega e La-tina1. Antonius Pius, sessenta anos depois, concedeusemelhantes emolumentos aos professores da Filo-sofia, não somente em Roma, mas também em todasas Províncias do Império, como refere Capitolinus.Desta protecção gozaram as Escolas públicas até otempo de Justiniano. Mas até o século XII não lemosque as Escolas de Alexandria, de Beryto, de Constan-tinopla, Atenas e de Roma tivessem Jurisdição priva-tiva; por que dependiam totalmente da Jurisdição dosPretoresePropretorese dosPrefeitosdas cidades; oque se poderá ver com indagação particular emCon-ringiuse seu comentadorHeumannus2.

Nas cortes de Roncalia, em Itália, onde presidiu oImperador Frederico Barbarossa, se decretou aquelaAutênticane filius pro patreno ano 1158. Nela seconcede protecção Imperial a todos os Estudantes,ordenando aos Magistrados socorrê-los, e defendê-los de toda a vexação; e que se fossem citados emJustiça que ficaria na sua liberdade escolherem seusMestres, ou o Bispodo lugar, a quem o Imperadortinha dado a sua Jurisdição por seu Juiz3. Note-secom atenção que o Imperador substituiu a sua Juris-dição nos Bispos e nos Lentes das Universidades e

1Sueton. In Flav. Vespas. cap. 18.2Hermann. Conringii de Antiquitatibus Academicis.

Dissert. VII. Cum Suplemento Christ. Aug. Heumann. Got-tingæ.1739. 4.o, Ibi Dissert.1. eDissert.5.

3Vid. Conringium. ibi Suppl.70, pag. 361, 363. Verumtamen si litem &c.

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 3

que ninguém a pode pretender emanada de outro po-der, que do soberano: pelo que o sumo Pontífice forados seus Estados não tem nem pode ter nenhuma Ju-risdição secular. O que se confirma pelos estatutosda Universidade de Nápoles decretados pelo Impe-rador Frederico II onde somente delega a sua Juris-dição aos Lentes e Doutores daquela Universidade,sem fazer menção do Bispo do lugar, nem de qual-quer outro Eclesiástico4.

Do que, se infere evidentemente que S. MajestadeFidelíssima tem poder soberano para fundar umaUniversidade com a sua única Real Jurisdição, semintervenção, nem notícia da Corte de Roma, nem deEclesiástico algum dos seus domínios. Bem sei quea Universidade de Paris, de Bolónia e de Pádua, eoutras muitas Católicas gozam da Jurisdição Régia ePontifícia; e notoriamente a de Salamanca, da qual oMestre-escola da Sé daquela cidade tem toda a Ju-risdição delegada imediatamente pelo sumo Pontí-fice. Mas estes exemplos não contrariam de nenhummodo a Jurisdição e Poder que tem cada Soberanode fundar Colégios e Universidades nos seus Esta-dos, sem intervenção de Potência Estrangeira.

Não é deste lugar escrever a História das Uni-versidades, nem da variedade do seu governo:governando-se muitas pelos seusReitores, outros porConservadores, e a maior parte, e as mais bem go-vernadas por um Conselho académico. De qualquermodo que for composto este governo, nele residirá aJurisdição para castigar compenas pecuniárias, pri-são, exílioe por totalexclusãoda mesma Universi-dade.

Das muitas Leis Académicas que li, não achei ou-tras que devem merecer maior atenção, do que as daUniversidade deTurim; e que se lêem no Códex dasLeis de Sardenha da edição em fol. do ano 17235.Constituem um Tribunal Académico com JurisdiçãoReal composto de umConservador: e para que sesaibam as suas funções, darei delas aqui uma sumá-ria notícia.

Na secção 2. do título 22. libri 2. se lêem as fun-ções do Cargo deConservador, que consistem em«Defender os privilégios, os direitos, os bens quedependem da Universidade e das pessoas de que secompõem. Ele será o Juiz de todas as contendas, quesucederem nela; e entre todos os alistados na secre-taria e de todos os Privilégios da mesma.

Será o Juiz de todos os processos civis, e do crimeque houver entre os Lentes, ou entre os Estudantes; e

4lbi Dissert. V §IX.5Legge e constituzione de S. Maestà il Re di Sardegna.

Torino 1723, fol. N. B. na edição posterior em 4.onão estãoimpressas estas Leis Académicas.

as condenações em que forem multados, que perten-cem ao Fisco, serão a favor da Universidade.

Naõ será permitida apelação nas causas de trintaescudos (valor de 48000 r. pouco mais ou menos)para baixo, nem por crime, senão for de morte, oupor um mês de prisão.

Que o Conservador não terá inspecção em rendaalguma Real, nem ainda da Universidade.

Que decretará as ordens mais a propósito paramanter o decoro da Universidade; para aumentar acultura das letras e dos bons costumes: assinará asordens dos pagamentos, que se farão a todos aqueles,a quem se pagar com dinheiro das rendas da Univer-sidade: fará observar pontualmente os estatutos e asordens da mesma.

Não se poderão imprimir teses, ou conclusõespara se defenderem em público, que não sejam apro-vadas previamente por ele; e para aprová-las tomaráo parecer do Lente que achar necessário.

Ele será o Presidente no Conselho Académico,que constará deReformadores(não determina o nú-mero) que serão eleitos por NÓS MESMOS, e todosjuntos presidirão a todos os Lentes, Colégios, Estu-dantes, e a todos os Oficiais da Universidade; na in-tenção que os estatutos se observem pontualmente, eque nas contendas que sucederem, haja contra elasremédio, e satisfação.

Será da obrigação doConservador, congregar oConselho da Reforma, nos primeiros dias de cadamês, e além deste tempo tantas, quantas vezes acharnecessário, para consultar e resolver tudo aquilo quepossa servir de utilidade, e à prosperidade dos es-tudos e dos estudantes. Este Conselho, ou TribunalAcadémico terá cuidado que nesta Universidade seensine a verdadeira doutrina conforme a Santa Reli-gião, e que se conserve a Santidade e a Majestade doEstado.

Na secção 14 do mesmo título citado acima tratada obrigação dosReformadores.

Visitarão uma vez por dia, pelo menos, as classese as Aulas da Universidade para ouvirem as liçõesdos Lentes e notarem o que aproveitam os estudan-tes, marcando e notando tudo o que acharem neces-sário para resolver o mais conveniente na emenda dasdesordens.

Ibi. seçc.15. Tanto que uma cadeira vacar, a suarenda ficará para os gastos da Biblioteca da Univer-sidade, até que venha a estar provida.

Ibi. seçc.16. DO Advogado Fiscal, e Censor ouCorregedor da Universidade.

É da sua obrigação pôr diante doConservadoredos Reformadoresno conselho todas as instânciasnecessárias para que se observem os estatutos e or-dens da Universidade.

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Pertence-lhe também acensura dos livros, nãosó na Universidade, mas também nos nossos Rei-nos; para que reveja e examine o que se imprimirtocante à autoridade e Jurisdição Real, bom governodo estado e decoro da Universidade; dando conta aoChanceler-Mordo Reino, a quem pertence somentea incumbência suprema de examinar e aprovar os li-vros. (Esta é também a prática de França).

EsteFiscal ou Censorterá uma cópia daMatrí-cula de todos os estudantes, tirada da Secretaria daUniversidade, onde ficará o original em poder do Se-cretário.

Nesta lista dos Estudantes se marcará a sua habi-tação, o seu modo de vida, qualidades e o nome dosproprietários das casas onde morarem.

O mesmo dará conta especial da sua vida, trato,conversações, companhia, estudos e aproveitamentoneles, aoConselhoonde preside oConservador.

Será obrigado achar-se na Universidade cada dialectivo para atender que osLentese o Bibliotecá-rio cumpram a sua obrigação, conforme osestatutos.Exceptuando quando o nosso serviço lho impedir.

Secç.36. Secretário da Universidade.Terá no seu poder todos os Arquivos da Universi-

dade e todas as causas civis, e do crime, que foremfeitas por este ofício.

Assistirá noConselhoda reforma para assentartudo o que ali se determinar. E se não for Notáriopúblico ao mesmo tempo, oConservadorlho darápara as expediçõe que o requererem.

Terá no seu Cartório uma Tarifa impressa e pú-blica com todos os preços das expedições da Secre-taria.

No dia antes que começar o curso académico, de-pois que o lente de eloquência recitar a Oração inau-gural para principiarem os estudos, o Secretário lerápublicamente o nome dos Magitrados e dos Lentesdestinados para aquele ano.

Continua a mesma Matéria

Os estatutos da Universidade de Gotinga, dos quaisporei no fim destesapontamentosuma cópia, mos-tram também a Jurisdição Imperial e Régia paraformar-se qualquer Universidade; e como o governodela se reduz quase ao mesmo da deTurim, não medeterei em notar a pouca diversidade, que nelas seobservam. Tenho somente de advertir que nos esta-tutos da Universidade de Turim não se declara se oseuConservador, osReformadores, o Fiscal,Secre-tário e osLentesserão Seculares, ou Eclesiásticos.

Se os que compuserem os estatutos da Universi-dade, que proponho levarem por último fim da suainstituição formar o ânimo e o engenho da mocidade

do Reino nasciênciasúteis ao Estado, e navirtudecivil, é certo que decretariam:

Que nenhum Eclesiástico com hábito clerical, eainda mesmo deordens menorespoderia matricular-se nesta Universidade; possuir, ou exercitar cargo al-gum, nem de Mestre, Lente, ou Magistrado dela, nemque tivesse salário, exceptuando aqueles capelões,que deviam ser empregados no serviço Divino, naCapela, ou Igreja da Universidade, no caso que fossenecessária uma tal Instituição, por falta de Igreja Pa-roquial.

Só os Seculares casados são os que dependem to-talmente do Poder Régio, e que somente vivem vidade cidadão; e que pelo seu exemplo podem influirno ânimo dos Estudantes aquele hábito virtuoso davida civil, e das virtudes morais. Quem consideraratentamente o que me move para insistir neste ponto,aprovará que nenhum Eclesiástico possa estar matri-culado nesta Universidade, nem ter cargo algum nela.E para que se conheça melhor o que me move a estaproposta, darei aqui uma leve notícia do Estado daUniversidade de Coimbra.

Breve prospecto ou notíciada Universidade de Coimbraneste século

Parece-me que quando um Estrangeiro quiser saberde que modo pensa geralmente um Reino, ou Repú-blica, quais são as suas virtudes morais, civis, e Cris-tãs, que poderá facilmente formar uma ideia do seuestado se observar a sua Universidade principal: por-que nela se formam os Eclesiásticos tanto seculares,como Regulares; nela os Magistrados, os Letrados,os Médicos, e todos aqueles empregados no estadocivil. Estes espalhados por todos os seus domínioscomunicarão pelas suas acções, e pelo seu exemploo que aprenderam na Universidade.

Vejamos agora o Estado da Universidade deCoimbra, pelo menos desde o ano de 1716, até osnossos tempos; e então veremos como pensa o restode Portugal; que Ciências existem nele: que conhe-cimentos do Estado civil, e do bem comum; que con-ceito têm os povos do Poder Real, e do Pontifício,qual é o objecto dos Estudos desta Universidade; seé servir a pátria, ou a corte de Roma que é o mesmoque o seu próprio interesse sem entrar nele nenhumserviço do Estado.

O Reitor, o Conservador, e a maior parte dos quecompõem o Conselho Académico são Eclesiásticos,ou Regulares, ou Seculares. Os Lentes de Cânones,de Jurisprudência, e de Teologia ou estão já providos

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 5

de Benefícios símplices Eclesiásticos, ou os preten-dem, como são Canonicatos, e outras dignidades doscabidos. De tal modo que não esperam o prémio dosseus estudos das rendas do Estado, mas só da Igreja,que é outra Monarquia dentro dele mesmo.

Vejamos agora os efeitos que produzem no ânimodos Estudantes aqueles dois Colégios de St. Pedroe de St. Paulo, nos quais reside a principal Nobrezado Reino, e os Professores da Jurisprudência Civil eEclesiástica: o principal fim dos estudos destes doisColégios são o Direito Canónico; porque formando-se nesta Ciência adquirem benefícios, e cargos Ecle-siásticos, prémios mais vantajosos, e menos penivéis,do que aqueles que dá o Estado aos Magistrados ci-vis. Ainda os Lentes da Jurisprudência civil são pre-miados com Canonicatos, e Beneficios Eclesiásticos,que possuem enquanto vivem no celibato. Nos es-tudos destes Colégios não entra aquele das Leis doReino, nem da História Profana, e Sagrada; não en-tra o Direito Público, nem a Política, nem aquela Ci-ência para estabelecer e conservar um Estado civil:todas as cadeiras se reduzem a ensinar o Direito Ca-nónico, e a teoria da Jurisprudência Cesariana.

Os mesmos estudos seguem todos os Estudantesque não estudam a Medicina: espalham-se por todoo Reino tanto estes como os que foram Colegiais, eali executam o que aprenderam na Universidade: queé o mesmo que preferirem a autoridade Pontifícia, àdo Soberano, na maior parte das decisões dos seuscargos. Os povos seguem as mesmas máximas; por-que é certo em todos os Estados, que do trato e domodo de pensar da Nobreza e dos Magistrados, de-pende o dos povos onde residem.

Não necessito entrar na indagação do trato e doscostumes daqueles dois Colégios de S. Pedro e de S.Paulo, nem daqueles dos Regulares: o certo é queos Estudantes pensam do mesmo modo, e em tudoimitam no trato aquelas principais pessoas de que secompõem a Universidade. Por conclusão deste modode vida não só não se aprendem as virtudes sociáveis,mas que se adquirem nela tudo o que mostrarei coma decência que requer uma matéria tão delicada pelodecurso destes apontamentos.

Estabelecimento de uma Uni-versidade Real que tenha porúltimo fim ensinar as Ciênciasúteis ao Estado e a virtude civil

Quando estivesse determinada a Vila, ou a cidade, naqual se estabeleceria a Universidade que propomos,parece que se devia estabelecer do modo seguinte.

Devia-se determinar um grande espaço da povo-ação determinada, que constasse de algumas ruas,com casas logeáveis, que seriam encerradas por mu-ralhas, ou barreiras, com certas portas, como ordi-nariamente se vê nas praças de armas. Dentro destecircuito estariam quatro edifícios dos que se compo-ria a Universidade. O primeiro seria para nele vivero Conservador ou Reitor juntamente com aqueles deque se compusesse o Conselho, ou Senado Acadé-mico: este mesmo edifício serviria para celebrar osactos dos exames, das lições e orações públicas; paraa Secretaria, e outras funções académicas.

Além deste edifício haveriatrês mais que servi-riam para o uso dos Colégios; dos quais oprimeiroseria para a Filosofia. Osegundopara a Medicina; eo terceiropara a Jurisprudência, e as Leis do Reino.Bem se pondera a dificuldade de achar vila ou cidadecom quatro edifícios destinados para estabelecer-seuma Universidade: mas qualquer edifício velho re-parado, ou muitas casas juntas bastariam para formarestes estabelecimentos, enquanto não se edificassemde propósito: algum convento, ou Colégio antigo po-derão também destinar-se ao uso que propomos.

Neste espaço encerrado com muros ou barreirasresidiria umBatalhãode infantaria de 600 homens,que serviriam de guarda, repartidos em corpos deguarda a cada porta daquele lugar: Já se sabe que odito Batalhão devia mudar-se cada ano, e estar aquar-telado fora dos muros da Universidade; e que o seuTenente Coroneldevia estar às ordens do Conser-vador, ou do Senado Académico. Seria necessáriodentro do mesmo circuito estabelecer um corpo deguarda, como centro dos demais estabelecidos nasportas, para rondarem de noite e terem cuidado emtodo o tempo da conservação, da ordem, e da paz pú-blica de todos os que compusessem a Universidade.

Quem souber de que modo os estudantes vão es-tudar a Coimbra, armados como que se fossem paraa campanha, ou para a montaria, com armas ofensi-vas, e defensivas, com pólvora, e bala, e cães de fila,com criados e cozinheiros: quem se lembrar aindadas atrozesinvestidasde Coimbra; dos bárbaros ex-cessos que cometeu orancho da Carquejanos anos1719 e 1720, achará necessárias as precauções refe-

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ridas; e que só um batalhão de infantaria armado deespingardas com baionetas, e cartuxeiras carregadaspoderão domar aquele fogo da mocidade Portuguesa:e que são inúteis um Meirinho de capa e volta comdoze pobres e velhos archeiros, que nem intimidam,nem inculcam a menor atenção no ânimo da moci-dade resoluta e destemida.

Exercício do Juiz Fiscal ouCensor da UniversidadeAinda que nos estatutos da Universidade de Sarde-nha, que copiamos acima, está determinado o exer-cício e função doJuiz Fiscal, ou Censordela, con-tudo como proponho alguma diferença na constitui-ção desta, foi-me necessário ampliar as funções desteMagistrado.

Na República Romana cada cinco anos se ele-giam dois Censores; o seu ofício se reduzia a sa-ber o número dos habitantes, os seus bens, o seumodo de viver; a castigar com penas pecuniárias, eperda dos cargos, e com avergonha, mas não cominfâmia àqueles que incorriam na sua censura: cas-tigavam o soldado fraco, o cavaleiro que não susten-tava bem o seu cavalo, o lavrador que não cultivavabem o seu campo: depunham o Senador do seu cargopor quebrar as leis dos bons costumes: mas que po-dia restabelecer-se nele, passados que fossem cincoanos, quando outro novo Censor entrasse em exercí-cio.

Enquanto floresceu a República Romana se exer-citou este cargo com exactidão; mas perdeu muitoa sua observância no tempo dos Imperadores; e notempo do Imperador Constantino Magno se aboliuquase a sua autoridade: mas sempre ficou em Roma,e nas Províncias do Império uma sorte de censuracom o nome deMagister census, e officium censu-alium; como veremos abaixo nas leis do Códex Teo-dosiano. E do referido se poderão ver Rosinus Antiq.Roman. lib. VII cap. X, e NieuportRituum apud Ro-manos. Berolini 1751 p. 121 e 112.

Este Fiscal da Universidade será autorizado acriar tantosInspectores, ou oficiais dependentes dele,quantas fossem asruas da Universidade, cercadaspelos muros, ou barreiras como dissemos acima.Cada um destesInspectoresseria decorado com umamarca distintiva do seu cargo, ou fosse vestido par-ticular, ou insígnia de medalha ao peito; na intençãode ser conhecido e respeitado nos tumultos. Cada umdeles teria o seu escritório, como têm osNotários pú-blicos, que serviria de chancelaria, para receber as in-formações, e dar expedição às ordens do Juiz Fiscalda Universidade. Este cargo responderia àquele de

Comissáriode Policede Paris, estabelecidos quaseem todas as ruas daquela cidade.

No princípio de cada curso académico o Juiz Fis-cal devia mandar publicar por editais impressos osregulamentos seguintes, aprovados e firmados peloConselho académico.

1. Que todo o morador, proprietário, ou alugadorda casa que estivesse dentro do circuito da Uni-versidade, seria obrigado a dar conta por escritodo nome, ou nomes dos estudantes que aluga-ram quartos em sua casa, ao Inspector do bairrodentro de vinte e quatro horas.

2. Que o mesmo proprietário seria obrigado a darconta ao Inspector referido, logo que mudassede casa, ou saísse fora da Universidade.

3. Que nem ainda os Colégios sitos no circuito daUniversidade estariam isentos de dar semelhan-tes declarações ao Inspector do bairro. Comotodos os quartos ou câmaras locandas deviamestar taxadas por ordem do Juiz Fiscal, e guar-dar o Inspector no seu escritório uma lista im-pressa destes preços, e do nome do proprietá-rio, e da rua, lhe seria fácil ver no conheci-mento da morada de cada estudante ou pessoaque chegasse à Universidade, quando se obser-vasse, que o proprietário lhe desse conta da suapousada.

4. Não seria permitido a pessoa alguma matricu-lada nos livros da Universidade, Lente, Mestre,ou Oficial, impressor, encadernador, c. ou estu-dante habitar fora dos muros da Universidade.

5. Logo que os Inspectores recebessem avisos dahabitação dos estudantes, do seu modo de vida,do seu trato, dos seus estudos, ou emprego dotempo, dariam conta por escrito ao Juiz Fiscalpara representar ao conselho da Universidade,o que fosse necessário para que existisse ordeme aproveitamento nos estudos e nos costumes.

Bem se poderá considerar a dificuldade que en-contrará a execução deste regramento, conhecendo-se a repugnância que tem a nossa Nação dedelatar,e expôr à vista do público o mau procedimento. Serábem dificil que o proprietário da casa dê parte aoInspector das irregularidades da vida de cada estu-dante: por exemplo se passa o tempo a jogar, a tocarinstrumentos, se dorme fora de casa, se consome ashoras dedicadas ao estudo, no ócio ou em frívolosdivertimentos, que companhias tem, & c. Por estarazão será da incumbência dos mesmosInspectoresinformarem-se dos artigos acima; e no caso que nãocumprissem esta sua obrigação, seriam tanto eles,como o proprietário da casa onde vivesse o estudante,

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 7

castigados peloJuiz Fiscalcom penas pecuniárias,perda do seu cargo, e os proprietários das casas ex-pulsos do circuito da Universidade.

Que não pareça injustiça que osInspectores, e osArrendadoresdas casas fossem castigados pelas fal-tas que cometem os estudantes; a Polícia da Chinanão somente castiga em semelhantes casos os Minis-tros subalternos, mas também os primeiros Magistra-dos, quando se comete um atroz delito. Muitas vezespor faltas semelhantes são castigados osComissáriosdePoliceda cidade de Paris porque se observou quenenhum meio mais eficaz se achou até agora para aobservância dos bons costumes, do que responderemos Magistrados a quem estão encarregados, pelas fal-tas que se cometem contra eles.

A causa porque os estatutos da Universidade deCoimbra, proibindo armas defensivas ou ofensivasaos estudantes, não são observados, provém que osproprietários das casas e os Magistrados não são cas-tigados ásperamente com penas pecuniárias, expul-são da casa, ou perda do cargo.

