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ROTEIRO DE CURSO 2008.2 2ª EDIçãO DIREITO TRIBUTáRIO E FINANçAS PúBLICAS I PRODUZIDO POR RICARDO LODI RIBEIRO E BIANCA RAMOS XAVIER COLABORAçãO: EMMANUEL BIAR DE SOUZA

Apostila FGV Tributário I

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ROTEIRO DE CURSO2008.2

2ª edição

direito tributário e finanças públicas i

Produzido Por ricardo Lodi ribeiro e bianca ramos Xavier coLaboração: emmanueL biar de souza

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SumárioDireito tributário e finanças públicas I

InTRODUçãO 3

1. ROTEIRO DE AUlAS ......................................................................................................................................................................4 1.1. Aula 1: Atividade Financeira do Estado. Do Estado Patrimonial ao Estado Social ................... 4 1.2. Aula 2. A Receita Pública no âmbito da Teoria Geral dos Ingressos Públicos ......................... 10 1.3. Aula 3. Gasto Público e Responsabilidade Fiscal .................................................................... 15 1.4. Aula 4. Estado Financeiro e República. O Orçamento........................................................... 21 1.5. Aula 5. O Controle da Execução Orçamentária. O Tribunal de Contas ................................. 28 1.6. Aula 6. Aspectos Jurídicos do Endividamento do Estado ....................................................... 34 1.7. Aula 7. Federalismo Fiscal. Repartição de Receitas. ............................................................... 40 1.8. Aula 8. Competência Tributária ............................................................................................ 45 1.9. Aula 9. Política Fiscal. e Extrafiscalidade: Distribuição de Renda e Desenvolvimento Econômico e Simplificação Administrativa ............................................................................. 52 1.10. Aula 10. Parafiscalidade ....................................................................................................... 57 1.11. Aula 11. Segurança Jurídica e Justiça Fiscal. Princípios Fundamentais da Tributação. As limitações constitucionais ao poder de tributar .................................................................. 61 1.12. Aula 12. Os princípios constitucionais tributários: a legalidade ........................................... 66 1.13. Aula 13. A isonomia............................................................................................................ 76 1.14. Aula 14 - A irretroatividade. As anterioridades .................................................................... 78 1.15. Aula 15. As anterioridades (continuação). A liberdade de tráfego. ....................................... 82 1.16 Aula 16 – A capacidade contributiva. Do mínimo existencial e do não confisco ................... 88 1.17. Aula 17. As imunidades tributárias. A imunidade recíproca ................................................. 98 1.18. Aula 18. A imunidade dos templos, dos partidos políticos, dos sindicatos, das entidades de assistência e de educação .................................................................................. 103 1.19. Aula 19. A imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Imunidades específicas ......................................................................................................... 108 1.20. Aula 20. Outras Vedações.................................................................................................. 112 1.21. Aula 21 – Legislação Tributária. As Normas Tributárias: A Constituição e a Emenda Constitucional. As cláusulas Pétreas ..................................................................................... 115 1.22. Aula 22 – Os tratados internacionais e a lei complementar. ............................................... 119 1.23. Aula 23 – A lei ordinária e a medida provisória. ................................................................ 126 1.24. Aula 24 – A Lei Delegada, o Decreto Legislativo e Resoluções. O Regulamento ................ 130 1.25. Aula 25. Vigência e Aplicação da Lei Tributária. ................................................................ 134 1.26. Aula 26 – Interpretação e Integração da Lei Tributária ...................................................... 138

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

introdução

ObjetivO

Estudar as formas de obtenção e gerenciamento das receitas e despesas para a satisfação das necessidades públicas. Estudo das limitações ao poder de tributar e as fontes do Direito Tributário

MetOdOlOgia

Elaboração de planos de governo e normas orçamentárias. Estudo de casos.

FOrMa de avaliaçãO

Duas provas escritas

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1. roteiro de aulas

1.1. aula 1: atividade financeira do estado. do estado patrimonial ao estado social

a) ObjetivO

Sendo esta a primeira aula de direito financeiro, como não poderia deixar de ser, tem ela por objetivo apresentar o conceito de direito financeiro, bem como à sua evolução em paralelo às modificações do próprio Estado e do mundo econômico social. Começaremos o estudo da atividade financeira do Estado na Idade Média e passaremos por todas as principais mutações ocorridas até os dias de hoje.

b) intrOduçãO

Atividade financeira do Estado consiste no conjunto de atos voltados à obtenção e gerenciamento de receita (recursos financeiros) a fim de viabilizar a sua dispensa na satisfação das necessidades públicas, ou, no dizer de Ricardo Lobo Torres, “é o conjunto de ações do Estado para a obtenção da receita e a realização dos gastos para o atendimento das necessidades públicas”1.

Desde já, é importante destacar que a atividade financeira é mero instrumento para o alcance de determinado fim, na medida em que é através dela que o Estado viabiliza a consecução da sua finalidade de atendimento às necessidades públicas.

Visto isso, é interessante observar que é a partir do ocaso do feudalismo, no séc. XV, e da formação dos Estados-Nações, é que se tem notícia da existência de um efetivo Estado Financeiro, que vem se desenvolvendo até os nossos dias. Neste sentido, em conformidade com os ideais políticos, econômicos e sociais de cada momento histórico, o Estado Financeiro vem apresentando diferentes contornos que podem ser divididos nas seguintes fases: Estado Patrimonial, Estado de Polícia, Estado Fiscal e Estado Social. Analisaremos ainda o momento atual de crise do Es-tado Social. Passemos à análise de cada uma delas:

Assim como se sabe, a crise do feudalismo se deu, primordialmente, em função dos interesses manifestados pela classe burguesa que, inconformada com as im-posições arbitrárias da nobreza feudal, bem como com as limitações à expansão comercial inerentes à época (já que, por exemplo, cada feudo possuía uma moeda própria), se mobilizou a fim de promover a unificação político-administrativa, le-gal, financeira e territorial dos feudos, dando origem aos Estados-Nações (Estados Absolutistas).

Neste momento, em que os interesses da classe burguesa convergiam com os do monarca, surge o que foi denominado Estado Patrimonial (séc. XVI).

Ao largo das razões comerciais que o motivaram, sua existência e manutenção basearam-se na necessidade de haver uma organização estatal capaz de proteger os

1 TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.03

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cidadãos contra as constantes guerras do período e garanti-los um estado de paz. O Estado se sustentava, fundamentalmente, nas rendas patrimoniais ou dominiais do príncipe (receitas obtidas com a exploração de colônias e com a exportação), apre-sentando os tributos uma importância secundária.

Sucessivamente ao movimento de unificação e formação dos Estados-Nação, exacerbam-se as contradições entre o Rei e os burgueses, abalando a aliança estraté-gica entre eles e ensejando um período histórico marcado pelas revoluções liberais, que acabam por pôr fim ao Antigo Regime. Com isso, inicia-se a Modernidade, cujo traço marcante é o conhecimento fundado na razão e em ideais jusnaturalistas, em contrapartida às concepções absolutistas então existentes.

A principal bandeira sustentada pelos jusnaturalistas (em harmonia com os ide-ais iluministas) consiste na existência de direitos naturais que impõe, de per si, limites à atuação Estatal.

É no auge deste movimento, marcado pela Revolução Francesa e sua Declara-ção dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), bem como pela Declaração de Independência dos Estados Unidos, que surge o que veio a ser denominado Estado de Polícia. Este modelo é marcado por um Estado modernizador, intervencionista, centralizador e paternalista. Seu objetivo é, sobretudo, garantir a ordem e a segu-rança, bem como a boa administração do bem-estar e da felicidade dos súditos e do Estado.

Com a superação do jusnaturalismo marcada, claramente, pela consolidação dos seus ideais no Código Civil Francês (Napoleônico) de 1804, a sociedade passa a ser regida por “verdades” positivistas, que pressupõem a certeza de que a legiti-midade e a solução para todas as relações jurídicas deviam ser buscadas na letra da lei.

É sob a égide do movimento positivista que o Estado de Polícia, com o seu absolutismo político e sua economia mercantil ou comercial, é substituído pelo Estado Fiscal, cujos fundamentos se sustentam, precipuamente, em uma estrutura econômica capitalista e em um liberalismo político e financeiro. A principal carac-terística desta fase é a nova faceta da receita pública, que passou a se sustentar nos empréstimos e tributos, cuja exigência vinha a ser autorizada pelo poder legislativo. A partir deste momento é que o Estado passa a buscar efetivamente o seu financia-mento através de receitas derivadas.

Com o Estado Fiscal se aperfeiçoam os orçamentos públicos e os tributos deixam de ser equivalentes, passam a ser personalizados, vale dizer, deixam de incidir com a mesma carga sobre todos (indiscriminadamente) e passam a observar a capacidade contributiva de cada indivíduo.

No entanto, o éden liberal é abado pelo próprio desenvolvimento do capitalismo industrial, na segunda metade do século XIX, fazendo surgir uma classe operária que, em pouco tempo, é submetida a condições de trabalho desumanas, o que leva à organização do proletariado como agente da história. Assim, os trabalhadores que faziam o papel de meras “buchas de canhão” das revoluções burguesas, passam a idealizar um projeto de classe, por meio dos sindicatos e partidos inspirados nas idéias de Marx.

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O início do século XX representa o crepúsculo das últimas monarquias absolu-tas, enterradas pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e pela Revolução Sovi-ética (1917).

Como resposta à ascensão do governo comunista na Rússia e à possibilidade de revoluções análogas no restante da Europa, os governos liberais concedem direitos sociais aos trabalhadores, como saúde, educação e previdência social. Os partidos de origem operária se organizam para participar do jogo eleitoral das democracias ocidentais, ganhando cada vez mais adeptos.

Dá-se então um momento de grande paradoxo do Estado capitalista, que para se manter precisa flexibilizar suas maiores crenças na mão invisível do mercado e no papel secundário do Estado na economia. Emblemas dessa fase são o New Deal do presidente Roosevelt, nos Estados Unidos, e a Social-Democracia, na Europa.

Essa fase, que se convencionou denominar de Estado Social ou Estado do Bem-Estar Social, é marcada pela busca da Justiça Social e da igualdade material, a partir de prestações estatais para os cidadãos. Substitui-se então a idéia de segurança jurí-dica por seguridade social.

Assim, assistimos, ao longo do século XX, o aumento da participação do Estado da vida social, com o intervencionismo e a burocratização como pressupostos con-siderados indispensáveis à garantia das prestações sociais positivas que, em alguns países mais do que em outros, foram asseguradas aos trabalhadores.

Os anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, talvez os mais emblemáticos do século XX, são caracterizados pela polarização e guerra fria entre os dois principais vitoriosos do conflito: os Estados Unidos e a União Soviética. Era o auge do Estado Social.

No campo do Direito é uma época marcada pela crise da justiça enquanto valor, espremida entre os positivismos de índole formalista e sociológica, e substituída pela busca da materialização das prestações estatais exigidas pela justiça social.

Na seara tributária, o esforço arrecadatório para financiar o agigantamento das despesas públicas levava o pêndulo hermenêutico a confundir justiça fiscal com o in-teresse da arrecadação tributária. Afinada com a melodia fiscalista, soavam os acordes da progressividade em nome da distribuição de rendas e dos incentivos fiscais setoriais como trampolim para o desenvolvimento econômico em uma visão keynesiana.

Todavia, a crise do petróleo do início dos anos 70 deflagra o início da desestrutu-ração do Estado Social, que elevou, além dos limites do previsto, as expectativas do cidadão em relação ao Estado, gerando a dificuldade, cada vez mais crescente, para os governos adimplirem com seus compromissos sociais.

Na década de 80, os governos neoliberais de Reagan, nos Estados Unidos, e de Thatcher, na Inglaterra iniciam um processo de sepultamento do Welfare State, res-tringindo as prestações sociais e reduzindo impostos.

Ao mesmo tempo, o avanço tecnológico promove a revolução da tecnologia da informação, que explode nos anos 90, a partir das sementes plantadas nos anos 70, dando origem a uma nova economia.

O final da década de 80 e o início dos anos 90 são sacudidos pelo desmoro-namento do socialismo real. Em 1989, os ventos da liberdade, canalizados pela

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Glasnost e pela Perestroika de Gorbatchov, põem abaixo o Muro de Berlim, símbolo maior da divisão bipolar entre os mundos capitalista e o comunista, levando, pouco tempo depois, e com inacreditável velocidade, ao fim da própria União Soviética, em 1991. Se até o início dos anos 70 os países do socialismo real, com sua economia centralizada e baseada na indústria pesada, conseguiram acompanhar os níveis de crescimento do ocidente, com o advento da economia eletrônica global, perderam competitividade e seus governos não mais conseguiram impor o controle ideológico e cultural diante de uma mídia global.

A partir do esgotamento do Welfare State, num mundo unipolar, o avanço cien-tífico e tecnológico traz os fenômenos da globalização, sociedade de risco e do pluralismo jurídico, onde o Estado Nacional não detém mais o monopólio do Direito. Com isso, as empresas multinacionais, organismos internacionais, as or-ganizações não-governamentais, a sociedade civil organizada e as comunidades de países passam a emitir regras que, muitas vezes, escapam à percepção dos que se acostumaram com a dinâmica binária até então verificada na Era Moderna. É o que alguns denominam de Estado Subsidiário, que intervêm apenas onde a socie-dade não pode atuar.

A perplexidade com que os pensadores no fim do século XX assistiram ao fim do socialismo real intensificou as discussões a respeito do tema da modernidade e da pós-modernidade ao longo dos anos 90, tempos que já fazem lembrar a Belle Époque a anteceder os horrores no início do século XXI, com a negação dos direitos fundamentais em nome do combate ao terrorismo, após o 11 de setembro de 2001, com o ataque da Al Quaeda de Bin Laden às torres gêmeas do World Trade Center em Nova York e ao Pentágono, em Washington.

Como fruto do oportunismo político que se aproveita dos novos riscos sociais para a consolidação do poder, a autonomia dos povos é colocada em cheque, com a criação do conceito de guerra preventiva, a justificar a invasão norte-americana no Afeganistão e no Iraque. Nesse contexto, os direitos fundamentais são questionados por aqueles que buscam em medidas de exceção, como as previstas no Ato Patrióti-co de George W. Bush, resposta ao terrorismo do islamismo fundamentalista.

No que se refere ao Direito, a crise do Estado Social se manifesta pelo abandono da intransigência positivista, seja em sua feição formalista, seja pelo viés sociológico, e, em um movimento de reaproximação aos valores e à ética, passa a reencontrar sua razão de existir na defesa dos direitos fundamentais do homem. A garantia de um “mínimo existencial” a todos passa a ganhar destaque no pensamento jurídico.

Hoje, no Estado Social e Democrático de Direito, é preciso superar os positivismos que marcaram os períodos anteriores, a fim de dar resposta aos desafios da sociedade de risco, marcada pela imprevisibilidade e pela ambivalência, onde as explicações extraídas da realidade passada não têm mais o poder de prevenir os riscos sociais ocorridos no presente, e as soluções engendradas para a solução dos problemas é fonte para a criação de outros problemas não concebidos pelos seus autores.

Nesse novo panorama, a segurança passa a ter um sentido plural, conjugada com o princípio da transparência, e garantida por um ordenamento jurídico concebido por meio de deliberação dialogal, obtida pela argumentação e razão comunicativa,

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e em que o referido valor não é tomado em caráter absoluto, sendo ponderado com outros marcos axiológicos consagrados na nossa Constituição, como a justiça e a igualdade.

Em conseqüência, exsurge um ordenamento jurídico que é legitimado pela pon-deração de interesses, onde os princípios formais não entram em oposição aos de viés material, estabelecendo um sistema tributário voltado para a garantia da segu-rança jurídica de toda a sociedade.

Com a abertura do direito financeiro à idéia de justiça, o equilíbrio entre os princípios da legalidade e da capacidade contributiva foi resgatado. Estabelece-se, assim, uma visão que, longe de apresentar peculiaridades em relação aos outros ra-mos, prestigia a igualdade, com adoção de fórmulas voltadas a coibir certas práticas abusivas tanto por parte do contribuinte (sonegação de tributos), como por parte do Estado (que por vezes adota mecanismos que vão além dos autorizados pela nor-ma, com intenção meramente arrecadatória).

c) QuestiOnáriO

Em que consiste a atividade financeira do Estado? Quais são as suas principais fases classificadas pela doutrina e quais as principais características de cada uma de-las? Em complementação a esta pergunta, trace um paralelo das diferentes fases da atividade financeira com os seus respectivos momentos históricos.

d) casO geradOr

Discussão em sala de aula sobre o tema: O Estado Social está em crise, não conseguindo assegurar aos trabalhadores as prestações positivas, como saúde, previdência, educação. Novos riscos sociais vão aparecendo, como os acidentes nucleares, o terrorismo fundamentalistas e o desequilíbrio do meio ambiente. Para equacionar esses novos riscos, são adequados os instrumentos de atuação do Estado Social?

e) bibliOgraFia recOMendada

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atu-alizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivis-mo). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas / Ana Paula de Barcelos... [et. al.]: organizador Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro, Renovar, 2003.

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RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte – Legalidade, Não-Surpresa e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008.

ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.2. aula 2. a receita pública no âmbito da teoria Geral dos inGressos públicos

a) ObjetivO

Após analisarmos em breves palavras a evolução da atividade financeira do Estado, nesta aula iremos estudar o seu combustível, vale dizer, a Receita Públi-ca. Hoje, veremos o seu conceito e as suas diferentes classificações existentes na doutrina e na lei.

b) intrOduçãO

Não se tem dúvida de que para viabilizar a realização da despesa pública, o Es-tado precisa de dinheiro. A arrecadação deste dinheiro, há séculos, é realizada pelos Estados por meio de: (i) extorsões sobre outros povos ou doações (voluntárias) por eles recebidas; (ii) recolhimento das rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; (iii) exigência coativa de tributos ou penalidades; (iv) tomada de emprésti-mos forçados, e; (v) fabricação de dinheiro metálico ou de papel.

Com o especial objetivo de traçar a evolução histórica da receita pública, a dou-trina identificou a existência de cinco padrões, cuja utilização presume-se sucessiva, que seriam as receitas públicas: parasitária, no mundo antigo, obtida através da ex-torsão, pilhagem e exploração do inimigo vencido; dominial, no período medieval, decorrente da exploração dos próprios bens do Estado, tais como imóveis, indús-trias etc; regaliana, proveniente da exploração dos direitos regalianos, privilégios, reconhecidos aos reis e príncipes de explorar determinados serviços ou conceder esse direito a terceiros mediante o pagamento ao Estado de uma determinada con-tribuição (regalia); tributária, obtida através da coação aos cidadãos ao pagamento de tributos que passam a funcionar como principal fonte de receita pública, e; so-cial, consistente na utilização do tributo, também, com finalidade extrafiscal, vale dizer, voltado a exercer influência sobre determinado campo econômico, social e/ou político.

Todas as quantias recebidas pelos cofres públicos são denominadas como “entra-das” ou “ingressos”. No entanto, nem todas essas entradas constituem receita pú-blica, visto que algumas delas não incrementam efetivamente o patrimônio gover-namental. É o caso, por exemplo, dos movimentos de fundos, assim exemplificados como: cauções, fianças, depósitos recolhidos ao tesouro, empréstimos contraídos pelo Estado. Todos esses ingressos ou estão condicionados a uma restituição pos-terior, ou representam mera recuperação de valores emprestados ou cedidos pelo governo.

Neste sentido, Aliomar Baleeiro define receita pública como “a entrada que, in-tegrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto como elemento novo e positivo.2”

2 balEEIRO, aliomar. Uma In-trodução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atualizada por Dejalma de campos. Rio de Ja-neiro: Forense, 2004. p. 126.

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Considerando a afirmação de Edwin Seligman (Essays in Taxation, Macmilian, 1931, p. 399), no tocante à essencialidade do processo classificatório em todo pro-gresso científico, eis que, conduz à definição precisa e evita o relaxamento de expres-são e a confusão de pensamento; o conceito de receita pública pode ter importantes resultados práticos, decidindo questões de fato e atribuindo valores definidos às cate-gorias duvidosas, vejamos algumas das principais classificações da receita pública.

Classicamente, a receita pública pode ser classificada como extraordinária e or-dinária, segundo o critério de regularidade ou relativa periodicidade. Ao passo que a primeira decorre de circunstâncias anormais, excepcionais, de caráter transitório (empréstimos compulsórios decorrentes de calamidades – artigo 148, I, da CF – imposto extraordinário de guerra – artigo 154, II, da CF -, doações, legados, he-ranças jacentes), a segunda (ordinária) guarda relação com as fontes de riqueza pe-riódicas e previsíveis, compõe permanentemente o orçamento do Estado (tributos de uma forma geral – impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuições parafiscais).

Contudo, a classificação mais aceita na esfera da receita pública, é de origem alemã, e a divide em dois grupos: receita originária ou de economia privada e receita derivada ou de economia pública.

Receita originária é aquela que decorre da exploração do próprio patrimônio Es-tatal. À semelhança do particular, o Estado explora seus bens e empresas sem exercer qualquer espécie de poder soberano ou meio coercitivo na exigência do pagamento ou utilização dos seus serviços. São, portanto, receitas voluntárias e contratuais (re-ceitas patrimoniais). Seu desenvolvimento se deu, precipuamente, desde a supera-ção do feudalismo até o advento do Estado Fiscal, no final do séc. XVIII.

Segundo a classificação de Ricardo Lobo Torres3, essas receitas compreendem os preços públicos ou tarifa (ingresso não-tributário devido como contraprestação por benefício recebido), as compensações financeiras (artigo 20, § 1º da CF) e os ingres-sos comerciais (decorrentes da exploração estatal da economia, através das suas em-presas, tais como os correios, as casas lotéricas e as sociedades de economia mista).

Receita derivada, por sua vez, se caracteriza por ser coercitivamente proveniente do patrimônio privado. Ou seja, é aquela que ingressa nos cofres públicos como decorrência do poder soberano do Estado que obriga os particulares a disporem do seu patrimônio (parte dele). É representada pelos tributos e multas exigidos pelo Estado.

Ainda sobre a classificação da receita pública, vale apontar que o economista norte-americano, Edwin Seligman4, apresentou interessante divisão baseada no conflito entre o interesse público e o privado, de modo que cada uma das suas es-pécies apresentaria maior ou menor interesse público em relação ao privado. Para Seligman, portanto, a receita pública se classifica como: preço quase-privado, de-corrente de atividade financeira do Estado de interesse exclusivamente privado, so-mente guardando pertinência com o interesse público por estar sendo desenvolvida por um ente desta natureza; preço público, proveniente da exploração de atividade que, embora possua algum interesse público, se destaca pelo interesse particular pre-dominante; taxa, corresponde àquela proveniente de atividade em que o interesse

3 TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 160/164.

4 cit. balEEIRO, _____. p. 128/129.

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público prepondera e o interesse particular é mensurável para cada indivíduo; con-tribuição de melhoria, decorre de alguma vantagem para um determinada classe ou categoria de indivíduos ainda com o interesse público preponderante, e; impos-tos, resultante, exclusivamente, do interesse público, sendo meramente acidental a vantagem percebida pelo particular.

Fazendo algumas poucas modificações nesta classificação, o italiano Luigi Einau-di5 apresentou suas modalidades de receita pública levando em consideração os di-versos processos pelos quais se providenciam as satisfações das necessidades públicas, de modo que os valores exigidos variariam desde aqueles fixados com base nas leis de mercado (preços quase-privados), passando por aqueles, decorrentes de uma ati-vidade que não deve ser prestada pelo particular, fixado em valor mais baixo que os da economia privada (preço público) e por aqueles que se demonstram insuficientes para o custeio dos serviços pelos quais são cobrados (preço político), até aqueles que não guarda relação com qualquer atividade estatal específica (impostos).

No Brasil, o notável Aliomar Baleeiro6 conciliou a classificação da escola alemã com a de Seligman e Einaudi e formulou a seguinte classificação dos ingressos públicos:

1º) movimenTosde fundos ou caixas

a) empréstimos ao Tesouro;b) restituição de empréstimo ao Tesouro;c) cauções, fianças, depósitos, indenizações de direito civil etc.

2º) receiTas

i. originárias ou de economia Privada, ou de direito privado, ou voluntária

a) a título gratuito- doações puras e simples;- bens vacantes, prescrição aquisitiva etc.

b) a título oneroso

- doações e legados sob condição;- preços quase-privados;- preços públicos;- preços políticos

ii. derivadas, de economia Pública de direito Público ou coativas

a) tributos

- taxas;- contribuições de melhoria;- impostos;- contribuições parafiscais

b) multas, penalidades e confisco;c) reparações de guerra

Por fim, é importante mencionarmos que o legislador pátrio, através da Lei nº 4.320/64 (que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal), estabeleceu sua própria classificação das receitas públicas, dividindo-as em: correntes (tributárias e provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pes-soas de direito público ou privado voltados a atender despesas correntes) e; de capital (provenientes de constituição de dívidas e de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado voltados a atender despesas de capital).

5 Ibi idem. p. 129.

6 balEEIRO_____. p. 131.

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c) QuestiOnáriO

É legítima a afirmação no sentido de que toda receita pública corresponde a um ingresso público e que, conseqüentemente, todo ingresso equivale a uma receita? Hodiernamente, qual é o principal instrumento de receita pública do Estado e em qual modalidade ele se encaixa nas classificações que divide as receitas públicas em originárias e derivadas; ordinárias e extraordinárias; e na classificação de Aliomar Baleeiro?

d) casO geradOr

Partindo da premissa de que a competência conferida a um determinado ór-gão controlador automaticamente exclui a competência dos demais, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro impetrou Mandado de Segurança contra ato praticado pelo Tribunal de Contas da União Federal que proclamou ser de sua competência a fiscalização da aplicação dos recursos recebidos a título de royalties decorrentes da extração de petróleo e gás natural pelos Estados e Municípios.

Considerando que a competência para a fiscalização deverá ser daquele ente para o qual esta receita ingressar de forma originária, você, na condição de Juiz, com base no artigo 20, § 1º da CRFB/88, concederia a segurança? (Mandado de Segurança nº 24.312-1/DF, Tribunal Pleno do STF, em 19.02.2003).

e) QuestãO de cOncursO

A receita pública é a soma dos recursos percebidos pelo Estado. Classicamente, as receitas públicas não podem ser classificadas em:

a) receitas derivadas.b) receitas originárias.c) receitas diretas.d) receitas compulsórias.e) receitas facultativas.

(MPU – técnico em orçamento – 2004)

F) bibliOgraFia recOMendada

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atu-alizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

MACHADO, Cristiane Lucidi. Receitas Alternativas, Complementares, Acessórias e de Projetos Especiais nas Concessões de Serviços Públicos: Exegese do art. 11 da Lei nº 8.987/95. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Ano 1, n. 1, jan/mar 2003. Belo Horizonte: Fórum, 2003.

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ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.3. aula 3. Gasto público e responsabilidade fiscal

a) ObjetivO

Na aula passada vimos o conceito de receita pública e sua finalidade. Hoje, es-tudaremos a despesa pública, suas classificações e alguns dos seus instrumentos de controle.

b) intrOduçãO

Na sua concepção clássica, a despesa pública corresponde à aplicação de certa quantia em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, den-tro de uma autorização legislativa, para execução de um fim a cargo do governo (Aliomar Baleeiro). No mesmo sentido, Ricardo Lobo Torres7 afirma que “a despesa pública é a soma de gastos realizados pelo Estado para a realização de obras para pres-tação de serviços públicos”.

Desde a queda do feudalismo, as finanças públicas passaram a gozar de maior destaque, a atenção dos homens públicos e pensadores voltaram-se para o ininter-rupto movimento de ascensão das despesas.

Neste particular, vale atentar que a observação isolada das cifras, e o seu au-mento, ao longo do tempo não poderia ser utilizado como embasamento para o mencionado movimento (de ascensão de despesas). De fato, causas tais como: (i) a desvalorização da moeda; (ii) sistema de contabilidade da moeda pelo bruto em substituição a sistemas que contemplavam apenas o líquido das receitas; (iii) cresci-mento da população; (iv) acréscimo dos territórios; (v) transferências de atividades privadas para os serviços públicos, são classificadas pela doutrina como verdadeiras causas “ilusórias” de aumento de despesa.

Não obstante tais causas ilusórias, fato é que as despesas vêm, sim, sofrendo crescimento ininterrupto. As causas reais para tal crescimento, segundo o profes-sor Aliomar Baleeiro8, são: (i) o incremento da capacidade econômica do homem contemporâneo (que cria um ambiente em que o poder público enxerga uma maior possibilidade de gastar em serviços públicos devidamente financiados por uma maior tributação ou empréstimos); (ii) a elevação do nível político, moral e cul-tural das massas sob o influxo de idéias-forças, que levam os indivíduos a exigir e a conceder mais ampla e eficaz expansão dos serviços públicos; (iii) as guerras, que de lutas entre grupos armados, restritos assumiram o caráter de aplicação das forças econômicas e morais, humanas, enfim, do país na sorte do conflito: a “guerra total” das gerações contemporâneas, e (iv) vícios e erros dos governantes (desperdícios e má-administração).

No início do século passado, contudo, esse aumento da despesa não causava muita indignação. De fato, considerando a predominância da ideologia keynesiana, que admitia os orçamentos deficitários e o excesso de despesas públicas, se fosse para

7 TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 164.

8 balEEIRO, aliomar. Uma In-trodução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atualizada por Dejalma de campos. Rio de Ja-neiro: Forense, 2004. p. 90.

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se garantir o pleno emprego e a estabilidade economia, pouca era a preocupação em restringir os gastos públicos.

Com a superação da ideologia keynesiana, na década de 80, motivada pelo dis-curso neoliberal, o Estado passou a se preocupar em conter seus gastos e privilégios, bem como majorar suas receitas, isso de modo a alcançar um necessário equilíbrio financeiro.

Diante disso, ao menos no Brasil, tornou-se necessária a adoção de medidas ca-pazes de controlar o inevitável déficit público, que estudaremos mais adiante.

A despesa pública se caracteriza por ser, sempre, em dinheiro e por envolver obras, serviços e compras realizados com a finalidade precípua de garantir o regular funcionamento da Administração e de atingir os objetivos do Estado.

A Lei nº 4.320/64, em seu artigo 12, classifica as despesas públicas em: despesas correntes (não enriquecem o patrimônio público e são necessárias à execução dos serviços públicos e à vida do Estado, sendo, assim, despesas operacionais e economicamente impro-dutivas9) e; despesas de capital (determinam uma modificação do patrimônio público através de seu crescimento, sendo, pois, economicamente produtivas10). Enquanto as pri-meiras são divididas entre despesas de custeio e transferências correntes, as segundas dividem-se entre: investimentos, inversões financeiras e transferências de capital.

Despesas de custeio são as dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis, nelas se incluem despesas com pessoal, material etc. Transferências correntes, por sua vez, são as dotações para despesas as quais não corresponda con-traprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manifestação de outras entidades de direito público ou pri-vado. Nelas se incluem as subvenções (transferências destinadas a cobrir despesas de custeio de outras entidades) sociais e econômicas, despesas com inativos, pensões, transferências intergovernamentais e os juros da dívida contratada.

Investimentos são as dotações para o planejamento e a execução de obras, in-clusive as destinadas à aquisição de imóveis necessários à sua realização (obras pú-blicas, serviços em regime de programação especial, equipamentos e instalações, material permanente e participação em constituição ou aumento de capital de empresas que não seja de caráter comercial ou financeiro). Inversões financeiras são aquelas capazes de produzir renda para o Estado. Classificam-se em: (i) aquisições de imóveis ou bens de capital já em utilização; (ii) aquisições de títulos represen-tativos do capital de empresas ou entidades de qualquer espécie; (iii) constituição ou aumento do capital de empresas que visem objetivos comerciais ou financeiros. Por fim, transferências de capital são as dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, inde-pendentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou contribuições, segundo derivem diretamente da Lei de orçamento ou de lei especialmente anterior, bem como as dotações para amortiza-ção da dívida pública.

Além dessa classificação (legal), vale mencionar que a doutrina também classifica as despesas públicas: (i) segundo a competência, entre federais, estaduais e municipais;

9 ROsa Jr., luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 35.

10 Ibi idem.

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(ii) com base em critérios econômicos, entre despesas de produção (custo das ativida-des contraprestacionais desenvolvidas pelo Estado), despesas reais (custo da transferên-cia de bens do setor privado para o público e despesas de repartição (redistribuição de rendimentos dentro da própria economia privada); (iii) segundo critério programáti-co, que leva em consideração o programa governamental nas diversas áreas de atuação (ensino, saúde, transporte, segurança etc.).

Com o especial objetivo de evitar o déficit público, o artigo 167, II, da CRFB/88 proíbe, expressamente, a realização de despesa sem o respectivo crédito orçamentá-rio ou adicional (previamente aprovado pelo Poder Legislativo) para suportá-la.

