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UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP CURSO DE DIREITO PROFESSOR: LINDOMAR GEAN FILOSOFIA DA CIÊNCIA MANAUS – AM 2009 1

Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

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Page 1: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIPCURSO DE DIREITO

PROFESSOR: LINDOMAR GEAN

FILOSOFIA DA CIÊNCIA

MANAUS – AM2009

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Page 2: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

AS ORIGENS DA FILOSOFIA

O realismo começou certamente na Grécia; e começou discernindo entre as coisas.

O primeiro esforço filosófico do homem foi feito pelos gregos e começou sendo um esforço

para discernir entre aquilo que tem uma existência meramente aparente e aquilo que tem uma

existência real, uma existência em si, uma existência primordial, irredutível à outra.

O primeiro povo que filosofa na verdade é o povo grego. Outros povos, anteriores,

tiveram cultura, tiveram religião, tiveram sabedoria; mas não tiveram filosofia. Nesses

últimos noventa anos, sobretudo, a partir de Schopenhauer, encheram-nos a cabeça das

filosofias orientais, da filosofia hindu, da filosofia chinesa. Essas não são filosofias. São

concepções geralmente vagas sobre o universo e a vida. São religiões, são sabedorias

populares mais ou menos geniais, mais ou menos desenvolvidas; porém, filosofia não existe

na história da cultura humana, do pensamento humano, até os gregos.

Os gregos foram os inventores disso que se chama filosofia. Por quê? Porque

foram os inventores – no sentido de “descobrir” da palavra – os descobridores da razão, os

que pretenderam que com a razão, com o pensamento racional, se pode encontrar o que as

coisas são, se pode averiguar o último fundo das coisas. Então começaram a fazer uso de

intuições intelectuais e intuições racionais, metodicamente.

Antes deles fazia-se uma coisa parecida; porém, com toda classe de vislumbres,

de crenças, de elementos irracionais.

Os primeiros filósofos gregos que se propuseram o problema de “quem existe?”,

de “qual é o ser em si”, quando o propõem para si, é porque já superaram o estado do realismo

primitivo que enunciávamos dizendo: todas as coisas existem. O primeiro momento

filosófico, o primeiro esforço da reflexão consiste em discernir entre as coisas que existem em

si e as coisas que existem em outra, naquela primária e primeira.

Estes filósofos gregos procuram qual é ou quais são as coisas que têm uma

existência em si. Elas chamavam a isto o “princípio”, nos dois sentidos da palavra: como

começo e como fundamento de todas as coisas. O mais antigo filósofo grego de que se tem

notícia um pouco exata chamava-se Tales e era da cidade de Mileto. Este homem buscou

entre as coisas qual seria o princípio de todas as demais, qual seria a coisa à qual conferiria a

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dignidade de ser, de princípio, de ser em si, a existência em si, da qual todas as demais são

simples derivadas; e ele determinou que esta coisa era a água. Para Tales de Mileto a água é o

princípio de todas as coisas. De modo que todas as demais coisas têm um ser derivado,

secundário. Consistem em água. Mas a água, ela, que é? Como ele diz: o princípio de todo o

mais não consiste em nada; existe, com uma existência primordial, como princípio essencial,

fundamental, primário.

Outros filósofos dessa mesma época – do século VII antes de Jesus Cristo –

tomaram atitudes mais ou menos parecidas com a de Tales de Mileto. Por exemplo,

Anaximandro também acreditou que o princípio de todas as coisas era algo material; porém,

já teve uma idéia um pouco mais complicada que Tales; e determinou que este algo material,

princípio de todas as demais coisas, não era nenhuma determinada, mas uma espécie de

protocoisa, que era o que ele chamava em grego apeiron, indefinido, uma coisa indefinida

que não era nem água, nem terra, nem fogo, nem ar, nem pedra, mas antes tinha em si, por

assim dizer, em potência, a possibilidade de que dela, dessa apeiron, desse infinito ou

indefinido, se derivassem as demais coisas.

Outro filósofo que se chamou Anaxímenes foi também um desses filósofos

primitivos que buscaram uma coisa material como origem de todas as demais, como origem

dos demais princípios, como única existente em si e por si, da qual eram derivadas as demais.

Anaxímenes, para isso, tomou o ar.

É possível que haja havido mais tentativas de antiqüíssimos filósofos gregos que

procuraram alguma coisa material; mas estas tentativas foram rapidamente superadas. Foram-

no, primeiramente, na direção curiosa de não procurar uma, mas várias; de acreditar que o

princípio ou origem de todas as coisas não era uma só coisa, mas várias coisas. É de supor que

as críticas de que foram alvo Tales, Anaximandro e Anaxímenes contribuíssem a isso. A

dificuldade grande de fazer crer a alguém que o mármore pentélico, em Atenas, fosse

derivado da água; a dificuldade também de fazê-lo derivar do ar, de fazê-lo derivar de alguma

coisa determinada, fez provavelmente que fossem alvo de críticas acerbas essas derivações, e

então sobreveio a idéia de salvar as qualidades diferenciais das coisas, admitindo, não uma

origem única, mas uma origem plural; não uma só coisa, da qual fossem derivadas todas as

coisas, mas várias coisas; e assim, um antiqüíssimo filósofo, quase legendário, que se chamou

Empédocles, inventou a teoria de que eram quatro as coisas realmente existentes, das quais se

derivam todas as demais e que essas quatro coisas eram: a água, o ar, a terra, e o fogo, que ele

chamou “elementos”, isto é, aquilo com que se faz tudo o mais.

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Os quatros elementos de Empédocles atravessaram toda a história do pensamento

grego, entraram de roldão na física de Aristóteles, chegaram até a Idade Média e

desapareceram no começo da Renascença.

ESTUDANDO A CIÊNCIA 17/02/09

A ciência abrange praticamente todos os campos do conhecimento humano,

relacionados com fatos ou acontecimentos e agrupados por princípios que são as regras.

Trata-se do estudo, com critérios metodológicos, das relações existentes entre

causa e efeitos de um fenômeno qualquer, no qual o estudioso se propõe a demonstrar a

verdade dos fatos e suas aplicações práticas.

É uma forma de conhecimento sistemático, dos fenômenos da natureza, dos

fenômenos sociais, dos fenômenos biológicos, matemáticos, físicos e químicos, para se

chegar a um conjunto de conclusões verdadeiras, lógicas, exatas, demonstráveis por meio da

pesquisa e dos testes.

De acordo com os cientistas, qualquer assunto que possa ser estudado pelo homem

pela utilização do método científico e de outras regras especiais de pensamento pode ser

chamado de ciência.

No mundo acadêmico, fazer ciência é importante para todos porque é por meio

dela que se descobre e se inventa. Por intermédio da ciência e da tecnologia é que temos os

aparelhos de comunicação, o computador, fibras ópticas, meios de transportes complexos,

instrumentos cirúrgicos de alta precisão, equipamentos na área de engenharia, energia nuclear,

complexos sistemas de produção, foguetes, materiais bélicos, controle das pragas e aumento

da produtividade no setor agropecuário, dentre outros.

A ciência provocou no séc. XIX a Revolução Industrial, principalmente pela física

e a matemática, além de outros avanços no campo da psicanálise, das ciências sociais, da

biologia, da química.

Por meio das observações e do experimento, nós interferimos e alteramos a própria

natureza e o fenômeno observado.

Nos dias de hoje, muitas áreas da ciência se sobrepõem de tal forma que

estudiosos de áreas diferentes podem se dedicar a um mesmo tipo de problema com pontos de

vista distintos. Por exemplo, um psicanalista e um fisiologista podem perfeitamente bem

estudar as reações de um astronauta dentro de um ônibus espacial. Um poderá estudar as

formas relacionadas com alucinações, enganos, de visão e depressão e outras reações mentais,

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enquanto o outro estará interessado nos processos respiratórios, fluxo sangüíneo, perda de

massa óssea.

Em virtude da sobreposição de algumas áreas, tem sido muito difícil estabelecer

delimitações de onde começa uma ciência e onde termina a outra.

O próprio Popper1 analisa essas dificuldades em seu trabalho sobre a questão da

indução.

Do ponto de vista do conhecimento - gnosiologia - o conhecimento é o reflexo e a

reprodução do objeto na nossa mente. Dessa forma, no processo do conhecimento participam

os sentidos, a razão e a intuição.

A grande dúvida é saber qual delas é a origem, a nossa base principal de

conhecimentos. 17/02/09

Com relação ao lugar e à importância dos sentidos, da razão e da intuição há

divergências de opiniões entre os maiores pensadores sobre o assunto e na história da

filosofia, aparecem diferentes doutrinas a respeito.

Vem do grego o termo ciência - scire - que designa conhecer. Significava, de uma

forma geral, para os gregos, todo o saber criticamente fundamentado. Dessa forma, todo o

resultado da indagação racional fazia parte integrante de um único saber e a ciência não se

distinguiria da filosofia.

Nos dias de hoje, a ciência distingue-se das outras formas de conhecimento

representando um nível intermediário entre o conhecimento vulgar - o ínfimo2 indicado - e o

mais elevado, que é a própria filosofia, exceção feita aos aspectos especiais qualificativos

como é o caso das ciências jurídicas, filosóficas e outras.

É discutível, mas a ciência já não tem o seu perfil ideal na filosofia, e sim na física,

na química, na biologia. Quanto mais um ramo de estudo se aproxima desta, tanto mais

merece a consideração da ciência.

COMPONENTES DA CIÊNCIA

As ciências possuem:

a) Objetivo ou finalidade - A ciência visa estabelecer a distinção das

características comuns ou das leis que regem as relações de causa e efeito dos fenômenos.

________________________1. POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1975. p. 27.2. O mais baixo de todos. (Dicionário Aurélio).

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17/02/09

Função - A principal é o aperfeiçoamento do conhecimento em todas as áreas

para tornar a existência humana mais significativa.

Objeto - Subdividido em:

- Formais - Os objetos das ciências formais ou pura são os ideais. Seu método é a

dedução, e seu critério de verdade é a consistência ou não contradição de seus enunciados.

Todos os seus enunciados são analíticos, isto é, deduzidos de postulados ou teoremas.

- Factuais - Os objetos das ciências factuais ou aplicadas, são materiais, seu

método é a observação e a experimentação e, em segundo lugar, também a indução e seu

critério de verdade é a verificação. Os enunciados das ciências factuais são

predominantemente de síntese, embora haja também enunciados analíticos.

ASPECTOS LÓGICOS DA CIÊNCIA

A logicidade da ciência manifesta-se por meio de procedimentos e operações

intelectuais que:

a) Possibilitam a observação racional e controlam os fatos;

b) Permitem a interpretação e a explicação adequada dos fenômenos;

c) Contribuem para a verificação dos fenômenos, positivados pela experimentação

ou pela observação;

d) Fundamentam os princípios da generalização ou o estabelecimento dos

princípios e das leis.

Muitos estudiosos da Metodologia Científica procuram entender a ciência por

ângulos diferentes, mas todos caminham para um único objetivo que é a demonstração da

verdade por meio da observação e da experimentação.

A ciência é, portanto,

"Acumulação de conhecimentos sistemáticos";

"Atividade que se propõe a demonstrar a verdade dos fatos experimentais e suas

aplicações práticas";

"Caracteriza-se pelo conhecimento racional, sistemático, exato, verificável e, por

conseguinte, falível";

"Conhecimento certo do real pelas suas causas";

“Conhecimento sistemático dos fenômenos da natureza e das leis que o regem,

obtido pela investigação, pelo raciocínio e pela experimentação intensiva";

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"Conjunto de enunciados lógicos e dedutivamente justificados por outros

enunciados";

"Conjunto orgânico de conclusões certas e gerais, metodicamente demonstradas e

relacionadas com o objeto determinado";

"Corpo de conhecimentos consistindo em percepções, experiências e fatos certos e

seguros";

"Estudo de problemas solúveis, mediante método científico”;

"Forma sistematicamente organizada de pensamento objetivo".

Ander-Egg3, no seu trabalho Introducción a las técnicas de investigación social,

afirma que a ciência é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos

metodicamente, sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma

natureza, subdividindo-o em:

- conhecimento racional, isto é, que tem exigências de método e está constituído

por uma série de elementos básicos, tais como sistema conceitual, hipóteses, definições;

diferencia-se das sensações ou imagens que se refletem em um estado de ânimo, como o

conhecimento poético, e da compreensão imediata, sem que se busquem os fundamentos,

como é o caso do conhecimento intuitivo popular.

- certo ou provável, já que não se pode atribuir à ciência a certeza indiscutível de

todo saber que a compõe. Ao lado dos conhecimentos certos, é provável, por mais elevada

que seja sua probabilidade.

- obtidos metodicamente, pois não se os adquire ao acaso ou na vida cotidiana,

mas mediante regras lógica e procedimentos técnicos.

- sistematizadores, isto é, não se trata de conhecimentos dispersos e desconexos,

mas de um saber ordenado logicamente, constituindo um sistema de idéias ou teorias.

- verificáveis, pelo fato de que as afirmações que não podem ser comprovadas ou

que não passam pelo exame da experiência não fazem parte do âmbito da ciência, que

necessita, para incorporá-las, de afirmações comprovadas pela observação.

- relativas a objetos de uma mesma natureza, ou seja, objetos pertencentes a

determinada realidade, que guardam entre si certas características de homogeneidade.

________________________3. ANDER-EGG, Ezequiel. Introducción a las técnicas de investigación social: para trabajadores sociales. 7ª ed. Buenos Aires: Humanitas, 1978. p. 15.

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Page 8: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS E RAMOS DE ESTUDOS

Não existe uma linguagem única para a classificação das ciências. A sua

classificação foi feita por diferentes pensadores e estudiosos do assunto. As propostas vêm

dos gregos, passa por Comte com o positivismo, Carnap, Wundt, Bunge e outros.

Baseando-nos em Bunge4, apresentamos a seguinte classificação das ciências e

ramos de estudo.

A geologia, meteorologia, oceanografia e astronomia também são agrupadas como

geociências.

__________________________4. BUNGE, Mário. La Ciência, Su Método y Su Filosofia. Buenos Aires: Sigioveinte, 1974.

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FILOSOFIA (LÓGICA)FORMAIS (Puras) MATEMÁTICA

sintetiza e explica os fatose princípios descobertossobre o universo e seushabitantes.

