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BOTÂNICA NO INVERNO

Apostila Botanica No Inverno 2013

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  • BOTNICA NO INVERNO

  • institutode biocincias

    Patrocnio e ApoioBOTNICA NO INVERNO

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE BIOCINCIAS

    2013 Organizadores

    Alejandra Matiz Lopez

    Alice Nagai

    Andr Vinicius Fonseca de Faria

    Carmen Palacios

    Cntia Iha

    Filipe Christian Pikart

    Geisly Katon

    Juliana Castelo Branco Brasileiro

    Karina Bertechine Gagliardi

    Ktia Pereira dos Santos

    Keyla Rodrigues

    Leonardo Hamachi

    Marcelo Fernando Devecchi

    Mrio Albino de Oliveira Neto

    Paulo Marcelo Rayner Oliveira

    Paulo Tamaso Mioto

    Professor Responsvel

    Profa. Dra. Claudia Maria Furlan

    Autores

    Adne Abbud Righi

    Alejandra Matiz

    Alice Nagai

    Aline Siqueira Nunes

    Augusto Csar de Barros Tomba

    Beatriz Nogueira Torrano da Silva

    Benot Francis Patrice Loeuille

    Bruna Silvestroni Pimentel

    Bruno Silvestre Lira

    Carmen Palacios

    Carolina A. A. Azevedo

    Carolina Krebs Kleingesinds

    Cntia Iha

    Daniele Serra

    Diogo Manzano Galdeano

    Edgar Andrs Ochoa C.

    Emmanuelle Silva Costa

    Fabiana Firetti-Leggieri

    Fbio Nauer

    Fernanda Mendes Rezende

    Fernando Sena

    Filipe Christian Pikart

    Geisly Frana Katon

    Janana Morimoto Meyer

    Janana Pires Santos

    Jenifer C. Lopes

    Jos Hernandes Lopes-Filho

    Juliana Castelo Branco Brasileiro

    Juliana El Ottra

    Juliana Lovo

    Karina Bertechine Gagliardi

    Keyla Rodrigues

    Leonardo Hamachi

    Lucas Macedo Flix

    Luis Carlos Saito

    Luiz Henrique Martins Fonseca

    Marco Aurlio Sivero Mayworm Marcelo F. Devecchi

    Mariane Sousa Baena

    Mauro Alexandre Marabesi

    Naomi Towata

    Natlia Ravanelli

    Paula Natlia Pereira

    Paulo Tamalso Mioto

    Paulo Marcelo Rayner Oliveira

    Priscila Torres

    Rafael Cruz

    Ricardo Ernesto Bianchetti

    Sarah Aparecida Soares,

    Thlia do Socorro Serra Gama

    So Paulo 2013

  • Botnica no Inverno 2013 / Org. de Alejandra Matiz Lopez... [et al.]. So

    Paulo : Instituto de Biocincias da Universidade de So Paulo, 2012.

    202 p. : il.

    ISBN 978-85-85658-36-6

    1. Botnica. 2. Extenso. 3. Ps-Graduao. I. Righi, Adne Abbud. II. Ttulo.

  • i

    ndice

    ndice .................................................................................................................................................................. i

    Apresentao .................................................................................................................................................. iii

    1

    Estrutura e Desenvolvimento .............................................................................................. 1

    A Fotossntese CAM: mais comum do que parece ........................................................................................ 2

    Como as Plantas se Defendem Frente Infeco por Patgenos? ............................................................... 9

    Os Estudos da Flor ......................................................................................................................................... 13

    Folha: Desenvolvimento e Estrutura ............................................................................................................ 23

    Metabolismo Secundrio ............................................................................................................................... 34

    Microrganismos x Planta: guerra ou parceria? .......................................................................................... 42

    Papel Ecolgico dos Metablitos Secundrios Frente ao Estresse Abitico .............................................. 52

    Mecanismos Fisiolgicos e Moleculares do Desenvolvimento Radicular .................................................. 61

    Espectros Especficos de Luz e Respostas Mediadas pelo Fitocromo ........................................................ 69

    Nutrio Mineral............................................................................................................................................ 84

    Reaes Luminosas: Sntese a Partir da Luz ............................................................................................... 90

    Mecanismos de Mitigao do Dficit Hdrico em Plantas Vasculares. ...................................................... 98

    2

    Diversidade e Evoluo .................................................................................................. 102

    Polinizao e Tipos de Reproduo em Angiospermas ............................................................................. 103

    A Origem do Cloroplasto e a Evoluo dos Eucariontes Fotossintetizantes ........................................... 110

    Biodiversidade e Ecologia de Macroalgas Marinhas Brasileiras ............................................................. 118

    Taxonomia: Princpios e Mtodos............................................................................................................... 126

    Ficocolides: Polissacardeos das Algas Marinhas .................................................................................... 132

    Algas Invasoras ............................................................................................................................................ 139

    rvores Filogenticas: da Classificao aos Estudos Evolutivos ............................................................. 144

    3

    Recursos ....................................................................................................................... 152

    Biocombustveis ............................................................................................................................................ 153

    Origem e Evoluo das Plantas Cultivadas ............................................................................................... 161

    Plantas e Sociedade ...................................................................................................................................... 171

    A Cegueira Botnica e o Uso de Estratgias para o Ensino de Botnica ................................................ 179

    Transplastmica: Transformando Plantas em Biorreatores .................................................................... 184

    Biologia Sinttica.......................................................................................................................................... 199

  • ii

  • iii

    Apresentao

    O Departamento de Botnica do Instituto de Biocincias da Universidade de So Paulo

    (IB-USP) cenrio de constante aprendizado, troca de conhecimentos, fluxo intenso de alunos

    de graduao e ps-graduao e muitas histrias. Desde professores eternizados em nomes

    de plantas aos recm-contratados (que j comeam a deixar seus vestgios pelos andares),

    todos, em unssono aos alunos de ps-graduao, buscam contribuir para o desenvolvimento

    cada vez maior da nossa segunda casa. E por que no tornar nossa casa mais acolhedora nos

    glidos dias de inverno da capital paulista? E por que no alunos de ps-graduao tornarem-

    se professores e orientadores por 20 dias apresentando as diversas linhas de pesquisas

    desenvolvidas ao longo de tantos anos? Assim comeou um curso de extenso universitria do

    departamento: Botnica no Inverno.

    Na primeira edio do curso a iniciativa dos alunos de ps-graduao logo teve apoio

    unnime dos docentes do departamento de Botnica. O empenho de todos (professores e

    alunos) durante a primeira edio foi tamanha que culminou em enorme sucesso! A edio de

    2012 foi ainda melhor, pois contamos com o apoio de toda a equipe do IB, incluindo docentes,

    funcionrios e discentes. Tambm tivemos muita satisfao ao ver que participantes das

    edies anteriores agora esto se tornando nossos colegas na ps-graduao.

    Nesse ano pretendemos continuar com o bom trabalho que foi feito nos anos anteriores

    e, para tanto, contamos novamente com o apoio de todos no IB. Em especial, gostaramos de

    agradecer aos patrocinadores e a algumas pessoas da USP que nos ajudaram muito com esse

    curso de extenso. A professora Cludia Maria Furlan sempre nos apoiou e nos guiou atravs

    dos labirintos burocrticos da USP. Os professores Renato de Mello Silva (Coordenador da

    Ps-Graduao) e Helenice Mercier (Chefe do Departamento de Botnica) nos ajudaram com o

    material didtico. Os professores Carlos Eduardo Falavigna da Rocha e Welington Braz

    Carvalho Delitti (Diretor e Vice-diretor do IB, respectivamente) nos ajudaram muito

    disponibilizando verba do instituto, garantindo um maior apoio aos alunos participantes bem

    como a democratizao do curso.

    Apesar dos desafios, o curso continua de p, buscando estabelecer pontes entre os

    alunos e professores da USP com pessoas de fora, de modo que a nossa ps-graduao possa

    continuar crescendo com qualidade. Desejamos a todos um excelente aproveitamento do curso

    e dos seus desdobramentos.

    Comisso Organizadora do III Botnica no Inverno

  • 1

    1

    Estrutura e

    Desenvolvimento

  • 2

    A Fotossntese CAM: mais comum do que parece Paulo Tamaso Mioto

    Alejandra Matiz

    O termo Metabolismo cido das Crassulceas (CAM, pelas suas siglas em ingls) foi introduzido na dcada de

    40, aps observar que em Bryophyllum calycinum (espcie da famlia Crassulaceae) ocorria uma estranha variao da

    acidez nas suas folhas, aumentando durante a noite e diminuindo durante o dia. Hoje em dia, cerca de 70 anos depois,

    sabemos que o CAM est presente em outras famlias de plantas alm das Crassulceas, sendo encontrado em mais de

    20,000 espcies terrcolas e aquticas.

    De maneira geral, a fotossntese CAM consiste na assimilao noturna do CO2 proveniente da atmosfera (ou do

    CO2 respirado, como veremos adiante) em molculas de fosfoenolpiruvato (PEP- sigla em ingls). Esse processo mediado

    pela enzima fosfoenolpiruvato carboxilase (PEPC), originando molculas de oxaloacetato (OAA- sigla em ingls). O OAA

    logo depois reduzido pela enzima malato desidrogenase (MDH) a malato, o qual transportado e armazenado nos

    vacolos na forma de cido mlico, originando a acidez noturna tpica das plantas CAM. No dia seguinte, os estmatos

    mantm-se fechados e o cido mlico que foi armazenado nos vacolos transportado para o citossol, onde

    descarboxilado (pela enzima malica - ME ou pela fosfoenolpiruvato carboxicinase - PEPCK), liberando CO2 e causando a

    desacidificao das clulas. O CO2 liberado refixado pelos cloroplastos pela enzima bifuncional ribulose-bisfosfato

    carboxilase/oxigenase (Rubisco).

    Baseado em estudos que mostraram em que momento as enzimas de carboxilao (PEP e Rubisco) agiam, o

    estado de abertura dos estmatos e quando acontecia o acmulo de cidos orgnicos na fotossntese CAM, foi proposto,

    com carter didtico, o conceito das quatro Fases do CAM. Basicamente, o CAM pode ser divido nas seguintes fases: 1) A

    Fase I consiste na abertura noturna dos estmatos acompanhado pela fixao do CO2 e seu armazenamento na forma de

    cidos orgnicos (cido mlico) no vacolo; 2) durante a Fase II (comeo do dia), os estmatos permanecem abertos e o

    CO2 pode ser fixado atravs tanto da PEPC quanto da Rubisco, j que nesse perodo do dia tanto a PEPC quanto a Rubisco

    esto funcionando; 3) durante a Fase III, os estmatos fecham-se, enquanto os cidos orgnicos so remobilizados para

    fora dos vacolos e so descarboxilados, gerando o CO2 para a Rubisco no ciclo de Calvin (C3); finalmente 4) na Fase IV,

    que acontece na transio do dia para a noite, o acmulo de cidos orgnicos encontra-se esgotado e os estmatos

    comeam a abrir novamente. Nessa transio, o CO2 fixado assimilado diretamente pela Rubisco via ciclo de Calvin.

