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Texto de Marcelo Alexandrino da Costa Santos
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APONTAMENTOS SOBRE
A
“COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL”
(Rio de Janeiro, 2005)
Marcelo Alexandrino da Costa Santos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1. COISA JULGADA
1.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
1.2 COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL
1.3 A COISA JULGADA NAS RELAÇÕES JURÍDICAS CONTINUATIVAS
CAPÍTULO 2. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
2.1 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
2.2 DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM
CONTROLE CONCENTRADO PELO STF
2.3 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
6
EM CONTROLE CONCENTRADO
CAPÍTULO 3. A “COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL”
3.1 A COISA JULGADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
3.2 “RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA” E “COISA JULGADA
INCONSTITUCIONAL”
3.3 DEFEITOS DA “COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL”
3.4 MEIOS DE IMPUGNAÇÃO
3.5 CRÍTICAS À TÓRIA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
CAPÍTULO 4. A INOVAÇÃO LEGISLATIVA TRAZIDA PELA MEDIDA
PROVISÓRIA N. 1.997-37, DE ABRIL DE 2.000
4.1 A SENTENÇA EIVADA DE INCONSTITUCIONALIDADE E OS
PARÁGRAFOS PRIMEIRO DO ARTIGO 475-L DO CPC E 5º DO ARTIGO
884 DA CLT
4.2 LIMITES À APLICAÇÃO DO NOVO DISPOSITIVO
4.3 INOVAÇÃO INCONSTITUCIONAL?
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem o objetivo de apresentar o esboço de um dos temas mais
polêmicos do direito processual na atualidade: a mitigação da coisa julgada material na
hipótese de ofensa da sentença à Constituição, independentemente do ajuizamento de ação
rescisória.
7
Para realizar nosso intento, dividimos este estudo em quatro capítulos, nos
quais os temas que se entrelaçam são apresentados em uma seqüência lógica.
Assim, o primeiro capítulo tratará do instituto da coisa julgada, abordando
seu conceito, sua natureza jurídica e suas manifestações formal e material, bem como
discorrendo sobre o trânsito em julgado de sentenças que disciplinam relações continuativas.
O segundo capítulo tratará de aspectos constitucionais inerentes ao tema,
notadamente a supremacia da constituição, os mecanismo do controle de constitucionalidade
das leis e atos normativos do Poder Público e seus efeitos, sintetizando diversas e relevantes
opiniões doutrinárias.
O terceiro capítulo porá em foco a “coisa julgada inconstitucional”,
inserindo-a na tão discutida tese de relativização da coisa julgada, indicando os meios de
impugnação sugeridos pela doutrina e apontando críticas a essa teoria.
Por fim, o quarto capítulo tratará da inserção, respectivamente, dos
parágrafos primeiro e quinto aos artigos 475-L do CPC e 884 da CLT, respectivamente,
apresentando uma análise de seu alcance, de suas limitações e de sua suposta
inconstitucionalidade.
A pesquisa efetuada foi do tipo exploratória, pois os debates sobre o tema
são recentes e não-consensuais; descritiva, pois visava, desde o início, a determinar a
correlação entre os fatos e as questões formuladas, ou seja, se e em que situações o vício de
inconstitucionalidade tem o condão de esvaziar a coisa julgada material. Tratou-se, ainda, de
pesquisa parcialmente bibliográfica, porque, além de livros, foram consultadas a legislação, a
jurisprudência e a conclusão de seminários, a fim de colmatar lacunas e elucidar dúvidas
sobre o tema proposto.
Como fontes de pesquisa, foram utilizadas livros de Direito Constitucional
e Processual, coletâneas, periódicos, portais especializados e seminários.
8
Desta forma, buscamos examinar a assim-chamada “coisa julgada
inconstitucional” de acordo com as classificações e teorias doutrinárias em voga, sem,
contudo, furtarmo-nos à apresentação de nossas próprias conclusões, as quais deixamos à
apreciação crítica do leitor.
9
CAPÍTULO 1 - COISA JULGADA
1.1 Conceito e natureza jurídica.
Por meio da sentença1, o órgão judicial emite o preceito imperativo que há
de disciplinar a situação litigiosa trazida à sua apreciação.2
Por razões de ordem prática3, essencialmente ligadas à idéia da não-
perpetuação do litígio4 e da univocidade das decisões judiciais5, a lei confere imutabilidade à
tutela jurisdicional assim dispensada, tornando a solução dada à crise jurídica imune a futuros
questionamentos. No momento em que já não se possa interpor qualquer recurso contra a
sentença, diz-se que ela faz coisa julgada ou transita em julgado.6
Coisa julgada, portanto, é “a decisão judicial de que já não caiba recurso”7,
ou, mais precisamente, “a imutabilidade da sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo
(coisa julgada material), quando não mais cabível qualquer recurso”.8
1 O que se diz, neste trabalho, sobre sentença é igualmente válido para acórdão.2 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil
brasileiro. In: ______. Temas de direito processual. 1 série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 97.3 Segundo Couture,“a coisa julgada é [...] uma exigência política e não propriamente jurídica; não é de razão
natural, mas sim de exigência prática”. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Campinas: Red, 1999. p. 332.
4 Ibid., p. 99.5 Sustenta Liebman que “o verdadeiro problema da coisa julgada, característico e único da atividade
jurisdicional: o de que se possa um outro ato da mesma autoridade reexaminar o caso já decidido e julgar de modo diferente, sem infirmar assim a validade do ato precedente, mas criando um conflito entre duas decisões, com todos os seus conhecidos inconvenientes que daí promanam”. LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 49.
6 Ibid., idem.7 Art. 6º, § 3o da Lei de Introdução do Código Civil.8 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v. I. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998, p.
416. Especialmente relevante é a crítica lançada pelo autor contra a lição de Liebman, para quem a coisa julgada implicaria a imutabilidade dos efeitos da sentença: estes podem se alterar a qualquer tempo, conforme salienta o processualista carioca, bastando que se pense na hipótese de o devedor cumprir o comando da sentença condenatória – tal comando, em si mesmo considerado subsistiria, mas não a sua eficácia.
10
Duas posições teóricas se destacam quando se perquire acerca da natureza
jurídica da coisa julgada: para a primeira, trata-se de um efeito da sentença; para a segunda,
de “uma qualidade que a ela adere”9.
Assim é que Chiovenda afirmava ser a coisa julgada “a eficácia da sentença
que se tornou definitiva”10, ao que se contrapõe Liebman, salientando que
a eficácia de uma sentença não pode por si só impedir o juiz posterior, investido também ele da plenitude dos poderes exercidos pelo juiz que prolatou a sentença, de reexaminar o caso decidido e julgá-lo de modo diferente. Somente uma razão de utilidade política e social intervém para evitar essa possibilidade tornando o comando imutável quando o processo tenha chegado à sua conclusão, com a preclusão dos recursos contra a sentença nela pronunciada.11
Sustenta o inspirador da Escola Paulista de Direito Processual Civil, então,
que “a coisa julgada nada mais é que essa indiscutibilidade ou imutabilidade da sentença e dos
seus efeitos, aquele atributo que qualifica e potencializa a eficácia que a sentença
naturalmente produz, segundo a sua própria essência de ato estatal”12.
Abriu-se, desta forma, caminho à tese segundo a qual a coisa julgada é a
qualidade que reveste, a um só tempo, a sentença e seus efeitos.13
Cabe, ainda, mencionar a teoria de que a coisa julgada é uma situação
jurídica que se configura com a irrecorribilidade da decisão judicial. É o que sustenta,
amparando-se em Barbosa Moreira, Alexandre Câmara para quem “com o trânsito em julgado
da sentença, surge uma nova situação, antes inexistente, que consiste na imutabilidade e
indiscutibilidade do conteúdo da sentença, e a imutabilidade e a indiscutibilidade é que são,
em verdade, a autoridade de coisa julgada”.14
9 Ibid, op. cit. p. 417.10 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. III. Campinas: Bookseller, 1998. p. 94
e 249 (referências, respectivamente, à coisa julgada material e formal). O Código de Processo Civil consagra essa posição teórica, conforme se extrai da redação do art. 467.
11 LIEBMAN, op. cit. p. 55.12 Idem, p. 53. Parece ser esse, também, o pensamento de Carnelutti, quando afirma que “a fórmula da coisa
julgada emprega-se para significar [...] a decisão dotada de tal [vinculativa] eficácia”. Cf. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. v. I. Campinas: Servanda, 1999. p. 185.
13 CÂMARA, op. cit. p. 418. 14 Ibid., p. 418.
11
Como se percebe, há ainda acesa discussão sobre a natureza jurídica da
coisa julgada, razão da admoestação de Barbosa Moreira, de que “definir a natureza da coisa
julgada material [...] se trata de uma controvérsia a cujo respeito só mesmo o juízo final é que
dará uma palavra de pacificação; e mesmo esse talvez comporte, pelo menos, embargos de
declaração”.15
1.2 Coisa julgada formal e coisa julgada material.
Ressalta Dinamarco – com amparo na lição de Liebman – que, quer a
estabilidade e a imutabilidade atinjam somente a sentença como ato processual, quer atinjam
ela própria e também seus efeitos, haverá sempre coisa julgada, o que revela, diante da
distinção entre coisa julgada formal e material, “somente que a imutabilidade é uma figura de
duas faces, não institutos diferentes”.16
A propósito de tal distinção, refere a doutrina duas espécies de coisa
julgada: a formal, cuja eficácia é meramente endoprocessual, e a material, que também se
projeta para fora do processo – eficácia panprocessual17.
A coisa julgada formal torna a decisão indiscutível, tão-somente, no próprio
processo em que foi proferida, assumindo “feições puramente técnico-processuais”18. Assim,
qualquer sentença é vocacionada a adquirir a autoridade da coisa julgada formal, pois o efeito
15 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Antecedentes da reforma processual e sistemática geral do novo código de processo civil. In: ______ Estudos sobre o novo código de processo civil.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1974. p. 38.
16 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. III. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 296. De toda sorte, geralmente emprega-se a expressão coisa julgada, isoladamente, no sentido de coisa julgada material. Daí a advertência de que “quando se quer [...] referir à coisa julgada formal, é necessário que se o diga expressamente”. Cf. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 1. v. 2. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 626.
17 GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada: controle de admissibilidade. 2. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 12. CÂMARA, op. cit. p. 426.
18 DINAMARCO, op. cit. p. 297.
12
extintivo, que se projeta para dentro do processo, é comum às sentenças terminativas e de
mérito19.
De outra parte, adquire a autoridade da coisa julgada material o provimento
jurisdicional que resolve o mérito da causa, gerando, nos limites do que foi decidido, a
imutabilidade da decisão para além do processo em que foi proferida.
É à coisa julgada material que refere-se o art. 467 do CPC como “a eficácia,
que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário”.
Cabe aqui um parêntesis: o anteprojeto do Código de Processo Civil referia-
se à coisa julgada material como “a qualidade, que torna imutável e indiscutível o efeito da
sentença, não mais sujeita a recursos ordinário ou extraordinário”, revelando, assim, a adesão
de seu idealizador, Alfredo Buzaid, ao pensamento de Enrico Tullio Liebman, para quem,
como já visto, a coisa julgada é uma qualidade, não um efeito ou eficácia da sentença.
Na verdade, mesmo diante da alteração sofrida no curso do processo
legislativo, Buzaid sustentou a influência de Liebman na redação do final do referido
dispositivo, asseverando que “o código emprega a palavra eficácia no sentido de qualidade ou
modo pelo qual se manifestam ou se produzem os efeitos da sentença”, e que, por haver na
sentença um comando, “sua imutabilidade se identifica com a eficácia do efeito declarado
naquele ato”.20
Tal explicação causa algumas perplexidades, certamente no que se refere à
estranha expressão “eficácia do efeito” e especialmente no que concerne à equiparação do
significado de “eficácia” e “qualidade” ou “modo de ser”, o que faria com que a discussão a
19 Ibid., p. 297.20 BUZAID, Alfredo apud MOREIRA, José Carlos Barbosa. La definizione di cosa giudicata sostanziale nel
codice di procedura civile brasiliano. Revista de Processo, São Paulo, n. 117, p. 42-48, set./out. 2004. A tradução foi livremente feita a partir do seguinte trecho: “Il codice impiega la parola efficacia nel senso di qualità o modo in cui si manifestano o si impiega gli effetti della sentenza stessa; o, in altre parole, posto Che la sentenza abbia um comando, la sua immutabilità si identifica com l’efficacia dell’effeto dichiarato in quell’atto”.
13
que dedicou-se Liebman por tantos anos se resolvesse “em uma simples e anódina querelle de
mots”.21
Seja como for, o importante é ter em mente que a coisa julgada material faz
da decisão e de seu conteúdo imutáveis, motivo pelo qual a sentença dotada da autoridade da
coisa julgada material, apreciando “total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da
lide e das questões decididas” (CPC, art. 468).
No entanto, conforme já explicitado, nem todas as decisões são dotadas da
autoridade da coisa julgada material, mas somente as definitivas, que ensejam a extinção do
processo com apreciação do mérito.
Na lição de José Carlos Barbosa Moreira,
Se a sentença, por qualquer motivo, se torna irrecorrível [...], a norma jurídica concreta nela contida recebe o selo da imutabilidade e da indiscutibilidade (art. 467). Em outras palavras: a sentença transita em julgado, formando-se – pois que o mérito foi decidido – a coisa julgada material.22
Insta, ainda, salientar que art. 469 do CPC afasta a autoridade da coisa
julgada dos motivos, da verdade dos fatos e da apreciação incidental de questão prejudicial,
todos contidos na fundamentação da sentença.