FACTUAIS (Aplicadas)utiliza os fatos e princípios científicos para fazer coisas úteis aos homens.

NATURAIS

Física Nuclear, Mineralogia, Logís-tica Militar, Petrografia, Geologia, Computação, Engenharia, Astronomia.

FÍSICA

Química Orgânica, QuímicaInorgânica, Físico-Química, Farmácia e Bioquímica.QUÍMICA

Botânica, Medicina, Zoologia,Veterinária, Agricultura, Tec. Alimentos, Enfermagem, Ecologia.

BIOLOGIA

Sociologia, Psicologia Social, AntropologiaCultural, Geografia, Direito, Administração,Comunicação Social, Economia, História.

SOCIAIS

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As Ciências Formais ou Puras e as Ciências Factuais ou Aplicadas são

necessárias para levar os benefícios da pesquisa científica. A maioria dos estudiosos conhece

mais a respeito das Ciências Factuais do que das Ciências Puras, em virtude de manterem

mais contato com as conquistas das Ciências Aplicadas.

A TEORIA DO CONHECIMENTO 03/03/09

A teoria do conhecimento tem o seu início com a seguinte pergunta: Podemos ter

um conhecimento exato do mundo que nos cerca? Ou seja, trata-se de saber se o mundo é

conhecido tal qual é, ou de forma diferente do que aparenta ser?

Do ponto de vista científico - gnosiologia - o conhecimento é o reflexo e a

reprodução do objeto na nossa mente. Dessa forma, no processo do conhecimento participam

os sentidos, a razão e a intuição.

A grande dúvida é saber qual delas é a origem, a nossa base principal de conhecimentos.

Com relação ao lugar e a importância dos sentidos, da razão e da intuição no conhecimento

da verdade há divergências de opiniões e na história da filosofia aparecem diferentes

doutrinas a respeito:

03/03/09

O EMPIRISMO

Sua origem vem do grego empeiria, que significa experiência. É uma doutrina

afirma que a única fonte de nossos conhecimentos é a experiência recebida e experimentada

pelos nossos sentidos. Seu principal axioma em latim é: NIHIL EST IN INTELLECTU QUOD

PRIUS NON FUERIT IN SENSU - Nada existe no intelecto que antes não tenha estado nos

sentidos.

De uma forma geral os empiristas como Locke, Hume, Condillac, Stuart Mill e

outros consideram que o conhecimento empírico, obtido através dos órgãos dos sentidos, é

suficiente para conhecer a verdade. Por ocasião do nosso nascimento, a nossa mente está

totalmente vazia, assemelhando-se a um buraco negro ou a uma folha em branco na qual,

com o passar do tempo, a experiência escreve.

De acordo com os pensadores, principalmente Locke, todos os nossos

conhecimentos, incluindo os mais gerais e abstratos, o sujeito cognoscente tira da experiência

a sua forma de ser.

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Page 10: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A razão não agrega nada de novo, porque se limita simplesmente a unir e ordenar

os diferentes dados da experiência. É suficiente a razão se afastar dos dados da experiência

para cair no erro, desligar-se da realidade.

O principal mérito do método empírico é o de assinalar com vigor a importância

da experiência na origem dos nossos conhecimentos. Os empiristas de um modo geral têm

razão ao afirmar que não existem idéias inatas, e de que antes da experiência não há e nem

pode haver conhecimento algum sobre o mundo exterior.

Entretanto, o ponto fraco dos empiristas é, sem dúvida, a subestimação do papel da

razão, do pensamento abstrato e a sua diferença qualitativa em relação ao conhecimento

empírico.

Os nossos sentidos nos dão somente o conhecimento dos fenômenos. A essência

das coisas, o número, só podem ser alcançados pela razão, pelo pensamento abstrato. Tanto

isso é verdadeiro que muita gente, muitos estudantes, possuem grande dificuldade para atingir

o raciocínio abstrato e não se desenvolvem. O mundo de hoje, séc. XXI, está a exigir o

raciocínio abstrato, muito mais do que nas épocas anteriores. A ciência e a tecnologia se

desenvolvem praticamente no mesmo ritmo e, às vezes, com vantagens para a tecnologia.

A RAZÃO

Doutrina que afirma que a razão humana, o pensamento abstrato, é a única fonte do

conhecimento. O termo vem do latim ratio = razão.

Ao contrário dos empiristas, os racionalistas afirmam que os nossos sentidos nos

enganam e nunca podem conduzir a um conhecimento verdadeiro, uma vez que o mundo da

experiência encontra-se em contínua mudança e transformação. É como o universo, em

constante mutação. Para os racionalistas, um conhecimento é verdadeiro somente quando é

logicamente necessário e universalmente válido. Esse conhecimento só pode ser alcançado

pela razão. O racionalismo começa com Platão e se estendem por Descartes, Espinosa,

Leibniz, Kant e outros.

____________________________5. CAIARD, Edward. The Critical Philosophy of Immanuel Kant. Glasgow, 1889.

KULPE, Oswald. Immanuel Kant. Leipzig, 1908.6. AXIOMA: do grego axiologos, do latim axioma. Premissa imediatamente evidente que se admite como universalmente verdadeira sem exigência de demonstração. Máxima Sentença.

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De acordo com a Teoria das Idéias Inatas de Descartes ou das formas a priori de

Kant, os conceitos fundamentais do conhecimento são os inatos, ou seja, nascem conosco e,

nesse sentido, não procedem da experiência, são a priori, conforme Kant, anteriores à

experiência5.

O principal mérito do racionalismo, ao contrário do empirismo, consiste no fato de

reforçar a idéia do importante papel ativo e criador da razão, do pensamento abstrato, no

conhecimento da verdade e da essência das coisas.

O erro dos racionalistas está no fato de separarem a razão da experiência, de

desprezarem o papel dos sentidos, considerando apenas que a razão não depende de nada, não

depende da experiência, e pode por si própria conhecer a verdade.

Os racionalistas partem da consciência do homem adulto e culto, que adquiriu e

formou muitas idéias, axiomas e princípios da razão. Contudo, não observaram que essas

idéias, princípios e axiomas possuem a sua origem no empirismo.

Após serem repetidas milhares de vezes pelo pensamento, essas verdades objetivas

se tornaram evidentes e axiomáticas e criaram a impressão de serem, a priori, inatas,

congênitas e inerentes à razão humana6.

A INTUIÇÃO

A intuição, ao contrário do que se pensa, desempenha um papel muito importante

no campo da ciência, no conhecimento da verdade, embora Bergson e outros pensadores

tenham afirmado que é possível conhecer diretamente a verdade, o absoluto, sem auxílio dos

sentidos e da razão, por meio da faculdade irracional ou sobrenatural que é a intuição, com a

qual estariam dotadas, segundo ele, apenas as elites privilegiadas, eleitas por uma força

sobrenatural (Deus etc.)

Na história da filosofia, a intuição tem sido estudada há longo tempo, igualmente

desde Platão até os nossos dias, e a maioria das correntes do nosso século é intuicionista e

considera a intuição como órgão ou faculdade superior de conhecimento, que nos fornece

direta e imediatamente a verdade absoluta.

Entre essas escolas, podemos incluir:

a - Neotomismo, doutrina filosófica oficial da Igreja;

b - Intuicionismo, do filósofo francês Henry Bergson - 1859-1941;

c - Fenomenologia, do filósofo alemão Edmund Husserl - 1859-1938;

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d - Existencialismo, do também filósofo alemão Martin Heidegger - 18891977.

Atualmente, poucas correntes filosóficas não são intuicionistas como é o caso do

marxismo, pragmatismo e neopositivismo; entretanto, nenhuma delas nega a intuição como

espécie natural de conhecimento.

• Marxismo - Doutrina dos filósofos Karl Marx - 1818-1883 - e Friedrich

Engels - 1820-1895 - fundamentada no materialismo dialético, e que se

desenvolveu por meio das teorias de luta de classes e da elaboração do

relacionamento entre o capital e o trabalho, do qual resultou a criação da

Teoria da Tática da Revolução Proletária.

• Pragmatismo - do inglês pragmatism - Doutrina de Charles Sanders Peirce,

filósofo americano - 1839-4914 -, cuja tese fundamental é de que a idéia que

temos de um objeto qualquer nada mais é senão a soma das idéias de todos os

efeitos imagináveis e atribuídos a nós a esse objeto, que possa ter efeito prático.

Para Peirce a verdade de uma proposição é uma relação totalmente interior à

experiência humana, e o conhecimento é um instrumento a serviço da ação,

tendo o pensamento caráter puramente finalístico. A verdade de uma

proposição consiste no fato de que ela seja útil, tenha alguma espécie de êxito

ou de satisfação. Peirce é o precursor da lógica e criador da semiótica - teoria

dos signos. Com Peirce, prossegue-se o campo de estudo da ciência da

comunicação.

• Neopositivismo - do francês positivisme - neopositivisme - Positivismo lógico -

movimento doutrinário do chamado "Círculo de Viena", fundado por Moritz

Schlick, filósofo alemão - 1882-1945 -, que reuniu os filósofos germânicos

Phillip Franck, Otto Neurath, Rudolf Carnap, Hans Reichen Bach e Ludwig

Wittgenstein, cujas teses são assinaladas pelo caráter cientificista e

expressamente antimetafísico, que associa a tradição empirista ao formalismo

lógico matemático.

A intuição é um modo de conhecimento que completa as demais espécies e modos

de conhecimentos - sensível e racional. A intuição é uma função especial da mente humana

que age pelo pensamento, independentemente da pessoa ser ou não letrada. E um fenômeno

psíquico natural que todos os seres humanos possuem, alguns em maior grau e outros em

menor grau, conforme certas condições - a pajelança, o misticismo e o esoterismo atuam

muito nessa área como forma de conduzir as pessoas.

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É uma forma de conhecimento obtida de maneira muito clara e de forma direta,

sem a intervenção do raciocínio, de uma só vez e não por meio de atos sucessivos. É um

conceito cartesiano, para o qual a intuição é proporcionada pelas idéias claras e distintas que

tornam o critério da verdade inteligível.

Vem do latim - in tuire = ver em, contemplar; intuitus = visão, contemplação;

intuitio = ato de ver, contemplar e corresponde a uma forma de conhecimento direto, uma

forma de visão imediata dos objetos e de suas relações com outros objetos, sem o uso de

raciocínio discursivo ou de base científica.

Para Kant, a Anschauung - visão é uma forma que os seres humanos possuem de

estabelecer relações com o mundo que os cerca. Kant admite na Crítica do juízo estético e

teleológico que a intuição estética possibilitaria a síntese entre o particular e o universal, a

apreensão do absoluto, na forma de intuição sensível e intelectual.

A DIVISÃO DA TEORIA DO CONHECIMENTO

A Teoria do Conhecimento preocupa-se em estudar os problemas fundamentais

do conhecimento e pode ser dividida em três áreas distintas:

1 - GNOSIOLOGIA - do grego gnosis = conhecimento e logos do latim = ciência,

estudo, tratado.

A gnosiologia preocupa-se em estudar a essência do conhecimento, uma forma

de conhecer a realidade, as origens ou fontes do conhecimento, as formas ou espécies da qual

se reveste o conhecimento, a validade do conhecimento em geral, ou seja, a verdade, e qual o

seu critério.

2 - EPISTEMOLOGIA - do grego episteme = ciência.

Estuda a validade do conhecimento científico, das ciências particulares.

3 - METODOLOGIA - do grego método, meta = ao longo de: hodós: via,

caminho, organização do pensamento.

Estuda os meios ou métodos de investigação do pensamento correto e do

pensamento verdadeiro que visa delimitar um determinado problema, analisar e desenvolver

observações, criticá-los e interpretá-los a partir das relações de causa e efeito. Encontrar os

fenômenos que são objetos de estudo, dando-lhes suporte científico para uma monografia

dissertação de mestrado ou tese de doutorado.

A Metodologia divide-se em:

a) Lógica Formal - que estuda os princípios formais do pensamento.

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Estuda o pensamento correto, ou seja, a coerência do pensamento consigo

mesmo.

b) Lógica Dialética - que estuda as condições subjetivas-objetivas do

conhecimento da realidade com o fim de alcançar a verdade objetiva. Analisa o pensamento

verdadeiro, isto é, a correspondência entre pensamento e objeto - a realidade objetiva.

O CONHECIMENTO FILOSÓFICO

A Filosofia - como qualquer outra forma de conhecer - tem por finalidade

geral estabelecer uma forma de compreensão e transformação da realidade. Acompanha

o ser humano desde o momento em que buscou um norte, uma orientação para a sua

prática. E isso, querendo ou não, sempre houve. Os grupamentos humanos, como

conjuntos, ou os indivíduos em particular, não vivem e sobrevivem sem alguma

orientação finalística. Não se vive sem ter algum ideal a ser atingido. A vida é uma

prática para atender a um determinado fim. Até mesmo, de forma inconsciente, somos

orientados por algum encaminhamento filosófico.

Se a Filosofia é um posicionamento crítico, conforme dissemos antes, cabe a

pergunta: como pode, até inconscientemente, a filosofia orientar alguma prática

humana? Ocorre que se não nos dedicamos a pensar, criticamente, a orientação para a

nossa prática, alguém, em algum lugar e situação, estará pensando por nós e, ao mesmo

tempo, decidindo, Neste caso, nós estaremos agindo a-criticamente. orientados por um

pensamento crítico de outros. Ou seja, submissos às decisões de outros. Normalmente,

estaremos sendo submissos às decisões dos poderes oficiais sobre as orientações que

devem nortear a vida social.

A Filosofia é, então, uma forma de conhecimento pela qual o ser humano

toma consciência de si, do sentido da sua história, do significado do projeto do futuro.

A ação consciente não se dá ao léu. Mas sim a partir dos pressupostos que

estabelecemos. Criamos pressupostos para a educação, para a ciência, para a política,

para a economia, para a arte etc. A Filosofia, pois, tem um campo próprio de reflexão

que não pertence a nenhum outro tipo de conhecimento. Seu objeto de reflexão são os

princípios norteadores de nossas ações. São as orientações que pautam o nosso exercício

nos diversos setores da prática humana.

