30
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Faculdade de Direito Direito Público das Relações Internacionais Professor Evandro de Carvalho Monitor Pedro Sloboda Direito Internacional Público Niterói 2012

Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Faculdade de Direito

Direito Público das Relações Internacionais

Professor Evandro de Carvalho

Monitor Pedro Sloboda

Direito Internacional Público

Niterói

2012

Page 2: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

Sumário

1. Direito e Poder ...................................................................................................................... 3

2. Sujeitos de Direito Internacional Público ............................................................................... 5

3. Fontes de Direito Internacional Público ............................................................................... 13

4 Solução pacífica de controvérsias internacionais .................................................................. 19

5 Direito diplomático .............................................................................................................. 21

6 Direito da Integração ........................................................................................................... 24

7 Recomendações de leitura ................................................................................................... 30

Page 3: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

1. Direito e Poder

Direito Internacional Público e Relações Internacionais: Direito Público das

Relações Internacionais.

A ciência do Direito é indissociável da ciência política. As leis são elaboradas e

aplicadas por Poderes da República. Não é possível entender a seletividade do Direito

sem compreender as lógicas sociais de poder. O mesmo se aplica ao direito

internacional. No âmbito externo, direito e poder influenciam-se mutuamente; ambos

regem o comportamento dos Estados. A ciência das Relações Internacionais tem por

objeto de estudo o poder; sendo, portanto, complementar ao estudo de Direito

Internacional Público.

As Relações Internacionais, enquanto disciplina acadêmica, surgiram após o

final da Primeira Guerra Mundial, em países anglo-saxões. Seu principal tema de

análise era a segurança. Até hoje, teóricos da disciplina foram responsáveis por 4

grandes debates acadêmicos:

1) Realismo Vs idealismo – Esta corrente, influenciada por Kant,

acreditava na cooperação entre Estados (Angell, Wilson); aquela, influenciada

por Maquiavel e Hobbes, apenas na anarquia internacional, que exigiria dos

Estados preocupação máxima com sua sobrevivência, podendo contar apenas

consigo mesmos (Morgenthau, Carr, Aron).

2) Tradicionalismo Vs cientificismo – Debate metodológico. A

primeira corrente preza pela análise histórica, a segunda pelos métodos

científicos incorporados às ciências sociais pelo behaviorismo.

3) Debate Interparadigmático – Neorrealismo de Waltz, que preza

pela interpretação sistêmica das lógicas de poder internacional; Vs

Neoliberalismo (Pluralismo) de Keohane e Nye, que conferem menos

importância ao tema segurança, asseverando existir pluralidade de temas (meio

ambiente, direitos humanos) e de atores (Estados, organizações internacionais,

indivíduo) no âmbito internacional; Vs Globalismo marxista, que inclui o

sistema-mundo de Wallerstein, a teoria da dependência de Fernando Henrique e

as teses da CEPAL.

4) Positivimo (racionalismo) Vs Pós- positivismo (Reflexivismo) –

Esta corrente comporta o construtivismo de Wendt, a Teoria crítica de Robert

Cox, e o pós-modernismo de Walker. Em comum, todos afirmam não existir

uma única verdade internacional objetiva a ser apreendida, senão diferentes

interpretações de uma mesma realidade.

Page 4: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

Paralelamente ao segundo debate, importantes autores desenvolveram trabalhos

de tradição grociana1, compondo o que ficou conhecido como Escola inglesa de

Relações Internacionais, ou realismo racionalista. O principal expoente dessa escola é

Hedley Bull. Em sua principal obra, A Sociedade Anárquica, reconhece a existência de

uma sociedade internacional, formada por Estados que compartilham valores e

interesses comuns, e consideram-se ligados por um conjunto de regras comuns a serem

respeitadas; há, portanto, organização. Para o autor, o Direito Internacional é uma das

instituições fundamentais da sociedade de Estados, vez que garante os três interesses

básicos de todo Estado: segurança, propriedade e cumprimento dos acordos.

O título da obra pode parecer contraditório; afinal, se existe uma sociedade

organizada, regida por sistema de normas comuns, como pode ela ser anárquica? O

termo anarquia deve aqui ser compreendido como simples ausência de superestado. A

anarquia é elemento muito caro aos teóricos das Relações Internacionais, mas não deve

ser interpretado em seu sentido hobbesiano. Há sim uma ordem internacional regida

pelo direito. Talvez a expressão mais feliz seja a de Celso Mello, quando afirma que a

sociedade internacional é institucionalmente imperfeita. Existe organização; existem

órgãos judiciários, “legislativos” e executivos internacionais, mas, em comparação com

a estrutura de um Estado, são descentralizados e imperfeitos. Anarquia significa isto:

não há um poder supranacional universal a reger o comportamento dos Estados. Estes

são soberanos.

Todos os teóricos das Relações Internacionais prestam homenagem ao Direito

Internacional, como fazemos agora a eles. Os dois campos do saber são

complementares. Não é possível compreender o comportamento dos Estados, sem estar

atento às lógicas de poder que os movem, e ao quadro jurídico internacional que os

guia. Não se trata de conferir mais importância ao poder ou ao direito, trata-se apenas de

opção por objetos de estudo. Aqui nos dispomos a abordar a ciência jurídica,

salientando que a sociedade internacional é mais complexa do que possa pretender o

Direito.

Os termos Direito das Relações Internacionais e Direito Internacional Público

são tratados como sinônimos ao longo do texto.

1 O holandês Hugo Grócio, que viveu no século XVII, é considerado um dos fundadores do Direito

Internacional.

Page 5: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

2. Sujeitos de Direito Internacional Público

Sujeito de direito internacional público é toda entidade jurídica que goza de

direito e deveres no âmbito internacional, com capacidade para exercê-los. Encaixam-se

nessa definição:

1) Estado;

2) Organizações internacionais (de caráter intergovernamental);

3) Homem;

4) Santa Sé;

5) Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

Estados

Estado é poder soberano constituído sobre população e território. São esses os

três elementos que caracterizam o Estado. A soberania inclui os aspectos interno –

monopólio da força - e externo – capacidade de se relacionar com outros Estados. A

Corte Internacional de Justiça assevera em parecer consultivo de 1949 que:

“os sujeitos de direito, em determinado sistema jurídico não são

necessariamente idênticos, quanto à sua natureza ou à extensão

de seus direitos.”2

O Estado é o sujeito de Direito Internacional Público por excelência. Embora os

cinco entes supracitados sejam reconhecidos como sujeitos, existe diferença qualitativa

e quantitativa na personalidade jurídica gozada por eles. Os Estados são os únicos

sujeitos de DIP soberanos. Jean Bodin desenvolveu concepção de soberania estatal

outrora aceita pela sociedade internacional, segundo o qual a soberania estatal seria una,

indivisível, absoluta, imutável, eterna, infinita. Hodiernamente, a soberania é concebida

dentro de determinados limites. Os Estados possuem responsabilidades internacionais,

não gozam de imunidade jurisdicional absoluta no interior de outros Estados e estão

ainda sujeitos a normas imperativas de Direito Internacional, as quais devem respeitar

independentemente de manifestação de consentimento.

2 Corte Internacional de Justiça, parecer consultivo de 11 de março de 1949 sobre reparações por danos

sofridos a serviço das Nações Unidas.

Page 6: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

Reconhecimento de Estado

Ato unilateral, irrevogável, discriminatório e retroativo mediante o qual um

Estado soberano reconhece outro como seu par. O reconhecimento pode ser tácito ou

expresso. Este consubstancia-se em tratado, em nota diplomática, em declaração de

ministro de Estado, ou em qualquer outro meio que o exteriorize. O reconhecimento

será tácito quando um Estado tratar outro como seu semelhante. Tratado celebrado entre

Brasil e Portugal, em 1825, expressamente reconhecia o primeiro como Estado; de toda

forma, caso não o fizesse, o reconhecimento da independência brasileira dar-se-ia

tacitamente, pelo fato de Portugal celebrar tratado com o país.

