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UniCEUB – Centro Universitário de Brasília Curso Introdutório de Ciência Política Prof. Cleber Fernandes Pessoa

Apostila Ciencia Politica

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Descrição da ciencia política em todos os ambitos e relevos

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  • UniCEUB Centro Universitrio de Brasl ia

    Curso Introdutrio de Cincia Polt ica

    Prof. Cleber Fernandes Pessoa

  • NDICE

    1- Cincia Poltica e Direito................................................................................................................. 4

    2- Poltica e Cincia Poltica................................................................................................................ 12

    3- O Estado ........................................................................................................................................... 31

    3.1 - Estado: definio do termo-conceito ................................................................................. 31

    3.2 - Estado: elementos constitutivos ........................................................................................ 35

    3.3 - Do Estado antigo ao Estado moderno ............................................................................... 36

    4- As tipologias de governo ................................................................................................................ 40

    4.1 - Aristteles ......................................................................................................................... 43

    4.1.1 - As tipologias de governo segundo Aristteles e Plato ..... . . .............................. 46

    4.2 - Maquiavel ......................................................................................................................... 51

    4.2.1 - A obra de Maquiavel: militncia poltica e cincia poltica ................................. 52

    4.3 - Thomas Hobbes e John Locke: jusnaturalismo e juspositivismo ...................................... 68

    4.3.1 - Thomas Hobbes.................................................................................................... 69

    4.3.2 - Concluso ............................................................................................................. 81

    4.4 Etapas do surgimento, desenvolvimento e consolidao histrica e terica do Estado

    liberal .................................................................................................................................................... 82

    4.4.1- John Locke .. ......................................................................................................... 84

    4.4.2 - A trinomia jusnaturalista de Locke: estado de natureza, contrato social e

    Estado ............................................................................................................................................. 85

    4.4.3 - O moderno significado de liberalismo .................................................................. 89

    4.5 - Montesquieu e a Separao dos Poderes: mito e realidade ........................................ 94

    4.5.1 - Montesquieu e a Separao dos Poderes............................................................... 95

    3.5.2 - Separao dos Poderes: ascenso e decadncia de um mito ................................. 98

    3.5.3 - Concluso .............................................................................................................. 100

    4.6 - Karl Marx ........................................................................................................................ 102

    4.6.1 - O materialismo dialtico/dialtica da histria ....................................................... 103

    4.6.2 - A obra de Karl Marx como instrumento de anlise a servio da ideologia .......... 106

  • 2

    4.6.3 - Concluso: comunismo terico e comunismo real................................................ 111

    5- Democracia....................................................................................................................................... 115

    5.1 - O uso indicriminado do vocbulo democracia ......................................................... ........ 116

    5.2 - Afinal, o que a democracia social................................................................ ................... 117

    5.3 - A Democracia dos antigos................................................................ ................................. 122

    5.4 - A democracia dos modernos: 1a fase (Poliarquia = democracia formal/poltica) ............ 126

    5.5 - A repblica: divergncia e convergncia conceitual com a democracia .......................... 126

    5.6 - Do liberalismo individual 1a fase da democracia: democracia poltica (Poliarquia) ...... 128

    5.7 - Evoluo da democracia moderna: da 1a fase para a 2a fase ............................................ 129

    5.8- A crtica dos socialistas democracia liberal e o aparecimento de uma 3a via: ascenso

    da social-democracia/Welfare state ou Estado do bem-estar..................................................... 132

    5.9 - Socialismo e democracia: a teoria marxista da democracia ............................................. 136

    5.9(a) - Democracia e governabilidade: influncia de modelos eleitorais nas relaes

    executivo/legislativo .................................................................................................................. 139

    5.9(b) - Avaliando a democracia: por que democracia? ........................................................... 141

    6- O neoliberalismo: reao crise fiscal do Estado social............................................................. 150

    7- Sistemas de governo: presidencialismo, parlamentarismo e semipresidencialismo................. 154

    7.1 - O Presidencialismo .......................................................................................................... 157

    7.1.1 - Poderes constitucionais do presidente no Brasil e nos EUA: quem pode o qu,

    quando e como................................................................................................................................ 160

    7.1.2 - Presidencialismo norte-americano: o presidencialismo que funciona bem?......... 165

    7.1.3 - Brasil: presidencialismo de coalizo ..................................................................... 168

    7.2 - O Parlamentarismo ......................................................................................................... 170

    7.2.1 - Desenvolvimento do parlamentarismo: do parlamentarismo dualista ao

    parlamentarismo monista................................................................................................................ 170

    7.2.2 - Premissas do parlamentarismo .............................................................................. 172

    7.2.3 - Dinmica do parlamentarismo: qual o mais estvel e por qu.............................. 175

    7.2.3(a) - O parlamentarismo britnico (sistema de gabinete) ......................................... 175

    7.2.3(b) - O parlamentarismo sob controle partidrio.................................................... 176

    7.2.3(c) - O parlamentarismo Assemblesta ................................................................... 178

    7.2.4 - Concluso: presidencialismo, parlamentarismo e governabilidade................................ 180

    7.3 - O semipresidencialismo................................................................................................... 182

  • 3

    7.3.1 - Uma terceira via? .................................................................................................182

    7.3.2 - A teoria tradicional do semipresidencialismo: por que o sistema recebe a

    denominao? ....................................................................................................................................... 183

    7.3.3 - O dinamismo do sistema semipresidencialista: oscilando entre presidencialismo e

    parlamentarismo?.................................................................................................................................. 185

    7.3.4 - Semipresidencialismo e governabilidade ....................................................................... 186

    8- Sistemas eleitorais e sistemas partidrios .................................................................................... 187

    8.1 - Sistemas eleitorais majoritrios: eleies legislativas e executivas.............................. 189

    8.1.1 - O dilema da escolha do sistema eleitoral .............................................................. 193

    8.2 - Eleies majoritrias para prefeitos, governadores e presidente da repblica ......... 197

    8.3 - Sistemas proporcionais.................................................................................................... 201

    8.3.1 - Coligao para eleies de representantes no sistema proporcional..................... 205

    8.3.2 - A clusula de excluso e o quociente eleitoral...................................................... 206

    8.4 - Perspectivas e consideraes sobre a reforma poltica: o sistema eleitoral e

    partidrio no Brasil .......................................................................................................................... 208

    9- Partidos Polticos ............................................................................................................................ 215

    9.1 - De faco a partido: o surgimento dos partidos modernos................................................ 218

    9.2 - A tipologia dos partidos..................................................................................................... 221

    9.3 - A funo dos partidos ........................................................................................................ 225

    10- Legalidade e Legitimidade do Estado e do poder poltico ......................................................... 229

    10.1 - Legalidade ...................................................................................................................... 229

    10.1.1 - Do princpio da legalidade: fundamentos do Estado de Direito/liberal........................ 229

    10.1.2 - As cartas constitucionais: constituio formal e constituio material ........................ 231

    10.2 - Legitimidade.................................................................................................... .............. 237

    10.2.1 - Legitimidade e oposio ............................................................................................... 242

    10.2.2 - O encontro entre legalidade e legitimidade.................................................................. 244

    10.2.3 - Max Weber: as trs formas de autoridade legtima...................................................... 245

    11 - Referncias bibliogrficas........................................................................................................... 248

  • 4

    1 - CINCIA POLTICA E DIREITO

    Quem s sabe Direito, no sabe (d)Direito. Esta frase, independente de quem a proferiu,

    no deixa de ser, primeira vista, uma provocao. Mas, o provocador, ningum mais ningum

    menos que o eminente jurista Pontes de Miranda, no parou por a. Complementou, dizendo que

    no deve transpor as portas de uma faculdade de Direito aquele que no for um socilogo.

    Apoiado em seu elevado prestgio acadmico, este jurista, que alm de diplomata, era filsofo,

    professor, advogado, ensasta, e at matemtico, permanece sendo uma das mais expressivas

    autoridades do direito brasileiro de todos os tempos, mesmo passados mais de 30 anos de sua

    morte, por isso concentrando em si credibilidade suficiente para pronunciar palavras to speras.

    Em face do impacto dessas declaraes, resta legtimo ao novio universitrio de Direito

    questionar se as impiedosas impresses de Pontes de Miranda so mesmo dotadas de fundamentos

    racionais, e se no seriam injustas ante o pragmtico interesse daquele que deseja, acima de tudo,

    obter seu diploma na rea jurdica. Assim considerando, o perplexo estudante calouro se depararia

    com um enigma a ser decifrado: O que quer dizer o Jurista com ser socilogo? Ser que ele

    estava definitivamente convencido de que s aps concluir um curso de Sociologia que algum

    estaria apto a ingressar em uma faculdade de Direito? Com a devida vnia, no parece razovel

    que um intelectual da expresso de Pontes de Miranda tivesse convices to ortodoxas e

    conservadoras assim, pois a problemtica por ele abordada no de ordem puramente formal, mas

    sim material, ou seja, de contedo. Explicando melhor: a essncia de sua preocupao tinha

    origem na frgil bagagem intelectual que portavam os estudantes daqueles tempos, em grande

    maioria; fragilidade que comprometia irremediavelmente a qualidade do sistema judicial

    brasileiro, com reflexos negativos no sentimento de justia de toda a comunidade nacional, por

    inundar o mercado com profissionais de capacidade to duvidosa que, ao invs dos ilustres

    juristas com os quais a sociedade deveria ser contemplada, na verdade aqueles profissionais do

    Direito no seriam mais que genunos rbulas a infestar os tribunais e os escritrios de

    advocacia. Infelizmente, o cenrio crtico denunciado por Pontes de Miranda no faz parte de um

    passado de triste memria apenas. Pelo contrrio, no s no desapareceu como vem contribuindo

    para a degenerao do setor educacional brasileiro, porquanto a proliferao das faculdades de

    Direito mais se assemelha a um complexo organizacional cujo objetivo principal parece ser o de

    fabricar diplomas em escala industrial, reproduzindo uma nova tipologia de rbulas, que so os

    milhares de novos bacharis em direito despreparados at mesmo para obter a qualificao mnima

    e poder exercer a advocacia.