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Page 15: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A título de exemplo, podemos citar a prática educacional. Ela não é, por

essência, uma prática neutra, isenta de uma orientação finalística. Poderá ocorrer - e

realmente ocorre - que professores desenvolvam o seu exercício profissional (dêem aulas,

orientem seus alunos etc.) como se estivessem fazendo alguma coisa neutra, sem

implicações filosóficas. Fazem-no desta forma, ingenuamente, desde que não estão

conscientes dos princípios filosóficos que orientam a sua prática, estarão agindo,

obrigatoriamente, por valores definidos e divulgados por outros (normalmente os

poderes constituídos) e assumidos a-criticamente. É a questão dos valores inconscientes

que orientam a ação.

O mesmo ocorre na prática moral - e em outras práticas humanas. Ou nos

conscientizamos dos valores pelos quais exercitamos nossos atos morais em sociedade ou

estaremos exercitando-os em função de decisões alheias, alienando nosso poder de

decisão e nossa consciência. A título de exemplo, podemos lembrar o consumismo, que é

o princípio norteador da sociedade capitalista na qual vivemos. "Produzir mais, para

vender mais e consumir mais", eis o lema moral de nossa sociedade. Ter, ter, ter... Nossa

prática tem sido orientada por este princípio, ainda que, na maior parte das vezes, sem

nossa aquiescência consciente.

Aqui a Filosofia se manifesta com um “tribunal de razão", um tribunal crítico

de julgamento dos valores que norteiam a prática social. A Filosofia é, em primeiro

lugar, uma reflexão crítica, por isso, traz para diante de si os valores de uma sociedade e

os analisa, buscando o seu sentido mais abrangente, a sua raiz, o seu fundamento. Ela se

pergunta qual é o significado de tal fenômeno ou situação, e porque é este e não outro

significado. Neste processo, ela criva os valores vigentes numa sociedade, confirmando

sua validade; negando-os, se for o caso, e reconstruindo-os, a seguir. Reconstrução, sim,

mas numa perspectiva nova, tentando sistematizar os anseios e desejos do grupamento

humano dentro do qual ela está sendo praticada.

A Filosofia é a detectadora crítica das aspirações do grupamento humano a

que serve, sistematizando-os lógica e coerentemente. Descobre os anseios no "fluído" da

vivência humana e os explicita de tal forma que serve de denúncia dos desvios existentes

e de anúncio do mundo que deve ser construído. Essa explicitação vai servir de

pressuposto para a ação subseqüente. Os valores que não servem mais são criticados e

descartados e novos valores são compostos, pois que nenhuma sociedade vive sem um

rumo que a norteie.

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Page 16: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A reflexão filosófica é, assim, uma reflexão situada que julga criticamente os

valores vigentes, propondo outros. Deste modo, ela nasce da história; sob a sua

influência, contudo, também a condiciona. É fruto de um tempo e um espaço definidos,

mas, desde que estabelecida, oferece, também, limites a contornos ao processo histórico

futuro.

O leigo em termos de filosofia profissional os cientistas era geral, os filósofos

profissionais, todos podem e devem exercitar esta meditação fundamental, que,

criticamente, estabelece os pressupostos do viver e do sobreviver em sociedade. O

homem da rua, os cientistas em seu labor cultural, os filósofos profissionais em seu

esforço de sistematização das aspirações do povo, todos, ao mesmo tempo, e cada um,

por seu turno, cooperam para a explicitação de uma concepção geral do mundo, da qual

deve decorrer uma forma de agir. Todos têm esta obrigação e compromisso, pois que

dela depende não só a contemplação do mundo, mas também a sua transformação.

O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Diversamente da Filosofia que se propõe como um tribunal de desvendamento

e julgamento dos valores de uma sociedade, a ciência tem por objetivo estudar e

esclarecer as ocorrências do universo enquanto acontecimentos factuais. O

conhecimento científico ocupa-se dos fenômenos da natureza (físicos, biológicos,

químicos...), dos objetos ideais (lógicos e matemáticos) e dos fenômenos culturais

(relações sociais, processos históricos, produção cultural etc.). São estes os três campos

do conhecimento científico, definidos teoricamente: ciências empírico-formais (Física,

Química, Biológica etc.), ciências formais (Lógica e Matemática), ciências hermenêuticas

(Sociologia, História, Etnologia etc.). O objeto de tratamento, pois, da Filosofia e da

ciência são diversos. Daí os seus campos e seus modos de abordar e produzir o

conhecimento serem diferentes.

O conhecimento científico nos é funcional para o desvendamento das

ocorrências factuais do universo. Ele nos oferece uma luz, um esclarecimento sobre os

meandros, aparentemente caóticos, presentes na multiplicidade das coisas. Com o

conhecimento científico adquirimos um instrumento de sobrevivência, pois através dele

obtemos uma forma de agir mais adequada e eficiente.

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Page 17: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Como no âmbito da Filosofia, para a produção do conhecimento científico é

preciso um detour, um rodeio metodológico. O conhecimento científico não ocorre

espontaneamente, mas a partir de um certo esforço organizado e seqüente na busca de

um entendimento do mundo que não se apresenta, de imediato, na aparência das coisas.

Como acontece o entendimento das ocorrências factuais do universo? Ele se

processa através da suposição de um modelo de funcionamento da realidade. O

conhecimento científico está baseado na suposição de que é possível encontrar uma

"ordem" no mundo dos fatos, aparentemente, caóticos. Um modelo que coloque cada

coisa no seu lugar e nos dê o esclarecimento sobre o "bom" ou "mau" funcionamento

que observamos.

É a partir de um modelo, de uma "ordem" suposta que fazemos previsões

possíveis de seu modo de ser, de seu sentido, de sua inteligibilidade. Sem isto, não há

como encontrar o "fio de meada" que nos conduza ao objetivo que temos. A

inteligibilidade é o "salto" que damos, para além dos contornos observados e descritos,

tendo como suporte básico o modelo de entendimento. O cientista, quando questiona a

realidade, quase sempre sabe que sua hipótese vai se verificar como verdadeira, pois que

ela é plausível dentro da "ordem" de entendimento que possui.

Não foi exatamente isto que quis dizer Kant - o sintetizador do espírito da

ciência no Século XVIII?

Quando Galileu fez com que esferas, de pesos previamente determinados, rolassem em plano inclinado; quando Torricelli atribuiu ao ar um peso que, segundo seus cálculos, era igual ao peso de uma coluna de água definida; ou quando, mais recentemente, Sthal transformou metais em cal e este, por sua vez, em metais, subtraindo-lhe ou devolvendo-lhe algo, uma luz raiou para todos os pesquisadores de física. Eles compreenderam que a razão só pode compreender aquilo que ela mesma elaborou, segundo um plano prévio. A razão deve ir à frente, com os princípios que regem o seu raciocínio, obrigando a natureza a dar respostas ao que ela mesma propôs. Observações acidentais, feitas sem nenhum plano prévio, não podem produzir uma lei, uma conexão necessária, que é aquilo que a razão busca e necessita. A razão, deste modo, será instruída pela natureza não como o aluno que ouve tudo aquilo que o mestre quis dizer, mas como um juiz que obriga as testemunhas a responder as perguntas que faz. (KANT, 1950)

E Kant completa este pensamento, dizendo: a Ciência da natureza, através

disso (da utilização de planos prévios), foi posta no caminho seguro de uma ciência, já que

muitos séculos nada mais havia sido que um simples tatear". (KANT, 1950)

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Page 18: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Temos claro, então, que o conhecimento científico tem por finalidade

esclarecer as ocorrências da realidade. Mais: isso se dá a partir da utilização de um

modelo, uma matriz de análise da realidade, reconhecida ou suposta. Contudo, que

passos específicos temos que dar para processar a produção desse entendimento? No que

se segue, vamos tentar detalhar este caminho metodológico.

O conhecimento científico que produzimos se transforma em lei científica, ou

seja, um conhecimento certo que possibilita previsões do comportamento da realidade.

E, assim sendo, o conhecimento científico propicia uma ação muito mais eficaz, pois que

é previsível o que pode acontecer com a realidade e que ações podemos intencionalmente

exercitar sobre ela, tendo conhecimento dos, resultados que ela poderá manifestar.

A exemplo, sabemos que do Século XVI para cá, em todos os laboratórios do

mundo, este esquema metodológico vem sendo utilizado e aperfeiçoado. Contudo,

também fora das instituições o homem continuou a produzir o seu entendimento das

ocorrências factuais do universo, por vezes, com suficiente rigor. E, antes do

aparecimento do dito método experimental, como o ser humano produzia o seu

entendimento da realidade? Cremos que desta mesma forma, desde que este é um

mecanismo lógico do pensamento formalizado. Desde a Antigüidade, temos menções do

conhecimento das ocorrências deste mundo, ainda que, às vezes, de forma pejorativa.

Parmênides, entre os gregos pré-socráticos, falava do conhecimento das coisas mutáveis;

Platão, falava do conhecimento das coisas que são "sombras" da verdadeira realidade;

Aristóteles falou do conhecimento das coisas sensíveis. Como isso ocorria? Por este

mesmo detour, contudo sem admitir que o conhecimento das ocorrências da realidade

tivesse a primazia que tem hoje, tão-somente por questões históricas.

A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E AS CONTRIBUIÇÕES DOS FILOSOFOS

1. A filosofia é a ciência, conhecimento das coisas pelas causas, pelas razões: a

saber, como ciência, nos diz que a coisa conhecida não só é assim, como nos aparece, mas

tem de ser necessariamente assim. E distingue-se do saber vulgar, da opinião, que nos diz que

as coisas conhecidas estão de uma determinada maneira, mas não dá a opinião, não ser estável

e segura, mesmo quando verdadeira. A filosofia, portanto, ainda que coincida, materialmente,

com o assim chamado bom senso comum – que pertence à opinião – dele formal e

essencialmente se diferencia, isto é pela sua certeza absoluta.

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Page 19: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Em Platão a filosofia tem um fim prático, moral; é a grande ciência que resolve o

problema da vida. Este fim prático realiza-se, no entanto, intelectualmente, através da

especulação, do conhecimento da ciência. Mas - diversamente de Sócrates, que limitava a

pesquisa filosófica, conceptual, ao campo antropológico e moral - Platão estende tal

indagação ao campo metafísico e cosmológico, isto é, a toda a realidade.

O mito e a poesia confundem-se muitas vezes com os elementos puramente

racionais do sistema. Faltam-lhe ainda o rigor, a precisão, o método, a terminologia científica

que tanto caracterizam os escritos do sábio estagirita.

2. Discípulo de Xenófanes, é metafísico, talvez o mais profundo dos filósofos pré-

socráticos. Distingue duas ordens opostas de conhecimento: a sensitiva que nos leva à

“opinião”, enganadora e ilusória, e a intelectual, fundada na evidência dialética, que nos

conduz “à verdade”. Os sentidos percebem o mutável, o múltiplo, o contingente; a razão vê no

fundo de todas as coisas uma realidade única – o ente. Ora, o ente, não podendo vir do não

ente “ex nihilo nihil”, é uno, eterno, ingênito, imóvel, indivisível, imutável, homogêneo,

contínuo e esférico (esfera, figura perfeita). O mundo fenomenal não passa de uma ilusão.

Na sua cosmologia do aparente, ensina Parmênides que todas as coisas são

compostas de dois princípios – luz e trevas, calor e frio, isto é, de fogo e terra.

Além do defeito comum a todos os aprioristas de rejeitar a evidência experimental,

confunde Parmênides a ordem lógica com a ontológica, transportando os atributos

provenientes do estado de abstração de uma idéia à realidade por ela representada. Alteando-

se, porém, na esfera do inteligível até à idéia de ser, eleva-se muito acima de seus

predecessores e aplaina o caminho a uma metafísica mais segura.

3. O sistema metafísico de Platão centraliza-se e culmina no mundo divino das

idéias; e estas contrapõe-se a matéria obscura e incriada. Entre as idéias e a matéria estão o

Demiurgo e as almas, através de que desce das idéias à matéria aquilo de racionalidade que

nesta matéria aparece.

O divino platônico é representado pelo mundo das idéias e especialmente pela

idéia do Bem, que está no vértice. A existência desse mundo ideal seria provada pela

necessidade de estabelecer uma base ontológica, um objeto adequado ao conhecimento

conceptual. Esse conhecimento, aliás, se impõe ao lado e acima do conhecimento sensível,

para poder explicar verdadeiramente o conhecimento humano na sua efetiva realidade. E, em

geral, o mundo ideal é provado pela necessidade de justificar os valores, o dever ser, de que

este nosso mundo imperfeito participa e a que aspira.

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Page 20: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A Metafísica famosa, em catorze livros. É uma compilação feita depois da morte

de Aristóteles mediante seus apontamentos manuscritos, referentes à metafísica geral e à

teologia. O nome de metafísica é devido ao lugar que ela ocupa na coleção de Andrônico, que

a colocou depois da física.

A metafísica epicurista é rigorosamente materialista: quer dizer, resolve-se numa

física. Epicuro concebe os elementos últimos constitutivos da realidade como corpúsculos

inúmeros, eternos, imutáveis, invisíveis, homogêneos, indivisíveis, homogêneos, indivisíveis

(átomos), iguais qualitativamente e diversos quantitativamente – no tamanho, na figura, no

peso. Também segundo Epicuro, os átomos estão no espaço vazio, infinito, indispensável para

que seja possível o movimento e, conseqüentemente, a origem e a variedade das coisas.

Plotino - A sensação representa o primeiro grau do conhecimento humano, onde se

manifestam obscuros vestígios da verdade. Paira acima da sensibilidade, a razão, que atinge

as essências das coisas, mas é abstrata e mediata. À razão segue-se o intelecto, conhecimento

do espírito pensante, autoconsciência, intuitiva e imediata. O conhecimento humano termina

no êxtase, que é o último grau de conhecimento e identificação do espírito humano com o

Uno, Deus, aniquilamento da consciência humana na inconsciência divina.

Em relação com esta gnosiologia, e dependente dela, a existência de Deus é

provada, fundamentalmente, a priori, enquanto no espírito humano haveria uma presença

particular de Deus. Ao lado desta prova a priori, não nega Agostinho as provas a posteriori

da existência de Deus, em especial a que se afirma sobre a mudança e a imperfeição de todas

as coisas. Quanto à natureza de Deus, Agostinho possui uma noção exata, ortodoxa, cristã:

Deus é poder racional infinito, eterno, imutável, simples, espírito, pessoa, consciência, o que

era excluído pelo platonismo.