Parte da doutrina entende ser constitutivo o reconhecimento de Estado. Assim,

um Estado somente seria considerado como tal, uma vez que reconhecido pela

sociedade internacional. Outros doutrinadores entendem que o ato é meramente

declaratório: a existência política de um Estado independe do seu reconhecimento. Na

prática, ambas as doutrinas aplicam-se parcialmente, com prevalência desta. Entidades

como a Palestina e Kosovo são reconhecidas como Estados apenas por parte da

sociedade internacional. Pode-se dizer que, para o Brasil, o primeiro é um Estado, o

segundo não; para os Estado Unidos, ao contrário, Kosovo é Estado, a Palestina não.

O Brasil adquiriu personalidade jurídica internacional em 1815, quando deixou

de ser colônia, com a criação do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves. O

primeiro Estado a nos reconhecer como tal foi os Estados Unidos, em 1824. Em 1825,

Portugal nos reconheceria, por meio de tratado de concessão de soberania do Rei D.

João VI a seu filho, já coroado Imperador do Brasil, com o título de D. Pedro I; em

seguida, as principais potências da época, Inglaterra (1825), França (1825), Áustria

(1825) e Rússia (1927) reconheceriam a independência do novo Estado.

Reconhecimento de governo

Trata-se de reconhecimento de novo governo, após mudança institucional, o que

não afeta o reconhecimento de Estado. A mudança institucional de governos, como a

eleição de novo presidente da República, não suscita maiores problemas; as relações

diplomáticas com os demais Estados não são afetadas. A situação é outra quando há

revolução e ruptura da ordem constitucional. Em 2011, a Líbia passou por guerra civil

que culminou com o assassinato do então presidente Muamar al Kadafi, e com a

assunção de grupo rebelde ao poder. O reconhecimento desse novo governo foi feito de

maneira expressa por países como Estados Unidos e França, em conferência com esse

Page 7: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

objetivo. O reconhecimento brasileiro do governo da Junta de Transição foi tácita3:

quando da votação na Assembleia Geral da ONU acerca da aceitação das credenciais do

representante do governo rebelde, o Brasil pronunciou-se a favor.

Como o reconhecimento de Estado, é ato unilateral, irrevogável, discriminatório

e retroativo. Requisitos: efetividade do governo (mais importante); cumprimento das

obrigações internacionais (por força do princípio da continuidade do Estado);

legitimidade. Quanto este último requisito, é importante mencionar duas doutrinas, a

Estrada e a Tobar. De acordo com a primeira, reconhecimento de governo significa

ingerência em assuntos internos; não cabe aos Estados deliberar sobre a legitimidade de

um governo. Nos termos da doutrina Tobar, por outro lado, os Estados não deveriam

reconhecer governos ilegítimos, o que implica em juízo de valor acerca dos dirigentes

de determinado país. Hodiernamente, prevalece a doutrina Estrada, a legitimidade de

um governo é concebida como assunto interno.

Sucessão de Estados

Pelo princípio da continuidade do Estado, a área habitada por uma comunidade

humana deve continuar sendo gerida por entidade estatal, ainda que com outra

roupagem política. São modalidades de sucessão:

1) Fusão (agregação) de Estados – Dois ou mais Estados passam a constituir um

único. Subespécies: I- novo Estado é soma igualitária das soberanias pré-

existentes (unificação italiana [1860-70]); II - bases de agregação não são

exatamente igualitárias (unificação alemã [1871] sob hegemonia da Prússia); III-

anexação (reunificação da Alemanha, em 1990, sob o nome, bandeira e ordem

jurídica da República Federal Alemã). O Estado resultante de agregação é

responsável pelo cumprimento dos tratados e pelo pagamento das dívidas de

seus integrantes.

2) Secessão (desmembramento) de Estados – Uma única soberania divide-se em

dois ou mais Estados. Em 1991, a União Soviética dissolveu-se, dando origem a

15 Estados Independentes. No que concerne à divida externa do antigo soberano,

costuma-se aplicar o princípio da repartição ponderada da dívida, atentando-se

ao proveito que tenha sido feito do empréstimo.

3) Transferência territorial – Caso em que nenhuma soberania surge ou desaparece.

Em 1903, o território do atual estado do Acre foi transferido, mediante

indenização, da Bolívia para o Brasil.

3 O Brasil sempre reconhece governos tacitamente. O discurso oficial é de que o Brasil não reconhece

governos, reconhece Estados.

Page 8: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

Duas convenções internacionais regulam os efeitos jurídicos das sucessões:

Convenção sobre sucessão de Estados em matéria de tratados (1978); e Convenção

sobre sucessão de Estados em matéria de bens, arquivos e dívidas (1983). No que

concerne à nacionalidade, os habitantes do território costumam adotar imediatamente a

do novo Estado, ressalvado eventual direito de escolha. O Estado(s) sucessor possui a

propriedade dos bens públicos do(s) antigo(s). A Rússia, considerada sucessora da

União Soviética, herdou mesmo o assento permanente no Conselho de Segurança das

Nações Unidas, sem que houvesse alteração na Carta constitutiva da organização.

Determina a Convenção de Viena sobre sucessão de Estados em matéria de

tratados que acordos de limites, que determinam as fronteiras territoriais dos Estados,

sempre serão mantidos. Um Estado recém-independente encontra-se diante do princípio

da tábula rasa, o que o exime da obrigação de ser parte de tratados em vigor para seu

território quando de sua independência4. A referida convenção ressalva ao novo Estado

o direito de emitir nota a depositários de tratados multilaterais, externando sua vontade

de participar do tratado. O novo Estado tem, portanto, o direito, não o dever de

participar dos tratados multilaterais até então em vigor para seu território. Tratados

bilaterais são normalmente renegociados. Nos demais casos de sucessão prevalece o

efeito automático, com manutenção dos tratados em vigor.

No que concerne à matéria, assevera Alberto do Amaral Júnior:

“Os Estados de recente independência não se sentem obrigados a

respeitar os tratados vigentes ao tempo da sucessão. Assiste-lhes,

entretanto, o direito de pleitear, mediante notificação da sucessão, a

qualidade de parte nos tratados multilaterais. (...) A transmissão dos

direitos e obrigações prevalece nas hipóteses de unificação e

separação de Estados.”

Imunidade de Jurisdição

Antiga regra costumeira determina que um Estado soberano não pode ser

submetido, contra sua vontade, à condição de parte, perante foro doméstico de outro

Estado. Durante muito tempo, vigorou no direito brasileiro o preceito da imunidade

jurisdicional absoluta de Estado estrangeiro, o que gerava certa celeuma, vez que

funcionários brasileiros de missões diplomáticas e de repartições consulares não se

encontravam resguardados pelas normas trabalhistas nacionais. A possibilidade de

prestação jurisdicional encontrava-se no território do próprio Estado estrangeiro, o que,

4 Tal dispositivo não exime o novo Estado de respeitar os costumes internacionais em vigor quando de

sua independência. Os costumes são, usualmente, gerais; enquanto participante da sociedade internacional, o novo Estado deve, portanto, respeitá-los.

Page 9: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

se era possível a grandes empresas, deixava desamparados os trabalhadores, ex-

funcionários das repartições estrangeiras.

Com a alteração no costume internacional sobre a matéria, diversos países

começaram a estabelecer distinção entre atos de império e atos de gestão, com base na

qual se sedimentou entendimento restritivo da imunidade estatal, aplicável somente às

atividades relacionadas à diplomacia ou ao serviço consular. Em 1989, o Supremo

Tribunal Federal assentou que Estado estrangeiro não possui imunidade jurisdicional

em causa de natureza trabalhista, entendida como ato de gestão. Há, no entanto,

imunidade de execução, o que significa que não poderá haver execução forçada. Essa

imunidade pode ser renunciada pelo próprio Estado; pode também ser relativizada com

relação a bens não afetos aos serviços diplomático e consular. De todo modo, a prática

revela que o Estado condenado não tende a criar objeções à execução.

Organizações Internacionais

Possuem três elementos básicos: permanência; estrutura institucional; e

personalidade jurídica de Direito Internacional Público distinta daquela dos Estados que

a compõem. Possuem sede e orçamento próprios; têm origem em um tratado

internacional. A estrutura básica das organizações internacionais é formada por uma

Assembleia Geral, composta por todos os Estados-membros, e por uma Secretaria

permanente, órgão de administração.

As organizações internacionais podem ser de abrangência universal, (OIT, FAO,

FMI) ou regional (OEA, MERCOSUL, EU). Podem ainda possuir finalidades políticas

(ONU), comerciais (OMC), ou técnicas (União Internacional de Telecomunicações).