Neste sentido, destaca-se que crédito orçamentário é a dotação incluída no parce-lamento para atender as diversas despesas do Estado11 e que, sendo este insuficiente, o Poder legislativo pode autorizar créditos adicionais, que se dividem em suplemen-tares (voltados ao reforço da dotação orçamentária – artigo 165 § 8º e 167, V, da CRB/88), especiais (destinados a despesas que não possuem dotação orçamentária específica - exigem prévia autorização do Legislativo) e extraordinários (urgentes e imprevisíveis – podem ser abertos mediante Medida Provisória – artigo 167, §§ 2º e 3º da CRFB/88).

Para sua realização, é interessante observar que a despesa pública deve atraves-sar três fases distintas: o empenho (assim entendido como o ato, prévio, de reserva do crédito orçamentário necessário à realização de determinado pagamento); a liquidação (corresponde à verificação do cumprimento da obrigação do credor, bem como ao cálculo exato do montante devido), e; o pagamento.

No que se refere a despesas com obras, serviços e compras, sua realização deverá, ainda, ser precedida de licitação, assim entendido como um processo pelo qual a Administração Pública informa à sociedade seu interesse em realizar determinada obra ou adquirir bens e serviços, de modo que os interessados possam concorrer em situação isonômica pela celebração do respectivo contrato com o ente público.

Pois bem, apesar de todas essas limitações constitucionais e formais para a rea-lização da despesa pública, fato é que os entes públicos brasileiros, em sua grande maioria, permaneciam apresentando orçamentos deficitários e, via de conseqüência, vinham perdendo credibilidade na contratação de particulares que, com medo de “calote”, ou se furtavam em contratar com a Administração Pública, ou embutiam no seu preço o custo desse risco.

Assim, imbuído da proposta de equilibrar as finanças dos cofres públicos, bem como emprestar maior efetividade às normas pertinentes à realização de despesas públicas, o Legislador Complementar brasileiro, buscando inspiração no Tratado de Maastricht (que instituiu a União Européia), no Budget Enforcement Act – 1990 (EUA) e no Fiscal Responsibility Act – 1994 (Nova Zelândia), em 05.05.2000, fez publicar a Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000, vulgarmente conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal.

Os setenta e cinco artigos dessa Lei refletem claramente o seu objetivo de se firmar como uma norma que estabelece princípios norteadores da gestão fiscal res-ponsável, que fixa limites para o endividamento público e para expansão de despe-sas continuadas, e que institui mecanismos prévios e necessários para assegurar o

11 TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 166.

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cumprimento de metas fiscais a serem atingidas pelas três esferas de governo. Vale dizer, preocupa-se esta norma em oferecer a condição necessária e suficiente para a consolidação de um novo regime fiscal no País, compatível com a estabilidade de preços e o desenvolvimento sustentável.

No que é pertinente, especificamente, à despesa pública, o artigo 15 e seguintes da LRF estabelecem importantes limitações à sua realização e reconhecem a nulida-de daquelas que não prestarem observância às suas disposições (artigo 15).

Dentre as principais limitações, vale destacar: suas disposições sobre a Lei Or-çamentária Anual, que exigem um planejamento prévio de todas as receitas e as despesas referentes ao próximo ano (artigo 5º); a limitação ao empenho dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e do Ministério Público quando as receitas não se demonstrarem suficientes para o cumprimento das metas fiscais (artigo 9º); a exigência de uma estimativa de impacto financeiro para os três primeiros anos da implementação de atividades governamentais que acarretem o aumento de despesa (artigo 16, I); limitações das despesas com pessoal (artigo 19); limites da dívida pública (artigos 30 e 31).

É interessante observar que, com o especial objeto de garantir o controle das re-ceitas e dos gastos públicos pela sociedade, a LRF dedica um capítulo inteiro (artigo 48 ao 59) sobre a transparência, controle e fiscalização da atividade financeira da Administração Pública.

Além da diminuição e controle das despesas públicas, a Administração Pública tam-bém deve diminuir e controlar as renúncias de receita, assim entendida como um meca-nismo financeiro que produz os mesmos efeitos econômicos da despesa pública, na me-dida em que reduz o ingresso de recursos nos cofres públicos. São exemplos: anistia fiscal, redução de base de cálculo e alíquota de tributo e remissão (artigos 11 a 14 da LRF).

c) QuestiOnáriO

É correta a afirmação no sentido de que o aumento da despesa pública, ao longo do tempo, encontra-se estagnado? Explique. Qual a classificação de despesa pública oferecida pela Lei nº 4.320/64 e qual a principal diferença entre elas? O que é que se entende por créditos orçamentários e adicionais e qual a sua relação com a despesa pública? Qual a finalidade da instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal? Cite, ao menos, três dos seus artigos que refletem esta finalidade.

d) casO geradOr

Os servidores celetistas (funcionários) da Fundação de Assistência ao Estudan-te sempre gozaram do benefício de “bolsa de estudo”, concedido por Portaria da Presidência da Fundação, como decorrência do regular exercício das suas funções. Com o advento do artigo 39 da CRFB/88 (EC 18/98), que instituiu um regime jurídico único dos servidores federais, não mais se previu tratamento diferenciado

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aos celetistas. A Lei nº 8.212/91, ao tratar do assunto, não mais contemplou a bolsa de estudos em comento.

Irresignados, os servidores da Fundação impetram Mandado de Segurança com o objetivo de voltarem a receber tal benefício, sob o fundamento de violação ao direito adquirido e ao princípio de irredutibilidade de vencimentos. Vale dizer, os argumentos dos servidores pautavam-se no entendimento no sentido de que (i) nos termos do artigo 5º, XXXVI, da CF, não poderia lei nova retirar-lhes um direito já incorporado ao seu patrimônio – o direito à bolsa de estudos, e; (ii) não pode haver redução de remuneração pelo trabalho prestado.

À parte de diversas questões constitucionais interessantes ao tema – tal como a análise do princípio da legalidade e isonomia -, considerando a ausência dotação or-çamentária para a manutenção de tal benefício, decida se a segurança deve, ou não, ser concedida com base no nosso estudo sobre a despesa pública a partir do artigo 169 da Constituição Federal. (MS 22160/DF)

e) QuestãO de cOncursO

1 - Despesa pública, para Aliomar Baleeiro, é “a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente dentro de uma autorização legislativa para execução de fim a cargo do governo”. Na despesa pública será proibida a

a) realização de despesas que excedam os créditos orçamentários ou adicionaisb) realização de programas não incluídos na leic) inclusão de operações de créditos que excedam o montante das despesasd) utilização de créditos ilimitadose) utilização de recursos da seguridade social

(Concurso para Procurador da Fazenda Nacional de 1998)

2- Aliomar Baleeiro define a despesa pública como “sendo a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente dentro de uma autorização legislativa para execução de fim a cargo do gover-no.” A partir desse entendimento a despesa pública poderá ser liberada

a) a vista de recibo ou nota fiscalb) automaticamente, em se tratando de agente públicoc) se antecedida de previsão orçamentáriad) mediante empenho, exclusivamentee) mediante autorização do Tribunal de Contas

(Concurso Público para Advogado da União de 2ª Categoria – 1998)

3- Existem várias causas que justificam o aumento real das Despesas Públicas. Aponte a opção não pertinente.

a) O desenvolvimento de novas necessidades sociais.b) O progresso técnico.

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c) Alteração do papel do Estado.d) A influência das guerras.e) A redução dos poderes dos governos.

(MPU – analista de orçamento de 2004)

F) bibliOgraFia

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atu-alizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributá-rio, volume V: O Orçamento na Constituição. 2ª ed. Revisada e atualizada até a EC 27/00 e LRF. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.4. aula 4. estado financeiro e república. o orçamento.

a) ObjetivO

Após termos estudado a receita e a despesa pública, hoje, analisaremos o Orça-mento Público, sua finalidade, princípios informadores e processo de formação. Ao final da presente aula, espera-se que vocês tenham conhecimento sobre o processo de gerenciamento de receitas do Estado, bem como sejam capazes de minutar uma proposta de orçamento.

b) intrOduçãO

Com a Revolução Francesa e o fim do Antigo Regime, há o resgate dos ideais republicanos baseados nas virtudes cívicas da democracia grega e da república roma-na. Nessa nova feição pós-revolucionária, o republicanismo francês sustenta não só a autorização para a obtenção das receitas junto a sociedade, idéia que, em alguma medida, vinha desde a Magna Charta inglesa, de 1.215, mas principalmente a do controle das despesas públicas pela sociedade. Surge, assim, com a Revolução Fran-cesa, e sob inspiração republicana, a idéia moderna de Orçamento.

Na definição clássica de Aliomar Baleeiro12, orçamento é o ato pelo qual o Po-der Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do País, assim como a arrecadação das receitas cria-das em lei.

Ao analisar o conceito acima, o professor Luiz Emygdio13 afirma que o orçamento compõe-se de duas partes distintas: despesas e receitas. O Poder legislativo autoriza o plano das despesas que o Estado terá que efetuar no cumprimento de suas finalidades, bem como o percebimento dos recursos necessários à efetivação de tais despesas dentro de um período determinado de tempo.

O Orçamento, pois, é um documento capaz de retratar a saúde financeira de determinado ente político, em um certo período, cuja elaboração depende da apro-vação do Poder Legislativo e a execução do Poder Executivo.

Sua origem remonta o ano de 1215, quando, na Inglaterra então reinada pelo príncipe João-sem-Terra, o artigo 12 da sua Magna Carta dispunha que os tributos somente poderiam ser exigidos do cidadão caso estivesse previamente aprovados pelo Conselho dos Comuns do Reino.

No Brasil, sua primeira aparição se deu já na Constituição Imperial de 1824, em seus artigos 171 e 172, segundo os quais: “Art. 171. Todas as contribuições diretas, à exceção daquelas que estiverem aplicadas aos juros e amortização da dívida públi-ca, serão anualmente estabelecidas pela Assembléia Geral, mas continuarão até que se publique a sua derrogação ou sejam substituídas por outras.”; e “Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido de outros ministros os orçamentos relativos às

12 balEEIRO, aliomar. Uma In-trodução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atualizada por Dejalma de campos. Rio de Ja-neiro: Forense, 2004. p. 411.

13 ROsa Jr., luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 76.

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despesas das suas repartições, apresentará na Câmara dos Deputados anualmente, logo que esta estiver reunida, um balanço geral da receita e da despesa do Tesouro Nacional do ano antecedente, e,igualmente o orçamento geral de todas as despesas públicas do ano futuro e da importância de todas as contribuições e rendas públicas.”

O primeiro orçamento a ser elaborado em observância a esses dispositivos so-mente veio a ser votado para o exercício de 1831-1832, valendo destacar, contudo, que desde 1828 já havia orçamento da Província do Rio de Janeiro.

Atualmente, a disciplina estrutural do Orçamento Público é tratada através da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Seus dispositivos dispõem cuidadosamente sobre os princípios e regras norteadores dos gastos e das receitas públicas, de modo que alguns autores, tal como o professor Ricardo Lobo Torres14, chega a se referir a uma verdadeira Constituição Orçamentária.

Os principais dispositivos que cuidam do orçamento em nossa Constituição são: artigo 31 (fiscalização orçamentária dos Municípios); artigos 70 a 75 (normas sobre controle da execução orçamentária); artigo 99 (orçamento do Poder Judiciário), e; artigos 165 a 169 (seção do orçamento).

O Estado Orçamentário que busca alcançar o equilíbrio ótimo entre as recei-tas e as despesas públicas, bem como atender às necessidades públicas e promover o desenvolvimento econômico e social baseia-se no planejamento. Neste sentido, com o especial objetivo de consagrar o planejamento orçamentário, o artigo 165 da Constituição estabelece a necessidade de criação de Plano Plurianual; Lei de Diretri-zes Orçamentárias, e; Lei do orçamento Anual. Passemos à análise de cada um desses intrumentos.

O Plano Plurianual (PPA) tem por objetivo a criação de metas e programas de governo de longo prazo. Nele deverá constar elementos capazes de promover o de-senvolvimento econômico e o equilíbrio entre as diversas regiões do País através da realização de despesas de capital e de outras delas decorrentes, tal como disposto no artigo 165, § 1º, da CRFB/88.

Nos termos do artigo 167, §1º, da CRFB/88, nenhum investimento cuja exe-cução ultrapasse um exercício financeiro poderá se iniciado sem prévia inclusão no Plano Plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de respon-sabilidade.

O PPA é lei formal no sentido de que depende do orçamento anual para a reali-zação das despesas. De fato, muito embora não vincule o Legislativo na elaboração das leis orçamentárias, suas orientações devem ser observadas pelo Poder Executivo na execução dos orçamentos anuais.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de inspiração Alemã e Francesa, tem por finalidade estabelecer as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente; orientar a elaboração da lei orçamentária anual (LOA); dispor sobre as alterações na legislação tributária, e; estabelecer a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho).

Assim como o PPA, a LDO possui natureza formal, constituindo simples orientação para a elaboração do orçamento anual. Suas disposições não criam

14 TORREs, Ricardo lobo. Tratado de Direito Constitucional Finan-ceiro e Tributário, volume V: O Orçamento na Constituição. 2ª ed. Revisada e atualizada até a Ec 27/00 e lRF. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 01.

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direitos subjetivos para terceiros e, somente, possui eficácia entre os Poderes do Estado.

Não sendo lei material, não revoga nem retira a eficácia das leis tributárias ou das que concedem em incentivos. A lei de diretrizes é, em suma, um plano prévio, fun-dado em considerações econômicas e sociais, para ulterior elaboração da proposta orçamentária do Executivo, do Legislativo (arts. 51, IV e 52, XIII), do Judiciário (art. 99, § 1º) e do Ministério Público (art. 127, § 3º)15.

A LDO se distingue da PPA, pois, enquanto a primeira se refere às metas a serem perseguidas pelo Poder Executivo no exercício financeiro subseqüente, a segunda volta-se a um período mais amplo.

Há quem diga que a LDO é o elo de ligação entre o PPA e a LOA.Lei Orçamentária Anual (LOA) é o instrumento normativo que contem a discri-

minação da receita e despesas de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade (artigo 2º da Lei nº 4.320/64). Ela compreenderá o orçamento fiscal, o de investimento da empresas estatais e o da seguridade social (artigo 165, § 5º da CRFB/88)16.

Muito embora possam existir três documentos distintos, é importante destacar que o orçamento é uno, de modo que todos esses instrumentos se harmonizam em benefício de uma finalidade comum.

Interessante observar que, a despeito de já ter havido vozes que sustentassem que o orçamento possui natureza de lei material, hoje, a visão do orçamento como ver-dadeira lei formal é visão consolidada pela mais autorizada doutrina brasileira. Isto quer dizer que o orçamento apenas prevê as receitas públicas e autoriza os gastos, sem criar direitos subjetivos e sem modificar as leis tributárias e financeiras17.

Até que se sobrevenha a Lei Complementar mencionada no artigo 165, § 9º, da CRFB/88, o processo legislativo de elaboração orçamentária deverá observar o disposto no artigo 35, § 2º do Ato da Disposições Constitucionais Transitórias, bem como o disposto no artigo 59 de seguintes da CRFB/88, naquilo em que não contrariar as normas específicas.

Neste sentido, os projetos de lei, referentes ao PPA, LDO e LOA, são de ini-ciativa do Poder Executivo (artigo 165, caput), que deverá encaminhá-lo às duas Casas do Congresso Nacional. O Projeto, pois, deverá ser submetido à análise de uma Comissão Mista de Senadores e Deputados, que deverá emitir parecer sobre seu conteúdo. Após, o projeto deverá ser enviado ao Plenário das duas Casas do Congresso Nacional que, em sessão conjunta, o apreciará. A aprovação se dará me-diante a presença da maioria absoluta dos seus membros e com o voto da maioria simples.

Concluída a votação e aprovado o Projeto, este deverá ser enviado ao Presidente da República para sanção, ou veto. Após a sanção, o Projeto deve ser promulgado (atribuição de existência jurídica) e publicado (atribuição de força obrigatória).

Na hipótese de não haver orçamento votado até o início do exercício seguinte, o artigo 5º, da Lei nº 7.800/89 admite a prorrogação do orçamento anterior, na razão de 1/12 (um doze avos) das dotações, até que o novo seja publicado. Há quem

15 Ib idem. p. 67.

16 RaMOs FIlHO, carlos al-berto de Moraes. O processo legislativo Orçamentário e a constituição de 1988. Revista Tributária e de Finanças Públi-cas – Coordenada por Dejalma Campos. são paulo: Revista dos Tribunais, ano 13, n. 61 – mar/abr de 2005.

17 TORREs, ____. p. 76.

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sustente, contudo, que esta hipótese implica a solicitação legislativa para a abertura de créditos suplementares e/ou especiais, conforme o caso (artigo 166, § 8º, da CRFB/88).

No que é pertinente aos princípios informadores do Orçamento Público, vamos apresentá-los aos seus treze principais, são eles: (i) anterioridade; (ii) anualidade; (iii) unidade; (iv) universalidade; (v) exclusividade; (vi) transparência; (vii) não-afetação; (viii) proibição do estorno; (ix) equilíbrio financeiro; (x) redistribuição de rendas; (xi) desenvolvimento econômico; (xii) legalidade, e; (xiii) economicidade.

O princípio da anterioridade prestigia a idéia de que o orçamento deve ser apro-vado antes do início do o exercício financeiro a que se refere. Como já vimos, a exceção a este princípio guarda relação com os créditos adicionais que podem ser autorizados durante o próprio exercício financeiro. (artigo 165, § 8º e 167, V e §§ 2º e 3º todos da CRFB/88). É interessante observar que este princípio não se confunde com o da anterioridade tributária, constante no artigo 150, III, “b”, da CRFB/88, que estudaremos mais adiante.

A anualidade orçamentária consiste em afirmar que o orçamento deve ser ela-borado para ser realizado no período de um ano, vale dizer, passado este tempo, o Legislativo deverá exercer o controle político sobre o Executivo pela legitimação da sua atividade financeira. Vale destacar que este princípio não guarda relação com o já falecido princípio da anualidade tributária, segundo o qual um tributo somente poderia ser exigido na hipótese de estar previamente autorizado pelo orçamento.

O princípio da unidade sustenta a harmonia finalística entre os diversos orça-mentos. Seu reflexo pode ser facilmente percebido no artigo 165, §5º, da CRFB/88, que unificou os orçamentos fiscal, de investimento e o da seguridade social.

Em conformidade com o princípio da universalidade, o Orçamento deve conter os valores (brutos) de todas as receitas e despesas da União, seja qual for sua natu-reza ou destino. Tal princípio demonstra-se de grande importância na realização do princípio do equilíbrio e da transparência.

O princípio da exclusividade, também conhecido como exclusividade da matéria orçamentária, sustenta a impossibilidade do orçamento conter qualquer disposição es-tranha à previsão de receita ou à fixação de despesa. Ao consagrar tal princípio, o artigo 165, § 8º da CRFB excepcionou os créditos suplementares e as operações de crédito.

No entanto, como bem salientado por Ricardo Lobo Torres18, tais “exceções”, na verdade, não são estranhas ao Orçamento. De fato, a intenção do Constituinte parece ter sido a de destacar sua preocupação com o endividamento do País e o equilíbrio financeiro.

Princípio implícito, com base constitucional nos artigos 5º, 37 e 165, §6º da CRFB/88, a transparência sustenta um orçamento acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, vale dizer, deve haver livre e claro acesso à sociedade dos ingressos e despesas suportadas pelo poder público. Sua materialização pode ser conferida no sítio <www.portaldatransparencia.gov.br>.

A não-afetação da receita está expressa no artigo 167, IV da CRFB/88, e sua inteligência consiste em afirmar a impossibilidade do legislador vincular a receita pública a determinadas despesas. Este princípio se restringe às receitas provenientes

18 TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 106.

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de impostos e dele estão ressalvadas as hipóteses dos artigos 158 e 159, 212, 165, §8º, 155 e 156.

O princípio da proibição do estorno se encontra previsto no artigo 167, VI, da CRFB/88, e veda a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.

Basicamente, o equilíbrio financeiro consiste em equalizar o montante de recei-tas com o de despesa, isso de modo a evitar o déficit público.

Pelo fundamental princípio da redistribuição de rendas busca-se tirar de quem tem mais para oferecer a quem tem menos. Este princípio encontra sua base empí-rica no artigo 1, III e artigo 3º I a IV, ambos da CRFB/88, e se opera pela prestação de bens ou serviços públicos aos necessitados, ajudas voluntárias, bem como pelos programas de saúde e assistência.

O desenvolvimento econômico encontra seu fundamento no artigo 3º, II, da CRFB/88, e, na qualidade de direito fundamental da República, volta-se à expansão da liberdade da sociedade. Seu reflexo pode ser percebido na afirmação de que os tributos devem ser criados em um patamar que não obste o livre exercício e desen-volvimento da atividade financeira.

O tradicional princípio da legalidade informa toda a atividade da administração pública e, no que é pertinente ao orçamento, sustenta que toda e qualquer atividade de despesa pública deve estar regularmente pautada em lei, sob pena de absoluta nulidade, nos termos do artigo 167 da CRFB/88.

Por fim, temos o princípio da economicidade, que apregoa que o orçamento deve conter o mínimo de receita capaz de produzir o máximo em bens e serviços.

Pois bem, uma vez elaborado e aprovado o Orçamento Público, cumpre ao res-pectivo órgão público dar-lhe execução. Neste sentido, salienta-se que o controle da execução orçamentária pode ocorrer de duas formas: interna (pelos Poderes da União – artigo 74), e; externa (através Congresso Nacional auxiliado pelo Tribunal de Contas).

Sendo a atuação do Tribunal de Contas a mais relevante, passaremos à sua análise na próxima aula.

c) QuestiOnáriO

O Orçamento Público é fim ou meio? Explique. Em que consiste a atividade de planejamento? Em breves palavras, explique seus instrumentos constitucionais. Discorra sobre o processo legislativo orçamentário. Cite e explique 5 dos principais princípios que informam o orçamento.

d) casO geradOr

Determinado ente federativo possui uma receita anual total no valor de R$ 450 bilhões e uma despesa obrigatória no valor de R$ 300 bilhões. Fora esta despesa

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obrigatória esse ente federativo, por força de dispositivo constitucional, é obrigado a repassar parte de suas receitas tributárias para os entes federados menores e, como não poderia deixar de ser, possui despesas a cargo da discricionariedade do Poder Executivo. Com base nas informações abaixo, elabore, remanejando onde for pos-sível e da forma que lhe pareça mais eficiente ao atendimento do interesse público e seguro para a economia nacional, o orçamento de despesas deste ente federativo, considerando a receita disponível em R$ 334,80 bilhões.

noTa: ProbLema eLaborado com dados aProXimados do orçamenTo 2005 da srF. disponível em:http://www.planejamento.gov.br/arquivos_down/sof/apresministronelson_orc2005.ppt#2

despesas obriGatÓrias em bilhões de reais1. Pessoal e encargos sociais 91,3 2. benefícios Previdenciários 1403. demais despesas (total) 19,13.a. abono e seguro desemprego 10,63.b. benefícios de prestação continuada 6,73.c. renda vitalícia 1,84. outras 12,8ToTaL 263,20desPesas discricionÁrias em bilhões de reais1. saúde 32,82. educação 7,23. ciência e Tecnologia 3,54. combate à fome 6,25. outras 21,9ToTaL 71,6

e) QuestãO de cOncursO:

1. Assinale a opção CoRREtA:a) O ingresso de dinheiro nos cofres públicos chama-se entrada, mas nem toda

entrada compõe a receita do Estado.b) Os tributos e tarifas são receitas, chamadas “entradas definitivas”.c) Receita gratuita são aquelas auferidas com a caução, a fiança e os emprésti-

mos em geral.d) Orçamento é peça técnica destinada a demonstrar as contas públicas para um

determinado período, e nele estão discriminadas as receitas e as despesas e, ainda, a especificação de outras finalidades.

e) Regulam o orçamento as Normas Gerais de Direito Financeiro e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

(XLIV Concurso para ingresso na carreira do Ministério Público de Minas Gerais. 04 de abril de 2004)

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2- A lei orçamentária anual, de acordo com previsão constitucional, deverá conter:

a) o plano plurianualb) as diretrizes orçamentáriasc) o orçamento fiscal, de investimento e da seguridade social relativos à União,

órgãos e entidades da áread) o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e orçamentos fiscal, de inves-

timento e da seguridade social da União e das entidades afinse) o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais

(Concurso para Procurador da Fazenda Nacional de 1998)

3- Com base na Constituição Federal de 1988, o princípio orçamentário que consiste na não-inserção de matéria estranha à previsão da receita é o

a) princípio da não-efetação das receitas.b) princípio da discriminação.c) princípio da clareza.d) princípio da exclusividade.e) princípio da unidade.

(MPU – técnico em orçamento – 2004)

F) bibliOgraFia

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atu-alizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Saúde, Medicamentos, Desenvolvimento Social e Princípios Orçamentários. Revista Tributária e de Finanças Públicas – Coordenada por Dejalma Campos. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 13, n. 61 – mar/abr de 2005.

RAMOS FILHO, Carlos Alberto de Moraes. O processo legislativo Orçamentá-rio e a Constituição de 1988. Revista Tributária e de Finanças Públicas – Co-ordenada por Dejalma Campos. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 13, n. 61 – mar/abr de 2005.

ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributá-rio, volume V: O Orçamento na Constituição. 2ª ed. Revisada e atualizada até a EC 27/00 e LRF. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.5. aula 5. o controle da execução orçamentária. o tribunal de contas

a) ObjetivO

De pouco adiantaria o estudo da última aula, na qual demonstramos a compe-tência do Poder Legislativo para aprovar ou rejeitar a proposta de orçamento inicia-da pelo Poder Executivo, se não existissem meios eficientes de fiscalizar a execução orçamentária. Diante disto, estudaremos hoje as formas de controle da execução do orçamento e daremos especial ênfase ao estudo do Tribunal de Contas, que é o órgão cuja existência se fundamenta, justamente, neste controle.

b) intrOduçãO

Como já vimos, o ciclo orçamentário desenvolve-se através das seguintes fases: primeiro, o Poder Executivo elabora a proposta de orçamento e submete à apre-ciação do Congresso Nacional; segundo, o Congresso discute e aprova a proposta, e; terceiro, o Poder Executivo sanciona e dá execução ao orçamento. Pois bem, posteriormente a essas fases, temos mais duas: a fase de controle da execução orçamentária pelo Tribunal de Contas e; o julgamento das contas públicas pelo Congresso Nacional, que tem competência para submeter os responsáveis por eventual atentado à probidade administrativa. São essas as fases que, hoje, nos interessam.

Preocupado com essa questão de garantir a efetividade do Orçamento, o artigo 70 da Constituição, ao inaugurar a Seção referente à fiscalização contábil, financei-ra e orçamentária, consagra que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indi-reta, quanto à legalidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

De pronto, a partir da simples leitura do mencionado dispositivo, pode-se ex-trair a consagração de cinco modalidades de fiscalização, cujo objetivo, sem dúvi-das, é garantir que toda e qualquer atividade financeira do Estado sofra algum tipo de controle.

A fiscalização contábil guarda relação com a análise dos registros contábeis, balanços, e interpretação dos resultados econômicos e financeiros. Sua realização abrange todas as outras quatro modalidades, já que a contabilidade pode ser finan-ceira, orçamentária, operacional ou patrimonial.

Enquanto a fiscalização financeira volta-se ao controle da arrecadação (das re-ceitas) e da realização das despesas, a orçamentária preocupa-se com o grau de con-cretização das previsões orçamentárias, vale dizer, analisa se as metas do orçamento estão sendo atingidas.

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A fiscalização operacional abrange as operações de crédito e as despesas não pre-vistas na previsão orçamentária e, por fim, a fiscalização patrimonial controla a situação dos bens e imóveis que constituem o patrimônio público.

No que se refere à extensão dessa fiscalização, o próprio artigo 70 da CRFB/88 deixa claro que a mesma abrange tanto a administração direta (Poderes da União e o próprio Tribunal de Contas) como a indireta (autarquias, empresas públicas, so-ciedades de economia mista, fundações instituídas ou mantidas pelo poder público e, ainda, entidades de direito privado que manipulem bens ou fundos do governo ou que recebam contribuições parafiscais ou transferências à conta do orçamento da União). Enfim, deverá prestar contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (art. 70, parágrafo único da CRFB/88).

Voltando à análise do artigo 70 da CRFB/88, nota-se haver a previsão no sentido de que a aplicação das subvenções e renúncia de receitas também será objeto de con-trole. Isto quer dizer que as transferências de receita para cobrir despesas de custeio de órgãos públicos ou privados (art. 16 e ss da Lei nº 4.320/64), bem como aquelas medidas que impliquem redução na receita (em regra, relacionadas à área tributária) também estão sujeitas a controle.

A parte final desse dispositivo constitucional demonstra existir duas espécies de controle: o interno e o externo. Enquanto o primeiro é exercido pelos próprios Po-deres da União (artigo 74 da CRFB/88) que, como decorrência da sua autonomia administrativa e financeira, realizam verdadeira autotutela da legalidade e da eficá-cia da sua gestão financeira, o segundo é realizado pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas.

A comunidade também tem o seu papel no controle sobre a execução do or-çamento público. De fato, conforme a clara letra do disposto no artigo 74, § 2º da CRFB/88, qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidade perante o Tribunal de Contas da União.

Desde já, é importante destacar que o controle da execução orçamentária é sistê-mico, vale dizer, o controle interno deve se apoiar no externo e vice-versa. Isto por-que, na medida em que o controle interno deve preparar o terreno para o controle externo, este auxilia àquele na sua função fiscalizatória. Para isso, os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de respon-sabilidade solidária (art. 74, § 1º).

Feitas essas considerações gerais sobre o controle da execução orçamentárias, passemos à análise específica do Tribunal de Contas.

“O Tribunal de Contas, no Brasil, é o órgão que se manifesta não só no inte-resse da moralidade administrativa, mas também no da preservação dos objetivos pretendidos pelo Congresso quando autorizou despesas e receitas. Ele controla os pagamentos do Executivo, pode impedi-los, se não forem autorizados, e dá parecer sobre o conjunto e o detalhe da execução. Vela para que o Presidente e Ministros só

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gastem para os fins específicos do orçamento e dentro dos limites que o Congresso traça a cada um desses fins”19.

Pouco depois da Proclamação da República, motivado pela inspiração de Rui Bar-bosa, surge no Brasil a figura do Tribunal de Contas, instituído pelo Decreto nº 966, de 17.12.1890, cuja justificativa se apresentou como corpo de magistratura intermedi-ária entre a Administração e a Legislatura, a fim de consagrar entre o Poder que autoriza periodicamente a despesa e o Poder que quotidianamente a executa um mediador inde-pendente, auxiliar de um e outro, que, comunicando com a Legislatura, e intervindo na Administração seja não só vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentárias por um veto oportuno aos atos do Executivo, que direta, próxima ou remotamente, discrepem da linha rigorosa das leis de finanças.”20

Logo após, em 1891, o Tribunal de Contas ingressou no texto da Constituição brasileira e dele nunca mais saiu.

É interessante observar que o Tribunal de Contas não é um órgão constitucional, mas sim um órgão de relevância constitucional. Isto porque, muito embora não tenha sido criado pela Constituição e não constitua a idéia de Estado, é a própria Constituição Federal que estabelece suas funções e competências.

Em conformidade com o disposto no artigo 71 CRFB/88, o controle externo deverá ser realizado a cargo do Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas. Este controle, pois, se opera através de um exame inicial realizado pelo Tribunal de Contas, que resultará em um parecer (não-vinculante) a ser emitido ao Congresso Nacional para que este tome as medidas cabíveis.

O controle externo poderá ocorrer a posteriori, quando iniciado após praticado o ato fiscalizado; contemporaneamente, ao mesmo tempo da execução orçamentária, ou; simultaneamente, quando, em se tratando de despesa não autorizada, possa haver dano irreparável ou grave lesão à economia pública.

Compete ao Tribunal de Contas: (i) apreciar as contas do Presidente da Repúbli-ca através de parecer prévio; (ii) julgar as contas dos administradores e demais res-ponsáveis por valores públicos; (iii) apreciar, para fins de registro, atos de admissão de pessoal; (iv) realizar inspeções e auditorias; (v) fiscalizar as contas das empresas supranacionais; (vi) fiscalizar os repasses de recursos, ressalvadas as transferências tributárias obrigatórias; (vii) prestar informações ao Congresso Nacional sobre seus procedimentos de fiscalização; (viii) multar os responsáveis por atos ilegais ou ir-regulares; (ix) fixar prazo para regularização dos atos; (x) sustar o ato impugnado; (xi) representar sobre as irregularidades apuradas, e; (xii) sustar contratos celebra-dos com o Poder Público prejudiciais ao orçamento. A eficácia das suas decisões que imputem débito ou multa é de título executivo, nos termos do art. 71, § 3º da CRFB/88).

Muito se tem discutido acerca da natureza das funções exercidas pelo Tribunal de Contas.

Sem dúvidas, o Tribunal de Contas não está subordinado ao Poder Executivo. Quanto à sua relação com o Poder Judiciário, muito embora a Constituição tenha conferido aos seus Ministros as mesmas prerrogativas e garantias dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, bem como a mesma competência (de organização)

19 balEEIRO, aliomar. Uma In-trodução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atualizada por De-jalma de campos. Rio de Janei-ro: Forense, 2004. p. 451/455.