A metafísica tomista pode-se dividir em geral e especial. A metafísica geral - ou

ontologia - tem como objeto o ser em geral e as atribuições e leis relativas. A metafísica

especial estuda o ser em suas grandes especificações: Deus, o espírito, o mundo. Daí temos a

teologia racional - assim chamada, para distingui-la da teologia revelada; a psicologia

racional (racional, porquanto é filosofia e se deve distinguir da moderna psicologia empírica,

que é ciência experimental); a cosmologia ou filosofia da natureza (que estuda a natureza em

suas causas primeiras, ao passo que a ciência experimental estuda a natureza em suas causas

segundas).

Scot concede, em linha de fato, o empirismo do nosso conhecimento; não admite

em linha de direito, como exige o tomismo. E isso seria devido – segundo o doutor sutil – á

escravidão da alma com respeito ao corpo, decorrente do pecado. Pelo contrário, deveria a

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Page 21: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

alma, por sua natureza, conhecer diretamente as essências, não só as materiais mas também as

espirituais.

4. Quem valorizou a descoberta do homem feita pelos sofistas, orientando-a para

os valores universais, segundo a via real do pensamento grego, foi Sócrates. Nasceu Sócrates

em 470 ou 469 a.C., em Atenas, filho de Sofrônico, escultor, e de Fenáreta, parteira.

Aprendeu a arte paterna, mas dedicou-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, sem

recompensa alguma, não obstante sua pobreza. Desempenhou alguns cargos políticos e foi

sempre modelo irrepreensível de bom cidadão. Combateu a Potidéia, onde salvou a vida de

Alcebíades e em Delium, onde carregou aos ombros a Xenofonte, gravemente ferido. Formou

a sua instrução, sobretudo através da reflexão pessoal, na moldura da alta cultura ateniense da

época, em contato com o que de mais ilustre houve na cidade de Péricles.

Moral. É a parte culminante da sua filosofia. Sócrates ensina a bem pensar para

bem viver. O meio único de alcançar a felicidade ou semelhança com Deus, fim supremo do

homem, é a prática da virtude. A virtude adquiriu-se com a sabedoria ou, antes, com ela se

identifica. Esta doutrina, uma das mais características da moral socrática, é conseqüência

natural do erro psicológico de não distinguir a vontade da inteligência. Conclusão: grandeza

moral e penetração especulativa, virtude e ciência, ignorância e vício são sinônimos. "Se

músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça".

Como Sócrates é o fundador da ciência em geral, mediante a doutrina do conceito,

assim é o fundador, em particular da ciência moral, mediante a doutrina de que eticidade

significa racionalidade, ação racional.

5. O interesse filosófico de Sócrates volta-se para o mundo humano, espiritual,

com finalidades práticas, morais. Como os sofistas, ele é cético a respeito da cosmologia e,

em geral, a respeito da metafísica; trata-se, porém, de um ceticismo de fato, não de direito,

dada a sua revalidação da ciência. A única ciência possível e útil é a ciência da prática, mas

dirigida para os valores universais, não particulares. Vale dizer que o agir humano - bem

como o conhecer humano - se baseia em normas objetivas e transcendentes à experiência. O

fim da filosofia é a moral; no entanto, para realizar o próprio fim, é mister conhecê-lo; para

construir uma ética é necessária uma teoria; no dizer de Sócrates, a gnosiologia deve preceder

logicamente a moral. Mas, se o fim da filosofia é prático, o prático depende, por sua vez,

totalmente, do teorético, no sentido de que o homem tanto opera quanto conhece: virtuoso é o

sábio, malvado, o ignorante. O moralismo socrático é equilibrado pelo mais radical

intelectualismo, racionalismo, que está contra todo voluntarismo, sentimentalismo,

pragmatismo, ativismo.

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Page 22: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

6. Tendo que esperar mais de um mês a morte no cárcere - pois uma lei vedava as

execuções capitais durante a viagem votiva de um navio a Delos - o discípulo Criton preparou

e propôs a fuga ao Mestre. Sócrates, porém, recusou, declarando não querer absolutamente

desobedecer às leis da pátria. E passou o tempo preparando-se para o passo extremo em

palestras espirituais com os amigos. Especialmente famoso é o diálogo sobre a imortalidade

da alma - que se teria realizado pouco antes da morte e foi descrito por Platão no Fédon com

arte incomparável. Suas últimas palavras dirigidas aos discípulos, depois de ter sorvido

tranqüilamente a cicuta, foram: "Devemos um galo a Esculápio".

7. A ciência é objetiva; ao conhecimento certo deve corresponder a realidade. Ora,

de um lado, os nossos conceitos são universais, necessários, imutáveis e eternos (Sócrates),

do outro, tudo no mundo é individual, contingente e transitório (Heráclito). Deve, logo,

existir, além do fenomenal, um outro mundo de realidades, objetivamente dotadas dos

mesmos atributos dos conceitos subjetivos que as representam. Estas realidades chamam-se

Idéias. As idéias não são, pois, no sentido platônico, representações intelectuais, formas

abstratas do pensamento, são realidades objetivas, modelos e arquétipos eternos de que as

coisas visíveis são cópias imperfeitas e fugazes. Assim a idéia de homem é o homem abstrato

perfeito e universal de que os indivíduos humanos são imitações transitórias e defeituosas.

Todas as idéias existem num mundo separado, o mundo dos inteligíveis, situado na

esfera celeste. A certeza da sua existência funda-a Platão na necessidade de salvar o valor

objetivo dos nossos conhecimentos e na importância de explicar os atributos do ente de

Parmênides, sem, com ele, negar a existência do fieri. Tal a célebre teoria das idéias, alma de

toda filosofia platônica, centro em torno do qual gravita todo o seu sistema.

Segundo Platão, o conhecimento humano integral fica nitidamente dividido em

dois graus: o conhecimento sensível, particular, mutável e relativo, e o conhecimento

intelectual, universal, imutável, absoluto, que ilumina o primeiro conhecimento, mas que dele

não se pode derivar. A diferença essencial entre o conhecimento sensível, a opinião

verdadeira e o conhecimento intelectual, racional em geral, está nisto: o conhecimento

sensível, embora verdadeiro, não sabe que o é, donde pode passar indiferentemente o

conhecimento diverso, cair no erro sem o saber; ao passo que o segundo, além de ser um

conhecimento verdadeiro, sabe que o é, não podendo de modo algum ser substituído por um

conhecimento diverso, errôneo. Poder-se-ia também dizer que o primeiro sabe que as coisas

estão assim, sem saber por que o estão, ao passo que o segundo sabe que as coisas devem

estar necessariamente assim como estão, precisamente porque é ciência, isto é, conhecimento

das coisas pelas causas.

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Page 23: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A filosofia, pois, segundo Aristóteles, dividir-se-ia em teorética, prática e poética,

abrangendo, destarte, todo o saber humano, racional. A teorética, por sua vez, divide-se em

física, matemática e filosofia primeira (metafísica e teologia); a filosofia prática divide-se em

ética e política; a poética em estética e técnica. Aristóteles é o criador da lógica, como ciência

especial, sobre a base socrático-platônica; é denominada por ele analítica e representa a

metodologia científica.

8. Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a base socrático-

platônica; é denominada por ele analítica e representa a metodologia científica. O grande

estagirita explorou o mundo do pensamento em todas as suas direções. Pelo elenco dos

principais escritos que dele ainda nos restam, poder-se-á avaliar a sua prodigiosa atividade

literária". A primeira edição completa das obras de Aristóteles é a de Andronico de Rodes pela

metade do último século a.C. substancialmente autêntica, salvo uns apócrifos e umas

interpolações. Aqui classificamos as obras doutrinais de Aristóteles do modo seguinte, tendo

presente a edição de Andronico de Rodes.

9. As idéias terão aquela mesma ordem lógica dos conceitos, que se obtém

mediante a divisão e a classificação, isto é, são ordenadas em sistema hierárquico, estando no

vértice a idéia do Bem, que é papel da dialética (lógica real, ontológica) esclarecer. Como a

multiplicidade dos indivíduos é unificada nas idéias respectivas, assim a multiplicidade das

idéias é unificada na idéia do Bem. Logo, a idéia do Bem, no sistema platônico, é a realidade

suprema, donde dependem todas as demais idéias, e todos os valores (éticos, lógicos e

estéticos) que se manifestam no mundo sensível; é o ser sem o qual não se explica o vir-a-ser.

Portanto, deveria representar o verdadeiro Deus platônico. No entanto, para ser

verdadeiramente tal, falta-lhe a personalidade e a atividade criadora. Desta personalidade e

atividade criadora - ou, melhor, ordenadora - é, pelo contrário, dotado o Demiurgo o qual,

embora superior à matéria, é inferior às idéias, de cujo modelo se serve para ordenar a matéria

e transformar o caos em cosmos.

Trata Aristóteles os problemas lógicos e gnosiológicos no conjunto daqueles

escritos que tomaram mais tarde o nome de Órganon. Limitar-nos-emos mais especialmente

aos problemas gerais da lógica de Aristóteles, porque aí está a sua gnosiologia. Foi dito que,

em geral, a ciência, a filosofia - conforme Aristóteles, bem como segundo Platão - tem como

objeto o universal e o necessário; pois não pode haver ciência em torno do individual e do

contingente, conhecidos sensivelmente. Sob o ponto de vista metafísico, o objeto da ciência

aristotélica é a forma, como idéia era o objeto da ciência platônica. A ciência platônica e

aristotélica são, portanto, ambas objetivas, realistas: tudo que se pode aprender precede a

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Page 24: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

sensação e é independente dela. No sentido estrito, a filosofia aristotélica é dedução do

particular pelo universal, explicação do condicionado mediante a condição, porquanto o

primeiro elemento depende do segundo.

10. O objeto da ciência aristotélica é a forma, como idéia era o objeto da ciência

platônica. A ciência platônica e aristotélica são, portanto, ambas objetivas, realistas: tudo que

se pode aprender precede a sensação e é independente dela. o objeto da ciência aristotélica é a

forma, como idéia era o objeto da ciência platônica. A ciência platônica e aristotélica são,

portanto, ambas objetivas, realistas: tudo que se pode aprender precede a sensação e é

independente dela.

Objeto essencial da lógica aristotélica é precisamente este processo de derivação

ideal, que corresponde a uma derivação real. A lógica aristotélica, portanto, bem como a

platônica, é essencialmente dedutiva, demonstrativa, apodíctica. O seu processo característico,

clássico, é o silogismo. Os elementos primeiros, os princípios supremos, as verdades

evidentes, consoante Platão, são fruto de uma visão imediata, intuição intelectual, em relação

com a sua doutrina do contato imediato da alma com as idéias - reminiscência. Segundo

Aristóteles, entretanto, de cujo sistema é banida toda forma de inatismo, também os elementos

primeiros do conhecimento - conceito e juízos - devem ser, de um modo e de outro, tirados da

experiência, da representação sensível, cuja verdade imediata ele defende, porquanto os

sentidos por si nunca nos enganam. O erro começa de uma falsa elaboração dos dados dos

sentidos: a sensação, como o conceito, é sempre verdadeira.

11. Platão aprofunda-lhe a teoria e procura determinar a relação entre o conceito e

a realidade fazendo deste problema o ponto de partida da sua filosofia.

A ciência é objetiva; ao conhecimento certo deve corresponder a realidade. Ora, de

um lado, os nossos conceitos são universais, necessários, imutáveis e eternos (Sócrates), do

outro, tudo no mundo é individual, contingente e transitório (Heráclito). Deve, logo, existir,

além do fenomenal, um outro mundo de realidades, objetivamente dotadas dos mesmos

atributos dos conceitos subjetivos que as representam. Estas realidades chamam-se Idéias. As

idéias não são, pois, no sentido platônico, representações intelectuais, formas abstratas do

pensamento, são realidades objetivas, modelos e arquétipos eternos de que as coisas visíveis

são cópias imperfeitas e fugazes. Assim a idéia de homem é o homem abstrato perfeito e

universal de que os indivíduos humanos são imitações transitórias e defeituosas.

Todas as idéias existem num mundo separado, o mundo dos inteligíveis, situado na

esfera celeste. A certeza da sua existência funda-a Platão na necessidade de salvar o valor

objetivo dos nossos conhecimentos e na importância de explicar os atributos do ente de

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Page 25: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Parmênides , sem, com ele, negar a existência do fieri. Tal a célebre teoria das idéias, alma de

toda filosofia platônica, centro em torno do qual gravita todo o seu sistema.

12. A metafísica aristolética é a ciência do ser como ser, ou dos princípios e das

causas do ser e dos seus atributos essenciais. Ela abrange ainda o ser imóvel e incorpóreo,

principio dos movimentos e das formas do mundo, bem como o mundo mutável e material,

mas em seus aspectos universais e necessários. Exporemos, portanto, antes de tudo, as

questões gerais da metafísica, para depois chegarmos àquela que foi chamada, mais tarde,

metafísica especial; tem esta como objeto o mundo que vem-a-ser – natureza e homem –

culmina no que não pode vir-a-ser, isto é, Deus. Pode o intelecto vê em a natureza das coisas -

intus legit - mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na

espécie sensível - que representa o objeto material na sua individualidade, temporalidade,

espacialidade, etc., mas sem a matéria - o inteligível, o universal, a essência das coisas é

contida apenas implicitamente, potencialmente. Para que tal inteligível se torne explícito,

atual, é preciso extraí-lo, abstraí-lo, isto é, desindividualizá-lo das condições materiais. Tem-

se, deste modo, a espécie inteligível, representando precisamente o elemento essencial, a

forma universal das coisas. E se reduzir fundamentalmente a quatro as questões gerais da

metafísica aristolética: potência e ato, matéria e forma particular e universal, movido e motor.

A primeira e a última abraçam todo o ser, a segunda e a terceira toda o ser que está presente à

matéria.

13. A doutrina da potência e do ato é fundamental na metafísica aristolética:

potência significa possibilidade, capacidade de ser, não-ser atual; e ato significa realidade,

perfeição, ser efetivo.

O princípio básico da ontologia tomista é a especificação do ser em potência e ato.