As organizações não governamentais, apesar de possuir grande

institucionalização, de corresponderem a mais de 90% do número de organizações

internacionais existentes, e de possuírem grande poder de mobilização da sociedade

civil mundial, não são dotadas de personalidade jurídica internacional.

Organização das Nações Unidas

Criada em após a Segunda Guerra Mundial, tem como principal objetivo a

manutenção da paz e da segurança internacionais. Teve como predecessora a Sociedade

das Nações, criada em 1919 pelo Pacto da Sociedade das Nações, primeira parte do

Tratado de Paz de Versalhes. A Conferência de São Francisco, de 1945, contou com a

presença de 51 Estados, fundadores da ONU. Atualmente, a organização possui 193

membros. Seus órgãos principais, conforme estipulado na Carta de São Francisco são:

Page 10: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

1) Assembleia Geral – formada por todos os membros da organização, que

possuem direito a voz e a voto. O Brasil tradicionalmente abre a Assembleia

Geral da ONU.

2) Conselho de Segurança – único órgão com poder decisório (artigo 25), é o

principal responsável pela manutenção da paz e da segurança internacionais.

Formado por 15 membros: 5 permanentes – Estados Unidos, Reino Unido,

França, China e Rússia – e 10 membros não permanentes, que ocupam o

Conselho por mandatos de 2 anos, não renováveis de imediato. O presidente dos

Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, havia sugerido, na Conferência de

Dumbarton Oaks, em 1944, a inserção do Brasil entre os membros permanentes.

A proposta foi mal recebida pela União Soviética, e não se consumou. O Brasil é

o país que, juntamente com o Japão, mais vezes esteve no Conselho de

Segurança como membro rotativo – 10 vezes. As resoluções não procedimentais

do Conselho são aprovadas por maioria de 9 votos afirmativos, incluídos os dos

membros permanentes – procedimento que lhes confere poder de veto. Na

prática, uma abstenção de membro permanente não impede a aprovação da

resolução. Utiliza-se assim, o princípio do consenso, não o da unanimidade5.

3) ECOSOC – Conselho Econômico e Social, composto por 54 membros eleitos

pela Assembleia Geral. É o órgão responsável pela elaboração de estudos e

relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econômico, social,

cultural, educacional e sanitário, devendo fazer recomendações à Assembleia

Geral, aos Estados-membros da ONU e a entidades especializadas. Administra

as agências funcionais da ONU – OIT, OMS, FMI, FAO, etc.

4) Secretariado – Órgão administrativo permanente. Chefiado pelo Secretário-

Geral, nomeado pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de

Segurança para mandato renovável de 5 anos.

5) Conselho de Tutela – Destinado a supervisionar Estados que administravam os

territórios tutelados existentes em 1945, com vistas a promover sua

independência. O Conselho não atua desde 1994, quando o último território

tutelado, Palau, tornou-se independente.

6) Corte Internacional de Justiça – órgão judiciário da organização, com sede em

Haia, é composta por 15 juízes. Possui competências contenciosa e consultiva.

No exercício da primeira, resolve controvérsias surgidas entre Estados que

reconheçam a sua jurisdição, proferindo decisões inapeláveis, no da segunda,

emite pareceres consultivos não vinculativos. O reconhecimento da jurisdição da

Corte não é obrigatório e poderá ser feito caso a caso, ou ipso facto, sem acordo

especial, em relação o qualquer outro Estado que reconheça a jurisdição da

Corte, consoante cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, elencada no

artigo 36 de seu Estatuto.

5 No consenso, nenhum Estado pode votar contra; na unanimidade, todos devem votar a favor. A Carta

da ONU prevê este procedimento, mas para evitar inércia do órgão, realiza-se interpretação contra legem para adotar a regra do consenso.

Page 11: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

Reforma da ONU

A Organização das Nações Unidas encontra-se em processo de reforma. Em

2006, a Comissão de Direitos Humanos, vinculada ao ECOSOC foi extinta, e

substituída pelo Conselho de Direito Humanos, vinculado à Assembleia Geral6

.

Também em 2006 foi criada a Comissão de Construção da Paz7.

Os debates acerca da continuação do processo de reforma envolvem dois

aspectos: financeiro e institucional. A reforma financeira visa a solucionar as

dificuldades orçamentárias enfrentadas pela instituição; a institucional engloba diversos

órgãos da ONU. Quanto à Assembleia Geral, novas regras devem ser estabelecidas para

evitar a repetição de temas. Atualmente, cerca de 150 temas são discutidos na

Assembleia, muitos deles já tratados em reuniões anteriores. As atuais regras de

procedimento engessam sua atuação. No que concerne ao ECOSOC, é ele pouco eficaz

para administrar as diversas agências funcionais que operam na ONU, vez que não

possui ascendência hierárquica sobre elas.

No que tange ao Conselho de Segurança, carece ele atualmente de legitimidade,

o que reduz significativamente sua eficácia. Sua estrutura reflete as lógicas de poder do

fim da Segunda Guerra mundial, não as atuais. Os assentos permanentes são ocupados

pelos vencedores do conflito bélico, e o órgão mostra-se hoje em dissonância nítida com

a realidade internacional; continentes como a América Latina e a África – onde opera

grande parte das missões de paz da ONU – estão sub-representados no Conselho.

O Conselho de Segurança passou por reforma em 1963, em função do

expressivo aumento do número de membros da ONU, a partir do processo de

descolonização das colônias na África e na Ásia. O número de membros não

permanentes subiu de 6 para 10. No início da década de 1990, os Estado Unidos

sugeriram aprovar uma reforma que contemplasse Japão e Alemanha como membros

permanentes (Quick Fix). A proposta não foi adiante, em boa medida devido à atuação

de Brasil e Índia, que reivindicavam maior representatividade para os países

emergentes.

A partir do final da Guerra Fria, diversas propostas foram negociadas, dentre

elas as do grupo Unidos pelo Consenso, que reivindica a inclusão de 10 membros não

permanentes; e a da União Africana (que representa 25% da Assembleia Geral), que

reivindica a inclusão de 6 membros permanentes e de 4 não permanentes com mandatos

renováveis de 4 anos. Em 2004, o Secretário-Geral, Kofi Anan convocou painel de Alto

Nível para discutir a matéria, que resultou em duas propostas, que, todavia, não

chegaram a ser votadas.

6 O Conselho é composto por 47 membros, e pode criar grupos de trabalho temáticos ou geográficos, a fim de investigar violações de direitos humanos ao redor do mundo. Há a possibilidade de que um de seus membros seja suspenso do Conselho, como ocorreu com a Líbia em 2011. 7 O Brasil preside o grupo de trabalho para a Guiné Bissau no âmbito da referida Comissão.

Page 12: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

A mudança na distribuição do poder mundial torna inevitável uma reforma mais

profunda na ONU, que envolva uma reforma do Conselho de Segurança. Nessa reforma,

os países emergentes deverão ser contemplados com assentos permanentes e não

permanentes. O candidato mais forte para representar os 33 países da América Latina é

o Brasil. O país é a sexta maior economia do planeta, o quinto maior país em população

e em território, possui diplomacia profissionalizada, histórico de pacificidade externa,

respeito interno às diferenças culturais e é um ator reconhecido internacionalmente

como amante da paz e do direito internacional. O Brasil mantém boas relações com os

mais variados países do mundo e é chamado a atuar em prol da paz. O país foi chamado

a exercer papel mais ativo no Oriente Médio e na África, e sua atuação tem sido

construtiva.

O Brasil formalizou sua candidatura ao um assento permanente no Conselho de

Segurança da ONU durante o governo Itamar Franco. Atualmente, compõe o G-4,

juntamente com Índia, Japão e Alemanha. A proposta do grupo é a de incluir 6

membros permanentes sem poder de veto, bem como 4 não permanentes no Conselho.

