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1 APOSTILA EXECUÇÃO PENAL A “Execução Penal” é uma matéria que está presente em todas as provas para Defensoria Pública, em especial dos momentos de crise no sistema penitenciário, no denominado “Estado de Coisas Inconstitucionais” que envolve o objeto do estudo. Devido à sua importância, tal tema consta inclusive como uma disciplina própria no último edital de Defensor Público-RJ, o que exige uma análise aprofundada sobre as principais discussões práticas e teóricas relacionadas. Como ponto de partida para o presente material, utilizaremos o livro do professor Rodrigo Duque Estrada Roig (membro da última banca), intitulado “Execução Penal: teoria crítica”. Eventualmente, trabalharemos também com alguns artigos e obras recentes sobre o tema. NOTA: Por se tratar de um material demonstrativo, alguns capítulos estarão disponíveis apenas para alunos de nossa Turma. CAPÍTULO 1 – OBJETIVOS E NATUREZA JURÍDICA DA EXECUÇÃO PENAL: 1.1 – Objetivos da Execução Penal: Os objetivos da execução penal encontram-se delineados no artigo 1º da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal). Confira: Art. 1º da Lei 7.2010/1984: A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. a) Promover a reintegração do sentenciado ao convívio social; b) Proporcionar meios para que a sentença seja integralmente cumprida. Na doutrina penalista majoritária, a pena possui tríplice função: retributiva, preventiva e reeducativa. A prevenção geral é direcionada a sociedade, tendo atuação antes do cometimento de qualquer infração penal, promovendo a conscientização do valor que o direito atribui ao bem jurídico tutelado. O caráter retributivo e a prevenção especial possuem incidência durante a imposição e execução da pena.

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APOSTILA – EXECUÇÃO PENAL

A “Execução Penal” é uma matéria que está presente em todas as provas para Defensoria Pública, em especial dos momentos de crise no sistema penitenciário, no denominado “Estado de Coisas Inconstitucionais” que envolve o objeto do estudo. Devido à sua importância, tal tema consta inclusive como uma disciplina própria no último edital de Defensor Público-RJ, o que exige uma análise aprofundada sobre as principais discussões práticas e teóricas relacionadas. Como ponto de partida para o presente material, utilizaremos o livro do professor Rodrigo Duque Estrada Roig (membro da última banca), intitulado “Execução Penal: teoria crítica”. Eventualmente, trabalharemos também com alguns artigos e obras recentes sobre o tema. NOTA: Por se tratar de um material demonstrativo, alguns capítulos estarão disponíveis apenas para alunos de nossa Turma.

CAPÍTULO 1 – OBJETIVOS E NATUREZA JURÍDICA DA EXECUÇÃO PENAL:

1.1 – Objetivos da Execução Penal: Os objetivos da execução penal encontram-se delineados no artigo 1º da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal). Confira:

Art. 1º da Lei 7.2010/1984: A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

a) Promover a reintegração do sentenciado ao convívio social; b) Proporcionar meios para que a sentença seja integralmente cumprida. Na doutrina penalista majoritária, a pena possui tríplice função: retributiva, preventiva e reeducativa. A prevenção geral é direcionada a sociedade, tendo atuação antes do cometimento de qualquer infração penal, promovendo a conscientização do valor que o direito atribui ao bem jurídico tutelado. O caráter retributivo e a prevenção especial possuem incidência durante a imposição e execução da pena.

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O caráter reeducativo só atua na fase de execução. Nesta fase, o objetivo não é apenas de efetivar as disposições da sentença, mas também de buscar a ressocialização do condenado, de modo que no futuro possa reingressar ao convívio social.

1.2. Natureza Jurídica da Execução Penal A respeito da natureza jurídica da execução penal há divergência doutrinária, com a existência de três posicionamentos: 1ª posição: caráter puramente administrativo. Essa corrente não tem prevalecido, pois a execução não tem natureza de caráter puramente administrativo, tendo em vista que a todo o momento há decisões de caráter jurisdicional. Essa ideia estava baseada na doutrina política de Montesquieu sobre a separação de poderes. 2ª posição: caráter eminentemente jurisdicional. Essa corrente também não tem prevalecido, eis que no âmbito da execução penal não há exclusividade de atos jurisdicionais. IMPORTANTE! De acordo com o membro da última banca do Concurso da Defensoria do RJ, o Defensor Rodrigo Duque Estrada Roig, essa posição é que mais se coaduna com a Constituição de 1988. Nas palavras do autor:

“Pensar a execução como atividade administrativa significa dar margem à imposição do interesse estatal sobre o individual, pretensão esta inclinada à satisfação de pretensões retributivo-preventivas. Por outro lado, enxergar a execução penal como atividade de natureza jurisdicional significa em primeiro lugar assumir que não há prevalência do interesse estatal sobre o individual, mas polos distintos de interesses (Estado e indivíduo), cada qual refletindo suas próprias pretensões (retributivo-preventiva e libertária, respectivamente). Em segundo lugar, significa reconhecer que todos os atos executivos, mesmo aqueles administrativos de origem, sempre serão sindicáveis pela Jurisdição (ato de justiça formal e substancial, não de administração)

1”.