    (Figura 1). importante notar que essas fases so altamente variveis entre as espcies, e s podem ser identificadas no

    chamado CAM clssico (vamos tratar dos tipos de CAM mais adiante).

    Dessa maneira, uma vez que a fotossntese CAM oferece continuamente CO2 Rubisco (durante as Fases II e III),

    poderamos considerar, em essncia, esse tipo de metabolismo um mecanismo concentrador de CO2. Inclusive, essa parece

    ser a funo principal do CAM em plantas aquticas. Em plantas terrcolas, o CAM tambm um mecanismo capaz de

    prover uma alta eficincia no uso da gua, j que limita a abertura estomtica a perodos de alta umidade do ar (por

    exemplo, durante a noite), permitindo a assimilao do CO2 com pouca perda de gua atravs da transpirao.

    Alm das caractersticas fisiolgicas do CAM (fechamento dos estmatos noite, acmulo noturno de cidos e

    aumento da atividade da PEPC), existe outra peculiaridade deste tipo de fotossntese: a presena de duas vias de

    carboxilao, uma mediada pela PEPC e a outra pela Rubisco. Essas enzimas possuem diferenas devidas a caractersticas

    de fracionamento entre a Rubisco e a PEPC, ou seja, em termos prticos, a PEPC "gosta" um pouco mais do carbono 13

    (istopo de carbono) do que a Rubisco. Portanto, os valores de discriminao do carbono isotpico (13

    C) encontrados nas

    plantas so um indicativo de quanto CO2 foi fixado pela Rubisco (durante o dia) ou pela PEPC (durante a noite).

    Conseqentemente, o crescimento dependente da fixao noturna do CO2 gera valores menos negativos de 13

    C (plantas

    CAM), enquanto o crescimento dependente da fixao direta do CO2 atmosfrico durante o dia origina valores de 13

    C mais

    negativos (plantas C3). Por essa razo, os valores de 13

    C encontrados nos tecidos de plantas permitem nos dar uma boa

    ideia se a planta CAM ou C3.

  • 3

    Figura 1: Fases do CAM. A barra clara no eixo-tempo indica o perodo diurno. A largura das barras pretas abaixo do

    grfico indica o grau de atividade enzimtica ou acmulo dos compostos durante as quatro fases do CAM.

    Tipos de CAM

    Com mais informao na literatura sobre o CAM, sabemos que nem todas as plantas CAM fixam CO2

    exclusivamente durante a noite (CAM clssico); atualmente a fotossntese CAM considerada um fenmeno altamente

    flexvel e por essa razo podem existir vrios tipos de CAM. Novamente, essa proposio tem apenas fins didticos, pois

    quase certa a existncia de um continuo de expresso fotossinttica desde o estado C3 at o estado CAM, sendo que a fora

    ou o tipo do CAM pode ser determinado, por exemplo, pelo estgio de desenvolvimento da planta, pelas condies

    ambientais, alm da espcie vegetal. Embora o CAM clssico tenha sido caracterizado apresentando tradicionalmente um

    padro de quatro fases (explicadas anteriormente), a flexibilidade do CAM e a diversidade de espcies CAM ilustram a

    existncia de uma ampla faixa de respostas. Dessa maneira, dentro do CAM, podemos identificar trs tipos principais: o

    CAM clssico, o CAM-cycling e o CAM-idling.

    As plantas que operam em CAM-cycling possuem um perfil de trocas gasosas muito similar quele encontrado

    em plantas C3 (ou seja, com fixao de CO2 durante o dia). A diferena que nelas existe um acmulo noturno de cidos

    orgnicos, proveniente da refixao do CO2 interno respirado via PEPC. Durante o dia, esses cidos so descarboxilados e

    o CO2 fornecido para a Rubisco, enquanto os estmatos permanecem abertos (Figura 2). O CAM-idling expresso

    apenas em condies ambientais mais extremas. Nesse tipo de CAM, os estmatos encontram-se fechados durante as 24

    horas do dia, no havendo trocas gasosas com o ambiente. Entretanto, possvel observar um pequeno acmulo de cidos

    durante a noite, decorrente da recapturao do CO2 respirado. O CAM-idling ao reciclar o CO2 interno, evita um balano

    negativo do carbono s custas do crescimento (Figura 2).

    De maneira interessante, ambos os tipos de CAM podem ser induzidos em resposta falta dgua ou outros

    fatores ambientais como incremento da luminosidade ou salinidade. Ou seja, uma planta que apresenta fotossntese C3pode,

    por fatores ambientais e/ou ontogenticos, ser induzida a expressar algum tipo de CAM, sendo este fenmeno conhecido

    como CAM facultativo.

  • 4

    Figura 2: Caractersticas principais dafotossntese C3 e dos diferentes tipos de CAM (CAM-clssico, CAM-cycling e

    CAM-idling).

    CAM constitutivo e facultativo

    Algumas espcies so capazes de exibir CAM facultativo. O CAM facultativo pode ser parte do programa

    ontogentico da planta, no qual os fatores ambientais podem acelerar ou atrasar a transio j programada de C3 para CAM.

    Dessa maneira, a expresso do CAM pode ser controlada exclusivamente pelo ambiente ou pelo desenvolvimento da planta

    ou, mais comumente, estar influenciada por ambos os fatores (Figura 3).

    Alguns exemplos bem caracterizados de plantas CAM facultativas so Mesembryanthemum crystallinum e

    algumas espcies do gnero Clusia. M. crystallinum uma espcie modelo de CAM facultativo que quando exposta a

    condies de alta salinidade passa a expressar o CAM. Winter & Holtum observaram que M. crystallinum capaz de

    expressar fotossntese C3 durante seu ciclo de vida inteiro se mantida em condies de boa hidratao e no-salinidade,

    demonstrando que a induo do CAM nesta espcie controlado tanto pelo ambiente e pela ontogenia. Mais ainda, quando

    M. crystallinum muda seu metabolismo fotossinttico de C3 para CAM, ele nunca volta para o modo C3 mesmo se as

    condies adversas so removidas. Por outro lado, algumas espcies do gnero Clusia claramente apresentam a capacidade

    de mudar do estado C3 para CAM e vice-versa em resposta quase que exclusivamente a mudanas das condies

    ambientais.

    Assimilao de CO2Quantidade de cidos orgnicos

    Dia

    Noite

    C3

    CAM-cycling CAM-idling

    CAM clssico

  • 5

    Figura 3: Fotossntese C3-CAM facultativa. As condies ambientais e/ou o programa ontogentico podem induzir a

    transio C3-CAM. Dentro da fotossntese CAM os mesmos fatores tambm regulariam a transio entre os tipos de CAM

    (Clssico, Idling, Cycling).

    As plantas que sempre apresentam CAM nos seus tecidos maduros independentemente das condies ambientais

    (estressantes ou no) so classificadas como espcies CAM constitutivas (ou obrigatrias). Claros exemplos de plantas

    CAM constitutivas so algumas espcies dos gneros Opuntia (famlia Cactaceae) e Kalancho (famlia Crassulaceae).

    Entretanto, mesmo sendo classificadas como plantas CAM constitutivas, algumas dessas espcies podem apresentar,

    tambm, algum grau de plasticidade na expresso do CAM em resposta s condies ambientais (Figura 3). Mesmo assim,

    temos que levar em considerao que nem condies ambientais favorveis nem desfavorveis so capazes de mudar o

    modo CAM para o modo C3, porque o programa ontogentico dessas plantas no o permite. Para finalizar a discusso,

    parece que mesmo as plantas consideradas CAM constitutivas apresentam metabolismo C3 quando jovens. Esse

    componente facultativo presente mesmo nas CAM constitutivas ainda gera muita controvrsia sobre como classificar as

    espcies com relao ao tipo de fotossntese.

    Regulao bioqumica do CAM: PEPC e PEPCK

    At aqui vimos que o CAM no apresenta apenas uma forma, e nem parece ser igual ainda que em um mesmo

    indivduo, variando conforme as condies ambientais ou a ontogenia da planta. Sendo assim, a bioqumica do CAM

    precisa ser muito bem regulada para poder se ajustar a cada situao, sendo que erros nessa regulao podem levar, entre

    outras coisas, a um grande desperdcio de energia. Um dos principais pontos de regulao do ciclo bioqumico do CAM a

    enzima PEPC. Essa enzima possui dois tipos bsicos de regulao alostrica: ativao na presena de glucose-6-fosfato

    (glu-6-P) e inibio pelo malato gerado pela MDH no final da rota bioqumica. Isso resulta que, ao final do dia, quando a

    clula est cheia de glu-6-P produzida pela fotossntese e todo o malato acumulado na noite anterior foi consumido, a

    PEPC comea a ser ativada (juntamente com um estmulo para a sntese de mais protena). No final da noite, como a

    concentrao de malato comea a aumentar e o estoque de glu-6-P no to abundante, a PEPC vai perdendo atividade

    (Figura 4).

    J a enzima responsvel pela assimilao de CO2 durante o dia, a rubisco, inibida por acares fosfato (como a

    glu-6-P) e, assim, apresenta um comportamento oposto ao da PEPC. Caso a PEPC funcionasse durante o dia (ao mesmo

    tempo que a rubisco) teramos, alm de uma competio das duas enzimas pelo CO2, um ciclo ftil de carboxilao via

    PEPC e descarboxilao via PEPCK/ME.

    Embora exista um controle atravs de metablitos, como citado acima, h tambm um importante controle atravs

    de outras enzimas que ativam tanto a rubisco como a PEPC. No caso da PEPC, ela pode sofrer fosforilao por uma enzima

    chamada fosfoenolpiruvato carboxilase cinase (PPCK evite confundi-la com a PEPCK!). Quando a PEPC est fosforilada,

    sua sensibilidade inibio por malato muito reduzida e a ativao por glu-6-P muito aumentada (Figura 4). Essa

    regulao por enzimas muito importante, porque permite um controle extra alm dos metablitos, podendo ser usada para

    ajustar o ritmo da enzima ao ritmo circadiano da planta. Adicionalmente, permite respostas rpidas e eficientes a sinais

    ambientais.