Se osInspectoresque propomos fossem autoriza-dos para pedir socorro aos corpos de guarda, estabe-lecidos às portas do circuito da Universidade, e aoque existisse no seu centro e prendesse aqueles quecometessem a mínima irregularidade, é certo que seevitariam tantas facadas, cotiladas e mortes, tanta in-vestida, tantas rondas de noite, e assaltos em lugares,ou privilegiados, ou indecentes: ninguém se atreve-ria a resistir a quatro ou cinco espingardas carregadascom bala, e calçadas com uma baioneta: acabariamdaquela vez os valentões, e os cães de fila.

Todo o cuidado do Conselho Académico, e doJuiz Fiscal se devia reduzir, além do essencial intentoda Universidade que dissemos acima, a queos estu-dos se fizessem com a menor despesa possível, e notempo mais curto que pudesse ser. É coisa digna delamentar-se, que só na Universidade de Coimbra senão ache uma câmara alfaiada com cama, cadeiras,mesa, e um cofre para alugar-se. E que seja necessá-rio a cada estudante trazer de sua casa, da distânciade quarenta a cinquenta léguas, cama e trastes paraviver na casa que arrendou, com tanta despesa e tantoembaraço? Em Salamanca, em todas as Universida-des de Itália, e do resto da Europa, todas as casas, oucâmaras que os Estudantes alugam têm o necessáriopara viver, sem serem obrigados mais que a trazeremconsigo dinheiro.

Pelo que seria da obrigação de todos aqueles quealugassem casas aos Estudantes, ou a qualquer ma-triculado, ou ao serviço da Universidade, de as alfai-arem com cama, cadeiras e mesa, armário ou arca,tudo de pau fabricado no Reino: de tal modo quenão fosse permitido, nem ainda nos Colégios, e aos

mesmos Magistrados usarem em suas casas de outrosmóveis, exceptuando os que se fabricam dentro dosdomínios de Portugal.

Na Corte de Viena se observa que os primeiros an-dares das casas sejam para alojamento dos domésti-cos e criados da corte: e os proprietários são senhoressomente do segundo, do terceiro, e mais andares dasua casa.

Podia com justiça ordenar o Conselho Académico,e executar o Juiz Fiscal, que os proprietários das ca-sas e alugadores de todas elas ocupassem somente oprimeiro andar ou os baixos térreos sendo lojáveis; eo segundo, e terceiro andar, seriam destinados paraarrendarem os Estudantes, contanto que ditas casasestivessem dentro do circuito da Universidade.

Bem sei que muitos alugadores, ou proprietáriosserão tão pobres, que ficarão impossibilitados de al-faiarem os quartos que alugarem. Será da providên-cia do conselho Académico de avançar estas despe-sas à custa da Universidade, que poderia ser embol-sada pelos mesmos alugadores. Os quais não se con-formando às suas ordens seriam obrigados a saíreme a viver fora do circuito da Universidade.

Na mesma consideração é que o Senado Acadé-mico deve evitar todas as despesas supérfluas; e di-minuir mesmo quanto for possível, as necessárias, eseria da sua obrigação diminuir o número de cria-dos, de cozinheiros, e cozinheiras, engomadeiras, ede toda a gente solteira, destinada ao serviço dos queestão matriculados na Universidade.

Como também o segundo fim da mesma, devia serformar e informar o ânimo nos bons costumes, e nasvirtudes sociáveis, como dissemos acima, parece serdeste lugar, que o Senado Académico satisfizesse asreferidas intenções: para o que se propõem algunsmeios.

O primeiro, mandar estabelecer casas de pasto.O segundo, passeios públicos, e se pudesse ser,

dentro do circuito da Universidade. O terceiro, cafés,onde se lessem gazetas, e os Jornais Literários.

Sobre as casas de pasto

Cada dois ou três Estudantes tem uma ama, um eàs vezes três criados; se é cavalheiro tem seu cozi-nheiro, um criado, e um pajem, ou pelo menos umnegro: o fausto de um Fidalgo, ou seja Porcionistanos Colégios de S. Pedro e de S. Paulo consiste nomaior número de criados, e sustentar uma mula, ouum cavalo. Cada um tem a sua sociedade particular:e daqui vem que todos vivem armados, com ânimode ofender, e de defender-se, do mesmo modo quese vivessem entre inimigos, e não na sociedade ci-

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vil, onde a união e cordialidade são o mais potentebenefício a que aspira todo o Estado bem governado.

Se o Conselho Académico considerar as con-sequências deste modo de vida dos Estudantes, comtanta distinção do seu estado, com tanta gente solteirainútil, que impede o tempo destinado aos estudos, eque aumenta a corrupção de todos os costumes e ví-cios que se espalham pelo Reino, facilmente buscarátodos os meios para evitá-los.

À custa do Conselho da Universidade se haviamde estabelecer tantas casas de pasto, como se achas-sem necessárias para abastecer os que nela residis-sem: seriam de vários preços cada comida: mas de-terminado o número dos pratos, sem bebida, mais doque a ordinária; e com tal providência que os Estu-dantes achassem mais barato ir comer a estas casas, emuito melhor, do que mandarem cozinhar, ou comerem suas casas. Quantos criados e criadas inúteis seevitariam por esta providência?

Em ltália, França, Alemanha, Holanda, e Ingla-terra nenhum senhor o mais qualificado tem pejo deir comer a uma casa de pasto, ou só, ou em com-panhia. Podem-me objectar, que em Portugal não écostume que um Fidalgo coma com um homem or-dinário. Mas que se considere, que eu limito estaintrodução à Universidade onde todos os seus alunosdevem andar vestidos do mesmo vestido, gozar dasmesmas honras, e privilégios. Na Universidade todosos fidalgos são Estudantes: e não deve haver distin-ção alguma entre eles: a distinção que lhes concedeo Estado sujeita-se ao cargo, e à função que exerci-tam; tomam na Universidade a função de Estudante,e devem cumpri-la, sem pretender distinção alguma,de que não gozam os mais Estudantes.

A civilidade que observamos nas Nações que es-timamos por esta virtude civil, provém somente decomerem ordinariamente em companhia; de se jun-tarem todos os dias em lugares públicos, como são ospasseios, os cafés e os teatros. Além deste inestimá-vel bem da união e cortesia recíproca com todos oshomens, o Estado retira um grande proveito: e vema ser, todos os homens e mulheres para apareceremnestes lugares públicos se compõem; dispendem emvestido, em adorno, e em panos de linho; quanto maisdispendem, mais ganham as fábricas e os oficiais, epor consequência o Estado.

Na Universidade de Gotinga não somente está in-troduzido este costume, mas ainda o estabelecimentodesete casas de pastocom cem lugares para os Estu-dantes nacionais ou estrangeiros, com jantar e ceia, àcusta da mesma Universidade, e com a obrigação depagarem somente por semana seis soldos da moedadaquele Estado, que vem a ser a soma de 96 réis donosso dinheiro.

Passeios Públicos

Como todos os Estudantes deviam andar vestidosigualmente, e que os que compusessem o SenadoAcadémico, os Lentes, e os Leitores, deviam cadaqual ter uma marca destintiva do seu cargo, seriacoisa fácil determinar passeio espaçoso, e encerradocom sentinelas às entradas, para impedirem à plebee à gente ordinária, o livre acesso naquele lugar, etambém para sossegar o tumulto, ou castigar comprisão os desacatos. Nestes lugares adquirem os ho-mens aquele trato civil que tanto se estima na soci-edade: não ser incómodo, nem importuno a pessoaalguma, gozar da liberdade contida no decoro; ce-der com graça, e sem desaire, falar com modéstia,e decência; e respeitando-se a si mesmo, vem a seragradável a todos.

Somente Portugal está destituído deste bem da so-ciedade; se na Universidade fosse a Escola e o fun-damento, se espalharia em poucos anos por todo oReino. Do mesmo modo que fossem os passeiosem Coimbra, do mesmo se introduziriam no resto doReino: mas cada qual vai com o seu amigo, armados,vestidos, ou com capotes e botas: uns por caminhosdesviados; outros por montes, e salgueirais; outros avisitar conventos; mas sempre sós, sempre retirados;temendo insultos, ou evitando perigos.

Não insisto mais na utilidade dos passeios propos-tos com guardas de sentinela, como é costume emmuitas partes da Europa.

Dos Cafés

Não proponho os Cafés para servirem de casas depassatempo, ou para dizê-lo melhor, de perder otempo; conversando, e zombando, como sucede emmuitas cidades populosas, e portos marítimos. OCafé, ou Cafés na Universidade, serão destinadospara se divertirem os que vivem na Universidade,lendo asgazetas, e as notícias Literárias,naquelashoras, e naqueles dias de vacância, nos quais esta-rão vazias as aulas da Universidade, e dos seus trêsColégios. Serviriam estes lugares de passeio públiconaqueles dias que se não pudessem frequentar aque-les do passeio por causa do temporal.

Se o Senado Académico achasse a propósito deestabelecer dentro do circuito da Universidade umacasa de café com gazetas dasnotícias públicas, ecomo outrasLiterárias, que são aquelas que na Eu-ropa se chamamJournaux Litteraires, certamenteque contribuiria muito este método para promovero estudo das Ciências, e se civilizarem os Estudan-tes pela companhia, e pelo trato da conversação eru-

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 9

dita. Não duvido que o mesmo Senado tenha a provi-dência de mandar imprimir uma Gazeta Literária emPortuguês, onde se leiam o título dos livros, e as ma-térias que contêm, impressos na Europa. O Jornal deParis intitulado,Annales Typographiques, daria bas-tante matéria para compor, e publicar em Coimbrasemelhante Gazeta.

Propõem-se três Colégios dosquais constaria a UniversidadeReal

Nenhum Estado Político se pode governar com Ma-jestade sem homens instruídos para conservar e de-fender a vida, a fazenda, e a reputação dos Súbditos.É logo do seu interesse prover ao seu ensino, à suaeducação, e à sua subsistência. Parece que depois deprover a subsistência dos súbditos, nenhum cuidadomaior deve ter o Legislador do que mandar ensinaros súbditos, que hão-de, e devem servir a Repúblicano tempo da paz e da guerra. Parece que para sa-tisfazer a estes intentos, necessitará de Escolas dasLínguas doutas, e das Humanidades, e ultimamentedos Estudos maiores à Universidade. Sua Majestadeque Deus guarde foi já servido com alta Providênciaestabelecer as primeiras Escolas, e parece que deve-mos esperar da sua Augusta Providência o estabele-cimento de uma Universidade com tanto aplauso eutilidade como experimentamos das Escolas públi-cas.

Parece que satisfariam ao último fim que deve tera Universidade que vou propondo, os três Colégiosseguintes.

O primeiro de Filosofia, Matemáticas e Humani-dades. Segundo de Medicina, e Cirurgia, e de todasas partes de que consta esta Ciência. O terceiro da Ju-risprudência, governo dos Estados, e Leis do Reino.

Na introdução aoMétodo de ensinar e aprendera Medicinapropusemos já este primeiro Colégio, eas Ciências elementares que se deviam ensinar nele.Por esta razão não repetiremos aqui esta matéria.Tratarei somente dos seus Lentes, dos Leitores, dosEstudantes internos, e do seu governo Literário eeconómico, e também da sua destinação nesta Uni-versidade.

Este primeiro Colégio devia ser a porta para pas-sarem os Estudantes a aprender aMedicinae aJuris-prudência. Também devia servir para se doutrinaremnele todos aqueles que querem servir a sua Pátria naMilícia, na Marinha, nos cargos de Vereadores, Es-crivães de câmara, e outros mais que não requerem

no seu exercício um conhecimento completo das Ci-ências referidas.

Muitos Cavalheiros e Morgados vão passar algunsanos na Universidade, não com outro intento, do queadquirirem aquele trato nobre e cortesão; e passadoaquele tempo voltam para suas casas, onde vêm a serempregados muitas vezes nos cargos acima referidos.Até agora não pensou o Estado estabelecer escola al-guma na Universidade onde pudesse aprender estasorte de súbditos, o que poderá utilizá-los. Necessitaa República de Conselheiros de Estado, de Embaixa-dores, de Generais, de Almirantes, de Magistrados,de Arquitectos Civis, e Militares, de Engenheiros, deGeógrafos, de Contadores, e dos cargos acima referi-dos. Neste Colégio ensinando-se nele a História An-tiga e a Moderna, a História da Filosofia, as Mate-máticas elementares, a Geografia, e as AntiguidadesGregas e Romanas, e a inteligência dos Autores Clás-sicos, seriam os melhores fundamentos dos conheci-mentos necessários para servir a sua pátria; além deque estes estudos deleitariam aqueles ânimos deso-cupados, que não vinham à Universidade que paraconsumir o tempo na dissolução, e no desenfado. S.Majestade que Deus guarde fundou já o Colégio dosNobres; e pelos seus Estatutos estes mesmos conhe-cimentos se devem nele ensinar; e parece então serindispensável que na Universidade exista um Colé-gio semelhante, para a instrução dos que hão-de serMédicos, e Letrados; como também dos que hão-deser empregados no serviço da Pátria.

Já estou, me parece, ouvindo os clamores dos Len-tes da Jurisprudência (e muito mais dos do DireitoCanónico: mas como esta faculdade se não devia en-sinar nesta Universidade, nem me movem, nem meaturdem), e dos Letrados, contra a proposta quetodosos Estudantes destinados a aprender aJurisprudênciafossem obrigados a estudar previamente neste Colé-gio por dois ou três anos. Dirão, que Portugal tevedoutíssimos Letrados, e Jurisconsultos, e excelentesMagistrados, sem aprenderem nenhuma destas Ciên-cias, que se ensinariam neste primeiro Colégio. Quecom um ano no primeiro curso no Colégio que foidas Artes, e ordinariamente sem esta inútil prepara-ção, saíam das Escolas do Latim, e se matriculavamem direitura na Faculdade dos Cânones, ou da Ju-risprudência; e que se formavam com louvor, e comaplauso. O que lhes concedo. Mas porque tiveramtão pouco ou nenhum ensino na Universidade, poressa razão chegou o Reino a cair na maior ignorânciadas Ciências e dos Direitos da Majestade.

Se o Estado não pretendesse de um Letrado, ou deum Juiz, mais do que saber fazer umapetição, unsagravos, e umLibelo, ou umArrezoado; se todo oofício de Juiz se reduzisse a julgar a quem perten-

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cem os bens deuma Capela, ou condenar umladrãoou um homicida, considero eu que não necessitamde outros estudos preliminares, do que entenderemo Latim da Bíblia Sagrada, do Breviário, e do Con-cílio de Trento. Mas o Letrado, e Magistrado peloofício que professam devem ser capazes de exerci-tarem os cargos deConselheiro de Estado, de Mi-nistro Estrangeiro, deVedor da Fazenda, de Inspec-tores da Marinha, da Agricultura, do Comércio, edasFábricas do Reino, e outros mais do que ele ne-cessita. Até agora os Jurisconsultos Portugueses nãonecessitavam mais do que saber as Pandetas, o có-digo, e as ordenações; o exercício deste saber o de-terminavam as Decretais, as Clementinas, e as Bulasde Roma. A autoridade nas decisões e nos casos,que quiseram chamarMixtifori serviam de razão àcusta da Majestade. O saber aHistória sagrada, aEclesiástica, a Profana, asAntiguidades Romanas,Góticas, e dos séculos IX, X, XI e XII, entender aslínguas doutaspara entender os originais em que es-tão escritos, serviriam de sumo prejuízo ao seu modode saber e de julgar. Por essa razão se desterram dasUniversidades Pontifícias as humanidades, a crítica,e aquele juízo Filosófico que indaga e procura achara verdade. Para que a Corte de Roma obre sem con-tradição conforme as máximas inventadas desde o IXséculo, que é senhora de todos os Reinos, e Impériosno temporal e espiritual, que pode depôr Reis e de-sobrigar os súbditos do Juramento de fidelidade, eranecessário que os Reis tivessem Ministros ignorantesda Erudição sagrada e profana, das Leis dos Estados,e do Poder e da Jurisdição da Majestade: e é o queescrevia Fr. Paulo a M. les Chassier no ano 1608, a23 de Dezembro conforme um Manuscrito que vi dassuas Cartas Latinas.6

6«Papalis Monarchiæ fundamenta restitutione politiorisLitteraturæ, quassata sunt: atque mirum. Sub Barbarie cœ-perunt & aucta sunt: cum hujus interitu minui primum, indeaboleri prorsus oportet. In Germania & Galliis, ubi Lati-nitas revixit magna imminutio. Barbaries in Hispania, &Italia adhuc viget. Ibi vix Antonius Augustinus, hic paucis-simi e sordibus emersere: inter Jurisconsultos mirum, quodapud vos antiquitatis assertores: nos utinam ad Accursiumredire potuissemus. Quotidie legum studia in pejus ruunt.Romana Curia afinem palitam litteraturam aversatur: sedjuris Barbariem dentibus & unguibus retinet, & quidem fa-ciet. Sublatis quippe Libris illis ubinam invenient PapamDeum esse, omnia posse, jura in pectoris scrinio tenere;posse afines ad inferos detrudere, & tandem etiam arculumquadrare: sublata hac pseudo-jurisprudentia hæc tyrannisabolebitur...»

Por quantos anos estudariamneste Primeiro Colégio os Estu-dantes?

Abaixo declararemos com que atestações sairiam osestudantes das suas pátrias quando entrassem a estu-dar nesta Universidade; como também de que mododeviam ser examinados para entrarem a aprenderneste primeiro Colégio. Agora proporemos somente.

«Que nenhum estudante pudesse entrar a ouviros Lentes ou Leitores deste primeiro Colégio semter completos quatorze anos, como também, quenenhum seria admitido depois passada a idade devinte.»

A Língua Latina e Grega, os elementos da Histó-ria, da Geografia e das humanidades bem se podemaprender na idade da puerícia por um génio feliz, ecom um Mestre capaz e inteligente.

Para entrar a aprender o que se ensinaria neste pri-meiro Colégio se requerem maiores forças, e refle-xão; seria tempo perdido que um mínimo do onzeaté treze anos entrasse nestes estudos; considerandoesta tenra idade, como obra pela maior parte.

Por razão política, e que deve entrar na conside-ração do Conselho académico, não seria permitido anenhum estudante passada a idade de vinte anos en-trar a aprender neste lugar.

Os imensos gastos que faz o Estado na educaçãogeral da mocidade é para ter súbditos capazes do seuserviço em tempo de paz e da guerra. Têm obser-vado os mais experimentados políticos que nenhumsúbdito serve os cargos da sua pátria com vigor e ac-tividade que pelo espaço devinte até vinte e cincoanos principiando a ocupá-los desde a idade devintee cinco: passados cinquenta anos de idade começamos achaques, os desgostos e os pesares, ou pela mortedos filhos, ou para estabelecê-los, ou por não seremcapazes de serem estabelecidos; fica já o corpo e oânimo abatido, e quase impossibilitado servir a suapátria com aquele vigor varonil que requer a sua con-servação, e o seu aumento.

Ainda que tenhamos na História Literária muitosexemplos que muitos doutíssimos homens começa-ram a aprender as letras passados trinta anos, comosão raríssimos, e as leis devem ter por objecto o maiscomum e vulgar que sucede na República, nunca po-derão aqueles exemplos extraordinários, destruir ofundamento da lei, no estatuto que propomos.

Agora satisfaremos ao título acima. Os estudan-tes que entrassem neste primeiro Colégio estudariamnele pordoisou três anos: se em cada ano se lessemdois cursos académicos, como se pratica na Univer-sidade deGotinga, bastaria menos tempo; se o curso

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 11

académico fosse somente de dez meses como é a prá-tica da Universidade deTurim, parece ser necessáriomais tempo: o que deve decidir deviam ser os exa-mes anuais: como nesta Universidade ninguém da-ria provas do que tinha aproveitado nela, que por es-tes actos facilmente conheceriam os Examinadores otempo suficiente de estudar nele. Aqueles actos deconclusões, ler de ponto, e fazê-los à força deSilo-gismos, ostentara abertura dos textos, e outras pro-vas equívocas do saber, inventadas e veneradas nostempos bárbaros e infirmes, deviam abolir-se destaUniversidade, como aquelas pompas dos graus aca-démicos, que são iniciações ao Estado Eclesiástico;do que trataremos em outro lugar.

Quando os estudantes deste Colégio satisfizessemaos exames determinados pelo Conselho Académico,sem outra maior pompa, teriam o passe para poderentrar a aprender ou no Colégio da Medicina ou noda Jurisprudência. E no caso que no fim do terceiroano achassem os Examinadores, era sujeito tão inábile rude para seguir as letras, devia ser expulso não sóda Universidade, mas por editais impresso-firmadospelo Conselho académico, e comunicados a todas asescolas do Reino, que não fosse nelas admitido: obri-gando assim estes súbditos a buscar outro emprego eocupação.

Estes castigos infamantes fariam maior impressãonos naturais duros e agrestes, do que os louvores eos aplausos que se davam àqueles estudantes que fa-ziam os seus actos de memória e à força de Silogis-mos. Porque os louvores movem só as almas sen-síveis, ambiciosas de glória, e não movem aquelesnaturais duros e estúpidos: e vinha a ser este castigoinfamante útil aos felizes e industriosos engenhos, eàqueles tardos e preguiçosos.

Dos Lentes, dos Leitores desteprimeiro Colégio e das maisPessoas de que constaria

Costumam as Universidades da Alemanha e da Ho-landa quando querem prover uma cadeira de ciência,escolher um homem douto na flor da sua idade paraocupar aquele lugar: começa a ensinar com o títulode Leitor, e com um salário de metade, ou da terçaparte que recebe ordinariamente umLente. Ensinapor dois ou três anos académicos; e se desempenhouo conceito que deles fez o Conselho da Universidade,é decorado com as honras, privilégios, e emolumen-tos de um Lente.

Se não satisfez no tempo que ensinou, e que oConselho Académico considera este Leitor por inca-

paz, o despedem honorificamente; e pode dedicar-se à prática daquela ciência que ensinou temporaria-mente.