3ª posição: caráter misto. Essa é a corrente que prevalece na doutrina, vez que não obstante os incidentes do processo se desenvolvam no âmbito judicial, diversos aspectos da execução dependem da atuação administrativa, especialmente a direção, chefia de disciplina e secretaria de estabelecimentos penais. Nesse sentido, cabe destacar o

1 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 104.

O art. 6º da Resolução nº 113 do CNJ, dando cumprimento do previsto no artigo 1º da Lei

7.210/1984, dispõe:

“O juízo da execução deverá, dentre as ações voltadas à integração social do condenado e do

internado, e para que tenham acesso aos serviços sociais disponíveis, diligenciar para que sejam

expedidos seus documentos pessoais, dentre os quais o CPF, que pode ser expedido de ofício, com

base no art. 11, da Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008”.

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entendimento da saudosa Ada Pellegrini Grinover: “não se nega que a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve entrosadamente nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo” 2.

CAPÍTULO 2 – INÍCIO E PARTES DO PROCESSO DE EXECUÇÃO PENAL

2.1. Início do Processo de Execução Penal: Para fins didáticos, dividimos o tema de acordo com as seguintes classificações: (i) pena privativa de liberdade; (ii) pena restritiva de direitos; (iii) medida de segurança e (iv) pena de multa.

(i) Pena privativa de liberdade: o processo de execução inicia-se com a guia de recolhimento, conforme disposto no artigo 105 da LEP.

(ii) Pena restritiva de direitos: de acordo com o artigo 147 da LEP, “transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução”, ou seja, ela ocorre após o trânsito em julgada da sentença penal condenatória.

(iii) Medida de segurança: conforme o disposto no artigo 171 da LEP, “transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução”. Observa-se que neste caso também há a exigência do trânsito em julgado para o início do processo de execução penal.

(iv) Pena de multa: após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a multa será considerada dívida de valor, com aplicação das normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, com base no artigo 51 do CP e na Súmula 521 do STJ.

2 GRINOVER, Ada Pellegrini. A natureza jurídica da execução penal. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;

BUSANA, Dante (Coord.) Execução pena. São Paulo: Max Limonad 1987, p.7.

Expede-se guia de recolhimento na hipótese de execução provisória da pena privativa de

liberdade?

SIM! De acordo com o artigo 8º da Resolução nº 113 do CNJ deve-se expedir guia de recolhimento

provisória: “Tratando-se de réu preso por sentença condenatória recorrível, será expedida guia de

recolhimento provisória da pena privativa de liberdade, ainda que pendente recurso sem efeito

suspensivo, devendo, nesse caso, o juízo da execução definir o agendamento dos benefícios

cabíveis”.

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2.2. Partes: a) Sujeito ativo: a execução penal é monopólio do Estado, independentemente da natureza da ação penal que ensejou a condenação. b) Sujeito passivo: em regra será o condenado ou absolvido impropriamente e de modo excepcional, o réu submetido à execução provisória da pena.

CUIDADO! Por força do artigo 2º, parágrafo único LEP, essa legislação também se aplica ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral e Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.

CAPÍTULO 3 – PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL

É importante ter em mente que os princípios da execução penal são meios limitadores do poder executório estatal sobre os indivíduos. 3.1. Princípio da Humanidade: Pela importância deste princípio, é necessário saber que há a sua previsão em diversos documentos internacionais, tais como:

No artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (“ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”).

Na regra 31 das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos, da ONU (“as penas corporais, a colocação em cela escura, bem como todas as punições cruéis, desumanas ou degradantes devem ser completamente proibidas como sanções disciplinares”).

IMPORTANTE! No concurso público para a DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO é preciso adotar o entendimento de que a interpretação desses princípios e as regras jurídicas em matéria relativa à execução penal deve ser pro homine, isto quer dizer que deve ser aplicável, no caso concreto, a solução que mais amplia o exercício de um direito, liberdade ou garantia. Essa premissa guarda consonância com o previsto nos artigos 29, item 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e 5º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

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No artigo 10, item 1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU (“toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana”).