  • 6

    Figura 4: Regulao da PEPC. Durante a noite a PPCK fosforila a PEPC. A fosforilao da PEPC causa um aumento de

    atividade nesta enzima, tornando-a menos sensvel inibio por malato, mais sensvel ativao por glu-6-P e

    aumentando sua afinidade pelo PEP.

    As origens do CAM

    Se j existe uma grande discusso quanto ao surgimento de espcies ou grupos taxonmicos, podemos imaginar

    que essa discusso seja ainda maior quando se trata do surgimento de processos fisiolgicos. Analisando as espcies CAM

    atuais, possvel chegar concluso de que o CAM teria surgido muitas vezes, independentemente, a partir de ancestrais

    C3. Aqui, interessante tambm traar um paralelo com o metabolismo C4. Como voc deve se lembrar, a fotossntese C4

    muito parecida com o CAM, com diferena que a diviso entre enzimas PEPC e rubisco espacial, e no temporal.

    Inclusive, as enzimas so praticamente as mesmas tanto para plantas C4 quanto para CAM. Como se isso no bastasse,

    todas as enzimas necessrias para o funcionamento do C4 e do CAM esto presentes tambm em plantas C3. Ento

    deveramos fazer a seguinte pergunta: por que todas as plantas no so C4 ou CAM? Para plantas C4, essa resposta mais

    fcil, pois sabe-se que, para o C4 funcionar bem, preciso de uma anatomia especial - a anatomia Kranz (mesmo assim,

    existem plantas C4 que no possuem esse tipo de anatomia e funcionam muito bem...). Mas e o CAM?

    Se as enzimas esto presentes tanto nas plantas CAM como C3, por que todas elas no fixam CO2 durante a noite?

    A resposta est na regulao das enzimas. A PEPC de plantas C3 funciona durante o dia e est inativa de noite. Voc deve

    estar pensando s isso? Bom, na verdade tambm precisaramos burlar o controle estomtico, fazendo com que os

    estmatos abram durante a noite o que, convenhamos, no um processo to complexo assim. Na verdade, viu-se que

    quando Mesembryanthemum crystallinum e Portulacaria afra, ambas CAM facultativas, eram induzidas ao CAM, seus

    estmatos perdiam a sensibilidade de abrir em resposta luz azul, sendo controlados, aparentemente, mais pelo ritmo

    circadiano do que por fatores ambientais. Portanto, uma mudana em algum componente da sinalizao da abertura

    estomtica associado a outra mudana que faz com que a PEPC funcione de noite (e esse defeito nem precisa estar na

    PEPC poderia muito bem estar na PEPCK) seriam praticamente suficientes para estabelecer o CAM. Na verdade,

    tambm seriam necessrias algumas alteraes na membrana do vacolo para permitir maior armazenamento de cidos,

    mas se sabe pouco sobre isso, alm de ser uma caracterstica presente em todas as plantas. Se pensarmos no caso do CAM-

    cycling e do CAM-idling, um defeito apenas no funcionamento da PEPC bastaria para que esses metabolismos se

    estabelecessem.

    Foi pensando justamente nessa facilidade de uma planta em se tornar CAM, que alguns pesquisadores sugeriram

    que a fotossntese CAM e a C4 poderiam ter surgido de processos de co-opo. Co-opo quando uma caracterstica

    evolutiva surge de outra j existente e passa a ter uma funo diferente. A nova funo no necessariamente substitui a

    antiga, o que ocorre, por exemplo, em um caso de duplicao gnica seguida de mutao em uma das cpias ou mesmo em

    uma duplicao imperfeita. Mais ainda, s com uma mudana no momento em que a PEPC est ativa (mudanas na regio

    regulatria do gene), e no no cdigo da protena em si, teramos uma boa parte do necessrio para o CAM se estabelecer.

    Um fato que corrobora essa hiptese j foi citado anteriormente - o CAM teria surgido muitas vezes independentemente ao

    longo da evoluo, por ser uma mudana relativamente simples. Alternativamente, comum encontrar isoformas

    redundantes da PEPC em plantas, com pequenas diferenas no controle da expresso.

  • 7

    No registro fssil, no temos como encontrar evidncias diretas que uma planta apresentava ou no o CAM. No

    entanto, possvel compar-las com espcies que vivem atualmente ou usar caractersticas morfolgicas/anatmicas

    comuns em plantas CAM atuais (como suculncia, por exemplo) para inferir que certos fsseis poderiam ser capazes de

    realizar CAM. Com base nisso, Isotes um txon que hoje em dia exclusivamente CAM, alm de ter representantes

    mais antigos do que qualquer outro gnero CAM. Assim, imagina-se que as plantas desse gnero possam estar entre as

    primeiras plantas CAM que surgiram. Baseados em anlises morfolgicas e anatmicas de fsseis mais recentes, existem

    algumas possveis espcies CAM dentro das famlias Cactaceae, Bromeliaceae e Agavaceae.

    O CAM e o epifitismo

    J est muito bem aceito que o CAM um tipo de metabolismo vantajoso (ou at mesmo indispensvel) para a

    vida em um ambiente desrtico. No entanto, ele tambm se mostra uma estratgia bastante interessante mesmo dentro de

    florestas tropicais. Nesses locais, existem inmeras espcies que vivem sobre as rvores as chamadas epfitas. Essas

    espcies no possuem contato direto com o solo e nem parasitam a planta hospedeira, usando-a somente como apoio. Na

    verdade, o ambiente epiftico bastante hostil porque, alm de pobre em gua, tambm pobre em nutrientes, assim, para

    sobreviver nesse habitat, as plantas precisam de mecanismos eficientes para capturar e armazenar gua. Como j foi

    mencionado, o CAM um mecanismo eficiente de armazenamento de gua.

    Estudos muito interessantes foram feitos com dois taxa vegetais que apresentam grande quantidade de epfitas:

    Bromeliaceae e Orchidaceae. Nos dois estudos, buscou-se encontrar uma relao clara entre o epifitismo e a ocorrncia do

    CAM. Pensando que a falta de gua seria um fator limitante para a vida nesse ambiente, esperava-se encontrar uma maior

    proporo de plantas CAM epfitas, quando comparadas com as plantas terrcolas. Para as orqudeas, isso se mostrou

    verdadeiro: quanto mais plantas epfitas, maior a incidncia do CAM. Para as bromlias, no entanto, parece no existir essa

    correlao. Inclusive, foi encontrada uma maior proporo de plantas CAM entre as bromlias terrcolas do que nas

    epfitas. Ser que raciocinamos errado? Na verdade no, mas esquecemos de um detalhe. No caso das bromlias existe

    uma estrutura (no presente nas orqudeas) que talvez seja a maior responsvel por alterar essa relao: o tanque.

    O tanque das bromlias formado pela sobreposio das bases das folhas, sendo capaz de acumular grandes

    quantidades de gua e nutrientes. Assim, o CAM no se torna to necessrio assim como, por exemplo, para as orqudeas

    epfitas. O interessante que as chamadas bromlias atmosfricas (epfitas sem tanque) so todas exclusivamente CAM.

    Entretanto, como visto anteriormente, muitas das espcies de bromlias consideradas C3 podem tambm ser capazes de

    expressar o CAM em algumas situaes ambientais ou em diferentes fases do desenvolvimento. Como esses trabalhos

    sobre o metabolismo das plantas so feitos em alguns indivduos em condies ambientais e idades especficas do

    momento de coleta, possvel que o nmero de espcies capazes de expressar o CAM em algum momento da vida esteja

    subestimado nesses estudos. Assim, falta muito para ser estudado sobre metabolismo CAM, afinal de contas, esse tipo de

    fotossntese deve ser mais comum do que parece.

    Referncias bibliogrficas

    Crayn MC; Winter K; Smith JAC. (2004) Multiple Origins of Crassulacean Acid Metabolism and the Epiphytic Habit in

    the Neotropical Family Bromeliaceae.Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of

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  • 8

    Anotaes:

  • 9

    Como as Plantas se Defendem Frente Infeco por Patgenos?

    Alice Nagai

    Bruna Silvestroni Pimentel

    Os prejuzos econmicos causados pela infeco das plantas por fungos e bactrias so bem documentados. Sabe-

    se que os fungos so os maiores causadores de doenas em plantas. Um levantamento feito pelo Imperial College London e

    pela Universidade de Oxford aponta que as perdas nas culturas agrcolas de soja, arroz, milho, trigo e batata devido

    infeco por fungos poderiam alimentar um grande contingente populacional, cerca de 600 milhes a quatro bilhes de

    pessoas. Tal levantamento refora a importncia dos estudos de interao planta/patgeno.

    Vrus tambm so responsveis por diversas perdas econmicas, mas difcil a obteno de dados a respeito

    dessas perdas uma vez que eles so menos conspcuos que outros patgenos. O estudo da interao entre a planta e o vrus

    muito importante, pois os vrus podem infectar praticamente todas as espcies de plantas cultivadas e selvagens. S para

    se ter uma ideia do prejuzo econmico causado pela infeco viral, dados do comeo da dcada de 90 indicam que no

    Sudeste Asitico a cultura do arroz teve uma perda anual de mais de um trilho de dlares. No entanto, houve um caso

    particular no sculo XVII que a infeco viral causou sintomas nas flores de tulipa devido quebra na colorao e as flores

    que apresentavam esse padro de pigmentao eram tidas como variedades especiais, levando ao fenmeno que ficou

    conhecido como tulipomania.

    Nesse captulo sero abordadas, mais especificamente, as infeces das plantas por vrus e por fungos e como as

    plantas respondem a isso, com enfoque no metabolismo das hospedeiras. Tambm sero citados alguns exemplos da

    influncia desses patgenos no metabolismo secundrio das plantas.

    Os vrus que infectam as plantas so especficos para essas hospedeiras, embora um trabalho tenha sugerido que o

    Pepper mild mottle virus possa ter interagido com o sistema imune humano causando sintomas clnicos. Porm, so

    necessrios mais estudos que reavaliem a patogenicidade dos vrus de plantas nos homens.