A questão do veto seria discutida em conferência a ser realizada 15 anos após a entrada

em vigor da reforma. Para que a proposta seja aprovada, ela deve receber os votos

favoráveis de dois terços da Assembleia Geral da ONU, devendo posteriormente ser

ratificada por dois terços dos países, incluindo os cinco membros permanentes do

Conselho de Segurança. A proposta é realista porque não interfere de imediato no poder

de veto, tema sensível para os membros permanentes. A entrada do Brasil no Conselho

como membro permanente é oficialmente apoiada pela França, pela Rússia e pelo Reino

Unido. Em 2008, a Assembleia Geral aprovou a resolução 62.557, que deu início a

negociações no plenário informal da assembleia. O tema continua na pauta de discussão.

Indivíduo

O indivíduo encaixa-se na definição de sujeito de Direito Internacional, ainda

que haja vozes dissonantes (Rezek). Possui direitos garantidos em inúmeros

documentos internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direito Civis e Políticos;

o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e a Convenção

Americana de Direitos Humanos. Possui deveres elencados na ordem jurídica

internacional: o Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma (1998),

processa e julga indivíduos acusados de crimes de guerra, crimes de genocídio e crimes

contra a humanidade. Possui ainda capacidade para exercer seus direitos no âmbito

internacional: os protocolos 14 e 18 à Convenção Europeia de Direitos Humanos

conferem ao indivíduo capacidade para recorrer à Corte Europeia de Direitos Humanos,

a fim de fazer valer direito violado.8

8 No sistema americano de Direitos Humanos, o indivíduo é representado perante a Corte pela Comissão

Interamericana de Direitos Humanos.

Page 13: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

Santa Sé

A Santa Sé é a cúpula governativa da Igreja Católica. Possui território,

população e governo, independente daquele do Estado italiano; não possui, contudo, a

dimensão pessoal da nacionalidade, nem os fins para os quais se orienta todo Estado

soberano. Apesar de possuir natureza jurídica internacional sui generis, não podendo ser

considerada como Estado, é amplo o reconhecimento de que possui personalidade

jurídica internacional, consubstanciada nos acordos de Latrão, de 1929, mediante os

quais teve assegurada sua soberania sobre o território que ocupa.

A Santa Sé celebra não apenas concordatas – compromissos entre a Igreja

católica e o Estado signatário -, mas também tratados como as convenções de Viena

sobre relações diplomáticas (1961), sobre relações consulares (1963) e sobre direito dos

Tratados (1969).

Comitê Internacional da Cruz Vermelha

Outro caso de personalidade jurídica internacional anômala é o do Comitê

Internacional da Cruz Vermelha, fundado em 1863 pelo suíço Henry Dunan, com

objetivos de assistência humanitária aos feridos de guerra. O Comitê Internacional, com

sede em Genebra, não se confunde com as seções nacionais da Cruz Vermelha, nem

com o Crescente Vermelho, desmembramento da organização que atua nos países

islâmicos. Apenas o Comitê Internacional possui personalidade jurídica internacional,

sendo parte nas quatro Convenções de Genebra sobre Direito Humanitário, celebradas

em 1949, em sua sede.

3. Fontes de Direito Internacional Público

Fontes de Direito Internacional Público são os documentos e pronunciamentos

mediante os quais o Direito Internacional manifesta-se, gerando direitos e obrigações

aos diferentes sujeitos de direito. São elas:

1) Tratado;

Page 14: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

2) Costume;

3) Princípios gerais do direito;

4) Decisões de Organizações Internacionais;

5) Atos unilaterais;

6) Normas de jus cogens.

A doutrina distingue as fontes formais das materiais. Destas emana o conteúdo

da norma; aquelas o comprovam. As fontes materiais são os princípios gerais do direito;

as fontes formais são os tratados e o costume internacional. Não há hierarquia entre elas.

O artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (1945), repetindo a

redação do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional (1920), dispõe:

“1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito

internacional as controvérsias que lhe forem submetidas,

aplicará:

a) as convenções internacionais, quer gerais, quer

especiais, que estabeleçam regras expressamente

reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costume internacional, como prova de uma prática

geral aceita como sendo o direito;

c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas

nações civilizadas;

d) sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões

judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados

das diferentes nações, como meio auxiliar para a

determinação das regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da

Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as

partes com isto concordarem.”

O rol elencado no artigo transcrito não é taxativo; as outras três fontes

supracitadas devem ser consideradas como tais. Em contrapartida, nem todos os

instrumentos jurídicos elencados no artigo são considerados fonte de direito

internacional: a jurisprudência, a doutrina e a equidade são apenas meios auxiliares para

a determinação do direito.

Tratado

O artigo 2º da Convenção de Viena sobre direito dos tratados define-o como

Page 15: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

“acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido

pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer

de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua

denominação específica”(Grifo nosso).

“entre Estados”

Organizações Internacionais, a Santa Sé e o Comitê Internacional da Cruz

Vermelha também podem celebrar tratados; essa convenção, no entanto, apenas regula

tratados celebrados entre Estados.

“quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos”

O texto de um tratado pode conter cláusulas preambulares e dispositivas, bem

como anexos.

“qualquer que seja sua denominação específica”

Os tratados podem ter denominações específicas: estatutos, protocolos, pactos,

cartas, concordatas. Em geral, estatutos estabelecem a estrutura institucional de uma

organização ou de um órgão internacional; protocolos são acréscimos a acordos-quadro;

concordatas são acordos celebrados pela Santa Sé.

Os Estados são formados e representados por indivíduos. O artigo 7º da

Convenção de Viena estabelece os legitimados para celebrar tratado em nome do

Estado:

“1. Uma pessoa é considerada representante de um Estado para a

adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para expressar o

consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado se:

a)apresentar plenos poderes apropriados; ou

b)a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias

indicarem que a intenção do Estado era considerar essa pessoa seu

representante para esses fins e dispensar os plenos poderes.

2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação

de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado:

a)os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das

Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à

conclusão de um tratado;

Page 16: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

b)os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um

tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão

acreditados;

c)os representantes acreditados pelos Estados perante uma

conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para

a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou

órgão.” (Grifo nosso).

O tratado possui por fundamento de validade o princípio pacta sunt servanda,

segundo o qual os acordos devem ser cumpridos.

Assinatura de tratado

Encerra o processo de negociação. Acordos executivos entram em vigor após a

assinatura, nos termos estabelecidos no tratado. Ato consumado por um dos legitimados

supramencionados.

Ratificação de tratado

Ato de confirmação da assinatura, realizado pelo presidente da República, nos

termos do artigo 84 VIII da Constituição de 1988. Entre o ato de assinatura e de

ratificação, ambos exercidos pelo Poder Executivo, há a manifestação do Poder

Legislativo. Cabe a este “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos

internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio

nacional” consoante artigo 49 I da constituição brasileira.

Aprovado o texto do tratado pelo Congresso, por meio de decreto legislativo, o

presidente da República poderá ratificar o acordo, ato que exerce efeitos no âmbito

internacional. Se o tratado já estiver em vigor internacionalmente, passará a viger para o

Brasil; caso contrário, aguardar-se-á sua entrada em vigor, nos termos estabelecidos

pelo próprio tratado. O presidente da República em seguida promulga o texto do tratado

por meio de decreto executivo, e publica-o no Diário Oficial da União. A partir da

publicação, o tratado tem efeito de lei, e passa a viger no âmbito interno. Observa-se

que há defasagem de tempo entre a entrada em vigor internacional (quando da

ratificação), e a vigência interna (publicação no DOU).

Hierarquia de tratados no direito brasileiro

A regra geral é a de que os tratados internacionais possuem hierarquia de lei

federal, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (RE 80.004, de 1977); os

Page 17: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

tratados que versam sobre direitos humanos, contudo, não se adequam a esse

entendimento.

A Emenda Constitucional 45, de 2004, inseriu o § 3º no artigo 5 º da constituição

que determina que:

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que

forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois

turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais”.

Tratados aprovados nessas circunstâncias equivalem-se a emenda constitucional,

e entram em vigor quando de sua aprovação pelo Congresso, são normas material e

formalmente constitucionais, portanto. Tratados de direitos humanos que não forem

aprovados com o referido quórum – o que inclui todos os tratados aprovados antes da

EC 45 – possuem valor supralegal, estando acima da legislação ordinária, mas abaixo da

constituição, conforme entendimento jurisprudencial consubstanciado pelo STF

(466343/SP, julgado em 2008).