No Brasil, o princípio decorre do fundamento da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (artigo 1º, III da CF) e do PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS (artigo 4º, II da CF), dando sustento ao Estado Democrático de Direito. Com repercussão na execução penal, o princípio serve como contenção do poder punitivo, visualizado na proibição de tortura e tratamento cruel e degradante (artigo 5º, III da CF), na individualização da pena (artigo 5º, III da CF) e na proibição das penas de morte, cruéis ou perpétuas (artigo 5º, XLVII da CF). A Lei de Execução Penal alude ao princípio ao prever que as sanções disciplinares não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado (art. 45, §1º), além de vedar o emprego de cela escura (art. 45, §2º). Em que pese à amplitude das normas de caráter protetivo, diversos exemplos de ferimentos da humanidade no âmbito da execução penal são identificados diariamente. Exemplos retirados do citado livro “Execução Penal: teoria crítica” 3: 1) A obrigação de usar uniformes com cores chamativas (ex: verde limão, rosa) também importa clara transgressão ao princípio da humanidade, pois afeta a própria intimidade e dignidade dos condenados, à revelia da inviolabilidade constitucional da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (artigo 5º, X da CF). 2) A obrigação imposta aos presos do sexo masculino de cortar cabelos, retirar barbas ou bigodes ou realizar quaisquer outras modificações de aparência. Tal prática é fundamentada sob o pretexto da higiene, ordem e disciplina nos estabelecimentos penais. É incontestável que o cabelo e outros caracteres da aparência são componentes da própria personalidade humana, possuindo inconteste valor para a formação da individualidade. O direito de definir a própria aparência é expressão do direito ao livre e pleno desenvolvimento da personalidade, presente no art. 29 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 29 da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. 3.2. Princípio da Legalidade: Também, pela relevância deste princípio, é necessário saber que há a sua tutela em diversos documentos internacionais, tais como:

No artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (“ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam

3 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 33.

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delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do aquela que, no momento da prática, era aplicável ao fato delituoso”).

No item 30, n. 01 das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos da ONU (“um recluso só pode ser punido de acordo com as disposições legais ou regulamentares e nunca duas vezes pela lesma infração”).

No artigo 9º, item 1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU (“ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos”).

No Brasil, o princípio é disposto no artigo 5º, XXXIX da CF e no artigo 1º do CP, que estabelecem que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. No âmbito da Lei de Execução Penal, o princípio tem previsão no artigo 45 da LEP:

Art. 45: “Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”.

O princípio tem por escopo servir como instrumento de contenção da discricionariedade da Administração Penitenciária e do arbítrio judicial, sempre que acionados de forma lesiva aos direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade. - Funções do princípio da legalidade: a) Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia (nulo o crime, nula a pena sem lei prévia): determina como regra a irretroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu de um processo penal ou de um processo disciplinar. b) Nullum crimen, nulla poena sine lege certa (nulo o crime, nula a pena sem lei certa): tem por efeito a proibição da criação e aplicação de tipos penais e disciplinares vagos ou indeterminados.

Por decorrência do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, a Lei nº 11.464/2007 que alterou a redação do art. 2º da Lei nº 8.072/1990, passando a exigir, para progressão de regime nos crimes hediondos ou equiparados, o cumprimento de 2/5 da pena, se o apenado for primário, e de 3/5, se reincidente) não se aplica a fatos anteriores a sua vigência, porque mais gravosa. Logo, a progressão de regime para aqueles que cometeram delitos antes da edição da mencionada lei deve se dar após o cumprimento da fração de 1/6 da pena, nos moldes do art. 112 da LEP. Nesse sentido, a Súmula Vinculante nº 26 e a Súmula 521 do STJ.

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Exemplo de elemento vago e indeterminado que viola o princípio da legalidade é a exigência de “demonstração do merecimento do condenado”, para a recuperação do direito a saída temporária, conforme dispõe o artigo 125, parágrafo único da LEP.

c) Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (nulo o crime, nula a pena sem lei estrita): essa função veda a utilização de analogia para criar crimes e faltas disciplinares e para aplicar e executar penas ou sanções disciplinares. Na punição por falta grave da conduta de possuir, utilizar ou fornecer chips, baterias de telefones celulares (HC 105973/RS, STF), não se interpreta de forma estrita o tipo disciplinar do artigo 50, VII da LEP, que apenas menciona, como objetos, o aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permite a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. d) Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (nulo o crime, nula a pena sem lei escrita): essa última função do princípio da legalidade prescreve a proibição da criação de infrações penais, faltas disciplinares, penas ou sanções disciplinares pelos costumes. Somente a lei escrita pode criar crimes, faltas, penas e sanções. 3.3. Princípio da Individualização da Pena: De acordo com o artigo 5º, XLVI da CF a lei regulará a individualização da pena. Nesse sentido, as autoridades responsáveis pela execução penal possuem o dever de enxergar o preso como verdadeiro indivíduo, com a consideração das suas reais necessidades, na qualidade de SUJEITO DE DIREITOS. Decorre do princípio em espécie, a necessidade de apreciação do caso concreto, no âmbito administrativo e judicial, sem se pautar em considerações genéricas ou de índole preventiva, notadamente em matéria disciplinar, pois qualquer medida que importe em elevação do sofrimento carcerário já naturalmente experimentado não pode se dar com o objetivo de promover exemplo aos demais, mas tão somente em virtude da atuação específica do apenado.

3.4. Princípio da Culpabilidade:

Como é sabido, a responsabilidade penal deve refletir um comportamento típico, antijurídico e culpável. No que concerne à culpabilidade, ela possui os seguintes elementos: a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência da ilicitude. A Lei de Execução Penal adotou taxativamente o princípio da culpabilidade ao estabelecer que são vedadas as sanções coletivas, nos termos do artigo 45, §3º. Com essa previsão normativa, buscou-se impedir a punição disciplinar daqueles que sequer tiveram dolo ou culpa na ocorrência de determinado resultado lesivo.

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Como primeira consequência da aplicação deste princípio, tem-se a impossibilidade de punição de todos os habitantes de determinada cela ou galeria, quando nelas são encontrados objetos ilícitos (ex: celulares e drogas). Neste caso, sendo impossível a individualização da conduta, deve ocorrer a absolvição de todos os habitantes da cela ou galeria, por aplicação do princípio da culpabilidade. O STJ já se manifestou sobre o tema no seguinte julgado, com o nosso destaque:

“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO. SANÇÃO COLETIVA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. 1. É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado. 2. Ordem concedida, acolhido o parecer ministerial, para anular o reconhecimento de falta grave, que teria sido perpetrada em 15 de abril de 2008, e seus consectários legais. (HC 177293/SP).”

Uma prática que atenta ao princípio da culpabilidade é a imposição de juízos valorativos negativos sobre a pessoa presa, sem qualquer vinculação com a ocorrência de fatos determinados. Neste sentido, é oportuno citar o direito penal de autor como:

“Uma corrupção do direito penal em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma ‘forma de ser’ do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e o reprovável ou perigoso seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto como o ‘ser ladrão’, não se condena tanto o homicídio como o ser homicida, o estupro como o ser delinquente sexual etc.”

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Entretanto, no atual estágio do Estado Democrático de Direito não há mais lugar para a reprovação moral ou ética por parte do Estado e de seus agentes.

4 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – parte geral.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 117-119.

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CAPÍTULO 4 – CLASSIFICAÇÃO DOS CONDENADOS

4.1. Classificação dos Condenados:

Na Lei de Execução Penal, a classificação dos condenados está disposta no artigo 5º:

Art. 5º: Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

De acordo com o art. 5º da Lei 7.210/1984, os condenados serão classificados segundo os seus antecedentes e personalidade, buscando, desse modo, separar os presos primários dos reincidentes, os condenados por crimes graves dos condenados por crimes menores, dentre outros. a) antecedentes: é o histórico da vida criminal do reeducando. b) personalidade: considera-se a estrutura complexa de fatores que determinam as formas comportamentais do reeducando. Dentro desse contexto, a Lei 13.167/2015 alterou o art. 84 da LEP para estabelecer critérios para a separação de presos nos estabelecimentos penais. A classificação deve ser realizada por uma Comissão Técnica de Classificação (CTC), incumbida de elaborar o programa individualizar adequado ao reeducando. CUIDADO! O exame criminológico, previsto no artigo 8º da LEP e utilizado para individualizar determinadas execuções envolvendo fatos mais gravosos não se confunde com o exame de classificação tratado no art. 5º da LEP. Vejamos, em resumo, as diferenças no quadro abaixo:

Exame Criminológico Exame de Classificação

Esse exame é mais restrito, analisa questões de ordem psicológica e psiquiátrica do condenado, visando revelar elementos como maturidade, frustrações, vínculos afetivos, grau de agressividade e periculosidade e, a partir daí, prognosticar a potencialidade de novas práticas criminosas. É incompatível com pena privativa de liberdade em regime aberto e com pena restritiva de direito.