Assim, a coisa julgada material, em primeiro lugar, torna imutáveis e
indiscutíveis os preceitos imperativos emitidos pelo julgador sobre o objeto do processo23,
contidos no decisório24. Delineiam-se, desta forma, os limites objetivos da coisa julgada, cuja 21 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Antecedentes da reforma processual e sistemática geral do novo código de
processo civil, op. cit. p. 46-47.22 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.
89.23 O objeto do processo, no direito processual civil brasileiro, identifica-se com o pedido, uma vez que apenas o
pronunciamento jurisdicional sobre este pode solucionar ou influir na solução da crise que atormenta as partes. Confira-se a lição de Barbosa Moreira: “A providência a que se visa é a prestação jurisdicional consubstanciada na sentença definitiva. O contorno dessa providência – e portanto a sua maior ou menor extensão – é fixado, como se sabe, pelo pedido do autor, ao qual corresponde, na linguagem da doutrina, o objeto do processo” (grifo no original). MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação declaratória e interesse. In: ______. Direito processual civil: ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p. 11. No mesmo sentido, adverte Dinamarco que “somente o pronunciamento do juiz sobre o pedido (e não sobre a causa de pedir) é que tem uma imperativa eficácia preceptiva sobre a vida dos litigantes; somente esse pronunciamento ficará coberto pela autoridade da coisa julgada material (CPC, art. 469)”. DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 35.
24 Relembra Dinamarco que “só no decisum se formulam preceitos destinados a produzir efeitos sobre a vida dos litigantes ou sobre o processo mesmo” e que “na motivação [...] residem somente os pressupostos lógicos em que se apóia o decisório, mas sem autonomia, eles próprios, para projetar efeitos sobre a vida do processo
14
autoridade “não pode jamais exceder os contornos do petitum”25, uma vez que, de acordo com
o art. 128 do CPC, “o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sedo-lhe defeso
conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”.26
Mas também as questões cuja apreciação possa influir no resultado do
julgamento são postas sob os efeitos da coisa julgada, impedindo a renovação de demanda
com idêntico pedido, ainda que sob fundamento diverso daquele em que o julgador se baseou
para chegar à solução da controvérsia. Fala-se, assim, em eficácia preclusiva da coisa julgada
material, a qual se estende a:
a) as questões que, passíveis de conhecimento ex officio, de fato não hajam sido examinadas pelo juiz;b) as que, dependentes da iniciativa da parte, hajam sido suscitadas mas não apreciadas na motivação da sentença;c) as que, também dependentes da iniciativa da parte, não hajam sido suscitadas nem, por conseguinte, apreciadas.27
Cumpre realçar que a decisão terminativa, que extingue o processo sem
exame do mérito, não faz senão coisa julgada formal, de sorte que, quanto a essa espécie de
decisão, a “imutabilidade é fenômeno puramente processual, inerente e interno ao processo
que se extingue, sem repercussão na vida das pessoas em suas relações exteriores”.28 Por
conseguinte, a causa pode ser novamente posta à apreciação do órgão judicial.29
Importa igualmente salientar que, ao lado das sentenças meramente
terminativas, algumas outras também não recebem o selo da coisa julgada material. É o caso
das sentenças proferidas em processos cautelares e em procedimentos de jurisdição
ou das pessoas”. E arremata: “por isso é que de modo expresso a lei brasileira exclui a incidência da autoridade da coisa julgada sobre os motivos da decisão (art. 469, incs. I-II)”. DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002. p 16.
25 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os limites objetivos da coisa julgada no novo código de processo civil. In: ______ Temas de direito processual. 1 série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 91.
26 Conforme ressaltado na segunda parte do Capítulo III da Exposição de Motivos do CPC, lide, aqui, tem o significado carneluttiano de “conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro”.
27 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro, op. cit. p. 106.
28 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. p. 296.29 É o que dispõe o art. 268 do CPC, que excepciona apenas a hipótese de extinção do processo sem julgamento
do mérito prevista no inciso V do art. 267: acolhimento da alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada.
15
voluntária30 e daquelas que, embora apreciando o mérito, declaram a improcedência do pedido
por falta de provas nas ações coletivas (art. 16 da Lei 7.347/85)31.
Também há sentenças que não transitam em julgado porque inevitavelmente
são invalidadas ou substituídas por acórdão em reexame da causa pelo tribunal, mesmo que
nenhum recurso tenha sido interposto pela parte sucumbente32: é o que dispõe o art. 475 do
CPC acerca das sentenças proferidas em desfavor da União, o Estado, o Distrito Federal ou o
Município, ou suas autarquias e fundações de direito público, bem como das sentenças de
procedência de embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.
Ainda quanto às sentenças que não fazem coisa julgada material, Teresa
Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina ressaltam as chamadas sentenças
inexistentes, entre as quais arrolam aquelas em que o pedido é julgado sem que estejam
presentes os pressupostos processuais de existência ou as condições da ação e as que são
portadoras de efeitos juridicamente impossíveis33. Também a falta de dispositivo “implica
inexistência jurídica da sentença [...] porque [...] torna o ato irreconhecível como sentença,
vez que o mesmo não contém decisão (o que, como parece óbvio, é elemento constitutivo
mínimo da sentença)”34, o mesmo podendo ser dito da sentença não assinada35.
30 DINAMARCO, op. cit. p. 308-309.31 Nos termos do inciso III do art. 103 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), se a ação visar à
defesa de direitos individuais homogêneos, a sentença de improcedência não faz coisa julgada, ainda que o legitimado extraordinário tenha produzido provas.
32 DINAMARCO, op. cit. p. 310. Ressaltando a substituição da sentença pelo acórdão – o que, insta relembrar, ocorre inclusive quando o tribunal “confirma” o provimento de primeiro grau (CPC, art. 512) –, o mestre da escola paulista de direito processual assevera que as sentenças sujeitas a reexame necessário “não têm a mínima possibilidade de obter coisa julgada, quer formal, quer material”, somente podendo adquirir tal autoridade o acórdão que desse reexame sobrevier.
33 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 28. Não nos parece, contudo, que tais exemplos refiram-se verdadeiramente a sentenças inexistentes, mas respectivamente a decisões passíveis de invalidação e de plano ineficazes. O tema será abordado no item referente aos vícios da sentença eivada de inconstitucionalidade.
34 CÂMARA, Alexandre Freitas, op. cit. p. 392. No mesmo sentido, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia, op. cit., p. 84.
35 SLAIB FILHO, Nagib. Sentença cível. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 495. POLONI, Ismair Roberto. Técnica estrutural da sentença cível: juízo comum e juizado especial. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 60.
16
Como é intuitivo, nos casos de inexistência, embora haja uma aparência de
sentença, ainda que de mérito, jamais haverá coisa julgada, já que esta pressupõe decisão,
obviamente, existente.
1.3 A coisa julgada nas relações jurídicas continuativas.
De acordo com o inciso I do art. 471 do Código de Processo Civil, nenhum
juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativamente à mesma lide, salvo “se,
tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de
direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.
A particular redação de tal dispositivo pode conduzir à equivocada
conclusão de que a sentença que disciplina relação jurídica continuativa é imune à coisa
julgada. Contudo, a leitura mais atenta revela que a modificação do estado de fato é
pressuposto essencial da revisão do julgado, o que evidencia que o pedido deve
necessariamente assentar-se sobre fundamento diverso daquele subjacente à demanda
originária. Em outras palavras: há um novo pedido, fundado em uma nova causa de pedir, isto
é, uma nova demanda, cujo ajuizamento somente será necessário diante de determinadas
hipóteses, que a lei especifica36. Afinal, toda sentença está sujeita à cláusula rebus sic
standibus e, portanto, somente tem eficácia “enquanto se mantiverem inalterados o direito e o
suporte fático sobre os quais se estabeleceu o juízo de certeza”37.
36 V.g., alimentos e aluguéis fixados por sentença.37 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: RT, 2001. p.
89. Ao sustentar a subordinação da eficácia da sentença à cláusula rebus sic standibus com amparo em lições que remontam a James Goldschmidt, relembra o aludido autor que, se uma sentença declara que uma certa empresa está sujeita a uma específica contribuição social, bastará que uma lei superveniente revogue a anterior ou conceda isenção fiscal àquela empresa para que se esvaziem os efeitos da decisão; bem como que a cura do beneficiário do auxílio-doença faz cessar os efeitos da sentença que condena o INSS ao pagamento do benefício. Em ambos as hipóteses, a despeito da continuidade da relação entre as partes, a sentença tem seus efeitos automaticamente cassados em virtude da quebra da cláusula rebus sic standibus.
17
A alteração de estado dos pressupostos sobre os quais se assentou a
sentença, contudo, pode não ser suficiente para que seus efeitos se extingam. Assim é que,
consoante o art. 1699 do Código Civil, sobrevindo mudança na situação financeira do
alimentando, cabe a este “reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução
ou majoração do encargo” que lhe foi atribuído na sentença proferida em “ação de
alimentos”38.
De qualquer forma, apesar de, nesse caso, não bastar a alteração das
premissas fáticas e jurídicas que lhe servem de fundamento, a sentença que fixa alimentos39
também é passível de ter sua eficácia suprimida em virtude de tal fato. Diferentemente dos
casos que não contam com tal exigência legal, apenas não se prescinde, aqui, do ajuizamento
de uma nova demanda, por meio da qual essa alteração possa se fazer conhecida do órgão
julgador.
Como bem observa Adroaldo Furtado Fabrício,
"Não há necessidade alguma de se buscarem fórmulas dificultosas ou exceções aberrantes dos princípios gerais atinentes ao caso julgado para explicar-se a chamada ação de revisão. Rigorosamente, todas as sentenças contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, pelos critérios que vêm de ser expostos quanto à superveniência de fatos novos e até mesmo por simples aplicação dos critérios de identificação das demandas.Com efeito, todo o falso problema resulta de não levar-se em conta que a impropriamente dita ação de modificação (para redução, majoração, exoneração ou mesmo inversão) é outra demanda, fundada em causa petendi diversa da que estivera presente no processo anteriormente julgado.A ação de modificação claramente põe sob exame judicial, por hipótese, outra lide e propõe questões diversas das examinadas no processo anterior, a saber, as pertinentes às alterações intercorrentemente verificadas na situação de fato".40
Vê-se, assim, que a sentença decorrente da “ação de revisão”, na verdade,
dita uma nova disciplina, para uma nova situação. Não tem, pois, o condão de desconstituir a
coisa julgada referente à situação pretérita, agora desfeita e, portanto, esvaziada de seus
efeitos práticos.
38 A propósito da coisa julgada, o art. 15 da Lei 5.478/68 já era emblemático, pois dispunha que “a decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados”.
39 O mesmo pode ser dito em relação à sentença que fixa o valor de aluguéis, na forma da Lei 8.245/91.40 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. A coisa julgada. Ajuris, Porto Alegre, n. 52, p. 5-33, jul. 1991.
18
CAPÍTULO 2 - ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
2.1 Jurisdição constitucional.
Fonte criadora e organizadora do Estado – e, conseqüentemente, de seu
ordenamento jurídico – a Constituição é o fundamento último de validade de toda a
legislação, ao qual se subordina todo o ordenamento normativo.41 Daí dizer-se da Constituição
a lei fundamental ou suprema, ocupante do ápice da hierarquia das fontes.
De acordo com Hans Kelsen o conceito de norma fundamental
(Gründnorm) implica uma sistematização hierárquica que permite que, a partir de um ato ou
de uma norma jurídica, chegue-se, por fim, ao fundamento do próprio ordenamento vigente: a
Constituição.42 Assim, todas as leis e atos normativos que se deparem com o vazio ou com a
contrariedade invencíveis no percurso que leva à Constituição hão de ser tidos como
inválidos, o que importa na necessidade da existência de mecanismos de controle para a
retirada de tais normas do mundo jurídico, quer revelem-se incompatíveis com a norma
fundamental (“incompatibilidade vertical”) sob o aspecto material ou sob o aspecto formal.
Daí o porquê de a Constituição ser qualificada de soberana diante das demais normas.
41 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 1. v. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 86. PEÑA, Guilherme. Direito constitucional: teoria da constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 128.
42 Não se perca de vista que, de acordo com Kelsen, a Constituição jurídico-positiva, ou posta, também possui o seu fundamento, chamado “norma hipotética fundamental”, o qual prescreve obediência à primeira Constituição histórica. Por Constituição histórica, entenda-se aquele texto fundamental cuja elaboração não se encontra prevista em nenhuma disposição normativa anterior, não tendo os seus editores sido investidos de competência por nenhuma outra norma jurídica. Assim, a atual Constituição da República – norma fundamental posta – estaria hipoteticamente fundamentada no Ato Institucional n. 5/68. De observar, contudo, que tal fundamento encontra-se cingido a uma perspectiva dinâmica – relacionamento das normas a partir das regras de competência e daquelas reguladoras da sua produção – e não estático, que diz respeito ao relacionamento das normas a partir de seus conteúdos. Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 2.000. p. 24.
19
A supremacia da Constituição manifesta-se sob dois aspectos: o formal – ao
qual é subjacente a superioridade hierárquica da Constituição, porque promulgada pelo poder
constituinte originário, sobre as demais normas, inclusive sobre aquelas emanadas do poder
constituinte derivado43 – e o material, que revela a prevalência sobre as normas
infraconstitucionais, em grau de importância, das normas constitucionais, pelo fato de que
nelas se assenta a própria estrutura fundamental do Estado.44
É certo que toda situação de ameaça ou violação a direito – inclusive
aqueles previstos na Constituição da República – pode ser debelada por juízos de qualquer
grau de jurisdição, observadas obviamente as regras concernentes à competência funcional: é
o que assegura o art. 5o, XXXV, da Constituição da República. Mas a faceta do controle
jurisdicional que, por ora, mais interessa para os fins deste estudo é aquela que diz respeito ao
controle de constitucionalidade das normas, assim entendidas as leis – inclusive as emendas
constitucionais – e os atos normativos do poder público, o qual tem por escopo assegurar a
supremacia da Constituição: é a essa específica atividade dos órgãos judicantes que se
conveio chamar de jurisdição constitucional.45
A constitucionalidade dos preceitos normativos pode ser submetida ao
controle do Poder Judiciário46 pelo emprego de dois métodos: o difuso e o concentrado.