Como naqueles Estados do Norte existem muitasUniversidades sucede muitas vezes que o mesmo Se-nado procura um Professor já célebre pelos seus es-critos e discípulos e o nomeiam Lente, sem ser obri-gado a passar pela prova de Leitor.

Para eleger um Leitor não creio que servirá de me-recimento o ser nacional, ou Estrangeiro, o ser estu-dante interno, ou externo deste Colégio; parece quesomente otalento, a ciência, e a virtude, e o haversido educado, (ou ter viajado por alguns anos) nasUniversidades de Edimburgo, de Holanda, na de Go-tinga e de Leipsig, seriam os requisitos para ser eleitoLeitor, lugar que todos estes seriam obrigados servirantes de serem decorados com o título deLentes, oudeProfessores.

Quando um Leitor tivesse ensinado por algumtempo, e o Conselho académico o quisesse premiarcom o título de Lente, representaria ao Secretário deEstado dos Negócios do Reino, que visto otalento, aciênciae o seumétodo de ensinarproveitoso do Lei-tor nomeado, que se achava com os sufrágios da Uni-versidade para que S. Majestade Fidelíssima fosseservido gratificá-lo com as honras e emolumentos deLente na tal cadeira.

Como neste Colégio se deviam ensinar:

• A História Filosófica,

• As Matemáticas Elementais,

• A Física Geral, e a Experimental,

• A Filosofia Racional, e a Moral,

• A História Universal, as Antiguidades e a expli-cação dos melhores Autores Gregos e Latinos,

Necessariamente seriam necessáriostrês Lentesouprofessores, e tambémtrês Leitores no mesmotempo.

Em Coimbra, e em Salamanca, e na maior partedas Universidades Católicas, os Lentes ensinam umahora somente por dia. Nas Universidades da Ho-landa e da Alemanha cada Professor ensina pelo me-nos duas horas; e muitos Lentes como foram Burmane Boerhaave chegaram a ensinar quatro e às vezescinco horas por dia.

Neste Colégio cada dia poderia ensinar um Lentepor duas horas de tempo; e osLeitoresoutras tantas.

O mesmoLentepodia ensinar aHistória Filosó-fica pelo compêndio deBruckerus, e de tarde, ou nahora seguinte aHistória Universal, e as Antiguida-des Gregas e Romanas. OLeitor ensinaria o mesmoem dias diferentes.

12 António Ribeiro Sanches

O mesmoLeitor ou Lenteensinaria asMatemáti-cas Elementarespor uma hora; e na seguinte, ou detarde poderia ensinar aFísica geral, e aexperimen-tal.

O Leitor, ou Lente daFilosofia racionalpoderiaensinar depois desta hora, aFilosofia Moralsegundoo compêndio deErnestusintitulado Initia solidiorisdoctrinæ.

Todos estesLentes, e Leitores deviam habitar den-tro deste Colégio: porque é força que estejam pertodos instrumentos com os quais devem ensinar, eprepará-los antes de darem lições.

Continua a mesma matéria sobre osEstudantes InternosNecessita o Estado de Ciências. Estas não poderãoexistir sem Mestres: é necessário que o Estado, e emparticular o Senado Académico, tome todas as provi-dências para que não falte esta sorte de súbditos, tãodifíceis de se acharem com os requisitos que pede asua função.

Nem sei, nem me lembro que jamais em Portu-gal houvesse correspondência, nem conhecimento li-gado, entre as Escolas do Latim do Reino, e a Uni-versidade: e muito menos entre a Universidade, e osMestres daquelas Escolas estabelecidas nele. Estacorrespondência é sumamente necessária para quenunca faltem Mestres na Universidade, e nas Esco-las das Línguas doutas.

Ela podia formar-se, a meu ver, do modo seguinte.O Senado Académico formaria um edital impressoque remeteria a cada câmara do Reino, no qual seexpressaria: Que cada Professor ou Mestre das Lín-guas doutas e da Eloquência, poderiam dar parte aoSenado Académico dos discípulos de engenho pers-picaz, e diligentes, com esperanças de aproveitaremnas Ciências a que se aplicassem. E ao mesmo tempodariam conta se tinham meios para prosseguir os Es-tudos maiores: porque se não os tivessem, que a Uni-versidade os tomaria à sua conta, mandando-os cha-mar para serem educados à custa do Colégio da Filo-sofia e Humanidades da mesma Universidade.

Destes engenhos raros, recomendados assim pe-los Mestres das Escolas do Reino, podia o Colégioda Filosofia da Universidade prover-se dequinzeatévinteEstudantes internos, sustentados e entretidos àCusta Real, não só para estudarem ali o que ensina-vam os Leitores, mas ainda, acabados os seus Estu-dos, continuarem o estudo, ou da Medicina, ou Ju-risprudência. Outro destino, muito mais útil, teriamestesEstudantesinternos: tendo acabado os Estudosdeste Colégio, e não havendo para eles lugares va-gos de Leitores no mesmo, nem de Estudantes inter-

nos nos Colégios de Medicina, ou de Jurisprudência,seriam empregados nas províncias como Professoresdas Línguas doutas, e Humanidades. E deste modojamais poderiam faltar Mestres no Reino tanto paraos primeiros Estudantes, como para os maiores.

Esta correspondência para ter sempre sujeitos es-colhidos empregados a ensinar, devia ser frequenteentre o Director dos Estudos, e a Universidade; e aUniversidade com os Mestres de todo o Reino, comoestes com o seu Director e a Universidade. Esta uniãocausaria emulação nos Professores das Escolas, e nosLentes da Universidade: seriam os Estudos recom-pensados, e os talentos: e não se dariam os lugaresao valimento, e aos empenhos. Parece-me que quemtiver a peito o bem da Pátria, e secundar os Piedosís-simos intentos de Sua Majestade que Deus guarde,que aprovará o que acabo de relatar.

Desta sorte de Estudantes internos se haviam dedestinar alguns para viajarem pela Europa, e para es-tudarem nas suas Universidades. Mas reservo estamatéria para quando tratar do estabelecimento queterá a Universidade Real para fazer viajar alguns dosseus Estudantes Internos, educados nos seus Colé-gios.

Os trêsLentesdeste Colégio seriam iguais nashonras, na dignidade, e nos emolumentos aos maisLentes dos Colégios da Medicina, e da Jurisprudên-cia: quando todos estivessem em função pública, ouno Conselho da Universidade, tomariam o seu as-sento conforme a antiguidade do seu cargo; e mesmono caso que exercitassem o cargo de Reitor dos seusrespectivos Colégios.

Na Universidade de Edimburgo composta de todasas Ciências, os seus Professores não têm distinçãoalguma entre si: toda a que têm no assento provémda antiguidade do cargo que possuem.

Os trêsLeitores, como não serão examinadores,como também os dos mais Colégios nos últimos exa-mes; como não terão voto no Conselho Académico,nem assento nas funções públicas da Universidade,não haverá disputas entre eles, nem da sua dignidade:particularmente se sentarão por baixo do Lente comquem estiver; de tal modo que seja o seu lugar entreo dos Professores, ou Lentes, e o dos Estudantes.

Governo escolástico, econó-mico do primeiro Colégio deFilosofia e Humanidades

O Governo interior, tanto deste Colégio da Filosofia,como do da Medicina e da Jurisprudência, se exerci-

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 13

taria por umReitor, umFiscal ou Censor, umInten-dente, e um Secretário.

O Reitor seria anual; tirado dos três ouquatro, oucinco Lentesde cada Colégio daslições, das maté-rias, e dos livros que se deviam explicar aos Discípu-los; em que dias ensinariam os Leitores, e a sua obri-gação para com os Lentes, e os Estudantes externose internos: todas estas resoluções seriam postas emexecução com aprovação do Conselho Académico,no qual teriam assento e voto os três Reitores destestrês Colégios, quando fossem requeridos por Ele.

Cada um destes três Colégios teria umFiscal ouCensor. As funções deste cargo estão bem expostasnos Estatutos da Universidade de Turim que ficamacima; e ali se juntarão mais algumas coisas neces-sárias pertencentes a este cargo. Deviam escolher-sepessoasdoutase virtuosas, activase vigilantes, combons emolumentos; porque deles dependeria o au-mento da Universidade em Letras, e na virtude: to-dos os Estudantes tantoInternoscomoExternos, Lei-tores, Lentes, e outros mais que estivessem no ensinodo seu Colégio respectivo, estariam escritos num li-vro da sua mão, onde estivesse o procedimento decada qual, do que daria parte cada mês ao Conse-lho Académico, onde teria assento e voto. E quandoalgum caso urgente pedisse remédio mais pronto, re-presentaria ao Senado Académico logo que achassenecessário.

Este cargo devia ser perpétuo, ou com exercíciopelo menos de dez anos; só Pessoas casadas o po-deriam exercitar. Como destesCensoresdependeriaa observância dos Estatutos, seria necessário que so-mente do Estado civil esperassem o prémio. Des-graçadamente até agora não pensou o Estado nestaincoerência, de dar cargos a súbditos Eclesiásticos,que esperam e podem sempre esperar serem premi-ados por uma potência Estrangeira, qual é a Monar-quia Eclesiástica. Do mesmo modo seriam os Len-tes, e todos os mais que estivessem matriculados naUniversidade, que ensinassem, ou que a governas-sem: ficando as Escolas Eclesiásticas, ou Escola, emÉvora ou Braga para ensinarem, governarem, e estu-darem os Eclesiásticos, Regulares e Seculares, comodissemos em outro lugar.

O Secretáriode cada um destes três Colégios, eos seus respectivosIntendentesseriam pessoas capa-zes para dirigir a Economia do Colégio. Como osseus cargos não requerem letras nem Ciência abs-tracta para se exercitarem, deixo àqueles que redi-girão os Estatutos interiores deles, de regrarem estamatéria.

Do Colégio da MedicinaJá tratei em outro lugar do método de ensinar esta ci-ência: e que devia ser num Colégio onde estivessemos estabelecimentos seguintes.

• Um Hospital com trinta, até cinquenta camas.

• Um Teatro Académico com lugar para armáriospara conservar as preparações anatómicas, e seguardarem os desenhos, e figuras da Anatomia.

• Um Laboratório Químico, com uma Botica.

• Um Jardim de plantas com edifício para conser-var a História Natural, e estufas para conservaras plantas estrangeiras.

Que dentro dele deviam habitar osLentes, osLei-tores, os Estudantesinternos de quinze até vinte,o Fiscal ou Censor, o Intendentee o Secretário.E como seremos mais extensos quando tratarmosdo Colégio de Medicina e Tribunal Médico paragovernar-se esta ciência em todos os domínios dePortugal, ali mostraremos a união e a correspondên-cia que devia ter este Colégio da Universidade como Tribunal Médico, e como por este método se au-mentaria a ciência da Medicina, e por consequênciaa saúde, e a conservação dos súbditos do Reino.

Quando tratarmos das viagens que devem fazeros que tivessem acabado os seus estudos, por ordemdesta Universidade, e com quem se corresponderiam,então proporemos a necessidade que tem o Reino deMédicos versados na História Natural para indaga-rem o que têm as nossas conquistas e colónias de útilpara a Medicina, para as Artes, e para o comércio:método de que tem usado todas as Nações da Europacom tanto aumento das ciências, e dos seus Estados.O que seria da incumbência da Universidade, e es-pecialmente do Colégio de Medicina, solicitar e pro-mover esta sorte de viagens.

Do Colégio da Jurisprudência,terceiro de que seria compostaesta UniversidadeQue me não acusem, que não sendo Jurisconsulto,me atrevo a escrever como se deve ensinar a Jurispru-dência, e determinar os estudos que devem precederpara aprendê-la.

A primeira prova que terão da minha ignorância,é que neste Colégio se não devia ensinar oDireitoCanónico; e que seria impossível a um Juiz de Fora, aum Desembargador, e mesmo a um Letrado, cumpriras funções do seu cargo, sem esta ciência; porque as

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nossasordenaçõesestão pela maior parte fundadas ecerceadas por ela.

Que parece afectação repreensível que sejam obri-gados todos os que estudarem neste Colégio,inter-nosou externos, de terem estudado por dois ou trêsanos no Colégio de Filosofia e Humanidades, nas quedeviam ser aprovadas para entrarem a estudar a Juris-prudência: aqui juntariam outras objecções que dis-semos acima.

Na Universidade de Turim sendo Católica Ro-mana não há faculdade de Direito Canónico: estuda-se é verdade juntamente com a Jurisprudência; domesmo modo que os Lentes desta ciência estudam aHistória eclesiástica, a dos Concílios, as Antiguida-des Eclesiásticas e as profanas. A Universidade quepropomos é para que os que estudarem e saírem apro-vados nelas sejam súbditos do Estado, e que só delepossam ter o prémio e o castigo. Os que estudavamo Direito Canónico e se formavam nele, por esta for-matura saíam do poder do Estado, e eram premiadosmais vezes ou sempre, que castigados pela Monar-quia Eclesiástica. Nesta consideração é que os Len-tes das Universidades de Coimbra e de Castela (sepensam ainda como pensaram os Jurisconsultos doséculo passado nos mesmos Reinos) que os que en-trarem a estudar neste Colégio levem os princípios doque ali aprenderam, como os Médicos: concedam-me (porque é certo) que para aprender a Medicina,é necessária a Física Geral e Experimental; e que domesmo modo para aprender a Jurisprudência, é ne-cessária previamente a Filosofia Moral, a História, aGeografia e as Antiguidades. Que me digam estesLentes sequazes de Bartolo, Baldo e Acursio quantasvezes ficaram ignorando o que liam, por não saberema propriedade da Língua Latina, as Antiguidades e aCronologia, e sobretudo por não saberem a FilosofiaMoral na qual está fundada a Jurisprudência, e prin-cipalmente na Filosofia dos Estóicos? Que me di-gam quando terão tempo, carregados de despachos,e poderá ser de anos, como será possível aplicarem-se a estes estudos, dos quais se aperceberam interior-mente os que necessitavam: se arrependeram não oshaverem aprendido na sua primeira idade, empregadatalvez na dissipação, porque na Universidade não ha-via outro estudo que copiar pecúlios e postilas.

Coisas tão evidentes seria impossível escaparem aquem fundou as quatro faculdades, desterrando dasUniversidades, os Lentes das Humanidades e boa Li-teratura e das Matemáticas. Mas a causa já a indica-mos acima, com Fr. Paulo Sarpi.

Não creio que se atreverá hoje nenhum Portuguêsa ensinar a Jurisprudência sem estar instruído nos co-nhecimentos que propusemos no Colégio da Filoso-fia e das Humanidades sem ter lido, ou aprendido nas

Universidades da Holanda, ou da Alemanha o Direitopúblico e das Gentes, pelas obras deGrotius, Puffen-dorf, BoemereHeinecius, sem conhecer o códex dasLeis deBerlime deTurim, para explicar e corrigir asnossas ordenações feitas pela inspiração da Corte deRoma.

Estou prevendo que me acusarão de que quero vera Universidade que proponho semelhante às Protes-tantes: mas que se desenganem; quisera que imitás-semos as Leis de Turim, Reino Cristão Católico Ro-mano. Os títulos do seu Códex impresso em-fólio noano 1723, e pela segunda vez em-4r. 2 vol. 1729, sãoos seguintes:

* Trata da Polícia eclesiástica, a imitação do Có-digo de Justiniano.

* Dos Magistrados civis, do Consulado, e Leis docomércio.

* Dos Litígios e sua forma.

* Dos delitos.

* Dos Testamentos, e vários modos de adquirir.

* Dos Privilégios, isenções, das Minas, Cami-nhos, Bosques, Águas.

Nesta última edição o sexto título ou livro está au-mentado, e não se acha na edição precedente.

Semelhante doutrina quisera eu que se ensinassena nossa Universidade, como se ensina na de Turim.E bem se poderá ver que sorte de Letrados e Juízessaíam da Universidade de Coimbra sem terem estu-dado as Leis do Reino pelas quais vão a advogar e ajulgar.

Não direi mais sobre o método que se deve se-guir para estudar a Jurisprudência neste Colégio:concedam-me que todos os que entrarem a estudá-lasaibam o que devem saber quando saíssem do Colé-gio da Filosofia, e então estou certo que escolheramo verdadeiro método de estudar esta ciência, se asobras deGrotius, Vitriarius e Heineciusnão foremqueimadas pelo santo ofício, e forem presos por eleos Lentes ou os discípulos que as lerem e estudarem.

Se eu tivesse tanta prática da Jurisprudência, comoadquiri da de Medicina, levava-me o ânimo a indicaralguns meios mais, para ser mais útil a Portugal: masfaltando-me o que agora me era necessário saber, eesperando um dia que o governo desta ciência se re-forme, tanto que na Universidade se ensinar comodeve ser, não posso deixar de notar aquele abuso in-troduzido, que os nossos Advogados tudo façam porArrezoados, e que de viva voz jamais exercitam o seuofício como fizeram os Romanos, e fazem hoje to-dos em toda a Europa. Observaram os Autores quetrataram da economia política, que naqueles Estadosonde se pleitea por escrito, que neles nem floresce a

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 15

eloquência, nem aliberdade civil. E é certo que es-tando extinta em Portugal pelo poder de um TribunalEclesiástico, que nem a Eloquência, nem nenhumasorte de boas letras poderão jamais ali florescer.

Entretanto que não entramos a tratar dossalários,Dignidades dos Lentes, se devemmudar de cadei-ras; se devem receberhonorários dos estudantes,ou os Leitores; se devem ensinar emparticular, ousomente em público, ou no auditório dos Colégios,ou da Universidade, vejamos pelas Leis Romanas deque modo se governavam as Universidades, ouesco-lasde Roma e de Constantinopla.

Leis ou Constituições tocantesaos Estudantes que o SenadoAcadémico faria conhecer porEditais a todas as Câmaras doReinoPlatão e Cícero estimavam com a maior distinçãotodo o súbdito que meditava na melhor educação damocidade; que era o mesmo que querer ver a pá-tria douta e instruída, virtuosa e potente. Para imitarde algum modo tão grandes homens, exporei aqui asLeis dos Imperadores Valentiniano7, Valente8 e Gra-ciano9 (3), sobre as Escolas de Roma e de Constan-tinopla. Seguirei o comentário, que fez a esta LeiHermannus Coringius,. e das suas decisões proporeiaqueles estatutos, que parecem ser mais conformesaos nossos costumes.

Ordenam os referidos Imperadores10 «que todos

7O primeiro. No ano 364 Imperador do Ocidente.8No ano 364 Imperador do Oriente.9No ano 375, Imperador do Ocidente, Filho de Valenti-

niano, o I.10Ad L. 1. Cod. Theodosiani de Studiis Liberalibus Ur-

bis Romæ & Constantinopolis Comm. Rerm. Conringio.No livro de Antiquitatibus Academicis, da edição de Go-tinga, no fim da obra, pag. 8, §VII.Imp. Valentinianus,Valens & Gratianus. A. A. A. ad Olybrium, P. V.«Quicum-que ad Urbem discendi cupiditate veniunt, primitus ad Ma-gistrum census, Provincialium Judicum a quibus copia estdanda veniendi, ejusmodi litteras proferant, ut oppida ho-minum, & natales & merita expressa teneantur.Deinde,ut in primo statim profiteantur introitu, quibus potissimumstudiis operam navare proponant.Tertio, ut hospitia eorumsollicite censualium norit officium, quo ei rei impertiant cu-ram, quam se asseruerint expetisse. Iidem immineant Cen-suales, ut singuli eorum tales se in conventibus præbeant,quales esse debent, qui turpem inhonestamque famam, &consociationes quas proximas putamus esse criminibus, æs-timent fugiendas; neve spectacula frequentius adeant, autappetant vulgo intempestiva convivia. Quin etiam tribui-

os estudantes que viessem estudar a Roma se apre-sentassem ao Juiz da Correição do lugar da sua resi-dência, do qual trariam atestação do lugar onde habi-tavam, do dia, e do ano em que nasceram, e do seumerecimento e capacidade».

Posto que os Imperadores que decretaram estasleis eram cristãos não vemos que os Eclesiásticos,que fundaram as Universidades existentes, seguiramo acertado desta resolução, tão útil, e tão necessáriaà conservação do Estado e à dignidade das letras.

Qualquer moço criminoso, qualquer amante deócio, e da companhia que fomenta a dissipação e aliberdade dissoluta, pode matricular-se na Universi-dade, depois de um leve exame do latim do Breviário:matricular-se no direito canónico ordinariamente, ouna Jurisprudência, goza já dos privilégios da Univer-sidade, e fica subtraído à Juridisção Real.

Todo o rapaz ou mancebo que teve o passe do seuexame no Colégio que foi das artes de Coimbra, po-dia livremente matricular-se no Direito canónico, ouno Direito civil. Podia formar-se nestas duas facul-dades. Queria, por exemplo entrar este Bacharel noEstado Eclesiástico, o Bispo lho recusava sem inqui-rições de sangue limpo: desejava seguir as varas, eler no Desembargo do Paço, este Primeiro Tribunaldo Reino lhe não concedia este favor sem mostraras suasinquiriçõesdesangue. Queria pretender umcargo de Advogado de um Tribunal, este lho defendeseminquiriçõesdesangue.

A Universidade de Coimbra conferindo o grau deBacharel a um dos seus alunos, que é incapaz de ser-vir a sua pátria, comete dois crimes: um contra a dig-nidade da Ciência, e outro contra o bem do Estado:confere as honras dos seus graus a umescravo: porque só os escravos não podem servir a sua pátria; sóos menoresnão podem dispôr dos seus bens; só osmentecaptosnão podem fazer testamento; só os que

mus potestatem, ut, si quis de his non ita in Urbe se gesserit,quemadmodum liberalium dignitas poscat, puvlice verbe-ribus assectus, statim quæ navigio superpositus, abjiciaturUrbe, domum quæ redeat.»