Ato significa realidade, perfeição; potência quer dizer não-realidade, imperfeição. Não

significa, porém, irrealidade absoluta, mas imperfeição relativa de mente e capacidade de

conseguir uma determinada perfeição, capacidade de concretizar-se. Tal passagem da

potência ao ato é o vir-a-ser, que depende do ser que é ato puro; este não muda e faz com que

tudo exista e venha-a-ser. Opõe-se ao ato puro a potência pura que, de per si, naturalmente é

irreal, é nada, mas pode tornar-se todas as coisas, e chama-se matéria.

14. As idéias não são, pois, no sentido platônico, representações intelectuais,

formas abstratas do pensamento, são realidades objetivas, modelos e arquétipos eternos de

que as coisas visíveis são cópias imperfeitas e fugazes. Assim a idéia de homem é o homem

abstrato perfeito e universal de que os indivíduos humanos são imitações transitórias e

defeituosas.

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Page 26: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Todas as idéias existem num mundo separado, o mundo dos inteligíveis, situado na

esfera celeste. A certeza da sua existência funda-a Platão na necessidade de salvar o valor

objetivo dos nossos conhecimentos e na importância de explicar os atributos do ente de

Parmênides , sem, com ele, negar a existência do fieri

O objeto da ciência aristotélica é a forma, como idéia era o objeto da ciência

platônica. A ciência platônica e aristotélica é, portanto, ambas objetivas, realistas: tudo que se

pode aprender precede a sensação e é independente dela. No sentido estrito, a filosofia

aristotélica é dedução do particular pelo universal, explicação do condicionado mediante a

condição, porquanto o primeiro elemento depende do segundo.

15. Platão como Sócrates, parte do conhecimento empírico, sensível, da opinião do

vulgo e dos sofistas, para chegar ao conhecimento intelectual, conceptual, universal e

imutável. A gnosiologia platônica, porém, tem o caráter científico, filosófico, que falta a

gnosiologia socrática, ainda que as conclusões sejam, mais ou menos, idênticas. O

conhecimento sensível deve ser superado por um outro conhecimento, o conhecimento

conceptual, porquanto no conhecimento humano, como efetivamente, apresentam-se

elementos que não se podem explicar mediante a sensação. O conhecimento sensível,

particular, mutável e relativo, não pode explicar o conhecimento intelectual, que tem por sua

característica a universalidade, a imutabilidade, o absoluto (do conceito); e ainda menos pode

o conhecimento sensível explicar o dever ser, os valores de beleza, verdade e bondade, que

estão efetivamente presentes no espírito humano, e se distinguem diametralmente de seus

opostos, fealdade, erro e mal-posição e distinção que o sentido não pode operar por si mesmo.

Segundo Platão, o conhecimento humano integral fica nitidamente dividido em

dois graus: o conhecimento sensível, particular, mutável e relativo, e o conhecimento

intelectual, universal, imutável, absoluto, que ilumina o primeiro conhecimento, mas que dele

não se pode derivar. A diferença essencial entre o conhecimento sensível, a opinião

verdadeira e o conhecimento intelectual, racional em geral, está nisto: o conhecimento

sensível, embora verdadeiro, não sabe que o é, donde pode passar indiferentemente o

conhecimento diverso, cair no erro sem o saber; ao passo que o segundo, além de ser um

conhecimento verdadeiro, sabe que o é, não podendo de modo algum ser substituído por um

conhecimento diverso, errôneo. Poder-se-ia também dizer que o primeiro sabe que as coisas

estão assim, sem saber porque o estão, ao passo que o segundo sabe que as coisas devem estar

necessariamente assim como estão, precisamente porque é ciência, isto é, conhecimento das

coisas pelas causas.

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Page 27: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Quanto aos elementos primeiros do conhecimento racional, a saber, os conceitos, a

coisa parece simples: a indução nada mais é que a abstração do conceito, do inteligível, da

representação sensível, isto é, a "desindividualização" do universal do particular, em que o

universal é imanente. A formação do conceito é, a posteriori, tirada da experiência. Quanto ao

juízo, entretanto, em que unicamente temos ou não temos a verdade, e que é o elemento

constitutivo da ciência, a coisa parece mais complicada. Como é que se formam os princípios

da demonstração, os juízos imediatamente evidentes, donde temos a ciência? Aristóteles

reconhece que é impossível uma indução completa, isto é, uma resenha de todos os casos os

fenômenos particulares para poder tirar com certeza absoluta lei universal abrangendo todas

as essências. Então só resta possível uma indução incompleta, mas certíssima, no sentido de

que os elementos do juízo os conceitos são tirados da experiência, a posteriori, seu nexo,

porém, é a priori, analítico, colhido imediatamente pelo intelecto humano mediante a sua

evidência, necessidade objetiva.

O conhecimento humano tem dois momentos, sensível e intelectual, e o segundo

pressupõe o primeiro. O conhecimento sensível do objeto, que está fora de nós, realiza-se

mediante a assim chamada espécie sensível. Esta é a impressão, a imagem, a forma do objeto

material na alma, isto é, o objeto sem a matéria: como a impressão do sinete na cera, sem a

materialidade do sinete; a cor do ouro percebido pelo olho, sem a materialidade do ouro.

Todos os conhecimentos sensíveis são evidentes, intuitivos, e, por conseqüência,

todos os conhecimentos sensíveis são, por si, verdadeiros. Os chamados erros dos sentidos

nada mais são que falsas interpretações dos dados sensíveis, devidas ao intelecto. Pelo

contrário, no campo intelectual, poucos são os nossos conhecimentos evidentes. São

certamente evidentes os princípios primeiros (identidade, contradição, etc.). Os

conhecimentos não evidentes são reconduzidos à evidência mediante a demonstração, como já

dissemos. É neste processo demonstrativo que se pode insinuar o erro, consistindo em uma

falsa passagem na demonstração, e levando, destarte, à discrepância entre o intelecto e as

coisas.

Embora desvalorizando, platonicamente, o conhecimento sensível em relação ao

conhecimento intelectual, admite Agostinho que os sentidos, como o intelecto, são fontes de

conhecimento. E como para a visão sensível além do olho e da coisa, é necessária a luz física,

do mesmo modo, para o conhecimento intelectual, seria necessária uma luz espiritual. Esta

vem de Deus, é a Verdade de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias

platônicas. No Verbo de Deus existem as verdades eternas, as idéias, as espécies, os

princípios formais das coisas, e são os modelos dos seres criados; e conhecemos as verdades

27

Page 28: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

eternas e as idéias das coisas reais por meio da luz intelectual a nós participada pelo Verbo de

Deus. Como se vê, é a transformação do inatismo, da reminiscência platônica, em sentido

teísta e cristão. Permanece, porém, a característica fundamental, que distingue a gnosiologia

platônica da aristotélica e tomista, pois, segundo a gnosiologia platônica-agostiniana, não

bastam, para que se realize o conhecimento intelectual humano, as forças naturais do espírito,

mas é mister uma particular e direta iluminação de Deus.

16. Compreende-se que este ceticismo importa na ruína da ciência, como valor

objetivo e universal. À ciência - que se impõe objetivamente ao intelecto humano e, pela sua

universalidade, é naturalmente comunicável – substituem os sofistas a retórica, isto é, a arte

de disputar, para ganhar os homens à própria idéia, aos próximos interesses, não como meios

e motivos racionais, pois não existem, mas palavras, o que vulgarmente se chama sofisma. O

ceticismo critica o conhecimento sensível, bem como o intelectual, e também a opinião. A

primeira escola cética serve-se, geralmente, do relativismo sofista; a segunda afirma-se de

modo original graças a Carnéades; a terceira, de tendência pirroniana, faz uso da dialética

eleática, da tese e da antítese.

17. Dá ao conhecimento racional, conceptual, científico, uma base real, um objeto

próprio: as idéias eternas e universais, que são os conceitos, ou alguns conceitos da mente,

personalizados. Do mesmo modo, dá ao conhecimento empírico, sensível, à opinião

verdadeira, uma base e um fundamento reais, um objeto próprio: as coisas particulares e

mutáveis, como as concebiam Heráclito e os sofistas. Deste mundo material e contingente,

portanto, não há ciência, devido à sua natureza inferior, mas apenas é possível no máximo, um

conhecimento sensível verdadeiro - opinião verdadeira - que é precisamente o conhecimento

adequado à sua natureza inferior. Pode haver conhecimento apenas do mundo imaterial e

racional das idéias pela sua natureza superior. Este mundo ideal, racional - no dizer de Platão

- transcende inteiramente o mundo empírico, material, em que vivemos. Sua vasta obra

filosófica constitui um verdadeiro sistema, uma verdadeira síntese. Todas as partes se

compõem, se correspondem, se confirmam. Os estóicos, todavia, fornecer alguma base à sua

ética do dever, e dar uma explicação à razão, que se manifesta no mundo, em especial no

homem, incoerentemente declaram racional o fogo – substância metafísica da realidade-,

atribuem-lhe arbitrariamente os atributos divinos da sabedoria e da providência, imaginam-

nos como espírito ordenador, razão da vida, fazendo emergir todas as qualidades da matéria,

como o sol faz brotar da semente a planta, segundo uma ordem teleológica.

18. Admite Agostinho que os sentidos, como o intelecto, são fontes de

conhecimento. E como para a visão sensível além do olho e da coisa, é necessária a luz física,

28

Page 29: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

do mesmo modo, para o conhecimento intelectual, seria necessária uma luz espiritual. Esta

vem de Deus, é a Verdade de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias

platônicas. No Verbo de Deus existem as verdades eternas, as idéias, as espécies, os

princípios formais das coisas, e são os modelos dos seres criados; e conhecemos as verdades

eternas e as idéias das coisas reais por meio da luz intelectual a nós participada pelo Verbo de

Deus. Como se vê, é a transformação do inatismo, da reminiscência platônica, em sentido

teísta e cristão. Permanece, porém, a característica fundamental, que distingue a gnosiologia

platônica da aristotélica e tomista, pois, segundo a gnosiologia platônica-agostiniana, não

bastam, para que se realize o conhecimento intelectual humano, as forças naturais do espírito,

mas é mister uma particular e direta iluminação de Deus.

19. Heráclito opõe-lhe a mutabilidade de todas as coisas, tudo se acha em perpétuo

fluxo, a realidade está sujeita a um vir-a-ser contínuo. E como de todos os elementos, o móvel

por excelência é o fogo, do fogo fez Heráclito o princípio fundamental de todas as coisas. É

ainda a preocupação dos antigos jônicos de determinar um elemento único, como origem

comum de todos os seres. O fogo é dotado de um princípio interno de atividade, em virtude do

qual se move continuamente, constituindo cada um dos estádios do seu perpétuo fluxo um

fenômeno natural. O mundo teve origem deste fogo primitivo que se identifica com a

divindade. Por um processo de “extinção” transformou-se em água e depois em terra. Por um

novo processo de “ascensão” a terra volta a ser água e a água torna a fogo. Assim a “luta”

separa os elementos, e a “concórdia” tende a reconduzi-los ao fogo donde provieram. Nestas

vicissitudes em que a luta vai demolindo o trabalho da concórdia, o triunfo final caberá à

concórdia. Mas então intervirá a divindade, construindo um novo mundo em que as duas

forças antagonistas entrarão de novo em ação.

O mundo, pois, está entre o ser (idéia) e o não-ser (matéria), e é o devir ordenado,

como o adequado conhecimento sensível está entre o saber e o não-saber, e é a opinião

verdadeira. Conforme a cosmologia pampsiquista platônica, haveria, antes de tudo, uma alma

do mundo e, depois, partes da alma, dependentes e inferiores, a saber, as almas dos astros, dos

homens, etc.

O dualismo dos elementos constitutivos do mundo material resulta do ser e do

não-ser, da ordem e da desordem, do bem e do mal, que aparecem no mundo. Da idéia - ser,

verdade, bondade, beleza - depende tudo quanto há de positivo, de racional no vir-a-ser da

experiência. Da matéria - indeterminada, informe, mutável, irracional, passiva, espacial -

depende, ao contrário, tudo que há de negativo na experiência.

29

Page 30: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A doutrina agostiniana a respeito do mal, diremos: o mal é, fundamentalmente,

privação de bem (de ser); este bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido (mal

físico e moral) a uma determinada natureza; se o bem é devido nasce o verdadeiro problema

do mal; a solução deste problema é estética para o mal físico, moral (pecado original e

Redenção) para o mal moral (e físico).

20. A existência desse mundo ideal seria provada pela necessidade de estabelecer

uma base ontológica, um objeto adequado ao conhecimento conceptual. Esse conhecimento,

aliás, se impõe ao lado e acima do conhecimento sensível, para poder explicar

verdadeiramente o conhecimento humano na sua efetiva realidade. E, em geral, o mundo ideal

é provado pela necessidade de justificar os valores, o dever ser, de que este nosso mundo

imperfeito participa e a que aspira.

Visto serem as idéias conceitos personalizados, transferidos da ordem lógica à

ontológica, terão conseqüentemente as características dos próprios conceitos: transcenderão a

experiência, serão universais, imutáveis. Além disso, as idéias terão aquela mesma ordem

lógica dos conceitos, que se obtém mediante a divisão e a classificação, isto é, são ordenadas

em sistema hierárquico, estando no vértice a idéia do Bem, que é papel da dialética (lógica

real, ontológica) esclarecer. Como a multiplicidade dos indivíduos é unificada nas idéias

respectivas, assim a multiplicidade das idéias é unificada na idéia do Bem. Logo, a idéia do

Bem, no sistema platônico, é a realidade suprema, donde dependem todas as demais idéias, e

todos os valores (éticos, lógicos e estéticos) que se manifestam no mundo sensível; é o ser

sem o qual não se explica o vir-a-ser. Portanto, deveria representar o verdadeiro Deus

platônico. No entanto, para ser verdadeiramente tal, falta-lhe a personalidade e a atividade

criadora.

O objeto próprio da filosofia, em que está a solução do seu problema, são as

essências imutáveis e a razão última das coisas, isto é, o universal e o necessário, as formas e

suas relações. Entretanto, as formas são imanentes na experiência, nos indivíduos, de que

constituem a essência. A filosofia aristotélica é, portanto, conceptual como a de Platão mas

parte da experiência; é dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é tirado - mediante o

intelecto da experiência. A filosofia, pois, segundo Aristóteles, dividir-se-ia em teorética,

prática e poética, abrangendo, destarte, todo o saber humano, racional.