O controle difuso, também conhecido como controle aberto, por via de
exceção ou defesa, é aquele no qual a todo e qualquer juiz ou tribunal é permitida, na análise
43 O poder constituinte originário – “distinto, anterior e fonte de autoridade dos poderes constituídos” – é aquele que estabelece a Constituição de um novo Estado. Já o derivado “está inserido na própria Constituição, pois decorre de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, portanto, conhece limitações constitucionais expressas e é passível de controle de constitucionalidade”. O poder constituinte derivado, sempre limitado pelas normas emanadas do originário, subdivide-se em reformador, com competência para alterar o texto constitucional, e decorrente, relativo à aptidão dos Estados-membros para se auto-organizarem por meio de constituições estaduais. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 53-55.
44 PEÑA, op. cit. p. 128.45 Cf. ZAVASCKI, op. cit. p. 13. Também PEÑA, op. cit. p. 128. 46 Teori Albino Zavascki, invocando Cappelletti, ressalta o significativo destaque que esse poder fiscalizador
merece no âmbito da jurisdição constitucional, graças ao caráter institucional do “embate que provoca ao confrontar dois poderes do Estado”. Ibid. p. 16.
20
do caso concreto, a verificação da adequação das normas que compõem o ordenamento
jurídico à Constituição da República.47
No exercício de tal controle, podem (rectius: devem) os órgãos
jurisdicionais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo dissonante da
Constituição. Nessa hipótese, a declaração que vier a negar a aplicação da norma tida por
inconstitucional se dará incidenter tantum, no bojo da fundamentação da sentença que dispõe
sobre determinado caso, como pressuposto lógico do julgamento de pedido fundado na
existência ou inexistência de um direito subjetivo, individual ou transindividual.
O controle difuso não visa à supressão da eficácia de determinada lei ou ato
normativo com efeitos erga omines, até mesmo porque a declaração de inconstitucionalidade
não integra o objeto da demanda.
Pode ocorrer, contudo, de o Senado Federal “suspender a execução, no todo
ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal” (inciso X do art. 52 da Constituição da República).48 Para tanto, deverá ser
inicialmente provocado por comunicação expedida pelo Presidente do STF, representação do
Procurador-Geral da República, ou projeto de resolução de iniciativa da comissão de
constituição, justiça e cidadania, não estando, contudo, vinculado à edição da resolução
suspensiva da norma.49
Já o controle de constitucionalidade concentrado ou via de ação direta visa
à tutela da própria Constituição50, mediante a declaração de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, e tem aptidão para desfazer o ato “juntamente
47 MORAES, op. cit. p. 56548 A expressão “suspensão da execução” não é tecnicamente correta, pois, conforme já observado pelo STF, a lei não se sujeita à execução, mas ao fenômeno da incidência sobre fatos (RE 78533-SP, 2. T., rel. Min Firmino Paz, j. 13.11.1981, DJU 26.02.1982). Na verdade, a Resolução do Senado que “suspende a execução” da lei confere eficácia vinculante e erga omnes à decisão proferida pelo Supremo em controle difuso, importando “reconhecimento estatal de que a norma em questão jamais teve aptidão para incidir e, portanto, jamais incidiu em qualquer situação”, como “se houvesse uma ‘revogação’ ex tunc” (ZAVASCKI, op. cit. p. 94).49 Ibid. p. 567-568.50 Ibid. p. 17.
21
com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos
e, portanto, destituídos de qualquer carga e eficácia jurídica”51.
O objeto da demanda, aqui, está na própria constitucionalidade da lei ou do
ato normativo, cuja declaração – seja ela positiva ou negativa – põe a salvo a supremacia da
Constituição e, assim, atende ao valor-princípio da segurança, no qual obviamente se inscreve
a própria segurança jurídica52.
De acordo com Anna Cândida da Cunha Ferraz, apud Carlos Velloso, os
sistemas de controle difuso e concentrado apresentam certas vantagens e desvantagens, assim
enunciadas:
Controle difuso. Vantagens: a eficácia e rapidez da decisão no caso concreto; a possibilidade de o lesado por ato inconstitucional defender-se direta e imediatamente; a natureza “jurídica” e não “política” da questão constitucional. Desvantagens: a desarmonia dos julgados, com a desvalorização das decisões de declaração de inconstitucionalidade; a diluição do poder de controle pelas centenas de juízos e tribunais; o descrédito diante de decisões díspares. Controle concentrado. Vantagens: a certeza do direito; a economia processual. Uma só decisão põe fim a milhares de ações; o aprofundamento do exame das questões de inconstitucionalidade; a maior autoridade do órgão julgador. Desvantagens: o perigo da exacerbação do poder do órgão julgador único; a subtração, na prática, da interpretação constitucional aos juízes e tribunais. Acrescentaria: a declaração de inconstitucionalidade é proferida quase que imediatamente à promulgação do ato normativo, sem que a norma seja debatida e examinada por juristas e doutrinadores. No controle difuso o julgamento pela Corte Suprema dá-se após debate axaustivo na sinstâncias inferiores, o que constitui, sem dúvida, uma vantagem deste.53
No ordenamento brasileiro, ambas as formas de controle estão presentes.
Daí dizer-se que o Brasil adota um sistema misto de controle de constitucionalidade,
vocacionado a proporcionar o equilíbrio entre o controle difuso e o concentrado, “explorando
as vantagens e minimizando as desvantagens de um e de outro”.54
51 MORAES, op. cit. p. 599.52 Sobre a relação entre a segurança jurídica e o princípio-valor da segurança, confira-se SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 10 de jan. 2004. Esse texto, que nos foi gentilmente remetido por correio eletrônico por seu notável autor, encontra-se publicado na obra coletiva organizada pela professora Cármen Lúcia Antunes Rocha, Constituição e segurança jurídica, Editora Fórum, Belo Horizonte, cuja primeira edição saiu do prelo no ano de 2004.
53 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha, apud VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da jurisdição constitucional: aspectos inovadores no controle concentrado de constitucionalidade. In: CALMON, Eliana. BULOS, Uadi Lammêgo (Coord.). Direito processual: inovações e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 173.
54 MORAES, op. cit. p. 565.
22
A par de uma residual relevância da suspensão, pelo Senado Federal, da
execução de lei declarada inconstitucional pelo STF por via de controle difuso, para os fins
deste estudo interessa principalmente a declaração de inconstitucionalidade em controle
concentrado. Será esse, portanto, o objeto de análise do tópico a seguir.
2.2 Declaração de inconstitucionalidade em controle concentrado pelo STF.
Existem diferentes espécies de controle concentrado previstas na
Constituição da República. Alexandre de Moraes aponta a ação direta de
inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, a), a ação direta de inconstitucionalidade
interventiva (art. 36, III), a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 36, §2º) e a
ação declaratória de constitucionalidade (parte final da alínea “a” do inciso I do art. 102; EC
nº 03/93)55. Teori Albino Zavascki refere, ainda, o mandado de injunção, previsto no inciso
LXXI do art. 5o da Constituição da República, como forma de controle concentrado da
inconstitucionalidade por omissão.56
Para o presente trabalho, têm especial relevância os efeitos da ação direta de
inconstitucionalidade genérica, prevista no artigo 102, I, a da Constituição da República,
segundo o qual “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
A propósito, para além da declaração de inconstitucionalidade, parcial ou
integral, outras duas possibilidades são expressamente previstas pelo parágrafo único do art.
28 da Lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
55 Ibid. p. 581-582. 56 ZAVASCKI, op. cit. p. 17.
23
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal: a interpretação conforme à Constituição e a declaração parcial de
inconstitucionalidade sem redução de texto.
A interpretação conforme à Constituição tem assento na presunção de
constitucionalidade das leis e dos atos normativos do poder público, presunção essa que dita a
preferência por uma interpretação que aponte para a adequação da norma à Constituição da
República, sempre e somente quando se puder vislumbrar um outro significado, contrário à
Lei Maior.
Por meio da interpretação conforme, evita-se a declaração de
inconstitucionalidade da norma e a sua conseqüente retirada do ordenamento jurídico57,
suprimindo-se determinada expressão do texto impugnado (interpretação conforme com
redução de texto), ou, na impossibilidade de extrair-se qualquer dos elementos textuais,
simplesmente optando-se por determinado significado compatível com a Constituição ou,
ainda, excluindo-se o significado tido por incompatível (interpretação conforme sem redução
de texto).
Obviamente, se o texto for unívoco, não admitindo interpretação que não se
choque com a Constituição, não haverá espaço para a interpretação conforme.
Por seu turno, por meio da declaração de inconstitucionalidade sem
redução de texto, “o Supremo mantém íntegro o texto legal impugnado e, no entanto, declara
a inconstitucionalidade de determinado alcance ou sentido que seria inequivocamente
extraível daquele texto”58.
Na verdade, não é difícil chegar-se à percepção de que tais mecanismos se
complementam, uma vez que “diversas vezes para se atingir uma interpretação conforme a
57 MORAES, op. cit. p. 43.58 TALAMINI, Eduardo. Embargos de execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade. Revista de
Processo. São Paulo, ano 27, n. 106, p. 39-81, abr-jun 2002.
24
Constituição, o intérprete deverá declarar a inconstitucionalidade de algumas interpretações
possíveis do texto legal, sem contudo alterá-lo gramaticalmente”.59
2.3 Efeitos da declaração de inconstitucionalidade em controle concentrado.
A doutrina identifica dois sistemas que dizem respeito aos efeitos derivados
do controle judicial da constitucionalidade das leis e atos normativos: o norte-americano e o
austríaco.60
Segundo o modelo norte-americano, a lei inconstitucional é considerada
absolutamente nula e ineficaz, de modo que a decisão judicial apenas declara a nulidade da lei
inconstitucional, operando-se, assim, efeitos ex tunc, retroativos.
Uma vez declarado o vício pré-existente, é como se a lei jamais houvesse
adentrado o ordenamento jurídico.
No modelo austríaco, inspirado na doutrina de Hans Kelsen, a Corte
Constitucional não declara uma nulidade, mas anula a lei em desconformidade com a
Constituição. A natureza da decisão é constitutiva negativa, produzindo-se efeitos ex nunc.
É importante ressaltar que a Corte Constitucional austríaca tem o poder de
fixar a partir de que data a lei inconstitucional deixará de produzir efeitos, ou seja, o Tribunal
pode anular a lei a partir de uma data posterior ao seu pronunciamento, contanto que não
ultrapasse um ano da data do decisum por ele proferido.
O controle concentrado da constitucionalidade de lei ou ato normativo do
poder público no direito brasileiro inspira-se no sistema norte-americano: via de regra,
59 MORAES, op. cit. p. 46. A esse propósito, anota Talamini – op. loc. cit – que atualmente “em diversos pronunciamentos, alude-se simultaneamente à ‘interpretação conforme’ e à ‘declaração sem redução”, concluindo que “a diferente terminologia retratou muito mais uma evolução acerca do papel e do alcance do controle direto de constitucionalidade do que propriamente uma duplicidade de técnicas”.
60 Cf. OLIANE, José Alexandre Manzano. Impugnação de sentença transitada materialmente em julgado, baseada em lei posteriormente declarada inconstitucional em controle concentrado pelo STF: ação rescisória ou declaratória de inexistência? Revista de Processo. São Paulo, ano 28, n. 112, p. 221-239, out.-dez. 2003.
25
declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão,
notoriamente vinculante dos demais órgãos do Poder Judiciário, produzirá efeitos ex tunc e
erga omnes61. Vale dizer: os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal retroagem, desde
a sua origem, desfazendo a norma declarada inconstitucional e as conseqüências dela
emanadas.62
No entanto, consoante o art. 27 da Lei 9.868/99,
ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços dos seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ao decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento a que venha a ser fixado.
Assim, concedeu-se ao Supremo Tribunal Federal o poder de modular os
efeitos da declaração de inconstitucionalidade, seja em relação à sua amplitude, seja em
relação ao tempo, desde que atendidos os requisitos formal – decisão por maioria de dois
terços do tribunal – e material – presença de razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social. Com isso, reforça-se a tese de que os atos inconstitucionais são nulos,
reconhecendo-lhes, entretanto, eficácia nas restritíssimas hipóteses em que, de outra forma,
prejuízos consideráveis adviriam para além do plano individual. Nessas hipóteses, cabe ao
Supremo Tribunal Federal ponderar os princípios em conflito: de um lado, o da nulidade das
normas inconstitucionais em face da Supremacia da Constituição e, de outro, os da segurança
jurídica e do interesse social e, pendendo para estes, modular os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade na forma autorizada pela mencionada lei.63
Em relação aos excepcionais efeitos temporais, é mais do que óbvio que não
serão retroativos nos casos em que fixados a partir do trânsito em julgado da decisão.
61 MORAES, op. cit. p. 599-600. ZAVASCKI, op. cit. p. 48-54.62 É esta a lição de Alexandre de Moraes: “Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Gilmar Mendes Ferreira nos aponta que na Alemanha, a fórmula tradicional explicita que a lei é “ é inconstitucional e, por isso, nula” (Das Gesetz ist verfassungwidrig und daher nichiig). Vincula-se, destarte, determinada situação – a inconstitucionalidade - à conseqüência jurídica – nulidade. Contra esta posição, Hans Kelsen, para quem os atos inconstitucionais são anuláveis ex tunc (Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1986. p. 374) e Manuel Gonçalves Ferreira Filho (Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva. p. 37)”. Cf. op. cit. p. 599.