20 Ib idem.

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prevista no artigo 96 da CRFB/88, a ausência de função jurisdicional impede sua subordinação a este Poder. De fato, conquanto realize o julgamento das contas com independência, imparcialidade, igualdade processual e ampla defesa, suas de-cisões, além de não vincular o Congresso Nacional, poderão ser revistas pelo Poder Judiciário.

O cerne da questão reside com a sua relação para com o Poder Legislativo. En-quanto uns afirmam se tratar de órgão integrante do Poder Legislativo, outros en-tendem pela sua natureza de verdadeiro auxiliar dos Poderes da União e da própria comunidade.

Para os primeiros, o principal argumento consiste na afirmação de que o Tribunal de Contas é um importante instrumento técnico do Congresso na fiscalização do cumprimento do Orçamento por ele aprovado. Assim, imprescindível para a regular aplicabilidade do sistema de “freios e contrapesos”. Um outro argumento utilizado consiste em afirmar que a localização topográfica do Tribunal de Contas da Consti-tuição – no capítulo reservado ao Poder Legislativo – terminaria por colocar uma pá de cal no assunto. Defende esta corrente o professor Aliomar Baleeiro21.

Para os segundos, a inexistência que qualquer dispositivo constitucional que conferisse qualquer grau de subordinação e obediência ao Poder Legislativo impe-de a sua caracterização como órgão deste Poder. Com efeito, considerando que o Tribunal de Contas, além de independente, não possui funções legislativas. Assim, segundo este entendimento o Tribunal de Contas é órgão auxiliar dos Poderes Le-gislativo, Executivo e Judiciário, bem como da comunidade e de seus órgãos de participação política.

Ciente da riqueza dos argumentos aqui envolvidos, nos parece que, pelos seus próprios motivos, a razão está com a segunda corrente.

Inobstante esse controle “numérico” realizado pelo Tribunal de Contas, não po-demos deixar de mencionar que a sua própria existência e o regular exercício das suas funções pauta-se na proteção dos direitos fundamentais do homem e da coleti-vidade, assim entendidos como aqueles inerentes à pessoa humana, inalienáveis e im-prescritíveis, dotados de eficácia contra terceiros e que estão declarados, em enumeração não exaustiva, no art. 5º da Constituição de 198822.

Isto porque, tendo em vista que o dinheiro é essencial para o regular exercício da liberdade (de viver dignamente), não há como se admitir que o Estado mal gerencie os recursos públicos a ele confiados.

Neste sentido, “o Tribunal de Contas, que está essencialmente ligado aos direitos fundamentais, pela dimensão financeira que estes exibem, aparece na CF 88 como uma das garantias institucionais da liberdade, a que o cidadão tem acesso através das garantias processuais. Pode a comunidade invocar a proteção ao Tribunal de Contas para o combate à corrupção, para o controle dos incentivos fiscais, para promover a fiscalização sobre as entidades financeiras privadas que, causando prejuízos a ter-ceiros, possam atingir o Tesouro, para fixar o valor do dano ambiental causado por funcionário ou terceiros etc23.”

21 ibi idem p. 452.

22 TORREs, Ricardo lobo. Tratado de Direito Constitucional Finan-ceiro e Tributário, volume V: O Orçamento na Constituição. 2ª ed. Revisada e atualizada até a Ec 27/00 e lRF. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p 368.

23 TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 180.

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c) QuestiOnáriO

O que se entende por controle de execução orçamentária e quais as suas espécies? Qual o papel do Tribunal de Contas no controle da execução do orçamento público? O Tribunal de Contas possui alguma relação direta com o Congresso Nacional?

Pode a Petrobrás sofrer alguma espécie de controle orçamentário por parte do Tribunal de Contas?

d) casO geradOr

Determinado Município, irresignado com a informação de que sofreria fiscali-zação pelo Ministério do Controle e da Transparência, em relação à aplicação dos recursos federais que lhe foram repassados, impetrou Mandado de Segurança obje-tivando impedir a materialização de tal fiscalização. Como fundamento à sua pre-tensão, sustentou o Município que o artigo 18 da CRFB/88 lhe atribui autonomia política, administrativa e financeira; que o artigo 31 da CRFB/88 afirma que à sua Câmara Municipal é que compete fiscalizar as contas do Poder Executivo e que, o controle da União Federal deve ser realizado pelo Tribunal de Contas da União e não pelo Ministério de Controle e da Transparência.

Com base nos critérios de controle interno e externo da execução orçamentária e contrapondo os argumentos utilizados pelo Município com o disposto nos artigos 70, 74, I, IV e § 1º da CRFB/88, bem como com o disposto no artigo 87, I, da CRFB/88, deve a segurança pleiteada ser concedida? (MS 9642/DF, 1ª SEÇÃO DO STJ, DJ 21.03.2005).

e) QuestãO de cOncursO

1 - No exercício do controle financeiro externo, incumbe ao tribunal de Contas da União verificar se a despesa realizada ocorreu de modo a atender a uma ade-quada relação custo-benefício, entre o seu valor e o respectivo resultado para a população. Este controle denomina-se:

a) fidelidade funcionalb) cumprimento de metasc) legitimidaded) economicidadee) Legalidade

(Concurso para Procurador da Fazenda Nacional de 1998)

2- A regra básica do Estado de Direito é que governantes e governados se su-bordinam à lei. Daí a necessidade de exercer, quanto à Administração Pública, o desempenho de uma função fiscalizadora incluindo a atividade financeira do Estado.

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A fiscalização financeira, orçamentária e outras, conexas, será exercida peloa) Congresso Nacionalb) Congresso Nacional, partidos políticos e sindicatosc) Sistema de controle interno de cada entidaded) Congresso Nacional e pelo sistema de controle interno de cada entidadee) Tribunal de Contas e Tribunais do Poder Judiciário

(Concurso Público para Advogado da União de 2ª Categoria – 1998)

F) bibliOgraFia

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atua-lizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributá-rio, volume V: O Orçamento na Constituição. 2ª ed. Revisada e atualizada até a EC 27/00 e LRF. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.6. aula 6. aspectos Jurídicos do endividamento do estado

a) ObjetivO

Hoje estudaremos mais uma forma de aquisição de recurso financeiro pelo Es-tado, cuja principal distinção em relação às outras consiste no fato desta implicar o surgimento de um direito creditício em face do Poder Público, com o exame do conceito de crédito público, sua origem, espécies e formas de extinção.

b) intrOduçãO

Como processo financeiro, o crédito público consiste em uma série de métodos pelos quais o Estado obtém dinheiro sob obrigação jurídica de pagar juros por todo o tempo durante o qual retenha os capitais, que se entendem passíveis de restituição em prazo certo, ou indefinido, a critério do devedor24.

Neste sentido, o crédito público constitui um meio, dentre vários outros, de obtenção de fundos pelo Estado de modo a atender sua finalidade fiscal ou extra-fiscal. De uma forma geral, o crédito público é originado a partir da necessidade do Estado, desprovido de lastro, realizar algum investimento relevante, superar um momento de crise financeira-social e financiar material e gastos bélicos em período de guerra.

O conceito de dívida pública, no direito financeiro, guarda relação, tão-somente, com aquelas obrigações cujo pagamento decorra de empréstimos assumidos pelo Poder Público. Assim, dívidas da Administração, tais como aquelas provenientes de aluguéis, aquisição de bens, prestação de serviços, condenações judiciais, não se incluem no conceito de dívida pública para fins do presente estudo.

Como já vimos em nossa segunda aula, esses empréstimos contraídos pelo Es-tado não constituem receita pública propriamente dita. De fato, para cada valor recebido pelo Estado, a este título, lançado no ativo, um valor idêntico é escriturado no passivo. Assim na medida em que o Estado recebe um valor “x”, neste mesmo momento, lhe surge um débito neste valor, motivo pelo qual não se percebe um efetivo acréscimo patrimonial no instituto do crédito público.

No mundo, se tem notícia de ocorrência do crédito público já na Idade Antiga. Com efeito, das correspondências entre Marco Túlio Cícero e Atiço, já se extrai provas de que banqueiros e pessoas da alta sociedade efetuavam empréstimos aos monarcas e entidades políticas dominadas por Roma25.

No Brasil, a assunção de dívidas públicas remonta a época do Império.Quando a Coroa Portuguesa, que fugia das invasões de Napoleão Bonaparte, se

transferiu para o Brasil, ela já trouxe consigo um endividamento para com os ingle-ses. Com a Independência, a jovem nação foi cobrada pela Inglaterra para assumir parte dessa dívida (cujo valor, em 1824, correspondia a 3 milhões de libras). Nosso país, portanto, já nasceu devedor.

24 balEEIRO, aliomar. Uma In-trodução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atualizada por De-jalma de campos. Rio de Janei-ro: Forense, 2004.. p. 159.

25 Ibi idem. p. 460.

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Considerando a economia estritamente colonial da época - extrativista, lavoura e pecuária -, o Brasil não tinha escolha senão recorrer aos banqueiros britânicos para obter fundos necessários ao seu desenvolvimento.

Este endividamento, como o passar do tempo, não diminuiu. De fato, com o advento da Guerra do Paraguai, a dívida brasileira para com os ingleses aumentou consideravelmente.

Em nossa primeira República, Campos Salles renegociou a dívida com o ban-queiro Rotschild e suspendeu o pagamento dos juros.

Em 1929, o Brasil, que pretendia pagar seu débito com a França em franco (que estava desvalorizado), foi condenado pela Corte Internacional a quitá-lo em ouro. Em 1931, portanto, viu-se o Brasil obrigado a decretar sue primeira moratória uni-lateral, sucedida pela de 1943, dando aos seus credores a alternativa de receber o valor original ou com redução de 50%, em relação aos títulos dos Estados e de 20% os da União. (Régis Fernandes de Oliveira).

Posteriormente, como decorrência de diversas obras de relevância nacional – tais como a Rodovia Transamasônica, a Ponte Rio-Niterói e Usinas Nucleares -, bem como vultuosos gastos durante o regime militar, a dívida brasileira chegou, em 1982, a US$ 100 bilhões.

No ano de 2004, calcula-se que o montante da dívida externa soma cerca de US$ 200 bilhões. Quase 55% do PIB nacional. (Régis Fernandes de Oliveira).

Pois bem, analisado o contexto histórico, passemos à abordagem jurídica do assunto.

Muito embora, como vimos, o crédito público não constitua receita pública, é importante destacar que o mesmo deve constar no orçamento (artigo 3º, da Lei nº 4.320/64).

Neste sentido, em linha com o que estudamos nas aulas passadas, é pertinente afirmar que ao crédito público se aplicam diversos dos princípios inerentes à receita e despesa pública, tais como o da legalidade (valendo destacar a reserva de lei com-plementar, artigo 163, II, III e IV da CRF/88); o equilíbrio financeiro (artigo 167, III, CRFB/88); transparência (artigo 165, § 8º, da CRFB/88); seriedade e equidade entre gerações. No que se refere a este último, vale destacar que o seu conteúdo defende a limitação do endividamento da geração atual a fim de evitar o compro-metimento das gerações futuras.

Os empréstimos são celebrados por atos do Poder Executivo, que assinam o con-trato e emitem os respectivos títulos. Entretanto, só o Poder Legislativo é que pode autorizar o Executivo a praticar tais atos (art. 48, II e 52, V da CRFB/88).

Muito se discute quanto à natureza dos empréstimos públicos. Dentre as prin-cipais teorias, podemos destacar quatro: (i) o empréstimo como contrato de direito privado: esta relação deveria seguir as regras do contrato de mútuo do direito civil, não podendo ser modificada unilateralmente por qualquer das partes; (ii) emprésti-mo como contrato sob condição potestativa subentendida pelo devedor: este, diante de situações excepcionais, pode suspender as obrigações assumidas; (iii) empréstimo como ato de soberania: constituindo-se como um ato criado pelo Estado, através de lei, pode ele ser modificado, unilateralmente, por outra lei, e (iv) empréstimo como

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contrato de direito público: possui natureza semelhante com os demais contratos administrativos, não se confundindo com os de natureza privada.

A última das classificações acima é a mais bem aceita, uma vez que ao mesmo tempo em que oferece certo grau de segurança ao prestante, não o coloca em situ-ação de igualdade com o particular (supremacia do interesse público sobre o pri-vado). Sobre este aspecto, importa destacar a posição de Aliomar Baleeiro26, para quem a caracterização jurídica do empréstimo público exige a prévia discriminação dos vários tipos de operações de crédito estatal, pois há profundas diferenças entre o emprés-timo voluntário e o forçado, ou entre uma dívida assumida para com um indivíduo e os negócios típicos do Tesouro, à base de subscrição oferecida aos prestamistas.

Os empréstimos se classificam pela forma; prazo; origem e; competência.Em relação à forma, a dívida pública pode ser forçada (involuntária) ou espontâ-

nea (voluntária). Por forçada entende-se como aquela decorrente de ato de Império do Estado, vale dizer, sua imposição é cogente, prescinde da anuência do prestamis-ta. A dívida forçada se assenta em métodos e princípios tributários e tem como prin-cipais exemplos: o empréstimo compulsório (artigo 148 da CRFB/88); os depósitos compulsórios feitos pelos bancos junto ao Banco Central e; títulos de curso forçado emitidos pelo Governo, como os Certificados de Privatização.

A dívida voluntária é aquela desprovida de qualquer coação para sua realização, decorre do espírito empreendedor dos investidores e instituições financeiras que a assumem espontaneamente. Essas dívidas se dividem em flutuantes e fundadas. Estas últimas se subdividem em perpétuas e amortizáveis.

As dívidas flutuantes se caracterizam pelo seu pagamento em curto prazo, no mesmo exercício financeiro. Aliomar Baleeiro27, discordando desta classificação ba-seada no tempo, prefere caracterizá-las como aquelas contraídas para suprir os em-baraços de tesouraria, funcionando como meras antecipações de receita.

A dívida fundada, por sua vez, se caracteriza pela sua estabilidade, é contraída por prazo muito longo, que pode estar previamente fixado (daí dizer que é amortizável) ou não (perpétua). Em relação a esta última o Estado é responsável pelo pagamento dos juros aos investidores e, muito embora não tenha termo certo, normalmente o Estado fixa uma data para a sua amortização. Quanto as amortizáveis, seu resgate no mercado pode se operar por diversas maneiras, tais como: o resgate simultâneo de to-dos os títulos; o sorteio periódico de um grupo de títulos a serem resgatados; compra no mercado (quando as cotações estiverem em valor inferior ao nominal) etc.

No que é pertinente à origem, as dívidas podem ser internas ou externas.A dívida interna é obtida dentro do território nacional, diretamente com as suas

instituições financeiras ou através da colocação de títulos do Governo no mercado anônimo de capitais, função do Banco Central (artigo 164 da CRFB/88). A dívida externa, como o próprio nome indica, é obtida no exterior, perante os governos e entidades estrangeiras. Os organismos mais conhecidos nesta seara são o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento Econômico (BIRD).

Esses organismos foram criados em 01.07.1944, na Conferência de Bretton Woo-ds, como resultado do consenso de quarenta e quatro nações que lá se reuniram, que

26 Ibi idem. p. 488.

27 _____. p. 513.

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tinham por objetivo efetuar recuperação de países em crise, mediante empréstimos públicos, impondo diretrizes para a recuperação da economia local.

Por fim, quanto à classificação da dívida pública por competência, esta guarda relação com o ente federativo que está a buscar o crédito público, podendo, portan-to, ser dividida como federal, estadual e municipal.

Em linha com toda a sistemática orçamentária por nós, ate hoje, estudadas, pode-se seguramente afirmar que para a emissão da dívida pública, mister se faz a sua previsão legal (devidamente autorizada por Lei Complementar) e previsão no orçamento (art. 165, § 8º da CRFB/88).

Os limites e condições do crédito público devem ser estabelecidos pelo Senado e pelo próprio Orçamento (artigos 52, V, VI, VII, VIII e IX e artigo 167, III todos da CRFB/88).

É importante mencionar que o Banco Central, embora detentor do monopólio da emissão da moeda, da compra e venda de títulos do Tesouro Nacional e dos depósitos das disponibilidades de caixa da União, não pode conceder empréstimo (direta ou indiretamente) ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão que não seja ins-tituição financeira (artigo 164, §1º da CRFB/88).

A razão de tal dispositivo constitucional, como bem salienta Ricardo Lobo Tor-res28, se justifica como importante medida ao combate da inflação. Isto porque, como órgão que emite moeda, não pode o Banco Central utilizá-la para financiar o déficit público ou emprestá-la ao Tesouro Nacional e às empresas do Governo, pois isso implicaria sempre em mais emissão de moedas e, conseguintemente, na desvalorização da unidade monetária.

Por derradeiro, são causas extintivas da Dívida Pública: (i) a amortização; (ii) a conversão, que ocorre quando o Estado modifica as condições do crédito público, normalmente reduzindo os juros (unilateralmente). A legitimidade desta medida apenas se consubstanciaria na hipótese de haver concordância do credor, vez que, hipótese diversa, poderia caracterizar-se como empréstimo compulsório disfarçado e, portanto, submetido às normas inerentes a este instituto; (iii) compensação com créditos tributários (artigo 170 do CTN); (iv) confusão, quando o ente público ad-quire seu título no mercado de capitais ou através de herança jacente; (v) bancarrota ou falência, e; (vi) o repúdio, referente às dívidas assumidas pelos regimes políticos não-consolidados ou através de atos de corrupção.

c) QuestiOnáriO

O que se entende por crédito público? Discorra sobre as correntes que explicam a natureza do crédito público e, justificadamente, aponte aquela que lhe parece mais correta. É correta a afirmação no sentido de que o Estado pode obter empréstimo de forma coercitiva sobre os seus administrados? Discorra sobre três formas do Estado adquirir empréstimos? 28 TORREs, Ricardo lobo. Curso

de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 189/192.

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d) casO geradOr

Em 1986, como uma das medidas do Plano Cruzado II, a Presidência da Repú-blica, através do Decreto-Lei 2288/86, instituiu empréstimo compulsório, para a União Federal, sobre os adquirentes de automóveis de passeio e utilitários, através do qual se obrigava a restituir o montante tomado em quotas do Fundo Nacional de Desenvolvimento.

Apreciando o instrumento normativo utilizado (Decreto-Lei), bem como a for-ma de resgate do valor emprestado (quotas do Fundo Nacional de Desenvolvimen-to), analise a constitucionalidade desta medida.

(RE 121.336 – Tribunal Pleno do STF)

e) QuestãO de cOncursO

1- Considerando-se dívida pública aquela de natureza interna ou externa, contraí-da pelo Estado, mediante emissão de títulos (Luiz Souza Gomes, “Dicionário Eco-nômico e Financeiro”), as operações externas de natureza financeira dependem:

a) de prévia autorização do Senado Federal;b) de autorização do Senado Federal as de interesse dos Estados e Municípios;c) apenas, da iniciativa do Executivo;d) de referendo do Congresso Nacional;e) do Executivo e do Senado Federal, as referentes à União.

(Concurso Público para Advogado da União de 2ª Categoria – 1998)

60 - Relativamente a empréstimos compulsórios, pode-se afirmar, exceto: a) A competência para sua instituição é exclusiva da União Federal b) Podem ser instituídos por Medida Provisória, desde que haja relevância e

urgência c) São restituíveis d) O empréstimo compulsório de caráter emergencial pode ser instituído em

caso de guerra externa, excepcionado o princípio da anterioridade.(27º Exame da Ordem)

F) bibliOgraFia

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª ed. rev. e atu-alizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

OLIVEIRA, Régis, Fernandes de. Dívida Pública e Operações de Crédito. Revis-ta Tributária e de Finanças Públicas – Coordenada por Dejalma Campos. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 12, n. 57 – jul/ago de 2004.

ROSA Jr., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributá-rio, volume V: O Orçamento na Constituição. 2ª ed. Revisada e atualizada até a EC 27/00 e LRF. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.7. aula 7. federalismo fiscal. repartição de receitas.

a) ObjetivO

Estudaremos hoje a relação do modelo federal de Estado adotado pelo Brasil com a estruturação do seu sistema orçamentário. Ao final da presente aula, espera-se que seja possível conhecer a fundamental importância da autonomia orçamentária dos entes federativos, bem como a forma pela qual os entes maiores auxiliam os menores em suas finanças.

b) intrOduçãO

Assim como sabemos, o Brasil é uma República Federativa que, ao contrário do tradicional modelo dualista mundial (composto por apenas dois entes), adota o que muitos chamam de federalismo tridimensional, ou seja, composto por três entes distintos: a União, os Estados e os Municípios.

Considerando que a principal característica do Estado Federal é a autonomia dos seus entes políticos, vale salientar que esta somente é possível de se alcançar e ser mantida na hipótese do ente da federação apresentar independência orçamentária e financeira. Ora, não haveria como conceber a efetiva autonomia de uma unidade política que não possuísse recursos financeiros próprios e que não pudesse adminis-trá-los da melhor forma para atender seus interesses/necessidades.

Assim sendo, a Constituição Federal de 1988 conferiu a cada um dos entes da federação a atribuição para instituir e exigir seus próprios tributos.

Neste sentido, é correta a afirmação no sentido de que a Constituição Federal atribuiu a cada um dos entes federativos verdadeira competência tributária, assim entendida como atribuição para criar, em abstrato, tributos.

A efetiva instituição de tais tributos e a materialização das suas respectivas hipó-teses de incidência, por evidente, ao passo que dá origem a uma relação tributária entre o ente público e o contribuinte, gera para aquele um direito de crédito sobre este que, adimplido, permite que a respectiva unidade política perceba recursos financeiros necessários ao seu regular funcionamento.

Considerando que os recursos financeiros decorrentes desta relação tributária dificilmente se demonstrariam suficientes a garantir a autonomia financeira aos Estados e Municípios, a Constituição Federal também estabelece uma relação fi-nanceira29 entre esses e a União Federal, através da qual é instituída uma transfe-rência de rendas por eles recebidas. É o que se chama de repartição das receitas tributárias.

Neste passo, os artigos 157 ao 159 da CRFB/88 prevêem a sistemática de re-partição de parte da receita tributária auferida pela União para os Estados e os Municípios, bem como o repasse de parcela das receitas percebidas por aqueles para esses.

29 Diz-se que esta relação é de natureza financeira, e não tributária, pois, além de se tra-var entre entes públicos e não existir a figura do contribuinte, a mesma preocupa-se com o gerenciamento das receitas percebidas, e não a fiscalização e arrecadação propriamente ditas. neste sentido, afirma Ro-que antônio carraza (in Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. Rio de Janeiro: Malhei-ros, 2004. p. 626,627): “a re-partição das receitas tributárias não é um tema tributário. É um tema financeiro. Interessa, pois, ao Direito Financeiro, que te por objeto o estudo jurídico da chamada atividade financeira do Estado. Esta compreende a obtenção de recursos públicos, sua guarda, gestão e dispêndio. Deve ser desenvolvida com base na constituição e na lei (espe-cialmente na lei orçamentária). a obtenção de recursos públicos pode dar-se por via contratual ou por via coativa. por via coa-tiva, através da tributação ou da imposição de multas (penalida-de pecuniárias)”

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Esta participação na parcela da arrecadação do ente maior pode ocorrer de duas formas: direta ou indireta. Enquanto na primeira os Estados e Municípios se apro-priam diretamente da parcela que lhe é de direito, na segunda, a participação se opera através de fundo e sob a égide de lei complementar.30

Os Estados e o Distrito Federal ficam com o produto da arrecadação do imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza, incidente sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem, bem como com vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência que lhe é atribuída pelo art. 154, I (artigo 157, incisos I e II, da CRFB/88).

Aos Municípios pertencem: (i) o produto da arrecadação do imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza, incidente sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantive-rem; (ii) cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a tota-lidade na hipótese da opção a que se refere o artigo 153, §4º, III; (iii) cinqüenta por cento do produto da arrecadação do IPVA relacionado aos automóveis licenciados em seu território e; (iv) vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do ICMS (artigo 157, incisos I, II, III e IV, da CRFB/88).

Não obstante, o artigo 159 da Constituição Federal estabelece que a União Fede-ral deve entregar: (i) do produto da arrecadação dos impostos sobre a renda e proven-tos de qualquer natureza (IR) e sobre produtos industrializados (IPI), quarenta e sete por cento, divididos entre o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (21,5%), o Fundo de Participação dos Municípios (22,5%) e programas de finan-ciamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (3%); (ii) do produto da arrecadação do IPI, dez por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados que, por sua vez, deverão entregar (os Estados e o Distrito Federal) vinte e cinco por cento deste repasse aos Municípios e; (iii) do produtos da arrecadação da contribui-ção de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c do referido parágrafo.

Com o objetivo de garantir a efetividade deste repasse, o artigo 160 da Consti-tuição estabelece a vedação da retenção ou qualquer restrição à entrega e ao empre-go dos recursos atribuídos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nele compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos.

No entanto, vale destacar que o parágrafo único do dispositivo permite à União e aos Estados que condicionem o repasse das suas receitas “ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias”.

Pois bem, tendo estudado o sistema de repartição de receitas tributárias, vale destacar que o mesmo – ao menos da forma que vem sendo aplicado - não tem se demonstrado suficiente para complementar as necessidades orçamentárias dos Es-tados e Municípios de uma forma geral. Mas esta não é a única causa da crise fiscal enfrentada pelos Estados e Municípios.

30 neste sentido, Ricardo lobo Torres: “Do ponto de vista constitucional os ajustes inter-governamentais se fazem prin-cipalmente pela repartição das receitas tributárias ou, melhor, pela participação sobre a arre-cadação de impostos alheios. É instrumento financeiro, e não tributário, que cria para os en-tes políticos menores o direito a uma parcela da arrecadação do ente maior. as participações podem ser diretas ou indiretas; a diferença consiste em que as indiretas se realizam através de fundos e a lei complementar pode estabelecer condições para o rateio, enquanto as ou-tras são entregues diretamente aos entes menores ou por eles apropriadas mediante mera transferência orçamentária.” (TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 316.)

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De fato, as guerras fiscais travadas entre os Estados na arrecadação do ICMS, a baixa arrecadação de ISS e IPTU nos municípios de pouco desenvolvimento urbano e problemas com a obtenção de empréstimos externos – através de financiamentos em instituições financeiras, de recursos obtidos junto à União Federal e a realização de gastos por intermédio de empresas estatais – representam alguns fatores que con-tribuem para a crise financeira dos entes públicos acima mencionados.

Em relação à União essas questões não se demonstram de maior relevância, vez que, dentre outras razões, a mesma possui grande variedade de recursos fiscais próprios, cuja arrecadação não é compartilhada com os demais entes da federação, tais como a CO-FINS, o PIS, a CSL, o PIS-Importação, a COFINS-Importação, entre outros.

Ao lado da deficiente obtenção de recursos financeiros por parte dos Estados e Municípios, destaca-se que o crescente processo de endividamento desses entes não colabora para a estabilização das suas finanças. Dentre as principais causas deste en-dividamento, podemos citar a majoração dos gastos com o pessoal (inclusive os ina-tivos), o endividamento dos bancos públicos estaduais e a estabilização da economia nacional, que impede o ganho inflacionário decorrente do atraso no adimplemento das obrigações de pagamento do ente público.31

Esse desequilíbrio no orçamento dos Estados e Municípios termina por ensejar um verdadeiro efeito “bola de neve”. Isto porque, ao passo que esses entes não obtém recursos para adimplir seus débitos tidos entre si e com a União Federal, não poderão eles, sequer, receberem as verbas decorrentes do repasse intergoverna-mental, já que o artigo 160, parágrafo único da CRFB/88, admite a vedação deste repasse quando o ente beneficiário possuir débitos junto ao ente responsável pela entrega dos recursos.

c) Perguntas

Qual a relação existente entre o sistema federado de governo e a competência para instituir e cobrar tributo? Em breves palavras discorra sobre o que se entenda por sistema de repartição de receitas tributárias e como se opera o seu funcionamen-to no ordenamento jurídico brasileiro.

d) casO geradOr

Considerando que a sistemática de transferência intergovernamental de receitas apresenta uma série de problemas, dentre eles a demora de ingresso de recursos nos cofres dos entes menores, as constantes condições impostas para a realização dos repasses e; o notório déficit dos cofres públicos estaduais e municipais, proponha algumas possíveis soluções para esses problemas.

31 Ibi idem. p. 122, 123

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e) Questões de cOncursO

1. De acordo com o Código tributário Nacional, tributo é toda prestação pecu-niária compulsória instituída em lei e cobrada mediante atividade administra-tiva vinculada. Com referência aos tributos existentes no ordenamento jurídico brasileiro e à repartição da receita deles decorrente, julgue os seguintes itens. (...)

_ Os impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados são de competência da União, mas parte de sua arrecadação compõe os fundos de participação dos estados, do DF e dos municípios. (...)

(AGU, 2004)

2. Segundo a Constituição brasileira de 1988, constitui receita partilhada entre os Municípios e a União o produto

(A) do imposto de importação, na forma da lei.(B) do imposto sobre a renda arrecadado no respectivo território municipal.(C) da arrecadação do IPVA, relativo à propriedade dos veículos automotores

licenciados no respectivo território municipal.(D) da arrecadação do imposto sobre a propriedade territorial rural, relativamen-

te aos imóveis situados no respectivo município.(E) do imposto sobre produtos industrializados, na forma estabelecida em lei.

(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região)

3. os elementos inseridos no conceito de sistema tributário nacional incluem a distribuição da receita entre os diversos entes da Federação. Acerca dessa dis-tribuição, julgue os itens seguintes.

__ Se o governo federal, no uso de sua competência tributária residual, instituir novo imposto, terá de destinar aos estados e municípios 20% da arrecadação que dele advier.

__ Além dos 47% do IPI destinados aos fundos de participação e aos programas de financiamento do setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mais 10% desse imposto é distribuído entre os estados, que, por sua vez, repassam um quarto do recebido a seus municípios.

__ As transferências constitucionais aos estados limitam-se às receitas arrecada-das de impostos.

(Juiz do Tribunal de Justiça da Bahia, 2004)

F) bibliOgraFia

AFONSO, José Roberto Rodrigues, in Direito Público. – vol. 1, n. 1 (jul/set. 2003), Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Pú-blico, 2005 – v 2, n. 8; - “Federalismo e Reforma Tributária: na Visão do Economista”.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BARROSO, Luís Roberto. Direito do Estado novos rumos. Coordenado por Paulo Modesto e Oscar Mendonça. Tomo I, Ed. Max Limonad, 2001 “Irrealismo Orçamentário: aspectos de desajuste dos Estados e Municípios.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. Rio de Janeiro: Malheiros. 2005.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2004.

FERRARI, Sérgio. Constituição Estadual e Federação, Rio de Janeiro: Lumen Ju-ris, 2003.

MATTOS, Aroldo Gomes de. As Inconstitucionalidades na Instituição do PIS/COFINS-importação. In: Grandes Questões Atuais de Direito Tributário.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

Page 45: Apostila FGV Tributário I

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

1.8. aula 8. competência tributária

a) ObjetivO

Diante da organização federalizada do Brasil, bem como a necessidade dos entes políticos da federação se auto-sustentarem financeiramente, a aula de hoje tem por finalidade apresentar para vocês o sistema responsável pela repartição da competên-cia tributária, a fim de que, ao final do dia hoje, vocês seja capazes de identificar a quem compete instituir e exigir o Imposto de Renda, a COFINS, o ICMS, a CSL e o ISS, por exemplo.

b) intrOduçãO

Na aula passada vimos que o Brasil é uma República Federativa tridimensional, composta por entes autônomos e que a sua autonomia financeira (orçamentária) decorre (primordialmente) da competência conferida à cada um deles para institu-írem seus próprios tributos.

Desde já, é interessante observar que competência tributária não se confunde com Poder Tributário. Com efeito, enquanto este traduz uma idéia de soberania e, como conseqüência, somente o tinha a Assembléia Constituinte, aquela (compe-tência tributária) encontra-se devidamente regrada, disciplinada pelo texto consti-tucional, que a confiou aos entes da federação.

Outra questão importante a ser destacada se refere ao destinatário da competên-cia tributária. Considerando a submissão do Poder Público ao princípio da estrita legalidade (segundo o qual só lhe é permitido agir com a devida autorização legal – artigo 37, caput e artigo 150, I da CRFB/88), tem-se que o destinatário dessa competência é o Poder Legislativo.

Competência tributária, pois, é a atribuição conferida aos entes públicos da ad-ministração direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) para criar, atra-vés de lei, tributos, descrevendo suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos e passivos, suas bases de cálculo e alíquotas. “Noutro falar, a competência tributária é a habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas pessoas (as pessoas jurídicas de direito público interno) para que, por meio de lei tributem.32”

Não há que se confundir competência com capacidade tributária. Enquanto a primeira destina-se ao Poder Legislativo e, portanto, se esgota na lei, a segunda cor-responde ao direito de arrecadar, propriamente dito, e, assim, destina-se ao Poder Executivo e é delegável.