Costume

Predispõe o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça ser a norma

costumeira a que resulta de “uma prática geral aceita como sendo direito”, de onde se

aferem os dois elementos do costume: o material, qual seja, a prática reiterada; e o

subjetivo, a opinio juris, a convicção de que assim se age não sem motivo, mas por ser

juridicamente necessário. Não existe exigência de prazo específico de duração de uma

prática para que seja considerada costume. Existem costumes regionais, como é o caso

do latino-americano asilo político. Não há hierarquia entre costume e tratado.

Princípios gerais do direito

O Comitê de juristas que elaborou o projeto do Estatuto da Corte Permanente de

Justiça Internacional, tinha em mente os princípios de direito civil aplicáveis às relações

internacionais. Considerando que os princípios de direito são providos de

normatividade, o item foi incluído no Estatuto da Corte com vistas a provê-la de mais

um meio de aplicação do Direito Internacional. Interpretação extensiva inclui nesse rol

os grandes princípios gerais de direito internacional, como o da autodeterminação dos

povos, o da não agressão e o da solução pacífica de controvérsias.

Decisões de Organizações Internacionais

Emitidas por órgãos com competência decisória, devem ser respeitadas pelos

Estados-membros da organização. Devem ainda ser internalizadas no ordenamento

Page 18: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

jurídico nacional, possuindo valor de lei. É o caso das resoluções do Conselho de

Segurança das Nações Unidas, das decisões do Conselho do Mercado Comum, das

resoluções do Grupo Mercado Comum e das diretrizes da Comissão de Comércio do

MERCOSUL. A competência decisória do órgão deve estar prevista no tratado

constitutivo da organização.

Atos unilaterais

Não figuram no rol do artigo 38 do supratranscrito estatuto. Sua natureza de

fonte de direito internacional, pela diversidade dos atos unilaterais, ainda é controversa.

Alguns autores afirmam não serem os atos unilaterais normas, senão meros atos

jurídicos; não obstante, os atos unilaterais produzem consequências jurídicas, muitas

vezes criando obrigações, como acontece na ratificação de tratado, ou na denúncia.

Em 1933, a Corte Permanente de Justiça Internacional, no caso do Estatuto

Jurídico da Groenlândia Oriental, que o reino da Noruega estava obrigado

juridicamente, ante a Dinamarca, por uma declaração oral feita por seu ministro das

relações exteriores. A declaração teve efeito de promessa, tornada irretratável face sua

pronta aceitação pelo destinatário.

Para serem fontes de DIP devem preencher dois requisitos: serem públicos; e

haver intenção do Estado em se obrigar por eles.

Normas de jus cogens

São normas imperativas de direito internacional. Grande celeuma é criada pela

tentativa de determinar quais seriam essas normas. Atualmente, há consenso quanto à

proteção dos direitos humanos, e quanto à proibição de agressão. Assim, ainda que um

Estado não seja parte de nenhum tratado ou costume que proíba a comercialização de

escravos, e ainda que não possua qualquer limitação constitucional para isso, não poderá

fazê-lo, porquanto a vedação da escravidão constitui, indubitavelmente, norma de

direito internacional cogente.

Não há hierarquia entre as fontes de DIP; todavia, pode haver hierarquia entre as

normas emanadas dessas fontes. Por isso, uma norma de jus cogens prevalecerá sobre as

advindas de outras fontes, por serem normas imperativas gerais.

Meios interpretativos

O artigo 38 do Estatuto da CIJ também elenca a jurisprudência, a doutrina e a

equidade como instrumentos dos quais o juiz dispõe para aplicar o direito internacional;

não são, contudo, fonte de direito. Juntamente com a analogia, são considerados meios

interpretativos, subsidiários na aplicação do direito. Vale lembrar que a equidade só

pode ser utilizada mediante autorização de ambas as partes.

Page 19: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

4 Solução pacífica de controvérsias internacionais

Conflito ou litígio internacional é todo “desacordo sobre certo ponto de direito ou

de fato”, toda “contradição ou oposição de teses jurídicas de interesses entre dois

Estados”.9 As controvérsias internacionais devem ser solucionadas por meios pacíficos,

conforme determina o artigo 33 da Carta da ONU; in verbis:

“1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a

constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais,

procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por

negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem,

solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais,

ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.”(Grifo

nosso).

Os meios pacíficos de solução de controvérsias internacionais dividem-se

em diplomáticos, políticos e jurisdicionais. Os meios diplomáticos incluem:

1) Negociações diretas – Não há qualquer intervenção de terceiros.

As negociações podem ser entabuladas oralmente ou por troca de notas.

2) Bons ofícios – Há intervenção de terceiro, que simplesmente

estabelece contato entre as partes, oferecendo espaço neutro para negociações. O

terceiro exerce função instrumental, não cabendo a ele propor soluções para o

conflito. A solução da controvérsia dar-se-á por entendimento direto entre os

contentores.

3) Mediação – Há envolvimento substancial de terceiro, que propõe

solução para o conflito; a proposta, no entanto, não vincula as partes, e só será

aceita se julgada satisfatória por ambas.

4) Conciliação – Possui matizes de mediação e de inquérito,

esclarece os fatos e faz sugestões; é caracterizada por maior aparato formal; é

coletivo seu exercício: não há um único conciliador, mas comissão de

conciliação, que propõe solução por meio de relatório, que não vincula as partes,

mas, espera-se, seja acolhida.

5) Inquérito – Sua função é meramente apurar os fatos; em geral

realizado por comissão.

9 Conceito proferido pela CPIJ, em 1924, no caso Mavrommatis.

Page 20: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

6) Sistema de consultas – Entendimento direto programado; não há

intervenção substancial, ou sequer instrumental de terceiro. As partes consultam-

-se mutuamente sobre seus desacordos por assim terem estabelecido

previamente.

São meios políticos os que recorrem a organizações internacionais. O Conselho

de Segurança e a Assembleia Geral das Nações Unidas são dois foros políticos

comumente usados para dirimir controvérsias internacionais. Os conflitos só deverão ser

levados a essas instâncias se forem de gravidade tal que constituam ameaça à paz. As

partes em litígio pode ainda recorrer a esquemas regionais especializados. A Liga dos

Estados Árabes e a Organização dos Estados Americanos dispõem de mecanismos para

solução pacífica de controvérsias.

Os meios jurisdicionais de solução de controvérsia são exercidos em foros

especializados e independentes, que examinam as lides à luz do Direito Internacional, e

proferem decisões obrigatórias. São eles a arbitragem e os meios propriamente judiciais,

representados pelos diversos tribunais internacionais.

A arbitragem pode ser voluntária ou obrigatória, conforme haja ou não tratado

geral de arbitragem entre as partes. Pode ser exercida por árbitro ou por tribunal arbitral.

A competência do juízo arbitral, bem como o direito aplicável, é estabelecida por

tratado. Ao final das diligências, o juízo emite laudo inapelável de cumprimento

obrigatório. A arbitragem é via jurisdicional ad hoc; uma vez solucionada a lide, o juízo

desfaz-se. A Corte Permanente de Arbitragem não é uma verdadeira corte; é antes uma

lista de árbitros com secretaria permanente.

O Brasil fez uso dessa forma de solução de controvérsia em algumas ocasiões.

Foi o caso da lide territorial em torno da região de Palmas, com a Argentina (1893); da

questão do Amapá (1895) com a França (Guiana Francesa); e da questão do Pirara

(1904), com a Inglaterra (Guiana Inglesa). Nas duas primeiras, fomos representados

pelo Barão do Rio Branco; ambos os laudos foram-nos inteiramente favoráveis. Na

questão do Pirara fomos representados por Joaquim Nabuco, e o laudo do Rei Victor

Emmanuel III, da Itália, nos garantiu apenas 40% do território disputado, resultado

considerado insatisfatório, vez que a Inglaterra nos havia oferecido 60% do território

antes do arbitramento.

Outro meio jurisdicional de solução de conflitos é o exercido pelos diversos

tribunais internacionais, ad hoc e permanentes, dentre os quais é possível citar a Corte

Internacional de Justiça, e o Tribunal Internacional do Direito do Mar.