His sane, qui sedulo operam professionibus navant, us-que ad vicesimum ætatis Romæ annum liceat commorari.Post id vero tempus, qui neglexerit sponte remeare, sollici-tudine Præsaturæ, etiam impurius ad patriam revertatur. Ve-rum ne hæc perfunctorie fartasse curentur, præcelsa since-ritas tua officim censuale commoneat, ut per singulos men-ses, qui vel unde veniant, quive sint pro ratione temporisad Africam, vel ad cæteras províncias remittendi, brevibuscomprehendat. His duntaxat exceptis, qui Corporatorumsunt oneribus adjuncti. Similes autem breves etiam ad scri-nia Mansuetudinis nostræ annis singulis dirigantur, quo me-ritis singulorum, institutionibusque compertis, utrum quan-doque nobis sint necessarii, judicimus.

Dat. IV. Id. Mart. Triv. Valentiniano & Valente, III. A. A.C O N S S. que corresponde ao ano 369.

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não podem tirar as inquirições são reputados por es-cravos, apesar da sua ciência, procedimento e capa-cidade, virtudes decoradas com um grau de Bacharelou de Licenciado.

Mas o que é incompreensível é que a Igreja dePortugal e de Castela seja nesta matéria contraditó-ria de si mesma. Enquanto este estudante já formadoviveu na sua pátria, enquanto estudava na Universi-dade, os Eclesiásticos lhe concediam o uso dos san-tos sacramentos: quer entrar no estado Eclesiástico,os Bispos o julgam como se fosse escravo, ou hereje:e continuam a conceder-lhe o uso dos mesmos San-tos Sacramentos vivendo na Religião Cristã.

A ignorância dos Mestres da Língua Latina, e oódio castelhano, que infectou Portugal pela usurpa-ção de Filipe II, quando explicam no Concílio deTrento11 aquela palavraNatales, a traduzem:gera-ção e ascendência. A falsidade desta interpretaçãose vê na palavraNatalesda lei que vamos expondo:a República, nem o Império Romano, nem a IgrejaUniversal Cristã Romana nunca conheceram inquiri-ções: a esta lei não pode falar desta introdução Cas-telhana: a palavraNatalesquer dizerdia do nasci-mentoou dia em que nasceu. E com semelhantesfundamentos proibem os nossos Bispos dar ordensmenores a quem não trouxe consigo as suas inquiri-ções de sangue.

Para evitar tanta contradição e tanta ruína de mui-tos e muitos súbditos, que poderiam servir a suapátria com utilidade e honra, parece que devia serum dos primeiros Estatutos desta Universidade, se-guindo a lei que vamos expondo, o seguinte:

«Que cada três anos mandaria a todas as câma-ras do Reino o Senado Académico um edital im-presso, no qual estaria declarado que todo o estu-dante que quisesse seguir os estudos na Universi-dade e matricular-se nela, deveria vir munido comtrês atestações, sem as quais não lhe seria permitidoseguir os estudos referidos. A primeira atestação se-ria do Pároco, na qual estaria a fé do Baptismo: eatestação própria do mesmo tocante à vida e aos cos-tumes do atestado. A segunda seria de Mestre como qual aprendeu as línguas doutas: nela se atestaria acapacidade, talento e o saber do discípulo, e os seuscostumes. A terceira do juiz da sua residência na qualconstasse não ter crime para matricular-se na Univer-sidade que queria seguir.»

Por estas três atestações julgaria o Senado Acadé-mico se o Estudante era digno ser despachado parasubir o exame, e matricular-se na Universidade. Se

11Ut omnibus, ac desiderio corum, qui volent promoveri,publice in Ecclesia propositis de ipsorum ordinandorum na-talibus, ætate, moribus & vita, à fide dignis diligenter inqui-rat. Sect. 3, cap. IV.

nele achassem defeitos de sangue, de algum mem-bro, de engenho, de capacidade, ou outros quaisquerque merecesse a ignomínia de ser expulso das hon-ras da Universidade, obraria coerentemente com esteestudante, e não seria jamais capaz de servir a suaPátria pelo caminho das letras.

Mas no caso que o Senado Académico o despa-chasse a examinar-se, e a matricular-se, a atestaçãodesteexame, edestamatrícula lhe serviriam por todaa vida em lugar das Inquirições de sangue limpo, quetão necessárias são hoje em Portugal até para ser ofi-cial de parteiro, e Mestre de ler e escrever: dispen-dendo o Reino cada ano pelo menos 60 contos de réisem tirar Inquirições, que ficam no poder dos Ecle-siásticos.

Fechava-se a porta deste modo aos Cristãos No-vos, e aos Mestiços para não serem Médicos, nemLetrados; adquiriria o Reino mais oficiais mecâni-cos, ou os perderia de uma vez, e ficaria deste modo,limpo de sangue, e de muita gente.

Artic. II – Da Lei acima

Que logo que se apresentar ao Governo da cidade (deRoma, ou de Constantinopla) que declare que sortede Ciência quer aprender, e que fique matriculado.

Se na Universidade que propomos se estabelecer oColégio da Filosofia como porta para estudar a Medi-cina e a Jurisprudência, nesse caso parece supérfluoo que pretende esta Lei.

Artic. III – Da mesma Lei

«Que o Magistrado dosCensores, ou Inspectoresdacidade soubesse distintamente onde havitavam os Es-tudantes, e se viviam conforme a sua profissão. Eque tivessem particular inspecção se nas companhiaspúblicas, e auditórios, procediam conforme deviam,atendendo que conservassem a reputação da sua pro-fissão: que raras vezes fossem aos espectáculos; queevitassem banquetes principalmente nas horas de-sacostumadas: e que aquele que contraviesse fosseaçoutado, e obrigado a sair da cidade para a sua Pá-tria».

Traduzi com liberdade esta Lei para dá-la a enten-der conforme os nossos costumes. Quem consultaros Autores das Antiguidades Romanas verá o que seentende peloOfficium Censualium, e Magister Cen-sus. No lugar citado também se poderá ver Conrin-gius, que condena com razão a severidade desta Leimandando açoutar os transgressores. As Universida-des de Alemanha quando degradam algum dos seusalunos é por editais impressos, comunicados a todas

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 17

as Universidades daquele Império, fazendo-lhe co-nhecer os delitos e a pessoa.

Quem tiver a peito a santidade dos bons costumes,o amor do saber e da doutrina, desejará ver esta Leipraticada na Universidade Real, ou outra tão seme-lhante que evite os horrores, e a vida estragada quevi e experimentei em Coimbra, Universidade Régiae Pontifícia, desde o ano 1716 até o de 1719. Aindanão estão sepultados os horrores que cometeu o ran-cho da carqueija; e para que melhor se conheça a ne-cessidade desta Lei, direi aqui em poucas palavras avida dos estudantes daquele tempo.

Cada Estudante era o senhor de alugar casa ondeachava mais da sua conveniência; uns na cidade, e ar-rabaldes, outros perto da Universidade: conheci mui-tos que se levantavam somente da cama para jantar,estando em boa saúde: outros passando dia e noitea tocar instrumentos musicais, a jogar as Cartas, efazer versos. Quase todos matriculados em Cânonesnunca estudaram nos primeiros quatro anos: o pri-meiro estudo era apostila pela qual deviam defenderconclusões no quinto ano. Não havia noite de In-verno sem oiteiros mesmo diante dos Colégios de S.Pedro, e de S. Paulo: rondavam armados de noite,como se a Universidade estivesse sitiada pelo ini-migo: muitos tinham seo cão de fila, que era a suacompanhia de noite. Nas aulas nunca ouvi tivessemnem Inspectores, nem Reformadores quotidianos. OsProprietários das casas não tinham obrigação de da-rem parte ao Conselho Académico do procedimentodos Estudantes que logeavam. Não havia defensa da-quelas bárbaras e indecentes investidas, feitas comviolência, e desacatos, armados os agressores, comopara assaltar, um castelo: destes excessos resultarammortes, incêndios e sacrilégios, e outros e maioreshorrores que se cometeram no ano 1719.

Considerando o fogo da mocidade Portuguesa,não obstante todas as precauções que tomará o Se-nado Académico para evitar todas as contravenções àLei referida, sei que será obrigado o Juiz Fiscal casti-gar compenas pecuniárias, comprisão, e comexílio.E para que a prisão fosse sem detrimento da Ciência,na esperança da emenda, seria digna do maior louvora providência que tomaria o Conselho Académico demandar fazer as prisões de tal modo que delas pudes-sem os Estudantes ouvir as lições dos seus Mestres: oque seria fácil, se em cada um dos três Colégios hou-vesse uma prisão por cima das suas aulas, com talarquitectura que dela ouvissem os Lentes e os Leito-res.

Artic. IV

«Que os Estudantes fiquem somente nos estudos atéà idade de vinte anos; e que uma vez completos sejamobrigados a voltar para suas casas».

Tanto que no Estado se mudam as circunstânciasque permitiam a bondade da Lei, esta se deve refor-mar em outro tempo. Naquele que se decretou estaLei não necessitavam os Estudantes aprender duaslínguas doutas para estudar as Ciências, aprendiamsomente a Língua Grega: os seus Estudos se redu-ziam àEloquência, e àsLeis do Império. Nos nossostempos temos muito mais que aprender estudandoa Medicina e a Jurisprudência, e seria erro notávelque esta Lei se executasse: Mas deve ter termo, ea nenhum estudante seria permitido ficar como tal naUniversidade, quando tivesse completosvinte e cincoanos: e não necessito dar a razão neste lugar, ficandojá mencionada no que tenho dito neste papel.

Relatarei portanto a desordem que vi nesta matériaem Coimbra, e que devia ser ásperamente castigada,o que exercita a Universidade de Gotinga.

Lembro-me que reparei em Coimbra num estu-dante, já de idade mais de sessenta anos; como oproprietário da casa onde eu morava o conhecesse,respondeu-me, que este estudante velho sendo rapaze estudante matriculado na Universidade, um seu pa-rente lhe ficara umlegado de 200 r. por dia enquantoandasse na Universidade. Que fez o estudante? con-tinuou a matricular-se cada ano, assim destinou a suavida naquele estado para receber dois tostões por diaenquanto vivesse.

Semelhantes homens e estudantes deviam ser ex-pulsos da Universidade: o estado faz tantos gastosna sua conservação para tirar dela súbditos que o sir-vam: semelhantes ânimos devem ser castigados coma ignomínia que merecem.

Também vi homens de maior idade, sem professa-rem mais que a vida dafeição, egalanteio, virem deLisboa, e das Províncias passarem o inverno a Coim-bra, alojados com os estudantes, na intenção de se di-vertirem; nunca lhes faltou companhia de jogar, glo-zar motes, tocar instrumentos, dançar, e consumir otempo na conservação dos equívocos, e dos repen-tes. A Universidade não tomou disto nunca cuidado:tinha muito, que o Meirinho prendesse o estudantecom cabelo longo polvilhado, com fivela de prata;comprando todo o Reino ao mesmo tempo as de ferroe de metal dos Estrangeiros.

Semelhante sorte de homens deviam ser expulsosda Universidade como contágio pestilente dela, nãosó com exílio, mas com infâmia.

18 António Ribeiro Sanches

Artic. V

«Que os Inspectores do ofício da corregedoria dêemparte cada mês ao Governador da cidade de todo oestudante, que entrar, ou sair da Universidade para asProvíncias».

O Tenente da Polícia de Paris sabe cada dia pelamanhã pelos Comissários de cada rua, e estes de to-dos aqueles que alugam câmaras, ou quartos alfai-dos, o nome, a nação, e a família de todo aquele quese despede, e que aluga morada. Do mesmo modo naUniversidade podiam os moradores do seu circuitodar parte aos Inspectores das suas ruas, e estes aoFis-cal ou Censorda Universidade de todo o estudanteque se despedisse, ou que alugasse.

Todos sabem que a metade dos estudantes, ou pelomenos a terça parte dos que estão matriculados emCoimbra, tanto que se matriculam no mês de Outu-bro, que voltam para suas casas, onde ficam até o Na-tal, e às vezes até o entrudo: vêm para Coimbra parase matricularem na segunda matrícula, e tanto quefirmaram o seu nome voltam para casa atéquinze deMaio, quando vêm para matricular-se pela terceiravez. De tal modo que uma grande parte dos estu-dantes que se formam em Medicina (exceptuando osPartidistas) em Leis, e no Direito Canónico contandoos sete, ou seis anos que estudaram, não ficaram pordois meses seguidos na Universidade.

Isto é tão verdade, como notório ao Reitor, e aoConselho da Universidade: e como nunca pensarama destruir este enganoso abuso, parece que o aprova-vam. Note-se o pouco que pensa uma UniversidadeEclesiástica no aumento das ciências: note-se quepouco cuidado tem da perda dos bons costumes, quepelas jornadas com companheiros de igual ânimo, seestragam nas estalagens, e se arruinam em despesas,e em jogo.

Dão por desculpa, (e é bem aceite) que estes es-tudantes não têm meios com que viver na Universi-dade; e que sendo homens honrados, não convém,que por falta deles, fiquem privados da formatura emLeis, ou em Cânones, com a qual adquiriram benefí-cios, e varas.

Se na Universidade vivessem com a economia eordem que convém ao seu estado, a despesa que fa-zem cada ano em três jornadas com dissolução, e de-sordem ordinariamente, seria bastante para viveremem Coimbra. Além disso se não têm meios esteshomens honrados de estudarem, poderiam assentarpraça, e a ninguém seriam então perniciosos: vieramperpetuar à Universidade a ignorância e todos os ví-cios. E o Reitor sabe este abuso, e o consente, e peloseu silêncio o aprova.

Na Universidade Real não haveria esta barbari-

dade de matrículas que não conhece nenhuma Uni-versidade exceptuando a de Coimbra. Quando oJuizFiscal observasse que um estudante faltava à Uni-versidade sem legítima causa, pelo espaço de ummês, seria admoestado.Pela segundacondenadocom pena pecuniária; epela terceiraexpulso da Uni-versidade por edital impresso. E este seria um dosprincipais estatutos da Universidade para exterminareste abuso tão funesto e pernicioso.

Artic. VI

«Que semelhantes listas devia mandar o mesmo Go-vernador ao Imperador, nas quais constasse do mere-cimento, capacidade e conduta dos que estudavam,para serem empregados quando necessitasse o seuserviço».

Sabemos que el Rei Dom João o segundo tinhapor escrito os nomes dos seus súbditos mais capazesde se empregarem no seu serviço; porque conheciaaquele Grande Rei que nenhum Reino é pobre, senãopor falta de homenslaboriosos, vigilantes e virtuo-sos: que seja pobre, que os seus campos sejam esté-reis, que não tenha fábricas, se semelhantes súbditosse empregarem por Reis que os saibam dirigir, seráflorescente. Por esta razão os Soberanos que quise-ram merecer o mais elevado título de Monarcas, queé o de Legislador, logo pensaram na educaçãovirtu-osa, e instrução da mocidade. Deplora Amiano Mar-celino12 o lascivo e corrupto estado dos estudantesdas escolas de Roma; e que desta corrupção resultaraa da Magistratura e de todo o estado civil do Império.Floresceu este Autor quase no fim do século IV: e noano 410 foi Roma tomada por Alarico.

Estas memórias me obrigam a propôr que a Uni-versidade Real devia depender imediatamente do Se-cretário de estado do Reino, e de nenhum modo daMesa da Consciência, pelas razões que já todos sa-bem. Quando um Ministro tivesse a peito que abundeo Reino de súbditos capazes, saberá facilmente pe-las listas anuais que lhe remeteria o Conselho Aca-démico o número dos estudantes de cada Colégio, eseu aproveitamento, a sua virtude, e procedimento.Esta inspecção conhecida uma vez pelos estudantesaumentaria a doutrina, e todo o merecimento. É no-tável e incrível o efeito que causa nos ânimos gene-rosos o louvor! Quando a mocidade Portuguesa vi-esse no conhecimento que o seu nome, a sua vida, eas suas acções estariam um dia diante do seu Sobe-rano, do seu Rei que tanto amam e tanto adoram, quecontinência, que trabalho e que vigilância não teriampara lhe ser conhecida com aplauso?

12Lib. XXX.

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 19

Dos Exames antes dos Estudosda Universidade, dos anuais edos últimos da formatura

Os Leitoresdos três Colégios da Universidade po-deriam ser os Examinadores dos estudantes que qui-sessem entrar no Colégio da Filosofia e das Huma-nidades: osLeitores, com osLentespoderiam ser osExaminadores nos exames anuais. E somente osLen-tesseriam os únicos Examinadores no último examedo Estudante que havia de ser decorado com patenteReal ou insígnia, em lugar do grau eclesiástico.

Um dos estatutos da Universidade de Turim é queo Senado Académico dê juramento aos Examinado-res que não ensinaram aos discípulos as respostas,que darão às questões que lhe farão no exame; eque como Juízes íntegros julgarão do merecimentodo examinando.

Todas estas formalidades são utilíssimas à Repú-blica; e podia esta que indicamos adoptar-se por estaUniversidade.

Dissemos acima que o Senado Académico tendodespachado o Estudante para examinar-se, depois deestar informado pelas três atestações passadas no lu-gar do seu nascimento ou residência, imediatamentepassaria ao lugar do exame, que seria junto da Secre-taria da Universidade.

Quem foi examinado muitas vezes, e quem viuexaminar, facilmente assentará, que seria conveni-ente que o examinando estivesse diante de uma mesacercada de grades, para que nenhum dos circunstan-tes pudesse indicar-lhe o que devia responder. Su-cede muitas vezes turbarem-se os que se examinama tal excesso que não podem articular palavra: se-ria da compaixão e da prudência dos Examinadoresmandar passar a outro quarto, só e retirado, o exa-minando, ordenando-lhe escrever a resposta das per-guntas que lhe fizessem, por que deste modo podiahaver indícios certos da sua capacidade.

Se não mostrasse ser capaz de entender um Au-tor clássico, de escrever com alguma propriedade aLíngua Latina, se fosse ignorante da Retórica, nãoseria admitido a matricular-se: poderia continuar nasEscolas Reais, ou do mesmo lugar onde existisse aUniversidade, ou em outra qualquer. Todos sabemque não estando instruídos no referido, não enten-deriam nem os Lentes, nem os Leitores que haviamsempre de ensinar na Língua Latina.

Se merecesse ser aprovado com passe dos Exami-nadores, se apresentaria ao Secretário da Universi-dade para matricular-se. No livro da matrícula se lan-çaria a cópia das atestações e do despacho do Con-selho Académico e do exame: e o Secretário da Uni-

versidade, com oFiscal ou Censorda mesma, lhedariam juramento, que devia observar os estatutos eregramentos da Universidade: o Secretário então lhedaria passe para o Colégio da Filosofia e Humanida-des, o qual apresentaria o Matriculado ao seu Reitor,que escreveria o seu nome no livro dos Estudantesdaquele Colégio.

Que não pareçam supérfluas tantas formalidades:por elas se imprime no ânimo um respeito para aUniversidade e para o Estado. A grandeza a quechegou o Império Romano dependeu em muita partedestas formalidades, concebidas por palavras conta-das, e próprias daquela solenidade. Perguntou PirroRei dos Epirotas aos seus Embaixadores, que che-gavam de Roma, o que lhes parecia desta cidade. Elhe responderam, UM TEMPLO. Porque tudo nela secelebrava por actos solenes concebidos por palavrasdeterminadas. O soldado que assenta praça, dá jura-mento, ou o deve dar de obedecer aos seus oficiais,e de não desemparar o posto que lhe for ordenado.Muitos cargos civis requerem juramento na sua re-cepção: e o estar matriculado na Universidade é umcargo, uma distinção, e uma habilitação para servirà Pátria. O filho do Duque, do Marquês, do Conde,e do Fidalgo logo que estiverem matriculados, nãolhe servirão preeminências estas para não serem cas-tigados pela Universidade igualmente como o Filhode um homem muito ordinário. A igualdade nos Es-tudantes há-de ser observada, como no vestido, e notrato, que hão-de ser uniformes. Parece que será daobrigação do Juiz Fiscal não consentir que Estudantealgum, ainda que seja o mais qualificado do Reino,tenhaCozinheiro, Negro, dois ou trêsLacaios, nemcavalo nem mula de montar. Estas superfluidadesarruinaram, e arruinarão sempre os intentos das Uni-versidades.

Exames anuais

Bem sei que não é costume das Universidades exa-minar no fim de cada ano Académico os Estudantes;e multiplicar o trabalho dosLeitorese dosLentes,e alguns considerarão também que não promovem aCiência nos que estudam: o meu intento, e que deveser nesta parte do Senado Académico também, é queos alunosdesta Universidade não somente venhaminstruídos no mais breve tempo possível, mas tam-bém virtuosos; e como somente o trabalho, a aplica-ção e o emprego do tempo é o principal fundamentoda virtude, por esta razão é que proponho os examesanuais dos Estudantes.

Só pelos exames se pode conhecer, o engenho eo talento dos examinandos: deverão preferir e inda-gar neles os Examinadores, a instrução, e aquela me-

20 António Ribeiro Sanches

mória volátil onde não tem parte o discurso, nem acombinação. Quando o Estudante souber que no fimdo curso há-de ser examinado; e que ficará escrito ojuízo que fizerem dele nos livros da Universidade, eque este depoimento há-de chegar diante do Secretá-rio de Estado, e também de Sua Majestade Fidelís-sima, é certo que empregará muitas horas, daquelasque se consomem no ócio e na dissipação, no estudo,e em perguntar e informar-se dos Leitores destinadosao seu ensino.

Quando os Estudantes vissem um Condiscípulocondenado a deixar a Universidade por edital pú-blico, fosse Nobre, plebeu, ou Fidalgo (porque sehouver distinção entre os Estudantes, todos os Es-tatutos da Universidade serão inúteis), é certo que noano seguinte aquela ideia do castigo e ignomínia, osfaria mais diligentes e estudiosos, que todos os meiosque se inventaram até agora.

O Legislador faz tanto bem à Sociedade civil comoscastigos, como faz com osprémios. Estes são ne-cessários para animar a glória das almas generosas:aqueles para amedrontar os ânimos perversos e des-temidos: produzem os efeitos de acanhar um ânimoperverso e obstinado; e se não fica por eles emen-dado, pelo menos fica apagado aquele fogo de obrarmal: e por isso os castigos de exílio, de infâmia, ede morte são os melhores Mestres da vida nas almasgrosseiras e cruéis: pelo que dizia o Grande Boerha-aveque um Algoz impedia mais crimes, do que cemMissionários.