Muito embora a Constituição Federal brasileira, diferentemente da grande maio-ria das constituições alienígenas, tenha despendido bastante atenção ao Sistema Tri-butário Nacional (STN), apontando a hipótese de incidência possível, os sujeitos passivo e ativo possíveis, a base de cálculo possível e a alíquota possível para várias

32 caRRaZa, Roque antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. Malheiros, 2004. p. 451.

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espécies e subespécies de tributos, não é correta a afirmação no sentido de que a Constituição cria tributos33.

A fundamental importância da Constituição perante o STN consiste em atribuir competência aos entes federativos para que, estes sim, criem tributos.

O próprio texto do artigo 145 da CRFB/88, ao dispor que poderão os entes federativos instituir tributos, deixa claro que os mesmos ainda não foram cria-dos. Emprestando-nos do magistério do professor Paulo Barros de Carvalho34, admitir que a Constituição Federal cria tributos, é o mesmo que admitir que a sentença judicial – que também deve manter consonância com os mandamentos constitucionais – é criada pelo legislador constitucional, o que sabemos não ser verdade.

Em linhas gerais, portanto, pode-se afirmar que o surgimento do tributo deve prestar atenção à seguinte trajetória: primeiro, a Constituição Federal, que em-bora não crie tributos: a) discrimina competências para que as pessoas políticas, querendo, venham a instituí-los; b) classifica-os em espécies e subespécies; c) traça a regra-matriz (a norma-padrão de incidência) das várias espécies e subespécies de tributos; ed) aponta as limitações ao exercício das competências tributárias, por parte das pessoas políticas; segundo, o fenômeno tributário prossegue com a edição da lei complementar tributária, que, conquanto também não crie tributos, “reforça” as linhas, por vezes tênues, que separam as faixas tributárias da União, dos Esta-dos, dos Municípios e do Distrito Federal. Contemplando-a, o legislador ordinário das várias pessoas políticas encontra – ou, pelo menos, deveria encontrar – melhor iluminado o campo tributário que a Constituição autorizou a palmilhar, e; por último, a lei da respectiva pessoa política cria o tributo, in abstracto, traçando-lhe os detalhes para incidência, tais como a hipótese de incidência, alíquota, base de cálculo, sujeito passivo, obrigações formais etc.35

A rigidez do sistema constitucional brasileiro implica uma inafastável limitação ao exercício da competência tributária. Com efeito, considerando que a primeira fase para a criação do tributo repousa na sua respectiva previsão constitucional, notamos que o legislador infraconstitucional deve prestar estrita observância aos termos da Constituição de modo a legitimar a criação ou aumento de tributo, bem como a forma através da qual essas medidas são implementadas.

Sobre a limitação do exercício da competência tributária, vale transcrever as sem-pre precisas lições de Humberto Ávila36: “Na perspectiva da sua dimensão enquanto limitação ao poder de tributar, as regras de competência qualificam-se do seguinte modo: quanto ao nível em que se situam, caracterizam-se como limitações de pri-meiro grau, porquanto se encontram no âmbito das normas que serão objeto de aplicação; quanto ao objeto, qualificam-se como limitações positivas, na medida em que exigem, na atuação legislativa de instituição e aumento de qualquer tribu-to, a observância do quadro fático constitucionalmente traçado; quanto à forma, revelam-se como limitações expressas e materiais, na medida em que, sobre serem expressamente previstas na Constituição Federal (arts. 153 a156, especialmente), estabelecem pontos de partida para a determinabilidade conteudística do poder de tributar”.

33 Ibi idem. p. 456/457.

34 A regra matriz do ICMS. Od. Cit. in caRRaZa, _____. p. 458.

35 bOnaVIDEs, paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. Rio de Janeiro: Malheiros. 2005, p. 627.

36 áVIla, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. são paulo: saraiva, 2004. p. 159.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

A competência tributária possui 6 características elementares básicas, a saber: (i) privatividade; (ii) indelegabilidade; (iii) incaducabilidade; (iv) inalterabilidade; (v) irrenunciabilidade; (vi) facultatividade do exercício37.

A privatividade consiste em estabelecer verdadeira exclusividade a determinado ente da federação para o exercício da competência tributária. Desta característica pode-se extrair um duplo comando, pois, ao mesmo tempo em que habilita deter-minada pessoa a criar e dispor sobre determinado tributo veda que qualquer outra o faça. Cria tributo que pode, e não quem quer.

O conteúdo da indelegabilidade consiste em proibir que o titular da competên-cia tributária a transfira (total ou parcialmente) para outrem. A inexistência desta característica terminaria por reduzir a efetividade do texto constitucional, que te-ria a função de estabelecer meras sugestões ao exercício da competência tributária. Como já vimos a pessoa política não é detentora do Poder Tributário (soberano), ela apenas possui competência para agir dentro dos estritos termos constitucionais.

A incaducabilidade, por sua vez, prestigia a discricionariedade legislativa. Esta característica permite que o ente federativo venha a criar tributo a qualquer tempo, independentemente do tempo pelo qual o mesmo já estava autorizado a fazê-lo. Ou seja, o não exercício do direito à criação de dado tributo, seja pelo tempo que for, não retira a legitimidade para a sua instituição, obviamente, através de lei.

As dimensões da competência tributária são aquelas claramente expressas no texto constitucional. A característica da inalterabilidade, portanto, consiste em não permitir que a própria pessoa política amplie a competência prevista da Constituição.

Pelas mesmas razões que os entes federativos estão impedidos de delegar sua competência tributária, estão eles proibidos de renunciá-las. De fato, sendo certo que este tema possui a natureza de Direito Público Constitucional é ele, por exce-lência, irrenunciável.

A sexta e última característica é a facultatividade. Muito embora não seja a com-petência tributária renunciável, pode o poder público, simplesmente, não utilizá-la. Neste sentido, considerando a já estudada característica da incaducabilidade, po-derá o respectivo ente federativo passar a exercitá-la em qualquer momento, desde que, é claro, a Constituição Federal continue lhe atribuindo competência para tan-to. Exemplo clássico desta característica é o Imposto sobre Grandes Fortunas que, conquanto regularmente previsto no artigo 153, VII, da CRFB/88, até hoje não foi instituído pela União Federal.

É interessante observar, outrossim, que a Constituição atribuiu a cada um dos entes da federação um campo tributável próprio, vale dizer, uma esfera privativa para o exercício da competência tributária.

Embora desprovida de rigor científico, a doutrina nacional costuma discrimi-nar três modalidades de competência para a instituição de tributos: (i) a privativa, consistente naquela atribuída a este ou àquele ente político; (ii) a residual, assim entendida como aquela (atribuída à União) atinente aos outros impostos que po-dem ser instituídos sobre situações não previstas e; (iii) a comum, referente às taxas e contribuições de melhoria, atribuída a todos os entes políticos38.

37 caRRaZa, Roque antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. Malheiros, 2004. p. 451.

38 aMaRO, luciano. Direito Tri-butário Brasileiro. 10ª ed. são paulo: saraiva, 2004. p. 95.

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Neste diapasão, utilizando-se de critério de partilha (de competência tributária), que ora fundamenta-se na prestação que lastreia o tributo e ora na tipificação dos fatos geradores que servirão de suporte para a incidência39, a Constituição Federal atribuiu à União, aos Estados e aos Municípios a competência para a instituição dos seguintes impostos, respectivamente; (i) Importação de produtos estrangeiros (II), Exportação de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), Renda e proventos de qualquer natureza (IR), Produtos Industrializados (IPI), operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativa a títulos ou valores mobiliários (IOF), propriedade Territorial Rural (ITR) e, Grandes Fortunas, nos termos de lei complementar ainda não editada; (artigo 153) (ii) transmissão causa mortis e doação (ITD), operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestação de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), propriedade de veículos automotores (IPVA) (artigo 155); e (iii) Propriedade predial e Territorial Urbana (IPTU), Transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de Bens Imó-veis (ITBI) e, Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) (artigo 156).

As taxas e as contribuições de melhoria (art. 145, II e III, da CRFB/88) podem ser instituídas por quaisquer entes da federação, desde que possuam relação direta com seus respectivos fatos geradores. Ou seja, não pode a União querer cobrar taxa para a expedição de alvará de comércio quando o serviço fiscalizatório é exercido pelo Município.

Nos termos do artigo 149-A, da CRFB/88, os Municípios e o Distrito Federal são competentes para a instituição de contribuição para o custeio da iluminação publica e, nos termos do artigo 148 da CRFB/88, a instituição de empréstimos compulsórios compete à União Federal.

Além disso, o artigo 154 da CRFB/88 atribui à União a competência para: (i) a instituição de tributos outros que não estivessem descritos em seu texto, desde que os mesmos fossem instituídos através de Lei Complementar, não possuíssem o mesmo fato gerador de outro imposto já previsto e fosse não-cumulativo, e (ii) instituir imposto extraordinário de guerra.

Por fim, salienta-se que o artigo 149 da Constituição Federal atribui, privati-vamente, à União40 a competência para a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Esse dispositivo funciona como o verdadeiro alicerce para a criação das várias contribuições sociais existentes em nosso ordenamento jurídico, tais como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) – artigo 195, I, “b” -, a Contribuição Social sobre o Lucro (CSL) – artigo 195, I, “c” -, contribui-ção para o Programa de Integração Social (PIS) – artigo 239 -, entre outras.41

A fim de facilitar a visualização da divisão da competência tributária no Brasil, elaboramos o seguinte quadro analítico:

39 Ibi idem, p. 97.

40 Vale ressaltar que os Estados, o Distrito Federal e os Municí-pios ficam com a receita pro-veniente da arrecadação das contribuições que exigirem dos seus servidores para o custeio de sistemas de previdência e assistência social em benefício próprio, nos termos do artigo 149, § 1º da cRFb/88.

41 Esta afirmação encontra-se em linha com o posicionamento manifestado pelo Ministro car-los Velloso, nos autos da aDIn 3105-8.

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união estados municípios

imposto de rendacontribuição de seguridade do servidor Público

Fundo de Garantia por Tempo de serviço

imposto sobre circulação de mercadorias

imposto sobre a prestação de serviços

imposto sobre Produtos industrializados

contribuições para a previdência social

cide combustíveis

imposto sobre a propriedade de veículos automotores

imposto sobre a Propriedade Territorial urbana

imposto sobe importação

contribuição para o Financiamento da seguridade social

outras contribuições econômicas – FundaF, codencine, aFrmm etc

iTd

imposto sobre a Transmissão de bens imóveis

imposto sobre exportação

contribuição social sobre o Lucro Líquido

salário educação Taxas Taxas

imposto sobre operações Financeiras

Programa de integração social sistema “s” Previdência

estadualPrevidência municipal

imposto Territorial rural

Programa de assistência ao servidor Público

contribuição de iluminação Pública

contribuição Provisória sobre movimentação Financeira

outras contribuições sociais – receita dos concursos e prognósticos, pensão de militares, FundesP, FunPen etc.

Taxas Federais

c) QuestiOnáriO

Qual a importância da repartição da competência tributária em um Estado Fe-deral, tal como o Brasil? Com base na resposta anterior, a existência dessa repartição se justificaria sob a organização de um Estado Unitário, ou seja, composto por um único ente? Qual a função exercida pela Constituição Federal na repartição da com-petência tributária? É correta a afirmação no sentido de que a Constituição cria tri-buto? Em breves palavras explique as características da competência tributária, bem como as suas três diferentes modalidades. Identifique, na Constituição Federal de 1988, a previsão para a instituição de, pelo menos, quinze, dos trinta e um tributos discriminados no quadro analítico acima colacionado.

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d) casO geradOr

A União Federal, ente competente para fiscalizar a qualidade e a procedência dos produtos agrícolas produzidos no País, bem como para instituir a cobrança da taxa decorrente desta atividade, celebra com o Estado do Paraná Convênio para que este passe a prestar esse serviço e, também, exigir a cobrança de tal exação. O Estado do Paraná, por sua vez, delega esta atribuição a uma empresa pública. Diante deste cenário, é legítima a cobrança da taxa em comento por essa empresa pública, em outras palavras, é possível o Estado delegar sua capacidade tributária ativa para essa empresa pública? (AI 133645 AgR / PR, 2ª Turma STF)

e) Questões de cOncursO

1. Em relação ao Estado federal e à Federação brasileira, julgue os itens seguin-tes. (...)

__ A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em favor da União, em matéria tributária, uma competência legislativa residual.

(AGU, 2004)

2. Em relação à competência tributária residual, pode-se afirmar que(A) em qualquer hipótese, só poderá ser utilizada pela União Federal, desde que

mediante Lei Complementar.(B) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada pela União Federal, pelos Esta-

dos, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.(C) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada pelos Estados e pelo Distrito Fe-

deral, desde que haja Lei Complementar autorizativa.(D) em algumas hipóteses, poderá ser utilizada tanto pela União como pelos Estados.(E) poderá ser utilizada pelos Estados para a instituição de outros tributos não

previstos em sua competência privativa(BNDES, 2002)

3. Assinale a opção iNCoRREtA:a) Compete à União instituir impostos sobre renda e proventos de qualquer

natureza.b) Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre a circula-

ção de mercadorias e serviços.c) Compete aos Municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natu-

reza, não compreendidos no art. 155,II,CF, definidos em lei complementar.d) Compete à União instituir, mediante lei, impostos não previstos na CF, des-

de que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição.

(Ministério Público de Minas Gerais – Juiz, 2004)

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

F) bibliOgraFia

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 16ª ed. Malheiros, 2005.CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed.

Malheiros, 2004.TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2000.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

1.9. aula 9. política fiscal. e extrafiscalidade: distribuição de renda e desenvolvimento econômico e simplificação administrativa

a) ObjetivO

Tendo visto na aula passada que a capacidade contributiva deve nortear a ativi-dade fiscal do Estado, hoje aprenderemos que os tributos podem apresentar finali-dade outra, que não a de simples aferição de receita pelos cofres públicos. De fato, a exigência tributária, em determinadas hipóteses, pode se apresentar como um verdadeiro instrumento de intervenção na economia, nas políticas sociais, na esfera de distribuição de rendas e, até mesmo, na sua própria atividade fiscalizatória. Estu-daremos, então, a relevância dessas outras finalidades perseguidas pelo tributo e sua relação com o princípio da capacidade contributiva e adoção de políticas fiscais.

b) intrOduçãO

Primeiramente, antes de adentrar nas especificidades da influência da carga tri-butária sobre o princípio da distribuição de rendas, do desenvolvimento econômico e da simplificação administrativa, mister se faz esclarecer a diferença entre fiscalida-de e extrafiscalidade.

Nas sempre precisas lições do professor Bernardo Ribeiro de Moraes42, impostos fiscais ou de finalidade fiscais são aqueles que “visam apenas à obtenção de receitas públicas para fazer face às despesas do Estado. Tais impostos possuem uma função meramente fiscal,exclusivamente financeira, qual seja, a de possibilitar receitas.” Já os extrafiscais, por sua vez, “visam aos fins imediatos diversos dos de obtenção de recei-tas públicas ara fazer face às despesas do Estado. Além da função fiscal, tais impostos possuem outras, notadamente funções político-sociais e econômicas. (...) A tribu-tação, assim, acha-se ligada à concepção social e política do Estado, variando seus fins segundo as tendências de cada organização política. Através de seu poder fiscal, o Estado intervém no controle da economia e do meio social, passando o imposto a possuir, ao lado da função fiscal,uma função extrafiscal (o imposto é visto como um instrumento de intervenção ou regulação pública, de dirigismo estatal)43.”

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Estevão Horvath44 sintetiza essa dife-renciação da seguinte forma: “fala-se em tributo fiscal quando ele é cobrado com a finalidade precípua de abastecer os cofres públicos de dinheiro, para que o Estado possa realizar os seus fins adrede estabelecidos. Diz-se extrafiscal, por sua vez, o tributo que se arrecada mais com a intenção de buscar estimular ou desestimular certos comportamentos (desencorajar a manutenção de latifúndios improdutivos, por exemplo) que de encher as burras do Estado.”

Pois bem, visto que a finalidade extrafiscal do tributo consiste em alcançar ob-jetivos outros que não o abastecimento dos cofres públicos, passemos a analisar sua relação com alguns relevantes princípios que informam a atividade tributante.

42 MORaEs, bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário – 1º vol. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 441.

43 Ibidem. 442.

44 HORVaRH, Estevão. O Princí-pio do Não-Confisco no Direito Tributário. são paulo: Dialética, 2002.

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Como vimos na última aula, a Política Fiscal do Estado deve prestar observância à capacidade contributiva do contribuinte, de modo que sobre ele não recaia uma carga tributária maior que a sua capacidade de suportar.

Tomando como parâmetro este princípio, o Estado estabelece uma justa mensu-ração da carga fiscal a ser imposta sobre os contribuintes com a finalidade de evitar que determinado grupo da sociedade concentre grande quantidade de recursos fi-nanceiros. Isto é o que se chama de princípio da distribuição de rendas.

Nas palavras do professor Ricardo Lobo Torres45, a distribuição de rendas se pre-ocupa com a tributação de acordo com a capacidade contributiva e com a sua justa mensuração, a fim de evitar a concentração de rendas.

É interessante observar que a aplicação deste princípio, embora possa deixar o rico “menos rico”, não enseja o enriquecimento do pobre. Um exemplo clássico da sua efetividade consiste na alíquota progressiva do Imposto de Renda, cuja finalida-de é, sem dúvidas, fazer com que os ricos suportem uma maior incidência tributária que os menos abastados. Conquanto não se negue o caráter fiscal desta exigência também lhe é evidente a finalidade extrafiscal de melhor distribuir a riqueza na sociedade.

No que se refere ao desenvolvimento econômico financeiro, não se nega que o seu alcance é condição sine qua non ao atendimento das necessidades básicas da sociedade e a conseqüente garantia dos direitos fundamentais. Com efeito, não há como exigir prestações positivas por parte do Estado, voltadas à saúde; educação; alimentação; segurança e meio ambiente, se a unidade política não possui recursos financeiros para provê-las, em outras palavras, claro que não se podem garantir os direitos humanos, que hoje exibem crescentemente o seu status positivus, a requerer as prestações estatais, nem se consegue tornar efetiva a justiça política sem um mínimo de desenvolvimento econômico e de riqueza social. Porém, não é a maximização da riqueza que gera a liberdade e a justiça.46

O desenvolvimento econômico, como não poderia deixar de ser, tem que ser justo para que se torne legítimo. Isto quer significar que o caminho percorrido para o seu alcance não deve ser composto por atitudes repugnáveis, tais como a violação aos direitos humanos, corrupção e desrespeito aos basilares princípios do Ordena-mento Jurídico, tais como a proteção ao direito adquirido e ao meio ambiente.

No que pertine à sua relação com a função extrafiscal dos tributos, muito se dis-cutiu sobre os verdadeiros efeitos que resultavam dos benefícios fiscais.

No período (intervencionista) entre dos anos 50 e 70 do século passado, os Estados tinham a concepção de que a concessão de isenções e benefícios fiscais ensejariam o fomento das atividades beneficiadas, bem como o desenvolvimento da economia. O Brasil, nesta época, também adotou uma política de concessão indiscriminada de benefícios fiscais.

Considerando que tais benefícios não contribuíram para o desenvolvimento econômico nem para a garantia dos direitos fundamentais, com a crise do Estado Social (welfare state) verifica-se uma alteração na política orçamentária. O trabalho dos americanos, Stanley S. Surrey e Paul R. McDaniel, que mostraram ao mun-do que os benefícios concedidos consubstanciavam-se verdadeiras despesas, gastos

45 TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 83.

46 TORREs, Ricardo lobo. Tratado de Direito Constitucional Finan-ceiro e Tributário. Volume V – O Orçamento na Constituição. Rio de Janeiro, Renovar, 2005. p. 230/231.

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orçamentários, resultou em uma política mais estrita de concessão de incentivos fiscais com a finalidade de fomentar o desenvolvimento econômico.

A nossa Constituição, que prestigia o princípio em questão nos seus artigos 3º, III e 174, § 1º), em linha com as conclusões acima apresentadas, repudia a idéia de concessão de benefícios fiscais com a finalidade de fomentar o desenvolvimento econômico, valendo fazer a ressalva dos casos em que se pretende estabelecer o equi-líbrio do desenvolvimento sócio-econômico das diferentes regiões do país (artigo 151, I, da CRFB).

No que se refere ao desenvolvimento econômico através de majoração da carga tributária, contudo, não existe qualquer óbice. Neste sentido, pode-se facilmente exemplificar o aumento da alíquota do Imposto de Importação voltado à proteção do mercado interno e, conseqüentemente, ao seu estímulo.

Por derradeiro, a extrafiscalidade dos tributos também pode apresentar-se como instrumento para evitar a elisão tributária. Neste particular, o Fisco decide por bem simplificar o procedimento de recolhimento, arrecadação e fiscalização dos tribu-tos, de modo a dificultar que o contribuinte se exima de cumprir suas obrigações fiscais.

A legitimidade de tais medidas dependerá da proporcionalidade das suas res-pectivas normas vista sob o ângulo do princípio da capacidade contributiva, vale dizer, as medidas simplificadoras não podem descambar para uma tributação que, na maioria dos casos, não reflita a capacidade contributiva década um dos contri-buintes e nem impingir a qualquer deles uma carga tributária distinta da que seria devida caso não houvesse a medida simplificadora.

Um exemplo da implementação de medidas simplificadoras do procedimento fiscalizatório é o regime de substituição tributária do ICMS pra frente, quando o fa-bricante é o responsável pelo recolhimento do tributo incidente sobre toda a cadeia circulatória de forma antecipada. Tal fato resulta da extrema dificuldade que teria que enfrentar o Poder Público se tivesse que fiscalizar se todos os bares e farmácias existente estão procedendo ao correto recolhimento do ICMS sobre os cigarros e remédios que, respectivamente, vendem.

Outro exemplo clássico de tributo com características extrafiscais corresponde à possibilidade dos impostos incidentes sobre a importação e a exportação poderem ter suas alíquotas modificadas via Decreto do Poder Executivo e sem a necessidade de observar o princípio da anterioridade.

Em relação a todos os pontos acima apresentados, vale destacar que “não se pode afastar a aplicação da capacidade contributiva diante de um mero objetivo extrafiscal. É preciso, ao contrário, que o objetivo extrafiscal seja razoável, e que prevaleça diante de um juízo de ponderação de valores entre a igualdade e a capa-cidade contributiva, a fim de que não sejam criados privilégios odiosos sob o pano da extrafiscalidade.47

Por fim, há que se observar que os fins extrafiscais almejados, num regime fede-rativo, devem estar inseridos na competência do ente da Federação para promover aquela política pública, não lhe sendo lícito invadir a esfera de atribuições matérias dos demais entes. Por isso, é inconstitucional a adoção pelos Estados-membros de

47 RIbEIRO, Ricardo lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: lumen Júris, 2003. p. 83.

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alíquotas diferenciadas para o IPVA em função da origem estrangeira do veículo, uma vez que o objetivo extrafiscal presente no caso – a proteção à indústria nacional – é matéria da competência da União.

c) Perguntas

O que significa dizer que um tributo tem finalidade extrafiscal? Como é que o caráter extrafiscal do tributo se relaciona com o princípio da distribuição de rendas e do desenvolvimento econômico? A justificativa da extrafiscalidade tributária é uma “carta branca” para o Estado implementar sua política fiscal da forma que melhor lhe aprouver? Explique a ligação entre a extrafiscalidade e as normas de simplifica-ção administrativa-fiscal.

d) casO geradOr

O Poder Executivo Federal, com o especial objetivo de beneficiar os produto-res de cana-de-açúcar dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e aqueles das Regiões Norte e Nordeste, no ano de 1998, baixou o Decreto nº 2.501 o qual estabeleceu uma considerável redução da alíquota do IPI incidente sobre a indus-trialização desse produto nos mencionados estados. Sentido-se injustiçado e econo-micamente prejudicado com esta medida, os produtores de cana-de-açúcar de São Paulo, através da COPERSUCAR - COOPERATIVA DOS PRODUTORES DE CANA, AÇÚCAR E ÁLCOOL DO ESTADO DE SÃO PAULO LTDA, impetra-ram Mandado de Segurança contra ato coator do Delegado da Receita Federal para discutir a legalidade de tal Decreto. Como fundamento ao seu pedido, alegaram os produtores paulistas que o açúcar é produto integrante da cesta básica e, dessa forma, não se poderia deixar de conceder benefícios para todos os produtores. Ade-mais, sustentaram que a concessão de tais benefícios somente para determinadas regiões terminaria por violar o princípio da isonomia.

A luz dessas informações, analise a legalidade do Decreto nº 2.501/98. (RESP 704.917/RS, 1ª Turma)

e) QuestãO de cOncursO

1. Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue os seguintes itens. (...)

__ As alíquotas dos impostos de importação e exportação podem ser alteradas por decreto, de acordo com os limites previstos em lei, o que constitui atenu-ação ao princípio da legalidade. (...)

(AGU, 2004)

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

2. Em nosso sistema tributário, é correto afirmar que (A) alguns impostos federais não precisam observar o princípio da legalidade

para aumento das respectivas alíquotas.(B) o imposto aumentado em determinado ano pode ser cobrado no mesmo

exercício financeiro.(C) todas as receitas tributárias devem observar o princípio da legalidade.(D) os tributos e multas são prestações pecuniárias compulsórias de caráter san-

cionatório.(E) o princípio da capacidade contributiva é inaplicável às multas fiscais e tarifas.

(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região)

F) bibliOgraFia

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

HORVARH, Estevão. O Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002.

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário – 1º vol. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributá-rio. Volume II – Valores e Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro, Renovar, 2005.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

1.10. aula 10. parafiscalidade

a) ObjetivO

Ao largo das funções políticas básicas de proteção dos seus administrados (in-terna e externa), de prestação da justiça etc., ao Estado é imposta uma expectativa de atendimento de diversas outras necessidades públicas, tais como a manutenção de um plano de previdência social, a prestação de serviço de assistência social, a intervenção na economia, entre outros. Considerando a impossibilidade de atuação nestes diversos campos, seja por carência de pessoal, seja por carência de fundos, o Estado delega a alguns órgãos (em geral) da administração direta a capacidade de arrecadar e fiscalizar determinadas exações, cuja respectiva receita apresenta-se vin-culada ao atendimento de uma finalidade pública específica. Essas exações são hoje conhecidas como contribuições parafiscais, as quais estudaremos na aula de hoje.

b) intrOduçãO

Enquanto a fiscalidade se caracteriza pela destinação dos ingressos ao Fisco, a parafiscalidade consiste na sua destinação ao Parafisco, isto é, aos órgãos que, não pertencendo ao núcleo da administração do Estado, são paraestatais, incumbidos de prestar serviços inessenciais através de receitas paraorçamentárias48.” Desde já,é interessante ter em mente que o prefixo “para”, de raiz grega, significa “ao lado”, “junto a”. Assim, pode-se definir parafiscalidade como fenômeno de arrecadação com finalidade de atender às finalidades públicas não essenciais do Estado. Embora a competência para sua instituição seja própria do Estado, em regra, a capacidade ativa para sua exigência é delegada a órgãos da administração pública indireta e a entidades profissionais.

Sua origem não é recente. Já na Roma antiga, os indivíduos impossibilitados de servir às forças militares ficavam sujeitos à aes militari (destinada à manutenção das tropas).

No séc. XIX e início do XX, desenvolveu-se o fenômeno parafiscal e o seu ca-bimento somente se dava para o atendimento da necessidade de um determinado grupo de indivíduos e, já nesta época, somente os participantes deste grupo é que poderiam ser onerados.

A efetiva consolidação deste fenômeno veio a se dar sob o regime do Estado Fas-cista, quando o Governo italiano delegou às organizações de trabalho a capacidade ativa para exigir tributos que se destinavam à finalidades sociais. O fortalecimento político das entidades de classe nesta época refletiu diretamente no desenvolvimen-to das finanças parafiscais que, como se sabe, volta-se à proteção social dos admi-nistrados.

Por ocasião das décadas de 1930 e 1940, países como Japão, Alemanha e França registraram a adoção da parafiscalidade.

48 TORREs, Ricardo lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 158.

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Neste sentido, é pertinente a afirmação de Ricardo Lobo Torres, segundo a qual: “o conceito de parafiscalidade firmou-se após a II Guerra Mundial para abarcar os ingressos destinados à previdência social e a outros encargos intervencionistas do Estado, exercidos pelos órgãos paralelos à Administração direta”.

A sua consolidação foi muito bem explicada por Sylvio Santos Faria49 que, já em 1955, afirmava: “no mundo moderno, entretanto, o Estado, a braços com um nú-mero mínimo de finalidades muito superior aos meios a sua disposição, como acer-tadamente diz Merigot, reconheceu a impossibilidade de resolver grande parte de seus problemas diretamente, passando, então, a reconhecer a existência grupal das necessidades sociais e a criar órgãos representativos dos interesses dessas categorias com a finalidade de, descentralizando o serviço público, permitir a sua maior eficá-cia. O funcionamento desses serviços descentralizados faz-se por meio de recursos próprios, permitindo ao contribuinte melhor acompanhar o ciclo de transformação das receitas em despesas, em virtude da aplicação especial das contribuições num ambiente bem mais reduzido do que o círculo geral das atividades estatais.”. Nota-se, portanto, que a verdadeira consagração da parafiscalidade se deu em virtude da ampliação das finalidades do Estado que passou a assumir a responsabilidade de intervir na esfera econômica, social e financeira. Para o atendimento dessas novas funções é que foram criadas as contribuições paraficais.

Para Bernardo Ribeiro de Moraes50, “a contribuição parafiscal caracterizava-se essencialmente através dos seguintes elementos: a) caráter compulsório da exigên-cia, à semelhança do imposto ou da taxa; b) não-inclusão da respectiva receita no orçamento do Estado; c) destino do produto de sua arrecadação para o custeio de certas atividades estatais, voltadas para atender necessidade econômicas e sociais de certos grupos, setores ou categorias da coletividade. A contribuição, quanto à fina-lidade, apresenta-se com caráter social e especial; d) a administração da receita por entidades descentralizadas, até mesmo não-estatais, delegatárias do Estado.”

O Brasil, em linha com a postura que vinha sendo adotada pelos Países mais avançados, também adotou a sistemática da parafiscalidade em seu sistema. Já em 1919, com a Lei de acidentes de trabalho, podia se identificar na legislação interna a existência de uma verdadeira norma que impunha exação de caráter parafiscal.

A partir da Constituição de 1967, o Brasil passa por um período de destacado interesse de segurança social, criando diversas contribuições de fins sociais, denomi-nadas contribuições especiais (ou contribuições parafiscais).

A atual Constituição de 1988 consagra a instituição de contribuições parafiscais em seu artigo 149 e, em diversos outros, específica várias das suas espécies, tais como a COFINS e CSL (artigo 195) e o PIS (artigo 239).

Em que pese haver algumas vozes contrárias ao caráter tributário de tais contri-buições, boa parte da doutrina e o STF já consagraram o entendimento de que são elas verdadeiros tributos.

Esse entendimento é fundamentado no simples fato de que (i) a exigência dessa contribuições além de ser compulsória, constitui uma forma de aquisição de receita derivada por parte do Estado; (ii) o artigo 149 da CRFB/88,que fundamenta a sua instituição, encontra-se localizado no capítulo destinado às disposições sobre

49 Aspectos da parafiscalidade. salvador: livraria progresso Editora, 1955. Apud. MORaEs, bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário – 1º vol. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 621.

50 MORaEs, bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário – 1º vol. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 623.

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o Sistema Tributário Nacional, e; suas características encontra-se em perfeita con-sonância com o conceito de tributo presente no artigo 3º do Código Tributário Nacional.

A esse respeito, vale transcrever trecho do voto do Ministro Cezar Peluso pro-ferido nos autos da ADIN 3105-8 (2004): (...) Salvas raras vozes hoje dissonantes sobre o caráter tributário das contribuições sociais como gênero e das previden-ciárias como espécie, pode dizer-se assentada e concorde a postura da doutrina e, sobretudo, desta Corte em qualificá-las como verdadeiros tributos (RE nº 146.733, rel. Min. MOREIRA ALVES, RTJ 143/684; RE Nº 158.577, REL. Min. CELSO DE MELLO, RTJ 149/654), sujeitos a regime constitucional específico, assim por-que disciplinadas as contribuições no capítulo concernente ao sistema tributário, sob referência expressa aos art. 146, III (normas gerais em matéria tributária) e 150, I e III (princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade), como porque corresponderiam à noção constitucional de tributo construída mediante técnica de comparação com figuras afins.