Da ilegalidade da guerra

A guerra já foi instituição internacional legítima; atualmente, é ilegal. O Pacto

da Liga das Nações estabelecia prazo moratório de 3 meses para que os Estados

pudessem fazer uso da força armada para dirimir controvérsias internacionais. Por meio

Page 21: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

do Pacto Briand-Kellog, assinado em 1928, e rapidamente ratificado pela quase

totalidade dos Estados da época, os Estados renunciaram à guerra como meio de solução

de conflitos. Em 1945, a Carta da ONU finalmente proscreveu a guerra do sistema

jurídico internacional, estabelecendo em seu artigo 2 §4:

“Todos os Membros deverão evitar em suas relações

internacionais a ameaça ou o uso da força contra a

integridade territorial ou a dependência política de qualquer

Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os

Propósitos das Nações Unidas.”(Grifo nosso).

O artigo não utiliza o termo “guerra”, sendo ainda mais amplo, ao tratar da

“ameaça ou o uso da força”. Atualmente, só existem duas possibilidades de uso legal da

força: em legítima defesa, individual ou coletiva, conforme assegurado pelo artigo 51 da

Carta da ONU; ou mediante autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas,

nos termos do capítulo VII da mesma Carta. O uso da legitima defesa deve pautar-se

pelos princípios da necessidade e da proporcionalidade.

A proibição de uso da força fora dessas circunstâncias é assegurada não apenas

pelo direito convencional, mas também pelo direito costumeiro e pelo direito cogente

internacional.

5 Direito diplomático

Há muito que a inviolabilidade dos embaixadores e dos arautos é norma

costumeira de direito internacional. Há autores que citam exemplos desde a

Antiguidade. O direito diplomático, que garante privilégios e imunidades aos

representantes de Estados soberanos perante outros Estados foi objeto do primeiro

tratado multilateral de que se tem notícia: o Règlement de Viena, de 1815. Atualmente,

é regido por duas convenções internacionais, celebradas em Viena, uma sobre relações

diplomáticas (1961), outra sobre relações consulares (1963). O chefe da missão

diplomática será admitido em suas funções mediante recebimento de autorização do

Estado acreditado (aquele onde se encontra a missão diplomática, ou repartição

consular), denominada agrément; a autorização concedida ao chefe da repartição

consular recebe o nome de exequatur. O Estado acreditado não é obrigado a justificar

os motivos pelos quais se recuse a conceder as referidas autorizações aos agentes que o

Estado acreditante (de origem da missão) pretendia nomear; pode ainda declarar

persona non grata agente inaceitável que já tenha sido nomeado, caso em que o Estado

acreditante deve chamá-lo de volta. Os diplomatas, diferentemente do chefe da missão

Page 22: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

diplomática, não necessitam do agrément; quanto a eles, basta que o Estado acreditante

notifique o Estado acreditado quanto a sua nomeação, bem como quanto à data de

chegada no território deste.

O chefe da repartição consular, por sua vez, não necessita do agrément para que

possa desempenhar suas funções. Deverá, todavia, receber exequatur do Estado

acreditado. Da mesma forma, deve haver o envio de uma carta-patente ao estado

receptor qualificando o chefe da missão, e contendo informações sobre a sede da

repartição e a área geográfica onde o chefe da missão desempenhará suas funções.

As relações diplomáticas não se confundem com as relações consulares. Estas

tratam de interesses privados no território do Estado acreditado, enquanto aquelas dizem

respeito às relações públicas entre os dois soberanos. O diplomata representa o Estado

de origem no tocante ao trato bilateral de assuntos de Estado; o cônsul representa o

Estado de origem a fim de cuidar dos interesses de particulares – compatriotas – que ali

se encontrem, e de elementos locais que tencionem visitar o país, ou estabelecer

relações comerciais. Nada impede que embaixada exerça funções consulares; o

contrário, no entanto, não é possível.

A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas estabelece privilégios e

imunidades muito mais acentuados que a convenção sobre relações consulares. No

Brasil, carreiras diplomática e consular são unificadas. O Direito Internacional é

indiferente a isso; a função desempenhada pelo agente no exterior determinará as

imunidades e os privilégios aplicáveis. O Itamaraty possui 5 divisões em sua estrutura

institucional, sendo uma delas a consular, o que significa que o profissional da

diplomacia transita constantemente entre as funções diplomática e consular.

Privilégios diplomáticos

Conforme a Convenção de Viena sobre Relações diplomáticas (1961), tanto os

membros do quadro diplomático de carreira, quanto os membros do quadro técnico e

administrativo gozam de ampla imunidade de jurisdição civil e penal; são fisicamente

invioláveis; em caso algum podem ser obrigados a depor como testemunhas; e gozam

de imunidade tributária. Exceções quanto à jurisdição civil: feito sucessório em que o

agente esteja envolvido a título privado; ação relativa a imóvel particular. Exceções

quanto à imunidade tributária são os impostos indiretos, normalmente incluídos no prelo

dos produtos e serviços. Em matéria civil, penal e tributária, os privilégios estendem-se

à família do agente. A imunidade penal não exime o agente da jurisdição de seu Estado

de origem, onde deverá ser processado e julgado. Em consonância com a assertiva, o

Código penal brasileiro, em seu artigo 7 II b, sujeita à lei brasileira crimes cometidos

por brasileiros no exterior.

São fisicamente invioláveis os locais da missão diplomática, os bens ali

localizados, e os locais residenciais utilizados pelo quadro diplomático e pelo quadro

administrativo. Os documentos e arquivos da missão diplomática são invioláveis onde

quer que se encontrem, assim como a bagagem diplomática.

Page 23: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

Importante desfazer equívoco do senso comum. Os locais da missão diplomática

encontram-se em território do Estado acreditado – o local da missão. Assim, embaixada

do Brasil na Argentina é parte do território argentino. Não há aplicação do princípio da

extraterritorialidade; há, sim, imunidades diplomáticas, conforme disposto no artigo 22

da Convenção de Viena:

“1. Os locais da Missão são invioláveis. Os Agentes do

Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o

consentimento do Chefe da Missão.

2. O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar

todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão

contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações à

tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade.

3. Os locais da Missão, em mobiliário e demais bens nêles

situados, assim como os meios de transporte da Missão, não

poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de

execução.”

Privilégios consulares

Cônsules e funcionários consulares gozam de inviolabilidade física e de

imunidade civil e penal apenas no tocante aos atos de ofício. Tais privilégios não se

estendem aos membros de suas famílias, nem às instalações residenciais. Os membros

das repartições consulares são obrigados a depor como testemunhas, se convocados; a

prisão preventiva é permitida, mediante autorização de juiz, em casos de crimes graves.

Os locais consulares são invioláveis na estrita medida de sua utilização

funcional, e gozam de imunidade tributária. Arquivos e documento consulares são

invioláveis onde quer que se encontrem. É possível a desapropriação dos bens da

missão consular em caso de utilidade pública, mediante o pagamento de indenização

apropriada.

O Estado acreditante poderá, se julgar conveniente, renunciar às imunidades

civil e penal de que gozam seus representantes diplomáticos e consulares. Os referidos

agentes, ainda que dotados de privilégios e imunidades, não se eximem de estarem

obrigados a respeitar as leis e regulamentos do Estado territorial, conforme disposto no

artigo 41 da Convenção sobre relações diplomáticas e no artigo 55 da convenção sobre

relações consulares. Dessa forma, embora imune a eventuais processos, os agentes

devem respeitar as leis locais.

Page 24: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

6 Direito da Integração

Ramo do direito que estuda os processos de integração política e econômica

entre Estados nacionais. Em ordem crescente de intensidade, os principais modelos de

integração são:

1) Área de livre comércio: há livre circulação de mercadorias entre as partes. É o

caso do Nafta.

2) União aduaneira: além da livre circulação de mercadorias há tarifa externa

comum (TEC) para produtos que entram no bloco. É o caso do MERCOSUL.

3) Mercado comum: para além das características da união aduaneira, há livre

circulação de fatores produtivos (capital e trabalhadores). Benelux é exemplo.

4) União econômica e monetária: há unificação de políticas e instituições

econômicas monetárias. A União Europeia é o único exemplo.