  • 5

    Despreocupados, em um primeiro momento, inmeros estudantes calouros de Direito ao

    iniciarem suas atividades acadmicas se pem a questionar acerca do porqu de estudar

    disciplinas propeduticas, como exemplo a Cincia Poltica, e do porqu de matrias assim

    abstratas serem obrigatrias no Curso. Como notrio, a conquista da redemocratizao

    brasileira tem despertado um positivo sentimento de cidadania na populao nacional, gerando

    um volume crescente de demanda por justia, especialmente porque a reaquisio da cidadania

    poltica encoraja os recentes cidados a tambm reivindicar por mais direitos sociais e civis,

    devido a suas prerrogativas de peticionar perante o judicirio. A consequncia da maior

    participao e procura por garantia de direitos, na ausncia de adaptao do aparato judicial, ser

    o congestionamento do sistema, pois a crescente demanda da sociedade pela prestao

    jurisdicional do Estado tem sobrecarregado a capacidade deste em oferecer respostas satisfatrias

    sociedade, levando autoridades de maior destaque e compromisso, de todas as instituies

    estatais, a manifestar preocupao com o quadro catico que abrange todo o sistema judicirio

    (segurana pblica, sistema prisional, poder judicirio), em cujos pronunciamentos se constata a

    reafirmao da inteno programtica de aparelh-lo adequadamente, o que vem ocorrendo, mas

    em magnitude aqum do desejvel e do possvel.

    No obstante tudo isso, fato incontestvel que a carreira jurdica vem se transformando

    numa rea cada vez mais atraente porquanto promissora, encerrando poder de abrir portas para o

    mercado de trabalho com mais facilidade aos seus profissionais do que a maioria das outras

    profisses acadmicas. Ento, o estudante de Direito, recm-ingressado na faculdade, ali se

    encontra, teoricamente, a fim de preparar-se para ser advogado, delegado, analista judicirio,

    juiz, procurador, defensor pblico, eventualmente ministro de tribunal, para seu deleite particular

    ou, ainda, quem sabe, para prestar contas sociedade, posto que nos dias atuais, em quase todas

    as tribos, das mais diferentes classes sociais, quase todos se encontram matriculados em um

    curso de nvel superior. Mas... poltica - dir o acadmico de Direito - no a minha praia, pois

    alm de no gostar de poltica, no gosto dos polticos e, mais que isso, no tenho a menor

    pretenso de me envolver com poltica e, menos ainda, de ser um poltico.

    Enfim, considerando uma argumentao dessa natureza, argumentao que contesta a

    existncia de efetiva convergncia de atuao, interesse e objetivos da Cincia Poltica em

    relao ao Direito, cabe insistir no questionamento: deveria a Cincia Poltica realmente ser

    matria obrigatria para o curso de Direito?

    Esse questionamento parte de uma srie de outros tantos, no vasto cabide de dvidas

    que abalam a estrutura dos valores do universitrio. Desse modo, no que respeita Cincia

  • 6

    Poltica em particular, consideraes acerca da posio e finalidade da matria no curso de

    Direito devem ser elencadas e discutidas.

    Em primeiro lugar, torna imprescindvel resgatar a abordagem inicial acerca do conceito

    de socilogo, cuja definio, no por coincidncia, expe as ligaes da Cincia Poltica com o

    prprio Direito, haja vista que ambos os cursos, em sua substncia, esto umbilicalmente ligados

    aos fenmenos sociolgicos, sociologia, enfim. Portanto, em sentido amplo, o socilogo em

    referncia muito se assemelha ao que Aristteles classificou como sendo o zoom politiks, o

    homem poltico e social por excelncia, dotado de capacidade bastante para tecer anlise crtica

    acerca da comunidade em que vive; reter sensibilidade suficiente para refletir sobre seu papel

    social e de ser elemento constituinte do processo de resoluo dos problemas e conflitos

    produzidos pela dinmica das sociedades contemporneas, pois entre os objetivos gerais de um

    curso de Direito destaca-se o de formar bacharis aptos ao exerccio tico das diversas

    profisses jurdicas, atuantes na construo da cidadania, implementao da democracia e

    proteo do Estado Democrtico de Direito.1

    Neste contexto, a Sociologia e a Cincia Poltica se vem conceitualmente associadas,

    podendo ser definidas, tanto uma quanto a outra, em poucas palavras, como uma cincia geral

    das sociedades, cujos objetos de estudo interagem com os mais variados fenmenos

    sociopolticos, portanto disciplinas constitudas de vasto interesse do conhecimento acadmico,

    alm de marcante natureza dinmica quanto durao de seus paradigmas cientficos. Os

    fenmenos sociopolticos so movimentos que muitas vezes ocorrem de forma conflituosa, e

    esses conflitos geralmente objetivam transformaes, mas tambm produzem profundas marcas

    nas estruturas do Estado, podendo lev-lo a um estgio de debilidade, at mesmo ao colapso,

    repercutindo decisivamente no papel estatal de atuar como rbitro capaz de assegurar a

    estabilidade, independente de qual seja a ordem ideolgica dominante. Por essa razo, o

    progresso dos conhecimentos da poltica como arte e como cincia, legou ao Estado, por meio da

    evoluo de suas instituies, o papel de sujeito legitimado a monopolizar os instrumentos de

    coero, a fim de assegurar a ordem e pacificar a sociedade, em que pese todos os seus

    antagonismos legtimos ou no -, por meio do Direito.

    Na sequncia dessa ordem de ideias, o Direito legislado viria a ser uma decorrncia da

    imposio do poder, que o poder poltico. Ao longo do processo civilizatrio, o poder poltico

    vem se tornando cada vez mais sofisticado, sendo que o suporte para seu desenvolvimento se

    realiza por meio da acumulao do saber dos estudiosos da rea, cujo processo evolutivo avana

    1 In: Proposta Pedaggica do Curso de Direito: Centro Universitrio de Braslia UniCEUB, p. 4.

  • 7

    do estgio de fetiche ou mera arte para o estgio filosfico e deste para o cientfico que,

    surpreendentemente, s ir se materializar na rea de humanidades quando surge a Sociologia, a

    primeira de todas as cincias sociais. Ento, a poltica enquanto cincia, com suas ferramentas

    investigativas e explicativas, possui mecanismos para apontar meios mais eficazes e eficientes de

    alcanar a justia a partir da construo de consensos, promovendo, enfim, a paz, a segurana e o

    desenvolvimento social.

    No obstante, os diagnsticos no surpreendem quando se detecta em parte considervel

    dos acadmicos profunda deficincia da necessria capacidade de abstrao dos fatos. A

    deficincia se torna evidente quando operadores do Direito so indiscretamente flagrados

    confessando suas paixes obsessivas pelos dogmas jurdicos, assumindo posies em causas sem

    o necessrio exame dos fatos e das consequncias, no raro danosas para todo o corpo social.

    Trata-se de paixo cega, semelhante quela denunciada em certa cano, cujo autor, ao tentar

    expressar a intensidade e a pureza de sua paixo, comparava-a, ironicamente, com igual

    intensidade de paixo que um calejado pescador no escondia seu encantamento por sua

    moderna e reluzente rede de pesca. Aquele trabalhador, alienado pela rudeza de seu cotidiano,

    devotava mais atrao engenhosa ferramenta de subsistncia do que a uma eventual atitude de

    contemplao da exuberncia e imensido do oceano, que todos os dias apresentava diante de si,

    impvido e eterno. Para ele, a utilidade daquela ferramenta era to dogmtica que dispensava

    qualquer ato de reflexo comparativa, e por isso lhe causava um sentimento de indiferena

    perante a presena majestosa do mar, embora fosse ele a fonte de seu sustento; com semelhante

    comportamento, o rbula contempla o exerccio da profisso jurdica como um fim em si mesmo,

    absorvendo do significado de justia nada mais que um instrumento de sua sobrevivncia

    material.

    Em trincheira oposta alinhou-se Rui Barbosa. Poucos brasileiros foram to abnegados

    quanto este eminente jurista na defesa da construo de um Estado que fosse capaz de distribuir

    justia com equidade, ainda que tais significados sejam demasiado complexos para uma

    compreenso universal. Lutou na contramo da ideologia corrente num Brasil em que a justia

    vigente era a justia da oligarquia, haja vista que no campo poltico foi uma vtima do implacvel

    esquema coronelista, quando candidato presidncia da repblica. O reflexo desse esquema

    operava igualmente no mbito do direito, uma vez que, naquele estgio, a cincia jurdica, j

    reconhecida como dogmtica, justificava sua supremacia na irresistvel lei posta pelo recente

    modelo de Estado ocidental, ento resultante das revolues burguesas. A nova ordem

    individualista, de privilgios direcionados aos detentores da grande propriedade, exprimia

    presunosamente a legitimidade da vontade do legislador (ideologia das classes dominantes)

  • 8

    no exerccio do papel de ditar a ordem legal registrada em estatutos sistematicamente

    positivados, independente da apreciao do significado do que o justo ou o no-justo. Como

    apstolo da justia, manejava sabiamente o aspecto teleolgico do Direito (correlao entre

    meios e fins: e.g. a lei posta pelo Estado e seus objetivos), que um dos eixos basilares da

    cincia jurdica. Ao operador do Direito e ao estudante das cincias jurdicas, irradiava palavras

    de ordem ao seu engajamento na luta contra a opresso e a iniquidade, ressalvando que, em caso

    de eventual conflito entre o direito e a justia, o cidado-socilogo, guardio do direito, jamais

    dever vacilar em somar suas foras pela promoo dos valores supremos da justia.

    Em contraste a esta forma de ao organizada, uma fora reativa e inorgnica, porm

    poderosa, opera sistemtica e silenciosamente no sentido de enfraquecer o sistema judicial. Por

    exemplo, bacharis mal-formados, so parte dos efeitos colaterais perceptveis entre militantes do

    direito, muitas vezes privados do necessrio discernimento para se comportar de modo que no

    um rbula, aquele temerrio aplicador autmato da lei que se posiciona acriticamente em

    relao s solues jurdicas criadas pelo Estado.2 Por isso, um dos pr-requisitos ao estudante

    de Direito, alm do comprometimento acadmico, diz respeito absoro de valores ticos

    inerentes carreira jurdica, que requer do acadmico, tanto quanto exige do jurista, a

    proporcional capacidade analtica e compreenso da problemtica relativa a fenmenos

    sociolgicos.