    Para infectar as plantas, os patgenos precisam transpor a cutcula, a parede celular e vrias outras formas de

    barreira fsica. Tambm existem barreiras qumicas a serem transpostas, como metablitos secundrios txicos produzidos

    pelas plantas. Os vrus podem penetrar nas clulas da planta atravs de injrias foliares por transmisso mecnica ou por

    insetos. Tambm podem ser transmitidos por propagao vegetativa ou por sementes contaminadas. Os fungos, por sua

    vez, secretam enzimas hidrolticas, como cutinase, pectinases, hemicelulases, dentre outras para degradar os compostos da

    parede celular e penetrar nas clulas da planta.

    Uma vez dentro da clula, os vrus precisam liberar o cido nucleico e para tal a capa (lipo)protica que os

    envolve removida. Os fragmentos da capa proteica so eliciadores reconhecidos por receptores ou protenas R localizados

    na membrana plasmtica ou mesmo no citoplasma. Na infeco por fungos, sabe-se que diversas classes de componentes

    podem substituir completamente os eliciadores, incluindo oligo e polissacardeos, como quitina, quitosana e seus

    fragmentos, xiloglucanos, laminarina e outros -glucanos e seus fragmentos, oligogalacturondeos, protenas (harpina),

    derivados lipdicos (siringoldeo), dentre outros.

    Os eliciadores dos patgenos iniciam vias de sinalizao de infeco, as quais envolvem o cido jasmnico, o

    cido saliclico, o xido ntrico, dentre outros sinalizadores, que iro ativar respostas de defesa na planta, como a produo

    de metablitos secundrios.

    Em plantas de milho infectadas pelo Maize rough dwarf virus - Ro Cuarto, observou-se o aumento da

    concentrao de cido jasmnico em relao s plantas sadias. O cido jasmnico possui efeito estimulatrio na produo

    de metablitos secundrios, como alcaloides, terpenos, compostos fenlicos e diversas outras substncias envolvidas na

    defesa contra a infeco.

    Uma vez infectada, a planta pode desenvolver uma resistncia sistmica adquirida (do ingls, SAR systemic acquired

    resistance), sendo induzida pelo cido saliclico e que envolve uma cascata de eventos transcricionais.

  • 10

    H, relativamente, poucos estudos que avaliam a influncia viral no metabolismo secundrio das plantas e ainda

    no h um padro de resposta frente infeco por vrus, podendo ocorrer aumento ou diminuio da concentrao de

    determinado metablito ou at mesmo nenhuma variao qualitativa ou quantitativa.

    Em contrapartida, em plantas infectadas por fungos pode-se observar o aumento na concentrao de compostos

    fenlicos de maneira geral. Isso foi observado em plantas de milho que tiveram concentrao maior de substncias

    fenlicas nas plantas infectadas por Colletotrichum graminicola (Ces.) e Helminthosporium maydis Nisik and Miy; em

    plantas de ma infectadas por Venturia inaequalis (Cke.) Wint e em folhas de arroz da variedade IR36 infectadas por

    Helminthosporium oryzae Breda da Haan. H uma hiptese a respeito do mecanismo de defesa das plantas frente a

    patgenos que prediz que os gentipos de hospedeiros resistentes tendem a sintetizar e/ou acumular maiores concentraes

    de fenlicos do que os susceptveis quando expostos aos eliciadores de patgenos.

    Em plantas de Datura stramonium infectadas pelo Potato virus X, houve diminuio da concentrao de

    compostos fenlicos nas folhas inoculadas com o vrus (infeco local). Entretanto, houve aumento da concentrao dessas

    substncias nas folhas no inoculadas com o patgeno (infeco sistmica) similarmente com a resposta obtida para

    infeco fngica.

    Os leos volteis so conhecidos por sua funo de repelncia contra insetos e diversas outras funes de proteo

    da planta, como ao contra vrus de plantas. O leo voltil de Melaleuca alternifolia foi aplicado em Nicotiana glutinosa

    antes de ser inoculado o Tobacco mosaic virus e foi observado que houve diminuio no nmero de leses causadas por

    esse vrus.

    H outros trabalhos que avaliaram a composio e a concentrao dos leos volteis em plantas sadias e

    infectadas por vrus e so voltados para o valor econmico dessas substncias na indstria. Eles observaram que esses

    patgenos podem causar a mudana na composio e/ou na concentrao dos leos volteis alterando a fragrncia, as

    propriedades farmacolgicas e funcionais, causando a reduo da sua qualidade. Esses trabalhos no correlacionam essas

    mudanas com a defesa da planta apesar de os leos volteis desempenharem papel de proteo como antivirais.

    Outra classe de metablitos secundrios envolvida na defesa da planta a dos alcaloides. O mesmo trabalho que

    avaliou a concentrao de compostos fenlicos em Datura stramonium infectada pelo Potato virus X tambm avaliou a

    concentrao de alcaloides totais, alm de escopolamina e de atropina. Foi observado que houve diminuio da

    concentrao de alcaloides totais e a escopolamina foi encontrada apenas em trao nas plantas infectadas. Apesar do papel

    de defesa desempenhado por essas substncias, houve diminuio da concentrao nas plantas infectadas, provavelmente

    porque a infeco viral desvia o uso dos aminocidos e dos nucleotdeos da hospedeira para a sntese de protenas e cidos

    nucleicos virais.

    H alguns micro-organismos, principalmente fungos e bactrias, que convivem harmoniosamente no interior

    das plantas sem manifestaes visveis de doena (associao assintomtica) estabelecendo uma relao simbitica. Tais

    micro-organismos so denominados endofticos, sendo que nessa relao h um equilbrio entre os fatores de virulncia e

    as respostas de defesa da planta. Entretanto, se houver um desequilbrio nessa relao, pode ocorrer a patogenicidade.

    Ento, os mecanismos de defesa da planta podem ser mais eficientes, ocasionando a morte ou a atenuao dos patgenos

    ou os fatores de virulncia podem se sobressair, causando a doena da planta, conforme mostra o esquema a seguir.

    Genes de

    resistncia

    Genes de

    resposta de

    defesa

    Enzimas, protenas-RP,

    lignificao, etc

    Transduo de sinal

    Genes de avirulncia

    Enzimas, toxinas

    Elicitor no-especfico

  • 11

    Na interao planta-patgeno, os mecanismos de defesa das hospedeiras surgiram, provavelmente por mutaes

    hereditrias, seleo natural e mudanas evolucionrias. As mutaes produziram substncias do metabolismo que no

    eram txicas para as plantas, no eram to custosas energeticamente e as plantas que as possuam deixavam mais

    descendentes do que as que no as produziam, devido proteo extra contra os patgenos. Tais mutaes foram passadas

    de gerao em gerao, proporcionando s plantas um eficiente sistema de defesa. Interessantemente, as substncias que

    proporcionam defesa contra os patgenos so responsveis por caractersticas no desejveis nas plantas que so

    consumidas como alimentos pelo homem. Dessa forma, as culturas alimentcias foram melhoradas de modo a possurem

    baixas concentraes das substncias de defesa, tornando-as suscetveis a infeces, pois a relao de equilbrio explicada

    no pargrafo anterior desfeita, havendo o predomnio dos fatores de virulncia que iro causar as doenas nas plantas.

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    374.

  • 12

    Anotaes:

  • 13

    Os Estudos da Flor Jos Hernandes Lopes-Filho

    Juliana El Ottra

    Karina Bertechine Gagliardi

    Keyla Rodrigues

    Thlia do Socorro Serra Gama

    Os estudos da flor dentro do contexto dos estudos de biologia comparativa tiveram seu inicio com os trabalhos de

    J. W. von Goethe, na rea da morfologia, e com C. K. Sprengel, na rea de biologia floral. Passados cerca de dois sculos

    desse incio, os estudos sobre a flor hoje abrangem diversas reas da biologia, como a anatomia, desenvolvimento, biologia

    da polinizao, biologia reprodutiva, gentica, biologia molecular, paleobotnica e estudos de diversidade e evoluo. Com

    o avano da tecnologia nas ltimas dcadas, notadamente com a microscopia eletrnica e com o desenvolvimento de novas

    metodologias nos estudos de gentica e biologia molecular, novas e fascinantes descobertas tm sido feitas. Dado que so

    diversas as reas que estudam a flor, difcil sintetizar tudo o que se conhece hoje sobre essa estrutura to importante para

    a reproduo em Angiospermas. Assim sendo, aqui daremos destaque, sobretudo para os estudos sobre morfologia e

    anatomia bem como mecanismos moleculares envolvidos na florao e estruturas secretoras associadas.

    Morfologia

    A flor um ramo altamente modificado, apresentando apndices especializados. uma estrutura vegetal bastante

    complexa, na medida em que esta apresenta diferentes regies, com estrutura e funes diversas. Basicamente uma flor

    desenvolvida possui trs principais conjuntos: o perianto (spalas e ptalas), o androceu (estames) e o gineceu (carpelos),

    estando estas estruturas organizados de maneira verticilada (mais comum) ou espiralada (mais raro, presente no grupo das

    Angiospermas basais). As spalas que em conjunto formam o clice so localizadas mais externamente na flor, seguida

    mais internamente das ptalas, constituintes da corola, depois estames e no centro da flor localizam-se os carpelos.

    Androceu e gineceu so os verticilos frteis da flor, na medida em que estes portam os microgametfitos e os

    megagametfitos, os quais produzem os ncleos espermticos e a oosfera, que so as clulas reprodutivas ou gametas,

    respectivamente.

    A grande diversidade de formas florais encontradas em Angiospermas se origina das variaes encontradas dentro do plano

    morfolgico bsico supracitado. Assim, as flores podem ser solitrias ou agrupadas em inflorescncias, sendo que o

    nmero e o arranjo dos rgos florais, bem como sua forma e fuses entre verticilos, determinam em grande parte as

    diferentes estruturas florais encontradas na natureza. Tambm a diferenciao de novas estruturas na flor, oriundas de

    modificaes nos verticilos tradicionalmente reconhecidos, pode ocorrer, gerando estruturas como as coronas (apndices

    petalares e/ou estaminais, comum em grupos como Velloziaceae, Passifloraceae e Apocynaceae).

    Tambm sobre os rgos florais pode ocorrer a diferenciao de estruturas glandulares, produtoras de secreo,

    dos mais variados tipos e formatos. Dentre as estruturas secretoras da flor, podem ser citadas as que servem como recursos

    e/ou atraentes animais que visitam a flor, como os nectrios (secretam o nctar, substncia aucarada), oosmforos

    (secretam compostos volteis), elaiforos (secretam substncias lipdicas), e as glndulas de resina.