Os modelos de integração podem ser caracterizados pela

intergovernamentabilidade ou pela supranacionalidade. Neste caso, há concessão de

soberania, por parte dos Estados, em alguns assuntos, ao órgão supranacional. As

decisões deste órgão terão aplicabilidade imediata no direito interno dos membros do

processo integracionista. Ao mesmo tempo, os Estados mantêm sua soberania em

assuntos de maior sensibilidade. A UE é exemplo clássico de modelo integrador

supranacional.

Integração europeia

Após a Segunda Guerra Mundial, Alemanha e França, por iniciativa desta,

iniciariam processo de integração que possuía dois objetivos principais, um de ordem

política, neutralizar a histórica rivalidade teuto-francesa; e outro de ordem econômica,

estabelecer mercado comum entre as indústrias de base dos dois países.

Em 1947, Bélgica, Holanda e Luxemburgo formaram um mercado comum que,

conhecido como BENELUX. Em 1951, a primeira comunidade europeia, a Comunidade

Europeia do Carvão e do Aço (CECA) é criada pelo Tratado de Paris. França e

Alemanha como motores da integração, Itália e os três componentes do BENELUX

eram os Estados-parte. O tratado entra em vigor em 1952, e um mercado comum para o

carvão e o aço tem início em 1953. A supranacionalidade esteve presente na

Page 25: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

integração europeia desde o início. A CECA incluía a Alta Autoridade Europeia para

Carvão e Aço, que definia as políticas macroeconômicas do setor. Criada para durar 50

anos, a CECA foi extinta em 2002.

Em 1957, são assinados os tratados de Roma, que criam duas novas

comunidades europeias: a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade

Europeia de Energia Atômica (Euratom). Esta comunidade não possuía órgão

supranacional; consistia em mecanismo de cooperação intergovernamental no setor de

energia atômica. As comunidades eram compostas pelos mesmos seis países. A CEE

visava à criação de um mercado comum amplo no prazo de 12 anos. Tal mercado só

seria implementado em 1992. A CEE seria extinta em 2009, com a entrada em vigor do

Tratado de Lisboa. A Euratom é a única comunidade ainda existente, à margem da EU.

A principal falha institucional, apontada desde o início fora a criação de órgãos

equivalentes e paralelos, com as mesmas instituições básicas. Tal correção foi feita pela

unificação dos executivos das três comunidades, em 1965, pelo Tratado de Bruxelas.

Assim, as duas Comissões e os três Conselhos de Ministros foram substituídos por uma

única Comissão e um único Conselho. As três comunidades foram administrativamente

unificadas pelo tratado em questão, contudo, as comunidades continuavam separadas. A

partir do Tratado de Bruxelas passou-se a usar a expressão “comunidades europeias”.

O Ato Único Europeu de 1986, celebrado em Luxemburgo modificou e

completou os tratados de Paris e de Roma, bem como reformou instituições, ampliou

competências e consagrou a cooperação política entre os membros na área externa.

A União Europeia (UE) é criada pelo Tratado de Maastricht, de 1992,

configurando-se como união econômico-monetária, que zela pela segurança comum,

bem como trata da política externa, negociada em bloco, e da cooperação no campo da

justiça e dos assuntos internos. Possui como princípios fundamentais a democracia, a

liberdade econômica, o primado do direito comunitário e a pós-nacionalidade10

. A UE

só ganhou personalidade jurídica em 2009, com a entrada em vigor do Tratado de

Lisboa. O Tratado de Maastricht possuía três pilares: comunitário supranacional;

política externa e de segurança comum; cooperação policial e judiciária.

O Tratado de Amsterdã, de 1997, reformou os tratados das comunidades

europeias e da UE; ampliou as competências do Parlamento; revogou o Tratado de

Bruxelas (1965) e incorporou o Acordo Schengen de abolição do controle de fronteiras

às normas comunitárias. Ainda em 1997, o Pacto de Estabilidade estabeleceu as metas

macroeconômicas para a adoção do euro, que passaria a circular e 2002. Em 2001, o

Tratado de Nice promoveu ajustes no processo decisório, com vistas à entrada do leste

europeu.

A constituição da UE foi assinada em 2004, mas rejeitada em referendo popular

na França e na Holanda; não entrou em vigor, portanto. Em seu lugar, os Estados

10 Cidadania europeia.

Page 26: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

celebraram o Tratado de Lisboa em 2007, que entrou em vigor em 2009, após referendo

na Irlanda. O Tratado de Lisboa concedeu personalidade jurídica à UE; eliminou a

linguagem comunitária; criou a iniciativa legislativa popular; previu a possibilidade de

denúncia do tratado da UE; criou o cargo de presidente da UE, e o de alto representante

da UE para política externa e de segurança, com mandatos de 2,5 anos, atualmente

ocupados por Catherine Asthon e Von Rompuy, respectivamente; conferiu mais poderes

ao Parlamento; eliminou os pilares da UE e em seu lugar estabeleceu competências

exclusivas, partilhadas e de apoio; e mudou o critério de maioria qualificada, que a

partir de 2014 deverá abranger mais de 55% dos Estados e mais de 65 da população da

UE.

Adesões

As comunidades europeias, e posteriormente a UE receberam as seguintes

adesões: Irlanda e Reino Unido11

(1973); Grécia (1981); Portugal e Espanha (1986);

Suécia, Áustria e Finlândia (1995); Polônia, Hungria, República Tcheca, Eslováquia,

Eslovênia, Lituânia, Letônia, Estônia, Malta e Chipre (2004); Romênia e Bulgária

(2007). Atualmente, a UE possui 27 membros; a zona do euro, 17. A adesão da Croácia

já está acertada para 2013; as da Macedônia e da Turquia estão em pauta.

Estrutura institucional

As principais instituições que compõem a União Europeia são:

1) Conselho Europeu: fornece as diretrizes políticas e expressa a posição comum

nas questões de relações exteriores; formado pelos chefes de Estado e de

governo, reúne-se a cada seis meses. Suas resoluções e declarações não são

obrigatórias.

2) Conselho da União Europeia: órgão decisório por excelência; composto por 27

ministros de Estado, cuja pasta varia de acordo com o tema tratado.

3) Parlamento: Atualmente composto por 751 deputados, representa os povos;

eleito por sufrágio universal direito a cada cinco anos desde 1979, possui

poderes decisórios desde a década de 1990. Bicameral; a iniciativa legislativa

cabe à Comissão Europeia e aos cidadãos europeus. A filiação é político-

partidária, o que significa que um deputado não precisa, necessariamente, ser

11

Retirou-se do EFTA (European Free Trade Agreement) para participar das comunidades europeias. Sua entrada havia sido vetada duas vezes por De Gaulle.

Page 27: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

eleito pelo país do qual é nacional. Sua sede é em Estrasburgo. Dois terços dos

temas são deliberados em co-decisão12

.

4) Comissão Europeia: órgão supranacional na parte executiva, formado por 17

comissários que representam a UE, completamente independentes dos Estados-

membros.

MERCOSUL

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) teve sua concretização advinda da

aproximação entre Brasil e Argentina. A relação histórica de rivalidade entre os dois

países converteu-se em cooperação principalmente a partir da metade da década de

1980, período em que as duas nações viviam situação em muito semelhante, no que

tange ao processo de redemocratização, após longo período de ditadura militar, à

questão da dívida externa, e à instabilidade econômica vivida por ambos. Já em 1979, a

solução da controvérsia Itaipu - Corpus, em muito viabilizou a aproximação dos dois

vizinhos. Outro marco fundamental bilateral foi a celebração, por Sarney e Alfonsín, da

Ata de Iguaçu, em 1985, documento que expressou a intenção de integrar os dois países,

bem como trouxe segurança para o continente na medida em que preconizou a

utilização pacífica da tecnologia nuclear.

Um Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE) foi estabelecido

pela Ata de Integração Braso - Argentina, em 1986, e posteriormente (1988) os dois

países assinaram o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, prevendo a

criação de um espaço comum no prazo de 10 anos. Tal prazo foi encurtado pela metade

por ocasião da Ata de Buenos Aires, em 1990, quando Brasil e Argentina previram o

estabelecimento de um mercado comum bilateral até 31 de dezembro de 1994. É

também de 1990 o Acordo de Complementação Econômica n° 14 (ACE14), entre Brasil

e Argentina, que traçou as principais diretrizes e estabeleceu os principais órgãos

intergovernamentais de integração.