    Dentre os meios para atingir esses fins a Cincia Poltica destaca-se como instrumento

    para fornecer subsdios cientficos ao Direito, pois ao contrrio do caracterstico dogmatismo

    deste, a Cincia Poltica, como uma cincia dinmica, existe para explicar fenmenos e no

    apenas para descrev-los; alm da pura explicao, a Cincia Poltica procura estabelecer com

    rgidos critrios e racionalidade a previso de fatos, pois a previso a principal finalidade

    prtica da cincia.3 Nesse sentido, o Direito no pode reunir capacidade de estudar os fenmenos

    sociais de forma isenta, com o imprescindvel rigor cientfico, com a necessria suspenso de

    juzos de valor, pelo fato de que (...) a cultura poltica no pode ser estudada pelo Direito.

    Tambm foge sua esfera de abrangncia a dinmica dos partidos polticos, o funcionamento dos

    sistemas eleitorais, a maior ou menor representatividade do Poder Legislativo ou a prpria

    relao quotidiana entre as instituies. Essas questes devem ser tratadas como realidades

    concretas que muitas vezes no seguem os padres normativos previamente determinados pelo

    ordenamento jurdico (...) a Cincia Poltica faz parte da formao do estudante de Direito em

    2ALMEIDA FILHO, Agassiz. Por que estudar Cincia Poltica e Teoria Geral do Estado? In: www.forense.com.br. [?], p. 27.

    3 BOBBIO, Norberto. Dicionrio de Cincia Poltica. Verbete: Cincia Poltica, p. 164-169.

  • 9

    virtude da sua aptido analtica para enfrentar esse tipo de problema. Ela aproxima da realidade

    com o fim de estudar aquilo que realmente acontece no mbito das relaes e das instituies

    polticas. Seu objeto o sistema poltico concebido de forma dinmica.4

    Como uma cincia de sntese, a Cincia Poltica comparece para explicar, e tambm

    prever, a ocorrncia dos fenmenos sociais. Por extenso, tal ocorrncia pode ser confirmada nas

    relaes da Cincia Poltica com o Direito, desenvolvidas principalmente por meio do Direito

    Constitucional que, como afirmara Paulo Bonavides,5 fora o Direito Constitucional no passado

    uma das cincias polticas, ainda antes de a Cincia Poltica se transformar em cincia autnoma.

    Miguel Reale denomina de Poltica do Direito o ponto de interseo entre Poltica e Direito. Este

    ponto, explica, situado realisticamente, de importncia prtica fundamental, inclusive porque

    implica o problema da legitimidade do poder.6

    Determinado como o elo que simboliza a associao entre Direito e Cincia Poltica, o

    Direito Constitucional apesar de classificado como ramo do curso de Direito, de fato tem sua

    ligao proveniente do mesmo tronco de que se origina a Cincia Poltica, e este tronco tem suas

    razes na filosofia, razes que produziram generosa seiva para o florescimento da Cincia Poltica

    e do Direito Constitucional. A filosofia, como fonte inesgotvel de ideias, na era do Iluminismo

    gerou como fruto mais concreto o contemporneo Estado de direito, hoje de Direito e ao mesmo

    tempo Democrtico.

    Ento, por mais paradoxal que possa parecer, o Direito Constitucional no foi uma

    criao original do curso de Direito, como por exemplo so o Direito Civil e o Direito Penal, pois

    esses dois ramos do Direito foram criaes impositivas do prprio Estado, ainda nos seus

    primrdios, para que aquelas sociedades subjugadas e rfs de direitos obedecessem s leis como

    pressuposto inquestionvel de manuteno da ordem social e, consequentemente, meio de

    perpetuao do domnio poltico de modo inescapvel. Na contramo do Direito Civil e Penal, a

    teoria constitucionalista, responsvel diretamente pela criao da disciplina Direito

    Constitucional, enveredou por caminhos contrastantes aos do status quo ante, combatendo a

    imposio da velha ordem arbitrria, afirmando-se como instrumento das ideias revolucionrias e

    de auxlio para o aniquilamento do absolutismo. Esse trip formado pela Filosofia, Cincia

    Poltica e Direito Constitucional configurou-se como alicerce de ao para o surgimento e

    consolidao de uma nova era. Nova era composta por uma gerao de filsofos e tericos do

    4 ALMEIDA FILHO, Agassiz, op. cit., p. 27. 5 In: Cincia Poltica. A Cincia Poltica e as demais Cincias Sociais, cap. 2, p. 46-53. 6 In: Lies Preliminares de Direito, p. 331.

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    Estado, da fase do Iluminismo, que reescreveram a histria ao fomentar as rebelies contra a

    opresso dos autocratas europeus, culminando com o processo revolucionrio disseminado por

    todo aquele continente e pelo norte da Amrica. De modo que o Direito Constitucional surgiu

    como uma disciplina do curso de Direito como fator de adequao da nova realidade: uma nova

    ordem social, o liberalismo (Estado de direito), institudo por meio do constitucionalismo;

    constitucionalismo esse que foi a base filosfica para as modernas constituies que limitariam

    os poderes do Estado e dos governantes obrigando-os a se sujeitarem aos primados do imprio

    da lei e, ao mesmo tempo, garantindo direitos aos governados, direitos desde muito

    filosoficamente consagrados como inalienveis, inviolveis e imprescritveis.

    Dessas relaes entre Cincia Poltica e Direito Constitucional, so seus objetos de

    interesse o conhecimento e compreenso das instituies do Estado, do poder legislado e

    estabelecido. Enquanto o Direito Constitucional definido como uma disciplina esttica que

    objetiva informar a sistematizao das constituies, descrever e esclarecer ao acadmico as

    funes e atribuies dos poderes do Estado, a Cincia Poltica classificada como uma

    disciplina dinmica, que fornece ao Direito Constitucional dados sobre os reflexos e investigao

    das prticas e da luta pelo poder poltico. Na descrio de Manuel Gonalves Ferreira Filho,

    enquanto a Cincia Poltica a cincia do poder, o Direito constitucional a disciplina que

    informa a organizao jurdica do poder.7

    Com base na correlao de ligaes to ntimas, deduz-se que a Cincia Poltica um

    Direito Constitucional em constante movimento, pois ela no apenas descreve como tambm

    investiga e analisa os fenmenos e as consequncias do exerccio do poder. Alm de descrever e

    analisar, tambm lana mo de outros mtodos das cincias sociais explicando as contradies

    entre o que prope uma constituio e a realidade existente no meio social. Assim, a Cincia

    Poltica se habilita - amparada em juzo de fatos, e no em juzo de valor - a propor meios de

    solucionar problemas sociopolticos, o que no ocorre com o Direito em si, pois o pragmatismo

    do positivismo jurdico no tem preocupao investigativa e explicativa. Enfim, como observou

    o jurista R. Friede, corrente expressiva em amplitude sustenta ser o direito, em essncia, um

    subsistema da Cincia Poltica, e no propriamente uma verdadeira cincia autnoma (...) o

    direito (e a denominada cincia jurdica) nada mais seria que um instrumento para a consecuo

    dos objetivos primordiais da Cincia Poltica, ou seja, a convivncia harmnica em sociedade,

    7 In: Curso de Direito Constitucional, p. 17.

  • 11

    ou, em outras palavras, a manuteno da paz social (atravs da permanente ratificao da ordem

    estabelecida).8

    Em concluso, por mais exaltada que seja a defesa dos valores individualistas de uma

    pessoa, e por mais legtimos que sejam os seus interesses individuais, ainda assim cabe lembrar

    que essa pessoa, no domnio de suas faculdades mentais, no desconhecer que a vida em

    sociedade uma conquista superior da civilizao sobre os interesses egostas da barbrie. Nesse

    sentido, pode-se afirmar que tudo poltica, tal como era a palavra de ordem dos estudantes

    rebeldes daquele "utpico", agitado, inovador, e no muito distante ano de 1968, em que

    movimentos de protesto mobilizaram espetacularmente a parte ocidental do planeta, contra a

    legalidade do autoritarismo vigente, abalando as estruturas do poder democrtico

    constitudo. Aquele slogan dos contestadores da dcada de 1960 quase escapou ao esprito

    crtico dos manifestantes brasileiros de junho de 2013, mas de to realista quanto pragmtico que

    essencialmente , foi a tempo resgatado pela banda saudvel do movimento.

    Por consequncia, legtimo deduzir que a prpria condio de aluno em uma faculdade

    at sua participao em encontros com finalidades ldicas, de divertimento, como em um festival

    de msica, na balada do fim de semana, no churrasquinho da turma, enfim, uma constelao de

    eventos que fazem parte das relaes sociais do homem-cidado so fatos que podem muito bem

    ser classificados como atos polticos. O que dizer ento do frentico e revolucionrio movimento

    das "redes sociais", que vem fazendo a cabea de todas as "tribos" e "guetos", de todas as idades,

    notadamente os jovens, que mais do que nunca - talvez ainda desconhecendo suas reais

    potencialidades - tm a seu alcance uma ferramenta com poder ainda imensurvel, capaz de

    produzir transformaes copernicanas no rgido e conservador mundo do Direito, como

    tambm no obsoleto mundo da poltica. Essas redes virtuais tm se transformado em ferramenta

    para mobilizaes on-line, sem a tutela de instituies tradicionais como partidos ou sindicatos e

    sem lideranas hierrquicas formais, arregimentando legitimidade e capazes de paralisar cidades

    europeias, brasileiras, e de tirar o sono e at derrubar ditadores no at ento imobilizado mundo

    rabe. Na convergncia de atos e fatos, tanto histrica quanto geograficamente, o que deve ser

    preservado, no final das contas, a conscientizao de que, se tudo poltica, logicamente

    tambm a poltica tudo!.

    8 In: Curso de Cincia Poltica e Teoria Geral do Estado, p. 6.

  • 12

    2- POLTICA E CINCIA POLTICA

    As instituies e no o homem constituem

    o tema de estudo prprio da poltica

    John Plamenatz.