Se for da aprovação do Senado Académico o queacabo de relatar, estou certo que será um dos princi-pais Estatutos osexames anuais, no fim de cada anoAcadémico. OsLentese os Leitores seriam os Exa-minadores, estando presente ou presentes, ao mesmoacto um dosReformadoresda Universidade. As pre-cauções para que os Estudantes respondessem o quesoubessem, e não o que lhes inspirariam os circuns-tantes, como era costume naqueles actos de Filosofiano Colégio que foi das Artes em Coimbra, estão in-dicadas acima, quando tratamos do primeiro exameantes da primeira matrícula.

Como estes exames haviam de ser por pergun-tas fundadas naquela doutrina que aprenderam na-quele ano principalmente, e nos antecedentes, seriafácil em poucas respostas ficar inteirado do aprovei-tamento, e do engenho do examinando; e em meiahora de tempo ficarem os Examinadores inteiradosdo que lhes é necessário para darem o seu parecerem breves palavras por escrito. Aqueles exames àforça de Silogismos, com um relógio de área, quenunca cabia toda no fundo; aqueles Epigramas emlouvor do examinando, e outras semelhantes ridicu-larias, não deviam memorar-se nesta Universidade.

Do último exame de cada Colégio

Para satisfazer ao título exposto seria necessário de-terminar primeiro,por quantos anos deviam os es-tudantes estudar em cada um dos três Colégios daUniversidade? Título que discutiremos abaixo; e so-mente por ser forçado pela ordem da matéria dos exa-mes, é que tratarei deste proposto.

O último exame do estudante há-de servir para sairda Universidade com as honras e insígnias dela, au-torizado a praticar a ciência que aprendeu em todosos domínios de Portugal. A ordem pública, e o bemcomum requer, que ninguém exercite, e tenha honrase lucro por uma arte ou ciência que não aprendeu:e desta origem provém a justiça de castigar aquelesintrusos e falsários que praticarem a Medicina ou aadvocacia.

Já acima dissemos em que tempo deviam ser exa-minados aqueles que estudaram no primeiro Colégiode Filosofia: é certo que dois ou três Cursos Acadé-micos seriam bastantes para aprender o que pretendera Universidade: mas a Lei ouEstatutogeral que deveser observado nesta matéria é a seguinte; «que parasair decorado com o poder de ensinar a ciência quese aprendeu neste Colégio de Filosofia, como nos daMedicina e da Jurisprudência, não se havia de con-tar pelo tempo: somente pelo progresso que tinhamfeito nas ciências que aprenderam, para adquiriremo poder de ensiná-las; que é o que deve entender-se,formar-se e tomar o grau de doutor.»

Somente os exames seriam os que decidiram: e oprincipal cuidado que devia ter o Senado Académicoseria, nos deste primeiro Colégio de Filosofia, aque-les que saíssem aprovados para ensinarem nas Esco-las Reais do Reino as Línguas doutas e a Retórica, te-rão a mesma faculdade para entrarem a estudar a Me-dicina e a Jurisprudência: por esta razão deviam osExaminadores estar bem informados da capacidadedo examinando para aprová-lo, e não só obrigá-lo aficar estudando três anos, mas ainda quatro; e no casoque se visse que era sujeito incapaz de professar le-tras devia ser exterminado daRepública Literária, oque poderia ser conhecido não só no primeiro exameantes da matrícula, mas também naquele anual desteColégio.

Os exames tanto dos Colégios da Medicina, comoda Jurisprudência, seriam anuais como dissemos: otempo de três, quatro ou cinco anos não decidiria, sedeviam ser decorados com a faculdade de exercitar aMedicina e a Jurisprudência, e ensiná-la: só a apro-vação dos exames seriam os motivos destas licenças.Haveria génios tão felizes e industriosos, que no ter-ceiro exame anual mostrassem ser capazes de serem

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 21

decorados com as insígnias da Universidade: outrosno quarto exame, e os mais remissos no quinto.

De tal modo que os estudos desta Universidade sereduziam decinco, até sete, ou oito anos. No Co-légio de Filosofia dedois, a três anos. No Colégiode Medicina e de Jurisprudência, detrês atécinco.E deste modo seria este tempo igual, e muito menos,do que aquele de Coimbra de sete até nove anos.

Consideremos agora por quanto tempo estudavamos estudantes na Universidade de Coimbra tocante aoseu ensino.

O Curso Académico de Coimbra, começando peloS. Lucas, e acabando a quinze de Maio, não contémmais do quecento e nove dias lectivos; e por causados dias de festa da Igreja, dos Préstitos, e outras fun-ções Académicas, que todo o curso lectivo de setemeses, se reduz a quasenoventa dias lectivos, ou trêsmeses.

Se contamos os estudantes que voltam para suascasas tanto que se matricularam na Universidade trêsvezes por ano, o Curso Académico para estes não foidevintedias lectivos.

Todos os estudantes desta Universidade saindodela a 15 de Maio, ficam em suas casas até Outubro:tempo bastante para esquecerem o que aprenderam:consumindo aqueles cinco meses no ócio, na disso-lução, nos divertimentos, e queira Deus que não sejanos vícios!

Deve-se considerar o que gastam nas jornadas, or-dinariamente em companhia; o que aumenta as des-pesas pelo jogo e outras mais dissipações.

Em Salamanca, Pisa, nem nas Universidades deItália, França e nas do Norte, não há matrículas comoas nossas, nem se observam os estatutos de obri-gar o estudante por tantos anos: cada qual procuragraduar-se conforme se acha capaz; e tudo dependedo exame dos Professores, e dos honorários que rece-bem do graduando. Esta é a razão por que os estudosdestas Universidades estão hoje na maior decadên-cia: porque os Professores ordinariamente aprovamtodos, sabendo muito bem que perderam os Honorá-rios; por que estão certos que senão graduarem estecandidato, que procurará outra Universidade, que lhedará o diploma pelo dinheiro, e não pela ciência.

Somente a Universidade de Turim ocorre a estasdesordens pelos seus estatutos, observados com in-tegridade: os seus cursos são de dez meses lectivos;começando no primeiro de Outubro: os exames anu-ais começam no princípio do mês de Agosto; conti-nuam até quinze, ou por todo o mês, e todas as suasvacâncias se reduzem o mais a mês e meio.

Nas Universidades da Holanda se segue o mesmo:e na de Gotinga, como dissemos, dentro de um anose lêem dois Cursos Académicos.

Sua Majestade Imperial a Rainha de Hungria al-cançou do sumo Pontífice que nos seus Estados, seobservassem somente os Domingos, os dias de nossaSenhora, de Natal, e ano novo, como dias de festa.Se na Universidade de Coimbra todos os dias do anofossem lectivos, exceptuando os referidos acima, euma semana de férias somente pelo Natal, e outra porPáscoa, abolindo tantospréstítosda Universidade, etodas as funções, que impediam as lições dos Len-tes, tantos dias aumentariam as Escolas para o seuensino.

Na Universidade de Gotinga por ano se tem 300dias lectivos. O estudante que estuda nela por trêsanos, estudou por tanto tempo, como se estudasse naUniversidade de Coimbra pordez anos: por que nestao Curso Académico se reduz anoventadias lectivos.

Toda esta enfadonha (poderá ser) relação é parapôr diante do Senado Académico o grande cuidadoque deve ter «não só que osEstudos se façam nomais curto tempo possível, mas também com as me-nores despesas: e que os estudantes saiam destes trêsColégios tão bem instruídos, que possam com justiçater faculdade Real de praticar e de ensinar a ciênciaem que se formaram.»

Do vestido e do trato desta Uni-versidade Real

A Universidade, como já disse, há-de ser a Escola dosaber útil à sua pátria, da virtude moral e civil. Todosaprovarão estes intentos, mas receio que serão muitopoucos os que aprovarão os meios que proponho paraque o Reino alcance estes bens.

O que constitui um bom patriota é comer o queproduz a sua terra, e vestir-se e tratar-se com o quese fabrica na sua pátria: este ensino tão necessário, etão desconhecido em Portugal devia estabelecer-se eensinar-se pelos estatutos da Universidade Real.

Se o Senado Académico entrasse neste pensa-mento conforme requer a conservação do Estado, umdeles seria:

Que todos os Magistrados, Lentes, Leitores, Estu-dantes internos e externos desta Universidade, andas-sem vestidos da mesma sorte;sem diferençaalgumadepano, ouestamenha, cor, bondade, fabricadas noReino, somente nainsígniapela qual se distinguiria oseuConservador, Reformadores, Juiz Fiscal, Lentese Leitores: esta insígnia seria uma marca no vestido,como uma meia estola, de cores diferentes.

Todo o mais vestido de meias, sapatos, fivelas,devia ser fabricado no Reino: e quando o mesmoConservadorou Reitor, Reformadores, Juiz Fiscal,

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Lentes dessem exemplo, seria o mais eficaz meio deobservar-se este estatuto.

Seria do mesmo que todos os móveis, leitos, me-sas, cadeiras, c. e mais alfaias de todas as casas,Colégios, Edifício da Universidade, seriam feitos noReino sem luxo, pompa, nem despesa extraordinária.

Por estes estatutos se satisfaria ao intento da Uni-versidadeque os estudos dela se devem fazer coma menor despesa possível: além disso os estudantespela frugalidade que viam se observava pelos seusMagistrados adquiririam aquele amor pátrio de es-timar o que produz e se fabrica na sua pátria; eperder aquela doudice destruidora que não é bom oque comemos e vestimos, senão o que vem de forado Reino: perdendo-se deste modo a agricultura dedonde saiem os dízimos, e a indústria; causa da mi-séria, e da deserção, e aniquilação dos povos.

Quem tiver o ânimo tão cultivado que conheça aimportância destes estatutos, não me objectará quequero fazer um Convento Capucho, ou formar umaRepública imaginária: por que creio que saberão queé da disciplina militar o uniforme dos Soldados e dosOficiais: este não consiste na riqueza, nem na ridicu-laria da prata e do ouro, consiste na distinção postano vestido, pela qual se conhece o General, o Colo-nel e o Capitaõ, & c. Os exércitos formidáveis deFrança, e do Rei de Prússia observam esta disciplina.A uniformidade do vestido, das alfaias, do trato emcriados, induz em todos um ânimo composto e firme;cada qual adquire o intento daquela Sociedade, e doMagistrado: adquire-se uma vontade constante deexecutar os Intentos da Universidade tantas vezes di-tos, e que não cessarei de repeti-los, aprender ali asCiências úteis a si, e ao Estado, a virtude Moral e ci-vil, sobretudo aquele tão raro, e tão estimável amordo bem comum, que é a sua Pátria.

Para prova destes Estatutos, que propomos, rela-taremos o contrário, que a Universidade de Coimbrae outros corpos Literários observaram até agora; everemos os efeitos que causaram.

Até o ano 1718, o vestido dos Estudantes da Uni-versidade de Coimbra era uma loba de bæta comcapa, que custava 7200 r. até 9600 r. Neste ano veiode Lisboa a moda da abatina, e vem a custar este ves-tido de crepe, ou de pano de 25000 r. até 30000 r.Deixo aquela destruição devoltase punhosde Cam-braia, que não se fabrica em Portugal; deixo o gastoque faz o Estudante dasengomadeiras. O que vi maislamentável eram doze ou quinze lojas Estrangeirasna rua da Portagem onde os Estudantes compravammeias, fivelas, luvas, estojos, tesouras, e tudo o quevem de França e de Inglaterra. Ali aprendiam e ad-quiriam o hábito de não poderem vestir-se, senão doque se fabricava fora do Reino. Saiem da Universi-

dade e quando vêm a ser Médicos, Letrados, Cóne-gos, Bispos, Juízes e Magistrados procurarão viverdo mesmo modo, e vivem; espalham pelo Reino estasuperfluidade, ficam todos suspirando por tudo o queé estrangeiro. Aqueles dois Colégios de S. Paulo e deS. Pedro pela sua ostentação de grandeza nas becas,a cavalo em mulas, ou cavalos de manejo selava estegoverno económico da Universidade que todos de-sejam imitar, porque veneravam aquela destruidorapompa.

Bem sei que os Estudantes das Universidades deFrança e de Itália, vão vestidos como os cidadãos: naAlemanha se introduziu trazerem espada no tempode reformação. Não são obrigados a vestido parti-cular, nem também os Lentes ou Professores, senãonas Assembleias públicas da Universidade. Mas es-tes exemplos, como outros muitos não nos movem.Se o fim da educação da mocidade há-de ser paraformar bons súbditos, industriosos, capazes de ser-virem a sua Pátria em todo o tempo: porque se nãobuscaram todos os meios para alcançar este bem? Osque propusemos não só são úteis aos Pais e suas fa-mílias, dispendendo o menos que puder ser, e paraque fiquem na Universidade de seguito sem seremobrigados a ausentar-se dela; mas também para ad-quirirem o hábito da frugalidade, e conhecerem porprática o que é o bem comum.

Dos graus desta Universidade

Para graduar-se um Estudante na Ciência dos trêsColégios da Universidade, não deveria fazer acto al-gum que lhe causasse o menor dispêndio. Não prece-deriam conclusões, presentes para as lições de ponto,propinas aos Lentes, ou luvas brancas, e muito me-nos os gastos de formatura: como se deviam evitartodos os gastos possíveis para que se formasse umEstudante, o método que proponho poderá ser queseja aprovado por quem compreender os intentos quedeve ter a Universidade.

Logo que cada Estudante se matriculasse ou parapassar aos Estudos do Colégio da Filosofia, ou daMedicina, ou Jurisprudência, entregaria ao Secretá-rio da Universidade ou meia onça de ouro, hoje 6400r. ou uma onça que são 12800 r. Esta paga anual seriaindispensável enquanto o Estudante se matriculasse.

A destinação deste dinheiro havia de ser o equi-valente do que devia pagar aos Lentes e aos Leitorespelos exames anuais, e também pelo diploma, e peloemprego do Secretário, como também pela medalhaque lhe daria a Universidade. O Secretário seria o Te-soureiro ou outro qualquer que a Universidade deter-minasse; e como o Juiz Fiscal teria uma cópia de todo

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 23

o livro da Matrícula, podia saber a soma que tinhampago os Estudantes, e os três Reitores dos três Colé-gios: Esta soma se repartiria, como dissemos, pelosLentes, Leitores, e corpo do Senado Académico, eo seu Secretário conforme ele decretasse no fim decada curso Académico anual, ou ele acabasse no fimdo mês de Agosto, ou de Setembro.

Deste modo pagando o Estudante cada ano na en-trada do curso Académico uma limitada soma, fi-cando na Universidade de cinco até sete anos, nãoexcederia de 76000 rz. até 89600 rz, pagando cadamatrícula uma onça de ouro, ou a metade, o que de-terminaria o Senado Académico.

Logo por exames, nem por formatura, nem por Di-ploma pagaria o Estudante a mínima coisa. Não se-riam tentados os Examinadores pelo lucro a aprovarno último exame a todo o que se apresentasse, comoé hoje repreensível costume da maior parte das Uni-versidades da Europa: os Estudantes pagando cadaano uma soma tão módica não sentiriam esta des-pesa: e tendo pago desejariam ficar na Universidadepor não pagarem debalde: e outras muitas utilidades,que poderá qualquer considerar desta instituição, co-nhecidas a quem frequentou algumas Universidades.

Depois que o Conselho Académico estivesse in-formado pela atestação dos Examinadores, que o Es-tudante era capaz de ser graduado, o Senado Aca-démico o despacharia dando-lhe uma Patente ou Di-ploma firmado pelo Secretário de Estado do Reino epelos que compusessem o Conselho Académico, se-lado com o selo da Universidade, e que se entregariaem lugar público pelo Conservador ao Estudante, elogo depois o decoraria com uma medalha deouro,na qual estivessem cunhados de uma parte o símboloda Ciência em que se graduava, com o nome do Es-tudante à roda; e do revés as armas da Universidadecom a Legenda v. g., Acad. Reg. Lusit...K. Oct.M. DCCLX... enfiada com uma fita, ou cadeia deouro que lhe deitaria ao pescoço nesta Assembleiado Conselho onde presidia.

Ninguém pretenderá que nestes Apontamentos sedescreva a forma da Patente relativa a cada Ciência;v. g. Filosofia e boas letras, Medicina, e Jurispru-dência: estas formalidades são conhecidas de todoo mundo, e do que devem constar estes diplomas.A medalha de ouro serviria de distinção e honrar asCiências, e fazerem-se estimar por acções dignas de-las, os que a possuírem. Aquelas orações, elogios,e cumprimentos, com que se decoravam aqueles ac-tos, deviam ser abolidos, causando perda de tempo,que deve ser empregado nos estudos úteis tanto pelosMestres como pelos Estudantes.

Continua a mesma matéria, e sobreos graus que se concederiam aos Es-trangeiros

Já dissemos em outro lugar que os graus de Bacha-rel e de Doutor são dignidades puramente Eclesiásti-cas, e que aqueles que são com elas decorados ficamno Estado Eclesiástico: os Estudantes das Universi-dades de Paris, e principalmente de Salamanca, deBolónia, e nas mais da Itália, gozam dos PrivilégiosEclesiásticos.

Os graus de Doutor da Universidade de Nápolesnão são conferidos, como também os da Universi-dade de Turim, por autoridade eclesiástica. Uma Pa-tente do Secretário de Estado daquele Reino, e au-toridade do Chanceler-Mor deste, são o que consti-tuem um Doutor em Filosofia, em Medicina, e emJurisprudência.

Na Universidade de Paris há duas sortes de actos,ou graus de formatura em Teologia, e Cânones; osNacionais que se formam nestas faculdades podempraticá-las no Reino, pretender a benefícios eclesiás-ticos, e a todos os cargos civis, ou de Magistraturasem distinção, porque neste Reino Católico, como naIgreja Universal, não se conhece o costume de tirarinquirições de sangue limpo.

Mas todo o Estrangeiro Católico Romano podegraduar-se nesta Universidade nas faculdades referi-das com muito pouco tempo de estudo, dispendendopelos gastos das conclusões e formatura de 50000rs até 100000 rs: mas não poderá pretender praticarnem o Direito Canónico, nem o Direito Civil, nempregar, nem benefício eclesiástico: de tal modo queo estrangeiro é obrigado a sair fora do Reino, ou nãose valer do seu grau para a mínima conveniência, oudistinção.

Em Pádua há duas sortes de graus de Doutor. Umpara os Católicos Romanos, e outro para os Cismá-ticos Gregos, para os Protestantes, e para os Judeus:mas estes sendo Estrangeiros pela maior parte não seestabelecem nos domínios da República; e nesta hánenhum Médico, nem letrado Estrangeiro (ainda quesejam formados na sua Universidade) se lhes permiteestabelecer-se para praticarem as ciências que pro-fessam.

A Universidade de Coimbra, não só dá o grau a to-dos que estudam nela, mas ainda por serEstrangeirotem um ano mais de mercê que os Nacionais; de talmodo que sendo obrigado um Médico a frequentara aula de Medicina cinco anos, se tiver um ano demercê pela sua capacidade terá outro por ser Estran-geiro, e se formará em dois anos e meio ou três: terápartidos no Reino, e será empregado no serviço Real.

Se Portugal cuidasse na economia tanto como os

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Príncipes de Alemanha e as Repúblicas de Holanda ede Veneza, estabeleceria a Universidade não só parater súbditos que o servissem com glória e utilidade,mas atrairia pela fama dos seus estudos muitos Cas-telhanos e outros Estrangeiros, que dispendendo nelacabedais, enriqueceriam os contornos da Universi-dade. A de Leyde enquanto viveuBoerhaave, Bur-mane Vitriarius ganhava aquela cidade 300 mil cru-zados por ano, pela afluência dos Estrangeiros quevinham ouvir estes doutíssimos Lentes.

No intento que esta Universidade será frequentadapor Estrangeiros, e que queiram estudar, e graduar-senela, direi aqui a distinção que deviam ter dos Nacio-nais. O Conselho Académico lhes daria a Patente ouDiploma do mesmo modo que aos Nacionais, masnão seriam decorados com a medalha de ouro. E nãoseria necessária outra Providência para impedir-lhesde ficarem no Reino sem merecimento extraordiná-rio.

Dos Honorários ou Emolumen-tos dos Lentes e dos Leitores,e da proporção que haviam deter com os mais salários dosoutros Tribunais e ColégiosParece-me que somente no Império da Rússia estãoos salários dos que o servem, naquela igualdade querequer a Majestade e a utilidade do Estado. O seuPrimeiro Imperador no ano 1707, pouco mais ou me-nos, estabeleceu um Colégio de guerra, do qual de-pendia toda a milícia terrestre daquele dilatado Impé-rio. Deu este Colégio o primeiro lugar na dignidade,e o primeiro lugar e assento entre todos os mais domesmo Império: a primeira dignidade nele é a doGeneralíssimo; a segunda de Felt-Marechall, ou Ca-pitão General; a terceira deGeneral en chef; a quartade Tenente General; a quinta de General de Batalha,ou Sargento-mor de Batalha; a sexta de Colonel, &c.

Estabeleceu no mesmo tempo um Colégio de Jus-tiça com um Presidente, Vice-Presidente, Conselhei-ros e Assessores.

Também estabeleceu outro para administrar asRendas Reais, e o tesouro do Império, com seme-lhantes títulos; e do mesmo modo o Colégio doco-mércio, dasfábricase dasminas, & c.

As dignidades dos Presidentes, Vice-Presidentes,Conselheiros e Assessores destes Colégios foram re-gradas pelos graus Militares do Colégio de guerra,que servia de padrão para regrar todas as do Império.

Cada Presidente de cada Colégio, tem um grauMilitar: quer dizer, que o Presidente, por exemplodo Colégio de Justiça, tem o grau Militar de TenenteGeneral. Se o Militar se sentar em público com estePresidente do Colégio de Justiça, este terá o segundolugar, e o Militar o primeiro.

O Vice-Presidente, por exemplo do mesmo Colé-gio de Justiça tem o grau, que em Francês se chamarangde General de Batalha.