Boécio, na sua desventura, procura a paz, e a filosofia consola-o mostrando-lhe

como ele pode achar a tranqüilidade. Inspira-se, pelo pensamento e pela forma, no

neoplatonismo, não sem vestígios peripatéticos e estóicos.

30

Page 31: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

O intelecto vê em a natureza das coisas - intus legit - mais profundamente do que

os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Na espécie sensível - que representa o

objeto material na sua individualidade, temporalidade, espacialidade, etc., mas sem a matéria -

o inteligível, o universal, a essência das coisas é contida apenas implicitamente,

potencialmente. Para que tal inteligível se torne explícito, atual, é preciso extraí-lo, abstraí-lo,

isto é, desindividualizá-lo das condições materiais. Tem-se, deste modo, a espécie inteligível,

representando precisamente o elemento essencial, a forma universal das coisas.

21. Segundo a psicologia platônica, a natureza do homem é racional, e, por

conseqüência, na razão realiza o homem a sua humanidade: a ação racional realiza o sumo

bem, que é, ao mesmo tempo, felicidade e virtude. Entretanto, esta natureza racional do

homem encontra no corpo: o intelecto encontra um obstáculo – que Platão explica mediante

um dualismo filosófico-religioso de alma e corpo: o intelecto encontra um obstáculo nos

sentidos, a vontade no impulso, e assim por diante. Então a realização da natureza humana

não consiste em uma disciplina racional da sensibilidade, mas na sua final supressão, na

separação da alma do corpo, na morte. Agir moralmente é agir racionalmente, e agir

racionalmente é filosofar, e filosofar é suprimir o sensível, morrer aos sentidos, ao corpo, ao

mundo, para o espírito, o inteligível, a idéia. Ser a razão a essência característica do homem,

realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente e sendo disto consciente. E assim consegue a

felicidade mediante a virtude, que é precisamente uma atividade conforme à razão, isto é uma

atividade que pressupõe o conhecimento racional. Logo, o fim do homem é a felicidade, a que

é necessária a virtude, e a esta é necessária a razão.

A característica fundamental da moral aristotélica é, portanto, o racionalismo, visto

ser a virtude ação consciente segundo a razão, que exige o conhecimento absoluto, metafísico,

da natureza e do universo, natureza segundo a qual na qual o homem deve operar. No

pensamento dos estóicos, o fim supremo, o único bem do homem, não é o prazer, felicidade,

mas a virtude; não concebida como necessária condição para alcançar a felicidade, e sim

como sendo ela própria um bem imediato. Com o desenvolvimento do estoicismo, todavia, a

virtude acaba por se tornar meio para a felicidade da tranqüilidade, da serenidade, que nasce

da virtude negativa da apatia, da indiferença universal. A felicidade do homem virtuoso é a

libertação de toda perturbação, a tranqüilidade da alma, a independência interior, a autarquia.

A moral epicurista é uma moral hedonista. O fim supremo da vida é o prazer sensível: critério

único de moralidade é o sentimento.

O único bem é o prazer, como o único mal é a dor; nenhum prazer deve ser

recusado, a não ser por causa de conseqüência dolorosas, e nenhum sofrimento dever ser

31

Page 32: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

aceito, a não ser em vista de um prazer, ou de um sofrimento menor. No epicurismo não se

trata, portanto, do prazer imediato, como é desejado pelo homem vulgar; trata-se do prazer

imediato, como pelo homem vulgar; trata-se do prazer mediato, refletido, avaliado pela razão,

escolhido prudentemente, sabiamente, filosoficamente. Depois da descida a emanação das

coisas do Uno – há a subida, a conversão do mundo para Deus. Efetua-se ela através do

homem, microcosmo, compêndio do universo. Nisto consiste a moral plotiniana, radicalmente

ascética: libertação, purificação da matéria, do corpo, do sentido. Os graus dessa libertação

são representados, em linha ascendente, pelas virtudes ética, dianoéticas – arte e filosofia-,

culminando no êxtase. Entretanto a vontade é livre, e pode querer o mal, pois é um ser

limitado, podendo agir desordenadamente, imoralmente, contra a vontade de Deus. E deve-se

considerar não causa eficiente, mas deficiente da sua ação viciosa, porquanto o mal não tem

realidade metafísica. O pecado, pois, tem em si mesmo imanente a pena da sua desordem,

porquanto a criatura, não podendo lesar a Deus, prejudica a si mesma, determinando a

dilaceração da sua natureza. A fórmula agostiniana em torno da liberdade em Adão - antes do

pecado original - é: poder não pecar; depois do pecado original é: não poder não pecar; nos

bem-aventurados será: não poder pecar. A vontade humana, portanto, já é impotente sem a

graça.

INTRODUÇÃO

A abordagem sobre a Ciência do Direito busca emergir dentro das concepções sobre

as Escolas Cientificas, a Ciência Pragmática do Direito e o Empirismo jurídico, onde nessa

interatividade do pensamento a intencionalidade é entender o discurso na sua totalidade.

As intervenções oriundas de cada tópico estão empreendidas de uma seqüência

lógica que envolve um delineamento sistematizado em cada momento que teve a sua

prevalência, onde os teóricos defendem os seus pensamentos academicistas enquanto outros

defendem idéias opostas ao pensamento vigente sobre as escolas que estão constituídas.

Para ter uma noção precisa desse contexto, é possível mencionar que todas essas

engrenagens de informações estão inseridas de forma concisa e contundente.

O DIREITO E A CIÊNCIA

Direito Positivo é o conjunto de normas jurídicas válidas num determinado país. A

compreensão desta definição requer a análise particularizada das expressões norma jurídica e

validade.

32

Page 33: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Norma jurídica é uma mensagem deôntica (dever ser) com sentido completo, ou

seja, só há falar em norma jurídica quando presente a seguinte situação: ocorrido o fato F, se

instaura a relação R entre duas ou mais pessoas. Através desta estrutura a norma jurídica,

veiculada por meio de lei (instrumento introdutório do sistema jurídico), impõe um

determinismo artificial. Por outro giro, modifica a realidade regulando as condutas

intersubjetivas (os problemas intra-subjetivos transbordam a seara do Direito), estabelecendo

um dever ser.

No mesmo diapasão, é de bom alvitre se ressaltar que a norma jurídica só cumpre

as vicissitudes de sua existência, desencadeando efeitos jurídicos, dado sua natureza

hipotética condicional, quando ocorre, no mundo fenomênico, os fatos descritos em sua

hipótese de incidência, verificando-se, então, o fenômeno da subsunção.

A validade da norma jurídica, por sua vez, a nosso ver, é corolário de sua relação

de pertinência com o sistema; o que ocorre quando produzida por órgão com legitimidade,

segundo procedimento previamente estabelecido e sobrevivendo ao confronto com normas

jurídicas que lhe são hierarquicamente superiores.

A Ciência do Direito, por outro lado, constitui estudo realizado acerca do Direito

Positivo. O cientista do direito se debruça sobre o plexo de normas jurídicas válidas (Direito

Positivo), descrevendo-as.

O Direito Positivo lança mão de uma linguagem prescritiva (prescreve condutas

intersubjetivas), a linguagem da Ciência do Direito é descritiva (descreve as normas

jurídicas).

O Direito Positivo admite contradições e lacunas, criando, ele próprio,

mecanismos para superá-las. Já a Ciência do Direito não convive com proposições

contraditórias, as quais, se ocorrerem, solapam o sistema científico.

Há outras distinções, entretanto, acreditamos que as ora apresentadas já são

suficientes para deixar bastante nítida a dissonância entre as duas realidades.

CONSIDERAÇÕES MÍNIMAS SOBRE DIREITO

Os juristas práticos, em geral, dão pouco valor às considerações filosóficas do

direito. Preocupam-se, mais e mais, em vencer suas causas, enclausurando-se no tecnicismo

jurídico. Em geral, rejeitam e reprovam os conhecimentos filosóficos, que consideram um

conhecimento inútil ou que serve apenas para boas conversas em salão. Porém, essa é uma

visão equivocada e ingênua. Neste início de novo século, estamos presenciando que, o

33

Page 34: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

sucesso profissional somente será acompanhado pelo conhecimento em profundidade sobre a

ciência e, neste sentido, não há saber científico, sem filosofia.

Precisamos iniciar nossas considerações citando Kafka (1995, p. 230-232):

(...) Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo dirige-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde. ‘"É possível", diz o porteiro, "mas agora não". Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta, e o porteiro se posta ao lado, o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz: "Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala, porém, existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem sempre eu posso suportar a visão do terceiro". O Homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e cansa o porteiro com os seus pedidos. Muitas vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que costumam fazer grandes senhores, e no final repete-lhe que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que se havia equipado bem para a viagem, lança mão de tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre dizendo: Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer alguma coisa".

Durante todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil, e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente, sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam. Contudo, agora reconhece no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem. "O que é que você ainda quer saber?", pergunta o porteiro, " você é insaciável". "Todos aspiram a lei", diz o homem, "como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?" O porteiro percebe que o homem está no fim, e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: "Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a".

A Filosofia do Direito, portanto, indaga o direito sob os aspectos ontológicos

(conceito de direito), epistemológicos (conhecimento do direito e lógica jurídica) e

axiológicos (teoria da justiça).

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Page 35: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A Filosofia é uma forma de pensamento. Não se trata de um conjunto de

conhecimento. Assim, a Filosofia do Direito, que nasce no bojo da Filosofia Pura, é uma

forma de pensar o Direito. É uma forma de indagar o Direito, como regra geral,

essencialmente público. Essas indagações nascem por volta de 600 a.C. com enfoque da

pessoa, do direito e da justiça. Como uma forma de congregar, aglutinar necessidades comuns

(liberdades) em volta de um núcleo de valores: a justiça.

DOS FUNDAMENTOS DO DIREITO

Como toda ciência, o direito também não está despojado de ideologias que

permeiam as suas proposições. O aparato jurídico parece estar permeado de conservadorismo

que se contrapõe à utopia. O direito se apresenta como racionalização de técnicas para

manutenção de uma ordem constituída. A lei, sob este aspecto, é parte do binômio poder x

repressão. Compreende-se, então, que o direito é um instrumento do Estado a serviço da

classe dominante e a justiça um simples valor político comprometida com a manutenção da

ordem. Neste particular, o judiciário reflete as contingências políticas porque é uma simples

instância.

A formação dos juristas parece não contemplar uma nova concepção do direito.

Apesar de todos os esforços e do sistema de avaliação do Ministério da Educação e das

incursões da OAB sobre a necessidade de melhoria da qualidade do ensino, vive-se uma crise

do ensino jurídico. Essa crise, apesar do discurso contrário, é alimentada pela política

governamental.

Flávio Galdino, discorrendo, em monografia premiada pela OAB sobre a situação

do ensino jurídico, diz que :

Os alunos, com vistas nas profissões parajurídicas, não pugnam por formação mais completa e especializada, porque a generalista (menos exigente) lhes é mais conveniente. Está instaurado um círculo vicioso que assegura a reprodução da crise do ensino jurídico – a crise se perpetua por conveniência dos atores. Não nos podemos enganar, o fato é que o mercado (e a sociedade m geral) rejeita os produtos deste sistema, rejeita o profissional e a cultura que o produziu (p.166).

O autor dispara severa crítica aos professores, aos currículos e aos próprios

estudantes, afirmando que, em geral, o ensino é superficial e, por isso, com conseqüências

nefastas à sociedade. Apesar de a OAB não poder controlar o ensino, ela deve e pode adotar

muitas medidas com vistas à melhoria da qualidade de ensino.

Pasold, renomado professor e jurista catarinense, diz:

35

Page 36: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Infelizmente a maior parte dos cursos jurídicos no Brasil, no passado e no presente, não tem privilegiado devidamente a questão da relação nuclear e ético-política entre o bacharel em Direito e a consciência jurídica, quer na composição de seus currículos plenos... por isto os bacharéis em Direito formam-se, em muitos casos, como operadores jurídicos/técnicos competentes e como cidadãos responsáveis, mas não se tornam juristas na sua plenitude ( p.55).

Wolkmer mostra como a trajetória da cultura jurídica no Brasil privilegiou a

compreensão de uma estrutura positivista com base nas hegemonias das oligarquias. E por

isso que, até o presente momento, as instituições formam operadores do direito portadores das

seguintes características:

a. proselitismo acrítico e formalismo retórico;

b. palavreado pomposo, ritualizado, sofisticado e quase incompreensível;

c. conhecimento ornamental, cultivo da erudição lingüística, valorização da

aparência;

d. divórcio entre os reclamos das camadas populares e ação para os bem dotados

financeiramente;

e. ensino que envolve a memorização de códigos e de leis ou procedimentos

processuais. Neste sentido, as disciplinas de direito civil; processual civil; penal e processual

penal, são consideradas pelos alunos como as mais importantes;

f. formação para a militância política, considerando que pelo palavreado

pomposo consegue-se convencer, especialmente as camadas analfabetas;

g. preservação das idéias ilustrativas, com imagem em Rui Barbosa.

Estas são algumas das ideologias subjacentes ao ensino jurídico, predisposto a

conservar e implementar as idéias de estabilidade, unicidade, positividade e racionalidade. As

teorias que sustentam e fundamentam o direito moderno são: o jusnaturalismo, o positivismo

e a teoria crítica. Esta última teve origem na escola de Frankfurt (1923) com Adorno,

Horkheimer, Marcuse, Habermas e outros. Na idade média prevaleceu o pluralismo jurídico e

na idade contemporânea o monismo jurídico. Hoje, há uma tentativa de retornar ao pluralismo

e, quem sabe, possamos compartilhar, como professor de filosofia do direito, de uma

caminhada pelo projeto de um direito emancipatório.

Boaventura de Sousa Santos concorda plenamente com essas idéias afirmado que

a garantia da confiança e da vida de paz na sociedade moderna depende o sistema jurídico

emancipatório e confiável. Todavia, a interpretação jurídica não pode ser feita de forma

mecânica e desprovida de valor.

36

Page 37: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A CONCEPÇÃO DO DIREITO NATURAL

O conceito fundamental do direito natural é o de que todo ser é dotado de uma

natureza e um fim. Aristóteles dizia que o ser humano é em ato e em potência. Ato enquanto é

presente e potência, enquanto possibilidades futuras. A passagem, para o homem, de ato para

potência é feita com inteligência e consciência. A sociedade, para tanto, deve se organizar, no

sentido de construir mecanismos especiais e uma ordem de princípios que dê condições ao

homem de realizar uma vida com sentido. É para isso que serve o sistema jurídico: garantir ao

homem uma organização social para uma vida plena individualmente.