    Os verticilos florais podem apresentar-se livres ou fundidos, sendo conatos quando a fuso ocorre no mesmo

    verticilo e adnatos, quando a fuso ocorre em verticilos diferentes. Como resultado da unio dos verticilos, arquiteturas

    bastante complexas podem ser geradas, e adicionalmente s mudanas da forma no desenvolvimento, torna-se s vezes

    difcil o reconhecimento da identidade de cada um dos quatro verticilos florais na estrutura floral desenvolvida. Como

    exemplos desses casos, pode-se citar: o ginostmio das Orchidaceae, resultante da fuso do androceu e estilete; a flor de

    Canna indica (Cannaceae) onde o estilete petalide unido ao estame; e o ginostgio de muitas Apocynaceae, resultante da

    unio das anteras com o estilete.

    Adicionalmente as alteraes na arquitetura floral, as coloraes dos verticilos florais so tambm notavelmente

    diversas. A corola verticilo que comumente apresenta maiores variaes de cor dentre as Angiospermas, sendo tal fato

    associado atrao visual de certos polinizadores. A colorao nas ptalas pode ser gerada pela presena de antocianinas,

    antoxantinas ou ainda betalanas, dentre outras substncias, acumuladas no vacolo, ou ainda carotenos e xantofilas

    presentes no interior dos cromoplastos ou cloroplastos, no citoplasma. Geralmente as clulas que apresentam estes

  • 14

    pigmentos localizam-se na epiderme. Outros mecanismos que tornam as ptalas mais vistosas so a presena de espaos

    intercelulares que refletem a luz, ou ainda superfcies com papilas e concavidades gerando o efeito aveludado da superfcie.

    Desenvolvimento

    O meristema apical caulinar (MAC) pode ser vegetativo (figura 1), quando d origem aos tecidos e rgos

    vegetativos, ou reprodutivo, quando sofre modificaes induzidas por uma cadeia de estmulos, originando os tecidos e

    rgos florais. As clulas do meristema em geral caracterizam-se por terem tamanho comparativamente menor, e por

    possurem parede primria, plastos indiferenciados e citoplasma denso.

    A transio de um meristema vegetativo para um floral envolve modificaes morfo-anatmicas conspcuas,

    sobretudo relacionadas interrupo do crescimento indeterminado, caracterstico do estdio vegetativo, e a produo dos

    apndices florais. bem como da produo de folhas vegetativas e ocorrncia de um maior alongamento dos entrens.

    No crescimento vegetativo, aps a formao de cada folha, o meristema cresce de forma a restaurar o tamanho

    original antes da formao da prxima folha. No entanto, durante o desenvolvimento da flor o meristema diminui

    gradualmente aps a formao de cada pea floral, at ser completamente diferenciado na formao do ltimo verticilo,

    embora algumas espcies possam reter um resqucio de tecido meristemtico que permanece inativo (figura 2). Durante o

    desenvolvimento, os rgos florais surgem no pice do meristema floral de modo ordenado, muitas vezes refletido em um

    rpido alongamento do eixo, que formar a inflorescncia, seguido pela ampliao e achatamento dos meristemas que

    daro origem s flores.

    As peas florais se encontram dispostas tipicamente em uma ordem especifica, o padro mais comumente

    encontrado o surgimento dos primrdios dos verticilos em sequncia centrpeta e acrpeta, com a formao em ordem, de

    spalas, ptalas, estames e carpelos (figura 2). Contudo, variaes nesse padro podem ser encontradas. Os primrdios de

    todos os verticilos florais tm aspecto de um domo semi-esfrico ou estes so lateralmente achatados, sendo estes estgios

    iniciais similares para todos os tipos de rgos. A iniciao dos primrdios visvel histologicamente, como reas

    intensamente coradas no meristema floral (figura 2). A formao do primrdio de um verticilo induz a diferenciao de um

    feixe procambial, que mais tarde se tornar o feixe vascular principal (mediano ou dorsal) do rgo. O feixe procambial

    recm formado se conecta com um ou mais feixes vasculares mais desenvolvidos, localizados mais abaixo na base da flor

    ou pedicelo. Durante o crescimento do rgo, mais feixes de procmbio podem se diferenciar.

    Muitas vezes os primrdios florais de um mesmo verticilo podem surgir inicialmente unidos como uma projeo

    anular do meristema floral (e.g.: tubo corolino), resultante da fuso dos meristemas individuais de cada verticilo. Este tipo

    de fuso denominado de fuso congnita, e evidente somente nos estgios iniciais de desenvolvimento floral. Diferente

    da unio congnita dos primrdios florais, outra, por meio da unio posgnita, tem sido observada nos diferentes verticilos

    florais, que ocorre quando estes se tornam unidos aps surgirem e experimentarem o desenvolvimento como peas livres,

    ocorrendo apenas posteriormente unio por meio da adeso das margens dos verticilos, podendo ocorrer ou no a fuso

    completa destas (e.g. margens dos carpelos de diversas Angiospermas, falsa simpetalia em Correa, Oxalis, Conhocarpus;

    anteras de Asteraceae).

    Spalas e ptalas tm ontogenias diferentes: enquanto que o surgimento dos primrdios do clice ocorre em

    sequncia espiral, as ptalas apresentam surgimento verticilado de seus primrdios. Quanto vascularizao, spalas

    geralmente apresentam trs feixes vasculares, enquanto que ptalas possuem apenas um, podendo se ramificar em maior

    nmero posteriormente, havendo variados desvios a esse padro.

    Os estames, aps o desenvolvimento de seu primrdio, diferenciam primeiramente a regio da antera para apenas

    depois diferenciar a poro do filete. Estes so vascularizados por apenas um feixe vascular por estame. Nos casos onde

    ocorre androceu polistmone(i.e.: nmero de estames muito superior ao merismo bsico da flor, mais que o dobro do

    nmero de ptalas) o desenvolvimento dos primrdios ocorre por fragmentao do nmero bsico inicial dos primrdios de

    estame.

    Quanto ao desenvolvimento do carpelo, este apresenta inicialmente uma zona de cruzamento, que corresponderia

    margem foliar onde o vulo se desenvolve em sua superfcie interna, e uma zona secundria, onde as demais pores se

    desenvolvero. Quando desenvolvido o carpelo apresenta duas regies bsicas: a poro plicada, correspondente regio

    do estilete e estigma (geralmente de formato mais ou menos cilndrico), e a poro ascidiada, correspondente ao ovrio

    (formato arredondado). Mas h excees a esse padro, por exemplo, em Austrobaileyaceae o carpelo no possui zona

  • 15

    plicada (no h um estilete e estigma diferenciado), sendo o fechamento do carpelo incompleto e o pice com um estigma

    funcional secretor. Ainda que a caractersticas mais marcantes de Angiospermas seja a presena de vulos protegidos por

    carpelos, muitas vezes o fechamento da folha carpelar ocorre apenas durante as etapas finais de sua ontogenia.

    Quanto vascularizao, o carpelo apresenta geralmente trs feixes vasculares, um dorsal (que se prolonga at o

    estilete, podendo ocorrer ramificaes) e dois ventrais (que irrigaro o vulo), no entanto variaes quanto ao nmero e

    posio de feixes podem ocorrer.

    O gineceu pode ser unicarpelar, proveniente do desenvolvimento de apenas um primrdio, como, por exemplo,

    em Leguminosae, bem como pode ser pluricarpelar, sendo gerado a partir de vrios primrdios. Neste ltimo caso os

    primrdios dos carpelos podem ser livres e o gineceu denominado de apocrpico (e.g.: Dilleniaceae) ou unidos de variadas

    formas e por diferentes extenses, sendo o gineceu denominado de sincrpico (e.g.: Bromeliaceae, Bignonicaceae), sendo

    que estas unies podem ocorrer de maneira congnita ou posgnita. Mais comumente so encontrados gineceus sincpicos

    com poro basal unida congenitamente e pores apicais unidas posgenitalmente.

    Figura 1: Meristema apical caulinar vegetativo de Asclepias curassavica (foto de Diego Demarco)

    Primrdios

    Foliares

  • 16

    Figura 2: Boto floral jovem de Asclepias curassavica (foto de Diego Demarco)

    Mecanismos moleculares responsveis pelo desenvolvimento floral

    Com o advento da biologia molecular, alguns dos principais mecanismos de controle do desenvolvimento vegetal

    foram elucidados. No que se refere ao desenvolvimento reprodutivo, muito do que se conhece hoje foi obtido com estudos

    realizados com Arabidopsis thaliana (Brassicaceae) e Antirrhinum majus (Plantaginaceae), chamadas de plantas modelo. O

    estudo exaustivo, sobretudo de linhagens mutantes dessas plantas, resultou na descoberta de muitos genes e seus modos de

    atuao no desenvolvimento vegetal. Os tpicos abordados a seguir so vlidos, sobretudo para estas plantas modelo, mas

    em grande parte so conservados ao longo das angiospermas e muitas vezes podem ser extrapoladas para diversos de seus

    grupos.

    Induo floral

    A florao um fenmeno que ocorre de forma coordenada na vida das plantas e depende de uma srie de fatores,

    sejam endgenos (nveis de expresso de determinados genes), ou exgenos (temperatura, fotoperodo, hormnios).

    O fotoperodo, ou seja, a durao do ciclo claro/escuro um dos mais importantes mecanismos, conhecido h

    bastante tempo como fator crucial na determinao da induo floral. Desta maneira, algumas plantas so classificadas

    como de dias curtos, isto , florescendo quando os dias so curtos e as noites longas (inverno), enquanto outras so de dias

    longos (vero).

    Atravs de diversos experimentos, foi constatado que a percepo do fotoperodo ocorre nas folhas e de alguma

    maneira essa informao transmitida at os meristemas vegetativos, onde desencadeia mudanas que resultam na

    formao de flores. Foi ento estabelecido o conceito de florgeno, um hormnio que seria responsvel por esta

    transmisso de informao. Por muito tempo, diversos pesquisadores buscaram por este elusivo hormnio sem sucesso.

    Contudo, recentemente foi elucidado o mecanismo pelo qual o fotoperodo influencia na florao.

    Spalas

    Ptalas

    Estames

  • 17

    Resumidamente, a florao depende de um relgio circadiano endgeno que controla a variao expresso de uma

    rede de genes. O gene diretamente ligado ao relgio, TIMING OF CAB EXPRESSION1 (TOC1), oscila sua expresso

    conforme o mesmo, independente do ciclo de luz. Contudo, um dos genes controlado por TOC1 transcreve para a protena

    CONSTANS (CO), que degradada durante a fase escura do ciclo (figura 3). Por fim, CO induz a expresso de outro gene,

    FLOWERING LOCUS T (FT), cuja protena transportada das folhas at os meristemas. Desta maneira em plantas que

    florescem em dias curtos, FT age como indutor de florao, enquanto que em plantas de dias longos, FT atua como

    repressor.