Os Conselheiros deste mesmo Colégio têm o grau,ou rang de Coloneis. Os Assessores do mesmo, têmo grau de Maiores.

O Secretário tem o grau, ourangde Capitão.E pela mesma ordem todos os Cargos, empregos,

e postos no civil têm um grau, ourangMilitar: de talmodo que numa assembleia pública cada qual sabeo lugar que lhe pertence; porque tudo está determi-nado pelas dignidades e preeminências do Colégiode Guerra.

Estas dignidades, e graus do Estado civil, estabe-lecidas e regradas do modo referido, servem para sedeterminarem a grandeza dos salários de cada posto,cargo ou dignidade.

Para saber por exemplo que salário tem, e deve terum Presidente de qualquer Colégio, é necessário sa-ber que grau, ourang tem o Militar: sei que o tem deCapitão General, por exemplo; o Salário de CapitãoGeneraldezasseis mil cruzados, com todas as suaspropinas.

Logo o Salário deste Presidente há-de ser igual aodo Capitão General.

O Salário dos Tenentes Generais Militares é de 8mil cruzados.

O Salário dos Presidentes dos Colégios civis, setiverem o mesmo grau ourang, será também de 8mil cruzados.

O Salário de um Colonel Militar é de dois mil cru-zados: os Conselheiros dos Colégios civis têm o grauou rang dos Coloneis; o seu Salário é ordinariamenteda mesma quantia.

Deste modo neste Império todos os Salários tantoMilitares como civis, e mesmo das dignidades ecle-siásticas estão em igualdade tal, que ninguém podequeixar-se de injustiça, que está bem, ou mal premi-ado.

Continua a mesma Matéria

Se em Portugal os Salários dos que servem no Estadocivil fossem regrados pelos do Militar, facilmente sepoderiam regrar aqueles do Conservador, do Fiscal,dos Censores, e dos Lentes desta Universidade queproponho.

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 25

Pelos estatutos da Universidade de Gotinga, quecopiarei abaixo, os Lentes daquela Universidade têmo título deConselheiros. Se se decretasse que todosos Conselheiros teriam o grau de Colonel, facilmentese lhes determinaria o seu Salário: seria o mesmo quetêm os Coloneis Militares: do mesmo modo se deter-minaria que grau, ourang, devia ter o Conservador,o Fiscal e os Censores; e quando estivesse determi-nado, os seus Salários seriam iguais aos dos grausMilitares, de que gozavam os seus cargos.

Mas em Portugal será muito dificil pela ordem,que acabamos de relatar, determinar os Salários dosque governarem a Universidade, como também osdos seus Lentes e Secretários. Contudo representareiaqueles, que redigirem os estatutos desta Universi-dade Real tocante os Salários, que os que serão em-pregados no seu governo e no seu ensino, serão se-culares, ordinariamente casados (e seria útil que to-dos assim empregados o fossem); que não têm queesperar benefícios eclesiásticos), como gozam hojemesmo os Lentes de Leis: que não serão decorados,nem premiados com comendas: que devem sustentarfamília, educar, e estabelecer seus filhos, e que os Sa-lários devem ser a proporção dos gastos que trazemconsigo estas necessidades indispensáveis. Que asviúvas e os Orfãos deviam receber, com certas con-dições, a quarta parte do salário do Pai e do Marido,como é costume em alguns Reinos que conheço.

Não convém ao Estado que os Lentes tenham noprimeiro ano todo o salário completo que poderão terpelo resto da sua vida: como esta Universidade nãohá-de ser Eclesiástica não haverá nela aquelesJubi-lados. Nos cabidos foi necessária instituição, porqueos velhos não têm força para cantar, que é tudo a quese reduzia sua função: os Lentes velhos podem en-sinar porque serão mais doutos, e ficarão com forçaspara explicar.

É necessário animar sempre os homens emprega-dos com a esperança do prémio, e da honra; e assimos salários aos Professores deviam ser aumentadosde tempo em tempo conforme o seu merecimento.

Os Leitores teriam a metade do salário dos seusLentes respectivos; e como haviam de ser examina-dores, nosexames anuais, entrariam na repartiçãodas somas que os Estudantes pagavam anualmente;o que os incitaria de algum modo para aumentar onúmero dos afeiçoados à Universidade.

Conhecendo o carácter tão desinteressado danossa Nação, não propus até agora que os Estudan-tes pagassem anualmente aos seus Professores peloensino que lhes dariam em suas casas: e em favordos que não frequentaram Universidades Estrangei-ras, direi aqui a sua prática nesta matéria.

Os Lentes das Universidades Protestantes, que co-

nheci, e os de Pádua, e de Bolónia ensinam de doismodos. Oprimeiro é público no Auditório da Uni-versidade: mas estas lições não são quotidianas. Portodo o curso Académico não lêem que quinze, ouvinte Lições. Osegundoé particular, e em suas pró-prias casas: cada Discípulo por este ensino ou lhespaga anualmente, ou no fim dos Estudos, soma nãoexorbitante, que se reduzirá falando geralmente portodo o tempo dos Estudos de 30000 r. ate 60000 rs.

Os Leitores nunca ensinam publicamente no Au-ditório da Universidade, ainda que tenham dela sa-lário anual: ensinam particularmente em suas casas,ou nos Colégios onde vivem. Os Estudantes lhes pa-gam anualmente uma soma módica, e o seu maiorinteresse consiste em ter muitos ouvintes. Em Pá-dua, e Bolónia não é tão regular este método comonas Escolas Protestantes; mas os Professores destasUniversidades Católicas sempre pelo ensino particu-lar têm lucro.

Eu conhecendo a nossa Nação achei mais coerenteaos nossos costumes obrigar os Estudantes no tempoque se matriculam pagarem meiaonça, ou umaonçade ouro cada ano para os que compõem a Universi-dade, e receberem o seu grau sem a mínima despesa.

É costume de muitas Universidades mudar os Len-tes de uma Ciência para ensinar outra. Por exem-plo: Nomeia-se um Lentede Matemáticas e de Fí-sica: depois de ter ensinado por cinco ou seis anos,a Universidade aumentando-lhe o salário, o constituiLentede Filosofia Racional e Moral, oudas Antigui-dades Gregas e Romanas. Nomeia-se um Lente deAnatomiae Cirurgia, ensina por cinco ou seis anos,vem a vagar a cadeira deBotânicae daQuímica, epassa a ensinar nela com salário aumentado, e assimnas mais Ciências, como naJurisprudência.

Observou-se que é perniciosa a mudança, tanto àsLetras, como aos mesmos Lentes. Do modo refe-rido não se aplicam totalmente à Ciência que ensi-nam: sempre andam vagando pelas outras Ciênciasna duvida que um dia as poderão ensinar com maiorlucro.

Pelo que se deviam evitar semelhantes mudanças,como foi costume na Universidade de Coimbra tam-bém em todas as faculdades. Quem tiver experiênciadas Universidades, e souber a Ciência na qual há-devotar, de que modo se deve ensinar, me parece queevitará cair nestes inconvenientes.

26 António Ribeiro Sanches

Algumas Providências do Con-selho Académico no Governoda Universidade

A Jurisdição Real deposta no Tribunal, ou Conse-lho Académico não se reduziria somente a castigaros delitos, promover as ciências, a virtude Moral, e oamor do bem comum, mas também devia revestir-sedo título piedoso de Pai e de Conservador de todos, eparticularmente dos Estudantes.

Sucede muitas vezes na Universidade que cai umEstudante são, ou enfermo na maior necessidade, oupor sua falta, ou por faltarem os meios aos Pais, eaos Tutores, como oJuiz Fiscalestaria informado doestado, da situação, do modo de viver, e do trato decada Estudante, vindo-lhe a notícia que não poderiacontinuar os seus estudos e que era sujeito tão capaz,que poderia o Estado esperar de servi-lo com utili-dade, seria então daPiedadeda Universidade tomarà sua conta este desfavorecido da fortuna, ensinandotambém deste modo a socorrer aos miseráveis; e nocaso que fosse Estudante do qual se não esperava uti-lidade alguma, a mesma Universidade lhe procurariaviático para a sua Pátria.

Nas Universidades frequentadas por Estrangeirossão frequentes estes acasos. E eu me lembro teremsucedido em Coimbra a um ou outro Brasileiro, semacharem o recurso que imploro, e proponho agora.

A Universidade de Salamanca previu estas desgra-ças. Conserva um excelente Hospital à sua custa paratodo o estudante que nele quer curar-se: como nomeu tempo era já pouco frequentada, raríssimo era oestudante, que usava daquela piedade.

A Universidade de Gotinga estabelecida por el Reide Inglaterra Eleitor de Hanover com munificênciaRégia sustenta sete casas de pasto comcemlugarespara jantar e ceia, em favor de todo o estudante Na-cional, ou Estrangeiro, com a obrigação somente depagar 96 r. por semana para os criados.

Porque é costume na Universidade de Coimbra, ena maior parte das Católicas Romanas chegar a serLente delas por ostentações e antiguidade, meios osmais equívocos para se poder julgar da sua capaci-dade e ciência, proporei aqui o que poderia contribuirpara se formarem os estatutos da Universidade Realnesta matéria da eleição dos Leitores, e Lentes dostrês referidos Colégios dela.

No poder do Senado Académico ficaria eleger osLeitores para os três Colégios referidos; e depois deprovarem a sua ciência, capacidade, e merecimentopor dois ou três anos, ou pelo tempo que requeresse obem da Universidade, ou viriam a ser Lentes, ou des-pedidos honestamente, para praticarem a Medicina e

a Jurisprudência, ou ensinarem as línguas doutas e aRetórica nas escolas Reais.

Como nenhum Lente devia chegar a este títulonem autoridade antes de serLeitor por alguns anos,já se sabe que só desta classe podiam ser providas ascadeiras. Parece que na provisão delas se devia usarcomo costumam as Academias das Ciências, e dasLetras humanas de Paris. O seu Conselho propõe a elRei três homens capazes de serem Académicos, e suaMajestade Cristianíssima elege o que acha conveni-ente, e vem a tomar o lugar com que o premiaram.

Se o Conselho Académico achar que o métodoproposto será o mais útil para prover as cadeiras, po-derá propor ao Secretário de Estado do Reino trêsLeitores dos quatro, ou cinco, que terá cada Colégio,para ser Lente: e aquele que S. Majestade Fidelís-sima determinar será despachado com a sua patente,com os emolumentos e honras anexas àquela cadeira.

No princípio de cada Curso Académico o Conse-lho da Universidade determinaria a ciência, ou ciên-cias que deviam ensinar-se em cada Colégio, por quesorte de livros explicados pelos Lentes, ou Leitores:em que horas, e até quanto tempo, do que se fariauma lista impressa que se poria na entrada de cadaColégio.

No Paço da Universidade onde habitariam o Con-servador, o Reitor, os Reformadores, o Juiz Fiscal, eo Secretário, existiria oauditório maior, ou sala daUniversidade, não só para as assembleias deste ilus-tre corpo, mas também para recitarem nela os Leito-res as orações, ou discursos, quando entrassem na-queles cargos: sem serem obrigados anualmente aorarem mais por outra alguma função, se não fossepor ordem extraordinária do Senado Académico aoProfessor das Antiguidades Gregas e Romanas. Nãoconvém às ciências que os seus Professores consu-mam o tempo a escrever discursos eloquentes na Lín-gua Latina: estes exercícios apartam os ânimos da-quela indagação, que requer a Ciência, e de que ne-cessitam os Estudantes; e por essa razão já hoje nasUniversidades mais bem governadas nenhum Lente éobrigado mais do que recitar uma oração da ciênciaque vai ensinar; e fica desobrigado por toda a vida desemelhantes funções.

OsLentesdos três Colégios, ensinariam cada qualduas horas por dia; e por quatro dias sucessivos: osLeitores não só ensinariam pelos dois dias sucessi-vos da mesma semana mas responderiam, explica-riam em todo o tempo o que os Estudantes ouvintesdos Lentes, de quem são os substitutos lhes pergun-tassem: é permitido aos Leitores explicar um Autorda ciência a que estão dedicados, com condição quenão seja o mesmo que o seu Lente explica ao mesmotempo: além disso eles são ocupados mais em expli-

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 27

car aos discípulos o Autor que o Lente explica, pe-las perguntas que são obrigados a fazer-lhes: de talmodo que o seu emprego enquanto existe um Lenteda mesma Ciência, é derepetidor, e de comentadordaquela doutrina.

Estas são as providências que me ocorrem paraque o Senado Académico faça florescer as Ciênciase os bons costumes. E nesta consideração é que achonecessário expor ainda de que modo estará sempreprovida a Universidade, e as Escolas do Reino dehomens doutos e capazes para ensinarem o que atéagora temos recomendado.

Se para se estabelecerem emPortugal as Ciências será maisacertado que os Estrangeirosassalariados as venham ensi-nar ou que os Nacionais vãoaprendê-las onde florescem?

Ouvi agitar muitas vezes esta questão, e cada partidodefendia a sua causa com milhares ainda razões, masnão com provas. Eu não direi nela senão o que vi, eo observei.

Depois que Pedro Primeiro Imperador da Rússiatinha viajado em Holanda, Inglaterra, em Alemanha,determinou pelos anos 1707, e 1708 assalariar emHolanda, e em Inglaterra muitos Mestres de Ciên-cias, e das Artes, para estabelecê-las no seu Império;o que efectuou fundando Escolas de Matemáticas, deLínguas, de todas as Artes que são necessárias paraestabelecer uma frota. Os Salários eram considerá-veis, a distinção igualmente, que tinham estes Mes-tres: podia esperar-se deles que plantariam as Ciên-cias naquele Império.

Mas passados que foram alguns anos viu aqueleGrande Legislador as inúteis despesas que tinhafeito, e que raríssimo foi o Russo que aproveitara da-quele ensino alguma coisa. No ano 1717, este Mo-narca esteve em França por dois meses, depois emHolanda, Prússia, e voltando para o seu Império de-terminou mandar muitos dos seus súbditos a apren-der as Ciências e artes que queria estabelecer nele.Em poucos anos e antes da sua morte, que foi noano 1725, já experimentava que este último métodofora mais efectivo, que o primeiro; de tal modo queos seus sucessores determinaram na Academia Im-perial um capital para estarem aprendendo continu-adamente nas Universidades de Holanda e de Ale-manha, Médicos, Matemáticos e Químicos. E hoje a

dita Academia e Império se acha servido pelos seuspróprios súbditos, ensinando e praticando as Ciên-cias e as artes.

No ano 1731 entrei naquele Império ao seu ser-viço; ali vi e observei tudo o que acabo de dizer: co-nheci muitos Mestres Estrangeiros que não causaramproveito algum ao Império: conheci muitos dos Rus-sos que tinham aprendido na Holanda, Alemanha, In-glaterra. E concluí do referido que todo o Estado quequiser ter ciências e artes, que deve mandar aprendê-las pelos seus súbditos naqueles onde florescem.

Como é notório a toda a Europa o que acabo derelatar, ninguém negará este facto; se tiverem razõesconcluentes contra ele os que seguirem mandar cha-mar Mestres, nem eu nem quem tiver tanta experiên-cia perderá o seu tempo em responder-lhes.

El SeñorEnsenadaMinistro de Espanha, haverádez anos, mandou viajar por toda a Europa mais decem pessoas para aprender as Ciências, e tudo o quepodia contribuir para aumentar um Estado; aqui emParis conheci muitos doutos Matemáticos, Quími-cos, Políticos, Marinheiros e Cirurgiões, que volta-ram para a sua Pátria onde estão empregados.

Este foi o Método que seguiram todas as Monar-quias e Estados que queriam transplantar as Ciên-cias entre os seus súbditos. A Grécia foi aprenderno Egipto: os Romanos na Grécia. Depois que serenovaram as Letras no século xv em Itália os nos-sos Portugueses pela providência dos nossos glorio-sos Reis Dom João o segundo, e Dom João o terceiroiam aprendê-las em Itália, depois em França, e emLovaina. Desse modo tivemos Teixeiras, Resendes,Osórios, Pimentas, Teives, Barbosas, e infinidade deoutros; mas o que é mais de admirar, que em Coim-bra pelos anos 1548, a Língua Grega era tão familiaraos Estudantes daquela Universidade, que os Mes-tres explicavam Homero na mesma Língua Grega noauditório da Universidade: assim o relata NicolauClenardo nas suas Cartas13 quando esteve ali naqueleano, no tempo do verão, e nas vacâncias dos Estudosmaiores.

Mas não somente a experiência tem mostradoque somente os Nacionais são aqueles que podemtransplantar as Ciências na sua Pátria, e de nenhummodo os Estrangeiros; mas que além deste estabele-cimento é necessário que continuadamente viajassempor todo o mundo Literário para conservar, e aumen-tar as Ciências e as artes estabelecidas. Esta propo-sição se prova pela experiência, e pelo que vemospraticar cada dia aos Russos, Suecos, Dinamarque-ses, Alemães, Holandeses, e sobretudo aos Ingleses,

13Lib. 2, Epistol. ad Christianos, pag. 252. Edit. Plan-tini, 1566.

28 António Ribeiro Sanches

e aos mais doutos Franceses, Italianos, e alguns Cas-telhanos. Nenhum Professor de Ciências nestas Na-ções se estabelece na sua Pátria antes de viajar portrês ou quatro anos, e ter visto, ouvido, aprendido,e tratado com os homens mais célebres dos lugaresonde viajam: esta é a prática hoje da Europa literá-ria.

Se Portugal quiser ter sujeitos capazes de ensinarna Universidade que tenho proposto, deve resolver-se mandar aprender muitos dos seus Súbditos na Ho-landa, Alemanha, e na Escócia.

Mas não só mandá-los por uma vez, mas es-tabelecer capitais na Universidade, no Colégio deGuerra, do Almirantado, do Conselho Ultramar, emais Tribunais para viajarem continuadamentedoisem cada Ciência ou arte, depois de estar estabelecidano Reino pelos mesmos Portugueses.

Eu não pretendo convencer ninguém com razões:com experiências incontestáveis é que proponho averdade e a utilidade. Persuadir isto com declama-ções, mostrar que todas as Nações que foram obriga-das a viajar da Ásia para a Europa, e da Europa paraa Ásia, que todas as que viajam pela Europa, e quetêm capitais nos seus Estados para este efeito, são asmais inteligentes, valorosas, e gloriosas, fora perdero tempo; as primeiras verdades são indemonstráveis;aquele que as não sente, que as não compreende doprimeiro pensamento, ou da primeira vista de olhos,não as entenderá pelo discurso mais bem deduzido, emais ornado.

Mas já estou vendo que muitos dos nossos Portu-gueses me dirão «Conheci muitos que estiveram nes-ses Reinos que tanto louvais, por muitos anos, e queexceptuando saber compor o cabelo, vestir-se à fran-cesa, e trazer os dentes limpos, que não sabiam falarmais que de teatros, Música, danças, e de banquetes.Pelo que temos visto, parece que não há lá nessesReinos tanto que aprender».

Ao que respondo que é verdade o que viram; por-que esses que viajaram assim, vinham com o faustode cavalheiros: cercados de lacaios, um moço de câ-mara, saíam em carroça; e em carroça não é costumeir ouvir Mestres na aula, nem em Escola. Estes queviajaram assim, foi no intento de dissiparem-se, eperderem o tempo, e aprender aquela insossa políticae cortesia que está introduzida entre as senhoras, eque se espalha pelos seus atendentes, e veneradores.

Se o Estado quiser dispender com os seus súbdi-tos viajando para aprender as Ciências e Artes re-feridas, deve tomar as precauções necessárias paraque os seus súbditos empreguem o seu tempo.PedroPrimeiro, el Snr. de la Ensenada, Ministro de Espa-nha mandava darinstruçõesa cada um que mandavaviajar. Nelas lhes ordenava que estudassem, e com-

preendessem tal Ciência, ou Arte, em tal Reino, emtal cidade. Que se corresponderiam com tal pessoapara dar-lhe conta cada mês do que faziam, e do queestudavam; e que este lhes faria ter as suas mesadas:que seriam obrigados a fazer um Jornal de tudo o queviam, e aprendiam de remarcável, e que pudesse serútil à sua Pátria; o qual entregariam quando voltas-sem, à pessoa com quem se correspondiam; que nãomudariam de Reino Estrangeiro sem darem parte.

Os que assim viajavam não entretiam carroça,nem conservavam trem de Cavalheiro; caminhavama pé, e sem criado. O seu salário como muitos mecontaram tanto dos Russos como dos Castelhanos,reduzido ao nosso dinheiro, era de um conto de réisou dois mil cruzados. El Snr de la Ensenada ordenouviajar a muitos oficiais Militares, e Eclesiásticos Be-neficiados, e a muitos daqueles que já tinham cargose rendas; e com a ajuda de custo que lhes dava via-javam com facilidade, podendo comprarlivros, má-quinas, desenhos, e segredos nas artes; tudo isto vi.E com muitos deles tratei.

Se deste modo tivessem viajado os nossos Portu-gueses não voltariam para casa com aquele ar Fran-cês, nu e cru de todo o saber e de todo o proveito.

Das Rendas desta Universi-dade

Pareceu-me que pertenciam a estes Apontamentosa subsistênciada Universidade Real que proponho.Bem vejo as dificuldades que me ocorrem para esta-balecer rendas em Portugal a um corpo puramente se-cular; e que não deve esperar alcançá-las das rendasEclesiásticas pensando o Reino como praticou desdeel Rei Dom Fernando.

Além disso não estou inteirado das rendas Re-ais de Portugal, nem das Eclesiásticas; não é o meuânimo notar, nem reprovar o modo como estão ad-ministradas. O meu intento aqui é de dar uma ideiacomo os Tribunais, ou Corpos civis, incluindo neleso Eclesiástico, como um principal deles, deviam teras suas rendas e a sua subsistência; não aplicandocoisa alguma à prática estabelecida: e depois de ex-por tudo com a clareza que me foi possível, deixo aquem pertencer, julgar do que relatei, e de seguir oque for mais conveniente ao bem comum, e à conser-vação do Estado.

«O que nos ensinam os monumentos da Históriaé que asrendasdas Universidades Católicas saíramdos bens dos Bispados e dos conventos, com consen-timento & aprovação dos Papas, como se eles fossemos Proprietários destes bens.»