63 ZAVASCKI, op. cit. p. 49-50.
26
Decidindo-se, porém, pela produção dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade a
partir de um momento escolhido pelo próprio Tribunal, que não o do trânsito em julgado do
acórdão, o termo inicial deverá situar-se entre a edição da norma e a publicação oficial da
decisão, de forma que “não poderá o STF estipular como termo inicial para a produção dos
efeitos da decisão data posterior à da publicação no Diário Oficial, uma vez que a norma
inconstitucional não mais pertence ao ordenamento jurídico, não podendo permanecer
produzindo efeitos”.64
Para além dos efeitos declaratórios, há de ser observado que o acolhimento
do pedido formulado em Ação Direta de Inconstitucionalidade e a rejeição do pedido
formulado em Ação Direta de Constitucionalidade também têm o condão de “efetuar
modificações no estado de direito”65: o efeito, aqui, embora, via de regra, também retroativo, é
(des)constitutivo, na medida em que “a norma, que até então pertencia ao ordenamento
jurídico, é dele retirada”66.
À vista do que foi dito, é importante que não se confundam o marco inicial
dos efeitos da própria declaração em controle direto com o marco inicial da eficácia erga
omnes da decisão do Supremo, pois, como é intuitivo, os efeitos vinculantes do acórdão que
declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma determinada lei ou ato
normativo somente hão de retroagir à data de sua publicação no Diário Oficial.67
64 MORAES, op. cit. p. 601.65 ZAVASCKI, op. cit. p. 98.66 TALAMINI, op. cit. p. 51.67 ZAVASCKI, op. cit. p. 99.
27
CAPÍTULO 3 - A “COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL”
3.1 A coisa julgada na Constituição da República.
Não é de hoje que o direito constitucional brasileiro dispensa atenção à
coisa julgada, tal qual faz a atual Constituição da República ao dispor, no inciso XXXVI de
seu art. 5o, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada”: também o faziam o art. 113, “3”, da Constituição de 1934, o parágrafo 3o do art. 141
da Constituição de 1946 e o parágrafo 3o da Constituição de 1967.
Diante dessa previsão, tem-se sustentado a elevação da coisa julgada, do
direito adquirido e do ato jurídico perfeito ao patamar de garantias materiais de índole
constitucional.
Neste sentido, Francisco Gérson Marques de Lima ressalta que os institutos
em tela são “autênticos elementos da segurança jurídica, e são corolários indissociáveis do
Estado de Direito”.68
Apontando a relação entre a segurança jurídica e coisa julgada, Dinamarco
acerta que a coisa julgada “tem acima de tudo o significado político-institucional de assegurar
a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional”69, ao passo que
Ingo Wolfgang Sarlet ressalta que a vinculação da proteção da coisa julgada ao princípio da
segurança jurídica em suas dimensões objetiva (continuidade do ato estatal) e subjetiva
(confiança dos indivíduos nessa continuidade e, assim, na manutenção de suas próprias
68 Cf. LIMA, Francisco Gérson Marques de. Fundamentos constitucionais do processo sob a perspectiva da eficácia dos direitos e garantias fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 211-212.
69 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. p. 302.
28
posições jurídicas) encontra ampla sustentação na doutrina, na jurisprudência e – ainda que
por vezes implicitamente – no próprio direito constitucional positivo dos Estados de Direito.70
No mesmo sentido manifesta-se Leonardo Greco, para quem “a coisa
julgada é [...] um verdadeiro direito fundamental, como instrumento indispensável à eficácia
concreta do direito á segurança, inscrito como valor e como direito no preâmbulo e no caput
do art. 5º da Constituição de 1988”.71
Gilmar Ferreira Mendes chega a afirmar que nem mesmo a declaração de
inconstitucionalidade de lei com efeitos ex tunc tem o condão de desfazer a coisa julgada, pois
a Constituição da República impõe “uma ressalva expressa a essa doutrina da
retroatividade: a coisa julgada. Embora a doutrina não se refira a essa peculiaridade, tem-se
por certo que a pronúncia de inconstitucionalidade não faz tabula rasa da coisa julgada
erigida pelo constituinte em garantia constitucional”.72
No entanto, à míngua de outro dispositivo constitucional que aborde o
instituto, prestigioso segmento doutrinário tem sustentado que a regra inscrita no inciso
XXXVI do art. 5o da Constituição da República tem por único destinatário o legislador,
sendo-lhe subjacente mero “tema de direito intertemporal”, do que se segue que a
intangibilidade da coisa julgada não teria sede constitucional, resultando apenas da disciplina
que lhe é dada pelo Código de Processo Civil.73
Ora, não seria de se esperar que a Constituição da República disciplinasse
minuciosamente os institutos de direito processual e seu modo-de-ser. Na verdade, a função
da Lei Maior, no que diz com o processo, está muito mais afeta à estruturação da ordem
70 SARLET, op. loc. cit.71 GRECO, Leonardo. Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou inconstitucionalidade
em relação à coisa julgada anterior. Disponível em <http://mundojurídico.com.br> Acesso em: 24 dez. 2004.
72 MENDES, Gilmar Ferreira. Apud MARINONI, Luiz Guilherme. Relativizar a coisa julgada material? Disponível em <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo15.htm> Acesso em: 04 nov. 2004.
73 Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. FARIA, Juliana Cordeiro. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord). Coisa julgada inconstitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 94-95.
29
jurídica e à reserva axiológica da justiça.74 Daí não dispor a Constituição sobre as regras
atinentes, por exemplo, ao mandado de segurança (art. 5o, LXIX) e nem por isso se negar a tal
remédio uma tradicionalíssima estatura constitucional. Não é, pois, a disciplina minuciosa do
instituto que define se o seu assento é, ou não, constitucional.
Por outro lado, não estivesse o constituinte preocupado com a afirmação da
coisa julgada como garantia constitucional, mas tão-somente com a consagração do princípio
da irretroatividade da lei, bastaria que deixasse a referência ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquirido e à coisa julgada repousando em sua longeva morada de superdireito
infraconstitucional – art. 6o da Lei de Introdução ao Código Civil –, ou repetisse a fórmula
assente na Constituição do Império, segundo a qual nenhuma disposição de lei teria “effeito
retroactivo”75, ou, ainda, tal como na primeira Constituição republicana, apenas vedasse aos
entes federativos que prescrevessem leis retroativas, sem ao menos arrolar tal preceito entre as
garantias da “declaração de direitos” (Seção II do Título IV).76
Em suma, embora não discipline o regime da coisa julgada, a Constituição
da República a reconhece como verdadeira garantia fundamental, “a qual não pode ser
restringida, inclusive, por lei posterior”77. Inclusive, frise-se, e não apenas.
74 Nesse sentido, CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: RT, 2001. p. 94-96,
75 Tal era a redação do art. 179 da Constituição de 1824: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica. III. A sua disposição não terá effeito retroactivo. IV. [...].” O referido artigo encontrava-se disposto no Título 8o – “Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros”.
76 Assim dispunha o artigo 11 da Constituição de 1896: Art. 11. É vedado aos Estados, como à União: 1º ) criar impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros Estados da República ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de terra e água que os transportarem; 2º ) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; 3º ) prescrever leis retroativas. Tal regra encontrava-se inserida nas disposições preliminares do Título I, dedicado à “Organização Federal”.
77 CAMBI, Eduardo. Coisa julgada e cognição secundum eventum probationis. Revista de Processo, São Paulo, SP, ano 28, n. 109, p. 70-96, jan-mar. 2003.
30
3.2 “Relativização da coisa julgada” e “coisa julgada inconstitucional”.
Tal como exposto no primeiro capítulo deste trabalho, o fundamento da
coisa julgada é puramente prático: ela existe graças à opção legislativa pela estabilidade das
relações jurídicas atingidas pelo efeito da sentença. Por isto, afirma Luiz Fux que “o
fundamento substancial da coisa julgada é eminentemente político, posto que o instituto visa à
preservação da estabilidade e segurança sociais”.78
A decisão judicial já acobertada pela coisa julgada pode, contudo, ser
atacada, excepcionalmente, por “ação rescisória”, meio de impugnação que não se confunde
com os recursos e cujo ajuizamento dá ensejo a um novo processo. A respeito da ação
rescisória, dispõe o art. 485 do CPC, verbis:
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:I – se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;III – resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;IV – ofender a coisa julgada;V – violar literal disposição de lei; VI – se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;VII – depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;VIII- houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;IX – fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.§ 1º Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamento ocorrido.§ 2º É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.
A admissibilidade da ação rescisória, no entanto, restringe-se às hipóteses
taxativamente previstas no referido artigo – as quais revelam a opção legislativa pela
prevalência de determinados valores, quando em choque com a garantia da coisa julgada – e à
observância do prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão
(CPC, art. 495) – o que revela a necessidade de atender-se ao reclamo de estabilização da
78 FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 694.
31
posição jurídica dos litigantes, sem a qual jamais se poderia falar na confiança nos atos
jurisdicionais e na segurança que deve acompanha-la.
Decorrido o referido prazo, impera o fenômeno da coisa soberanamente
julgada, ou seja, a impossibilidade não só de anular-se ou substituir-se a sentença por meio da
interposição de recurso, mas também a de desconstituí-la por meio da ação rescisória, ainda
que a solução dada ao caso possa ensejar certa perplexidade. Valem aqui as palavras de
Barbosa Moreira: “Se o resultado é injusto, paciência. O que passou, passou”.79
Diante desse quadro e da falibilidade de que é naturalmente dotado o ser
humano, imagina-se facilmente que a coisa julgada possa vir a imunizar, casuisticamente,
algumas decisões contrárias a certos valores e princípios fundamentais. Em face de tal
constatação, um segmento da doutrina tem reclamado por uma relativização ou
desmistificação daquilo a que conveio chamar-se o dogma da coisa julgada.80
Segundo Teresa Arruda e José Miguel Garcia Medina,
o instituto da coisa julgada, tal qual vinha sendo concebido pela doutrina tradicional, já não corresponde mais às expectativas da sociedade, pois a segurança que, indubitavelmente, é o valor que está por detrás da construção do conceito de coisa julgada, já não mais se consubstancia em valor que deva ser preservado a todo custo, à luz da mentalidade que vem prevalecendo.81
Em trabalho primoroso, Carlos Valder do Nascimento registra “que alguns
estudos vêm sendo feitos, na tentativa de demonstrar a admissibilidade de se recorrer a uma
ação autônoma de impugnação contra a coisa julgada inconstitucional”, buscando-se
consolidar o entendimento de que “não é absoluto o princípio da imutabilidade da res
79 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro, op. cit. p. 99.
80 Os que adotam a expressão “relativização da coisa julgada” não levam em conta que essa é uma das inúmeras garantias individuais relativas, o que se percebe muito facilmente diante das hipóteses de cabimento da ação rescisória, da impugnação ou dos embargos à execução fundados em nulidade de citação (inciso I do art. 475-L do CPC) e da chamada coisa julgada secundum eventum litis (art. 18 da Lei 4.717/65, art. 16 da Lei 7.347/85 e arts. 103 e 104 da Lei 8.078/90). Contudo, em face dos vínculos que unem a coisa julgada ao valor-princípio da segurança, teve o legislador o cuidado de enumerar as hipóteses em que essa relativização se faz necessária e, portanto, autorizada, hipóteses essas que evidentemente dizem respeito ao resguardo de valores e princípios também constitucionalmente tutelados. Exatamente por isto não se poder tachar de materialmente inconstitucionais as disposições infraconstitucionais calcadas nessa relatividade da coisa julgada.
81 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA. José Miguel Garcia, op. cit. p. 13.
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judicata”.82 Cita, então, a concepção de diferentes doutrinadores, referindo que Paulo Otero
sustenta a impugnação da sentença desconforme às normas constitucionais, ainda que já tenha
ocorrido o trânsito em julgado; que Paulo Roberto de Oliveira Lima admite a revisão das
decisões trânsitas em julgado que se chocarem frontalmente com o princípio constitucional da
legalidade; que Cândido Dinamarco prega o afastamento da coisa julgada quando se esteja
diante de decisões evidentemente injustas e, portanto, não toleradas pela ordem
constitucional; que Humberto Theodoro Junior recusa a possibilidade de superveniência de
sentenças materialmente nulas em razão de vício de inconstitucionalidade; e que José Augusto
Delgado proclama que as sentenças eivadas de injustiça, imoralidade e ataques à Constituição
não transitam em julgado, já que os valores da legalidade, da moralidade e da justiça
sobrepõem-se ao da segurança jurídica.83
Por seu turno, o próprio José Augusto Delgado indica os seguintes exemplos
de sentenças injustas e ofensivas aos princípios da legalidade e da moralidade e atentatórias à
Constituição, as quais, segundo o referido jurista, “nunca terão força de coisa julgada e
poderão, a qualquer tempo, ser desconstituída (sic), porque praticam agressão ao regime
democrático no seu âmago mais consistente”:
a) a declaratória de existência de preclusão quando esse fenômeno processual inexiste por terem sido falsas as provas em tal sentido;
b) a expedida sem que o demandado tenha sido citado com as garantias exigida (sic) pela lei processual;c) a originária de posição privilegiada da parte autora que, aproveitando-se de sua própria posição de monopólio e do estado de necessidade do réu, demanda a este por razão de um crédito juridicamente infundado;d) a baseada em fatos falsos depositados durante o curso da lide;e) a reconhecedora da existência de um fato que não está adequado à realidade;f) a sentença conseguida graças a um perjúrio ou a um juramento falso;g) a ofensiva à soberania estatal;h) a violadora dos princípios guardadores da dignidade humana;i) a provocadora de anulação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;j) a que estabeleça, em qualquer tipo de relação jurídica, preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 1o e 3o da CF);k) a que obrigue a alguém a fazer alguma coisa ou deixar de fazer, contrário à lei;l) a que autorize a prática de tortura, tratamento desumano ou degradante de alguém;
82 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa julgada inconstitucional. In: ______ (Coord). Coisa julgada inconstitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 16.