    2.1 - A poltica

    Em sentido etimolgico a palavra poltica tem sua origem no vocbulo polis, um

    substantivo do grego clssico que na lngua portuguesa literalmente traduzido por cidade, mas

    que na Grcia Antiga tambm acolhia como significado o conceito moderno de Estado, posto

    que, via de regra, o que se entende hoje como Estado, naquele perodo se reduzia s dimenses

    de uma cidade, unicamente. De modo que, em sua ligao com a palavra polis, o termo poltica

    refere-se a tudo o que estiver associado cidade (polis), ao que for positivo, para o bem da

    cidade, como dizia, por exemplo, Aristteles.

    Devido a essa singela derivao, o termo poltica aparenta ser de uma simplicidade quase

    ingnua, romntica. Contudo, ao discorrer sobre um tema de tamanha sensibilidade, recomenda a

    prtica e a prudncia haver necessidade de submisso a regras e critrios, medida que reflexes

    metdicas impem ao contedo objetividade epistemolgica, produzindo, por fim, uma

    conceituao de poltica consistente, prtica, porquanto resultante de investigaes filosficas,

    bem como cientficas e sociolgicas. Assim, preliminarmente, no plano da mais elevada

    abstrao, na quintessncia do racionalismo, poltica poltica e nada mais, poltica pura

    (machtpolitik).9 nesse aspecto que Hegel classificaria poltica como potncia pura e simples,

    sob a dimenso da metafsica; sua inteleco conceitual de poltica fora desenvolvida por meio

    de seu estilo idealista e argumentao dialtica, cuja razo absoluta - sntese entre razo

    objetiva e razo subjetiva manifesta-se pela compreenso do mundo inteligvel e essencial

    (ideia) como fenmeno, e esta realidade (fenmeno) se traduz na poltica (matria/coisa).

    oportuno advertir que poltica pura ou potncia pura, em termos assim to absolutos,

    essencialmente metafsicos, configura uma abstrao absoluta da ideia de poder, realizvel

    perfeitamente apenas no plano do intelecto; uma tipologia de manifestao de um determinado

    modelo idealizado de universo, pois no mundo prtico a poltica pura geralmente se converte em

    realismo poltico (realpolitik), e este, apesar de exibir toda uma frmula de ao com base na

    objetividade, na racionalidade lgica, na insensibilidade e at no cinismo para alcanar os fins,

    9SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. So Paulo: Ed. tica, 1994, vol. 1, p. 62.

  • 13

    consiste, na prtica, em aplicar de forma no absoluta e inflexivelmente, mas com certa

    relativizao, aquele poder poltico - a priori - implacvel. De todo modo, o manual prtico da

    realpolitik (realismo poltico) confirma que poltica a capacidade de monopolizar o uso da

    fora, portanto o exerccio efetivo do poder, significando que quem detm o poder, monopoliza a

    possibilidade de limitar e de controlar as aes de todos os demais membros de uma comunidade.

    Em linguagem simplificada, a traduo dessas especulaes racionalistas pode ser descrita por

    algo como a capacidade que A possui sobre B de impor-lhe comportamentos sem a contrapartida

    de resistncia, no importando se tratar de relaes sociais, entre Estados soberanos ou no

    soberanos, ou relaes no mbito interno de um Estado-nao. So extensos os registros

    histricos das lutas entre faces objetivando a conquista do poder, que uma vez alcanado,

    eventualmente legitimava a faco vencedora a submeter impiedosamente os vencidos, quando

    no os eliminava. Resguardadas as excees, tal lgica de ao vem sendo executada desde a

    antiguidade; na modernidade ocidental ocorria em praticamente todas as cidades-Estado

    mediterrneas e nos pases que se encontravam em processo de unificao; na

    contemporaneidade o dj vu foi sendo reeditado com a exibio das mais bizarras ditaduras que,

    despreocupadamente, anulavam ou exterminavam seus adversrios e/ou inimigos sem maiores

    escrpulos com postulados do tipo devido processo legal, como era regra no stalinismo, no

    fascismo, no nazismo, nas ditaduras militares etc.

    No campo terico, Nicolau Maquiavel se consagrar como cone do realismo poltico por

    desvendar, de forma sistematizada, os segredos da arte de governar; em seu catecismo, a difuso

    do aforismo os fins justificam os meios se converter em mantra para os seguidores do

    realismo poltico e, consequentemente, como advertncia, lembrando que poltica no tica e

    nem envolve ideais, e sim fora e poder recaindo indistintamente sobre todos,

    independentemente de valores morais, pois ainda que a moral seja a razo do indivduo, a

    poltica que a razo do Estado.

    No campo prtico, as teses realistas de Maquiavel no tardariam a ser experimentadas.

    Ainda assim, alguns sculos mais tarde, o estrategista militar prussiano Carl von Clausewitz, fiel

    discpulo do realismo, reforaria seus fundamentos com a obra Da Guerra, cujo contedo

    encontraria no aforismo A guerra a continuao da poltica por outros meios o seu slogan,

    que, em suma, no seria muito mais que uma parfrase do mantra maquiaveliano. Sob esta

    viso de mundo, a partir do sculo XIX uma nova realidade se impe; a humanidade testemunha

    o espetculo de novos cavaleiros, alguns dos quais se tornaro lendrios, como o general

    francs Napoleo Bonaparte e Otto von Bismarck, o arquiteto da unificao alem. Naquela

    etapa histrica, as cartilhas do realismo iriam se transformar em regras de conduta para os

  • 14

    governantes em geral, bastando para isso conferir a curiosa listagem dos estadistas que leram e

    rabiscaram apontamentos em seus exemplares da obra O Prncipe, ainda que simulando

    divergncias tticas e ticas, pois, de fato, no conseguiam disfarar o mal-estar com seu

    contedo. Na verdade, como de amplo domnio pblico acerca desta obra, o principal objetivo

    era o de desvendar a lgica do poder, incluindo todos os vcios e a corrupo que o cercam. A

    frase-lema da realpolitik (realismo poltico) representava, enfim, a justificativa simblica e

    racional para a aplicao de suas doutrinas e, ao mesmo tempo, uma quase-sentena mortal para

    o mundo mgico e encantado do romantismo poltico dos politlogos utpicos.

    Ocorre que, no jogo de xadrez da concertao poltica em mbito internacional, desde a

    queda de Napoleo e de Bismarck as peas do tabuleiro se moveram numa velocidade que os

    competidores no ousariam prever. Aps a exploso da primeira bomba atmica, verificou-se um

    esfriamento de nimo das partes, e cada passo de cada ator era milimetricamente estudado,

    sempre com base nos atos e omisses dos demais jogadores. As potncias que emergiram da 2a

    Guerra portando as amedrontadoras armas atmicas, se encontrariam foradas, durante a Guerra

    Fria, a recuar e a refletir sobre a eventualidade de outra guerra-total. Mas com o colapso do

    comunismo e o consequente fim da Guerra Fria, o mundo comearia a respirar aliviado - embora

    desencantado e no ritmo contnuo do realismo e a se comprometer em reordenar os termos do

    aforismo de Clausewitz, que a partir de ento melhor se adequaria sob um cuidadoso lema de que

    a poltica a continuao da guerra por outros meios. Ato contnuo, o dogmatismo

    maquiaveliano seria objeto de correo conjuntural, encontrando em Max Weber um de seus

    revisores, que apesar de adepto do realismo, marcou sua atuao pela crtica sbria e pela

    sintonia com a realidade de seu tempo. Weber, que legou ao pensamento poltico sua viso de

    mundo adequada nova concertao liberal e democrtica, que estava cooptando coraes e

    mentes no Ocidente, julgava que poltica pura um padro de conduta to irreal quanto a

    poltica puramente idealista. Entendia ele que poltica, no sentido mais objetivo, se realizaria

    dentro do Estado, devendo este ser o sujeito ativo do legtimo monoplio do exerccio da

    violncia fsica sobre toda a comunidade poltica de um determinado territrio, e que tal

    legitimidade s encontra fundamentao na ideia de que a violncia fsica (o poder poltico)

    jamais poder ser exercida indiscriminadamente. Assim, uma conjuno de fatores explicaria a

    razo de o estadista esculpido por Maquiavel, cujo ethos se resumiria tica dos fins ltimos ou

    tica da convico, sair de cena e ceder seu posto para um novo protagonista da histria, o

  • 15

    estadista weberiano por Weber chamado de lder ou chefe carismtico - cujas regras de conduta

    seriam orientadas, dali em diante, pela tica da responsabilidade.10

    As constantes referncias a termos e conceitos ocidentais sugere uma pretensa supremacia

    eurocntrica que, de fato, parece ser pouco questionvel. Em contrapartida, no h como ignorar

    a contribuio de estrategistas da poltica e da guerra na antiguidade oriental, tais como Sun Tzu

    na China (544 a 496 a.C.) e Kautilya na ndia (370 a 283 a.C.). Contudo, com a evoluo da

    civilizao greco-romana, a filosofia poltica e do direito adquiriram um refinamento mpar,

    sendo responsveis pelo advento de uma sofisticada teoria de Estado. Dentre tantos pensadores

    importantes da Era Clssica, na filosofia poltica sobressai Aristteles (384 a 322 a.C.), cuja

    teoria considerada precursora dos regimes democrticos e liberais prevalecentes na

    contemporaneidade. Para este pensador grego, o significado de poltica est positivamente

    relacionado a polis (cidade), no sentido de que tudo o que for bom para a cidade (polis), tudo o

    que for para o bem da comunidade pode ser traduzido como poltica. Desta acepo deriva a

    universalizao do termo aristotelismo, que define a natureza humana como socivel e, portanto,

    poltica por excelncia, elevando o homem condio de zoom politiks, um animal

    naturalmente poltico e social. De acordo com esta argumentao, a sociedade seria um construto

    anterior ao surgimento do prprio indivduo, derivando a explicao filosfica do porqu de estar

    o homem, em todos os lugares, sempre em busca da companhia dos outros homens para viver em

    comunidade. E no sem razo que provavelmente a poltica e os polticos no existiriam se o

    homem no necessitasse dos outros homens para sobreviver ou para poder usufruir seu tempo de

    vida de maneira mais cmoda. Se todos os homens fossem deuses, bastando-se a si mesmos, a

    luta cotidiana que todos travam pela alocao de recursos para satisfazer seus interesses

    particulares ou comunitrios perderia a razo de ser, bem como no teria sentido a luta pela

    supremacia do poder poltico em nome da integrao da comunidade poltica e da resoluo de

    conflitos eventuais.