Possuindo natureza tributária, portanto, as contribuições parafiscais devem se submeter aos princípios e regras naturalmente impostos sobre o sistema tributário nacional. Vale ressaltar, apenas, que, devido à sua função parafiscal, a destinação das suas receitas é vinculada aos fins para os quais elas forem criadas e, como conse-qüência, deve o montante da sua imposição ser correspondente ao atendimento desse fim. É o que se entende de fonte de custeio total.

c) Perguntas

O que se entende por parafiscalidade? É correta a afirmação no sentido de que as Grandes Guerras Mundiais teriam exercido alguma influência na evolução da parafiscalidade no cenário mundial? Qual a finalidade das contribuições parafis-cais? No Brasil, contribuições parafiscais são consideradas espécie tributária? Cite quatro exemplos de contribuições parafiscais indicando a sua finalidade e funda-mento constitucional.

d) casO geradOr

Os tributos, como veremos mais à frente, encontram-se sujeitos ao princípio da legalidade, de modo que a sua criação e exigência somente pode se operar com base em lei. Visto isso, analise a constitucionalidade da Portaria baixada pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego voltada a traçar normas de regência das contribui-ções sindicais. (ADI 3353 / DF, 2005).

Objetivando viabilizar o pagamento de encargos (despesas com pessoal), a União Federal instituiu temporariamente um aumento progressivo das alíquotas das con-tribuições destinadas ao financiamento da seguridade social. Considerando o cará-ter vinculado destas contribuições – cuja receita volta-se ao financiamento da saúde,

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assistência e previdência social -, bem como o fato de as mesmas não possuírem autorização constitucional para serem exigidas de forma progressiva, analise a cons-titucionalidade desta medida. (ADC 8, 1999)

e) Questões de cOncursO

1. Acerca da evolução histórica e dos conceitos da seguridade social no Brasil, julgue os itens subseqüentes.

__ O sistema de seguridade social integra ações dos poderes públicos e da socie-dade. Destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social, esse sistema prevê que nenhum benefício ou serviço poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, o que determina o seu caráter contributivo.

(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região)

2. As contribuições sociais, em nosso sistema tributário,(A) não precisam observar os princípios da legalidade e da anterioridade.(B) não têm natureza tributária.(C) somente podem ser instituídas pela União.(D) podem ser instituidas pelos Estados e Municípios, para custeio do sistema de

previdência de seus servidores.(E) previdenciárias aumentadas num exercício, só podem ser cobradas no pri-

meiro dia do exercício seguinte.(Juiz do Tribunal Regional federal da 5ª Região)

3. o orçamento da seguridade social a) está compreendido na lei orçamentária federal, junto com o orçamento fiscal

e o orçamento de investimento das empresas da União. b) somente estima receita e prevê a despesa da previdência social federal. c) estima a receita e prevê a despesa em saúde, educação e assistência social. d) é elaborado de forma idêntica ao orçamento fiscal.

(Ministério Público do DF – 23º concurso)

F) bibliOgraFia

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário – 1º vol. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.11. aula 11. seGurança Jurídica e Justiça fiscal. princípios fundamentais da tributação. as limitações constitucionais ao poder de tributar

a) ObjetivO

A aula de hoje tem por finalidade introduzir a matéria pertinente à limitação do poder de tributar do Estado, sua importância e instrumento normativo regulador, de modo a funcionar como base às posteriores aulas em que trataremos, especifica-mente, sobre os princípios que informam o Sistema Tributário Nacional.

b) intrOduçãO

O poder de tributar do Estado encontra limites dispostos na própria Constitui-ção Federal. Segundo José Afonso da Silva51, “embora a Constituição diga que cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais do poder de tributar (art. 146, II), ela própria já as estabelece mediante a enunciação de princípios constitu-cionais da tributação”. Tais limites constituem uma garantia da pessoa, natural ou jurídica, contra o Poder do Estado de instituir tributos.

Ainda de acordo com o citado mestre, as limitações ao poder de tributar do Estado exprimem-se na forma de vedações às entidades tributantes e classificam-se em princípios gerais, princípios especiais, princípios específicos e as imunidades tributárias.

Os princípios gerais são aqueles aplicáveis a todos os tributos e contribuições do sistema tributário, tais como: princípio da reserva de lei ou da legalidade estri-ta; princípio da igualdade tributária; princípio da personalização dos impostos e da capacidade contributiva; princípio da prévia definição legal do fato gerador ou princípio da irretroatividade tributária; princípio da anualidade do lançamento do tributo; princípio da proporcionalidade razoável; princípio da ilimitabilidade do tráfego de pessoas ou bens; princípio da universalidade; e princípio da destinação pública dos tributos.

Os princípios especiais são aqueles previstos em função de situações especiais. São eles: princípio da uniformidade tributária; princípio da limitabilidade da tributação da renda das obrigações da dívida pública estadual ou municipal e dos proventos dos agentes dos Estados e Municípios; princípio de que o poder de isentar é intrínseco ao poder de tributar; e o princípio da não-diferenciação tributária.

Os princípios específicos, por sua vez, referem-se a determinados impostos. Tais princípios são: princípio da progressividade; princípio da não-cumulatividade do imposto; e princípio da seletividade do imposto.

Por fim, têm-se as chamadas imunidades tributárias. Elas excluem a atuação do poder de tributar e são instituídas em razão de privilégios ou de considerações de

51 Curso de Direito Constitucional Positivo. 11ª edição. são paulo, Malheiros Editores, 1996, p. 649.

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interesse geral, religiosos, econômicos, sociais ou políticos. Ricardo Lobo Torres52 conceitua a imunidade tributária como uma “limitação do poder de tributar funda-da na liberdade absoluta, tendo por origem os direitos morais e por fonte a Consti-tuição, escrita ou não; por sua eficácia declaratória, é irrevogável e abrange assim a obrigação principal que a acessória”.

A originalidade no conceito do professor Ricardo Lobo Torres está na conexão feita entre o conceito de imunidade e a proteção dos direitos humanos fundamentais.

Os princípios constitucionais tributários e as imunidades produzem efeitos simi-lares, desempenhando o papel de limites constitucionais ao poder de tributar. Alio-mar Baleeiro53 já ressaltava a semelhança do resultado alcançado pelos princípios e pelas imunidades, destacando, entretanto, que os mesmos não se confundem.

Misabel de Abreu Machado Derzi54, em nota de atualização à obra de Aliomar Baleeiro, afirma que os princípios constitucionais tributários consagrados na Cons-tituição de 1988, ao lado das imunidades, limitam o poder de tributar, na medida em que especializam ou explicam “os direitos e garantias individuais (legalidade, irretroatividade, igualdade, generalidade, capacidade econômica de contribuir etc.), ou de outros grandes princípios estruturais, como a forma federal de Estado (imu-nidade recíproca dos entes públicos estatais)”.

O artigo 150 da Constituição Federal veda que se exija ou aumente tributo sem lei que o estabeleça; que se dê tratamento desigual entre contribuintes que se en-contrem em situação equivalente; que se cobre tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; que se cobre tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; que se utilize tributo com efeito de confisco; e assim por diante.

O Professor Flávio Bauer Novelli55 destaca que tais princípios “expressam um número de normas proibitivas que constituem no seu conjunto a chamada limi-tação constitucional ao poder de tributar.” Essas limitações, vistas sob o aspecto subjetivo, são traduzidas por deveres negativos, impostos aos entes políticos da federação.

Assim, se os destinatários das limitações são os sujeitos ativos do poder tributá-rio, são os contribuintes os titulares das garantias correspondentes (tais como reserva legal, igualdade perante a lei, irretroatividade, anterioridade, não-confisco, etc.) que “compõem a face reversa das limitações do poder de tributar, constituindo, instru-mento teleológico, individuado e caracterizado pelo seu fim específico, que consiste exatamente em assegurar ou tutelar determinado interesse ou valor jurídico em face de eventual perigo.”

Portanto, somente é possível determinar corretamente a natureza, o sentido, o conteúdo e a extensão das chamadas limitações ao poder de tributar pelo necessário referimento ao interesse ou valor assegurado, resultando que “a essência e o alcance de tais garantias só se definem, materialmente, em função dos próprios direitos ou liberdades fundamentais, ou da autonomia institucional cuja efetividade ou cuja atuação aquelas primeiras (as limitações constitucionais ao poder de tributar) estão destinadas a tutelar, exclusivamente em face do exercício do poder tributário.”

52 Os direitos humanos e a tribu-tação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro, Renovar, 1995, p. 400.

53 balEEIRO, aliomar, Limitações Constitucionais ao Poder de Tri-butar. 7º edição. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.16.

54 Ob. cit., p. 14.

55 nOVEllI, Flávio bauer, “nor-ma constitucional Inconstitu-cional? a propósito do art. 2º, § 2º, da Emenda constitucional n.º 3/93”. In Revista de Direito Administrativo. V.199. Rio de Ja-neiro, Renovar, 1995, pp. 24-26.

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Após as considerações acima, pode-se concluir que, constituindo as garantias as faces reversas das limitações do poder de tributar, tais limitações são imodificáveis por emenda, ou mesmo por revisão, em face dos limites materiais do poder de emenda disciplinados pelo artigo 60, § 4º, da Constituição.

Neste particular, vale destacar que, em uma Constituição como a nossa, essa interpretação abrangente das cláusulas pétreas pode vir a condenar a Constituição a durar pouco tempo, motivo pelo qual esta conclusão deve ser vista cum grano salis, vale dizer, com temperamentos. Isto porque, se as forças hegemônicas da sociedade encontram obstáculo dentro da Constituição para impor os seus projetos políticos, econômicos e sociais, essa Constituição vai tender a ser revogada.

Antes de falarmos dos princípios constitucionais tributários, é preciso entender o que é princípio. Existe uma divisão entre valor, princípio e regra.

De acordo com Miguel Reale, valor é a coisa mais difícil de se definir em toda a ciência do direito. Valores são as grandes virtudes que alicerçam não só a ciência do ato, como também a ciência social. São eles a justiça, a igualdade, a segurança, a liberdade, a solidariedade e a eqüidade. Esses valores, embora não positivados em qualquer texto, alicerçam todo o ordenamento jurídico. Os positivistas tendiam a não considerar muito os valores, eles diziam que se os valores não estivessem positi-vados no texto legal, seriam eles estranhos ao direito.

O que caracteriza o positivismo é, justamente, esse corte entre o direito e a mo-ral. Essa é uma visão baseada nas idéias de Kelsen, que chegaram ao Brasil na década de 70, quando na Europa essas idéias não eram mais dominantes. Os valores, assim, não precisam estar previstos na C.F., eles têm uma carga de abstração muito grande e de aplicabilidade muito ampla. Todas as normas têm que estar em sintonia com os valores. É claro que não se pode resolver um conflito de interesses com base num valor, é preciso das regras.

Regras são comandos objetivos que vão regular as relações jurídicas na socieda-de. São extremamente concretas, mas em compensação têm um campo de atuação muito mais restrito e específico.

Entre valores e regras nós temos os princípios, que funcionam como elo de liga-ção entre aqueles (valores e regras). Os princípios são comandos normativos dentro de determinado sistema jurídico, que vão ordenar e coordenar a aplicação das regras. Dentro de cada sistema jurídico parcial, pois, vamos ter princípios próprios que vão ordenar e orientar a aplicação de regras. Os princípios se baseiam nos valores para ordenar a aplicação das regras.

Os dois maiores valores que alicerçam todo o ordenamento jurídico são: segu-rança jurídica e justiça.

Vejamos, agora, um exemplo de como a segurança jurídica se verifica em ter-mos de princípios e de regras. O valor da segurança jurídica vai ser positivado em nosso texto constitucional através do princípio da legalidade, mas vai ter como regra a lei de cada tributo. O valor da justiça no direito tributário vai se realizar através do princípio da capacidade contributiva, que vai ser efetivado na prática pela lei de cada tributo, que estabelece a progressividade ou o caráter seletivo, etc.

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Ronald Dworkin diferencia o princípio das regras, dizendo que as regras se siste-matizam através do que se denomina all or nothing (ou aplica ou não aplica). Já os princípios podem ser ponderados. Assim, é possível se ter 2 princípios antinômicos aplicados ao caso concreto, de modo que, realizando uma verdadeira ponderação entre eles um será aplicado em maior grau que o outro (sem que nenhum deles seja totalmente inobservado).

Então, o princípio da anterioridade, na verdade, é uma regra objetiva: ou se cumpre ou não se cumpre. Daí, vemos que temos princípios muito mais próximos dos valores e princípios muito mais próximos das regras.

c) Perguntas

À luz do disposto do artigo 146 da Constituição Federal, é correta a afirmação no sentido de que as limitações ao poder de tributar encontram-se exaustivamente dispostas em Lei Complementar? Em breves palavras, discorra sobre os princípios gerais, específicos e sobre a imunidade tributária.

d) casO geradOr

PIA – Sociedade Filhas de São Paulo, entidade filantrópica beneficiente, encon-tra-se, nos termos do artigo 150, IV, “c”, da Constituição Federal, imune à incidên-cia dos impostos da União, Estados e Municípios.

Com o especial e único objetivo de melhorar sua renda e, com isso, melhor exercer sua finalidade social, a mencionada entidade abriu, em seu próprio estabele-cimento, uma livraria. Diante de tal fato, tendo em vista que o mencionado dispo-sitivo constitucional condiciona a concessão dessa imunidade às entidades que não possuam finalidade lucrativa, o Município de Belo Horizonte pretende exigir-lhe o recolhimento do IPTU sobre a propriedade do seu estabelecimento. Está correta a pretensão do Fisco Municipal? (RE 345830).

e) Questões de cOncursO

1. Julgue os seguintes itens, acerca das limitações do poder de tributar.__ Em que pese o princípio da legalidade, a medida provisória pode instituir

e aumentar tributos, ressalvados aqueles que demandem lei complementar para sua instituição.

__ O princípio da anterioridade, por assegurar a integridade do próprio Estado federativo, aplica-se a todas as espécies tributárias, impedindo a Constituição da República que haja qualquer exceção à incidência de seu comando normativo. Empréstimos compulsórios, desde que por lei com-plementar.

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__ Pelo princípio da legalidade, os elementos essenciais de todos os tributos são fixados por lei, inclusive as bases de cálculo e as alíquotas, não havendo exceção. princípio da anterioridade.

__ A União pode instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional, desde que se trate de incentivo fiscal destinado a promover o equi-líbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as regiões do país.

__ Em virtude da autonomia de que gozam as entidades federativas, é vedado à União conceder isenção de tributos da competência dos estados, do DF ou dos municípios.

(Consultor Legislativo do Senado Federal)

F) bibliOgraFia

BALEEIRO, Aliomar, Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7º edição. Rio de Janeiro, Forense, 2001.

NOVELLI, Flávio Bauer, “Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito do art. 2º, § 2º, da Emenda Constitucional n.º 3/93”. In Revista de Direito Administrativo. V.199. Rio de Janeiro, Renovar, 1995.

RIBEIRO, Ricardo Lodi, Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003.

______, A Segurança Jurídica do Contribuinte – Legalidade, Não-Surpresa, e Pro-teção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11ª edição. São Paulo, Malheiros Editores, 1996.

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isono-mia. Rio de Janeiro, Renovar, 1995.

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1.12. aula 12. os princípios constitucionais tributários: a leGalidade

a) ObjetivO

O objetivo da aula é apresentar uma breve noção da importante função que os princípios desenvolvem em nosso ordenamento e estudar o papel da lei na institui-ção e majoração dos tributos, considerando a reserva absoluta de lei, o sub-princípio da tipicidade e suas facetas.

b) intrOduçãO

Apresentadas essas breves noções sobre os princípios em geral, passemos à análi-se, específica, do princípio da legalidade tributária.

Os princípios constitucionais tributários estão dispostos no art. 150, C.F..O princípio da legalidade tributária ou princípio da legalidade estrita ou princí-

pio da reserva legal, é mais antigo que o da legalidade em sentido genérico. O sur-gimento do Estado de Direito é contemporâneo do próprio princípio da legalidade tributária.

Na verdade, a legalidade tributária já existia como um costume constitucional na Europa, porque os tributos na Idade Média eram esporádicos, Na verdade, o reino era mantido com as receitas regalianas, obtidas através da exploração do patrimônio do príncipe, que se confundia com o patrimônio do reino. O tributo, assim, só era instituído em situações excepcionais, por exemplo, quando o rei fosse casar a filha primogênita e fosse pagar o dote. Um caso famoso que exigiu a cobrança de tributo foi o terremoto de Lisboa, no séc. XVI.

Então, havia essa conotação esporádica nos tributos e o parlamento, nessas oca-siões, aprovava a criação da exação para aquelas determinadas finalidades.

No final da Idade Média, quando as despesas estatais passam a ser mais expressi-vas, a partir do agigantamento do Estado absolutista, foi preciso mais dinheiro e o Estado foi buscar esse recurso nos tributos. E aí começam os conflitos entre o rei e a nobreza, uma vez que o primeiro precisava cobrar e o segundo, sob protesto, era obrigado a pagar. Isso aconteceu na Inglaterra, em 1215, quando os barões feudais impuseram ao rei a Magna Carta. Com o especial objetivo de tolher a ânsia arreca-datória real, o ponto principal deste documento foi afirmar que não haverá tributo sem prévia autorização do parlamento (então composto pela nobreza e clero). Mo-mento este em que se consagrou pela primeira vez o princípio da legalidade em um texto constitucional.

Atualmente, previsto no art. 150, I, da CRFB, o princípio da legalidade tributá-ria exige que só a lei em sentido formal institua ou majore tributos. Segundo o STF, a medida provisória, que tem força de lei, também supre a exigência.56

56 sTF, pleno, RE nº 138.284/cE, Rel. Min. carlos Velloso, RTJ 143/313, j. 1º/7/92.

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Com a edição da Emenda Constitucional n.º 32/2001, que alterou o art. 62 da Constituição Federal, a majoração ou a instituição de impostos por meio de Medi-da Provisória só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte, se houver sido convertida em lei.

Ademais, a Emenda Constitucional 32/2001 exige que as Medidas Provisórias sejam convertidas em Lei, no prazo de 60 dias da sua publicação, prorrogáveis por igual prazo, sob pena de perda da sua eficácia. Ao contrário da limitação da eficácia citada no parágrafo anterior, aplicável tão somente aos impostos, a exigência da conversão em Lei no prazo máximo de 120 dias aplica-se a todos os tributos.

Como se vê, o princípio da legalidade no direito tributário se traduz no princípio da reserva absoluta de lei, pois só a lei pode criar tributos, não sendo legítima a sua instituição em virtude de lei, conforme seria admitido pelo princípio da legalidade aplicável ao direito constitucional ou administrativo.57

Se o princípio da legalidade não comporta exceções no que tange à criação de tributos, o mesmo não se pode dizer em relação à sua majoração, uma vez que a Constituição autoriza que o IPI, o IOF, o II, e o IE tenham as suas alíquotas alte-radas pelo Poder Executivo nos limites previstos na lei (art. 153, § 1º, CRFB), em razão da função extrafiscal que esses impostos possuem, servindo como instrumento de política econômica do Governo Federal.

A Emenda Constitucional 33/2001 criou mais uma exceção ao princípio da legalidade, permitindo que seja reduzida e restabelecida a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) relativa às atividades de importa-ção ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool combustível por ato do poder Executivo, conforme a redação do § 4º do artigo 177 da CRFB/88.

Em geral, os tributos devem ser instituídos por meio de Lei Ordinária, salvo as exceções previstas na Constituição Federal, dentre elas a instituição de empréstimos compulsórios (art. 148 da CRFB); as contribuições sociais, e; impostos instituídos na competência residual da União (art. 154 e art. 195 §4 º CRFB).

Porém, não basta que a lei considere criado o tributo, é preciso que esta (lei) preveja todos os elementos da obrigação tributária, tais como: fato gerador; base de cálculo; alíquota; sujeito passivo etc. É o sub-princípio da tipicidade, corolário da legalidade e positivado em nosso ordenamento jurídico pelo art. 97 do CTN.

O princípio da tipicidade pode assumir duas facetas distintas: o da tipicidade fechada ou cerrada, defendida por Alberto Xavier e Luciano Amaro58; ou o da tipi-cidade aberta, sustentada por Ricardo Lobo Torres.59

Em que pese o predomínio na doutrina brasileira do positivismo formalista, que ali-cerça a teoria da tipicidade fechada, parte dos autores nacionais, na esteira da doutrina alemã, repele a existência da tipicidade fechada, reconhecendo a elasticidade e flexibi-lidade do princípio da tipicidade. Tal corrente, que não admite a tipicidade fechada, parte do pressuposto de que, no Estado Democrático e Social de Direito, os Governos são exercidos por representantes diretos do povo, tal como ocorre com o Parlamento, de sorte que somente esses (representantes do povo), é que poderiam criar obrigações, e que o Poder Executivo seria um mero executor das políticas por eles definidas.60

57 XaVIER, alberto, Os Principio da Legalidade e da Tipicidade na Tributação. são paulo, Ed. Revis-ta dos Tribunais, 1978, p. 17.

58 aMaRO, luciano, Direito Tribu-tário Brasileiro. Ed. saraiva, 9ª ed, são paulo, 2003, p. 111.

59 Ricardo lobo Torres afirma que enquanto “o conceito jurídi-co torna-se objeto de definição da lei e tem caráter abstrato, o tipo é apenas descrito pelo le-gislador e tem simultaneamen-te aspectos gerais e concretos, pois absorve características pre-sentes na vida social. Os tipos jurídicos, inclusive no direito tributário (ex. empresa, em-presário, indústria) são neces-sariamente elásticos e abertos, ao contrário do que defendem alguns positivistas (cf. a. Xavier, op. cit., p. 92)”. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Ja-neiro, Renovar, 2003, p 98.

60 aRaGÃO, alexandre santos de, “princípio da legalidade e poder Regulamentar no Estado contemporâneo”. In Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro 53, 2000, p. 42.

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Neste sentido, o princípio da legalidade passou a ter, como afirma Pérez Royo,61 um viés plural, como meio de garantir a democracia no procedimento de imposição das normas de repartição tributária, bem como a igualdade de tratamento entre os cidadãos e a unidade do sistema jurídico.

Assim, a segurança jurídica não mais se coaduna com um regime legal que dê proteção máxima para que um indivíduo (contribuinte) deixe de dar cumprimen-to a uma norma, em detrimento dos outros indivíduos, a partir de sua menor ou maior astúcia na manipulação das formas jurídicas, pois a legalidade tributária se traduz, hoje, como assinala Tipke,62 na segurança diante da arbitrariedade da falta de regras, uma vez que a segurança jurídica é a segurança da regra. A certeza na aplicação da norma tributária para todos os seus destinatários é que garante a apli-cabilidade e império da lei.

A despeito da aceitação cada vez maior que essas idéias obtêm em todo o mundo, no Brasil a segurança jurídica ainda padece de uma coloração individualista, con-temporânea do iluminismo, o que de certa forma pode ser explicado pelo grande desenvolvimento do direito tributário pátrio no período da ditadura militar (1964-1985). Em certa medida, a luta contra o arbítrio cria um ambiente político propício ao fortalecimento da legalidade. Dentro desse contexto, explica-se o aferramento à legalidade como única forma de defesa contra o arbítrio dos generais-presidentes, mas que, com a redemocratização do país, soa sem sentido e em dissintonia com as tendências verificadas em todo o mundo.63

De fato, em nosso país, a interpretação da lei tributária vive um momento de isolamento cultural. Ainda estamos acorrentados a um positivismo de índole for-malista que não encontra mais paralelo alhures. A nossa doutrina, animada com a tese da tipicidade fechada, abraça a segurança jurídica como único valor a ser tu-telado, fazendo da justiça, da igualdade e da capacidade contributiva meras figuras retóricas, quando não objetos de críticas mordazes.

A adoção da segurança jurídica como princípio absoluto do direito tributário, mediante a íntima convicção de que esse ramo possuiria características peculiares que sequer seriam encontradas no direito penal, reflete, como bem destaca José Marcos Domingues de Oliveira,64 uma posição ideológica de privilegiar a liberdade vinculada ao patrimônio em detrimento da liberdade vinculada à pessoa.

A constante comparação estabelecida por parte da doutrina – de que, aliás, a obra de Misabel de Abreu Machado Derzi, Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, é o mais eloqüente dos exemplos – entre o tipo penal e o tipo tributário se baseia na subor-dinação da instituição de tributos, crimes e penas ao princípio da reserva de lei. No entanto, há mais dissonâncias do que identidades entre os dois ramos do direito.

A diversidade entre as funções das normas tributária e penal constitui o principal ponto de distinção a inviabilizar a equiparação dos critérios de interpretação estabe-lecidos em cada um dos referidos ramos. A norma penal tem a função retributiva, visando evitar a prática do ato típico antijurídico.65 Portanto, é uma norma odiosa punitiva.

Já a lei tributária – abstraindo-se a radicalidade de parte da doutrina que a con-sidera como norma de rejeição social,66 posição superada em quase todo o mundo67

61 pÉREZ ROYO, Fernando, De-recho Financiero y Tributario – Parte General. 10.ed. Madrid, 2000, p. 42.

62 “Rechtsetzung durch steue-rerichte und steuervewal-tungsbehörden?” Steuer und Writschaft 58 (3): 194, 1981, apud TORREs, Ricardo lobo (Legalidade Tributária e Riscos Sociais, cit., p. 179).

63 Oliveira, José Marcos Domin-gues, Direito Tributário e Meio Ambiente – Proporcionalidade, Tipicidade Aberta e Afetação de Receita. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 92.

64 Direito Tributário e Meio Am-biente..., cit., p. 114.

65 FRaGOsO, Heleno cláudio, Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral. 10. ed. Rio de Janei-ro, Forense, 1986, p. 2.

66 considerando a norma tribu-tária como norma de rejeição social: MaRTIns, Ives Gandra da silva, Sistema Tributário na Constituição de 1988. 2. ed. são paulo, saraiva, 1990, p. 12.

67 JaRacH, Dino, Finanzas Públi-cas y Derecho Tributário. 3. ed. buenos aires, abeledo-perrot, 1996, p. 298.

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– tem como função identificar a manifestação de riqueza, suscetível de ser objeto da tributação, sem nunca perder de vista a quantificação do quinhão que cada contri-buinte deve arcar no custeio das despesas públicas.

Assim, se um fato praticado por um agente – ainda que pareça repulsivo e anti-jurídico à sociedade – não é considerado descrito na norma penal, a atipicidade não ensejará conseqüências punitivas para quem quer que seja.

No direito tributário, ocorre fenômeno distinto. Se as despesas públicas são cus-teadas por exações instituídas conforme a capacidade contributiva dos mais variados segmentos de contribuintes, a caracterização da atipicidade de determinada con-duta que revela o mesmo signo de riqueza identificado pelo legislador acabará por gerar conseqüências nocivas aos demais segmentos da sociedade.

Se a absolvição de um acusado não leva qualquer outro cidadão à cadeia, o não pagamento de tributo por alguém que revela capacidade contributiva vai gerar, mais cedo ou mais tarde, a necessidade do Estado negar prestações positivas a outro cidadão, ou, o que é mais freqüente, a imposição tributária a quem não revela ca-pacidade contributiva.68

A consagração da teoria da tipicidade fechada na doutrina brasileira representou o triunfo de uma peculiar opção, fora do contexto histórico mundial e sem paralelo em outros ramos do direito pátrio, da segurança jurídica como valor absoluto e insuscetível de ponderação com qualquer outro.69

A adoção do princípio da legalidade tributária pela nossa Constituição Federal – que longe de representar uma peculiaridade nacional, como parecem sustentar alguns, brota como fruto da evolução da ciência do direito em todo o globo70 – não é desprestigiada pela superação das teorias ligadas ao positivismo formalista que recomendam a vinculação absoluta do aplicador do direito à norma.

Na verdade, a maior prova de que essa tão propalada legalidade tributária absoluta não deriva da Constituição brasileira é o exame dos textos constitucio-nais dos países que adotam outros paradigmas na interpretação da lei tributária, todos consagrando o princípio da legalidade estrita na criação e majoração de tributos.71

O que diferencia a Constituição Brasileira de 1988 dos outros textos consti-tucionais é uma minuciosa repartição de competências entre os entes federativos, o que só indiretamente é pertinente à matéria da legalidade. Na verdade, o tema da competência se prende muito mais à delimitação da capacidade contributiva visualizada pelo legislador constituinte, e que serve de limite à ação do legislador ordinário, do que à forma, mais ou menos casuística ou detalhada que este último vai utilizar para a definição do fato gerador. Buscar na repartição constitucional das competências tributárias o arcabouço constitucional para uma tipicidade fechada é extrair da Constituição uma sistemática que, além de não ser nela prevista, contraria todos os princípios por ela consagrados.

Como se vê, a Constituição brasileira, no que tange à consagração do princípio da legalidade tributária, não apresenta qualquer peculiaridade em relação ao di-reito comparado. O que há de diferente em nosso país é uma criação doutrinária sem lastro constitucional e em desacordo com os valores e princípios mais caros ao

68 no brasil, o fenômeno é por demais conhecido, como se verá adiante, com a criação de tributos que a despeito de não se adequarem ao princípio da capacidade contributiva, são prestigiados pelo legislador pela menor suscetibilidade à elisão fiscal.

69 Observe-se que os próprios se-guidores da doutrina formalista reconhecem o caráter peculiar dessa opção no panorama do direito comparado. por todos, vide cOElHO, sacha calmon navarro (O Controle da Constitu-cionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988. belo Horizonte, Del Rey, 1992, p. 335) e MaRTIns, Ives Gandra da silva (“Direitos Fundamentais do contribuinte”. In Martins, Ives Gandra da silva (coord.). Direito Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributárias – Nova Sé-rie – nº 6. são paulo, Revista dos Tribunais, 45-81, 2000, pp. 77 e 79) que justifica a necessidade do contribuinte brasileiro ter maior proteção do que é conferi-do em outros países, em virtude da ganância do Estado brasilei-ro, e do subdesenvolvimento das instituições nacionais, despreparadas para a utilização de mecanismos de combate à elisão adotados alhures, numa apreciação que obviamente extrapola os limites da ciência do Direito.

70 Vide ucKMaR, Vitor, Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Tradução e notas ao Direito brasileiro de Marco au-rélio Greco. 2ª edição. são paulo, Malheiros, 1999, onde o autor revela que o princípio da lega-lidade tributária é adotado em todos as constituições vigentes, exceto, à época, na da ex-uRss, e reproduz, inclusive, o dispositivo constitucional de diversos países.

71 RIbEIRO, Ricardo lodi, Legali-dade Tributária. Tipicidade Aber-ta. Conceitos Indeterminados e Cláusulas Gerais Tributárias. RDa nº 229/313-333. Rio de Janeiro, Renovar, 2002.

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nosso ordenamento. A este respeito assevera o professor Ricardo Lodo Torres,72 que a utilização das expressões tipicidade “fechada”, legalidade “estrita”, e reserva “abso-luta” de lei não deriva da nossa Constituição, mas de construção de nossa doutrina, embalada por razões mais ideológicas que científicas.

No que é concernente aos chamados regulamentos autônomos, notem que, a possibilidade do aplicador da lei expedir atos administrativos normativos para in-terpretar e detalhar a lei, a partir de uma valoração objetiva, não se traduz na sua aceitação no direito tributário, o que contrariaria o princípio da reserva de lei. O regulamento sempre terá que se basear em uma habilitação legal mais ou menos precisa73 e respeitar o conteúdo mínimo e essencial reservado à lei.74

No Estado Democrático e Social de Direito, superada a dicotomia entre a von-tade do monarca e a do povo representado pelo Parlamento, e estabelecida a neces-sidade de harmonização e interdependência entre os poderes, o regulamento passa ser um instrumento essencial para a definição dos aspectos técnicos das regras jurí-dicas, com a adequação à realidade de alguns conceitos indeterminados de origem científica ou tecnológica, que nem sempre podem ser precisados pela dinâmica do Parlamento. Deste modo, é compatível com a feição atual do princípio da legalida-de, que os aspectos técnicos da norma sejam definidos em regulamento, ficando o Poder Legislativo com a definição das grandes diretrizes políticas nacionais, fenô-meno que não se revela estranho ao direito tributário.75

Em conseqüência desse entendimento, há quem sustente o equívoco da po-sição do Superior Tribunal de Justiça, espelhada no verbete nº 160 de sua sú-mula, que prevê que só a Lei poderá elevar o valor venal do imóvel para fins de definição da base de cálculo do IPTU, acima dos índices oficiais de correção monetária. Os opositores de tal verbete defendem que, tanto o CTN, quanto o legislador municipal já definiram que a base de cálculo do IPTU é o valor venal, que se traduz em valor de mercado. A definição do valor de mercado de cada imóvel seria função essencialmente administrativa, no desempenho na atividade lançadora. Não cabendo ao parlamento municipal deliberar sobre o valor dos imóveis em cada região. Seria, então, o ato administrativo, a partir da realidade do mercado, o responsável pela valoração do valor venal (a base de cálculo legal), no caso concreto, sendo a planta de valores um mero mecanismo interno facili-tador da atividade lançadora, que, nesse caso, deve se dar de ofício, nos termos do art. 149, I, do CTN.

Por outro lado, é imperioso reconhecer, como bem salienta Valdés Costa,76 a di-ficuldade do legislador para o combate à fuga de impostos, notadamente a partir de definições legais muito detalhadas. Assim, o regulamento aparece como importante instrumento de combate à evasão fiscal, desde que expedido dentro dos limites do tipo legal e respeitada a capacidade contributiva, ao concretizar e detalhar as situ-ações abstratas previstas pelo legislador. Isso se dá, por exemplo, quando o regula-mento identifica casos de incidência e não incidência, a partir da definição do fato gerador pela lei.