83 Ibid. p. 16-20.
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m) a que julga válido ato praticado sob forma de anonimato na manifestação de pensamento ou que vede essa livre manifestação;n) a que impeça a liberdade de atuação dos cultos religiosos;o) a que não permita liberdade na atividade intelectual, artística, científica e de comunicação;p) a que consagra a possibilidade de violação ao direito da intimidade, da vida, da honra e da imagem das pessoas;q) a que abra espaço para a quebra do sigilo da correspondência;r) a que impeça alguém de associar-se ou de permanecer associado;s) a que torne nenhuma a garantia do direito de herança;t) a que inviabilize a apsentadoria do trabalhador;u) a que reduza o salário do trabalhador, salvo o caso de convenção ou acordo coletivo;v) a que autorize a empresa, por motivos de dificuldades financeiras, a não pagar o 13o salário do trabalhador;w) a que não conceda a remuneração do trabalho noturno superior ao diurno;x) a que não permita o gozo de férias anuais remuneradas;y) a que não reconheça como brasileiros natos os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;z) a que estabeleça distinção entre brasileiros natos e naturalizados, além dos casos previstos na CF;aa) a que permita a brasileiros naturalizados exercerem os cargos de Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados; Presidente do Senado Federal, ser Ministro do SFT (sic), ser Oficial das Forças Armadas e outros cargos (art. 12, § 3o);bb) a que proíba a União executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e fazendária – XXI, do art. 21;cc)a que autorize alguém a assumir cargo público descumprindo os princípios fixados na CF e nas leis específicas;dd) a que ofenda, nas relações jurídicas de direito administrativo, o princíoio da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e da publicidade;ee)a que reconheça vitalício no cargo de juiz com, apenas, um ano de exercício;ff) a que atente contra os bons costumes, os valores morais da sociedade, que reconheça casamento entre homem e homem, entre mulher e mulher;gg) a que, no trato de indenização de propriedade pelo poder público, para qualquer fim, não atenda ao princípio da justa indenização; ehh) a que considere eficaz e efetiva dívida de jogo ilícito.84
A respeito das sentenças tendentes a eternizar situações injustas, a que
alude, como visto, a lição de Dinamarco, pode-se invocar ainda o pensamento de Teresa
Alvim e José Miguel Garcia Medina, referente às inovações científicas na investigação de
paternidade. A princípio, tais autores sustentam que o resultado de exame de DNA contrário à
solução dada à causa pode ser considerado “documento novo” e, assim, instruir ação que vise
a rescindir sentença que tenha declarado a existência ou a inexistência de vínculo genético.85
Movendo-se, no entanto, para além de tal proposição, sugerem a equiparação da situação
daquele que não é filho e, ainda assim, obtém a declaração da existência da relação de filiação
84 DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e princípios constitucionais. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa julgada inconstitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 16.
85 Op. cit. p. 202.
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àquela em que a sentença de mérito foi proferida, sem embargo da ilegitimidade da parte
autora. E arrematam: “portanto, não é o caso de ação rescisória, nem de incidência da
limitação do prazo do art. 495”.86
Percebe-se claramente nas manifestações coletadas a preocupação dos
diferentes juristas quanto à prevalência de determinados valores, princípios e regras,
notadamente de índole constitucional, sobre a imutabilidade da sentença.87 Mas não se pode
deixar de observar que a teoria da “relativização da coisa julgada” aplica-se a outras
hipóteses, que não apenas a de sentença eivada de inconstitucionalidade, muito embora seja
esta a que mais interessa ao presente estudo e à qual ora dedica-se especial atenção.
3.3 Defeitos da “coisa julgada inconstitucional”.
Tal como observado no item precedente, vislumbra-se em determinado
segmento doutrinário a teoria segundo a qual, em certas hipóteses, a sentença transitada em
julgado poderia ser atacada por meios diversos daqueles legalmente previstos: a tal
possibilidade se tem denominado relativização da coisa julgada.
Dentre as hipóteses em que seria cabível a relativização da coisa julgada,
ressalta a da sentença desconforme às normas constitucionais, a que se tem referido pela
expressão coisa julgada inconstitucional88, muito embora o que se tenha por inconstitucional
seja a sentença e não a sua imutabilidade: é o preceito imperativo emitido pelo Poder
Judiciário que ofende a Constituição da República ou, mais freqüentementente, repousa sobre
pressupostos lógicos desconformes aos valores e normas implícita ou explicitamente
86 Ibid. p. 203.87 Como bem acentuam Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia de Medina, “não se trata de
opiniões diferentes, mas, mais do que isso, trata-se de enfoques diferentes”. Cf. op. cit. p. 13.88 Confiram-se, por exemplo, os títulos dos textos de autoria de Carlos Valder do Nascimento e de Humberto
Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria, publicados na obra coletiva Coisa julgada inconstitucional e referidos ao longo deste estudo.
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subjacentes ao texto constitucional, não a estabilidade que passa a qualificá-lo após esgotadas
as possibilidades de recurso.
Diante do que acaba de ser dito, releva frisar a manifestação de José Carlos
Barbosa Moreira, em palestra proferida no dia 13 de agosto de 2004, no auditório da Escola
da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro: bem apontou o ilustríssimo processualista o
equívoco da expressão “coisa julgada inconstitucional”, relembrando que, nos exemplos
comumente referidos, a inconstitucionalidade repousaria sobre o conteúdo da sentença, sobre
a norma jurídica concreta formulada para se pôr fim ao conflito de interesses. A imutabilidade
da decisão, por si só, não contraria a Constituição da República; já a própria sentença não está
isenta de contrariá-la.
Em outras palavras: a sentença, tal como a lei ou outro ato qualquer, pode
ter o selo da inconstitucionalidade, quer por implicar direta violação à Constituição, quer por
ostentar aplicação de norma inconstitucional, ainda que tal norma não tenha sido objeto de
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral, quer por fundar-se em
equivocada declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade de uma norma
constitucional, a qual se nega aplicação.89
Sobre a aplicação do adjetivo inconstitucional, discorre Teori Albino
Zavascki:
É equivocada [...] a idéia de que a inconstitucionalidade é apenas a incompatibilidade da norma com a Constituição, ou, em outras palavras, que apenas o legislador comete ofensa à Carta Magna. Na verdade, as “inconstitucionalidades” podem derivar do comportamento de vários agentes e ser perpetradas por diversos modos. Inconstitucional será o ato ou a omissão do particular não-compatível com o catálogo dos deveres que a Constituição lhe impõe ou com os direitos que assegura a outrem. Inconstitucional será também o ato ou omissão do administrador público, quando não observar os mandamentos e princípios da boa administração ou não atender aos direitos subjetivos públicos previstos na Carta Constitucional. Inconstitucional será o ato do juiz que desrespeitar, no comando do processo, as garantias e prerrogativas dos litigantes. E assim por diante.90
89 THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro, op. cit. p. 103, nota n. 66. 90 ZAVASCKI, op. cit. p. 14-15.
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É certo, portanto, que não se pode negar às decisões judiciais a natureza de
verdadeiros atos estatais, os quais devem estar em consonância com os ditames da
Constituição da República. Por conseguinte, é lícito falar em decisão inconstitucional
transitada em julgado, significando que tal ato judicial, apesar de viciado, já não pode ser
desafiado por qualquer recurso. Mas a expressão coisa julgada inconstitucional – repita-se –
afigura-se tecnicamente equivocada.91
Mas que espécie de invalidade se configura quando a sentença transitada em
julgado padece do vício de inconstitucionalidade?
De acordo com Teresa Alvim, em posição sabidamente minoritária, a
sentença que acolhe pedido fundado em lei inconstitucional é, como já referido, inexistente.
Isto porque, segundo o seu entendimento, a inconstitucionalidade da norma implicaria pedido
juridicamente impossível e, portanto, a falta de uma das “condições da ação”. Nessa peculiar
linha de raciocínio, “não há sentença sob o ponto de vista jurídico, e, portanto, não há trânsito
em julgado”.92
De outra parte, asseveram Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de
Faria que a contrariedade à lei conduz à nulidade ou à anulabilidade do ato, afetando-o no
plano da validade, não no da existência. Especificamente quanto à sentença maculada por
inconstitucionalidade, asseveram que “a exemplo do que se dá com a lei inconstitucional, o
ato judicial é nulo”.93
Compartilha dessa opinião José Alexandre Manzano Oliani, para quem as
sentenças transitadas materialmente em julgado sujeitam-se apenas à nulidade absoluta, já que
91 Daí encontrar-se entre aspas no título do presente trabalho.92 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. São Paulo: RT, 2004. p.
412.93 Op. cit. p. 100 e 104.
37
as relativas, se não atacadas no curso do processo, sanam-se pela preclusão.94 A respeito da
inexistência jurídica, assinala que não se trata de
espécie de vício da sentença, haja vista que algo inexistente (juridicamente) não pode ser viciado e tampouco pode uma sentença inexistente passar em julgado, ou seja, a algo que não existe não pode se tornar imutável e indiscutível. Conseguintemente, somente as nulidades absolutas sobrevivem à formação da coisa julgada material e tornam a sentença transita materialmente em julgado impugnável pela ação rescisória.95
De fato, não parece razoável cogitar-se de inexistência da sentença
desconforme à Constituição, uma vez que seus elementos configuradores estejam todos
presentes. De resto, cabe salientar que não há expressa vedação de cunho processual à
formulação de pedido fundado em lei inconstitucional – este, se acolhido, sujeita a sentença
aos mais variados recursos e, por fim, à desconstituição por via de ação rescisória, com
amparo no inciso V do art. 485 do CPC; afinal, a Constituição é, ela mesma, uma lei em
sentido estrito.
De outra parte, nem a própria lei inconstitucional é inexistente: tanto existe,
que a sua retirada do mundo jurídico exige o ajuizamento de ação declaratória de
inconstitucionalidade. E, a par das decisões proferidas à luz de norma processual
inconstitucional reguladora de requisitos de validade da sentença (v.g., sentença sem
fundamentação proferida em conformidade a uma lei hipotética que dispensava o juiz de
motivar os atos decisórios) ou de atos processuais que necessariamente repercutam sobre ela
(v.g., rejeição de pedido de indenização por danos morais por falta de provas, sob a regência
de uma hipotética lei que peremptoriamente proibia a produção de prova oral), a sentença
desconforme à Constituição nem mesmo nula seria: seria, sim, sentença simplesmente errada
ou injusta.96 Em outras palavras, o defeito da sentença que, no mérito, aplica norma
94 OLIANI, José Alexandre Manzano. Impugnação de sentença transitada materialmente em julgado, baseada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo STF: ação rescisória ou declaratória de inexistência? Revista de Processo, São Paulo, SP, ano 28, n. 112, p. 221-239, out.-dez. 2003. O referido processualista refere-se à nulidade como se fosse o próprio vício; contudo, é certo que qualquer invalidade decorre de um vício ou defeito, com os quais não se confunde. O vício, no caso, é a própria inconstitucionalidade, do que decorre a invalidade (gênero) – no entender do autor, nulidade absoluta (espécie).
95 Ibid.p.225.96 TALAMINI, op. cit. p. 53.
38
inconstitucional reside no conteúdo da solução dada à causa. Trata-se, pois, de mero error in
judicando, cuja correção pressupõe o manejo dos meios de impugnação postos à disposição
da parte inconformada.
3.4 Meios de impugnação.
Ante a possibilidade de a sentença revelar-se desconforme à Constituição,
faz-se necessária a existência de mecanismos aptos a assegurar a prevalência da supremacia
constitucional sobre tal vício.
Até o trânsito em julgado, sucessivos recursos podem ser interpostos
visando a sanar a inconstitucionalidade da sentença, ainda que maculada por vício passível de
invalidá-la. Após, não se pode negar o cabimento de ação rescisória para impugnar o julgado
violador de disposição constitucional, com amparo no inciso V do art. 485 do CPC.
Considerando-se, contudo, que, sob o prisma da teoria da “relativização da
coisa julgada”, excluem-se a interposição de recurso e o ajuizamento da ação rescisória, cabe-
nos mencionar as alternativas que têm sido levantadas pela doutrina.
Pontes de Miranda já vislumbrava a possibilidade de se suscitar a
inconstitucionalidade de sentenças passadas em julgado, sugerindo que a oposição aos efeitos
da decisão assim viciada poderia se fazer por meio de
(a) propositura de nova demanda igual á primeira, desconsiderada a coisa julgada, (b) a resistência à execução, por meio de embargos a ela ou mediante alegações incidentes ao próprio processo executivo e (c) a alegação incidenter tantum em algum outro processo, inclusive em peças defensivas.97
Complementando esse rol, aponta Cândido Rangel Dinamarco a ação
declaratória de nulidade absoluta e insanável da sentença, a ação rescisória, mandado de
97 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de, apud BERALDO, Leonardo de Faria. A relativização da coisa julgada que viola a constituição. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord). Coisa julgada inconstitucional.3.ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 168.
39
segurança se houver liquidez-e-certeza, ação declaratória de ineficácia e ação declaratória
negativa de certeza.98
De sua parte, Leonardo de Faria Beraldo indica a possibilidade de afastar a
coisa julgada da sentença inconstitucional mediante “os embargos à execução ou então uma
ação declaratória ordinária, como sobrevivência da antiga querela nullitatis”.99
Também à querela nulitatis fazem menção Humberto Theodoro Junior e
Juliana Cordeiro de Faria, pondo-a ao lado dos embargos à execução e da ação rescisória
como meio apto à impugnação das sentenças que, por padecerem de vício de
inconstitucionalidade, são, segundo entendem, eivadas de nulidade ipso iure.100
Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Medina manifestam-se no
sentido de que a ação rescisória é o instrumento adequado à desconstituição de sentenças
nulas, ao passo que as inexistentes – entre as quais, para eles, aquela que acolhe pedido
formulado com base em norma inconstitucional – podem ser atacadas, a qualquer tempo, por
ação declaratória ou pelos mesmos meios sugeridos por Pontes de Miranda e endossados por
Leonardo de Faria Beraldo e Cândido Rangel Dinamarco, aos quais já se fez referência101.