Segundo Bobbio, foi Hobbes quem procurou construir um sistema jurídico

dedutivo, com seu postulado ético original: há uma lei natural básica, as outras são derivadas.

Entendia que, no estado de natureza o homem é lobo do homem, por isso há necessidade de

leis naturais derivadas. As lEis decorrem de uma necessidade natural e, daí, a renúncia parcial

da liberdade – um direito natural – em função do Estado encarregado de garantir a paz. O

Estado soberano não pode estar submetido a qualquer lei, porque ele é a fonte legisladora.

Ainda, segundo Hobbes,

A ação humana constitui-se a partir da ação moral e política. A obrigação moral, para ele, precede e independe da obrigação civil e deriva das leis naturais que prescrevem o cumprimento dos pactos. Assim, não devemos fazer com os outros o que não gostaríamos que fizessem conosco, e se faz necessário evitar a ingratidão, os insultos, o orgulho, enfim, tudo que prejudique a concórdia; que o mal seja vingado sem crueldade, que haja moderação no uso dos bens; que os bens sejam distribuídos eqüitativamente e que haja uso comum daqueles que não podem ser divididos; havendo disputas, que se recorra a um árbitro imparcial e desinteressado.

A premissa básica do direito natural é a de que a natureza humana determina os

princípios de organização. Não existe ciência isenta. Porém, existem evidências

condicionantes da natureza que orientam o modo de viver. Sob o ponto de vista ontológico, o

direito natural é o ser do direito, isto é, o direito legítimo. Sob o ponto de vista deontológico,

o direito natural é o conjunto de valores imutáveis que representam e se identificam com a

ética, por isso são universais. Neste sentido, o destino final do direito natural é a justiça. Para

que cometa justiça, o legislador deve ser um observador dos fatos sociais e um analista da

natureza humana. Para atingir a justiça deve-se apoiar nos princípios básicos do direito

natural.

37

Page 38: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A origem do direito natural está no próprio homem e sua natureza social na sua

conjugação entre experiência e razão, concebido, durante muito tempo como origem divina.

Hugo Grotius parece ser o pai do direito natural. Ele diz que o direito natural existiria, mesmo

que Deus não existisse, ou em existindo não cuidasse dos assuntos humanos.

As características principais do direito natural são aquelas que concebem o direito

como um conjunto de amplos princípios, pelos quais se compõe a ordem jurídica: direito à

vida, à liberdade, participação na vida social, união entre os seres para criação da prole,

igualdade de oportunidades, suprimento das necessidades básicas. No século XVIII

pretendeu-se criar códigos de direito natural porque este traz características de eternidade,

imutabilidade e universalidade.

Em geral, os estudiosos apontam que o jusnaturalismo tem as seguintes

características: universalidade, perpetuidade, imutabilidade, indispensabilidade,

indelebilidade, unidade, obrigatoriedade, necessidade e validez.

O jusnaturalismo, enquanto escola, foi consagrada por tratar dos princípios da

dignidade humana que, numa visão racionalista se dá entre os séculos XVI e XVIII (Grócio,

Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant). Para a jusnaturalismo, a natureza

humana é o fundamento do direito. O homem é racional e, como tal, deve explicar a

sociedade pela razão. Portanto, o contrato social é um modo de organização e os direitos

naturais devem ser observados.

Os motivos que justificam o jusnaturalismo dirigem-se à necessidade de

permanente aspiração da justiça. Compreende que o direito positivo é um instrumento do

Estado para servir ao homem para consagrar valores individuais e negativos. Faz a defesa do

direito pluralista e tem a convicção de que, além do direito escrito, há uma outra ordem que é

expressão do direito justo, perfeito e ideal.

Os críticos do direito natural dizem que seus princípios formam uma ordem apta a

legitimar o direito positivo. Todavia, os governantes não gostam de falar em direito natural.

Foi o que ocorreu com a Revolução Francesa que condenou as velhas instituições fundadas no

direito natural. O homo juridicus do direito natural é aquele que não se acomoda diante as

desigualdades, luta por uma ordem legítima, clama pela vida e pela liberdade e, se necessário,

faz revolução.

Todavia, sob o manto do seu discurso literário, pode ser um instrumento da

manutenção da ordem, porque prega um direito eterno e perene. Assim sendo, aqueles largos

e vastos princípios do direito natural, podem ser usados para ser vir os regimes injustos e

reacionários. Entretanto, os direitos do homem, que se constituem num conjunto e normas e

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princípios, expressos em forma de declaração por organismos internacionais, têm a finalidade

de despertar a consciência dos povos quanto à necessidade de garantir e preservar os valores

fundamentais construídos pela história humana.

AS ESCOLAS CIENTÍFICAS

São várias as alternativas de estudo aqui, pois são inúmeras as escolas que

apresentam métodos e crenças para a obtenção do conhecimento.

O EMPIRISMO

No empirismo, a escola mais conhecida e radical é a do positivismo, representada

pelo pensador francês Augusto Comte (1798-1857). Essa escola afirma que o conhecimento

cientifico nasce do objeto. É neste que repousa a verdade cientifica, apresentando-se ao

sujeito como de fato é na realidade.

Aliás, diz essa escola, o real é objeto que dirige o conhecimento como um vetor ao

sujeito, que, sendo racional, basta estar preparado para escolher do objeto sua essência.

O positivismo, portanto, funda-se na cresça de que os objetos em si possuem um

vetor ao sujeito, que, só dependem de uma, cada vez melhor, maneira de observar do sujeito,

para serem realizadas.

E, de fato, o aperfeiçoamento do observador – o cientista – apenas se dá porqeu ele,

antes, extraíra dos objetos, pelo menos método, verdades que agora, pôr acúmulo de

conhecimento, lhe permitem observar melhor, e assim pôr diante.

Porém, nada muda a cresça, porquanto é lá, no objeto, que todas as verdades –

ocultas nas essências – já residiam. O que se altera com novas descobertas não são os objetos

– que sempre tiveram as mesmas essências -, mas a maneira de vê-los.

O cientista teria, assim, uma miopia que se ia curando, com o passar do tempo. Na

medida em que ele observa melhor os objetos e arquivava os conhecimentos daí resultantes,

estes se iam acumulando. E melhoravam sua visão. Mas os objetos ainda eram os mesmos.

Daí poder-se afirmar certas máximas do empirismo e, especialmente, do

positivismo: só é cientifico o conhecimento verificável empiricamente, é do objeto que deflui

o conhecimento; o objeto é transparente e o conhecimento cientifico deve descrevê-lo o

melhor possível; quanto mais exata a descrição do objeto, tanto mais avançado o

conhecimento cientifico.

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Page 40: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Um exemplo bastante vivo desse método positiva é o das pesquisas genéticas. Nelas

há uma pretensão de penetração cada vez mais profunda no real, de tal forma que dele se

extraiam as verdades buscadas – mas buscadas nele, objeto real, e a partir dele.

Vejam-se, no exemplo, os genes. Eles ficam situados dentro do núcleo das células

do corpo, nos chamados cromossomos. E esses genes são hoje identificados em nível

molecular como ácido desoxirribonucléico: o DNA.

O RACIONALISMO

Em posição exatamente oposta ao empirismo e positivismo está a escola

racionalista.

O conhecido filósofo francês Descartes (1596-1650), de frase não menos famosa –

“Penso, logo existo” -, é considerado o fundador do racionalismo moderno.

Os postulados do racionalismo têm aí, em Descartes, seu ponto de partida.

Em sua época (século XVII), ao separar corpo e mente, o dualismo cartesiano

pusera os filósofos diante da questão: se a mente é distinta do corpo e seus órgãos, e se são

estes que entram em contato com o mundo exterior, como ter certeza da existência do próprio

mundo exterior.

É importante para isso consignar o que Descarte deixa marcado desde o século

XVII com seu Discurso do método (de 1637), a obra da frase famosa.

Rejeitou ele a posição escolástica da unidade substancial do composto humano,

segundo a qual o corpo e a alma constituem um único ser e agem como um todo. Para

Descartes, o corpo e alma (ou mente), cada qual, são substancias completas, auto-suficientes e

sem relações imediatas recíprocas.

Acompanhemos seu pensamento: Descartes decidiria colocar tudo em dúvida para

ver se alguma proposição resista a esse esforço, quando deparou com o famosíssimo “Penso,

logo existo” (cogito, ergo sum). Nenhum objeto do pensamento resiste a essa objeção.

Contudo, o próprio ato de duvidar é indubitável. (É conveniente notar que Descarte não diz

“duvido, logo existo”, visto que para ele a duvida não importa como ato, mas como

conhecimento do fato de que duvida).

Assim, Descartes, observando que podia pôr tudo em dúvida, exceto o fato de que

(eu) era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, pata ser,

não necessita de nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. De sorte que esse

eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que é

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Page 41: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

mais fácil de conhecer do que ele, e, ainda que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o

que é” (Discurso do método, cit., 4ª parte).

Com esses pressupostos foi-se firmando o racionalismo moderno, que afirma

residir no sujeito o fundamento do ato de conhecer, sendo o objeto mero ponto de referência.

O pensamento opera com idéias e não com coisas concretas; o objeto de

conhecimento é uma idéia construída pela razão.

Não há, verdade, no racionalismo – mas há no idealismo, como se verá, a seguir -,

um desprezo total ao chamado objeto concreto; o problema em relação a este é que é incapaz

de oferecer condições de certeza, ou, em outras palavras, os fatos não são fonte segura para o

conhecimento.

Um exemplo das incertezas que cercam os fatos pode ser dado por um trecho

famoso e crítico filme de Charles Chaplin, “Tempos Modernos”.

De pronto percebe-se apenas nos dois simples exemplos que os próprios usos da

palavra “direito” apontam um para o outro: direito aponta para justiça e esta para aquele. E é

por isso que se diz que os termos são análogos. Contudo, há outros usos que se apresentam,

como se disse, vagos, ambíguos, contraditórios.

Com efeito, direito é um ideal sonhado por certa sociedade e simultaneamente um

golpe que enterra esse ideal. É símbolo da ordem social e simultaneamente a bandeira da

agitação (estudantil, dos trabalhadores em greve etc.). O Direito garante a privacidade e a

intimidade e, também, ao mesmo tempo, a publicidade e a quebra da intimidade.

Só por esse exemplos percebe-se o grau de dificuldade que é o manejar do

conceito “direito”. Talvez por isso a chamada Ciência do Direito tenha acabado por

privilegiar um dos sentidos, dentro os vários possíveis.

Como, via de regra, as ciências em geral não têm muita dificuldade na descoberta

e fixação de seus objetos – por exemplo, a medicina não tem dúvida de que deve estudar o

corpo humano -, a Ciência do Direito pretende o mesmo.

Dessa forma, optou por estudar um dos sentidos possíveis do termo “direito”: o de

norma jurídica e, especialmente, o de norma jurídica escrita.

Assim é que, na atualidade, os cursos de Direito estão voltados quase totalmente

para o estudo da norma jurídica escrita, com método tipicamente dogmático.

Mas não parece ter sido uma escolha muito feliz – ainda que se possa entende-la -,

uma vez que as dificuldades de fixação de sentido que o termo “direito” revela ao

investigados, antes de serem um obstáculo, apontam para uma riqueza de significações que

merecem estudo aprofundado.

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Page 42: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Contudo, ao invés de buscar o obstáculo, penetrando em sua complexidade

fecunda, o cientista do Direito deu uma volta ao largo do problema e levou consigo o sentido

mais fácil de ser abordado.

Com isso, o que era de humano a impregnar o Direito acabou congelando-se no

conceito da norma jurídica escrita e perdendo-se no trabalho analítico do investigador.

É preciso resgatar a magnificência da dignidade humana, que é o fundamento

último que dá sustentação ao Direito, através da abertura das mentes que se dedicam ao

estudo do Direito, o que passa, necessariamente, por uma avaliação sincera dos métodos da

Ciência do Direito, dos institutos jurídicos existente, das condições sociais reais nas quais o

Direito está incluído, sobre as quais ele influi e das quais recebe influência.

Enfim, é preciso pensar abertamente na função social do Direito e no papel social

exercido pelos que o operam – todos: estudantes, professores, profissionais específicos:

advogados, juízes, procuradores de justiça, delegados etc. E isso começa no estudante, que

deve ser chamado a participar do debate, como aquele que está começando a pensar o Direito.

CIÊNCIA DOGMÁTICA DO DIREITO

Podemos distinguir dois movimentos importantes: um anterior à Ciência do

Direito atual e outro relativo à investigação contemporânea.

No primeiro caso, deve-se, inclusive, colocar como o faz o Prof. Tércio Sampaio

Ferras Jr. (A ciência do direito, cit., p.18), que o próprio termo “ciência do objeto” somente

passou a ser utilizado a partir do século XIX, por invenção da Escola Histórica alemã. Claro

que antes o Direito já era investigado e estudado, como se verá, mas não havia uma

preocupação exclusiva com o fato de se estar fazendo ou não ciência.

Na verdade, toda tentativa fortemente concentrada a partir desse momento da

história, de se fundar uma Ciência do Direito, tem como base toda uma evolução histórica,

que já havia preparado as condições para tal.

Contudo, em que pese às várias tentativas, a Ciência do Direito do século XX,

especialmente da segunda metade para cá, firmou-se como Ciência Dogmática do Direito,

apesar de sempre terem existido e de que ainda resistem focos que pretendem conceber uma

Ciência do Direito livre do dogmatismo.

De qualquer forma, adiante-se um ponto: vai-se começar a perceber uma relação

cada vez maior entre Ciência do Direito e Hermenêutica – como Teoria da Interpretação -, de

tal forma que passa a existir na atualidade grande aproximação ou, pelo menos, confusão

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Page 43: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

entre ambas, ainda que isso não seja abertamente colocado pelas escolas de Direito, conforme

veremos.

Mas, antes dessas abordagens, vejamos aqui as características de algumas

tentativas de fundar a Ciência do Direito, para depois, examinando um desenvolvimento

histórico, investigamos a escola de Direito contemporânea.