Esse exame é amplo, apresenta a situação do condenado de forma genérica, com ênfase em aspectos objetivos de sua personalidade, antecedentes, aspectos sociais e familiares, capacidade laborativa, entre outros destinados a orientar o modo como deve cumprir a pena no estabelecimento penitenciário.

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4.2. Exame Criminológico e progressão de regime: É preciso separar o estudo deste tema antes e depois do advento da Lei 10.792/2003: - Antes da Lei 10.792/2003: era obrigatório o exame criminológico, como também o parecer prévio da Comissão Técnica de Classificação, com base na redação antiga do artigo 112 da LEP. - Depois da Lei 10.792/2003: de acordo com o artigo 112 da LEP, o apenado precisará cumprir dois requisitos: a) objetivo (transcurso do tempo); b) subjetivo (para a lei é uma certidão de bom comportamento carcerário). Nota-se que o aspecto subjetivo não é auferido em exame criminológico e nem em parecer prévio da comissão.

4.3. Exame criminológico e livramento condicional:

Há divergência a respeito da possibilidade de ser realizado exame criminológico para obtenção do livramento condicional, em virtude do disposto no artigo 83, parágrafo único do CP:

Art. 83, parágrafo único: Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir.

- 1ª corrente: deve ser exigido o exame criminológico para a concessão do livramento condicional, por imposição legal. De acordo com o doutrinador Guilherme de Souza Nucci o exame não pode ser dispensado, pois com a alteração promovida pela Lei 10.792/2003

Diante desse quadro, pode ser realizado exame criminológico para o deferimento da progressão de regime? CUIDADO! Na prova da Defensoria do RJ deve-se adotar como candidato uma postura crítica do exame criminológico, sobretudo sob o viés do princípio da culpabilidade, que impede a utilização da categoria do direito penal do autor. No entanto, de acordo com a Súmula Vinculante 26 (“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”) e a Súmula 439 do STJ (“Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”), percebe-se que os Tribunais Superiores admitem a realização do exame criminológico, desde que fundado em decisão motivada.

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houve alteração para o artigo 112 da LEP e não para o artigo 83 do CP, assim como não alterou o artigo 131 da LEP. - 2ª corrente: em regra não deverá ser realizado o exame criminológico, apenas de modo excepcional diante do caso concreto e com base em decisão motivada. Esse é o posicionamento prevalecente e adotado no âmbito do STJ:

“Para a concessão do benefício do livramento condicional, nos termos do art. 83 do Código Penal, deve o reeducando preencher os requisitos de natureza objetiva (fração de cumprimento da pena) e subjetiva (comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover ao próprio sustento de maneira lícita), podendo as instâncias ordinárias, excepcionalmente, diante das peculiaridades do caso concreto, determinar a realização de exame criminológico para aferir o mérito do apenado, desde que essa decisão seja adequadamente motivada.” (STJ, HC 379.664/SP, DJe 02/03/2017)

- 3ª corrente (Deverá ser defendida na prova da Defensoria Pública do RJ): não deve ser admitida a realização do exame criminológico para a obtenção do livramento condicional, uma vez que cria requisito subjetivo não previsto expressamente no artigo 83, parágrafo único do CP e artigo 131 da LEP, o que fere o princípio da legalidade. Além disso, pode-se sustentar violação ao princípio da culpabilidade, pois se estaria admitindo a utilização do famigerado direito penal do autor. 4.4. Identificação do Perfil Genético:

Essa temática encontra-se inserida dentro do capítulo “Da Classificação” da Lei de Execução Penal. Vejamos:

Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012) § 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012) § 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

De acordo com a previsão legal, os condenados pelos crimes descritos no artigo 1º da Lei 8.072/1990 serão submetidos obrigatoriamente à extração de DNA, armazenados em banco de dados sigilosos. Nota-se que no dispositivo não é exigido autorização judicial para essa extração.

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É constitucional a extração do DNA do condenado para formação do cadastro geral? - Entendimento pela inconstitucionalidade (Deve ser adotado na prova da Defensoria do RJ): - Violação da presunção de inocência; - (Re) estigmatiza os condenados por crimes hediondos e por delitos cometidos com violência de natureza grave contra a pessoa; - Representa uma política típica do direito penal do inimigo e faz renascer a Escola Penal Lombrosiana.

- Entendimento pela constitucionalidade: - O acesso ao banco de dados somente se dará mediante requerimento e decisão judicial; - A inserção do material genético no banco nacional permitirá desvendar inúmeros crimes cuja autoria não se tem notícia, o que viabiliza não apenas a condenação de culpados, mas também a absolvição de inocentes; - Há o atendimento ao princípio da proporcionalidade, tendo em vista que somente os condenados por crimes de elevada gravidade serão submetidos à coleta.