    Distante da pretenso de esgotar o assunto, um breve exame do acervo conceitual de

    Thomas Hobbes pode ser selecionado para reforar a deduo aristotlica, ainda mais por se

    tratar de um pensador cujas convices acerca do homem, da sociedade e do modo de exercer o

    poder, alm de paradigmticas, so abertamente antagnicas s teses de Aristteles. No entanto,

    pode-se comprovar sem maiores esforos, uma curiosa convergncia de pensamento que

    conjunturalmente aproxima Aristteles de Hobbes um moralista e um realista, respectivamente

    , os quais, apesar das visveis diferenas, certamente concordariam que a poltica o fator

    10 Este tema encontra-se desenvolvido no captulo dedicado a Maquiavel.

  • 16

    condicionante para a sobrevivncia em comunidade. A despeito de suas concepes francamente

    antitticas acerca da natureza humana, da sociedade, do Estado e, enfim, do mtodo de exerccio

    do poder poltico, ambos compreendiam que as aspiraes humanas s poderiam ser

    concretizadas dentro da realidade estatal, isto , com todos os membros de uma mesma

    comunidade pertencendo uma especfica organizao poltica.

    Ressaltando, isto o que Aristteles concebe como poltica: a capacidade dos homens de

    racionalizar a convivncia em comunidade, ou seja, da obteno do bem-comum, implicando na

    possibilidade de fruio de uma boa vida, o viver bem, prerrogativas que abrangiam o somatrio

    de todos os membros da polis. Com referncia a Thomas Hobbes, pacificamente conhecido seu

    negativo juzo de valor acerca da natureza humana, valorao que se situa em espectro

    diametralmente oposto ao que se posiciona Aristteles. Para Hobbes, o homem no apenas a-

    social como tambm antipoltico. Contudo, reconhecia que o homem, apesar de ser o lobo do

    homem em seu estado natural portanto, na ausncia do aparato estatal -, estaria habilitado a

    conviver comunitariamente, em paz e em harmonia com seus semelhantes, desde que sob o

    monoplio coercitivo do Estado, potncia nica e capaz de anular circunstancialmente a ndole

    do lobo-homem e constrang-lo a se comportar como um animal socivel.

    Em sntese, sob a tica aristotlica, a poltica se relaciona a tudo o que for positivo para a

    comunidade, a tudo o que for em prol da polis, civil enfim. E sob a perspectiva hobbesiana, em

    que pese sua defesa de mtodos distintos de ao poltica, evidentemente mais speros,

    prevalecendo mais o poder de fato do que o poder de direito, mais a fora do que o consenso, os

    fins a serem alcanados, contudo, so basicamente os mesmos, ou seja, tanto quanto Aristteles,

    Hobbes tambm detecta na poltica um instrumento cuja finalidade idntica do eminente

    pensador grego: o bem-comum. Esta convergncia de fins ltimos da poltica quase uma

    unanimidade entre os tericos do Estado, independentemente do modus operandi de executar o

    poder que iro propor e defender se movidos por convices moralistas, realistas ou puramente

    por convices ideolgicas.

    Todavia, o aparente consenso, acomodado pela onipresena e generalidade do termo bem-

    comum, contribui para despertar o interesse acerca de seus reais significados, que na verdade

    so imprecisos, por se tratar de um conceito absoluto no plano racionalista, mas no plano

    existencial, de to relativo, diz tudo e pouco explica ao mesmo tempo. Consolidou-se como uma

    esfinge, cujo enigma vem se perpetuando dos primrdios da teoria poltica at a atualidade, sem

    que seja definitivamente decifrado. Sua explicao de poltica em seu aspecto teleolgico, ou

    seja, de qual seria a conexo existente entre os meios de ao (poder poltico) e a obteno dos

    fins desejados, ainda no foram delimitados, relativamente aos meios, em funo dos

  • 17

    interminveis antagonismos ideolgicos. Quanto aos fins, a retrica verborrgica dos polticos

    unnime em apontar como alvo o bem-comum no seu eterno sentido genrico, delegando para a

    cincia poltica o desafio de especific-las no tempo e no espao. O problema, genrico, carece

    de ser diludo extensivamente em questes especficas, devendo se apresentar sob indagaes

    mais objetivas, por exemplo: Como deve ser praticada a poltica? Como ela se relaciona com o

    poder? Quais so os agentes legitimados a pratic-la? E quais os seus fins?

    Um primeiro indcio que ecoa deste labirinto terico, revela que o manual de operao da

    poltica ainda tem as suas respostas distantes da unanimidade, a despeito da contribuio de

    tantos sbios; o quebra-cabeas perdura, segundo os estudiosos, porque de tempos em tempos o

    dinamismo das civilizaes opera gradativos up grades nos valores relacionados aos mtodos de

    ao poltica, acarretando uma darwinista reviso de paradigmas do que vem a ser a poltica em

    seu significado genrico, incluso na questo quem seria o seu agente-prottipo (o modelo de

    poltico), executando, enfim, uma seleo natural da espcie.

    Sem desconhecer que poder, poltica e poder poltico so comumente descritos como

    conceitos associados, sinalizando exprimir valores comuns, prudente ressaltar que todo estudo

    que envolva a anlise desses conceitos deve demonstrar suas consequncias, qual seja, os

    resultados prticos do exerccio do poder poltico. Simultaneamente tarefa de identificar,

    classificar e definir sujeitos e objetos da poltica, sobrevive o debate, estril para alguns,

    produtivo e didtico para outros, referente esfera de alcance da poltica, ou seja, a partir de que

    ponto um ato de poder j pode ser considerado um ato de poder poltico? Lembrando que poder

    a faculdade que algum tem para coagir o outro em fazer ou deixar de fazer algo em seu

    benefcio, do contrrio resultando em sanes, questiona-se acerca da possibilidade de existir

    poltica no mbito das relaes sociais; se, em havendo poder entre dois agentes no-estatais,

    podendo ser eles dois indivduos ou dois grupos, estando, portanto, ausente o elemento Estado,

    poder existir, naquela relao, poder poltico.

    Na percepo analtica dos puristas, somente existir poltica quando na presena do

    Estado; quando o exerccio do poder for operado por agentes que monopolizam a autoridade de

    governo, sob suposta existncia de soberania do ente estatal, portanto. Desta delimitao

    exclusivista do foco de anlise, deriva a noo de que somente ser poltico o poder que for

    exercido a partir da supremacia estatal, isto , no vrtice da pirmide sociolgica, que

    compreende o indivduo, a sociedade e o Estado, prevalecer a deciso deste ltimo,

    condicionando aos demais inescapvel conduta de subordinao. Por exemplo, este poder

    decisional pode ser constatado na esfera da administrao pblica (poder executivo) pela

    monopolizao discricionria da repartio dos bens pblicos aos seus administrados; na esfera

  • 18

    judiciria, pelo poder de proferir sentenas punitivas (jus puniendi), sobressaindo o carter

    heternomo do Estado, em razo de sua posio hierarquicamente superior e desigual com

    relao aos seus jurisdicionados; na esfera legislativa, em funo de sua soberana autoridade para

    expedir (promulgar, outorgar, decretar) normas e leis que tenham eficcia erga omnes, isto , que

    sejam vlidas para todos.

    Em contraposio, correntes flexveis entendem que praticamente toda relao social

    expressa uma situao de poder, consequentemente relaes polticas, desde que constatada a

    assimetria de influncia nas relaes entre esses particulares, seja uma relao de amigo para

    amigo, de pai para filho, entre o mdico e seu paciente, o marido e a mulher, o lder religioso e

    seus seguidores etc., consumando, portanto, a onipresena do poder poltico. Nessas relaes

    bilaterais, sempre estaro presentes interesses conflitantes, resultando na tentativa de imposio

    dos objetivos de cada um, por ao ou omisso, procurando influenciar a parte antagnica a fazer

    ou deixar de fazer algo em seu benefcio, constituindo relaes polticas e, por extenso, a

    ocorrncia do poder poltico. Nesta corrente, situam, tambm, os adeptos da ocorrncia do poder

    poltico no mbito das relaes internacionais que, tanto quanto na esfera interna de um Estado,

    admitem que entre Estados ocorrem intromisses e interferncias de alguns sobre outros,

    influenciando-os a se comportarem de modo contrrio aos seus interesses. Considerada nesses

    termos mais genricos, a interpretao do que poltica se confunde com a ideia de influncia,

    como explica Bertrand de Jouvenel: poltico todo esforo sistemtico, realizado em qualquer

    ponto do campo social, de mobilizar outros homens na procura de algum desgnio definido por

    aquele que realiza a mobilizao (....)no h diferena de natureza entre as relaes sociais e as

    relaes polticas: trata-se simplesmente de uma questo de relaes entre os homens11.

    No sentido de expor as teses para uma eventual avaliao dialtica, Peter Nicholson relata

    pontos de vista abrangentes e antagnicos, que adotam tanto concepes prximas do

    anarquismo, ao admitir a poltica em sociedades sem Estado, quanto outras mais ortodoxas,

    que somente admitem a poltica se diretamente associada ao Estado e tudo o que tem a ver com

    ele.12 Estes, rejeitam a tese de que exista poder poltico pelo simples fato de haver governos

    privados nas firmas, sindicatos, associaes profissionais, igrejas, universidades, classificando

    essas estruturas de agrupamentos para-polticos ou de quase-polticos.13 Para contornar o

    problema, apresenta como recurso uma argumentao conciliatria, admitindo, em outras

    11NICHOLSON, Peter. Poltica e Cincia Poltica. Cadernos da UnB, p.25. Braslia: EdUnB, [?]. 12 Poltica e Cincia Poltica, op. cit., p.25. 13 Idem, ibidem, p.25