A esse propósito, asseveram que a decisão que ofende princípios
constitucionais pode enquadrar-se na hipótese do inciso V do art. 485 do CPC (“violar literal
disposição de lei”), cuja interpretação merece maior amplitude para que o preceito se amolde
98 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 261.99 BERALDO, op. cit. p. 169. Discorrendo sobre a querela nullitatis, esclarece Alexander dos Santos Macedo
que tratava-se de meio de impugnação que “comportava duas modalidades, a querela nullitatis sanabilis, adequada à impugnação dos vícios sanáveis, e a querela nullitatis insanabilis, a ser proposta para impugnar os vícios mais graves”. Enquanto “aquela fundiu-se com o recurso em diversos ordenamentos”, esta última subsiste em nosso direito como “ação declaratória da nulidade, quer mediante embargos à execução, quer por procedimento autônomo, de competência funcional do juízo do processo original. Assinala ainda que “no direito luso-brasileiro, “a querela nullitatis evoluiu até os contornos atuais da ação rescisória [...] Todos os vícios processuais, inclusive os da sentença, passaram a ser relativos e, desde que cobertos pela res judicata, somente são apreciáveis em ação rescisória, específica à desconstituição do julgado”, com exceção da falta de citação, “que permaneceu como nulidade ipso jure, com todo o vigor de tornar insubsistente a própria sentença transitada em julgado”. MACEDO, Alexander dos Santos. Da querela nullitatis: sua subsistência no direito brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 74.
100 Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. FARIA, Juliana Cordeiro de, op. cit. p. 122-124.101 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia, op. cit. p. 213.
40
ao atual estágio da doutrina jurídica.102 Tal seria, de início, o meio adequado à impugnação da
sentença que afronta princípios e regras constitucionais.
Afirmam, em seguida, que, uma vez retirada a norma do mundo jurídico
com efeitos ex tunc em decorrência de ação direta de inconstitucionalidade, seria
rigorosamente desnecessária a propositura da ação rescisória, já que, sendo a lei inexistente, a
demanda não teria qualquer utilidade para o autor, configurando-se a falta de interesse de agir
e, portanto, a inexistência da própria sentença103.
Por ser, assim, inexistente, sustentam Teresa Arruda Alvim Wambier e José
Miguel Garcia Medina, que a sentença fundada em lei posteriormente declarada
inconstitucional em sede de controle concentrado de constitucionalidade poderia ser
impugnada a qualquer tempo, por meio de “ação declaratória de inexistência”, cujo
“fundamento seria a ausência de uma das condições da ação: a possibilidade jurídica do
pedido”.104 105
Como se percebe, diversos são os meios de impugnação da chamada “coisa
julgada inconstitucional” apresentados pelos defensores da “relativização da coisa julgada”,
prevalecendo as menções à ação declaratória e aos embargos à execução, a despeito de, entre
102 Ibid. p. 14.103 Ibid. p. 43. Conforme já salientado, a ilustre professora da PUC de São Paulo tem por inexistente a sentença
de mérito prolatada sem a observância dos pressupostos processuais e das condições do regular exercício da ação. Seu pensamento, compartilhado pelo eminente jurista que divide com ela a autoria da obra aqui referida, está resumido na seguinte passagem: “Sustentamos ao longo deste ensaio [...] que, em processo instaurado pelo exercício do ‘direito de ação’, quando ausente(s) condição(ões) da ação, se terá exercido mero direito de petição, previsto constitucionalmente, este sim, inteiramente ‘abstrato’ (=desvinculado do direito material), e não o verdadeiro direito de ação. Assim, em face da inexistência da ação (carência de ação, art. 301, inc. X, do CPC), também haverá processo juridicamente inexistente e, por conseguinte, sentença juridicamente inexistente, que, ipso facto, não tem aptidão para produzir coisa julgada. Portanto, não é o caso de ação rescisória, nem de incidência da limitação do prazo do art. 459 do CPC”. Cf. op. cit. p. 203.
104 Ibid. p. 43. Interessante notar que, no parágrafo imediatamente anterior, a “condição da ação” apontada pelos autores como ausente seria o interesse de agir, não a impossibilidade jurídica do pedido. Releva também salientar que os dois respeitados doutrinadores, na mesma página 43, sugerem que aqueles que não admitem o ajuizamento da ação declaratória para esse fim possam socorrer-se da ação rescisória, amparando-se no inciso V do art. 485, porquanto “a lei, expurgada do sistema jurídico, não existe”.
105 O referidos juristas adotam o mesmo raciocínio quando tratam do exame de DNA contrário à sentença que declarou a existência do vínculo de filiação, já que a esta equiparam a decisão que extingue o processo sem apreciação de mérito por ilegitimidade de parte. Sustentam que, também nessa hipótese, não teria propriamente ocorrido o exercício da ação e, exatamente por isso, a sentença seria inexistente, o que poderia ser objeto de “ação declaratória”, fazendo-se totalmente desnecessário o ajuizamento da rescisória. Cf. op. cit. p. 203.
41
os que os citam, haver quem veja naquele vício causa de nulidade da sentença e quem nele
enxergue causa de inexistência.
De nossa parte, já deixamos gravada a opinião de que a lei inconstitucional,
embora inválida, existe, tanto que sua retirada do mundo jurídico exige a pronúncia do STF e,
em se tratando de controle difuso de constitucionalidade, de ato do Senado. Também já
tivemos a oportunidade de deixar assente que a nulidade da norma por vício de
constitucionalidade nem sempre implicará a nulidade da sentença, ao que acrescentamos que
mesmo as sentenças nulas são passíveis de transitar em julgado, reclamando, dessa forma, o
ajuizamento de ação rescisória após esgotada a possibilidade de interporem-se os recursos
adequados à invalidação.
As constatações acima, aliadas à finalidade e ao status constitucional da
coisa julgada, têm servido de fundamento a críticas vorazes contra a teoria da relativização e a
desnecessidade de recorrer-se aos meios de impugnação tipificados para afastar-se a res
judicata.
3.5 Críticas à teoria da relativização da coisa julgada.
Apesar de bem construída, a teoria da relativização da coisa julgada em face
da prevalência dos valores, princípios e regras constitucionais não está imune a críticas.
Ao ministrar a palestra à qual já se fez menção, José Carlos Barbosa
Moreira não poupou a teoria da “relativização da coisa julgada”.
Com efeito, fez relembrar que a parte sucumbente naturalmente se sentirá
injustiçada, muito embora o órgão jurisdicional esteja certo da justiça da decisão. Portanto,
“injustiça” não seria um critério objetivo válido para respaldar a teoria da relativização.
42
Salientou também que um magistrado mentalmente são jamais prolataria as
sentenças absurdas exemplificadas na doutrina, como a condenação do réu à prestação de
serviços ao autor sob o regime de escravidão; ainda que o fizesse, o tribunal – a não ser que
composto por membros também desequilibrados – certamente invalidaria ou substituiria a
decisão.
No que concerne ao avanço tecnológico, lembrou que a evolução científica
é constante e, se a cada nova descoberta, a cada novo avanço de apuração por meios inéditos,
for relativizada a coisa julgada, estará eternizada a instabilidade dos provimentos
jurisdicionais, com a conseqüente sobrecarga do Judiciário em face das demandas que
visarem ao reexame das causas. Quanto ao documento novo, que seria o produto desse avanço
tecnológico, ressalta que o resultado de um exame posterior à sentença não se enquadraria na
hipótese do inciso VII do art. 485 do CPC, que refere documento já existente ao tempo em
que esta foi prolatada, mas sua apresentação foi impossibilitada, quer porque o autor o
desconhecia, quer porque não podia usá-lo.
Especificamente em relação à sentença violadora da Constituição, realçou
Barbosa Moreira ser improvável a sua prevalência após a revisão pelo tribunal, sendo
desprezível a possibilidade de o erro prevalecer após o Supremo Tribunal Federal apreciar a
matéria em sede de controle difuso, quando veiculado o inconformismo do sucumbente por
meio de recurso extraordinário.
Por outro ângulo, apontou que a teoria em tela tem o condão de eternizar os
litígios, contrariando o reclamo geral pela resolução rápida das causas, até mesmo porque
nada assegura que a segunda decisão também não seja tachada de inconstitucional e assim por
diante.
Cláudio Armando Couce de Menezes revela-se igualmente avesso à teoria
da relativização da coisa julgada, ressaltando que a esta é subjacente uma postura ideológica
43
que privilegia injustificadamente o devedor. Aduz que o sacrifício da coisa julgada já foi
objeto de discussão no passado, sob a roupagem das “exceções contra a coisa julgada”
próprias do império germânico, e, reportando-se à obra de Bartolo – que, no século XIV, já
advertia que nem sempre a sentença espelha a verdade, mas ainda assim é fictamente tida
como se verdade fosse –, relembra que “na atividade jurisdicional, o erro e a injustiça são
riscos do dia a dia, porque prestada por seres humanos”, razão pela qual, diante de sentenças
certas ou erradas, justas ou injustas, conforme os preceitos vigentes ou não, quando cobertas pela coisa julgada, deve cessar qualquer questionamento a seu respeito, sob pena de eternização da lide, o que só faz piorar o descrédito que as instituições judiciais e jurídicas gozam no seio da sociedade. Por isso, deve prevalecer a segurança, trazida pela estabilidade da autoridade prestada à coisa julgada, imprescindível à vida dos direitos e ao comércio jurídico. A tranqüilidade social não condiz com a incerteza acarretada pela possibilidade de se reabrir discussões sobre a res judicata.106
Outro autor que se mostra contrário à teoria em tela é Leonardo Greco, o
qual insurge-se contra a fragilidade de que a coisa julgada tradicionalmente tem padecido no
ordenamento pátrio, relembrando que a desconsideração dos julgados prescindia do
ajuizamento de qualquer demanda até 1.843, ano em que formalmente criada a ação rescisória
com o prazo decadencial de 30 anos.107
Ressalta Greco que mesmo nos moldes em que hoje se encontra
disciplinada, a ação rescisória brasileira não encontra paralelo em qualquer sistema processual
moderno, já sendo, ela própria, um instrumento que atenta contra a segurança jurídica que o
Estado deve oferecer para que se assegure, em definitivo, a eficácia concreta dos direitos dos
cidadãos, não cogitando, pois, do ajuizamento de qualquer outra demanda visando à revisão
106 MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Relativização da coisa julgada e os embargos à execução fundados no § 5o, do art. 884, da CLT, ações autônomas e incidentes na execução. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, n. 24, p. 358-370, jun. 2004.
107 Esse mesmo prazo foi incorporado ao Regulamento 737 de 1.850 e posteriormente reduzido para cinco anos com o advento do Código Civil de 1.916 e para dois anos com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973.
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da coisa julgada, inclusive como conseqüência da declaração de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.108
Incisiva, ainda, é a opinião de Marinoni, para quem
está claro que as teorias que vêm se disseminando sobre a relativização da coisa julgada não podem ser aceitas. As soluções apresentadas são por demais simplistas para merecerem guarida, principalmente no atual estágio de desenvolvimento da ciência do Direito e na absoluta ausência de uma fórmula racionalmente justificável que faça prevalecer, em todos os casos, determinada teoria da justiça.Com um apelo quase que sensacionalista, pretende-se fazer crer que os juristas nunca se preocuparam com a justiça das decisões jurisdicionais, ao mesmo tempo em que se procura ocultar que o problema sempre foi alvo de reflexão.A “tese da relativização” contrapõe a coisa julgada material ao valor justiça, mas surpreendentemente não diz o que entende por “justiça” e sequer busca amparo em uma das modernas contribuições da filosofia do direito sobre o tema. Aparentemente parte de uma noção de justiça como senso comum, capaz de ser descoberto por qualquer cidadão médio (l’uomo della strada), o que a torna imprestável ao seu propósito, por sofrer de evidente inconsistência.109
Firme em sua argumentação, sustenta Marinoni que o acesso à justiça deve
ter por contrapartida o direito de a parte ver o conflito solucionado definitivamente, motivo
por que, “se a definitividade inerente à coisa julgada pode, em alguns casos, produzir
situações indesejáveis ao próprio sistema, não é correto imaginar que, em razão disso, ela
simplesmente possa ser desconsiderada”, até porque o próprio sistema trabalha com a idéia de
que situações injustas possam sobrevir, o que se faz notar pela previsão da rescisão do julgado
nas hipóteses legalmente previstas.110
Interessante observar que entre os próprios defensores da relativização da
coisa julgada há quem exponha ressalvas explícitas às suas teses.
Assim, admite Bruno Vasconcellos Carrilho Lopes que a desconsideração
do caso julgado somente é cabível em situações teratológicas, pois
na ponderação com outros princípios e garantias que informam o ordenamento jurídico pátrio, a segurança das decisões judiciais, consubstanciada na coisa julgada, dificilmente irá ser posta de lado ou ter sua influência demasiadamente reduzida. Como regra geral, a coisa julgada é um importante instrumento para o alcance dos escopos processuais, em especial o escopo maior, a pacificação social com justiça.111
108 GRECO, op. loc. cit.109 MARINONI, op. loc. cit.110 Ibid.111 LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Coisa julgada e justiça das decisões. Disponível em:
<http://www.forense.com.br/Atualida/Artigos_DC/coisa.htm> Acesso em 04 nov 2004.