72 “Direitos Fundamentais do contribuinte”. In MaRTIns, Ives Gandra da silva, Direito Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributárias – Nova Série – nº 6. são paulo, Revista dos Tribunais, 167-186, 2000, p. 185.

73 FERREIRO lapaTZa, José Juan, Curso de Derecho Financero Es-pañol, Vol. I. 21.ed. barcelona, Marcial pons, 1999, p. 53.

74 calVO ORTEGa, Rafael, Curso de Derecho Financero I – Derecho Tributario (Parte General). 4.ed. Madrid, civitas, 2000, p. 100.

75 GOnZálEZ, Eusébio/lEJEunE, Ernesto, Derecho Tributário I. 2. ed. salamanca, plaza universi-salamanca, plaza universi-taria, 2000, p. 47.

76 Instituciones de Derecho Tribu-tário. buenos aires, Depalma, 1996, p. 127.

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c) Perguntas

O Poder de Tributar do Estado é limitado? Explique. Em que consiste o princí-pio da legalidade e qual o seu fundamento constitucional e infraconstitucional? É correta a afirmação no sentido de que pode o Poder Público majorar tributo sem lei? E quanto à criação de tributo, pode esta prescindir de Lei?

d) casO geradOr

O art. 22, II, da Lei nº 8.212/91, instituiu a contribuição destinada ao custeio do Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT), sobre o total da remuneração paga pela empresa aos seus empregados e avulsos, com alíquotas variando de 1% a 3%, em razão da atividade preponderante exercida pela empresa e do risco que representa para os seus trabalhadores, a partir dos seguintes parâmetros:

a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;

c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

No entanto, a definição sobre o risco para o trabalhador, contido em cada ativi-dade, é definida pelo regulamento, o Decreto nº 3.048/99 (art. 202 e Anexo V).

Considerando que a definição do grau do risco da atividade irá repercutir dire-tamente na carga tributária a ser suportada pelos contribuintes (eis que definirá a alíquota aplicável), pode-se dizer que sua instituição por meio de Decreto viola o princípio da tipicidade tributária? (Supremo Tribunal Federal, RE 343.446, julgado em 20/03/2003, publicado no DJ 04-04-2003 PP-00040 EMENT VOL-02105-07 PP-01388).

e) Questões de cOncursO:

1. Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue os seguintes itens.__ As alíquotas dos impostos de importação e exportação podem ser alteradas

por decreto, de acordo com os limites previstos em lei, o que constitui atenu-ação ao princípio da legalidade.

(Advocacia Geral da União – 2004)

2. Quanto à enumeração dos impostos previstos na Constituição Federal, po-de-se afirmar que:

a) é exaustivab) depende do que dispuser o Código Tributário Nacionalc) inexiste competência residual à luz da Constituição Federal vigente

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d) não é exaustiva, visto que a União pode instituir outros impostos, mediante lei complementar.

(Controlador da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro)

3. “Do princípio da legalidade” tributária decorre a inconstitucionalidade: a) Da lei que confere tratamento diferenciado a contribuintes que se encontrem

em situações equivalentes b) Do decreto que determina majoração do imposto c) Da lei que institui imposto sobre templos de qualquer culto d) Da lei que institui imposto com efeito de confisco

(27º exame da OAB)

F) bibliOgraFia

AMARO, Luciano, Direito tributário brasileiro. 9ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003.

BORGES, José Souto Maior, Isenções Tributárias, Ed. Sugestões Literárias, 1969.

BALEEIRO, Aliomar, Direito tributário brasileiro. 11ª edição, atualizada por Mi-sabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 1999.

MACHADO, Hugo de Brito, Curso de direito tributário. 13ª ed., São Paulo, Malheiros, 1998.

MARTINS, Ives Gandra da Silva, Sistema Tributário na Constituição de 1988. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1990, p. 12.

______, “Direitos Fundamentais do Contribuinte”. In Martins, Ives Gandra da Silva (coord.). Direito Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributárias – Nova Série – nº 6. São Paulo, Revista dos Tribunais, 45-81, 2000.

OLIVEIRA, José Marcos Domingues, Direito Tributário e Meio Ambiente – Pro-porcionalidade, Tipicidade Aberta e Afetação de Receita. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1999.

RIBEIRO, Ricardo Lodi, Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003.

______, Legalidade Tributária. Tipicidade Aberta. Conceitos Indeterminados e Cláusulas Gerais Tributárias. RDA nº 229/313-333. Rio de Janeiro, Renovar, 2002.

______, A Segurança Jurídica do Contribuinte – Legalidade, Não-Surpresa, e Pro-teção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo, Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro, Renovar, 2003.

______, Os Direitos Humanos e a Tributação. Imunidades e Isonomias. Ed. Reno-var, Rio de Janeiro, 1995.

______, “A Chamada ‘Interpretação Econômica do Direito Tributário’, a Lei Complementar 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário. In O

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Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104, coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo, Dialética. 2001.

UCKMAR, Vitor, Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Tra-dução e notas ao Direito Brasileiro de Marco Aurélio Greco. 2ª edição. São Paulo, Malheiros, 1999.

XAVIER, Alberto, Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade na Tributação. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1978, p. 17.

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1.13. aula 13. a isonomia

a) ObjetivO

A aula de hoje tem por finalidade estudar a importância de repudiar tratamento diferenciado a contribuintes que se encontrem em situações equivalentes, de modo a garantir que o ônus fiscal seja suportado de forma isonômica pela sociedade.

b) intrOduçãO

Princípio basilar de um Estado Democrático de Direito, o princípio da isonomia encontra-se consagrado em diversas passagens da Constituição Federal brasileira, podendo-se afirmar, inclusive, que funciona como verdadeiro norte da Carta Po-lítica. Mesmo porque, não seria concebível admitir-se que os cidadãos brasileiros, vivendo sob um regime Republicano, ao compor o Estado, através da eleição demo-crática de seus representantes, fossem passíveis de sofrer tratamento discriminatório ou privilegiado, sem razão legítima para tal.

Pode-se dizer, assim, que a “isonomia condiciona a própria função legislativa e se assevera como base para a aplicação dos demais princípios constitucionais. Dessa forma, é quase intuitivo que a observância do princípio da isonomia é condição necessárias à atividade legislativa infraconstitucional”77.

Apenas para ilustrar, destaca-se que o disposto nos artigos 3º, IV, e 5º, caput, re-presentam algumas, dentre várias, passagens de nossa Constituição que consagram a importância de repudiar discriminações.

Como seu próprio nome indica, esse princípio tem por finalidade máxima o tra-tamento isonômico entre os pares, não se permitindo, em absoluto, discriminação de qualquer natureza.

Não se deve concluir, contudo, que todos merecem tratamento estritamente igualitário. Tal afirmação, na verdade, conduziría-nos à maior violação da isono-mia, que é, justamente, não distinguir os dessemelhantes na medida em que se desigualam.

Assim, partindo-se da premissa Aristotélica, seguida por Montesquieu, Dugüit e Rui Barbosa, assevera-se, seguramente, que o princípio da isonomia consiste em “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam”78.

Tal mandamento possui uma dupla aplicabilidade sobre os atos da Admi-nistração Pública. Ao mesmo tempo em que a isonomia deve pautar os atos do Estado-Legislador, de modo que os diplomas normativos não ofereçam trata-mento diferenciado a pessoas ou situações equivalentes (igualdade formal), uma vez criadas as regras, o Estado-Executor deve aplicá-las sem discriminação de raça, sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, classe social (igualdade material).

77 GOssOn, Grace christhine de Oliveira. “cOFIns na prestação de serviços: Violação do princí-pio constitucional da Isonomia.” PIS-COFINS, questões atuais e polêmicas....... p. 465.

78 baRROsO, luís Roberto. Tema de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 159.

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Dessa forma, permite-se afirmar que uma norma poderá ser inconstitucional, frente ao princípio da isonomia, por duas formas: A primeira é quando o legislador outorga benefícios ou estabelece restrições sobre determinado grupo de pessoas, si-tuações, sem fazer o mesmo com outros grupos a este equivalentes. A segunda ocor-re quando o executor da norma a impõe de forma não homogênea, demonstrando-se mais severo, ou brando, com determinado grupo de pessoas, ou situações, sem despender o mesmo tratamento a outros grupos a esse equiparados.

Neste diapasão, leciona o professor José Afonso da Silva:

“(...) Há duas formas de cometer essa inconstitucionalidade. Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação. Neste caso, não se estendeu às pessoas ou grupos discriminados o mesmo tratamento dado aos outros. O ato é inconstitucional, sem dúvida, por que feriu o princípio da isonomia. (...)

A outra forma de inconstitucionalidade revela-se em impor obrigação, dever, ônus, sanção ou qualquer sacrifício a pessoas ou grupos de pessoas, discriminando-as em face de outros na mesma situação que, assim, permaneceram em condições mais favoráveis. O ato é inconstitucional por fazer discriminação não autorizada entre pessoas em situação de igualdade.”

Sobre este essencial princípio, é importante destacar, para afastar quaisquer equívocos na sua aplicação, que, para não sê-lo violado, é necessário haver uma correlação lógica entre as razões que dão suporte à desigualdade pretendida. Neste sentido, leciona o professor Celso Antônio Bandeira de Mello79 que “o critério es-pecificador escolhido pela lei a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles, todavia, necessita, inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita nem fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tra-tamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”

Isto quer dizer que, frente a todo e qualquer tratamento desigual dispensado a duas ou mais pessoas ou situações, deve haver a presença de um critério razoável, racional e, acima de tudo, relacionado com a situação de dessemelhança, que justi-fique o respectivo discrímen.

Em se tratando de direito tributário, onde a vontade (“necessidade”) do Estado incide diretamente sobre o patrimônio do particular, a observância do princípio da isonomia faz-se ainda mais relevante para evitar quaisquer espécies de injusti-ças fiscais e indevida diminuição da riqueza privada. Sua aplicação deve guardar pertinência com as razões que ensejaram determinado tratamento antiisonômico e, verificando-se uma injusta oneração sobre a capacidade contributiva, deve-se, prontamente, restabelecer a igualdade.

79 MEllO, celso antônio ban-deira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 2ª ed. são paulo: Revista dos Tribu-nais. p. 49.

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Tamanha é a importância de sua observância pelo direito tributário, que o cons-tituinte de 1988, incluiu a necessidade de respeito ao princípio da isonomia no texto do artigo 150, inciso II, da Constituição Federal.

A letra de tal dispositivo é clara. É constitucionalmente proibido estabelecer qualquer tratamento tributário desigual entre contribuintes que se encontrem em situações equiparáveis.

Sobre a aplicação da isonomia em matéria tributária, observem-se as lições de Antônio Roberto Sampaio Dória80:

“(...) A exigência da igualdade fiscal deve, pois, se harmonizar com as desigualda-des econômicas, ou de outra natureza, em função das quais, e somente delas, o poder tributário se há de exercitar com justiça. Como bem salientou a Suprema Corte dos Estados Unidos, “a system which imposes the same tax upon every species of proper-ty, irrespective of its nature, or condition, or class, will be desructive of the principle of uniformity and equality in taxation. (...)

Esta concepção do princípio da igualdade exprime-se, na esfera fiscal, pela con-clusão de que a tributação deve ser idêntica para as pessoas ou atividades igualmente situadas e desigual para aquelas que entre si desigualem e, se possível, na exata medi-da da desigualdade apurada. O consenso de opiniões de quantos escreveram sobre o tema, como doutrinadores ou magistrados, é, em nosso direito, absoluto.”

Dessa forma, importa destacar que aqueles dispositivos que não tiverem “diferen-ciado (com isenções ou com incidência tributária menos gravosa) o tratamento de situ-ações que não revelem capacidade contribuitiva ou que mereçam um tratamento fiscal ajustado à sua menor expressão econômica” 81 estarão violando diretamente o princípio insculpido no artigo 150, II, da Constituição Federal.

Em conformidade com as razões acima postas, portanto, diante de uma lei que conceda um tratamento diferenciado a determinada categoria ou segmento social, é necessário que seja verificada se a distinção é odiosa82 ou tutelada pelo ordenamento jurídico, seja por razões extrafiscais, seja em consideração à capacidade contributiva.

Como bem assinala Tipke,83 a igualdade, ao contrário da identidade, é sempre relativa, pois o que é completamente igual é idêntico. Há que se inquirir em relação a que as coisas são iguais e, a partir daí, averiguar se as distinções encontradas justifi-cam, de fato, a atribuição de um tratamento diferenciado pelo legislador tributário. As distinções que devem ser levadas em consideração pela lei são as que se baseiam numa diferente manifestação de riqueza, salvo se presente outro fundamento a se ponderar com a capacidade contributiva.

No entanto, não é dado ao Poder Judiciário estender, com base no princípio da isonomia, um benefício fiscal, ainda que legítimo, a quem não foi contemplado pela lei, pois se assim agisse, estaria invadindo o espaço destinado ao Poder Legislativo e violando a separação de Poderes, ao desempenhar a função de legislador positivo, conforme posição pacífica do Supremo Tribunal Federal.

80 DÓRIa, antônio Roberto sampaio. Direito Constitucional Tributário e “due process of law”. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1986. p. 136, 137.

81 aMaRO, luciano. Direito Tri-butário Brtasileiro. 10ª ed. são paulo: saraiva, 2004. p. 134.

82 TORREs, Ricardo lobo, Tratado de Direito Constitucional, Finan-ceiro e Tributário, vol. V. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 65.

83 TIpKE, Klaus. “princípio da Igualdade e a Idéia de sistema no Direito Tributário”. In bran-dão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. são paulo, saraiva, 1984, pp. 517-519.

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c) Perguntas

Qual o papel exercido pelo princípio da isonomia no sistema tributário nacional? Explique a relação existente entre o princípio da isonomia e os benefícios odiosos. O que se entende por critério de discrímen.

d) casO geradOr

Por meio do Decreto-lei 2.019/83, a União Federal concedeu aos magistrados isenção do Imposto de Renda incidente sobre a verba de representação, consideran-do a importância do cargo ocupado por tais profissionais, bem como o princípio da isonomia e a concessão de proibição de privilégios odiosos, analise a recepção de tal dispositivo pela Constituição Federal de 1988. (RE 236881/RS).

A Lei 9.032/95 instituiu um aumento no pagamento de pensão por morte aos respectivos beneficiários do INSS. A autarquia, contudo, alegando a impossibilida-de da lei nova produzir efeitos retrospectivos pretendeu sustentar a tese no sentido de que o mencionado aumento somente se daria para os futuros beneficiários da pensão, e não para aqueles que já estivessem a recebendo. Considerando o fato de que o sistema previdenciário nacional é custeado por todos, com base no princípio da solidariedade, analise a constitucionalidade da tese sustentada pelo INSS frente o constitucional princípio da isonomia. Vale dizer, violaria o princípio da isonomia conceder o aumento em comento somente para os futuros beneficiários – em detri-mento daqueles que, atualmente, estão recebendo a pensão? (RE 422268/SP)

e) bibliOgraFia

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional Tributário e “due pro-cess of law”. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1986.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualda-de. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

TIPKE, Klaus. “Princípio da Igualdade e a Idéia de Sistema no Direito Tribu-tário”. In Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo, Saraiva, 1984.

TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributá-rio, vol. V. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2000.

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1.14. aula 14 - a irretroatividade. as anterioridades

a) ObjetivO

Estudaremos hoje a importância de a lei tributária (mais gravosa ao contribuin-te) não produzir efeitos retroativos, vale dizer, sobre fatos pretéritos, bem como sua relação com o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, que consagra fundamental proteção ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

b) intrOduçãO

O princípio da irretroatividade, previsto no art. 150, III, a, CF, veda a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou majorado, e tem como escopo a realização da segurança jurídica, resguardando o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, insertos no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal.

Assim, a lei nova não poderá prejudicar: (i) o direito adquirido, assim entendi-do como “os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem (artigo 6º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil); (ii) o ato jurídico perfeito, considerado como “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou” (artigo 6º, § 1º da LICC), e; (iii) a coisa julgada, vale dizer, “a decisão judicial de que já não caiba recurso” (artigo 6º, § 3º, da LICC).

No entanto, o art. 105 do CTN determina que a lei tributária aplica-se aos fa-tos geradores pendentes, assim entendidos como aqueles que já se iniciaram, mas ainda não foram concluídos por ocasião da edição da lei. Se aceita a recepção do referido dispositivo legal pela CRFB/88, a aplicação do princípio fica esvaziada para os tributos com fato gerador complexivo, como o Imposto de Renda, onde uma lei, publicada no último dia do ano, altera a tributação do ano-base que se encerra. Entendemos, juntamente com a doutrina majoritária que o mencionado dispositivo complementar não é constitucional.84

Contudo, o STF continua aplicando a Súmula nº 584, que, dando aplicação ao artigo 105 do CTN, estabelece: “Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendi-mentos do ano-base, aplica-se à lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.”

A justificativa que se apresenta para a o conteúdo da Súmula n.º 584 repousa na teoria que distingue o fato jurídico e seus efeitos, interpretando o fenômeno jurídi-co tributário em dois momentos distintos: a hipótese e a conseqüência jurídica.

Nas palavras de Misabel Derzi85, ao comentar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o art. 18 do Decreto-Lei n.º 2.323/8786, que determinou a transfor-mação em OTN, do montante do Imposto de Renda a pagar por pessoas jurídicas,

84 por todos, aMaRO, luciano, Ob. cit., p. 117.

85 ballEIRO, aliomar, Direito tributário brasileiro. 11ª edição atualizada por Misabel abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p.666.

86 ação de Representação de In-constitucionalidade n.º 1451-7. Rel. Min Moreira alves

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apurado em 31 de dezembro do ano anterior, cuja a inconstitucionalidade foi de-clarada:

“Ora, a afronta ao fato jurídico perfeito, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, deu-se por meio da modificação dos efeitos já desencadeados pelo fato, atingindo-o de forma indireta. É inequívoca a correção desse pensamento, do ponto de vista lógico-jurídico. Sempre entendemos, e já sustentamos (Misabel Der-zi, Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1988, pp. 230-231), que o fato gerador não é uma categoria ontológica, que subsiste de per se. É uma categoria funcional, que se explica na medida em que se produ-zam efeitos jurídicos. Mudados os efeitos a serem desencadeados pelo fato jurídico (nascimento de uma obrigação em dinheiro, pelo seu valor nominal, ou seja, sem relação monetária) ou já desencadeados (retroativamente), altera-se o próprio fato, pois a relação de implicação lógica entre a hipótese e conseqüência, segundo a qual, dado um fato A será a conseqüência (então dever ser C), é recíproca e intensiva. Isso significa que não é C (se não ocorrem os mesmos efeitos anteriores da conseqüência) então não é A, o fato gerador será outro, alterado.”

O extremo da tese distintiva entre o fato e a conseqüência jurídica levou o Su-premo Tribunal Federal a considerar a existência de um momento atemporal lógico, que separa o último segundo do dia 31 de dezembro do primeiro segundo do dia 1º de janeiro.

A questão de fundo dessa celeuma consiste na recepção no art. 105 do CTN, tendo em vista o princípio da irretroatividade esculpido do art. 150, III, da Consti-tuição Federal, como já anteriormente dito.

A doutrina majoritária defende a impossibilidade da tributação dos fatos gera-dores pendentes, ressaltando-se o pensamento de Luciano Amaro que representa o maior expoente dessa corrente:

“Se acolher a crítica que autorizada doutrina (Geraldo Ataliba. Paulo de Barros Carvalho) faz à classificação dos fatos geradores em instantâneos e periódicos, deve-se reconhecer-se que o tributo incide sobre a soma algébrica de diversos dados pertinen-tes ao ano-base (ou ao exercício social, no caso de pessoas jurídicas), e, portanto, só se pode afirmar a consumação ou o aperfeiçoamento do fato gerador com o término do período de sua formação. Ou seja, é necessário que se esgote o ciclo de sua formação (prevista em lei), para que ele se repute perfeito como fato gerador. Os ganhos obtidos, por exemplo, no início do período podem ser absorvidos por deduções ou abatimentos que se realizem posteriormente, até o final do ciclo, por isso não se pode sustentar que, desde o primeiro rendimento auferido no ano, já se instaura a relação obrigacional tributária; se o fato gerador periódico ainda não se consumou, inexiste a obrigação. En-fim, é preciso aguardar-se o término do período de formação, para que se possa atestar a própria existência do fato gerador ( e não apenas sua dimensão). (...)

É realmente inacreditável que se continue insistindo em que a renda que não foi ganha até 31 de dezembro (ou 1º de janeiro) considera-se ganha nessa época, e que,

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portanto, a lei seria retroativa, considera-se não-retroativa e, em decorrência, o que a Constituição exigia considera-se não mais exigido – tudo por força das virtualidades mágicas da lei ordinária.

Isso revela profundas desconsiderações pela Lei Fundamental, desprezo que cul-mina – quando se traz à colação o princípio da anterioridade – com a assertiva de que só exige lei anterior ao lançamento do tributo, como, se, transpondo a questão do Direito Penal, bastasse lei anterior ao “lançamento da pena” pelo Estado, no lugar de lei anterior ao delito.

Não podemos compactuar com equívocos tão irritantes quanto antigos, e, de costas voltadas para a Constituição, continuar a constituir aquilo que ela, solene-mente, proíbe87.”

Na realidade, o que se verifica é o esvaziamento dos pressupostos teóricos da sú-mula 584, tendo em vista a impossibilidade de separação entre o fato e seus efeitos, assim como pela antinomia da súmula como texto constitucional.

Finalizando a aula de hoje, vale transcrever ementa de acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal que reconhece o princípio da irretroatividade como ver-dadeira garantia posta à disposição do contribuinte:

“O princípio da irretroatividade da lei tributária deve ser visto e interpretado, desse modo, como garantia constitucional instituída em favor dos sujeitos passivos da atividade estatal no campo da tributação. Trata-se, na realidade, à semelhança dos demais postulados inscritos no art. 150 da Carta Política, de princípio que — por traduzir limitação ao poder de tributar — é tão-somente oponível pelo contribuinte à ação do Estado.” (ADI 712-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19/02/93)”.

c) Perguntas

Em que consiste o princípio da irretroatividade tributária? Qual o seu funda-mento constitucional e qual a sua relação com o direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada? Qual a discussão que gira em torno do artigo 105 do CTN em relação à irretroatividade tributária?

d) casO geradOr

No ano de 1990, o Governo Federal fez publicar a Instrução Normativa nº 20 a qual, alterando o disposto no artigo 8º da Instrução Normativa nº 198/88, pas-sou a prever, em seu artigo 1º, que “para efeito de cálculo do lucro da exploração, de que trata o art. 412 do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 85.450, de 04.12.80, e alterações posteriores, a pessoa jurídica deverá tomar por base o lucro líquido apurado, depois de ter sido deduzida a contribuição social instituída pela Lei nº 7.689, de 15.12.88”.

87 calmon, sacha e outros, Aliomar Baleeiro no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro, Forense, 1987, p.88.

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Com essa alteração normativa, houve uma majoração da carga tributária re-lativa ao imposto de renda das pessoas jurídicas, pois a norma revogada (IN/SRF nº 198/88) previa que a contribuição social não interviria na determinação do lucro da exploração, pois este era apurado antes de ser determinado o valor da contribuição social.

Considerando que a Instrução Normativa nº 20/90 foi editada depois da ocor-rência do fato gerador do imposto de renda referente ao ano-base de 1989 e que o IR é um tributo com fato gerado complexivo, vale dizer, sua ocorrência se dá ao longo de um período de tempo, no caso, o ano, existe algum vício em aplicar as modificações implementadas pela IN 20/90 já no exercício financeiro de 1990? (EREsp 315457 / BA)

e) Questões de cOncursO

43 - Lei que determina redução da base de cálculo do imposto de Renda entra em vigor:

a) No primeiro dia do exercício civil seguinte ao da sua publicação; b) Noventa dias após a sua publicação; c) Na data da sua publicação; d) No primeiro dia do exercício civil seguinte e noventa dias após a sua publi-

cação. (28º exame de ordem)

F) bibliOgraFia

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva. 2004.

BALLEIRO, Aliomar, Direito tributário brasileiro. 11ª edição atualizada por Mi-sabel Abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro, Forense, 1999.

LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios Constitucionais Tributários. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte – Legalidade, Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo Torres. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.15. aula 15. as anterioridades (continuação). a liberdade de tráfeGo.

a) ObjetivO

O objetivo da aula de hoje é apresentar para vocês a preocupação da Constitui-ção brasileira em proteger o contribuinte contra repentina majoração da carga fiscal à qual está submetido, através da consagração do princípio da anterioridade que, embora contemple exceções, evita desagradáveis (e, às vezes, insuportáveis) surpre-sas tributárias.

b) intrOduçãO

Prescreve o art. 150, III, b, da CF, que é vedada a cobrança do tributo no mesmo exercício financeiro em que foi publicada a lei que o instituiu ou majorou.

Até a Constituição de 1967, o princípio da anualidade previa que os tributos deveriam ser previstos no orçamento antes de cobrados. Porém, já sob a égide da Constituição de 1946, o STF atribuía ao princípio da anualidade conteúdo que veio a ser consagrado na anterioridade. Embora a doutrina majoritária considere que a Constituição de 1988 não tenha previsto o princípio da anualidade tributária, o Prof. Flávio Bauer Novelli88 sustenta a sua subsistência com base nos princípios orçamentários. Contudo, nos parece que, como observa Hugo de Brito Machado, tal princípio não se traduz numa garantia do contribuinte, mas, sim, em regra apli-cável somente ao direito financeiro.89

Embora haja ilustres autores90 que defendam que o fenômeno da anualidade e da anterioridade postergam a vigência da lei instituidora até que entre em vigor o orçamento ou até o exercício seguinte, respectivamente, ou seja, que tais princípios se confundiriam com uma vacacio legis peculiar a esse tipo de norma, teve mais des-taque, no Brasil, a tese de que a lei instituidora do tributo é uma lei imperfeita, que só teria plena atuação após a aprovação da lei de orçamento.91

No entanto, a lei instituidora do tributo não é uma lei imperfeita, visto que não há qualquer vício intrínseco a ela, que nos demais dispositivos tem aplicação desde a vigência. Na verdade, a lei tributária antes do exercício seguinte ao da sua publicação (anterioridade) ou no exercício que não há previsão do tributo por ela instituído no orçamento, é uma lei perfeita, que no plano da vigência não apresenta qualquer singularidade. O que ocorre nesses casos é um fenôme-no no plano da eficácia. A lei, nessa situação, não se aplica aos fatos geradores ocorridos no período de tempo que durar o fenômeno, seja até o primeiro dia do exercício seguinte, seja até a nova inclusão do tributo no orçamento, caso se trate de anterioridade ou anualidade.92 Cabe transcrever a lição de Flávio Bauer Novelli, in verbis:

88 nOVEllI, Flávio bauer, “anu-alidade e anterioridade da constituição de 1988”. In Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. n.179/180. Rio de Ja-neiro, Renovar, 1995, p. 21.

89 MacHaDO, Hugo de brito, Curso de Direito Tributário. Ed. Malheiros, 13ª edição, 1989, p. 30.

90 nesse sentido sampaio Dória, Da Lei Tributária, p. 68 e Fabio Fanucchi, Direito Tributário – Co-mentários ao CTN, Vol. 3, p. 15, apud nOVEllI, O princípio da anualidade tributária. Revista de Direito administrativo, p.90.

91 Defenderam a tese da lei im-perfeita juristas de escol como balEEIRO, Limitações, Ob. cit., p. 151, FalcÃO, amílcar de araújo. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro. Ed. Rio. 1976, p. 40, e bIlac pInTO, RF 120/37.

92 nOVEllI. Ob. cit., p. 90.

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“No que particularmente respeita à anualidade tributária, esse reconhecimento e essa materialização operam-se, com certeza, e em dois momentos distintos, na lei orça-mentária anual, ou, para ser mais exato, na instituição constitucional e financeira em que consiste o denominado orçamento fiscal. Primeiro que tudo, em razão de estar este, por explícita determinação constitucional (CRFB, art. 165, nº III, § 5º, 8º e 9º, nº I; art. 166, e §§ 3º e 6º), igualmente sujeito à limitação temporal a que essencialmente corresponde a regra fundamental da anualidade (orçamentária). Na concepção do nosso direito constitucional positivo, a anualidade dos tributos liga-se portanto, necessaria-mente, à anualidade do orçamento, não apenas, segundo já se disse, como decorrência ou “conseqüência obrigatória”, mas, antes ainda, como um seu aspecto ou momento propriamente constitutivo, visto que a anualidade do orçamento não existe indepen-dentemente: primeiro, da anualidade dos tributos e depois, da anualidade da despesa ou, ainda melhor, da anualidade de toda a atividade financeira. Aliás, Montesquieu já entrevira, há cerca de dois séculos e meio, que a anualidade orçamentária a bem dizer se resolve, sob a perspectiva da liberdade política, na anualidade dos tributos.”

Por outro lado, o princípio da anualidade tributária também se materializa insti-tucionalmente no orçamento fiscal, com caráter radicalmente normativo, por via do preceito hoje enunciado no art. 5º, §2º, da CRFB, segundo o qual a enumeração, por esta, de direitos e garantias, não exclui outros, não enumerados, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. A anualidade tributária, enquanto imedia-tamente decorre, como acaba de se ver, do próprio regime democrático, constitui, por sua vez, princípio dotado de “eficácia institucional”, que, além de vincular o legislador, limitando-lhe o exercício do poder normativo primário, tem, aplicação imediata como direito positivo (CRFB, art. 5º, §1º).

Não estão sujeitos ao princípio da anterioridade o IPI, o IOF, o II e o IE (art. 150, § 1º), em razão das funções extrafiscais que imperam nesses impostos, bem como o imposto extraordinário de guerra e o empréstimo compulsório de guerra e calamidade pública, devido à urgência na instituição desse, a Contribuição de Inter-venção do Domínio Econômico e o ICMS incidentes sobre o petróleo.

Com a edição da Emenda Constitucional n.º 42, de 19 de dezembro de 2003, além de ser vedada, em regra, a cobrança de tributo “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (Art. 150, III, “b”), veda-se a cobrança de tributo antes de decorridos “noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b” (Art. 150, III, “c” ).

A nova redação da Constituição modificou sobremaneira o princípio da ante-rioridade, determinando-se que a exigência do tributo deva ocorrer no exercício financeiro seguinte à sua instituição e, ainda, que se observe o lapso de 90 (noventa) dias entre a data da publicação da lei que houver instituído ou aumentado o tributo e a sua cobrança.

O artigo 150, § 1º da Constituição, com a nova redação dada pela citada Emen-da Constitucional, dispõe, entretanto, que não estão sujeitos à aplicação do artigo 150, III, “c” (observância do prazo de 90 (noventa) dias para cobrança do tributo,

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a contar da data da publicação da lei que o instituiu ou aumentou), o empréstimo compulsório de guerra e calamidade pública, o II, o IE, o IR, o IOF, o imposto extraordinário de guerra e à fixação da base de cálculo do IPVA e IPTU.

Como é possível notar, os tributos considerados extrafiscais foram excluídos da aplicação da nova regra, em razão de suas características especiais (atender situações especiais e de controle da economia). No entanto, foi feita exceção, de certa forma contraditória, com relação ao IPI, que se subordina ao novo regramento.

Vale lembrar, ainda, que o IR também não se sujeita ao prazo de 90 (noventa) dias, disposto no art. 150, III, “c” da Constituição Federal, legitimando-se, assim, leis que majoram o IR no final do ano, para que sua exigência ocorra logo no pri-meiro mês do ano seguinte à sua publicação.

Com relação às contribuições destinadas à seguridade social, aplica-se o princí-pio da “anterioridade mitigada ou nonagesimal”, que prescreve a aplicação da lei apenas em relação a fatos geradores ocorridos noventa dias após a publicação da lei que as instituiu ou majorou (art. 195, § 6º, CF).

Em relação aos fatos geradores complexivos ocorre, também no princípio da an-terioridade, um esvaziamento do seu conteúdo, em razão da aplicação da Súmula nº 584 do STF, conforme estudado no item relativo ao princípio da irretroatividade.

Outra questão polêmica diz respeito à necessidade de observância à anteriorida-de em caso de revogação de isenção. Embora o art. 104, III do CTN disponha sobre a matéria, o deslinde da questão não prescinde do exame do conceito de isenção.

De acordo com a doutrina mais antiga, na esteira de RUBENS GOMES DE SOUSA93, a isenção se traduzia na dispensa legal do pagamento do tributo. Logo, o fato gerador ocorria, mas a lei dispensaria o pagamento do tributo. Para os seguido-res dessa corrente, a revogação de isenção não significaria criação de tributo. Logo, o respeito à anterioridade não seria exigível pela Constituição Federal. Essa corrente, apesar dos seus insubsistentes arcabouços teóricos94, foi consagrada pela Súmula 615 do STF, aplicando-se a anterioridade na revogação de isenção em relação aos impostos sobre patrimônio e renda por força do art. 104, III, do CTN. A limitação material do dispositivo do CTN alicerça a posição do STF consagrada na Súmula, de que o princípio não se aplica quando a revogação for de isenção de ICM. No entanto, mesmo que fosse aceita a tese de que a isenção pressupõe a ocorrência do fato gerador, o que só é admitido para se argumentar, a solução dada pelo Pretório Excelso não nos parece correta, na medida em que: se a isenção pressupõe a ocorrên-cia do fato gerador, não há aplicação da anterioridade constitucional e, tampouco, aplicar-se-ia o art. 104, III, do CTN, que nos parece não ter sido recepcionado pela Constituição de 1967.