  • 19

    palavras, que o poder poltico produto da dominao de um homem sobre o outro, dominao

    que pode se apresentar tambm sob a espcie de relao entre o Estado e seus sditos

    (governados). Nesses termos, sua soluo seria a alternativa[...]de aceitar que h governo em

    toda organizao e j que a poltica constitui de fato o governo, todos estes seriam polticos e

    formariam parte do domnio da cincia poltica. 14 Contemplando o problema de modo

    semelhante, o cientista poltico Philippe Schmitter se debrua imparcialmente sobre o tema,

    tambm apresentando as duas faces da moeda, uma realista e, em seguida, outra de tendncia

    pluralista, explicando que Para alguns, a poltica essencialmente uma luta, um combate em

    que o poder permite a alguns que o tm, assegurar a sua dominncia sobre a sociedade e desta

    tirar partido. Para outros, a poltica um esforo para fazer governar a ordem e a justia em que o

    poder permite a proteo do interesse geral e do bem comum contra a presso das reivindicaes

    particulares.15

    Da vertente pluralista aparece uma instigante reflexo do socilogo Talcott Parsons, que

    enobrece o debate ao adicionar o elemento sociolgico questo poltica e introduzir uma

    inovadora e no menos controvertida descrio de poder poltico, instrumentalizando o mtodo

    estruturalista/funcionalista. Interpretando-o, acerca de sua compreenso do problema,

    provavelmente no deixaria de afianar a parbola a seguir, estruturada na ideia de que a

    locomotiva do poder no um trem desgovernado descendo montanha abaixo devastando tudo e

    todos que estiverem sua frente, como um rolo compressor. Ento, como contraponto teoria da

    machtpolitik ou da realpolitik, Parsons vislumbrou a presena permanente de mecanismos

    institucionais de conteno tendncias absolutizantes do poder, classificando-os de Imperative

    Control16, esclarecendo que a dominao poltica no um fim em si mesmo, o poder pelo poder

    apenas, pois a sua existncia pressupe uma constelao de valores impossveis de serem

    violados aleatoria e arbitrariamente, razo pela qual considera que o poder no , basicamente,

    estar em condies de impor a prpria vontade contra qualquer resistncia. , antes, dispor de um

    capital de confiana tal que o grupo delegue aos detentores do poder a realizao dos fins

    coletivos.17 O germe desta interpretao deriva dos primrdios da formao da civilizao

    ocidental, pois entre os gregos do perodo clssico o exerccio dos cargos pblicos configurava

    14 Poltica e Cincia Poltica, op. cit., p.25. 15 Idem, ibidem, p. 49. 16Ainda que ausente de uma traduo conceitual para a lngua portuguesa, literalmente a expresso quer dizer

    Controle Imperativo. 17LEBRUN, Grard. O que poder, p. 14. Ed. Brasiliense: So Paulo, 1984.

  • 20

    mais encargo do que gozo de poder propriamente, j que desempenhar uma funo pblica, alm

    de constituir obrigao, no conferia privilgios que distinguisse o magistrado dos outros

    cidados, pois os cargos eram exercidos por todos, em rodzio, e a permanncia no cargo se

    distinguia pela brevidade, no existindo entre eles a percepo de dominao poltica. Como

    argumenta Hannah Arendt, complementando a definio daquela atividade tradicional, A

    distino entre governantes e governados pertence a uma esfera que precede o domnio poltico, e

    o que distingue este da esfera econmica do lar o fato de a cidade (polis) basear-se no princpio

    de igualdade, no conhecendo diferenciao entre governantes e governados.18 Em posio

    diametralmente oposta a essas, o pensamento marxista se mostra contundente e irredutvel ao

    expor o Estado como nada mais nada menos que um instrumento de dominao de uma classe

    sobre outra para a manuteno do domnio, que se expressa especialmente em termos

    econmicos e por meio da classe mais poderosa, resultando na opresso de senhores sobre

    escravos (Estado escravista), da nobreza sobre camponeses (Estado feudal), da burguesia sobre o

    proletariado/assalariados (Estado burgus/capitalista). Como visto, o fator econmico e o fator

    histrico (matria + histria = materialismo histrico) formam o substrato crtico-analtico de

    Karl Marx e seu parceiro Friedrich Engels, por eles chamados de dialtico, mtodo que lhes

    fornecem elementos para interpretar as relaes sociais e polticas como em O Manifesto

    Comunista: O poder poltico [Estado] o poder organizado de uma classe para a opresso de

    outra.19 A essa forma de poder, sob a hegemonia do Estado, Marx denominava de ditadura, no

    importando a espcie de poder exercido; porm h que se lembrar que Marx identificava poder

    tambm nas relaes sociais, o poder senhorial com relao aos escravos no Estado escravista,

    com relao aos servos no feudalismo, e ao proletariado no capitalismo, todos definidos por ele

    como despotismo.

    Nos tempos atuais, ainda que considerando as prerrogativas e privilgios das funes

    governativas, marcas que a modernidade poltica imprimiu, talvez definitivamente, no h como

    ignorar, enfim, que quem dirige o governo - insistindo na linguagem simblica -, no muito

    mais que o maquinista da composio, pois apesar de detentor da chave que d a partida e de

    dirigir o comboio, est ele irremediavelmente comprometido com regras norteadoras

    determinadas, das quais dificilmente poderia se libertar. Por mais paradoxal que possa parecer,

    ditadores aparentemente impulsivos como Mussolini, Stlin, Hitler, Mao Ts-tung, Fidel Castro e

    18ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro, p. 158. Apud Grard Lebrun, op. cit., p. 26. 19MARX Karl. O manifesto comunista. Edio eletrnica: Ridendo Castigat Mores, p. 43. Ebooksbrasil.org

    (www.jahr.org), 1999.

  • 21

    Pinochet sempre estiveram vinculados aos princpios que os alaram ao poder, estando,

    portanto, permanentemente forados a ratificar fidelidade aos regimes que implantaram em seus

    pases, caso contrrio, os custos de uma aventura mal calculada poderia lhes trazer prejuzos

    irreparveis. Com semelhante interpretao, Max Weber alerta que O chefe no senhor

    absoluto dos resultados de sua atividade, devendo curvar-se tambm s exigncias de seus

    partidrios, exigncias que podem ser moralmente baixas. Ele ter seus partidrios sob domnio

    enquanto f sincera em sua pessoa e na causa que defende (...).20

    Independentemente das caractersticas com que se apresentem, o poder e a poltica evocam

    direta conexo com a ideia de autoridade. Havendo obedincia sem maiores resistncias, mais

    ainda, com espontaneidade, ao comando de um agente, diz-se que o poder adquirido e exercido,

    realizou-se sob a gide da autoridade, manifestando, cumulativamente, fortes vestgios de

    legitimidade, uma vez que a obedincia prestada se efetivou mais claramente a partir do contexto

    de um poder de direito, e no basicamente de um poder de fato, embora seja notrio que o poder

    de fato - a possibilidade de recorrer ao uso da fora sempre persistir, ainda que

    implicitamente, tornando real sua probabilidade de ser exercido, mesmo que apenas em casos

    extremos, pois do contrrio, o poder de direito, mais espontneo e baseado em valores e crenas,

    vinculado ao princpio da legitimidade e, portanto, da autoridade, perderia sua prpria razo de

    ser.

    A evoluo do Estado, desde a antiguidade, vem tornando cada vez mais complexo o

    significado de poltica e de poder, definidos pela capacidade de agregar em torno de si gradativa

    e contnua sofisticao de fundamentos como autoridade, dominao e legitimidade. E para

    desenvolver a conceituao desses fundamentos, inevitavelmente h de se recorrer

    compreenso sociolgica de poder em Max Weber, cuja formulao resultou em um dos mais

    notveis construtos de sua sociologia: a tipologia ideal da autoridade legtima. A consequncia

    dessa abstrao encontra no termo dominao (herrschaft) a elaborao conceitual mais

    depurada para exprimir um cenrio em que a autoridade exerce seu poder de forma legtima,

    quase incontestvel, podendo a legitimidade da autoridade ser derivada de uma fonte tradicional,

    carismtica, ou racional-legal. Em um cenrio de dominao, repousa o pressuposto de elevado

    grau de consenso quanto obedincia aos que exercem o poder, oriundo da parte dos dominados,

    que agem orientados por uma disciplina derivada de mltiplas fontes, que podem advir de

    crenas e valores difusos (f religiosa, tradio, estatutos legais, devoo pessoas, motivaes

    econmicas, altrusmo). Ainda que o tipo ideal seja um arqutipo mental do cientista social, via

    20 In: Poltica e Cincia Poltica, op. cit., p.119.

  • 22

    de regra tem sua idealizao com base em um parmetro comparativo do que acontece na

    realidade, podendo o fenmeno da dominao ser analisado, porque constatado, em qualquer

    instncia: nas relaes de dominao entre indivduos e grupos de indivduos, e no apenas nas

    relaes de dominao institucionais (de governo, de Estado e tambm nas relaes

    internacionais). Comparadas as condies de poder, e constatadas sua efetividade, quem o exerce

    detm autoridade e, se esse exerccio se efetivar com legitimidade, ocorrer o fenmeno da

    dominao, que em termos de tipologia ideal, seria a essncia do poder poltico: a sntese do

    poder de fato (obedincia como temor possibilidade de uso da violncia fsica ou poder

    coercitivo) com o poder de direito (obedincia com base em crenas e valores em estatutos:

    sagrados, legais, pessoais). Em suma, o nvel mais consistente possvel de consentimento e de

    obedincia dos governados a quem governa eleva a dominao ao pice da legitimidade, porm

    com a devida lembrana de que no mundo das coisas, da razo prtica, a expectativa de

    legitimidade plena, at o presente momento, um assunto que somente na esfera de uma

    metafsica de tipo platnica que poder encontrar a sua concretizao.