    Figura 3. Representao esquemtica da expresso de CO e FT em diferentes regimes de fotoperodos. Dia curto: embora

    CO expresse normalmente, sua protena degradada durante a noite, no sendo capaz de induzir FT. Dia longo: No h

    alterao na expresso de CO, mas sua protena capaz de se manter ntegra, promovendo a expresso de FT.

    Alm do fotoperodo, geralmente em regies que passam por um perodo severo de inverno, importante um

    mecanismo que assegure que a florao ocorra apenas aps o inverno. O processo pelo qual a temperatura atua na florao

    denominado de vernalizao, e seu mecanismo no to bem conhecido quanto ao do fotoperodo, embora parea estar

    ligado a mudanas na expresso gnica devido condensao da cromatina durante os perodos de frio mais intenso.

    Por fim, muitas plantas podem entrar em florao independentemente dos estmulos exgenos devido a um

    aumento, intrnseco e constante durante seu desenvolvimento, na expresso de genes responsveis pela induo floral,

    especialmente o gene LEAFY (LFY).

    Identidade e manuteno do meristema floral

    Como mencionado anteriormente, o MAC pode possuir diferentes identidades, sendo elas: (1) meristema

    vegetativo (MV); (2) meristema da inflorescncia (MI); (3) meristema floral (MF). Sendo que na prtica, o que diferencia

    esses meristemas o comportamento de sua atividade, sobretudo no que diz respeito ao tipo de primrdios produzidos.

    Desta maneira, um MV caracterstico por produzir folhas (com seus respectivos meristemas axilares), enquanto

    um MI produz brcteas e/ou meristemas florais. O MF por sua vez produz os rgos florais (spalas, ptalas, estames e

    carpelos) e finalmente cessa sua atividade. Como normalmente as flores so produzidas em inflorescncias, geralmente o

    processo de florao envolve os dois processos de transio meristemtica (MVMIMF), que so caracterizados por

    mudanas na expresso de genes regulatrios da atividade do meristema e da manuteno ou no de uma populao de

    clulas com caractersticas meristemticas.

    Os genes responsveis pela transformao e manuteno do meristema floral so chamados de floral meristem

    identity (FMI) genes (genes de identidade do meristema floral), sendo os principais: LFY, APETALA1 (AP1),

    CAULIFLOWER (CAL) e FRUITFULL (FUL). Todos esses genes codificam para protenas que agem como fatores de

  • 18

    transcrio, regulando a expresso de uma infinidade de genes, e que resulta por fim no desenvolvimento adequado dos

    rgos reprodutivos.

    O gene LFY parece ser o piv na transio para o meristema floral, sendo observado um aumento drstico em sua

    expresso, que ocorre de maneira uniforme em todo o meristema. Este gene atua como fator de transcrio para uma srie

    de outros genes relacionados florao, em especial AP1, AP3 e AGAMOUS (AG), genes do modelo ABC (ver prximo

    tpico). Uma vez que AP1 tambm induz a expresso de LFY, uma rede de feedback positiva criada, assegurando que,

    uma vez desencadeado, o processo de estabelecimento do MF mantido at o final.

    Outros genes tambm atuam de forma crucial para a atividade do meristema floral, como AG, que promove o fim

    da proliferao de clulas meristemticas aps o desenvolvimento dos carpelos.

    Por fim, embora desempenhe papel antagonista aos de identidade floral, reprimindo a expresso de LFY e AP1, o

    gene TERMINAL FLOWER 1 (TFL1), desempenham papel fundamental para o desenvolvimento reprodutivo. Entre outras

    atividades, TFL1 impede que LFY e AP1 transformem um MI em MF. Desta maneira, muitas das arquiteturas de

    inflorescncia observadas na natureza resultam do balano entre as expresses dos genes de identidade floral (LFY e AP1)

    e seu repressor TFL1.

    Determinao dos rgos florais e o modelo ABC

    A partir de estudos baseados em plantas modelo, foram descobertas linhagens de mutantes que exibiam mutaes

    hometicas em suas flores (mutaes que produzem um rgo onde normalmente se encontraria outro). Aps o estudo de

    diversas linhagens, notou-se que as mutaes hometicas em flores sempre afetavam dois verticilos adjacentes, e nunca um

    apenas. Embora muitos mutantes tenham sido reconhecidos, todos se encaixavam em 3 categorias: (A) spalas e ptalas

    eram substitudas por carpelos e estames, respectivamente; (B) ptalas e estames eram substitudos por spalas e carpelos; e

    (C) estames e carpelos eram substitudos por ptalas e spalas.

    Desta maneira, foi estabelecido o chamado modelo ABC da determinao dos rgos florais (figura 4). O

    modelo prope que a expresso de genes classe A determina a formao de spalas; a atividade conjunta de A e B

    especifica a formao de ptalas; B e C combinados determinam estames e a atividade de apenas C resulta na formao de

    carpelos. O modelo tambm prope uma regulao negativa entre A e C, e a expresso de B nos verticilos 2 e 3

    independentemente dos outros fatores do prprio modelo.

  • 19

    Figura 4. Representao esquemtica do modelo ABC em Arabidopsis thaliana. A combinao de diferentes classes de

    genes responsvel pela determinao dos gos florais.

    Em Arabidopsis, os genes APETALA1 (AP1) e APETALA2 (AP2) correspondem funo de A; APETALA3 (AP3)

    e PISTILLATA (PI) funo de B; AGAMOUS (AG) para a funo de C.

    Posteriormente, com a descoberta de outros genes envolvidos, foram incorporadas ao modelo as funes D,

    relacionada identidade de vulos, e E, necessria para a formao de todos os rgos florais. Em Arabidopsis a funo D

    realizada pelo gene SEEDSTICK (STK), em redundncia com os genes SHATTERPROOF1 (SHP1), SHP2 e AG. J

    funo E realizada pelos genes SEPALLATA1 (SEP1), SEP2 e SEP3.

    Hoje, sabemos que muitos desses genes so fatores de transcrio que orquestram a expresso de uma infinidade

    de outros genes responsveis por desenvolver corretamente cada rgo floral. Sabemos ainda que muitos desses genes

    atuam conjuntamente formando heterodmeros. Desta maneira, um complexo formado por protenas AP1 e SEP, por

    exemplo, responsvel pela regulao de genes que no final resultaro no desenvolvimento de uma spala.

    Por fim, estudos com o silenciamento de genes da classe E (SEPALLATA) mostram que na ausncia do

    mecanismo que leva formao dos rgos florais, os primrdios derivados do meristema floral transformam-se em flores

    com quatro verticilos de rgos morfologicamente semelhantes s folhas. Tal resultado corrobora as teorias anteriormente

    propostas sobre a homologia dos rgos florais com as folhas do corpo vegetativos da planta. Notavelmente a equivalncia

    entre folhas e flores foi primeiramente propostas pelo filsofo alemo J. W. Goethe, em 1790.

    Estruturas Secretoras Florais

    A flor, assim como as demais partes das plantas, podem apresentar estruturas secretoras nos diferentes verticilos

    florais, bem como na inflorescncia. As secrees (ou exsudatos) que estas produzem so provenientes de processos

    metablicos, que incluem os processos de sntese, isolamento de substncias e posterior liberao, tanto nos espaos

    extracelulares no interior do rgo em que esta formada, como para o exterior da planta. Estes exsudatos apresentam

    composies qumicas bastantes variadas, podendo apresentar, por exemplo, gua, protenas, leos, nctar, ltex,

    substncias salinas, resinas etc. As clulas secretoras presentes no rgo de onde so liberados estes exsudatos apresentam,

    geralmente, caractersticas histolgicas, como ausncia de parede celular secundria, citoplasma de aspecto denso e ncleo

    relativamente grande, em relao ao citoplasma.

    As estruturas secretoras podem apresentar-se como uma clula individualizada (idioblastos) ou em uma estrutura

    multicelular (tricomas, emergncias, cavidades e canais), sendo tais estruturas de reconhecida importncia taxonmica e

    filogentica, uma vez que certos tipos so caractersticos de grupos de plantas, e servem como evidncia de parentesco

    prximo entre as mesmas.

    As estruturas secretoras florais podem possuir diferentes classificaes quanto sua posio e/ou funo, no

    havendo universalidade quanto utilizao dos mesmos termos na literatura. Assim, quando localizada no interior da flor,

    comumente chamada de estrutura secretora floral (e.g.: nectrios florais) e quando localizada em outra regio ou nas

    proximidades da flor (inflorescncias), pode ser chamada de extrafloral (e.g.: nectrios extraflorais). De modo semelhante,

    quando a funo da estrutura est relacionada polinizao, denominada de nupcial (e.g.: nectrio nupcial), e quando no

    apresenta tal funo, extranupcial (e.g.: nectrios extranupciais), podendo estar envolvidas em outras funes, como por

    exemplo, mecanismos de defesa anti-herbivoria. Muitas vezes a confuso no uso destas terminologias provm da ausncia

    de dados sobre a funo das estruturas secretoras florais.

    Nas flores, vrias estruturas secretoras so conhecidas, as mais comumente encontradas so:

    Os nectrios, que so tecidos especializados na produo de nctar. Estes podem ser visualizados a partir de uma

    gama de estruturas, morfologicamente e anatomicamente diversas. Os nectrios intraflorais, frequentemente apresentam-se

    em forma de um anel basal contnuo ao redor do ovrio.

    A composio do nctar varivel, porm este constitudo, de modo geral, por sacarose, glicose e frutose, mas

    mucilagem, aminocidos, protenas, ons minerais, vitaminas, enzimas e cidos orgnicos tambm podem ser encontrados.

    A presena do nctar floral est tradicionalmente associada atrao de polinizadores nectarvoros, no entanto pode

  • 20

    apresentar outras funes como induo da germinao dos gros de plen dentro da cmara estigmtica, bem como sua

    presena em nectrios no clice tem o potencial de atrair formigas protetoras contra herbvoros.