Para justificar nosso raciocínio, recordemos a história do artigo 104 do CTN. Até a Constituição de 1946, era consagrado expressamente o princípio da anua-lidade. Porém, valendo-se de uma interpretação patriótica, como vimos, o STF criou o princípio da anterioridade, nunca antes visto. Com a EC 18/65, constitu-cionalizou-se a jurisprudência do STF, acabando com o princípio da anualidade, e positivando o que hoje entendemos por anterioridade. Mas a EC nº 18/65 restrin-giu a anterioridade (na época ainda chamada de anualidade) aos impostos sobre o

93 sOusa, Rubens Gomes. Com-pêndio de Legislação Tributária. Ed. póstuma. são paulo, Rese-nha Tributária, 1975, p. 97.

94 uma contundente, mas proce-dente, crítica à tese de Rubens Gomes de sousa sobre o con-ceito de isenção nos é dada por nOVEllI, Anualidade e Anterio-ridade, Ob. cit., p. 68 e segs.

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patrimônio e renda, e esta disciplina foi reproduzida pelo CTN, artigo 104. No entanto, a Constituição de 1967 acabou com a anterioridade, fazendo ressurgir a velha anualidade. Então, a partir do momento em que a CF/67 deixou de consa-grar o princípio da anterioridade, o artigo 104 não foi recepcionado, deixando de existir no ordenamento, pois, como já visto, o papel da lei complementar é regular as limitações ao poder de tributar, e não criar tais limitações. Com a EC nº 01/69 tal princípio da anterioridade retorna ao Texto Constitucional, mas nem por isso o artigo 104 tem sua vigência restabelecida.

Portanto, a discussão não tem como base o artigo 104 do CTN. Ou a anteriori-dade deve ser obedecida pelo que está na Constituição, ou não, sendo a disciplina do art. 104 do CTN inteiramente irrelevante para o deslinde da questão.

Para dar cumprimento à regra constitucional do art. 150, III, b, é preciso voltar ao conceito de isenção para verificar se a revogação desta se traduz, ou não, em cria-ção de tributo. Sem sombra de dúvida, prevalece hoje a corrente que defende ser a isenção uma não incidência legalmente qualificada, conforme sustentou José Souto Maior Borges, na consagrada obra “Isenções Tributárias”.95

Segundo FLÁVIO BAUER NOVELLI96, a relação entre a lei de isenção e a lei de incidência é uma relação de especialidade. No caso, a lei de incidência é a regra geral, que vai se aplicar a todos os casos; a lei de isenção é a lei especial, que vai ser aplicada a determinado caso. Então, prevalecerá a lei específica sobre a lei geral. Ocorre, portanto, o fenômeno de derrogação, e não de revogação.

Logo, para essa corrente, o fato gerador não ocorrerá na isenção. Revogada a isenção, o tributo volta a incidir. Portanto, a Lei que revoga isenção está criando tributo, devendo ser respeitada a anterioridade por imposição constitucional do art. 150, III, b, em qualquer caso de revogação de isenção.

Por derradeiro, vale tecer algumas considerações sobre o princípio da liberdade de tráfego.

O artigo 150, V, da CF, proíbe que a tributação venha a constituir embaraço à circulação de bens e pessoas pelo território nacional. Não se veda a tributação inte-restadual ou intermunicipal. Mas que a transposição da fronteira do Estado ou do Município seja o elemento essencial na tributação.

Ressalve-se a cobrança do pedágio pela utilização das vias públicas, embora seja discutível a natureza tributária deste.

Finalmente, o princípio da liberdade ao tráfego não sofre qualquer tipo agressão em função da cobrança do ICMS (imposto de circulação de mercadorias e serviços), isto porque o ICMS não limita a circulação de bens e pessoas, pois possui mecanis-mo de controle para sua cobrança, como, por exemplo, a limitação de suas alíquotas pelo Senado Federal, e a concessão de isenções mediante convênio entre todos os Estados da Federação.

95 Isenções Tributárias, Ed. su-gestões literárias, 1969, p. 109.

96 nOVEllI, Anualidade e Ante-rioridade, Ob. cit., p. 68.

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c) Perguntas

Qual a diferença existente entre o princípio da anualidade e da anterioridade tributária? É correta a afirmação no sentido de que a observância do princípio da anterioridade produz efeitos sobre o período de vigência da lei? Explique a diferença existente entre a contagem do prazo relacionado à regra geral da anterioridade, à inovação trazida pela EC 42/2003 e à regra peculiar das contribuições para a seguri-dade social. A limitação imposta pelo princípio da anterioridade deve ser observada nas hipóteses de revogação de isenção? Em que consiste a liberdade de tráfego?

d) casO geradOr

No ano de 1992 foi editada uma lei estadual, em Minas Gerais, determinando que a correção monetária dos indébitos tributários passasse a ser realizada pela UFIR, em substituição a antigo índice menos oneroso para o contribuinte. Considerando que o Governo do Estado de Minas Gerais começou a utilizar este índice (UFIR) já no ano de 1992, analise a constitucionalidade desta medida. (RE 234002/MG)

Em 25.10.1989, foi editada a Lei nº 7.856 a qual, entre outras disposições, al-terou a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL) de 8% para 10%. O artigo 6º desta Lei, abrindo mão do tradicional prazo de 45 dias para a entrada em vigor de novo dispositivo legal, asseverou que a mesma deveria entrar em vigor na data da sua publicação.

Posto isso, no ano de 1991, o contribuinte “X” sofreu fiscalização por parte da Fazenda Pública Federal e teve contra si lavrado um Auto de Infração voltado à exigência da CSL que (supostamente) havia sido recolhida a menor em relação aos fatos geradores ocorridos no mês de dezembro de 1989, uma vez que, nos termos do artigo 6º da Lei 7.856/89, a alíquota aplicável deveria corresponder a 10%.

Considerando que o contribuinte “X”, no resultado do mês de dezembro de 1989, procedeu ao recolhimento da CSL devida mediante a aplicação da alíquota de 8%, analise a constitucionalidade da mencionada exigência fiscal. (RE 195.712, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 16/02/96)

e) Questões de cOncursO

1. Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue os seguintes itens.

__ Caso seja promovido aumento na alíquota do imposto sobre transmissão causa mortis e doação por lei publicada no dia 31/12/2004, a majoração poderá incidir sobre os fatos geradores a ocorrerem a partir de 1.º/1/2005, em face do Princípio da anterioridade tributária.

(Advocacia Geral da União – 2004)

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2. Não constitui limitação ao poder de tributar o princípio da:a) liberdade de tráfegob) irretroatividadec) anterioridaded) anualidade

(Fiscal da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro)

3. o princípio da anterioridade nonagesimal não se aplica: a) Ao IRPJ, ao IPTU, ao IPVA e ao ICMS; b) Ao Imposto de Importação, ao IRPJ, ao IPVA e ao ITR; c) Ao IPTU, ao imposto sobre a transmissão causa mortis e doações, ao impos-

to sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários;

d) Aos empréstimos compulsórios para atender despesas extraordinárias, decor-rentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ao Impos-to sobre Importação de Produtos Estrangeiros, ao Imposto sobre a Exporta-ção, ao Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza, ao imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários.

(28º exame da OAB)

F) bibliOgraFia

FALCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro. Ed. Rio. 1976.

LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios Constitucionais Tributários. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário. Ed. Malheiros, 13ª edição, 1989.

NOVELLI, Flávio Bauer. “Anualidade e Anterioridade da Constituição de 1988”. In Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. N.179/180. Rio de Ja-neiro, Renovar, 1995.

______, O princípio da anualidade tributária. Revista de Direito Administrativo, p.90.

RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte – Legalidade, Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Ju-ris, 2008.

SOUSA, Rubens Gomes. Compêndio de Legislação Tributária. Ed. Póstuma. São Paulo, Resenha Tributária, 1975.

TORRES, Ricardo Lobo Torres. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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1.16 aula 16 – a capacidade contributiva. do mínimo existencial e do não confisco

a) ObjetivO

O objetivo da presente aula consiste em estudar a constitucional limitação im-posta ao Estado que o proíbe exigir tributo em desarmonia com a capacidade do contribuinte de suportar sua incidência.

b) intrOduçãO

Em sua concepção clássica, o princípio da capacidade contributiva “manda que cada qual pague o imposto de acordo com a sua riqueza, atribuindo conteúdo ao vetusto critério de que a justiça consiste em dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere) e que se tornou uma das verdadeiras ‘regras de ouro” para se obter a verda-deira justiça distributiva.” Na definição de Ricardo Lodi97, “a capacidade contribu-tiva consiste na manifestação econômica, identificada pelo legislador, como signo presuntivo de riqueza a fundamentar a tributação.” Em linhas gerais, portanto, a capacidade contributiva é a capacidade que o contribuinte possui de pagar tributo na proporção das suas rendas e patrimônio. Daí porque, os tributos devem incidir sobre atos ou negócios que impliquem em manifestação de riqueza.

Sob o enfoque da Política Fiscal, portanto, “a capacidade contributiva representa não só um limite negativo que exclui os fatos que não revelam manifestação de riqueza, como constitui critério indispensável para a repartição da carga tributária pelos cidadãos98.”

Acerca deste princípio é relevante destacar que o Estado, na imposição da sua política fiscal, não deve submeter ao contribuinte à exigências que inviabilizem a manutenção do seu mínimo existencial, vale dizer, não deve privar o particular dos meios financeiros elementares necessários para lhe proporcionar existência digna.

Neste sentido, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana, preceito fun-damental do Direito, que não admite qualquer espécie de ponderação quando se trata de mínimo existencial (que é seu núcleo essencial), mais vale permitir que o contribuinte tenha recursos para garantir o atendimento das suas básicas necessida-des, que lhe tributar para que o seu atendimento venha a ser prestado pelo Estado.

A capacidade contributiva, assim, veda que: (i) se tribute o mínimo existencial (artigo 5º, XXXIV, LXXIV e LXXVI da CRFB/88), (ii) se crie tributo com efeito de confisco (artigo 150, IV, da CRFB/88); fenômenos que não representem manifesta-ções de riqueza, bem como; (iii) haja lei impondo tratamento diferenciado a contri-buintes que se encontrem em situação econômica equivalente, sendo-lhe proibido instituir discriminação em virtude de cor, raça, sexo, religião, profissão etc.

Em linha com o que foi apresentado, é pertinente afirmar que “a capacidade con-tributiva, conforme se entende modernamente, busca seu fundamento em valores,

97 RIbEIRO, Ricardo lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: lumen Júris, 2003. p. 66.

98 Ibidem. p. 61

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como o da igualdade, e não mais numa visão economicista, vinculada à necessidade do Estado angariar recursos para promover as prestações estatais garantidoras da justiça social. (...)

Não vale mais pesquisar quanto o Estado vai gastar para se atingir o ideal de justiça social, e qual será o quinhão de cada cidadão para atingir esse montan-te, como na era da jurisprudência dos interesses (surgida no final do século XIX, consistia em prestigiar o interesse do legislador na elaboração da norma, o que culmi-nou na – corretamente superada - interpretação econômica do direito tributário). Ao contrário, o ideal da justiça fiscal, hoje, se realiza na investigação de quanto cada cidadão pode contribuir com as despesas públicas, à luz dos valores e princípios reatores do Estado Democrático e Social. Portanto, as despesas públicas devem se limitar ao somatório da capacidade contributiva de cada um, sob pena de as prestações estatais serem realizadas à custa de parcelas indispensáveis à vida digna do homem99.”

Por fim, importa relembrar que o princípio da capacidade contributiva, assim como todos os demais princípios, não tem aplicabilidade incondicional e absoluta. De fato, como bem se infere da leitura da sua base constitucional (artigo 145, § 1º), nota-se que a sua efetividade ocorrerá “sempre que possível”. Significa dizer que a capacidade contributiva possui limites, tais como o respeito aos direitos individu-ais e os princípios que envolvem a segurança jurídica (legalidade, anterioridade, e irretroatividade, por exemplo), uma vez que ilegítima é a exigência de determinado tributo que respeite a capacidade contributiva, mas que, por outro lado, não esteja previsto em lei ou pretenda atingir fatos pretéritos.

A capacidade contributiva, também, deve se compatibilizar com a técnica da ex-trafiscalidade, que autoriza ao Estado utilizar os tributos para atingir finalidades ex-trafiscais, tais como o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente.

O princípio da capacidade contributiva, uma decorrência do princípio da isono-mia, é previsto no artigo 145, § 1º, da CF, que determina que sempre que possível os impostos sejam graduados de acordo com a capacidade econômica do contri-buinte. Segundo Ricardo Lobo Torres, o princípio determina que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres, independentemente de sua eventual disponibilidade financeira.100

O princípio tem uma acepção objetiva, significando que o legislador deve esco-lher como fato gerador do tributo um ato que seja revestido de conteúdo econômi-co, ferindo o princípio da capacidade contributiva a tributação de atos que não se traduzam em signos presuntivos de manifestação de riqueza, como o uso de barba e bigode, por exemplo.

Em seu aspecto subjetivo, o princípio se destina a aferir a capacidade de paga-mento de cada um, graduando-a de acordo com o fato gerador de cada tributo. Assim, a capacidade contributiva no IPTU é mensurada pela propriedade de imó-veis urbanos, e não pela renda. Dessa forma, se uma senhora viúva possui um patri-mônio imobiliário vasto, herdado do falecido marido, que, no entanto, deixou-lhe uma pífia pensão do INSS, há capacidade contributiva para pagar o imposto sobre a propriedade, embora não haja disponibilidade financeira.

99 Ibidem. P 62.

100 TORREs, Ricardo lobo, Tra-tado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol. V. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 79.

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A capacidade contributiva consiste na manifestação econômica, identificada pelo legislador, como signo presuntivo de riqueza a fundamentar a tributação. E embo-ra as expressões capacidade econômica e capacidade contributiva sejam utilizadas como sinônimas, é correta a distinção de Francisco José Carrera Raya,101 segundo a qual a primeira designa a disponibilidade da riqueza, ou seja, de meios econômicos, enquanto a última se refere à capacidade econômica eleita pelo legislador como fato gerador do tributo.

Assim, como não é possível ao legislador identificar a capacidade contributiva de cada pessoa, ele visualiza situações que a revelam: são os fatos geradores dos impos-tos.102 É por esse motivo que a existência de um sistema tributário melhor atende ao princípio da capacidade contributiva, do que a idéia de imposto único, desde que, como é óbvio presumir, tal sistema seja concebido à luz de fatos geradores que se revelem em signos de manifestação de riqueza e que sejam harmônicos entre si, e não por simplesmente se moldarem a uma arrecadação menos complexa.

Assim, de acordo com o princípio da capacidade contributiva em seu aspecto ob-jetivo, os fatos geradores de cada imposto têm origem em duas espécies de riqueza: a renda e o patrimônio. Os demais fatos geradores previstos no sistema tributário devem constituir desdobramentos desses dois fenômenos econômicos; constituem eles técnicas diferentes para se atingir o mesmo resultado. Obviamente, quando se reduzem os signos de manifestação de riqueza à renda e ao patrimônio, estas expres-sões são utilizadas em sentido bem mais amplo do que lhes são dados pela legislação que define os impostos sobre patrimônio e renda. Retrata bem essa visão a idéia de Pérez de Ayala. Segundo o Conde de Cedillo, a riqueza é manifestada por meio de uma visão fotográfica e, portanto, estática, pelo patrimônio. No entanto, a riqueza também pode ser visualizada por uma visão cinematográfica, dinâmica, a exigir uma delimitação temporal a determinado período. É o que ocorre com a renda.103

Vale ainda ressaltar que, diante do binômio renda/patrimônio, como signos pre-suntivos de riqueza, os impostos pessoais devem ter como fato gerador algum fenô-meno que revele a renda disponível para a pessoa física, e o lucro para as empresas, como assinala Tipke.104

Nos impostos reais, a riqueza é revelada pelo patrimônio, estando a capacidade contributiva, neste caso, também relacionada com a função social da propriedade,105 em um ordenamento em que os direitos do proprietário não são absolutos. A função social da propriedade, atualmente, não é mais encarada como um limite extrínseco aos direitos do proprietário, mas como verdadeiro fundamento do direito à proprie-dade. Nesse sentido, uma de suas funções sociais seria a de contribuir, através de uma parcela de seus frutos, para o atendimento das despesas públicas. Desta sorte, a tributação não pode atingir, senão, os rendimentos do patrimônio.106

Ainda segundo Tipke,107 não ofende o princípio da igualdade a tributação dos rendimentos do capital de forma mais onerosa que os rendimentos do trabalho. Ao contrário, em face do primado constitucional do trabalho, trata-se de uma medida da mais alta justiça.

Quanto à sua eficácia, a capacidade contributiva é princípio cogente,108 obrigan-do não só o legislador, mas também o aplicador da lei,109 seja por meio da atividade

101 Manual de Derecho Financie-ro. Madrid, Tecnos, 1993, vol. I, p. 92

102 não que os demais tributos também não se subordinem ao princípio da capacidade contributiva, como abaixo se demonstrará.

103 pEREZ DE aYala, Jose luis, Derecho Tributario. Madrid, Editorial de Derecho Financiero, 1968, p. 89.

104 segundo o referido autor: “Todo o cidadão deve pagar impostos em conformidade com o montante de sua renda disponível para o pagamento de impostos; toda empresa deve pagar impostos de acordo com o montante de seu lucro.” (Sobre a Unidade da Ordem Jurídica Tributária. In scHOuERI, luiz Eduardo & ZIlVETI, Fernando aurélio. Direito Tributário. Estu-dos em Homenagem a Brandão Machado. são paulo, Dialética, 1999, p. 64).

105 HERRERa MOlIna. pedro M., Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamien-to español a la luz del Derecho alemán. barcelona, Marcial pons, 1998, p. 94.

106 TIpKE. “sobre a unidade da Ordem Jurídica Tributária”. In scHOuERI, luiz Eduardo/ZIlVE-TI, Fernando aurélio (coordena-dores). Direito Tributário. Estu-dos em Homenagem a Brandão Machado. são paulo, Dialética, 1998, p. 63

107 Ob. cit. p. 65.

108 Está inteiramente superada historicamente a tendência de se considerar a capacidade con-tributiva um princípio progra-mático, como salienta caRRERa RaYa (Ob. cit., p. 94).

109 TORREs, Ricardo lobo, Curso de Direito Financeiro..., cit., p. 81, e caRRERa RaYa. Ob. cit., p. 91.

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regulamentar ou jurisdicional. Podemos vislumbrar esta característica quando o Po-der Judiciário afasta a aplicação de uma regra que prevê uma isenção que propicia um privilégio odioso;110 ou, no reconhecimento pelo juiz de que, embora o tributo esteja previsto em lei, determinado segmento de contribuintes não revela capacida-de contributiva para suportá-lo, por ter sido violado seu mínimo existencial, ou por aquela situação definida em lei como reveladora de riqueza, não produzir esse efeito em relação ao segmento considerado.

No entanto, tal possibilidade não habilita o juiz, no caso concreto, a reconhecer a ausência de capacidade contributiva de determinado contribuinte, quando a lei, em sua acepção genérica, não se revelar violadora do princípio. Se o tributo é fixado de forma adequada ao signo de manifestação de riqueza, revelado pelo fato gerador previsto em lei, a exclusão de determinado contribuinte por razões individuais se traduziria em privilégio odioso.111 O mesmo não ocorre quando a aplicação da nor-ma se revela inconstitucional para determinado grupo de contribuintes, em sentido genérico. Neste caso, tal norma não deve ser aplicada a esse grupo, sendo válida em relação aos seus demais destinatários.

Também não parece possível a modificação judicial da alíquota do tributo pela declaração parcial de inconstitucionalidade da lei tributária, por apenas em parte superar a capacidade contributiva.112 Se a tributação tornou-se excessiva em razão de um aumento de alíquota, a declaração de inconstitucionalidade da lei teria o condão de restabelecer a legislação anterior do imposto. No entanto, se a fixação desmedida do tributo se der por ocasião de sua instituição primeira, não restará solução senão a declaração de inconstitucionalidade da exação. Caso o Poder Judiciário pudesse reduzir a alíquota do tributo, estaria estabelecendo regra não prevista pelo Poder Legislativo, invadindo o espaço de conformação deste e legislando positivamente.

Quanto à sua extensão, o princípio não se aplica apenas aos impostos, como podem imaginar os intérpretes mais apressados do art. 145,§ 1º da Constituição Federal. Se a capacidade contributiva deriva da igualdade, aplica-se mesmo quando não prevista expressamente na constituição, como é o caso da Alemanha, e do Brasil de 1965 a 1988. Por esse motivo, não se pode afastar sua aplicação em relação aos demais tributos, que não os impostos, pelo simples fato do texto constitucional utilizar a expressão impostos, ao invés da palavra tributos.

Embora a Constituição se refira somente aos impostos, uma vez que nesta espé-cie tributária só há a riqueza do contribuinte a se mensurar, o princípio também é aplicado aos tributos vinculados, como a taxa, conforme já reconheceu o STF,113 e a contribuição de melhoria, por meio da desoneração dos hipossuficientes.114

É bem verdade que nos impostos, dado o seu caráter de tributo não vinculado, o princípio tem uma acepção mais ampla. Afinal, não havendo atividade estatal a se mensurar, o único critério quantitativo a ser levado em conta pelo legislador é a riqueza do contribuinte.

Mas isso não significa que os demais tributos não se subordinem ao referido princípio.115 Ao contrário, devem todos eles apresentar como fato gerador um ato que revele conteúdo econômico. Nas taxas, por exemplo, embora o fato gerador seja relacionado com uma atividade estatal específica em relação à pessoa do contri-

110 sobre o conceito de privilégio odioso, vide TORREs, Ricardo lobo, Tratado de Direito Consti-tucional, Financeiro e Tributário. Vol. III,..., cit. p. 341.

111 Em sentido contrário: OlI-VEIRa, José Marcos Domingues (Direito Tributário: Capacidade Contributiva – Conteúdo e Efi-cácia do Princípio. 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 147), que sustenta a possibilidade de a lei ser considerada constitu-cional em sentido genérico, mas ser violadora da capacidade contributiva de determinado contribuinte.

112 Em posição divergente a do texto: OlIVEIRa, José Marcos Domingues (Ob. cit. p. 155), onde o autor considera ser possível a redução da alíquota pelo magistrado a partir da declaração parcial da constitu-cionalidade da lei.

113 sTF, pleno, RE nº 177.835/pE, Rel. Min. carlos Velloso, DJu de 25/05/01, p 18.

114 TORREs, Ricardo lobo, Curso de Direito Financeiro..., cit., p. 87.

115 calVO ORTEGa. Rafael, Curso de Derecho Financero I – Derecho Tributario (Parte General). 4.ed. Madrid, civitas, 2000., p. 85.

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buinte, a capacidade contributiva pode ser reconhecida para a concessão de isenção para aqueles que, embora beneficiários da atividade estatal, não possuam riqueza a ser tributada. É o que ocorre no fornecimento gratuito de certidões de óbito e no registro do casamento civil para os comprovadamente pobres (art. 5º, LXXVI, da Constituição Federal),116 bem como na própria concessão da justiça gratuita.

Por outro lado, o valor a ser exigido em razão da taxa pode também variar de acordo com a capacidade contributiva, como já foi reconhecido pelo STF no julga-mento supracitado, desde que não seja ferida a referibilidade entre o valor exigido e a complexidade da atividade estatal. Ou seja, se a maior capacidade contributiva se dá em decorrência da maior complexidade e onerosidade, para a Administração, da atividade estatal, é possível a sua consideração, como se deu em relação à taxa da CVM, no precedente citado, onde as empresas que demandavam maior fiscalização, de acordo com o critério adotado pelo legislador, eram as empresas de maior patri-mônio líquido, o que não deixa de ser um signo de maior manifestação de riqueza. Segundo ficou assentado na decisão do STF, é essencial que o critério de distinção escolhido pelo legislador para mensurar a taxa, além de atender ao princípio da ca-pacidade contributiva, deve também guardar relação com a atividade estatal.117

Já em relação às contribuições de melhoria, a capacidade contributiva é medida pela própria valorização imobiliária118. Ademais, pode haver isenção para aquelas propriedades que, embora tenham sofrido valorização imobiliária, ainda não reve-lam capacidade para contribuir.

Quanto às contribuições parafiscais e empréstimos compulsórios, que não possuam fatos geradores próprios, utilizando-se dos fatos geradores de impostos e taxas, assim como esses, deverão respeitar a capacidade contributiva, nos termos acima definidos.119

Como princípio que é, a capacidade contributiva apresenta grande fluidez em sua definição, constituindo verdadeiro conceito indeterminado, cujo núcleo é reve-lado pela riqueza disponível.120 E essa indeterminação constitucional, característica do halo conceitual, é enfrentada pela regulação de cada imposto, oferecida pelo legislador, que leva em consideração, não só a definição do fato gerador em seus aspectos material, temporal, espacial e quantitativo, mas também os sub-princípios da proporcionalidade, da progressividade, da seletividade e da personalização.121 É desta forma que a riqueza disponível será revelada em atendimento ao aspecto sub-jetivo do princípio da capacidade contributiva.

A proporcionalidade consiste na variação da tributação em razão da diferença da base de cálculo, a partir da aplicação da mesma alíquota. Nos dias atuais, a propor-cionalidade é saudada como o melhor índice de capacidade contributiva por John Rawls122 e Klaus Tipke.123

Por sua vez, a progressividade se concretiza pela elevação da alíquota na medida em que é aumentada a base de cálculo. Seu fundamento era, originariamente, a distribuição iguali-tária do sacrifício social da tributação conforme defendido por Stuart Mill124. O economis-ta inglês partia da idéia de que na medida que o capital aumentava, sua utilidade para o seu possuidor diminuía, sendo legítima sua apropriação pelo Estado em parcela maior.

Após a retomada da teoria do benefício pelos economistas neoliberais do final do século XX, a progressividade, hoje, não mais deve ser extraída de uma visão

116 sEIXas FIlHO, aurélio, Taxa. Doutrina, Prática e Jurispru-dência. Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 58.

117 RE nº 177.835.

118 OlIVEIRa, José Marcos Do-mingues, Direito Tributário: Capacidade Contributiva – Con-teúdo e Eficácia do Princípio. 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p 109.

119 Ob. cit., Direito Tributário: Capacidade Contributiva – Con-teúdo e Eficácia do Princípio. 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 112.

120 HERRERa. MOlIna. Ob. cit., p. 145.

121 Os quatro sub-princípios são enumerados por Ricardo lobo Torres (Curso de Direito Financei-ro..., cit., p. 83).

122 RaWls, uma Teoria da Justi-ça. são paulo, Martins Fontes, 1997, p. 307.

123 TIpKE, “princípio da Igual-dade e a Idéia de sistema no Direito Tributário”. In brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbo-sa Nogueira. são paulo, saraiva, 1984, p. 527.

124 MIll, John stuart, Princípios de Economia Política. são paulo, abril, 1983, p.290.

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utilitarista de igual sacrifício, mas como importante instrumento de redistribuição de rendas no Estado Democrático e Social de Direito.

O próprio Rawls, embora defenda que os tributos com finalidade arrecadatória incidentes sobre as despesas ou rendas devam ser proporcionais em sociedades com alto grau de respeito aos princípios da justiça como eqüidade, uma vez que essa mo-dalidade de tributação é mais adequada ao estímulo da produção, reconhece tam-bém que nos sistemas tributários de países em que haja maior desigualdade social, a progressividade dos impostos sobre a renda é medida exigida pelos princípios da liberdade, da igualdade eqüitativa de oportunidades e da diferença.125

Nesse mesmo sentido, Tipke entende, na esteira do Tribunal Constitucional Ale-mão, que a progressividade rompe com a igualdade, mas este rompimento é justificado pelo princípio do Estado Social, que tem por objetivo a distribuição de riquezas.126

Deste modo, numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais como a nossa, a progressividade é, em vários impostos, o instrumento mais adequado à aplicação do princípio da capacidade contributiva, baseando-se na justiça social. É que a proporcionalidade, embora seja uma manifestação da capacidade contributi-va, uma vez que não adota um valor fixo na tributação, se traduz num instrumento bastante tímido na distribuição de rendas. Como bem observa Luciano Amaro127, a capacidade contributiva não se esgota na proporcionalidade, uma vez que aquela exige “a justiça da incidência em cada situação isoladamente considerada e não ape-nas a justiça relativa entre uma e outra das duas situações.”

No entanto, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que a progressividade não é decorrência natural do princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, se realiza pela proporcionalidade, a não ser que o próprio texto constitucional determine expressamente a utilização de alíquotas progressivas.128

Porém, a posição de condicionar a aplicação da progressividade à expressa pre-visão constitucional esvazia mortalmente o princípio da capacidade contributiva que encontra, no Estado Democrático Social de Direito, a progressividade como mecanismo mais eficaz para sua realização, mormente numa sociedade tão desigual quanto a brasileira.

No entanto, como a tese da necessidade de previsão constitucional expressa para a aplicação da progressividade foi vitoriosa essa posição no STF, este sub-princípio, como instrumento realizador da capacidade contributiva, limita-se ao imposto de renda, e após a EC nº 29/00, ao IPTU.

Por outro lado, também já entendeu o STF pela impossibilidade de aplicação de alíquotas progressivas nos impostos reais.129 No entanto, nos parece inexistir qual-quer óbice à progressividade dos impostos reais, uma vez que o patrimônio do con-tribuinte é índice de riqueza hábil a ser quantificado na fixação do aspecto subjetivo do princípio da capacidade contributiva, como se extrai do próprio art. 145, § 1º da Constituição Federal, e, mais recentemente, da EC nº 29/00, que, dando nova redação ao art. 156, § 1º do Texto Maior, previu a progressividade no IPTU, vincu-lada à capacidade contributiva e calculada em razão do valor venal do imóvel.130

Outro sub-princípio que vai dar efetividade ao princípio em estudo é a seletivi-dade, que se materializa pela variação de alíquotas em função da essencialidade do

125 RaWls. Ob. cit., p. 308.

126 TIpKE, “princípio da Igualda-de...”, cit., p. 527.

127 aMaRO, luciano, Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. são paulo, saraiva, 1998, p. 136.

128 sTF, pleno, RE nº 153.771/MG, Rel. Min. Moreira alves, DJu de 05/09/97, p. 41.892, em relação ao IpTu; e sTF, pleno, RE nº 234.105/sp. Rel. Min. carlos Velloso, DJu de 31/03/00, p. 61, em relação ao ITbI.

129 sTF, pleno, RE nº 153.771/MG, Rel. Min. Moreira alves, DJu de 05/09/97, p. 41.892. no mesmo sentido Ricardo lobo Torres (Curso de Direito Financei-ro..., cit., p. 82).

130 Já existem importantes vozes que se levantam contra a cons-titucionalidade do IpTu progres-sivo previsto na Ec nº 29/00. por todos, Ricardo lobo Torres (Curso de Direito Financeiro..., cit., p. 83). Embora a discussão do tema não seja objeto desse trabalho, entendemos não ter a referida emenda constitucional, nesse ponto, violado qualquer cláusula pétrea, sendo compa-tível com nossa lei Maior, pelas razões expostas no texto.

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produto, ou da mercadoria, e que representa a modalidade mais adequada à aplica-ção do princípio da capacidade contributiva nos impostos indiretos, como o ICMS e o IPI, pois afere o índice de riqueza do contribuinte de fato, a partir do grau de indispensabilidade do bem consumido. Dentro dessa lógica, o consumo de bens populares é gravado com alíquotas menores, como ocorre com os produtos da cesta básica. Já os bens supérfluos são tributados com base em alíquotas maiores, como se dá com cigarros, bebidas e perfumes.

Em sendo assim, não é difícil perceber que a aplicação da proporcionalidade nos impostos incidentes sobre os bens de consumo popular, como gêneros alimentícios de primeira necessidade, acaba gerando um efeito regressivo, pois retira das classes menos aquinhoadas, relativamente, mais do que é suportado pelos abastados,131 não se resguardando o mínimo existencial.