A título apenas de exemplo, tratemos sucintamente de algumas escolas que

pretenderam encontrar métodos próprios e adequados, para isso fundarem a Ciência do

Direito.

A ESCOLA RACIONALISTA. O JUSNATURALISMO

Primeiramente, uma escola racionalista: o jusnaturalismo, que tem longa tradição,

vendo desde os filósofos gregos, passando pelos escolásticos, na Idade Média, pelos

racionalistas dos séculos XVII e XVIII, indo até as concepções modernas de Stammler e Del

Vecchio.

Pode-se dizer, em linhas gerais, que essa escola é fundada no pressuposto de que

existe uma lei natural, eterna e imutável; uma ordem preexistente, de origem divina ou

decorrente da natureza, ou, ainda, da natureza social do ser humano.

O método para conhecer essa ordenação prévia é o racional. A razão não chega a

trabalhar com realidades concretas.

É através da razão que, voltando-se para si mesma, investiga, para descobrir na

própria consciência, os princípios e as leis universais, válidos desde sempre.

O EMPIRISMO JURÍDICO

Acredita que o conhecimento do objeto, que pode ser a norma jurídica ou o fato

social, ou fenômeno jurídico produzido no meio social etc.

Vale uma observação relativa ao positivismo que na Ciência do Direito tem duplo

sentido: tanto é chamada de positivismo jurídico a corrente que – aos moldes de Augusto

Comte – a credita que o conhecimento nasce do fato, quanto tem o mesmo nome a corrente

que crê dar-se conhecimento pela norma jurídica.

ESCOLA DA EXEGESE

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Page 44: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Essa escola firmou conceitos e métodos de investigação que se tornaram perenes

e, ainda que camuflados ou ligeiramente alterados, vivem fortemente na Ciência Dogmática

do Direito contemporâneo.

Diga-se, de início, que o exegetismo não negou o Direito natural, pois admitia que

os códigos seriam elaborados de modo racional e, portanto, representariam a face humana do

Direito natural.

A legislação seria elaborada num sistema normativo codificado, visando a garantir

os direitos subjetivos do homem que, por sua vez, estavam pressupostos nas normas da

natureza. Os códigos seriam a concretização dos ideais jusnaturalistas.

Exegese, como se sabe, significa o comentário minucioso ou a interpretação de um

texto ou palavra.

A conhecida Escola da Exegese no Direito teve seu apogeu após a promulgação do

não menos famoso Código de Napoleão, em 1804. Esse código unificou o Direito Civil

francês e, tido como a expressão mais completa do Direito, tornou-se marco importante para o

surgimento da crença de que o Direito é o direito posto – a legislação.

Esse Direito elaborado trazia também a grande vantagem da segurança e da

certeza, já que tudo o que se buscava estava nos textos. Bastava interpreta-los.

A interpretação jurídica dos textos de leis ganhou, então, absoluta relevância. E, como todo

o Direito transformara-se no corpo escrito legislado, era ali mesmo que se buscariam as regras de

interpretação capazes de solucionar os problemas que surgissem.

A tese dos exegetas, da concentração da competência exclusiva para legislar no

Legislativo, reduziu o direito à lei. E também reduziu a função do intérprete e do julgador a

uma função mecânica, de lógica dedutiva.

Sendo a lei a única fonte das decisões jurídicas, a resolução de um problema

dar-se-ia, então, na conclusão de um silogismo, no qual a premissa maior seria a lei, a

premissa menor seria o enunciado do fato concreto apresentado como problema a se

solucionar, e a conclusão corresponderia à resolução do problema.

A função judicial teria, assim, uma concepção mecânica, como um processo

lógico-dedutivo de subsunção do fato concreto à determinação abstrata da lei.

Para desvendar a vontade do legislador, passou-se a investigar os trabalhos

legislativos preparatórios, os costumes anteriores, os costumes anteriores, a tradição histórica,

ou seja, para desvendar a vontade do legislador, o exegeta passou não apenas a conhecer a

letra da lei, mas também a desvendar seu espírito.

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Page 45: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Surgiu aí interpretação histórica, isto é, a possibilidade de investigar as

circunstâncias que antecederam a criação da lei.

Posteriormente, percebeu-se que as várias leis tinham de ser sistematizadas,

porquanto cada uma delas tinha seu lugar próprio, dentro do sistema legislativo, com

adequação e importância diferenciadas, sendo certo que, inclusive, algumas leis

preponderavam sobre outras.

A técnica adequada para realizar a exegese dessas leis, postas nessa variedade num

sistema, é a interpretação lógico-sistemática, que passou a ser realizada.

A Escola da Exegese exerceu poderosa influência não só na França mas também

na Alemanha, Itália etc., espalhando-se por todo o mundo ocidental.

O pensamento exegético entrou para apresentar como absoluto o velho direito,

petrificando-o, tentando impedir que o juiz trouxesse qualquer inovação e que o interpretasse

com flexibilidade, como da mesma forma o legislador não poderia fazer leis, alterando-o.

A ESCOLA HISTÓRICA

Foram os alemães Gustavo Hugo, Puchta e, especialmente, Savigny, este como

seu grande promotor, que no início do século XIX desenvolveram a Escola Histórica.

Opondo-se à Escola da Exegese, mas mantendo o mesmo método, a Escola

Histórica afirmava que o verdadeiro Direito residia nos usos e costumes e na tradição do

povo. É a história desse povo, como resultado de suas aspirações e necessidades, que forma o

Direito.

O legislador não cria o Direito. Apenas traduz em normas escritas o Direito vivo,

latente no espírito popular. Ao contrário da descoberta do espírito da lei, pregado pela Escola

da Exegese, procurava-se o espírito do povo.

A analogia feita pela Escola Histórica entre a formação do Direito e a da língua

ilustra a sua posição: a língua nasce na própria fala concreta, cabendo ao gramático depois

sistematiza-la, mas as regras gramaticais só podem ser genuínas e obrigatórias se baseadas na

língua viva popular.

Cabe aos Jurisconsultos sistematizar esses direitos. As normas jurídicas

identificadas e sistematizadas só serão válidas e eficazes se fiéis ao espírito do Direito

consuetudinário. Como a língua nasce sem a intervenção do gramático, o Direito nasce sem a

intervenção do legislador ou do jurisconsulto.

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Page 46: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

A CIÊNCIA DOGMÁTICA DO DIREITO

O pensamento jurídico contemporâneo, na sua formação e esfera de influência,

extrapola em muitos os limites da escola de Direito, indo influir no meio social, através dos

operadores do Direito, indo influir no meio social, através dos operadores do Direito,

formados naquela escola.

O saber jurídico aponta amplo controle social, no qual se instrumentaliza o próprio

cientista jurídico, que passa a ser um técnico, cujo acesso ao Direito se faz somente pelo

manejo de ferramentas – regras de interpretação – sem as quais não tem como realizar seu

trabalho, que desempenha depois de aceitar os pontos de partido (dogmas) estabelecidos pela

escola jurídica.

Ou, em outras palavras, a ação do cientista (dogmático) do Direito se dá na

aceitação de dogmas e no cumprimento de regras técnicas previamente estabelecidas pela

Ciência Dogmática do Direito. Assim, o seu comportamento, para ser identificado como

“científico”, deve-se dar nos quadros de ação adredemente preparados pela escola de Direito

– com valores, modelos e regras próprias a serem cumpridas.

Pode-se afirmar, que o bom cientista dogmático do Direito é aquele que

incorporou os valores prévios e os modelos preexistentes, e é bom cumpridor de regras, que

ele maneja com vistas a orientar a ação dos outros.

A investigação de enfoque zetético tem função especulativa, levando questões que

podem ir em direção ao infinito, suspendendo o juízo e deixando em aberto resposta ao

problema levantado.

O enfoque zetético relativamente às doutrinas e opiniões põe-nas em dúvida,

desintegrando-as. A linguagem do trabalho zetético é caracterizada pelo uso descritivo, já que

sua preocupação é descrever algo. É o uso do verbo “ser”: que é algo?.

A dogmática caracteriza-se por pretender impor-se de cima para baixo, do mestre

ao aluno. Ela vai doutrinando e ensinando, de forma impositiva.

O enfoque dogmático se finda em opiniões, dentre as quais algumas são

ressalvadas como melhores ou como as corretas.

PROBLEMA DA CIENTIFICIDADE DO SABER JURÍDICO COMO QUESTÃO

EPISTEMOLÓGICO-JURÍDICA

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Page 47: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

É, portanto, a filosofia do direito, enquanto epistemologia jurídica, que vai tratar

dos problemas da ciência do direito, procurando dirimi-los, delimitando o sentindo da

“ciência”, a especificidade do objeto e do método da especulação jurídico-científica,

refletindo sobre o caráter teórico, prático ou crítico da Jurisprudência, distinguindo a ciência

das outras que, igualmente, têm por material de pesquisa os fenômenos jurídicos, indagando

acerca da natureza cientifica do saber jurídico.

Várias são as teorias epistemológico-jurídicas, principalmente as do século

passado e do atual, endereçadas aos problemas da ciência do direito, inclusive ao atinente à

sua cientificidade.

A fim de nos orientarmos na grande selva das posições epistemológicas,

procuraremos esquematizá-los, ordenado-as, tendo em visa os problemas versados por elas.

Para isso tomamos por base, com algumas variações, a sugestão de Carlos Cossio, as

doutrinas epistemológicas que justificam teoricamente a ciência do direito ou que procuram

dar à investigação do direito um caráter cientifico, em seis direções fundamentais:

racionalismo metafísico ou jusnaturalistas, empirismo exegético, historicismo casuístico;

sociologismo eclético; racionalismo dogmático e ergologia existencial.

JUSNATURALISMO

“Desde as representações primitivas de uma ordem legal de origem divina, até a

moderna filosofia do direito natural de Stammler e Del Vecchio, passando pelos sofistas,

estóicos, padres da igreja, escolásticos, ilustrados e racionalistas dos séculos XVII e XVIII, a

longa tradição do jusnaturalismo se vem desenvolvendo, com uma inexistência e um domínio

ideológico que somente as idéias grandiosas e os pensamentos caucionados pelas motivações

mais exigentes poderiam alcançar”.

Na idade média, sob o império da patrística ou da escolástica,a teoria jusnaturalista

apresentava conteúdo teológico, pis os fundamentos do direito natural eram a inteligência e a

vontade divina, devido ao fato de a sociedade e a cultura estarem ligados pela vigência de um

credo religioso e pelo predomínio da fé.

A ciência do direito deve estudar as normas consideradas como obrigatórias.

As normas jurídicas são comandos dirigidos aos juízes e funcionários encarregados

da aplicação do direito. Medida legislativa que não contenha diretiva aos juízes e tribunais

deve ser considerada como um pronunciamento ideológico, moral, sem nenhuma relevância

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Page 48: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

jurídica; logo, o estudo do direito vigente deve levar em conta a sua validade em relação aos

aplicadores da norma: juízes e funcionários.

Os conceitos jurídicos fundamentais devem ser interpretados como concepções da

realidade social, logo, sob o ponto de vista epistemológico, a ciência jurídica é uma ciência

social empírica, que procura interpretar a validade do direito, em termos de efetividade social,

isto é, de uma certa correspondência entre um conteúdo normativo ideal e os fenômenos

sociais. O conhecimento científico-jurídico deve, portanto, concentrar-se no factum externo da

efetividade. A ciência do direito dirige sua atenção ao conteúdo abstrato das diretivas para

descobrir o conteúdo ideal, ou seja, a ideologia que funciona como esquema de interpretação

para o direito em ação e para expor esta ideologia como um sistema. A ciência jurídica está

intimamente ligada à sociologia jurídica, porque se não verificar a função social do direito é

insatisfatória sob o ponto de vista do interesse em predizer as decisões jurídicas, visto que o

juiz não está apenas motivado por normas, mas também por fins sociais e pela captação

teorética das conexões sociais relevantes para a consecução daqueles fins.

A ciência jurídica visa o conhecimento da efetiva conduta humana, logo o fenômeno

jurídico deve ser descoberto do campo da psicologia e da sociologia. As asserções lógicas das

ciências jurídica sobre o direito vigente, isto é, as proposições doutrinárias, são uma

predicação de acontecimentos sociais futuros, que por serem indeterminados impossibilitam

que se formulem a seu respeito predicações isentas de ambigüidade. Como toda predicação é,

concomitantemente, um fator real que pode influir no curso dos acontecimentos e um ato

político, conseqüentemente, torna-se impossível estabelecer uma nítida distinção entre teoria e

política; por isso não se pode traçar uma linha divisória entre os enunciados cognoscitivos

referentes ao direito vigente e a atividade político-jurídica. Deveras, a partir da mútua

interação existente entre conhecimento e ação, entre ideologia e atitude, Ross desenvolve uma

teoria que considera, de modo unitário, ciência e política jurídicas.

O objeto da ciência do direito, para Kelsen, consiste nas normas jurídicas

determinantes da conduta humana ou a conduta humana enquanto conteúdo de normas, sendo

que norma pode também referir-se a “fatos e situações que não constituem a conduta humana,

mas desde que sejam condições ou efeitos de conduta humana. Uma norma de direito pode

determinar que, em caso de um cataclismo da natureza, aqueles que por ele não forem

imediatamente atingidos estão obrigados a prestar socorro às vítimas na medida do possível”.

Conforme o conhecimento jurídico-científico dirija-se às normas que devem ser aplicadas ou

aos atos de produção e aplicação, temos uma teoria estática e uma teoria dinâmica do direito.

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Page 49: Apostila de Filosofia Da Ciencia 1

Dentre as inúmeras contribuições impostas pela busca do conhecimento, faz valer

que as informações sobre a Ciência do Direito possuem um campo muito vasto e significativo

para a formação do acadêmico, que precisa depurar e assimilar essa gama de informações que

são essencial e fundamental para o exercício de sua profissional.

Logicamente que esses suportes teóricos possuem uma seqüência lógica como pré-

requisito indispensável no processo constitutivo das disciplinas do curso.

Posso afirmar com convicção que toda essa gama de conteúdos selecionados dos

diversos livros, teve por finalidade maior, fazer um encaixe significativo sobre os mais

variados juristas que dominam a linguagem acadêmica sobre a Ciência do Direito, as escolas

científicas e o empirismo jurídico.

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