    O tecido transmissor o tecido atravs do qual os tubos polnicos crescem at chegar micrpila do vulo,

    havendo uma relao nutricional ou fisiolgica com os tubos polnicos. definindo como uma parte do gineceu que se

    estende do estigma ao ovrio, podendo ser parcial ou inteiramente secretor e composto por trs regies: estigmtica, estilar

    e ovariana. Embora a presena de tecido transmissor e o caminho percorrido pelo tubo polnico atravs do gineceu de flores

    sejam bem conhecidos, h raras informaes estruturais sobre estes tecidos e quase nenhuma sobre as secrees produzidas

    por eles, sendo que h relatos de presena de secreo mucilaginosa tanto na regio estigmtica como na estilar.

    Alm das estruturas secretoras florais acima citadas, h tambm outras como elaiforos, colteres, laticferos,

    osmforos, alm dos tecidos secretores de resina. Tais estruturas produzem secrees relacionadas atrao e nutrio de

    visitantes florais ou atrao de formigas protetoras da planta.

    Os estudos comparativos das estruturas secretoras florais em diversos grupos de plantas permitem-nos

    compreender no apenas os aspectos funcionais destas secrees, mas tambm as alteraes graduais que ocorreram nestas

    estruturas ao longo da histria evolutiva dos grupos que as possuem. Por exemplo, alteraes na localizao do nectrio,

    composio do nctar e seu local de acmulo pode apresentar relao s mudanas evolutivas quanto a diferentes tipos de

    polinizadores; tambm, na evoluo de carpelos apocrpicos para sincpicos ou parcialmente sincrpicos, foram

    observadas alteraes no trajeto dos tecidos transmissores no interior do gineceu, e consequentemente no direcionamento

    dos tubos polnicos, podendo promover a fecundao dos vulos de um ou mais lculos do ovrio devido ao surgimento de

    um compitum (estrutura oriunda da unio de todos os tecidos transmissores dos carpelos).

    Referncias bibliogrficas

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  • 22

    Anotaes:

  • 23

    Folha: Desenvolvimento e Estrutura

    Aline Siqueira Nunes

    Juliana Castelo Branco Brasileiro

    Mariane Sousa Baena

    Rafael Cruz

    Origem das plantas terrestres e as primeiras folhas

    As primeiras evidncias de vegetais terrestres encontradas so esporos, datados de 460 milhes de anos,

    cuja morfologia sugere que foram produzidos por plantas parecidas com hepticas. Por volta de 420 milhes de anos

    atrs, fsseis mostram que as plantas ainda apresentavam uma estrutura bastante simples com ramos areos j

    providos de clulas condutoras de gua, sendo um fssil de Cooksonia o primeiro registro de planta vascular

    encontrado. As primeiras plantas terrestres no possuam folhas, sendo compostas apenas de estruturas caulinares e,

    de acordo com a teoria do teloma de Zimmermann, as folhas teriam surgido atravs de uma reduo de um sistema de

    ramos laterais. Primeiramente, houve uma modificao da estrutura dicotmica para a formao de um eixo principal

    e ramos laterais (overtopping). Em seguida, os ramos que se posicionavam formando uma estrutura tridimensional

    ficaram restritos a apenas um plano (planation) e, por fim, tecido parenquimtico fotossintetizante comea a se

    formar entre os ramos, ligando-os (webbing), Figura 1.

    Figura 1: Esquema ilustrando o surgimento das folhas a partir de uma planta ancestral que apresentava apenas ramos

    segundo a teoria do teloma. A. Planta formada apenas por ramos, com padro de ramificao dicotmico. B. Planta

    formada de um eixo principal e ramos laterais. C. Os ramos sofrem uma modificao em sua estrutura, estando agora

    posicionados em apenas um plano. D. Concrescimento de tecido parenquimtico (em cinza) entre os ramos, formando

    a lmina foliar.

    Plantas com folhas evoluram h 410 milhes de anos e os microfilos de Baragwanathia longifolia foram as

    primeiras estruturas foliares encontradas no registro fssil. Durante o perodo Devoniano (~420-350 milhes de anos)

    ocorreu uma exploso de diversidade nas plantas e surgiram caractersticas que possibilitaram que plantas terrestres,

    antes ocupando apenas reas midas, pudessem colonizar reas mais secas. Nesse perodo, folhas de formas mais

    complexas evoluram a partir de folhas incipientes e, como conferiam uma vantagem adaptativa ao ambiente terrestre,

    foram mantidas ao longo da evoluo. Atualmente podemos dividir as folhas em simples ou compostas, sendo que as

    folhas simples possuem lminas foliares inteiras e as folhas compostas apresentam a lmina subdividida em fololos.

    A subdiviso da lmina foliar em fololos maximiza a rea fotossinttica e diminui a tenso mecnica potencial que

  • 24

    uma superfcie nica e inteira, como as lminas simples, sofreria. Atualmente, quase todas as plantas vasculares

    possuem folhas e as espcies afilas (sem folhas) evoluram atravs de perda secundria a partir de um ancestral que

    possua folhas. Entretanto, as plantas afilas, em geral, desenvolveram outras estratgias fotossintticas como caules

    ou razes fotossintetizantes.

    Diferentemente dos animais, que apresentam crescimento fechado e determinado, os vegetais apresentam

    crescimento aberto e indeterminado. A forma geral que vemos nos animais adultos determinada no incio do

    desenvolvimento e uma vez que os animais se tornam adultos (capazes de se reproduzir), sua forma no mudar

    muito ao longo de sua vida. Por outro lado, as plantas continuam a crescer por toda a vida e sua forma geral no

    definida na fase embrionria. Dessa forma, seu desenvolvimento dito indeterminado. Alm disso, seu nmero de

    partes no fixo (, na maior parte das vezes, impossvel predizermos quantos galhos ou folhas uma rvore adulta

    possuir) sendo assim tambm denominado aberto. Os animais, ao contrrio, tm uma forma corporal pr-programada

    e com nmero de partes definido (por exemplo, seres humanos tero cinco dedos em cada mo), sendo considerados,

    portanto, de crescimento fechado. As plantas tm essa capacidade de crescer durante toda a sua vida devido

    reteno, na fase adulta, de regies meristemticas com potencial pra se multiplicar e formar tecidos. Essas zonas

    meristemticas, denominadas meristema apical caulinar (MAC) e meristema apical radicular so posicionadas cedo

    no desenvolvimento. Um embrio vegetal muito simples quando comparado ao de um animal, consistindo

    basicamente da radcula, hipoctilo, cotildones, meristema apical caulinar e meristema apical radicular. a partir da

    atividade desses dois meristemas apicais que todo o corpo da planta adulta se forma aps a germinao da semente e

    mutaes que suprimem a formao de um deles, em geral, so fatais.

    Especificamente, a arquitetura primria das partes areas da planta derivada do meristema apical caulinar,

    o qual produz folhas, interns e gemas axilares. Diferenas aparentemente simples na iniciao do rgo a partir do

    MAC podem resultar em morfologias dramaticamente divergentes. Dessa maneira, a organizao e manuteno do

    meristema continuam a ser uma questo fundamental nos estudos de desenvolvimento das plantas.

    Ontognese foliar

    O desenvolvimento foliar pode ser dividido em quatro estgios: iniciao, diferenciao inicial,

    desenvolvimento do eixo da folha e, por fim, origem e histognese da lmina foliar. A iniciao da folha ocorre por

    meio de divises que ocorrem em um pequeno grupo de clulas lateralmente situadas em relao ao pice do caule, o

    que resulta na formao do primrdio foliar. Este primrdio, que consiste em uma protoderme, uma regio central de

    tecido fundamental e procmbio tem a forma de um pequeno cone, com a face adaxial achatada. As clulas apicais do

    primrdio foliar apresentam diferenciao relativamente rpida, sendo grande parte do crescimento no sentido

    prximo-distal dado por crescimento intercalar. O crescimento em comprimento do eixo acompanhado pelo

    aumento na largura, como resultado de divises celulares na regio adaxial, proporcionando um aumento em volume

    do primrdio foliar. Feixes vasculares acessrios podem se desenvolver a partir dessa regio.

    O desenvolvimento da lmina foliar ocorre durante o crescimento em comprimento e espessura do

    primrdio por meio de clulas das margens que continuam a se dividir, formando a blastozona/meristema marginal. O

    crescimento marginal varia entre as regies do primrdio foliar de modo que, nas folhas pecioladas, tal crescimento

    reprimido na base, da qual se originar o pecolo. A partir de divises de clulas iniciais marginais, originam-se os

    tecidos da lamina foliar (epiderme, mesofilo e tecidos vasculares).

    Trabalhos recentes, com base em anatomia e biologia molecular, tm descrito etapas em trs fases: iniciao,

    morfognese primria e expanso e morfognese secundria. A iniciao foliar a partir dos flancos do meristema

    apical caulinar um processo ainda no completamente entendido, porm sabe-se que mutaes que o afetam tm um

    impacto dramtico na forma final da folha e que muitos aspectos da morfologia foliar so determinados nessa fase

    inicial de desenvolvimento. As primeiras mudanas detectadas no MAC so um pico de auxina e um afrouxamento

    das microfibrilas de celulose da parede celular na regio do meristema onde estar posicionado o futuro primrdio.

    Essa mudana na consistncia das microfibrilas se deve a expresso aumentada de genes ligados produo de

    expansina, uma protena que regula a extensibilidade da parede celular, e necessria para que o primrdio foliar

    possa emergir do meristema. Outro marcador do local de iniciao so os genes KNOX, que se expressam no MAC,

    porm so reprimidos no local da iniciao do primrdio na fase em que nenhuma mudana morfolgica observada

  • 25

    ainda no MAC. O meristema apical caulinar uma estrutura radialmente simtrica e a iniciao de rgos laterais,

    num padro filottico, implica na quebra dessa simetria, o que segundo as teorias mecnicas da filotaxia (mechanical

    phyllotactic theories) ocorreria devido a uma diferena de tenso entre a camada L1 e os tecidos subjacentes. De

    acordo com essas teorias, as foras mecnicas teriam um papel fundamental na definio do local de iniciao do

    primrdio. Porm, para entender as foras de tenso necessrio entender o papel do turgor, as propriedades da

    parede celular, a arquitetura do citoesqueleto e o processo de crescimento de uma maneira geral. Entretanto, entender

    a regulao gentica de todos estes processos tem se mostrado uma tarefa bastante complicada. Desta forma, no

    um consenso entre pesquisadores que a contribuio das foras mecnicas na determinao da filotaxia seja

    fundamental. O termo morfognese primria usado para descrever os processos que estabelecem a forma bsica da

    folha, relacionada sua simetria e sub-regies. Na fase de expanso e morfognese secundria ocorre aumento na

    superfcie e no volume final da folha, cuja expanso pode ser isomtrica ou alomtrica, podendo o rgo manter ou

    alterar a forma estabelecida durante a morfognese primria.