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 29

A Universidade de Coimbra restabelecida por elRei Dom João o Terceiro adquiriu as suas rendas dosbens de raiz do Convento de Sta. Cruz da mesma ci-dade, e dátrinta mil rs (como ouvi dizer que cadacâmara do Reino lhe paga anualmente). O certo éque o principal do seu rendimento provém dos bensEclesiásticos: e que os Lentes de Cânones, de Juris-prudência, os Doutores, os Licenciados em Teologia,são premiados com benefícios Eclesiásticos e Cano-nicatos.

É coisa notável que até o século IX a Igreja do Ori-ente e do Ocidente se governasse uniformemente nosdogmas e na disciplina; e que depois da sua divisão eseparação no ano 879 pelo Concílio de Constantino-pla, estas duas Igrejas se conservem com disciplinaseclesiásticas tão diferentes?

Estas duas Igrejas Ocidental e Oriental governa-vam pelas decisões do Concílio deCalcedónia, cele-brado no ano 451 tocante aos dogmas e à disciplina.

Separam-se enfim como já dissemos, estas duasIgrejas, e vemos que a de Constantinopla, que cha-mamos hoje a Grega e cismática naõ conhece:

1. Direito Canónico, nem Decreto, nem Decretais,nem Clementinas.

2. Não conhece dízimos; nem bem algum de raizeclesiástico inaliável.

3. Não conhece Anatas, Provisões, nem bem al-gum de raiz anexo ou inseparável da Igreja: nãosó na Turquia, como se deve considerar, masainda mesmo na Rússia onde a Religão Grega éa dominante, e da qual o Monarca é a Cabeça.

Mas a Igreja ocidental de Roma depois da ditaseparação da Grega pelas decisões do Direito Canó-nico está determinado que osdízimos são de DireitoDivino: doutrina desconhecida antes do Concílio deCalcedónia e dasfalsas Decretais de Mercator.

Pelo mesmo Direito e Concílios, depois do anomil, os bens eclesiásticos são inaliáveis; e não podemservir aos usos seculares do Estado: e quando for ne-cessário mudar o uso deles, mesmo para outra funçãoeclesiástica, que há-de ser com consentimento e au-toridade do Papa, como senhor e Árbitro de todos osbens anexos à Igreja. Doutrina desconhecida, e ja-mais pensada na Igreja Grega.

Aqueles bens de raiz livres, que ficaram no Reinode Portugal depois que os nossos Reis deram aos seusBispos vilas, e lugares, como os Frades de St. Bento,de St. Bernardo e de St. Vicente, todos quase estãovinculados por Morgados e Patrimónios à Igreja, detal modo que será bem difícil achar-se hoje no Reinouma légua de terra que não esteja vinculada por doa-ção às Ordens Militares, Mosteiros, Bispados, Mor-gados e Patrimónios dos Clérigos.

As seiscentas comendas de que el Rei dispõe nastrês ou quatro Ordens Militares, posto que não se-jam de utilidade alguma, nem ao Reino, nem à Reli-gião, provêm dos dízimos, bens Eclesiásticos e nãopodiam dedicar-se às vacantes para estabelecer estaUniversidade sem licença e permissão do Papa, quenão concederia, por que nela nenhum Eclesiásticohavia de mandar, ensinar, nem aprender.

Enquanto Portugal se governar do modo que temfeito desde o seu princípio, não é possível fundar-se nele um Colégio, um corpo, uma Sociedade quetenha por último fim o bem secular do Estado, que éa suadefensae a sua conservação.

A defesa do Reino por Mar e Terra, que consistenasTropas, e naMarinha, fortificação depraças, ereparo dosPortos, como a Magistratura, são corpos,ou ColégiosSeculares. Conforme a razão de Es-tado estou persuadido que são pagos com o dinheiroque provém das rendas seculares do mesmo Reino:e ainda que as não conheça exactamente poderão virestas somas da repartição das Câmaras nas décimas,nas sisas e outros Tributos semelhantes.

Para quem conhece a Igreja Grega, e leu por curi-osidade a História Eclesiástica, é coisa pasmosa quesejamos obrigados a crer, e a defender que os bensde raiz são inalienáveis logo que estiverem dedica-dos ou ligados à Igreja: e que somente o Papa tempoder de transferi-los de uma Igreja, ou pessoa Ecle-siástica, para outra; e que estes bens como se fossemos Cálicese Patenasnão poderão jamais servir àsnecessidades, ou ao aumento do Estado: aquele quenegasse este domínio e poder ao Papa por palavraou por escrito seria excomungado, perseguido depoispor herege, e entregue ao braço secular conforme asLeis actuais de Portugal.

Vou passeando o pensamento por este vale de pe-sares, e quero deixá-lo já para divertir-me e alegrar-me vendo outro de que me lembro onde tão facil-mente se acham sempre rendas seculares para esta-belecer Colégios, ou fundações tanto civis, como Re-ligiosas.

Os Tributos do Império da Rússia provêm das ter-ras que pertencem à coroa, e das terras da Nobreza: opovo sendo escravo não tem nenhum bem de raiz. Astaças todas se reduzem a dinheiro, e nenhuma é empão, em gados, Madeiras, minerais, nem sal; porquenaquele Império não se conhecem dízimos.

Cada homem solteiro ou casado desde a idade dedezoito anos por toda a vida paga seis tostões ou 580rs por cabeça: os Nobres não pagam, porque de trezeanos são obrigados a assentarem praça ou nas tropasde terra, ou da Marinha. No caso que o seu vilão ouEscravo não pague, ele é obrigado a pagar a capita-ção por ele, por que todos os do Império estão nume-

30 António Ribeiro Sanches

rados numa Chancelaria erigida a propósito para estenumeramento.

Esta capitação anual entra no tesouro do Império.As rendas das Alfândegas, dos portos secos, das

fronteiras e do mar, e dos Rios entram também notesouro Real.

As rendas das Salinas vendendo-se o sal a 8 réis oarratel.

As rendas das décimas, ou contos de vendas debens de raiz, de sisa, e outros quaisquer rendimentosdo Império, tudo entra no tesouro Real.

Deste tesouro tira cada ano o Colégio de Guerraa soma anual que lhe está destinada para o exércitoprovido com trem de Artilharia, Campanha, e forta-lezas.

Do mesmo tira o Colégio do Almirantado a somaanual destinada para a construção dos Navios, sus-tento dos Marinheiros, Escolas de Marinha e das ar-tes.

Do mesmo tira o Colégio de Justiça, o do Comér-cio, o Senado, e as Chancelarias do Império as somasdestinadas para pagar os salários, e entreter os esta-belecimentos a que são obrigadas.

O Sínodo Eclesiástico, ou Tribunal Supremo daReligião composto de um Arcebispo, e quatro ou seisBispos, Secretário, e Inspector secular da parte doImperador, tira do tesouro a soma que lhe está desti-nada.

Mas para dar a conhecer melhor de que modo Pe-dro primeiro mandou governar os bens Eclesiásticos,daremos aqui uma breve narração para ver com quepiedade, e justiça os governou, e ao mesmo tempoestabeleceu o seu emprego.

Quando dito Imperador veio ao trono tinha aIgreja da Rússia o seu Patriarca, independente do deConstantinopla, mas no dogma e na disciplina sem-pre estas duas Igrejas viveram na concórdia; porqueseguindo o que está decretado no Concílio deCal-cedónia, e não dispensando estes Patriarcas jamaisas decisões do Concílio, considerando-se inferioresa ele, as observaram sem alteração. Os Czares pre-decessores deste Imperador tinham pelos seus do-nativos enriquecido com terras, vilas e lugares, nãosomente ao Patriarca e aos bispos, mas também aosconventos da ordem de S. Basílio, única Ordem Mo-nástica nesta Igreja, mas com tal excesso que estavao Estado exausto de bens e de rendas para sustentarum exército contra Carlos XII, que começava a darindícios do seu ânimo guerreiro, e conquistador.

O Imperador, ou para oprimir a potência do Pa-triarca, para regrar o Estado Eclesiástico, ou por ra-zões que poucos até agora revelaram, determinou deencerrá-lo num convento de Frades oito léguas dis-tante de Moscovia, e declarar-se ele mesmo cabeça

da sua Igreja, instituindo um conselho de Bispos comforça de Tribunal, para julgar e regrar tudo o que per-tencia à Religião, juntando-lhe um Procurador Fiscalda coroa para impedir que não decretassem coisa quefosse contrária à Regalia do Império. Tribunal queexiste até o dia de hoje.

Como os bens móveis e de raiz ligados à IgrejaGrega não adquirem aquela veneração que nós da-mos aos cálices e às patenas, como não têm nenhumaLei das Decretais, que não conhecem, que os faz ina-lienáveis para o uso secular, tomou a si todos os bensque pertenciam aos Bispos e aos conventos, e proveuo Estado Eclesiástico como cristão, como cabeça daIgreja, e como Imperador Legislador, e Pai da Pátria.

Formou uma Chancelaria em Moscovia com onome deTesouraria Eclesiástica; dois Bispos, e doisSenhores seculares a governavam, e governam. EstaChancelaria arrecada todas as rendas das terras quepertenciam aos Bispos e aos Conventos: e os distri-bui do modo seguinte.

A cada Bispo, conforme a distância da Capital, oubarato do lugar, lhes dá anualmente deseis mil, atédoze mil cruzados, e uma aldeia junto da sua residên-cia da qual possam tirar parte da subsistência. A cadaFrade paga esta Chancelaria um tanto, bastante paraentreter-se no seu estado, e a cada convento desti-nou uma aldeia junto dele para subsistência e como-didade.

Cada Bispado tem uma Escola para nela se educa-rem aqueles que hão-de ser Párocos: como naquelaIgreja não se conhecem cléricos símplices, Benefi-ciados, Cónegos, nem Abades comendatários; comotodos os Clérigos se ordenam somente quando as Pa-róquias têm necessidade de Curas de almas, o Estadodá educação a estes párocos; e a Chancelaria Ecle-siástica os sustenta, e paga os Mestres que os ensi-nam.

A reparação, e conservação de todos os edifíciosEclesiásticos, a fundação de novas Igrejas Paroquiaiscom ornamentos, a fundação de Hospitais, e casas daMisericórdia, são pagas por esta Chancelaria. Comoos Párocos sãocasados, e cada Paróquia tem dois cu-ras, servindo um cada semana, esta Chancelaria pagaa muitos do Império salário, quando o pé do altar nãoé bastante para o seu sustento e da sua família.

Os bens que tinha o Patriarcado, que eram imen-sos se incorporaram aos da coroa, que necessitavaentão de um exército para defender-se dos seus con-trários.

Deste modo vi que se governavam as rendas secu-lares e Eclesiásticas daquele Império, com tal ordeme exactidão nas pagas cada quatro meses, que nemem tempo de paz, nem no de guerra, jamais vi nem

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 31

experimentei que se dilatasse o pagamento geral detodo o Império, por dois dias.

Achei que fazia serviço à Patria dar aqui uma levenotícia de que modo se administram as rendas Reais:os que escreveram a História da Rússia, e do Impera-dor Pedro Primeiro, todos se desfazem em louvá-lopor haver introduzido as Ciências no seu Império, ecivilizado a sua Nação; mas não li que mostrassemos meios, e os fundamentos que plantou para que asCiências, o poder, e a glória daquele Estado chegas-sem à grandeza que vemos hoje. Eu do modo que seimostrei estes meios; que foram a causa da grandezadaquele Império.

Parecerá impróprio que nos apontamentos paraformar uma Universidade Real se entremetam ma-térias políticas. Mas quem quiser considerar madu-ramente, que jamais se introduziram num Estado asartes e as ciências, senão depois de estarem estabe-lecidas as suas Leis políticas e económicas, facil-mente desculpará tudo o que parecia supérfluo nes-tes apontamentos. Nunca as ciências se introduzi-riam na Rússia sem terem por base as Leis que Pedroprimeiro decretou: só se podem estabelecer, e flo-rescer onde os Magistrados são os Sacerdotes da LeiNatural; onde nenhum Colégio, nem Tribunal servede obstáculo ao seu recíproco exercício. Se as Leisde Portugal estiverem nesta harmonia, posso esperarque se estabelecerá sem o mínimo obstáculo a Uni-versidade Real que proponho.

Alguns estabelecimentos maisque poderia ter a UniversidadeReal

Sem uma imprensa estabelecida à custa da Univer-sidade será impossível estabelecer-se com utilidadepública este seminário das ciências.

Em França como há Livreiros ricos, o Estado oualgum Colégio quando manda imprimir alguma obraconsiderável ajusta com o Livreiro que lhe comprarátrezentos, até quinhentos exemplares, por um preçodeterminado, pago a certos termos: ficando o mesmoLivreiro autorizado para vender os mais exemplaresque quiser imprimir, a seu proveito.

A Impressora Real muitas vezes imprime destemodo outras vezes lhe paga a Coroa um tanto porcada folha a um preço mui módico; por que o Im-pressor Real não só vive à custa da Coroa, que fazos gastos das reparações do edifício, mas lhe permiteimprimir com licença por sua utilidade.

Considerando que muita Nobreza vem estudarnas Universidades, seria útil que nesta que se pro-

põem estivesse estabelecida uma Escola equestrepara aprender a montar a cavalo e o manejo das ar-mas.

Também seria útil que nela houvesse Mestres daslínguas da Europa mais estimadas, com salário daUniversidade, para serem obrigados a ensinarem notempo e horas que achasse a propósito o Senado Aca-démico, e observarem a disciplina e os estatutos dela.

O mais que falta para estabelecer uma Universi-dade poderá ver adiante, quem compuser os estatu-tos da Universidade Real, no translado, ou cópia quejuntarei aqui dos estatutos da Universidade de Go-tinga.

Paris 17 Julho 1761.

32 António Ribeiro Sanches

De Academia Georgia Au-gusta, Quæ Gottingæ est,A Serenissimo Potentissimoque Principe ac Domino

Georgio II, M. Britanniæ & c. & c. condita anno1734, & solemniter dedicata A D. XVII September

1737,

Brevis Narratio Jo. Mathiæ Gesneri.

Gottingæ. fol.

Nesta obra na página 8 e seguintes se lêem os es-tatutos desta Universidade, que transladarei aqui naLíngua em que estão escritos, para que aqueles quecompuserem os da Universidade Portuguesa tenhammatéria adequada a prosseguir a resolução que toma-rem. Juntarei nas notas o que faltou nosapontamen-tosatrás escritos; por me parecer ser este o lugar maisoportuno de fazer esta lembrança.

Privilegium Regium.

Georgius Secundus Dei Gratia Rex MagnæBritaniæ, & c. & c.

nostro nomine in eorum, qui post nos rerumpotientur, testatum

ista facimus.

Cum inter nobilissimas Principis curas sit bonasartes adjuvare; doceatque hujus et superiorum tem-porum experientia, inter beneficia, quæ à Principe insuæ ditionis terras, hominesque proficisci possunt,hoc non esse ultimum: ea nos res promovit, ut progentilicio nostro in Germanicas Provincias, & civesnostros amore statuerimus, illorum utilitatis causa,petita decenter, imperataque ad eam formulam, quæamplissima est, Cæsarea Autoritate (consignata Vin-dobonæ a. d. XIII Januarii 1733, ad exemplum lau-dabile aliorum Electorum... peculiarem intra finesnostros Academiam, studiorum universitatem, con-dere atque instituere. Fideles Electoratus nostri, re-liquarumque Germanicarum Provinciarum ordines,qui grato cum animo, quam vehementer ea res adpublicam utilitatem pertineat intelligerent, opus hoc,quantum in ipsis fuit adjuvere: qua in re & gratis-simum fecere nobis, & æternam sibi apud posterosgloriam pepererunt.

Sedem Universitatis hujus delegimus Urbem nos-tram Gotingam, quod commodé ad eam rem sita est;& ita institui curavimus omnia, ne annonæ æquo pre-tio venalis copia desit, utque commodé ibi sint Aca-demici, nec circà habitationis mercedes, vel aliamquamcumque rerum necessariarum, injuria illis fieripossit.

In primis verò curavimus, curabimusque in poste-rum, & curabunt successores nostri, ut quatuor, quasvocant, facultatibus ordinandis, celebres semper &exploratæ eruditionis viri, nec minus reliquis omni-bus disciplinis, scientiis, artibus & linguis, quæ stu-diosam litterarum cujuscumque dignitatis & ordinisjuventutem decent, juvant, usumque in communi vitahabent, tradendis, idonei Magistri, præsertim moven-dorum in equis, in armis atque per choreas corporum,tum Anglicæ, Gallicæ, Italicæque Linguarum, vo-centur, constituanturque, aptus que ibi & instructusrebus omnibus Hippodromus, curo stadio satis am-plo habeatur14

Cum igitur hæc omnia divino auxilio, eo sint pro-ducta, ut nova studiorum Universitas Gottingæ apertajam sit, & in auguratione excepta, omnibus partibussuis moveatur, exerceaturque: his ipsis tabulis de-claramus, promittimus, notumque universis facimus,nos velle, ut de sententia verborum Cæsarii diploma-tis, cujus anté mentio injecta est, universi & singulihujus Academiæ Gottingensis Professores, & quinunc constituti sunt, & qui constituentur in posterum,tum omnes artium omnium, linguarum & exercitati-onum Magistri, quocumque Domine veniant, nulloexcepto, perpetuis sæculis, libertatem, jus & faculta-tem habeant nullis limitibus circumscriptam, publicepariter, & privatim docendi, pro cujusque rationibusCollegia publica & privata, habendi actusn & exer-citationes tum disputandi, tum alios instituendi perfacultates reddendi sententias, consilia & responsa,Doctores Licenciatos, Magistros Baccalaureos, item-que pro juribus comitivæ sacri Palatii Lateranensis,diplomate laudato comprehensis Notarios publicos &Poetas Cæfarea auctoritate publica creandi, solemni-que ceremonia investiendi, illegitimo toto conceptis,

14Nos apontamentos acima, não propus um observatóriopara ensinar a Astronomia, nem os Mestres que deviam en-sinar as Metemáticas transcendentes. Como também nãopropus uma Academia Equestre. Também não propus noColégio da Filosofia uma cadeira de Agricultura, como écostume em muitas Universidades de Alemanha, onde seensina por um compêndio desta arte o necessário para exe-cutar o que se acha nos Autores antigos e modernos que tra-taram desta utilíssima arte. Não propus os Mestres para en-sinarem a Língua Francesa, Inglesa e Italiana, porque con-siderei que depois de estarem estabelecidos os três Colégiosque propus o Senado Academico pelo decurso do tempo to-maria a seu cargo estabelecer tudo o referido.

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 33

honestorum natalium jura concedendi; famæ resti-tuendi infames, minoribus tribuendi ætatis veniam,omnesque recensitos illa comitivæ Cæfarea lege, &c.

Præter hæc significandæ tanto magis benevolentiænostræ & voluntatis propitiæ causa, qua tranquillos,felices, suaque sorte beatos illos esse cupimus, auc-toritate, potestateque Principali ac Territoriali, deli-berato Consilio, hac illis beneficia, has immunitatestribuimus.

I. Primo Universam Academiam cum omnibus &singulis ejus Doctoribus, studiosis & civibus reliquis,hâc ipsâ tabulá teste, peculiariter in fidem tutelamquenostram Regiam, Electoralemque recipimus, consti-tutumque volumus & jubemus, ut hæc Universitastanquam peculiare Corpus & sua sibi Jurisdictioneomni moda a nobis indulgentissimé ornatum, nonurbani modo Magistratus a Jurisdictione separarum,verúm etiam ab omni jurisdictione & imperio alio-rum judiciorum, Collegiorumque nostrorum exem-tum, nobis tantum & Consilio nostro intimo proximéabsque medio, potestate nulla alia interveniente, pa-reat.

II. Habeat igitur Corpus hoc Jurisdictionem om-nem civilem, pariter & criminalem, tum in Professo-res suos ordinarios, extraordinarios, in singulos Ci-ves reliquos. Quæ vero finiri caussæ ab ea non pos-sunt, eæ instantia altera ad nos devolvuntur.

Itaque provocantes a sententiis Academiæ, quotiesquidem locum habet provocatio ad Nos Consilium-que nostrum intimum, quod personam nostram perabsentiam nostram gerit, dimittendi sunt, penes quodest, cui Collegiorum nostrorum juridicorum, causas,litesque, de quibus legitime provocatum fuerit, cumactorum tabulis, sententia ad mandatum nostrum excommissione speciali, ferendæ caussa, committerevoluerit.

Non recipientur autem provocationes nisi in causiscivilibus, atque inter illas, in iis quarum ultra centumimperiales (quasi 200 cruzados) ascendit æstimatio:sed in aliis si imponantur, rejicientur, nisi agatur dejuribus, servitutibus, oneribus perpetuis, rebusque idgenus, quæ sub æstimationem non cadunt.

Contra universam etiam, qua unum corpus est,Academiam prima instantia in consilio nostro intimoexperiendum est; id que in ferenda sententia, eum-dem, qui modo indicatus est sub nostro nomine teno-rem, servabit.

Pro-Rector Academiæ, dum munere illo fungitur,pro se conveniri in judicio ordinarié non potest; sedsi qua sit contra ipsum, durante officio, actio, si quacognitio, ad finitum usque munus differri debet; nisiforte evidens sit in mora periculum: quod si eveniat,

qui agere adversus Pro- Rectorem durante munerevolet, sibi speciatim ejus rei facultatem a Consiliointimo petendam impetendamque sciat.

III. Si vel tota Universitas, vel Professor, vel Ci-vis alius, adversus non Academicum agendum sibiputet,maneturin illo communiActor sequitur forumrei. Si vero in judicio, quod hæc regula designat, velnon dicatur jus, prout oportet, vel protrahatur; libe-rum esto actori, querelam ejus rei ad consilium nos-trum intimum deferre, a quo, ut sine morajus suumconsequatur, efficax opera dabitur.