    2.2 Cincia Poltica: a cincia na poltica

    O que a cincia poltica? Para ser obtida uma resposta razoavelmente adequada, o

    primeiro passo deveria ser acionado em direo a uma anlise introdutria do conceito de cincia

    em si; ato contnuo, seria recomendvel a descrio do processo evolutivo das cincias sociais,

    do advento da cincia poltica e de seu processo de autonomia cientfica, finalizando com uma

    abordagem teleolgica, qual seja, a relao entre meios e fins na cincia poltica.

    de domnio pblico que na antiguidade, tanto no Oriente quanto no Ocidente, houve uma

    seleta categoria de estudiosos empenhados na misso de desvendar os mistrios da natureza

    objetivando, na medida do possvel, control-la e subjug-la, para que dela o homem pudesse

    usufruir de seus benefcios. Toda cincia atual, praticamente, incluindo aquelas de estgio mais

    avanado e sofisticado, tem suas primeiras noes na antiguidade, basicamente no Oriente,

    porm revestido de um vis fortemente intuitivo e especulativo. Nessa medida, a cincia,

    enquanto detentora de atributos especficos para ser reconhecida como tal, tem seu advento

    exclusivamente no Ocidente, caso da arquitetura, engenharia, biologia, qumica, astronomia,

    fsica, etc., e todas as cincias humanas, como explicaria Max Weber em sua obra magna, de

    1905, A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo: Apenas no Ocidente existe uma cincia

    em estgio de desenvolvimento que reconhecemos, hoje, como vlido (...) a busca racional,

  • 23

    sistemtica e especializada da cincia por parte de pessoal treinado e especializado existiu

    somente no Ocidente (...).21

    Do perodo clssico ocidental, Plato e Aristteles se destacam como os exemplos mais

    expressivos de personalidades que elegeram o conhecimento na verdade como compromisso de

    suas vidas intelectuais, embora adotando concepes e metodologias distintas. Plato, o

    precursor da filosofia propriamente dita, deslocou as indagaes cosmolgicas do perodo pr-

    socrtico para um novo eixo de preocupaes: as questes antropolgicas. Em suas especulaes

    acerca do homem e seu lugar neste mundo, dedicou extrema devoo s suas convices

    filosficas, cujos fundamentos racionalistas transcendiam o mundo natural, priorizando o mundo

    inteligvel (ideias) - sem nenhuma interferncia dos sentidos e das opinies - em detrimento,

    portanto, do mundo sensvel (das coisas); sua matriz filosfica fundamentada no mundo

    inteligvel, cuja comprovabilidade de teses se realiza em objetos e formas ideais, tem seu

    processamento pela via da formulao e do emprego preponderante do mtodo prescritivo,

    normativo, do dever-ser, deontolgico, enfim. Por intermdio de sua narrativa sedutora, Plato

    estruturou um extraordinrio modelo racionalista de responder a todas as indagaes, invertendo

    o paradigma do pensamento convencional e apresentando o seu como originalmente ontolgico

    (do verdadeiro ser), por meio de uma complexa reflexo terica derivada da dialtica em que

    confronta o ser com o no-ser, resgatando, portanto, de forma sutil, o verdadeiro ser a partir de

    uma intuio deontolgica, porm apresentada como legitimamente ontolgica, demonstrando

    que o no-ser pode tambm se constituir em algo - por ser sensvel - e no puramente o nada,

    como sustentava Parmnides, precursor do mtodo e da tese. Portanto, sendo um falso-ser, o

    no-ser no deixaria de ser algo, no caso uma sombra ou cpia imperfeita; o aparente

    (sensvel), embora no a essncia, o inteligvel.

    Um indcio da convico de Plato, de que no se sentia alienado e nem tangenciando a

    realidade factual, pode ser comprovado em sua magistral reflexo desenvolvida na obra A

    Repblica, na qual descreve a alegoria do mito da caverna, cujo protagonista um filsofo,

    que nesta condio se sente responsvel por conduzir os homens luz do sol. Como explica Max

    Weber, o sol representa a verdade da cincia, cujo objetivo o de conhecer no apenas as

    aparncias e as sombras, mas tambm o ser verdadeiro.22 Esta e outras alegorias platnicas

    simbolizam o esplendor da filosofia grega e de seu significado para o futuro, pois naquele

    momento germinava um processo evolutivo para o conhecimento, que em Plato se caracteriza

    21 Pp. 23 e 25. So Paulo: Martin Claret, 2006. 22 In: Cincia e Poltica, op. cit., p. 32.

  • 24

    pelo racionalismo e a dialtica como meios para tal. Ao avaliar seus mtodos como cientficos,

    Plato exalta a cincia pelos recursos que elevam a parte mais sublime da alma at a

    contemplao do mais excelente de todos os seres; e que a cincia representa a libertao das

    correntes, a [sua] converso das sombras (...) a [sua] a ascenso para o Sol (...).23

    Adiante de Plato, Aristteles j se antecipava como prottipo do futuro cientista moderno,

    pois antes de formular suas retumbantes teorias sociais, j havia enveredado no caminho das

    investigaes cientficas dos fenmenos da natureza, descrevendo experimentos na rea de

    botnica, realizando observaes em astronomia e formulando conjecturas em fsica, qumica,

    em suma, dominando o processo analtico (lgica) como instrumento - ainda que com meios

    incipientes para atingir o conhecimento (cincia). Seu mtodo de entender e de explicar o

    mundo era diverso da inteleco platnica, pois para Aristteles a origem do conhecimento e da

    verdade residia nas coisas e objetos reais e no homem, sendo passveis de verificao e podendo

    ser testados a partir da instrumentalizao lgico-analtica de suas teorias, materializadas em

    recursos hoje reconhecidamente cientficos, como a proposio, o planejamento e a coleta de

    dados, a observao factual, a experimentao, a comprovao.

    Para atingir nveis confiveis de comprovabilidade cientfica, a experimentao foi o mais

    significativo vetor de induo para o advento da cincia; e este evento mpar da humanidade s

    teve lugar no Ocidente Moderno, germinando na Renascena. Tudo isso, graas a uma casta de

    crebros privilegiados, principiando por Galileu Galilei, que determinava como regra de pesquisa

    a experimentao e o rigor na sistematizao, sendo secundado pela obstinao de Francis

    Bacon, com sua filosofia experimental, que recusava toda forma de conhecimento intelectual que

    no tivesse origem no empirismo, isto , na experincia sensitiva. No entanto, o carter de

    cientificidade das pesquisas foi definitivamente consumado quando da divulgao da lei da

    gravidade de Isaac Newton que revolucionou a concepo de mundo da poca, demonstrando

    que, por mtodos cientficos, o universo pode ser conhecido, explicado e explorado, portanto

    sendo previsveis seus movimentos, porquanto guiado por leis fsicas determinadas. Em adio

    pluralidade de premissas acima elencadas, o racionalismo preconizado por Ren Descartes, cujo

    mtodo indutivo de conhecimento se baseava em rigorosos enunciados matemticos, foi decisivo

    para contribuir com a complementao estruturante das cincias. A consequncia de todo este

    colossal acervo de proposies teorticas foi a emergncia das cincias factuais, primeiramente

    as exatas e a seguir - no ainda futuro e distante sculo XIX - as cincias sociais ou humanas.

    23Plato. A Repblica. So Paulo: Nova Cultural, 1997, p. 246.

  • 25

    A evoluo das cincias abstratas (matemtica, lgica) e das cincias factuais (fsica,

    biologia, qumica etc.), forneceram subsdios mais do que suficientes para que as teorias sociais

    pudessem evoluir para o mbito cientfico. Antes restritas ao universo da filosofia, as teorias

    sociais foram se emancipando, adquirindo o status de cincia a partir do momento em que

    comeam a empregar as ferramentas da metodologia cientfica. Desse modo, a sociologia, em

    decorrncia da perseverana de Auguste Comte em adaptar e aplicar, de forma sistematizada, os

    mtodos cientficos aos seus trabalhos sociolgicos, veio a se tornar a primeira de todas as

    cincias sociais, com a obra Sistema de Poltica Positiva, de 1851. A partir de ento, os demais

    campos do conhecimento, filiados aos estudos da rea de humanidades, evoluem paulatinamente

    at que sejam reconhecidos o seu status cientfico, como a economia, a administrao, a

    psicologia, o direito etc.

    Fato semelhante ocorreu com a Cincia Poltica, malgrado sua dificuldade de se

    transformar em cincia independente, pois seu carter sui generis no modo de interagir e

    coexistir com as outras cincias humanas, de excepcional naturalidade, imps-lhe a rdua misso

    de ter de provar que no seria um simples apndice daquelas cincias, j ento estruturadas. No

    posto de teoria sociolgica, ou melhor, categorizada como uma cincia geral das sociedades,

    desfruta de ntimas ligaes com todas as cincias humanas, como no poderia ser de maneira

    diversa, tanto que, como objetos de interesse investigativo da Cincia Poltica, atualmente tais

    cincias esto relacionadas como seus subsistemas. De fato, o status de cincia de sntese,

    ratificado pela atuao da Cincia Poltica produzindo pesquisas simultaneamente em todos as

    reas das cincias sociais, como a Histria, a Filosofia, a Economia, a Psicologia, a

    Administrao, a Sociologia, a Antropologia, as Relaes Internacionais, o Direito. Como

    cincia de sntese, converte-se em disciplina dinmica, o que explica o fato de continuamente

    recorrer s outras cincias sociais para melhor desenvolver suas teses, uma vez que estas cincias

    foram acumulando valiosos acervos ao longo do tempo. Os frutos da comunho entre a Cincia

    Poltica e as demais cincias humanas constituram uma pluralidade de subsistemas no mbito da

    Cincia Poltica, como exemplo o seu livre trnsito na Sociologia para extrair dela conhecimento

    associado poltica, que resultou na denominada Sociologia Poltica; atitude semelhante com

    relao Economia originou a Economia Poltica; no campo da Psicologia, de sua rea mais

    correlata Cincia Poltica, seu derivativo foi a Psicologia Social; da Administrao, a

    Administrao Pblica; e da Filosofia a Filosofia Poltica. Enfim, todas as sub-reas das demais

    cincias humanas relacionadas a fenmenos polticos e do poder, so, indubitvel e

    simultaneamente, campos de interesse investigativo para a Cincia Poltica explorar e, ento,

    produzir suas teorias cientficas.

  • 26

    Nesse contexto to vasto para pesquisa, em razo da amplitude do campo de teoria social, e

    to promissor para oferecer resposta a inmeras e nunca antes respondidas indagaes, em razo

    da disponibilizao de avanados mtodos cientficos, aps o estabelecimento da sociologia

    como cincia a cincia poltica iria se equipar de metodologias a fim de solucionar as dvidas

    que anteriormente excitava a inquietude dos filsofos, dvidas que no podiam ser

    definitivamente resolvidas porque ausentes os instrumentos para tal. certo, pois, que o

    desenvolvimento cientfico se estrutura com base na filosofia, e importantes descobertas da

    cincia aconteceram como resposta aos mais instigantes questionamentos filosficos.