    Figura 2: Seco longitudinal do pice caulinar de Coleus sp., mostrando o meristema apical, primrdios foliares e

    gemas axilares.

    Gentica molecular do desenvolvimento foliar

    Recentemente muitos progressos tm sido feitos no entendimento dos mecanismos moleculares que regulam

    o desenvolvimento das folhas. Duas famlias de fatores de transcrio so conhecidas por estarem envolvidas no

    controle do desenvolvimento foliar, os genes KNOTTED-like da classe 1 (KNOX1) e os genes LEAFY/FLORICAULA

    (LFY/FLO).

    Os genes KNOX1 so conhecidos por seu papel importante na manuteno da indeterminao dos tecidos do

    MAC (sua expresso mantm os clulas em estado meristemtico), porm anlises moleculares indicam que os genes

    KNOX1 tambm se expressam durante o desenvolvimento de folhas compostas. Neste tipo de folha a expresso dos

    genes KNOX1 faz com que os tecidos se mantenham por mais tempo em estado meristemtico, conferindo s folhas

    uma capacidade maior de crescimento indeterminado. Este tempo mais longo de indeterminao do primrdio

    necessrio para que as elaboraes da lmina, como fololos e lobos, possam se desenvolver. Os genes KNOX1 esto

    envolvidos no desenvolvimento das folhas compostas de quase todas as linhagens de eudicotiledneas analisadas at

    o momento e uma exceo importante nessa tendncia de expresso do gene KNOX1 no primrdio de folhas

    compostas observada em Pisum (ervilha), onde este gene no se expressa nos primrdios nem em folhas mais

    velhas. Em Pisum, os tecidos so mantidos em estado indiferenciado por mais tempo atravs da expresso do gene

    LFY/FLO e mutaes neste gene fazem com que a folha de ervilha se torne simples.

    Existem vrios genes que so antagonistas ao KNOX1 e LFY/FLO, pois promovem a diferenciao dos

    tecidos onde se expressam. Este o caso dos genes que controlam o estabelecimento da polaridade abaxial-adaxial

  • 26

    nas folhas. As folhas possuem tecidos bastante diferentes nas faces abaxial e adaxial, que desempenham funes

    distintas. Na face adaxial, comumente, encontra-se uma camada de parnquima palidico, que otimiza a fotossntese

    e uma camada espessa de cutcula sobre a epiderme. Em geral, na face abaxial encontra-se o parnquima lacunoso e

    um maior nmero de estmatos, que regulam as trocas gasosas e a transpirao. Toda essa diversidade de tecidos

    gerada a partir da expresso de muitos genes, que alm de serem antagonistas ao KNOX1 e LFY/FLO tambm so

    antagonistas entre si. Em geral, genes que se expressam na face adaxial reprimem a expresso de genes que se

    expressam na face abaxial e vice-versa. Mais especificamente a polaridade abaxial-adaxial estabelecida pela

    represso mtua entre os genes HD-ZIPIII e o gene KANADI. Experimentos mostram que mutantes que no

    expressam algum dos genes de identidade abaxial ou adaxial desenvolvem folhas que no possuem lamina foliar e

    so aciculiformes (que lembram gavinhas ou espinhos). Assim, o estabelecimento correto da polaridade abaxial-

    adaxial necessrio e, pode-se dizer, um pr-requisito para que ocorra a expanso da lmina foliar. A expanso da

    lmina foliar e tambm a diferenciao dos tecidos diversos que a compem foram adaptaes que maximizaram a

    fotossntese ao mesmo tempo em que minimizaram a perda de gua para o ambiente, sendo assim importantes

    inovaes para a conquista do ambiente terrestre pelas plantas.

    A forma da folha

    Embora alguns padres do desenvolvimento foliar paream ser comuns em plantas vasculares, diferenas na

    ontognese, em vrios aspectos, levam a uma gama de formas finais distintas que tornam a folha o rgo vegetativo

    mais plstico dentre as traquefitas, adquirindo grande importncia em estudos taxonmicos, ecofisiolgicos e na

    rea de gentica molecular do desenvolvimento, visto que um timo modelo para investigar a regulao gnica fina

    devido a toda a variao de formas.

    Na maioria das plantas vasculares encontramos associada axila da folha uma gema de estrutura

    semelhante ao pice caulinar, podendo assumir atividade semelhante a este e dar origem a um ramo. Ela pode ser

    facilmente identificada vista desarmada ou com o auxlio de uma lupa tornando-se a melhor estrutura capaz de

    individualizar uma folha morfologicamente. Esta caracterstica, no entanto, surgiu tardiamente dentro da filogenia

    das traquefitas e plantas como as licfitas, monilfitas e cicadfitas no apresentam gemas axilares.

    Consequentemente, tambm no possuem este tipo de ramificao.

    Uma vez individualizada, a forma da folha pode ser melhor entendida subdividindo-a em uma poro

    conhecida como lmina (mais apical e geralmente expandida) e uma poro conhecida como base (associada

    insero da folha no caule) morfoanatomicamente distintas. A base da folha comumente cilndrica em no

    monocotiledneas, sendo chamada de pecolo (e, mais especificamente, de estipe nas samambaias). Em

    monocotiledneas a base costuma ser expandida e envolvente, sendo chamada bainha. Ambas as estruturas podem co-

    ocorrer na base (uma bainha proximal e pecolo distal) e no so exclusivas destes grupos (h monocotiledneas

    pecioladas e no monocotiledneas com bainhas). A base ainda pode ser imperceptvel morfologicamente e a folha

    assim chamada sssil. Projees laterais da base podem surgir nos primeiros estgios de formao da folha, sendo

    chamadas de estpulas, que podem assumir diversas funes. Geralmente ocorrem aos pares, mas possuem morfologia

    bastante varivel. Em gramneas comum ainda o surgimento de uma projeo adaxial entre a bainha e a lmina

    foliar conhecida como lgula, tambm de morfologia varivel. Em algumas plantas, principalmente leguminosas e

    marantceas, um intumescimento do pecolo conhecido como pulvino ocorre e est relacionado ao movimento da

    lmina foliar de velocidade varivel, desencadeado por higroscopia e/ou potencial eltrico, relacionado proteo da

    folha ou melhor captao de luz.

    A lmina foliar pode assumir diversas dimenses, de milmetros a metros. Varia muito em sua simetria,

    podendo ser desde perfeitamente simtrica bilateralmente at completamente assimtrica. Algumas folhas so curtas,

    semelhantes a escamas e relacionadas proteo de gemas: os catafilos. Outras acumulam uma grande quantidade de

    gua, sendo suculentas. Algumas so cilndricas, o que muitas vezes est relacionado a um crescimento adaxial muito

    incipiente durante a ontognese. Folhas relacionadas a estruturas reprodutivas muitas vezes so diferentes das demais

    e chamadas de brcteas.

    Numa lmina foliar expandida geralmente o tecido vascular facilmente perceptvel, traando vrios

    padres. Numa primeira classificao, podemos dividi-las em grandes grupos: folhas uninrveas (uma nica nervura,

    como geralmente presente nas licfitas), com venao dicotmica (comum nas plantas com sementes, exceto em

  • 27

    angiospermas), com venao reticulada (geralmente com uma nervura central distinta e nervuras laterais que partem

    desta e se conectam, formando uma trama com terminaes livres, comuns em angiospermas no monocotiledneas)

    e com venao paralela (as nervuras correm paralelamente da base ao pice da folha com poucas conexes entre ela e

    sem terminaes livres, condio comum em monocotiledneas).

    A folha como um todo ou suas partes (lmina, fololo, estpulas) podem sofrer modificaes muito

    especializadas a determinadas funes. Estas modificaes podem ser as gavinhas, geralmente alongadas, cilndricas

    e, muitas vezes, com crescimento helicoidal, relacionado escalada em um suporte (plantas trepadeiras). Podem

    tambm ser cilndricas e alongadas, mas muito lignificadas e geralmente pontudas, relacionadas proteo e

    conhecidas como espinhos. Espinhos podem facilmente ser confundidos com acleos, tambm pontudos, que so

    apenas projees da epiderme e tecido subjacentes, mas no relacionados modificao de um rgo como um todo

    e, portanto, sem topologia to bem definida como os espinhos. Em plantas carnvoras, a lmina foliar pode ser

    modificada em armadilhas de invertebrados apressrias, adesivas, suctrias ou em forma de jarro e liberam enzimas

    proteolticas necessrias para a carnivoria.

    As estruturas foliares podem ser glabras ou possurem um grande nmero de tricomas (pilosas), de funes

    diversas. Seus pigmentos podem estar regularmente presentes em toda a lmina dando-a uma cor geralmente verde,

    devido clorofila. No entanto, com a presena de outros pigmentos e disposio diferencial destes, de plastdeos e de

    tricomas, que influenciam na reflexo luminosa, a folha pode apresentar cores diferentes na face abaxial e adaxial. As

    diferenas de cores ainda podem formar manchas, listras, pontos ou outras formas em uma mesma face, e a folha

    dita variegada.

    Ao longo da evoluo, em diversos momentos, a lmina foliar sofreu diviso, individualizando fololos e

    dando origem s folhas compostas. Uma folha com dois ou trs fololos dita bi ou trifoliolada, respectivamente. Se a

    folha tem mais de trs fololos, eles podem partir todos de um mesmo ponto e a folha palmada (em forma de palma)

    ou possurem um eixo cilndrico alongado (raque) no qual os fololos se inserem sendo pinada (em forma de pena). Se

    uma folha pinada tem fololos terminais pares, paripinada. Se possuir um nico fololo terminal, imparipinada. H

    ainda folhas com um nico fololo, denominadas unifolioladas, derivadas evolutivamente de uma condio composta,

    com uma articulao na base do fololo como testemunha desta reduo de nmero de fololos. Filogeneticamente as

    folhas compostas podem ter origem por lobao gradual da lmina foliar com um aprofundamento to intenso dos

    lobos que estes atingiram a nervura principal gerando os fololos (diviso), outra hiptese que elas tenham surgido

    por homeose. Diz-se que ocorreu homeose quando no local de formao de um determinado rgo, outro rgo ou

    caractersticas de outro rgo so expressos. Dessa maneira, as folhas compostas teriam surgido atravs de uma

    alterao no padro de desenvolvimento das folhas simples, e vrias estruturas simples