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Essa também é a opinião de Dinamarco, que adverte ser necessário que se
estabeleça uma linha de equilíbrio que favoreça apenas quem venha a ser lesado por uma
decisão absurda112, o que restringe sobremaneira o âmbito de aplicação da sua teoria da
relativização.
Pode dizer-se seguramente que todas as críticas acima são aplicáveis à
“coisa julgada inconstitucional” e, portanto, são dignas de pausada consideração.
Diante de sentença inconstitucional materialmente transitada em julgado,
deve-se ter em mente que o quantitativo de recursos postos à disposição das partes, por si só,
é fator de segurança contra os errores in judicando e in procedendo, inclusive constatáveis
em face da Constituição, os quais somente prevalecem e se estabilizam se não filtrados na
passagem pelos diferentes graus de jurisdição. A isto, some-se a possibilidade de ajuizamento
da ação rescisória para impugnar a sentença violadora de disposição constitucional, para que
se conclua que o sistema já sacrifica por demais a celeridade em detrimento dos legítimos
interesses da parte vencedora na causa.
Sob outro prisma, relembre-se que a coisa julgada tem fundamento prático e
visa a pôr fim à controvérsia que assola as partes. É, ela própria, fator de segurança. Aqui
encaixam-se perfeitamente as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet:
Mesmo que se saiba, pelo menos desde Heráclito, “que a imutabilidade não é um atributo das coisas deste mundo, que nada está em repouso e tudo flui” e que também para o Direito tal destino se revela inexorável, igualmente é certo de que o clamor das pessoas por segurança (aqui ainda compreendida num sentido amplo) e – no que diz com as mudanças experimentadas pelo fenômeno jurídico - por uma certa estabilidade das relações jurídicas, constitui um valor fundamental de todo e qualquer Estado que tenha a pretensão de merecer o título de Estado de Direito, de tal sorte que, pelo menos desde a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 o direito (humano e fundamental) à segurança passou a constar nos principais documentos internacionais e em expressivo número de Constituições modernas, inclusive na nossa Constituição Federal de 1988, onde um direito geral à segurança e algumas manifestações específicas de um direito à segurança jurídica foram expressamente previstas no artigo 5º, assim como em outros dispositivos da nossa Lei Fundamental. Que também o direito à segurança (e isto vale mesmo limitando-nos à segurança jurídica) é marcado pela multifuncionalidade e complexidade inerente aos direitos fundamentais de um modo geral, assume feições de obviedade.
112 DINAMARCO, op. cit. p. 263.
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No entanto, são justamente estas características, somadas aos inúmeros problemas e perplexidades registrados no âmbito doutrinário e jurisprudencial, por sua vez retroalimentados pelas grandes dificuldades e repercussões na esfera da aplicação aos casos concretos, que seguem imprimindo permanente atualidade e relevância ao tema.113
Não se pode negar que a coisa julgada se põe a serviço da segurança jurídica
e, portanto, de um valor-princípio fundamental, indissociável da orientação axiológica que
ressalta do preâmbulo da Constituição da República, do que se extrai que qualquer tese que
aponte solução de lege ferenda para a impugnação de sentenças que, embora eivadas de
inconstitucionalidade, tenham transitado em julgado, deverá ter em conta que a favor da coisa
julgada também milita um princípio de índole constitucional, que deverá ser, em qualquer
caso, sopesado com aquele a que a sentença houver ofendido.
Logo, ou a legislação infraconstitucional, sem descurar-se do princípio da
razoabilidade, disciplina os limites da coisa julgada, ou inconstitucional será o ato que
desconhecer a sua autoridade – garantia fundamental – ainda que a pretexto de salvaguardar
princípios e regras constitucionais.
Por fim, cabe salientar que, amparando os críticos da relativização da “coisa
julgada inconstitucional”, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido firme ao
excluir a coisa julgada do âmbito de incidência automática dos efeitos da declaração abstrata
de inconstitucionalidade, exigindo ação rescisória para a desconstituição do título executivo,
como revelam as seguintes ementas:
RECURSO EXTRAORINÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA PORQUE BASEADA A DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, EM LEI POSTERIORMENTE DECLARADA INCONSTITUCIONAL. A declaração da nulidade da sentença somente é possível via da ação rescisória. Precedentes do STF. Recurso Extraordinário não conhecido (RE 86.056-SP, 1. T., rel. Min. Rodrigues Alckmin. j. 31.05.1977. DJU 01.07.1977).
e
RECLAMAÇÃO. O cumprimento, em execução, de sentença que, em reclamação trabalhista individual, concedeu beneficio com base em cláusula de dissídio coletivo que pendia de julgamento de recurso extraordinário, e sentença que transitou em julgado antes de esta corte haver declarado a inconstitucionalidade de tal cláusula,
113 SARLET, op. loc. cit.
47
não fere a autoridade do acórdão do STF, pois este não está sendo desrespeitado pelo juízo da execução, que tem o dever de executar a sentença transitada em julgado, mas, simplesmente, não é eficaz com relação a essa execução. Reclamação que se julga improcedente (RCL 148-RS. rel. Min. Moreira Alves. j. 12.05.1983. DJU 17.06.1983).
Tal orientação do STF encontra-se em consonância com diversos
ordenamentos alienígenas que prezam pela preservação da coisa julgada ante os efeitos da
declaração abstrata de inconstitucionalidade114, como é o caso do art. 282º, n. 3, da
Constituição Portuguesa, segundo o qual “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão
em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar
ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao argüido”.
114 TALAMINI, op. cit. p. 47. Diversos exemplos são trazidos, também, na obra citada de Leonardo Greco.
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CAPÍTULO 4 - A INOVAÇÃO LEGISLATIVA INTRODUZIDA PELA MEDIDA
PROVISÓRIA N. 1.997-37, DE 11 DE ABRIL DE 2.000
4.1 A sentença eivada de inconstitucionalidade e os parágrafos primeiro do artigo 475-L
do CPC e 5o do artigo 884 da CLT.
A despeito da conhecida opinião de Dinamarco, no sentido de que a
institucionalização da relativização da coisa julgada pela via legislativa seria indesejável, pois
a lei que assim o fizesse traria em si o mal da generalização e ensejaria a diluição da garantia
constitucional do julgado115, é certo que o artigo 3o da medida provisória n. 1.997-37, de 11 de
abril de 2.000, fez acrescer o parágrafo único ao art. 741 do Código de Processo Civil,
dispondo ser “também inexigível o título judicial fundado em lei, ato normativo ou em sua
interpretação ou aplicação declarada inconstitucional pelo supremo Tribunal Federal”.
O preceito ganhou nova redação a partir da MP 1984-20, de 28 de julho de
2.000, agora referindo “título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por
incompatíveis com a Constituição Federal”, e, com a entrada em vigor da MP 2.180-35, de 24
de agosto de 2001, passou a integrar, também, o parágrafo 5o do art. 884 da Consolidação das
Leis do Trabalho.
À primeira vista, já se percebe que a redação do dispositivo legal em tela
não primou pela técnica. Afinal, não é o título judicial que se faz inexigível em tal hipótese,
115 DINAMARCO, op. cit. p. 264-265.
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mas o crédito nele documentado116. O título executivo, em si mesmo, é eficaz e reclama
desconstituição, mediante a regular provocação do juízo e demonstração de que há
incompatibilidade entre aquele título e a orientação emanada do Supremo Tribunal Federal.117
A redação também deixou de evidenciar, a partir da MP 1984-20, se a
declaração de inconstitucionalidade haveria de sobrevir, para os efeitos dessa norma, de
controle difuso ou concentrado. Além disso, após a menção ao Supremo Tribunal Federal, os
mencionados artigos referiam “aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a
Constituição Federal”, sem que apontar a que órgão do Poder Judiciário incumbiria tal mister.
Tais imprecisões criaram imediata cisão doutrinária.
Assim, segundo Gustavo Tavares Borba, a admissibilidade dos embargos
subordinar-se-ia a “uma inconstitucionalidade qualificada por uma decisão do Supremo
Tribunal Federal [...] em última instância ou em controle abstrato”, isto é, decisão proferida
pelo STF em sede de controle de constitucionalidade difuso ou concentrado.118
Já Cláudio Armando Couce de Menezes afirma ser “imprescindível que a
decisão seja do E. STF em declaração decorrente de ação direta de inconstitucionalidade,
porque quando esse vício é reconhecido apenas em controle difuso, mesmo quando a última
decisão neste sentido seja do STF, inexiste eficácia erga omnes e força vinculante”119.
Para Eduardo Talamini, a coisa julgada somente poderá ser desconsiderada
se a inconstitucionalidade da norma for pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal por via
de controle concentrado, ou, excepcionalmente, em sede de controle difuso, mas, nesta última
hipótese, desde que o Senado efetivamente a retire do ordenamento jurídico na forma do
inciso X do art. 52 da Constituição da República.120
116 GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada: controle de admissibilidade. 2. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 108-109.
117 TALAMINI, op. cit. p. 64.118 Cf. BORBA, Gustavo Tavares. Embargos desconstitutivos: estudo sobre sua constitucionalidade. Revista de
Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, n. 54, p. 74-82, 2001.119 MENEZES, op. cit. fl. 366.120 TALAMINI, op. cit. p. 55 e 66.
50
Por seu turno, Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria
apontam a opinião de Araken de Assis – que também desposa o entendimento de que o os
embargos à execução fundados em vício de constitucionalidade da sentença também devem
ser precedidos de pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal em controle difuso
ou concentrado – para, logo em seguida, oporem-se a ela, asseverando que, em face da
“segunda parte do dispositivo em exame, a inexeqüibilidade não se reporta a prévio
pronunciamento do STF”.121
Delineada a controvérsia, cumpre relembrar que, em princípio, o dispositivo
legal não ostenta palavras vãs. Logo, não fosse necessária a pronúncia do Supremo Tribunal
Federal a respeito da norma em que se funda a sentença, declarando-a inconstitucional,
bastaria que se fizesse alusão à “aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a
Constituição”.
Ademais, como se viu, a primeira versão da norma em apreço – de rigor
lingüístico duvidoso – referia “lei, ato normativo ou em sua interpretação ou aplicação
declarada inconstitucional pelo STF”, do que resulta interpretação histórica condizente com a
exposta no parágrafo precedente.
Some-se a ambos os motivos anteriores o fato de a norma de direito
alienígena em que inspirado o preceito ser referente ao ajuizamento de embargos para
estancar a execução forçada de crédito reconhecido em decisão fundada em lei declarada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional (§ 79, n. 2, da Lei Orgânica do Tribunal
Constitucional Alemão).122
Com razão, portanto, Couce de Menezes, ao asseverar que as hipóteses de
aplicação ou interpretação desconformes à Constituição, a que o parágrafo único do artigo
741 e o parágrafo 5o do artigo 884 da CLT faziam alusão, referem-se às “técnicas trazidas
121 THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro, op. cit. p. 112.122 GRECO, op. loc. cit. TALAMINI, op. cit. p. 43.
51
pela Lei 9.868/99”, às quais já se fez menção neste estudo: declaração de
inconstitucionalidade sem redução de texto e interpretação conforme à Constituição.
E, de fato, as dúvidas foram definitivamente sanadas, dando à norma o
significado acima delineado, por força das alterações do Código de Processo Civil trazidas no
bojo da Lei 11.232/05. Atualmente, a regra em apreço consta do parágrafo 1° do artigo 475-L,
com a seguinte redação:
Art. 475-L [...] §1o. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste
artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei
ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal
Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato
normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis
com a Constituição Federal.
De resto, considerando-se que apenas a declaração de inconstitucionalidade
proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado tem eficácia erga
omnes e vincula os juízos de todos os graus de jurisdição, não se pode deixar de dar razão a
Couce de Menezes também quanto a esse aspecto, admitindo-se, porém, a exceção levantada
por Talamini quanto aos casos em que o Senado vier a “suspender a execução”, no todo ou
em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF em controle difuso,
já que, por óbvio, o ato assim aperfeiçoado por aquela Casa Legislativa também produzirá
efeitos gerais e retroativos.123
123 A propósito dos efeitos da “suspensão da execução”, pelo Senado, da norma declarada inconstitucional em sede de controle difuso de constitucionalidade, re-invoca-se a lição de Teori Albino Zavascki, para quem a correspondente Resolução “importa reconhecimento estatal de que a norma [...] jamais incidiu em qualquer tempo”, razão pela qual, “havendo inconstitucionalidade, a inincidência é ex tunc” (op. cit. p. 33). Os efeitos – erga omnes e ex tunc – são, como se vê, idênticos aos da declaração de (in)constitucionalidade da norma em sede de controle concentrado, não havendo, na hipótese de “suspensão da execução da lei” pelo Senado, motivo para a distinção dos casos em que a constitucionalidade da norma for submetida a um ou outro sistema de controle. Merece registro, também, a opinião de Talamini, de que – tal como é dado ao STF –, “o Senado pode modular a eficácia da retirada da norma do ordenamento. Se é dado até recusar a retirada da norma, nada impede que a retire com eficácia ex nunc ou fixando algum outro termo que não o do surgimento da inconstitucionalidade. De resto, a expressa menção à possibilidade de retirada “em parte” certamente abrange
52
4.2. Limites à aplicação do novo dispositivo:
A nova hipótese de cabimento dos embargos à execução sofre algumas
limitações, sendo especialmente relevantes aquelas que dizem respeito à natureza da tutela
jurisdicional a que aplicável e a sua eficácia temporal, inclusive quanto às relações
continuativas.
Quanto ao primeiro aspecto, é fácil concluir que, tratando-se de embargos à
execução, a nova regra aplica-se apenas aos processos em que pendente a tutela executiva,
não atingindo, portanto, os capítulos de sentença124 de natureza simplesmente declaratória ou
constitutiva, mas tão somente os condenatórios.125
A par da interpretação literal e sistemática do preceito, deve-se ter em mente
que apenas as sentenças declaratórias e constitutivas são bastantes-em-si, auto-suficientes,
isto é, não reclamam qualquer outra providência para que produzam seus naturais efeitos.