    Coincidncia ou no, alguns dos mais sofisticados pensadores, que j instrumentalizavam

    avanadas tcnicas em suas teorias sociais/filosficas, conquistaram a reputao de cientistas

    sociais/polticos, como Aristteles, Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville. Entretanto, somente

    no final do sculo XIX (1896), com a obra Elementi di Scienza Politica, de Gaetano Mosca, que

    apareceria oficialmente a primeira obra de cincia poltica estritamente considerada.

    A partir da afirmao e consequente justificativa de que h uma linha que separa cincia de

    no-cincia, naturalmente despontaria o questionamento acerca da localizao da faixa divisria

    que a demarca: Como identificar se uma obra de teoria social seria ou no cientfica? At que

    ponto uma obra de teoria poltica seria delimitada como filosofia poltica e uma outra descrita

    como cincia poltica?

    O Contrato Social, famoso livro de Jean-Jacques Rousseau, por se tratar de uma obra de

    filosofia poltica, e por se destacar como uma obra bastante lida, comentada e discutida, se

    encaixa como prottipo e poderia ser objeto do exame que a proposta requer. Como obra de

    teoria social, tambm teoria poltica, e como teoria poltica, tambm teoria de Estado, assim

    como uma obra de cincia poltica. Contudo, O Contrato Social no se filia na categoria de obra

    cientfica, porque ausentes pr-requisitos imprescindveis para caracterizar o trabalho cientfico,

    como a neutralidade e a ausncia de posicionamento ideolgico etc. Em verdade, nesta obra de

    Rousseau esto presentes alguns dos mais elementares postulados que levam desqualificao

    do valor de cientificidade de uma obra, postulados que so interligados, inclusive: o elemento

    prescritivo, relativo ao dever ser e o deontolgico, que se apresentam no propsito de formatar

    um modelo de sociedade, que seria perfeita, e o juzo de valor, elemento subjetivista que sintetiza

    no pensamento do escritor um conjunto de crenas e sentimentos morais composto de energia

    suficiente para orient-lo em suas prescries. Outro elemento, aparentemente secundrio,

    porque formal, vem a ser o modelo terico adotado, o jusnaturalismo, cuja fundamentao se

    sustenta em uma hipottica forma de convivncia social dos homens em seu estado natural - sua

    fase pr-estatal -, baseado puramente no racionalismo, sem comprovao histrica e

  • 27

    experimental, portanto. Em situao anloga, vrias publicaes de pensadores fundamentais

    para a compreenso da histria poltica ocidental podem ser apontadas, como o Leviat de

    Thomas Hobbes, O Segundo Tratado sobre o Governo Civil de John Locke e o vasto acervo de

    escritos polticos de Karl Marx. Nestas obras possvel detectar com relativa facilidade alguns

    critrios inerentes ao mtodo cientfico, como o empirismo, anlise histrica, dados quantitativos

    e estatsticos, mas em contrapartida, percebe-se neles um vis de inegvel comprometimento

    ideolgico, como a devoo ao absolutismo com relao a Hobbes; a defesa inflexvel do

    liberalismo com relao a Locke, e, sob o signo cientificista, uma religiosa retrica doutrinria ao

    socialismo/comunismo com relao a Marx. Em comum, a defesa aberta de todos eles aos

    valores ticos e morais que, caso a caso, compe o sustentculo de suas ideologias.

    Em posio diversa dos princpios deontolgicos (tica/moral) que se identificam com o

    dever ser e, portanto, com os postulados autnticos da filosofia, situam as premissas relativas aos

    preceitos ontolgicos, associados ao ser, ao que concretamente , portanto verdade, ainda que

    esta verdade no seja um paradigma absoluto, eterno e imutvel, mas que seja uma verdade que

    contenha validade, isto , que seja exposta sob o signo da neutralidade, da comprovabilidade, da

    confiabilidade e que resista a testes de hipteses; que sejam verificveis no seu tempo de

    vigncia. Neutralidade, verificabilidade, confiabilidade, testes de hiptese, so termos-conceitos

    inseparveis dos pr-requisitos da cientificidade. Qualificam-se como instrumentos formais da

    experimentao de conjecturas e hipteses cientificamente estimadas, e processadas por meio da

    observao emprica, da induo, da deduo, sob argumentao racional dos fatos etc., e jamais

    militar a servio de uma causa, como legitimamente podem atuar os filsofos. Tanto quanto a

    filosofia, especialmente a filosofia poltica, a cincia poltica tem como finalidade produzir teses

    relativas aos fenmenos do poder poltico, s instituies do Estado em geral, como exemplo a

    abordagem funcionalista do Estado (explicao e previso das consequncias do seu

    funcionamento) relativamente ao processo decisrio, s polticas pblicas, ao comportamento

    poltico de eleitores e de parlamentares, investigao sobre os fundamentos do poder, da

    autoridade, da dominao, da legitimidade, porm se abstendo de emitir juzos de valor, portanto,

    dispondo da singularidade de atuar com imparcialidade, de forma sistematizada e com rigor,

    arquitetando para edificar, pensando, observando, explicando e prevendo, sem a interferncia de

    ideologias; tanto quanto possvel submetendo-se aos comandos da neutralidade, instrumentos

    esses que no so propriamente necessrios existncia da filosofia como teoria social em si.

    Contudo, se o fim ltimo da cincia poltica demonstrar de forma sistematizada as suas

    proposies (descobertas), como as relacionadas acima, tambm oportuno advertir que a

    cincia poltica, como qualquer cincia, no absolutamente imune apropriao indevida de

  • 28

    suas descobertas, podendo ser manipulada inescrupulosamente por agentes movidos por

    interesses inconfessveis, portanto vulnervel ao risco de ser empregada com fins moralmente

    reprovveis por detentores de cargos pblicos, partidos polticos, grupos de presso e associaes

    representativas em geral.

    2.3 - O poltico

    Delinear o estadista a tarefa conclusiva deste estudo de ordenao e anlise dos

    elementos fundamentais da engrenagem poltica. Depois de especificados seus sujeitos (ativos e

    passivos), objetos e fins, o momento requer a identificao do prottipo do homem poltico, a

    descrio do que seria o ator protagonista da poltica. Este sujeito - o homem poltico vem a

    ser nada mais nada menos que o indivduo predestinado a pr a mo no leme da histria, segundo

    Max Weber. E quem ou como seria ele, afinal? Seria o polits da Grcia Clssica? O homem de

    virt esculpido por Maquiavel? Ou o cosmo-histrico descrito por Hegel? Ou teria o perfil do

    lder carismtico projetado por Weber?

    Antes de adentrar em consideraes especficas, convm observar preliminarmente que no

    universo da interpretao sociolgica de Max Weber prolifera uma multiplicidade de definies e

    conceitos adequados para proporcionar concluses efetivas acerca da personalidade ideal do

    estadista; daquele que reuniria, afinal, as qualidades do dirigente habilitado a conduzir o destino

    de multides. De fato, h reais indcios de que o tipo ideal recairia sobre o estadista weberiano (o

    chefe carismtico), sugerindo ser ele produto de uma simbiose de todos os demais

    conjuntamente, encontrando no polits grego seu ponto de partida e seu prottipo. Este seria a

    matriz da convergncia do DNA do zoom politiks aristotlico, o animal poltico por

    excelncia, com o rei-filsofo platnico, rigidamente formado pelo Estado para este fim, que, em

    sequncia, seria plasmado ao homem de virt maquiaveliano por suas qualidades pessoais

    (coragem, valor, capacidade) e a fortuna (sorte), e ao hegeliano, como o homem-sntese fundador

    das grandes naes.

    Iniciando a anlise especfica por Plato, cabe lembrar que em sua misso de construir a

    polis (cidade) ideal no descuidou da tarefa imprescindvel de reproduzir o seu arqutipo de

    estadista. A elaborao de seu complexo projeto de engenharia social, to ousado quanto

    controvertido, contemplava a cidade perfeita conjugada com a reforma do homem inteiramente

    conduzida pelo Estado. Alm da formao rigorosamente especializada do homem para atender a

    todas as demandas estruturais da cidade-Estado, como guardies, negociantes e artesos, o

    Estado cuidaria de educar seus futuros estadistas sob um ordenamento que exclua a interveno

    de particulares e da famlia. A rigidez moral e poltica exigida para esculpir o estadista, chamado

  • 29

    de rei-filsofo, seria obtida pela dedicao aos estudos filosficos, que preencheriam estes

    indivduos com valores como virtude da alma, coragem, conhecimento do bem, sabedoria,

    justia, como expressou o prprio Plato: quando tiverem vislumbrado o bem em si mesmo,

    us-lo-o como um modelo para organizar a cidade, os particulares e a sua prpria pessoa, cada

    um por sua vez, pelo resto de sua vida. (...)suportaro trabalhar nas tarefas de administrao e

    governo, por amor cidade, pois que vero nisso no uma ocupao nobre, mas um dever

    indispensvel.24

    Na sequncia, so expostas as teses de Aristteles e Max Weber, duas referncias cardeais

    no assunto em apreciao, no obstante a notria inclinao otimista de ambos no modo enxergar

    a poltica, com as devidas ressalvas. Para Aristteles, a poltica vem a ser o instrumento capaz de

    promover o bem da polis, o bem-comum, ideia convergente com os postulados de Weber, que

    compreendia a poltica como a arte de atingir o possvel a partir de tentativas do impossvel;

    ambos definiam a poltica como uma nobre atividade humana, porm advertindo que tal

    atividade pode absorver, simultaneamente, o germe para torn-la uma profisso vil, dependendo,

    pois, dos meios de ao. Mas, em termos estritamente realistas, Weber consegue identificar no

    universo da poltica, simultaneamente aos princpios da objetividade, o seu ngulo subjetivista,

    descrevendo-a como aspirao participao no poder, ou a influncia sobre a distribuio do

    poder, quer seja entre Estados ou, no interior de um Estado, entre os grupos humanos que

    compreende, complementando com a definio do homem diretamente envolvido com a

    poltica, nos termos seguintes: Aquele que faz poltica aspira ao poder, quer seja como meio a

    servio de outros fins ideais ou egostas ou o poder pelo prprio poder, ou seja, para gozar

    do sentimento de prestgio que confere.25 (Weber, 1999, p. 544).

    A distino entre a boa e a m poltica, foram delimitadas por ele em uma de suas

    monumentais palestras, proferida logo aps o fi