IV. Ad deliberationes de Statutis Juribus, Privile-giis, Immunitabibus Corporis totius Academici, desolemnibus item publicis, de tranquillitate publicâ,de emendandis, si qua irrepserint vitiis & defecti-bus, de confirmandis relegationum decretis pœnisquead corporis cœrtionem, vel amissionem animæ per-tinentibus, aliisque rebus, quæ ad communem sta-tum & rationes Universitatis referuntur Professoresadhibendi sunt, quatuor facultatum omnes ordinarii,quippe qui Senatum Academicum constituunt.

Sed vocare universos ad conventus omnes, in qui-bus de explicanda Jurisdictione Academiæ, Capitesecundo illi tributa, agitur, longum fuerit, & ita au-geat Senatus hujus Consilia, ut non parva inde impe-dimenta & interpellationes lectionibus, laboribusquealiis publicis objiciantur.

Itaque denuo constituimus, quod alias jam factumest, ut administrationem & exercitium hujus Jurisdic-tionis Civilis pariter, & Criminalis arctius Consiliumde universo Senatu desumptum, suscipiat, id queConsilium cujusque temporis Pro-Rectore, tanquamCapite Universitatis, tum si ipse sit ex Jurisconsulto-rum ordine, quatuor Facultatum Decanis constet.

Sin alterius Facultatis sit Pro-Rector quam Juri-dicæ, vel si sit quidem, sed is qui ex illo ordine præ-tereà Concilii hujus pars esse debeat, ipse reus sit, velob necessitudinem quamcunque cum alterutra partelitigantium aut quacunque alia caussa legitima, sen-tentiam ferre prohibeatur: horum si quid accidat, quiproximum habet in ordine Jurisconsultorum locumProfessoris ordinarii, Concilio huic juridico adjunge-tur: eaque perpetua lex ut duo minimum ProfessoresJuris ordinarii in hoc Concilio arctiori suffragia sem-per ferant.

Officium Pro-Rectoris dimidium annum durabit.Eoque ordine, qui statutis Academiæ generalibusprescriptus est, per facultates in orbem ibi; ita qui-dem, ut initio a Theologorum ordine, ejusque seni-ore, facto, hinc per vices semestres continetur.15

15Parece mais acertada a determinação da Universidadede Edimburgo onde não se faz caso da distinção das Facul-

34 António Ribeiro Sanches

Munus in Concilio Juridico assidendi annexum sitei quem Decanatum dicunt, & cum eo per singulosProfessorum eat.

Jurisdictioni hujus Concilii suberunt omnes inuniversum, Academici, Professores, Studiosi, Peri-grini, qui vel studiorum, vel exercendorum arte cor-porum vel linguarum discendarum, caussa ibi ver-santur, Magistrique harum rerum, tum famuli, artí-fices item Academiæ adscripti, quocumque nomineveniant, excepto plane nemine; speciatim etiam Opi-ficum Magistri immunes Academicæ subjecti, quo-rum tamen nullum Academiæ, non imperrata a Con-silio nostro intimo ejus rei venia, recipere das erit,curo familiis suis & ministris.

Omnes istos Academiæ Jurisdictioni subjectos,jubemus cum primum Gottingam advenerint, statimnomina profiteri apud Academiam, & quantum adstudiosos, linguarum item, & corporum movendo-rum Magistros, attinet, summum intra quartum de-cimum diem, matriculæ ea inscribenda curare.

Hujus inscriptionis nomine modica pecunia, alia-rum more Academiarum, solvetur.

Si quis intra diem dictum nomen non professusfuerit, is proportione moræ brevioris, longioris, du-plum, triplum, quadruplumque adeo, pecuniæ, quæalias alio nomine datur, solvet, vel si inopiam caus-setur, acta ad quatuordecim dies in carcere pœnas da-bit.

Quamvis etiam tales nomen dare neglexerint, ta-men ab ipso adventus die, ipso facto jurisdictioniAcademicæ subjecti erunt.

V. Si quod Collegiorum nostrorum, vel Prætor, velMagistratus Urbanus Gottingensis, vel Dux militarispræsidii, agere contra quemcunque Academicum ve-lit vel auxilio Academiæ opus habeat; Universitatisauxilium apud eum, qui cum maxime Pro- Rector eritvel coram, per literas petet.

De sumptibus & sportulis judiciorum Academico-rum, jam certa & æqua lex scripta, atque introductaest: Professores tamen, si in lite versantur, immunessunt.

Etiam quoties vel tota Universitas, vel singuli deSenatu Academico, in Collegiis nostris altioribus li-tigandum, vel postulandum quidquam habeant; nihilpro Fisci jure aut sportularum nomine ab illis exige-tur: sed vicissim quoque si quis, de illis Collegiis inAcademiæ judicio caussam habeat, nihil dabitur.

Sed si aliis in judiciis intra, vel extra Gottingam,vel Academia litem habeat vel Academici, usitatassportulas solvant, opus est; ut etiam vicissim, si alia

dades, e só sim da antiguidade dos Professores de que secompõem. O que fica insinuado nos Apontamentos acima.

judicia eorumve administratores caussam in Acade-miæ foro habeant, sportulæ dandæ funt.

VI. Ad ducendos in vincula damnatos, & sic ubialias armatis opus est ad postulationem Pro- Recto-ris, vel Senatus Academici, Dux Præsidii Gottingen-sis milites, quot opus est, vel Magistratus Urbanuspublicos lictores, sine mora dabunt, perficique quæpetuntur curabunt...

VII. Siquis ab Academicis interdiu, vel nocte tu-multus oriatur, Dux præsidii militaris, & MagistratusUrbanus, sua sponte, non expectata requisitione, per-sequendos tumultus auctores, & in vincula ducendoscurabit, ne occasionem patrandi facinoris, vel fugase pœnæ subtrahendi inveniant. Eo tamen tempera-mento, atque discrimine, ut si pauci studiosi noctuin plateis clamando, cædendis lapidibus, & alio tu-multu turbare quid audeant, militares excubiæ ipsænon accurrant, sed compescendos nocturnis circitori-bus, ad hoc constitutis, permittant, nisi forte auges-cente turba, circitores superentur. In manifesto tu-multu & seditione vero præsidiarii soli rem gerant,& si alterutrum horum eveniat, circitores nocturni,curo primum præsidiarii accesserint, abducantur, ne-que curo bis misceantur.

Si interdiu tumultuarum sit, auctores e vestigiotradendi Academiæ; sin noctu, apud circitores dili-genter adservandi; luce autem exorta Pro-rectori sinemora de iis significandum; eo que postulante unacum armis, aut si quid aliud secum habuere, nullatergiversatione interposita, dedendi, nec ulla rationeaut obtentu ullo, retinendi. Qua in re Dux Præsidii &Magistratus Urbanus curabunt, & omni studio provi-debunt, ne, qui ducuntur in vincula, vel præter dig-nitatem suam, vel alioquin secus, quam par est, in-ter capiendum, custidiendumve tractentur, aut, si quiausi sint tale quidpiam facere in eos severe animad-vertantur. Vicissim Academici suum excubiis hono-rem habento, nec insultanto iis, aut si fecerint, pu-niuntor.

VIII. Si in Academicorum quemquam pœna capi-tis, aut corporis, aut eruendæ veritatis caussa tormen-torum quæstio decreta sit; sententia, ut aliis nostrisCollegiis juridicis, antequam executioni detur, con-firmanda a nobis, vel mitiganda, ad consilium nos-trum intimum mittatur. Capitales Sententias exeque-ter Prætor noster, cui proinde damnatus tradendusest.

Et quamquam alioquin multæ pæcuniariæ a Colle-giis nostris juridicis decretæ, referuntur ad ærariumnostrum & rationibus illius referuntur: eas tamen,quas Academia Gottingensis decernet, ex utilitate ip-sius collocandas eidem indulgemus, ac rationibus ea-rum referendis peculiari lege cavimus.

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 35

IX. Si quis ab Academia Consilium, quod vocant,abeundi acceperit, vel relegatus fuerit, illum ab eoinde tempore, quo abesse illum Urbe jubet Acade-mia, neque Magistratus Urbicus, neque alius quis-quam recipiat, neque occultet: utque patres familias,quorum in conducto habitant damnati, eo certius ha-beant quod sequantur; quoties consilium abeundi velrelegatio privata decreta fuerit (in publicis enim nihilre opus est) de eo Academiæ no mine hospiti statimsingnificabitur; qui sibi multa, quæ dictabitur arbitra-ria, ea que satis gravi, sine mora, quæ opus fuerint,ad Pro-Rectorem deferet.

Prohibemus etiam, ne vicini Gottingæ Præfecti eJudicia, quibus ejus rei caussa jam præceptum est,ejectos ab Academia in villis & pagis ditionis nostræfinitimis, consistere patiantur.

Neque hoc patiemur, ut relegati ab Academia, veabeundi consilium nacti, vel, siqui ære alieno con-tracto, aut patrato facinore, aut quacunque alia decaussa jurisdictionem Academiæ eludere conentur,interpræsidiarios Urbis militæ nomen dent, vel in fi-dem ac tutelam ab eo recipiantur. Potius Dux præ-sidii Academicum pro se ad militiam invitabit nemi-nem; si quis autem sua se sponte offerat, ante omniarequiret, si quid habeat Academia, cur ejus receptioniintercedat.

X. Quod sæpe inveniuntur in Academiis homines,qui studiosos se profitentur, sed operam non dant stu-diis, verum tempus turpi otio, alea, compotationibus,cæteraque nequitia, consumunt, atque eam quasi ar-tem habent, ut ipsorum ministerio studiosi alii irre-parabilem temporis jacturam, sumptus pessime col-locatos faciant: quin id agunt, ut pecunia illos emun-gant, ad vitia varia solicitent, ad rixas & pugnas con-citando, & committendo impellant; quorum proindeopera valetudine, atque membrorum integritate, quinvita adeo, multi privantur: id genus inutilia, noxia-que terræ pondera, & pestes rei publicæ, quod edictocontra duella proposito jam cautum est Gottingæ nontolerabuntur; sed nisi post ad monitionem factam exi-mentur, Urbe & agro Gottingensi excedere idoneisremediis cogentur.

XI. Quæcunque scripta Gottingæ Typographisdantur imprimenda, ea ante-illius Facultatis ad quamargumentum scripti pertinet, censuræ subjiciatur: ne-que quidquam cui Decani, vel censoris nomen nonsubscriptum sit componat quisquam Typographo-rum, vel imprimat, nisi & privilegio excidere suo,& multa adfici arbitraria velit. Jubentur jam Typo-graphi accuratissime exprimere exemplum Censorismanu notatum, idque exemplum non servare mododiligenter, sed edere etiam, quoties opus est, ut con-

ferri cum exemplaribus, & cognosci possit, utrum in-ter se conveniant.

Pro illa censendi molestia a Typographo premi-olum quoddam Censori dabitur, ad editare repe-tendum: ab hac censura tamen exemta esse volu-mus, quæcumque ipsi Facultatum omnium Professo-res scripserint, qui rationem Consilio nostro reddent,si quid sit, quod offensionem, aut dubitationem ha-beat.

XII. Gradu Academico ornati qui urbano iidemmunere non funguntur, soli Jurisdictioni Academicæsubsunto, & nomen in illius tabulis profitentur: sicetiam Bibliopolæ, Typographi & Glutinatores Aca-demici, cum bœthis suis, ac tironibus, caupones iteme diversitores, quos recipere Academiæ forte permit-tetur, cum familiaribus, ære & victu conductis.

Qui autem præter gradum academicum urbicoetiam munere funguntur, hoc ipso fori Academicijure excidunt.

Advocati & Notarii sive fungantur urbico munere,sive minus, foro, quo adhuc usi sunt, reliquantur.

Gradu academico insignes, Bibliopolæ item, Ty-pographi & Glutinatores, atque Academici reliqui,Professoresque adeò ipsi, qui domos civicas proprie-tatis jure possident, vel acquirent, quantum ad actio-nes reales ab bis domibus ortum trahentes, in quan-tum item civicis negotiis se tuebuntur, aut rem faci-ent, horum respectu foro civitatis subsunt.

XIII. Permisimus porro Academiæ Gottingensi utsuam sibi vini & cerevisiæ vendendæ cauponam,Pharmacopolium item suum, exerceat: quorum ad-ministratio, locatiove administrationi reliquæ fundiAcademici innexa est, redituumque in tabulis fundiillius ratio referenda.

XIV. Qui Professores in officio Gottingensi mo-riuntur, eorum non minus quam reliquorum Acade-micorum viduæ, quam diu in eo statu manent, forummaritorum defunctorum retinent: sic liberi habent.forum patrum, dum majores fiant, vel illud officiopublico adeundo nuptiis vel quocumque alio modoamittant.

Si Professores, vel Academici alii, qui stipendiisnostris militant, diem supremum obeant, eorum here-des in linea descendente, vel viduæ heredes, ut in re-liquis nostris civicæ conditionis Ministris usu recep-tum est, trimestris ejus, intra quod diem obiit defunc-tus, salarium, tanquam deservitum, accipiunt, insu-perque trimestre, quod appellant gratiæ. Illud veronon pertinet ad reditus extraordinarios, eaque, quæaccidentia vocantur, quibus præter salarium gravisusest defunctus, neque ad hæredes ex testamento vel expacto, nisi sint eædem defunctorum viduæ.

36 António Ribeiro Sanches

XV. Si quis Professor vel alius Academicus Got-tingæ civicam domum, vel prædia alia, ab oneribusnon immunia, proprie sibi acquirat, recepta omnia re-alia, ad quæ militaria hospitia referuntur, vel pecunia,qua illa solent redimi, servitii tributum vocant, præs-tanda ipsi sunt: cum exemtio ab iis damno sit aliis &oneri reliquis civibus futura.

A personalibus autem oneribus immunes omninoesse jubemus, etiam a præstando jurejurando cívico,recipiendique in ipsam domum militis necessitate;curabiturque, ne realibus oneribus Academicorumquisquam justo nimis oneretur.

XVII. Academici Gottingenses amues, eorumquefamiliares cum horum viduis, liberisque, in heridi-tatibus & ubi alias id receptum est a vectigalibus,quæ detractus jure penduntur, non minus quam re-liqui nostri officiales plane immunes erunt.

In successionibus morientium AcademicorumGottingensium jura communia & constitutiones pu-blicæ Provinciales simpliciter sequendæ sunt; nechabenda ratio statutorum Urbis Gottingensis vel ju-rium consuetudinariorum particularium, si qua abjure communi recedere deprehendantur.

XVIII. Præfectis ditionis nostræ, qui non ultràsextum milliare Gottinga absint, injunctum hâc ipsalege est, si quem maleficum habeant mortis supplicioafficiendum, ut ea de re officii caussa moneant Fa-cultatem Medicorum Gottingensium, ei que petenticadaver malefici anatomiæ subjiciendum, sine sumtu& absque mora tradant.

Ea porro cadavera a Præfectis in quorum diœ-cesi supplicium sumptum fuerit, Professori Anato-miæ Gottingam, ministerio eorum, qui operas de-bent, ministrentur.

Si in via cum tali cadavere plures una Præfec-turæ nostræ transeundæ sint, communicatione interse facta curabunt Præfecti, ut celeriter, eoque modofiat illa vectura, quo vivi malefici per vices duci, vehi,trahique solent.

Utilitatis atque usus Medicæ Facultatis caussaspeciatim Professoris Anatomiæ de extruendo Thea-tro Anatomico, Hortoque Medico instituendo, quema Botanices Professore dirigi curarique volumus,a nobis provisum est. Pharmacopolii Academici,quantum ad corpus specierum e medicamentorumpertinet, dirigendi e inspiciendi cura, atque examenChirurgiorum Academiæ, penes Medicam Faculta-tem solam erit.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XIX. Ordinariis omnibus quatuor universarum Fa-cultatum Professoribus, in quantum non iam peculi-ari, altiorique titulo & loco ornati sunt, vel omabun-tur in posterum, locum tribuimus illum, qui consili-

ariis nostris, ex lege Avi nostri felicis memoriæ as-signatus est, ut illo ab eo inde tempore gaudeant, quoSacramento adacti atque in Professorum Collegiumintroducti sunt: ac proinde nunc pariter & in poste-rum Professores ordinarii Academiæ nostræ Gottin-gensis, comparatione reliquorum officialium nostro-rum, æquo gradu cum Consiliariis nostris censeantur,atque inter illos, quem officii antiquitas cuique assig-nat, locum obtineant.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Professores quibus titulum, honoremque Consilia-

rii Aulici, vel alio modo insigniti, adsignavimus, veladsignabimus forte in posterum; ii item, qui e cor-pore vel Academiæ vel Senatus peculiari honore veltitulo a nobis ornabuntur, utentur illo honore extraCollegium ubique, & quoties cum aliis officialibusnostris convenient: non item vero in Facultatum con-cessibus vel aliis Collegii conventibus, in quibus, utisupra dictum est, locum & ordinem tuebuntur eum,quem officii ordinarii ratio illis tribuit.

XX. Cum inter necessaria Academiæ bene insti-tutæ requisita sit Bibliotheca, illud curavimus, egi-mus, ut Gottingensis nostra Universitas etiam hacparte, quantum opus est, ornaretur: eo consilio nonmodo festivam copiam ex Bibliotheca nostra Hanno-verana donavimus; sed reditus etiam quosdam cons-tituimus, de quibus Bibliotheca Academíca augeri inposterum possit...

De cura Bibliothecæ hujus, ita provisum, ut ususillius tum studiosis, quantum ejus fieri potest, quamcommodissime quamque latissime pateat.

XXI. Doctoribus omnibus, Licentiatis, Magistris,Baccalaureis denique Gottingensibus, licet Professo-res non sint, jus erit Professonis suæ lectiones priva-tim habendi. Ne tamem ea re male quidam abutantur,Professoribusque singularum Facultatum ea re detri-mentum injustum adferatur; constituimus.

1. Ut quicumque stipendiis, mensa liberali, aliis-que beneficiis fruuntur, illi quidem pro ut e resua esse putaverint, privata Collegia Doctorumprivatorum gradu omatorum frequentare & au-dire possint, sed iidem etiam Professorum Col-legia ne negligant, sed præ istis ea frequentent.

2. Ut qui gradu academico ornari Gottingæ vo-lunt, non extranei quidem, ad eum non admit-tantur, nisi Professorum ejus Facultatis, cujuscandidati sunt, Collegiis interfuerint, utque.

3. Qui in ditionis nostræ Provinciis honores &munera petent, ad quæ administranda studiislitterarum opus est, si Gottingæ studiorumcaussa vixerint, antequam recipiantur, testimo-niis fide dignis planum faciant, se Professorumrecitationibus interfuisse.

Apontamentos para fundar-se uma Universidade Real 37

4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

5. Caussidicis, Notariis, Medicinæ practicis, stu-diosis Veteribus & quibuscumque aliis graduacademico non ornatis, sub eadem pœna inter-dictum est, prælectiones habere, nisi examenDecani suæ Facultatis subeant, ab eoque facuIl-tatem & jus ejus rei impetrent.

Professori licebit etiam extra eam, cui proprie pe-culiariter destinatus est, professionem, privatim do-cere quæ volet, poteritque, neque intercedet ei reiProfessor Ordinarrus, cui proprie illa pars doctrinæattributa est. Neque tamen extra Facultatem illud jusegreditur, nisi ad solam Philosophicam: adeo ut The-ologo non sit integrum Juridica vel Medica, nequeJurisconsulto vel Medico Theologica tractare; & sicdeinceps. Verum trium ordinum Professoribus Philo-sophiam & Jurisconsultis insuper Historiam Ecclesi-asticam, explicare fas esto.

XXII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .XXIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .XXIV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XXV. Providentia etiam nostra mensæ liberalessatis magno numero constitutæ sunt, alenturque inposterum, ut studiosi, cives præsertim nostri, à facul-tatibus propriis non satis instructi, ea inopia non im-pediantur, quominus studia in Academia nostra trac-tent, & capacia ingenia ad Patriæ utilitatem alant,adhibeantque.

XXVI. De Concilio nostro, quod Hannoveræ est,Intimo, Curatores duo supremos constituimus, qui-bus suprema cura atque directio Academiæ nostræGottingensis, peculiariter commissa, atque hoc attri-butum munus erit, ut quidquid usus fuerit, consiliosuo juvent Academiam, ejusque salutem, commoda,jura, privilegia, dum ad nos referatur, valide suscipi-ant, tueantur, atque promoveant.

XXVII. Propensam, pro indulgentia nostra volun-tatem habemus, quæ enumerata sunt beneficia nos-tra, atque munera pro ut reg & occasio feret amplifi-candi augendi statum Universitatis, accuratius, con-venientiusque formandi. Hoc ipso Consilio, atquead servandam suam statutis Academiæ auctoritatem,tollendaque, si quæ irrepserint vitia atque defectus,Universitatem nos certis temporibus per viros ad eamrem delectos, inspiciendam curaturos, hic diserte ex-cipimus.

Ad fidem superioribus omnibus faciendam nos-tra manu ista subscripsimus, nostro que sigillo mu-niri jussimus. Actum & datum Hannoveræ a. d.VII. Decembris anni supra millesimum septingente-simum sexti e tricesimi : regni nostri decimi. (Geor-gius Rex) (L.S.)

P. S. Considerei que não satisfaria cabalmente aReal Ordem de S. Majestade Fidelíssima se escre-vesse somente domelhor método de aprender, e deestudar a Medicina, se não tratasse de que modo de-viam ser governados os Médicos, e todos aqueles queexercitam algumas partes da Ciência Médica, por umColégio Médico com Jurisdição, espalhado por to-das as cidades e vilas dos domínios de S. Majes-tade, e que velasse na perfeita execução da Ciênciaque aprende ram na Universidade, e mais escolas doReino; é certo que pouca seria a utilidade que reti-raria o público desta instrução Académica, se a prá-tica geral da Medicina não fosse regrada e governadapor um Tribunal Médico, como estão introduzidos namaior parte dos Estados da Europa. Não poupei, nemtrabalho, nem despesas para informar-me desta maté-ria, na intenção que o meu trabalho seria útil à minhaPátria. Não faltarei a publicá-lo, tanto que pressentir,que será agradável a quem o deve aprovar.

Paris Maio 1763.