Considerada, portanto, a equação “tutela = resultado”126, não é apropriado falar-se em tutela
condenatória, na medida em que a condenação ao cumprimento de uma determinada
prestação sempre requererá, ou a colaboração do devedor, ou a instauração da execução
forçada127. Essa constatação revela que a opção legislativa de restringir-se o ataque à “coisa
o aspecto temporal” (op. loc. cit.). É gritante, aqui, o paralelo que se pode traçar com a modulação de eficácia temporal pelo Supremo, estendendo-se a uma eventual limitação dos efeitos da Resolução do Senado as mesmas conclusões apresentadas neste estudo em relação à hipótese consagrada no art. 27 da Lei 9.868/99.
124 Sobre capítulos de sentença, confira-se DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002. Também já tivemos a oportunidade de discorrer sobre o assunto em SANTOS, Marcelo Alexandrino da Costa. “Parte” ou “capítulo” de sentença e invalidação parcial do julgado. Revista Trabalhista Forense, Rio de Janeiro, v. XI, p. 175-191, jul.-set. 2004.
125 Não se olvide de que o capítulo de sentença que impõe a obrigação de pagar honorários de advogado tem natureza condenatória. Se, a título de exemplo, um determinado contribuinte foi sucumbente na causa em que pedia-se a declaração da inexigibilidade de um tributo, tachando-o de inconstitucional, e, portanto, condenado ao pagamento de honorários, poderá esse mesmo contribuinte opor-se à execução com fundamento no parágrafo primeiro do art. 475-L do CPC, pois “seria despropositado que, estando então reconhecido que o tributo é inexigível por ser inconstitucional, alguém ainda assim tivesse de arcar com honorários por haver antes tentado obter para o seu caso concreto idêntico reconhecimento” (TALAMINI, op. cit. p. 67).
126 Sobre o conceito de tutela jurisdicional à luz do processo de resultados, confira-se DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. T. II. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 797-837.
127 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003. p. 26.
53
julgada inconstitucional” às prestações ainda não executadas obedece a um critério de
razoabilidade, pois a impugnação somente é franqueada às situações em que o Estado ainda
não dispensou verdadeira tutela aos litigantes128, pois o credor, a despeito do reconhecimento
do seu direito pela via judicial, ainda não obteve, no mundo dos fatos, a reversão daquela
situação que reputava injusta.
No que concerne aos efeitos temporais da nova regra, a considerar-se o
princípio da irretroatividade da lei à luz da orientação do STF a que já se fez alusão – que,
repita-se, é firme no sentido de que a coisa julgada não se desfaz com a declaração de
inconstitucionalidade da lei em que fundada a decisão –, não são passíveis de desconstituição
por embargos à execução aquelas sentenças transitadas em julgado antes da inovação
legislativa.129
No que diz respeito à modulação autorizada pelo art. 27 da Lei 9.868/99, é
evidente que as sentenças transitadas em julgado em momento anterior à data fixada pelo STF
como marco inicial dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade não poderão ser
desconstituídas por meio dos embargos à execução130, cabendo relembrar que, nessa hipótese,
a delimitação da eficácia temporal da decisão do Supremo estará a serviço da segurança
jurídica ou de excepcional interesse social – conforme destaca o próprio dispositivo –, nada
justificando a exclusão da coisa julgada do âmbito da proteção assim proporcionada.
As conclusões acima também são válidas em se tratando de sentenças que
imponham o cumprimento de prestações que se prolongam no tempo, com a ressalva de que a
exigibilidade do crédito será estancada a partir da data em que passar a vigorar o efeito
vinculativo da declaração de inconstitucionalidade da norma em que se ampara a sentença
128 Muito apropriadamente, Dinamarco faz observar que também ao vencido é dispensada “tutela consistente em não restar sacrificado além dos limites do justo e do razoável para a efetividade da tutela devida ao vencedor”, op. cit. p. 814.
129 No mesmo sentido, TALAMINI, op. cit. p. 78-78.130 O mesmo valendo, como visto acima (nota 123), para uma eventual modulação da “suspensão da execução” da lei ou ato normativo pelo Senado Federal.
54
que se pretende desconstituir131. Aqui, releva ressaltar que, de acordo com a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, não cabe a devolução de prestações de natureza alimentícia
previstas em lei posteriormente declarada inconstitucional, mas tampouco o pagamento após
essa declaração, tal como se extrai da seguinte ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM TESE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. Acórdão que prestigiou lei estadual à revelia da declaração de inconstitucionalidade desta ultima pelo Supremo. Subsistência de pagamento de gratificação mesmo após a decisão erga omnes da Corte. Jurisprudência do STF no sentido de que a retribuição declarada inconstitucional não e de ser devolvida no período de validade inquestionada da lei de origem - mas tampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário provido em parte (RE 122202-MG, 2. T., rel. Min. Francisco Rezek, j. 10.08.1993, DJU 08.04.1994).
Nos demais casos, o princípio da isonomia desaconselha a dispensa de
tratamento diferenciado aos integrantes de uma mesma classe (v.g., contribuintes), de sorte
que aqueles que foram compelidos ao pagamento de uma determinada prestação prevista em
lei posteriormente declarada inconstitucional poderão intentar, inclusive pela via judicial, a
repetição das parcelas pagas, já que, como se viu, as decisões fundadas nos parágrafos
primeiro do art. 475-L do CPC e quinto do art. 884 da CLT têm efeito desconstitutivo dos
capítulos condenatórios da sentença132. O que acaba de ser dito se aplica, também, às relações
instantâneas, e o limite para a devolução dos valores recebidos estará sempre na boa-fé e na
dignidade daquele que se considerava credor.
4.3 Inovação inconstitucional?
Algumas vozes se têm levantado contra a constitucionalidade da inovação
de que estamos tratando. Cláudio Armando Couce de Menezes, referindo-se à inserção da
131 Como visto, retroativo à data de publicação no Diário Oficial da União e inconfundível com os efeitos ex tunc da própria declaração de inconstitucionalidade e da conseqüente retirada da lei ou ato normativo inválido do mundo jurídico.
132 Sobre a possibilidade da repetição dos valores pagos, confira-se ZAVASCKI, op. cit. p. 97. Para o referido autor, contudo, a devolução estaria condicionada ao ajuizamento ação rescisória.
55
norma em comento na CLT (MP 1984-20), oferece dois motivos para tachá-la de
inconstitucional: primeiramente em razão da impossibilidade de inovação processual por meio
de medida provisória; em segundo lugar, por faltar-lhe o requisito formal da urgência.133
Também Gustavo Tavares Borba, invocando jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, afirma que não estaria configurada a urgência necessária à edição da medida
provisória.134
Á vista de tais manifestações, cabe ressaltar, primeiramente quanto à
iniciativa legislativa, que até a entrada em vigor da Emenda Constitucional 32/01, não havia
proibição expressa de legislar-se sobre processo por meio de medidas provisórias, a despeito
da desconfiança que tal prática – a que os Chefes do Executivo muito se afeiçoam – sempre
causou entre os juristas.
Quanto à urgência, a expressão que ganhavam os debates doutrinários a
respeito da “relativização da coisa julgada” e a falta de tratamento jurisprudencial uniforme
do tema – inequívoca razão de insegurança –, evidenciavam que, tal como reconhecido pelo
próprio Gustavo Borba, “essa ausência de urgência [era] relativa”.135
Por outro lado, Eduardo Talamini prevê a manifestação contrária à
constitucionalidade material da desconstituição do título executivo por meio de embargos à
execução por ofensa à segurança jurídica e à garantia constitucional da coisa julgada.
O próprio Talamini responde satisfatoriamente a esse virtual argumento,
ponderando, com amparo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que
embora sendo a coisa julgada uma garantia constitucional, os seus limites, a sua conformação, o seu regime de vigência, são em grande parte estabelecidos pela legislação infraconstitucional. Não se quer com isso afirmara absoluta liberdade do legislador infraconstitucional para dizer quando há e quando não há coisa julgada. Tal entendimento encontraria letra morta a cláusula constitucional que consagra a garantia. A configuração infraconstitucional da coisa julgada submete-se a parâmetros constitucionais (os princípios da segurança jurídica, do contraditório, do devido processo, da proporcionalidade etc). Mas, dentro desses parâmetros, cabe à lei infraconstitucional fixar o regime da coisa julgada, inclusive quanto às formas de
133 MENEZES, op. cit. p. 363.134 BORBA, op. cit. p. 87.135 Ibid, p. 89.
56
sua desconstituição. Basta pensar no instituto (infraconstitucional) da ação rescisória. Logo, a nova norma do art. 741, par. ún. [...] não afronta a garantia da coisa julgada.136
Uma vez admitida a plena constitucionalidade da medida provisória,
afiguram-se os embargos do devedor, a par da ação rescisória fundada em violação a literal
disposição constitucional, como o único meio de impugnar-se, de lege lata, a chamada “coisa
julgada inconstitucional”.
Não foi diferente o pensamento exposto por Barbosa Moreira na palestra a
que por várias vezes se referiu ao longo deste escrito, nem é diferente a conclusão de Cláudio
Armando Couce de Menezes, para quem
a alegação da matéria há de ser feita quando dos embargos à execução do devedor, conforme disposto em lei. Incabível qualquer alegação fora desse momento. Ações declaratórias, de anulação, embargos à arrematação ou adjudicação, exceções e objeções de pré-executividade, e o que se queira mais inventar, reclamam do juiz o indeferimento sumário.137
Também não discrepa dessa orientação Eduardo Talamini, que, para além
da ação rescisória, vê nos embargos o único meio apto à desconstituição da “coisa julgada
inconstitucional”, não admitindo que, para esse fim, se suscite objeção dentro do processo
executivo, porquanto o tema, “embora de ordem pública no processo cognitivo, é logicamente
anterior à formação do título”, que “existe e é válido”, reclamando, pois, verdadeira
desconstituição, a despeito da redação do preceito, que refere “inexigível”.138
136 TALAMINI, op. cit. p. 65.137 MENEZES, op. cit. p. 369.138 TALAMINI, op. cit. p. 72-73.
57
Às observações acima, pode-se acrescentar que a solução chancelada pelo chefe
do Poder Executivo federal resiste bem ao teste do princípio da proporcionalidade139, na
medida em que, a considerarem-se os valores da justiça, da igualdade e da segurança,
revela-se apta a atingir os objetivos pretendidos, não-gravosa diante das demais que se
imaginam eficazes para atingir idêntica finalidade e harmônica em relação aos
interesses dos indivíduos atingidos e o intuito do legislador.
139 Sobre o princípio da proporcionalidade e o trinômio adequação-necessidade-proporcionalidade, confira-se MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p. 246-275.
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CONCLUSÃO
O tema abordado expõe o confronto de diferentes valores
constitucionalmente protegidos: segurança, igualdade e justiça – todos, a um só tempo, ínsitos
à coisa julgada e à soberania da Constituição.
A doutrina não apresenta consenso, alguns vendo na desconformidade às
normas constitucionais vício que importa na nulidade da sentença, outros que a vêem como
distorção que afeta a própria existência da decisão; alguns sugerindo meios de impugnação da
sentença contrária à Constituição independentemente de previsão legal, outros asseverando
que a proteção constitucional do caso julgado atrela a desconstituição da decisão estritamente
aos recursos e demais meios previstos em lei.
A introdução do parágrafo único ao art. 741 do CPC – atual parágrafo 1o do
art. 475-L – e 5o ao art. 884 da CLT revelou uma opção legislativa pela restrição dos meios de
impugnação de sentenças que eventualmente violem a constituição, notadamente aquelas que
ostentem capítulos condenatórios transitados em julgado.
Assim, além das hipóteses em que cabível a ação rescisória, as sentenças
com carga condenatória materialmente transitadas em julgado, se eivadas de
inconstitucionalidade, podem atualmente ser atacadas por embargos à execução, mas desde
que o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado, haja declarado a
inconstitucionalidade da norma, quer retirando-a do mundo jurídico, quer restringindo a sua
interpretação, ou, ainda, desde que o Senado Federal tenha por bem “suspender a execução”
da norma tida por inconstitucional pelo STF em controle difuso.
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Há, porém, o entendimento de que o próprio acréscimo dos parágrafos
acima aludidos seria inconstitucional. Logo, para os que não admitem a adoção de medidas
não expressamente previstas para a impugnação da sentença materialmente transitada em
julgado, nenhuma solução restaria à parte prejudicada por decisão fundada em norma
incompatível com a Constituição.
O presente estudo não tem a pretensão de oferecer uma resposta definitiva
para as indagações que pairam sobre a “coisa julgada inconstitucional”: visa precipuamente a
delinear a controvérsia que paira sobre o tema e, vez por outra, adotar uma solução de
compromisso, sem perder a consciência de que os princípios jurídicos não são dotados de
caráter absoluto e, como bem anota Cappelletti, apesar de a intangibilidade de coisa julgada se
amoldar aos valores da paz social e da certeza do direito, pode, por vezes, entrar em conflito
com outros valores “que, por vezes, são chamados de justiça”140. O equilíbrio dos valores –
ressalta o professor de Florença – encontra-se no seio da razoabilidade, que deve nortear o
legislador e o aplicador do direito na escolha do valor a prevalecer e dos limites em que esse
valor prevalecerá.
E aqui, sim, reside o propósito desta monografia, ao qual esperamos ter sido
fiéis: demonstrar que o caminho para a ampliação da relativização da imunidade do julgado
desconforme à Constituição está sendo aberto, de maneira segura, no campo do direito
objetivo: a marcha até o ponto de chegada caberá ao tempo e à continuidade dos esforços
legislativos, doutrinários e jurisprudenciais.
140 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989. p. 29.
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