Em 1991, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai celebraram o Tratado de

Assunção, que prevê o estabelecimento de um mercado comum entre os quatros países

até 31 de dezembro de 1994. Consoante artigo 20, podem aderir ao bloco membros da

Aladi. A entrada depende da aprovação de todos os membros do MERCOSUL.

12 “O início do procedimento se verifica quando a Comissão envia a proposta normativa ao Parlamento e ao Conselho, que deverão analisá-la por duas vezes consecutivas. Na ausência de acordo, caberá ao Comitê de Conciliação, constituído por representantes do Conselho e do Parlamento, em igual número, examinar o mérito da proposta em causa. A aprovação pelo Comitê exigirá o envio do texto ao Conselho e ao Parlamento para que ambos se manifestem, requisito indispensável para que o processo legislativo se complete. Os deputados europeus podem, por maioria absoluta de votos, rejeitar o acordo obtido pelo Comitê.” Amaral Jr.

Page 28: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

O MERCOSUL não é, apesar do nome, um mercado comum; é uma união

aduaneira imperfeita. Não é mercado comum, porque não há livre circulação de fatores

entre seus membros; é união aduaneira, porque possui, desde 1995, TEC; é imperfeita

em função das enormes listas de exceção à TEC. O Itamaraty classifica o MERCOSUL

como “uma zona de livre comércio e uma união aduaneira em fase de consolidação,

com matizes de mercado comum.”13

A organização institucional do MERCOSUL se aperfeiçoou a partir do

Protocolo de Ouro Preto, assinado em dezembro de 1994, que entraria em vigor em

fevereiro de 1996. Foram estabelecidos os seguintes órgãos: Conselho do Mercado

Comum (CMC); Grupo Mercado Comum (GMC); Comissão de Comércio do Mercosul

(CCM); Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); Secretaria Administrativa do Mercosul

(SAM); e o Foro Consultivo econômico e Social (FCES), tendo os três primeiros

capacidade decisória de natureza intergovernamental, consoante o artigo 2 do referido

diploma legal.

O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior, formado pelos ministros

das relações exteriores e pelos ministros da economia ou equivalentes de cada Estado.

Exerce a titularidade da personalidade jurídica do MERCOSUL, pode, portanto,

negociar e celebrar tratados em nome do bloco. Manifesta-se por decisões. O Grupo

Mercado Comum é o órgão executivo do bloco e suas atribuições são explicitadas no

artigo 14 do protocolo. Manifesta-se por meio de resoluções. A Comissão de Comércio

do MERCOSUL assiste o GMC e vela pela aplicação dos instrumentos de política

comercial comum acordados pelos Estados-parte para o funcionamento da união

aduaneira. Manifesta-se através de diretrizes ou propostas. A Comissão Parlamentar

Conjunta representa os parlamentos dos Estados Membros, e competia a ela agilizar os

procedimentos internos de aplicação das normas emanadas pelos órgãos do

MERCOSUL, bem como harmonizar as legislações, nos moldes requeridos pela

integração. Manifestava-se por recomendações. Foi extinta com a criação do Parlamento

do MRCOSUL, em 2006. O Foro Consultivo Econômico e Social também se manifesta

por recomendações, representando os setores econômicos e sociais do bloco. A

Secretaria Administrativa do MERCOSUL funciona dando apoio operacional aos

demais órgãos e sua sede é em Montevidéu.

O Protocolo de Ouro Preto também confere personalidade jurídica ao

MERCOSUL, em seu artigo 34 e reafirma, no artigo 37, a tomada de decisão por

consenso, estabelecendo ainda, no artigo 41 as fontes jurídicas do bloco, quais sejam, o

Tratado de Assunção, seus protocolos e instrumentos adicionais, os acordos celebrados

em seu âmbito e as Decisões do CMC, as Resoluções do GMC e as Diretrizes da CCM.

Em 2002, foi assinado o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no

MERCOSUL, tratado que revoga o Protocolo de Brasília e cria o Tribunal Permanente

de Revisão (TPR). No que tange às divergências entre Estados, estes deverão buscar

resolvê-las por meio de negociações diretas no prazo máximo de 15 dias, caso não logre

13 Disponível em www.mercosul.gov.br

Page 29: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

resultados tal procedimento, a controvérsia poderá ser opcionalmente submetida às

recomendações do GMC, ou encaminhada diretamente ao procedimento arbitral ad hoc.

O laudo obrigatório do Tribunal Arbitral será emitido em no máximo 60 dias. Cabe

pedido de recurso ao Tribunal Permanente de Revisão, que poderá confirmar, modificar

ou revogar as decisões do Tribunal ad hoc. O laudo do TPR será então inapelável e

obrigatório, tendo força de coisa julgada. As partes na controvérsia têm ainda a opção

de submeter-se diretamente ao TPR, sem passar pela instância do Tribunal Arbitral ad

hoc, ressalte-se, contudo, que neste caso não caberá revisão do laudo. Os Estados

possuem a faculdade de fazer um requerimento de esclarecimento dos laudos de

qualquer dos tribunais. Caso um Estado não cumpra o estabelecido em um laudo, a

outra parte poderá aplicar medidas compensatórias temporárias, objetivando o

cumprimento total do laudo. O Protocolo criou, assim, segunda instância de solução de

controvérsias, aprofundando a estrutura institucional do MERCOSUL.

O Protocolo de Olivos prevê a possibilidade de apreciação da controvérsia

perante a Organização Mundial do Comércio ou qualquer outro esquema internacional

de comércio do qual sejam partes os Estados envolvidos. Contudo, a controvérsia

deverá ser encaminhada a um ou outro foro de solução, não podendo ser submetida a

mais de um, como havia sido feito anteriormente por Brasil e Argentina.

Em 2006, foi constituído o Parlamento do MERCOSUL. O órgão não possui

poderes legislativos, funcionando como harmonizador das legislações do bloco. Com

base no critério da representação cidadã, os parlamentares deverão ser eleitos por voto

secreto, universal e direto. O Paraguai já elegeu seus representantes dessa forma em

2008. O Brasil deverá fazê-lo nas eleições de 2014. Em 2011 começou a valer o critério

da proporcionalidade atenuada, mediante o qual o número de representantes de cada

Estados será proporcional à sua população.

Em 2005, foi criado o FOCEM, Fundo de Convergência Estrutural do

MERCOSUL, que visa a reduzir as assimetrias entre os membros do bloco. O fundo

conta com orçamento anual de 100 milhões de dólares, dos quais o Brasil fornece 70

milhões, a Argentina 27, o Uruguai 2 e o Paraguai 1. O critério de distribuição é

inverso: o Paraguai recebe 48% dos recursos, enquanto o Uruguai recebe 32%, e Brasil

e Argentina recebem 10%.

Em 2012, após ruptura democrática no Paraguai, o país foi suspenso, até as

novas eleições, em abril de 2013, dos órgãos decisórios do MERCOSUL. A suspensão

tem por fundamento jurídico o Protocolo de Ushuaia sobre a cláusula democrática no

MERCOSUL. O Paraguai continua, no entanto, a receber os recursos do Focem, e

mantém seus deputados no Parlamento; continua sendo Estado-parte do bloco, portanto.

Mediante a suspensão do país, a Venezuela, que havia assinado protocolo de adesão ao

MERCOSUL em 2006, que dependia apenas da ratificação paraguaia para entrar em

vigor, ingressou no bloco como membro pleno. Também em 2012, a Bolívia assinou

protocolo de adesão ao bloco.

Page 30: Apostila de Direito Internacional Público - Professor Evandro de Carvalho UFF - 2012

7 Recomendações de leitura

Tratados

Carta da Organização das Nações Unidas, 1945;

Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, 1961;

Convenção de Viena dobre Relações Consulares, 1963;

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, 1969.

Livros

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo:

Saraiva, 2009.

BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 1997.

CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil.

Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011.

DINH, Nguyen; DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain; Direito Internacional Público.

2°ed. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: 2003.

FONSECA Jr; Gelson. A Legitimidade e outras Questões Internacionais. São Paulo:

Editora Paz e Terra, 2004.

MELLO, Celso de Albuquerque; Curso de Direito Internacional Público. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2005.

SHAW, Malcolm. International Law. New York: Cambridge University Press, 2008.