Por sua vez, situação parecida ocorreria na aplicação da progressividade aos im-postos sobre o consumo, uma vez que não suportando o sujeito ativo a carga tribu-tária, a tributação de acordo com a sua riqueza, teria o condão de transferir para o consumidor, contribuinte de fato, um encargo que não seria necessariamente ade-quado à sua capacidade contributiva.132

Por fim, o sub-princípio da personalização, que segundo a Constituição Federal, no art. 145, § 1º, deve ser aplicável sempre que possível, determina que o legislador leve em consideração dados pessoais da vida do contribuinte para mensurar a tributação, como ocorrem com as deduções de despesas com dependentes, médicas, e de instrução, no imposto de renda. Como parece óbvio, o princípio da personalização terá aplicabilidade plena nos impostos pessoais. Daí a dicção constitucional do sempre que possível. Porém, há hoje uma tendência à personalização também dos impostos reais, quando o legislador leva em consideração dados pessoais do contribuinte, como ocorre na isenção de IPTU para ex-combatentes e aposentados que percebam até determinada renda. Embora tais medidas não importem na transformação do aludido tributo em um imposto pessoal, vez que suas características principais continuam vinculadas ao bem imóvel, há dados de personalização que prestigiam o referido princípio constitucional.

O aspecto subjetivo do princípio da capacidade contributiva encontra como li-mites o mínimo existencial e a vedação do confisco, que se revelam como verda-deiras fronteiras delimitadoras do referido princípio em suas porções mínimas e máximas. Não se pode tributar abaixo do mínimo existencial, pois não há riqueza disponível. Não se tributa acima dos limites confiscatórios, onde a seara da capaci-dade contributiva exaure-se.

Embora não possua dicção constitucional própria, o mínimo existencial deriva, segundo Ricardo Lobo Torres,133 da idéia de liberdade, de igualdade e dos direitos humanos, e tem seus contornos definidos pela linha que separa a vida simples do cidadão humilde da pobreza absoluta que deve ser combatida pelo Estado, não só por meio de abstenção na tributação, como também por prestações positivas, en-volvendo além dos direitos individuais, os sociais, relativos à saúde, à alimentação, à educação e à assistência social. Assim, no campo tributário, o mínimo existencial deixa o contribuinte livre de qualquer tributação até o limite em que sejam atendi-dos os requisitos mínimos para uma vida humana digna.134

131 balEEIRO, aliomar, Uma Introdução à Ciência das Finan-ças. 14ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 211.

132 ValDÉs cOsTa, Ramón, Ins-tituciones de Derecho Tributário. buenos aires, Depalma, 1996, p. 455.

133 Tratado de Direito Constitucio-nal, Financeiro e Tributário. v. III. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 146.

134 lEHnER, Moris, “considera-ções Econômicas e Tributação conforme a capacidade contri-butiva. sobre a possibilidade de uma Interpretação Teleológica de normas com Finalidades ar-recadatórias”. In scHOuERI, luiz Eduardo/ ZIlVETI, Fernando aurélio (coord.). Direito Tribu-tário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. são paulo, Dialética, 1998, p. 151, citando precedente do Tribunal consti-tucional alemão que delineou os contornos do mínimo exis-tencial.

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De acordo com Tipke, o mínimo existencial não deve ser fixado em patamar inferior ao estabelecido como benefício de aposentadoria, pois, em regra, o cida-dão ativo possui mais necessidades vitais que o aposentado.135 Sustenta, ainda, o professor emérito da Universidade de Colônia, que o mínimo existencial não se aplica somente ao Imposto de Renda, mas a todos os tributos, e que as parcelas que ficarem isentas do IR não podem ser tributadas por impostos especiais.136 Por seu turno, os impostos indiretos também devem respeitar o mínimo existencial, o que é viabilizado pelo mecanismo da seletividade, por meio da isenção dos bens de primeira necessidade.137

No Brasil, a Constituição Federal contém dispositivo expresso vedando a tributa-ção com efeito confiscatório.138 Confisco é a perda da propriedade em favor do Es-tado em razão de um ato ilícito. Por ser vedado pela Constituição,139 não é admitido que a lei estabeleça a perda da propriedade pela tributação em razão de atos lícitos. Portanto, é confiscatória a tributação excessiva, que supere a capacidade contribu-tiva. Embora não exista na legislação, na doutrina ou na jurisprudência um critério objetivo para identificar o confisco140 – o que permite que, dada a fluidez desse con-ceito, em cada caso o aplicador examine se foi superada a capacidade contributiva – o Supremo Tribunal Federal considerou confiscatória a exigência de contribuição pre-videnciária dos servidores públicos federais no percentual de 25%.141 É interessante perceber que na referida decisão, a Corte Maior considerou, e com acerto, o efeito confiscatório diante da carga tributária como um todo, e não em razão de um único tributo. No entanto, essa apreciação só é exeqüível diante de tributos que incidam sobre bases de cálculo similares, como ocorre com o imposto de renda e a contribui-ção previdenciária do servidor, que incidem sobre a remuneração deste.

Embora a vedação constitucional não se limite aos tributos incidentes sobre a propriedade,142 nestes ela ganha uma maior dimensão. E tais tributos não podem ter alíquotas muito elevadas, sob pena de haver perda da propriedade após alguns exercícios. Assim, por exemplo, se o IPTU tivesse uma alíquota de 20%, em cinco anos haveria a perda da propriedade, revelando-se confiscatória esta tributação.

Durante muito tempo, a doutrina, aqui e alhures, considerou que a existência de uma finalidade extrafiscal afastava a alegação de confisco. No entanto, quando examinarmos a relação da capacidade contributiva com a extrafiscalidade, veremos que os objetivos sociais, econômicos e políticos buscados pela norma tributária devem justificar, por meio de um juízo de proporcionalidade, o afastamento da capacidade contributiva que, como princípio que é, não é dotada de caráter abso-luto, podendo ser ponderada com outros interesses.143 Assim, não basta a simples alegação de extrafiscalidade para que se afaste o exame do caráter confiscatório da norma.

c) Perguntas

Em que consiste o princípio da capacidade contributiva? Qual a relação existente entre a capacidade contributiva e o fato gerador do tributo? Como é que se opera a

135 TIpKE. Klaus, Sobre a Unidade da Ordem Jurídica Tributária. In scHOuERI, luiz Eduardo & ZIl-VETI, Fernando aurélio, Direito Tributário. Estudos em Homena-gem a Brandão Machado. são paulo, Dialética, 1999, p. 61. no mesmo sentido, HERRERa MOlIna (Ob. cit., p. 144).

136 TIpKE, “sobre a unidade...”, cit., p.67.

137 HERRERa MOlIna, Ob. cit., p. 144.

138 artigo 150, IV da cF.

139 Exceto nos casos da pena de perdimento de bens importa-dos irregularmente; do confisco das terras onde se produzem substâncias entorpecentes, bem como dos instrumentos e produto da prática criminosa.

140 a suprema corte argentina fixou o percentual de 33% como limite à tributação sobre uma mesma base de cálculo, confor-me noticia balEEIRO (Limitações Constitucionais ao Poder de Tri-butar. 7ª edição, atualizada por Misabel abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 566); já a corte constitucional Federal da alemanha, como in-forma TIpKE (“sobre a unidade...”, cit., p. 70) decidiu que o imposto sobre o patrimônio não pode su-perar a 50 % da renda bruta.

141 sTF, pleno, aDIMc-2010 / DF, Rel. Min. celso de Mello, DJu de 12/04/02, p. 51. no caso em questão o Tribunal considerou que a contribuição previdenciária dos servidores públicos federais somada aos outros tributos inci-dentes sobre a remuneração do servidor, como o imposto de ren-da, causava o efeito confiscatório.

142 note-se que o precedente do sTF acima citado se refere a tributos pessoais.

143 HERRERa MOlIna, Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamiento espa-ñol a la luz del Derecho alemán. barcelona: Marcial pons, 1998, p. 178.

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aplicação do princípio da capacidade contributiva sobre os impostos reais? E sobre os pessoais? A limitação inerente ao princípio da capacidade contributiva é privilé-gio único dos impostos?

d) casO geradOr

Uma das principais modificações implementadas pela Emenda Constitucional nº 29/2000 foi a alteração do artigo 156 da CRFB/88, de modo a permitir que a cobrança do IPTU pudesse ser progressiva em razão do valor do imóvel, bem como se realizar por diferentes alíquotas de acordo com a localização do imóvel.

No entanto, mesmo antes da publicação da mencionada Emenda Constitucio-nal, diversos Municípios já exigiam o pagamento do IPTU de forma progressiva, vale dizer, quanto mais caro fosse o imóvel maior seria a alíquota do imposto. Vale destacar, contudo, que sm a aplicação da alíquota progressiva o recolhimento do imposto é realizado a partir de uma alíquota fixa aplicada sobre o valor venal do imóvel.

Sob o enfoque da capacidade contributiva, analise a legitimidade dessas exigên-cias realizadas pelos Municípios antes da EC 29/00. (Súmula 656 e 668 do STF)

e) Questões de cOncursO

1. Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue os seguintes itens.__ Visando implementar a justiça fiscal, a Constituição Federal consagra o prin-

cípio da capacidade contributiva, segundo o qual os tributos devem ser gra-duados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.

(Advocacia Geral da União – 2004)

2. o princípio da capacidade contributiva significa que:a) nenhum tributo pode ser exigido ou aumentado sem lei anterior que o esta-

beleça;b) é vedado à União, aos estado, ao distrito Federal e aos Municípios instituir

impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;c) qualquer subsídio ou isenção, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só

pode ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o corresponden-te tributo ou contribuição;

d) sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados se-gundo a capacidade econômica do contribuinte.

(24º exame da OAB)

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

F) bibliOgraFia

AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1998.OLIVEIRA, José Marcos Domingues, Direito Tributário: Capacidade Contributi-

va – Conteúdo e Eficácia do Princípio. 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1998.HERRERA MOLINA, Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del or-

denamiento español a la luz del Derecho alemán. Barcelona: Marcial Pons, 1998.

RIBEIRO, Ricardo Lodi, Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003.

TIPKE. “Sobre a Unidade da Ordem Jurídica Tributária”. In SCHOUERI, Luiz Eduardo/ZILVETI, Fernando Aurélio (Coordenadores). Direito Tributário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo, Dialética, 1998.

TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributá-rio, vol. V. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 79.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

1.17. aula 17. as imunidades tributárias. a imunidade recíproca

a) ObjetivO

O objetivo da aula de hoje consiste em estudar o significado do termo “imuni-dade” no direito tributário, bem como sua abrangência, conteúdo e fundamento constitucional.

b) intrOduçãO

Segundo Ricardo Lobo Torres, as imunidades consistem na intributabilida-de absoluta ditada pelas liberdades preexistentes à própria Constituição Federal. Por isso, as imunidades, derivadas dos direitos fundamentais, sequer precisariam constar do Texto Constitucional, que só as declararia.144 Assim, as regras cons-titucionais que determinassem a não-incidência tributária, mas que não fossem baseadas nos direitos fundamentais, não seriam imunidades, mas meras isenções constitucionais.

Nesse sentido, o citado autor conceitua a imunidade tributária da seguinte forma:

“A imunidade é limitação do poder de tributar fundada na liberdade absoluta, tendo por origem os direitos morais e por fonte a Constituição, escrita ou não; por sua eficácia declaratória, é irrevogável e abrange assim a obrigação principal que a acessória.”145

A originalidade no conceito do professor Ricardo Lobo Torres está na conexão feita entre o conceito de imunidade e a proteção dos direitos humanos fundamentais.

Porém, tem predominado na doutrina e na jurisprudência um conceito mais positivista, no sentido de que a imunidade é uma auto-limitação que a própria Constituição Federal estabelece ao repartir as competências tributárias entre os en-tes federados, excluindo dessa partilha determinadas pessoas (imunidade subjetiva) ou determinadas condutas (imunidade objetiva).

Desse modo, a imunidade tributária pode ser entendida como uma regra expres-sa na Constituição, que estabelece uma não competência da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios de cobrar impostos sobre determinadas entidades e objetos.

Como já é possível notar, o tema das imunidades tributárias, uma peculiaridade de nosso direito positivo, é rico em controvérsias, que remontam desde a sua origem pretoriana até a atualidade.

Sendo conceituada pela doutrina majoritária como uma não-incidência consti-tucionalmente qualificada, é necessária a distinção do instituto da imunidade com outros dois que ensejam a não incidência: a isenção e a não-incidência em sentido estrito.

144 TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de direito constitucional finan-ceiro e tributário, volume III: os direitos humanos e a tributa-ção: imunidade e isonomia. Rio de Janeiro, Renovar, 1999.

145 Os direitos humanos e a tribu-tação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro, Renovar, 1995, p. 400.

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No fenômeno da não-incidência em sentido estrito, não ocorre a subsunção do fato imponível à hipótese de incidência. O fato está naturalmente fora da regra de incidência. Assim, os bens móveis não serão tributados pelo IPTU, pois estão fora da regra de incidência deste imposto, sem que seja necessária qualquer norma jurí-dica que declare essa não-incidência.

Já na imunidade e na isenção, o fato, em tese, subsume-se à hipótese de incidên-cia, mas uma norma jurídica impede a incidência146. A diferença é que, na imunida-de, essa norma jurídica é a própria Constituição Federal, enquanto na isenção é a lei da entidade tributante.147 Assim, ao atribuir competência para o Município tributar os imóveis urbanos, por exemplo, a Constituição deixa de conferir competência para tributar o imóvel destinado à prática de culto religioso (templo). Por outro lado, a lei municipal que exclui a incidência sobre os imóveis dos ex-combatentes da FEB confere uma isenção.

O artigo 150, VI da Constituição Federal veda à União, aos Estados, ao Distri-to Federal e aos Municípios instituírem impostos sobre: “a) patrimônio renda ou serviços, uns dos outros;” (a chamada imunidade recíproca) “b) templos de qual-quer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.

As imunidades previstas no artigo 150, VI, da CF, são aplicáveis a todos os im-postos e se baseiam nos direitos fundamentais, sendo, entretanto, afastadas quando o ente imune não for contribuinte de direito do tributo, mas apenas quem suporta o encargo financeiro.

A imunidade recíproca impede os entes da Federação de tributarem o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros (Art. 150, VI, a, CF), sendo também extensível ainda às autarquias e fundações públicas, quando desenvolverem atividades vincula-das aos seus objetivos institucionais. A imunidade recíproca, porém, não se aplica:

a) quando o Estado desempenhar a atividade econômica em regime de econo-mia privada;

b) quando o Estado cobrar tarifas pela prestação de serviços públicos; ouc) em relação ao promitente comprador de um imóvel público.

Não há que se limitar a imunidade aos impostos que diretamente incidam sobre patrimônio, renda e serviços, pois todos os impostos, direta ou indiretamente, one-ram o patrimônio, renda e serviços dos entes imunes.148

O fundamento para a existência dessa limitação ao poder de tributar origi-na-se do princípio da separação dos Poderes, garantindo o sistema federativo brasileiro.

Alguns autores defendem que o fundamento para a imunidade recíproca estaria vinculado à inexistência de capacidade contributiva, o que de fato não parece ser a vontade do legislador constitucional, pois não condicionou a verificação da sufi-ciência econômica para o gozo da regra da imunidade.

146 Hoje é majoritária a doutrina que sustenta ser a isenção uma não-incidência legalmente qualificada, na esteira do en-tendimento de souto Maior borges (Isenções Tributárias, Ed. sugestões literárias, 1969), superando a doutrina consa-grada por Rubens Gomes de souza (Compêndio de Legislação Tributária, Resenha Tributária, 1975), no sentido de a isenção significar a dispensa legal do pagamento do tributo.

147 Ou a lei complementar no caso do art. 156, § 3º, II, da cF.

148 sTF, 2ª Turma, aGRaG nº 172.890/Rs, rel. Min. Marco aurélio, DJu de 19/04/96.

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A imunidade foi concedida para a Administração Direta e suas autarquias e fun-dações, não se estendendo o benefício constitucional às empresas concessionárias, às empresas de economia mista e às empresas públicas.

As exceções acima mencionadas traduzem-se no aspecto subjetivo da imunidade recíproca, e visam proteger a livre concorrência, já que em todas as exceções faz-se referência a pessoas jurídicas que exercem atividades preponderantemente privadas, muitas vezes competindo com as demais empresas.

O aspecto objetivo da imunidade recíproca está inserido no §3º do art. 150 da Constituição Federal, que limita o alcance da norma à proibição da cobrança de impostos sobre o patrimônio, a renda ou sobre os serviços vinculados às suas fina-lidade essenciais.

O patrimônio a que se refere o §3º do art. 150 engloba o imobiliário e o mobi-liário, destacando-se a necessidade de vinculação com a atividade do sujeito imune. Nesse sentido, cabe ressaltar que o STF149 já reconheceu o afastamento da regra imunitória no caso de terrenos baldios, pertencentes à autarquia.

Também se discutiu a aplicabilidade da limitação à tributação quando realizada promessa de compra e venda com ente Público dotado de imunidade. Após muita discussão, o STF sumulou a questão, com a edição da Súmula 583 que dispõe, em uma interpretação a contrario sensu, que somente escritura definitiva dará nascimen-to limitação constitucional ao poder de tributar.

A renda, como já observado, só estará dentro do campo da imunidade se estiver ligada com as atividades do ente federativo e não representar exploração de ativida-des privadas.

O caput do art. 150 da Constituição Federal é bastante claro ao conceder a imunidade apenas a uma espécie tributária, qual seja: o imposto. Contudo, alguns autores se insurgiram contra a cobrança de taxas sobre as entidades imunes, pois, para os defensores de que o fundamento da imunidade está atrelado à ausência de capacidade contributiva, não haveria suporte lógico para a exclusão de outras espé-cies tributárias. Argumentam que onde há a mesma razão de direito deve prevalecer a mesma conseqüência jurídica.

Essa tese não foi vencedora, pois as taxas são tributos vinculados, e servem para remunerar serviços públicos, o que não afeta o princípio federativo que se apresenta como o maior fundamento da regra imunitória. O que se afasta, na realidade, é a cobrança da taxa de polícia sobre as empresas públicas.

Outra celeuma que se instaura na seara das imunidades consiste na classificação dos impostos sobre patrimônio, renda e serviços.

O Código Tributário preocupou-se em fazer a divisão dos impostos, sem apre-sentar um critério técnico, tendendo a um critério mais didático, que acarreta uma certa dificuldade para o enquadramento de certos fatos na regra imunitória.

A doutrina consagrou o entendimento de que a divisão do CTN não é válida para a caracterização dos impostos que darão ensejo à aplicação da imunidade, ex vi, o seguinte trecho de Ricardo Lobo Torres150:

149 sTF, 2ª Turma, RE nº 98382/MG, Min. Moreira alves, j. 12/11/82, DJ. 18/03/1983.

150 TORREs, Ricardo lobo, Ob. cit., p. 231-232

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“Parece-nos, contudo, na linha de argumentação adotada por Baleeiro, que a imunidade protege contra a incidência de impostos que atingem economicamente o patrimônio, a renda e os serviços, independentemente da classificação técnica levada efeito pelo CTN. Até mesmo porque não se poderia condicionar a interpretação de normas constitucionais que vêm do texto de 1891 às definições da codificação superveniente, tanto mais que tal classificação se fez sob a égide da Emenda Cons-titucional n.º 18/65, não sobreviveu às reformas ulteriores, posto que os textos de 1967/69 e 1988, inclusive do ponto de vista topográfico, retornaram à tradição de proceder à partilha tributária no federalismo. Tornou-se, assim, juridicamente inó-cua a classificação do CTN )(...)”

A respeito da imunidade recíproca, valem citar os seguintes precedentes do Su-premo Tribunal Federal:

“A garantia constitucional da imunidade recíproca impede a incidência de tri-butos sobre o patrimônio e a renda dos entes federados. Os valores investidos e a renda auferida pelo membro da federação é imune de impostos. A imunidade tributária recíproca é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios.” (AI 174.808-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 01/07/96)

“Consideram-se relevantes, para o efeito de concessão de medida cautelar, os fun-damentos da ação direta, segundo os quais, com a quebra do princípio da imunidade recíproca entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 150, Vi, a da Constituição), autorizada pelo § 2º do art. 2º da emenda constitucional nº 03, de 18/03/93, ficaria posta em risco a estabilidade da federação, que, em princípio, a um primeiro exame, não pode ser afetada, sequer, por emenda constitucional (arts. 1º, 18, 60, § 4º, I, da Constituição).” (ADI 926-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 06/05/94)

c) Perguntas

Qual a diferença existente entre imunidade, isenção e não-incidência? Explique o conteúdo, fundamento e abrangência da imunidade recíproca. A classificação dos impostos trazida pelo CTN demonstra-se relevante para fins de se verificar o campo de abrangência das imunidades?

d) casO geradOr

A COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – CODESP – na qualidade de possuidora precária de imóveis de titularidade da União Federal, desenvolve suas atividades portuárias, com exclusividade, em imóveis situados no

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porto de Santos. Diante do fato de que é a CODESP que se utiliza de tais imó-veis pretende o Município de Santos exigir da mesma o pagamento do respectivo IPTU.

Visto isso, considerando que o fato gerador do IPTU consiste na propriedade de bens imóveis na área urbana, teria a CODESP, na qualidade de possuidora desse bem, que suportar o ônus de efetuar o recolhimento de tal tributo? (RE 357447 AgR / SP)

Ao autorizar a instituição do Imposto sobre Movimentação Financeira (IPMF), a Emenda Constitucional nº 03/1993, em seu artigo 2º, § 2º, dispôs que tal im-posto fosse exigido sem observância ao disposto no artigo 150, VI, da Constitui-ção Federal. Identifique qual princípio constitucional tributário este dispositivo excepciona e analise sua legitimidade. (ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18/03/94)

e) Questões de cOncursO

1. A imunidade tributária, como norma de não incidência, implica a proibição de instituir:

a) contribuição de melhoriab) contribuição socialc) imposto;d) taxa.

(Fiscal da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro)

2. Não estão abrangidos pela imunidade recíproca:a) o patrimônio, a renda e os serviços das empresas públicas; b) o patrimônio e a renda das fundações instituídas e mantidas pelo poder pú-

blico, vinculados às suas atividades essenciais; c) os templos de qualquer culto; d) os livros, jornais e periódicos.

(23º exame da OAB)

F) bibliOgraFia

AMARO, Luciano, Direito tributário brasileiro. 9ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isono-mia. Rio de Janeiro, Renovar, 1995.

______, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, volume III: os direitos humanos e a tributação: imunidade e isonomia. Rio de Janeiro, Renovar, 1999.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

1.18. aula 18. a imunidade dos templos, dos partidos políticos, dos sindicatos, das entidades de assistência e de educação

a) ObjetivO

Após termos estudado o conceito e os fundamentos da imunidade tributária, hoje analisaremos alguns casos em que a Constituição reconhece a determinadas pessoas jurídicas a qualidade de imunes a determinadas espécies tributárias. As cha-madas Imunidades subjetivas.

b) intrOduçãO

b.1 imunidade dos templos de qualquer culto

A imunidade, prevista no art. 150, VI, b, CF, relaciona-se ao local destinado à prática do culto (templo), e às atividades intrínsecas ao culto. A extensão da imu-nidade dos templos em relação aos imóveis da igreja e a serviços televisivos divide a doutrina brasileira.

No tocante à extensão da imunidade para a casa paroquial, o Supremo Tribunal Federal, conforme a jurisprudência existente, assim como Aliomar Baleeiro, defen-de a possibilidade do não pagamento de impostos pela casa paroquial, desde que ela se situe em terreno contígüo ao templo. Neste sentido, destaca Aliomar Baleeiro:

“O templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga, ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência especial, do pá-roco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregada com fins econômicos. Pontes de Miranda, entretanto, sustentou interpretação restritiva (Pontes de Miranda, Comentários, cit., vol. 1º, p. 510).

Não se repugna à Constituição inteligência que equipare ao templo-edifício tam-bém a embarcação, o veículo ou avião usado como templo móvel, só para o culto.

Mas não se incluem na imunidade as casa de aluguel, terrenos, bens e rendas do Bispo ou da paróquia, etc.”151

A mesma divergência persiste em relação aos serviços de comunicação radiofôni-ca ou televisiva, onde destacamos a opinião de Ricardo Lobo Torres,152 que entende que tais serviços são desvinculados das finalidades religiosas ou filantrópicas e, por isso, tributáveis.

A abrangência desta imunidade, contudo, deve englobar todo o patrimônio, renda e serviços relacionados à finalidade essencial da entidade.

Baseando-se na liberdade religiosa, todos os cultos são abrigados, não cabendo ao Estado recusar a imunidade a qualquer deles sob a alegação de não se revestir de seriedade.

151 BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário brasileiro. 11ª edição, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro, Forense, 1999. p. 137.

152 Os direitos humanos e a tribu-tação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro, Renovar, 1995.

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Isto não quer dizer que o Estado não possa exercer o controle sobre as atividades religiosas. Uma vez verificada a existência de simulação ou de atos contrários à mo-ral e aos bons costumes, operar-se-á o cancelamento da imunidade.

b.2. imunidade dos sindicatos dos trabalhadores

Para garantir a autonomia sindical, o mesmo dispositivo constitucional confere imunidade aos sindicatos de trabalhadores. Sindicatos patronais não estão abrangi-dos. Já as federações e confederações sindicais de trabalhadores são beneficiários da imunidade.

Esta imunidade não está ligada a um direito fundamental, como ressalta o Ricar-do Lobo Torres153, mas a direitos sociais, não constituindo, por via de conseqüência, uma imunidade propriamente dita.

b.3. imunidade dos partidos políticos e suas fundações

Visando a liberdade de manifestação política, a Constituição Federal consagra no art. 150, VI, c, a imunidade dos partidos políticos. Aqui, não se exige representa-ção no Congresso Nacional, bastando ter registro no Tribunal Eleitoral competente para que já seja considerado como tal.

A imunidade dos partidos políticos se estende às suas fundações, conforme a dicção do art. 150, VI, c, da Constituição Federal. Atualmente, é muito comum a utilização das fundações para o estudo e divulgação da ideologia, o que justificaria a imunidade.

São imunes as doações recebidas, a contribuição recebida por seus filiados, as aplicações financeiras, e todos os demais fatos ligados a seu patrimônio.

b.4. imunidade das entidades de assistência social

Discute-se na doutrina e na jurisprudência se, conforme já decidido pela 2ª Turma do STF, o conceito de entidade de assistência social adotado pelo art. 150, VI, c, da CF, seria o mesmo do art. 203 do Texto Maior, que insere no conceito de assistência social o caráter altruístico, ou seja, a prestação de serviços a quem de-les necessitar, independentemente de qualquer contraprestação.154 Porém a matéria ainda não é pacífica no STF, não sendo poucas as vozes na doutrina e na jurispru-dência que entendem ser entidade de assistência social qualquer pessoa jurídica que se dedique à saúde, previdência, e à assistência social, desde que sem fins lucrativos e cumpridos os requisitos previstos em lei.155

Os requisitos previstos na lei para que seja imune uma entidade de assistência social sem fins lucrativos são os do art. 14 do CTN:

a) não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação nos resultados;

b) aplicar os seus recursos integralmente nas atividades institucionais desenvol-vidas no Brasil;

153 Ob. cit. p. 221.

154 sTF, 2ª Turma, Rel. Min. carlos Velloso, DJu de 22/11/96, p. 45.703, apud “Revista dos pro-curadores da Fazenda nacional”. vol. 2, Ed. Forense/cEJ do sIn-pROFaZ, 1998, p. 196

155 por todos, ver Misabel abreu Machado Derzi, nas notas de atualização de Direito Tributário Brasileiro, de aliomar baleeiro, Ed. Forense, 11ª edição, 1999, pp. 138 e segs.

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c) manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de forma-lidades capazes de assegurar sua exatidão.

Cabe lembrar que o artigo 14 do CTN não indica que a gratuidade dos serviços prestados constitui requisito para o gozo da imunidade, como ocorre na Alemanha, por exemplo.

O Supremo Tribunal já reconheceu em várias oportunidades a imunidade de hospitais que não prestam assistência gratuita e a colégios e faculdades que cobram mensalidades compatíveis com outras instituições privadas156, ressaltadas as opi-niões contrárias do próprio Supremo Tribunal Federal157. Vale colocar em desta-que ementa de acórdão do pleno do STF que, ao apreciar a questão envolvendo a imunidade das entidades fechadas de previdência privada, entendeu que “o fato de mostrar-se onerosa a participação dos beneficiários do plano de previdência privada afasta a imunidade prevista na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal”, in verbis:

“Recurso extraordinário. Entidade fechada de previdência social. Imunidade tributária. – O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 259.756, firmou o entendi-mento de que a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “c”, da Cons-tituição apenas alcança as entidades fechadas de previdência privada em que não há a contribuição dos beneficiários, mas tão-somente a dos patrocinadores, como ocorre com a recorrida (fls. 22). Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 259756/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 28/11/2001, TRIBUNAL PLE-NO, DJ 29/8/2003).

Note-se que a intributabilidade das contribuições sociais das entidades benefi-centes de assistência social está condicionada ao atendimento dos requisitos do § 7º da Lei 9.732/98, que, apesar de não adotar o princípio da gratuidade, estabeleceu alguns parâmetros, como, por exemplo, exigiu que a entidade promova, gratuita-mente e em caráter exclusivo, assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial, a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência.

Outra questão importante que se impõe, no estudo das imunidades, é a possibi-lidade de lei ordinária dispor sobre requisitos para o seu gozo.

Isto porque, a Constituição Federal, em seu artigo 146, II, afirmou, caber à lei complementar a regulamentação das limitações ao poder de tributar, e no art. 150, VI, “c” assegurou a imunidade das instituições de educação e de assistência social, de acordo com os requisitos da lei.

A doutrina tem admitido que a lei complementar é necessária para a legitimação dos requisitos para a imunidade (no caso, o artigo 14 do CTN). Contudo, os requi-sitos referentes à configuração das instituições imunes quanto às relações privadas poderão ser reguladas pela lei ordinária, como, aliás, podemos observar nos artigos 12 e 13 da Lei 9.532/97.

156 RE. n.º 93.463-RJ, ac da 2ª Turma, de 16.04.82, Relatório Min. cordeiro Guerra.

157 RE 108.796, ac. Da 2ª Turma, de 30.06.86, Rel. Min. carlos Madeira, RTJ 212:754.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

b.5. instituições de educação sem fins lucrativos

Segundo leciona Aliomar Baleeiro, instituição de educação não se limita apenas à de caráter estritamente didático, englobando também toda aquela que aproveita à educação e à cultura em geral,158 como o curso de idiomas, o museu, o centro de pesquisas, etc.

O sentido da palavra instituição também é o mais amplo possível, englobando as fundações, associações, sociedades civis sem fins lucrativos, dentre outras, sendo relevante tão somente sua finalidade pública e não a forma jurídica adotada.

O fundamento da imunidade das instituições de educação, assim como as de assistência social é a proteção da liberdade, afinal não se devem tributar atividades que substancialmente se equiparam à própria atuação estatal.

Quanto aos requisitos previstos na lei, são os mesmos já estudados na imunidade das entidades de assistência social.

c) Perguntas

Indique quais são as pessoas jurídicas beneficiadas, expressamente, pela imunida-de tributária e, em breves palavras, discorra sobre a aplicação do benefício sobre as mesmas. O requisito gratuidade é essencial para o enquadramento de determinada PJ como sendo de assistência social, para fins de concessão de imunidade revista no art. 150 – da CRFB/88?

d) casO geradOr

Objetivando impedir que as instituições financeiras procedessem à retenção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre suas operações bancárias, o curso de idiomas “Cultura Inglesa”, entidade de ensino sem fins lucrativos, recorreu à Justiça para impedir que qualquer ato voltado à exigência de tal im-posto viesse a ser praticado pela Fazenda Nacional. Na qualidade de juiz da causa, você julgaria procedente o pedido formulado pela Cultura Inglesa? Justifique: (RE 249980 AgR / RJ)

Determinada entidade religiosa situada no Município de Jales, além do imó-vel no qual realiza os seus cultos religiosos, possui uma série de outros imóveis alugados, cuja renda decorrente desses aluguéis apresenta-se necessária à ma-nutenção de suas regulares atividades. Considerando que nesses outros imóveis não há qualquer prática de atividade religiosa, analise a constitucionalidade da exigência de IPTU sobre os mesmos. (RE 325.822, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 14/05/04)

158 balEEIRO, aliomar. Ob. cit., p. 137.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

e) Questões de cOncursO

1. Entidade beneficente de assistência social, sem fins lucrativos e que preencha os requisitos para fruição de imunidade tributária, está sujeita, em princípio:

a) Às taxas, à contribuição de melhoria e à contribuição de seguridade social; b) Aos impostos sobre o patrimônio, às taxas e à contribuição de seguridade

social; c) Às taxas e à contribuição de melhoria; d) Às taxas e à contribuição de seguridade social.

(19º exame da OAB)

F) bibliOgraFia

Idem à aula passada.

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108FGV DIREITO RIO

DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

1.19. aula 19. a imunidade dos livros, Jornais, periÓdicos e o papel destinado a sua impressão. imunidades específicas

a) ObjetivO

Analisaremos hoje a garantia de imunidade reconhecida pela Constituição para alguns bens específicos. É o que se entende por Imunidade Objetiva.

b) intrOduçãO

Na Constituição da República de 1988 são estabelecidas diversas categorias de imunidades, sendo algumas de caráter subjetivo e outras de caráter objetivo. A imu-nidade dos livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão é objetiva,159 na medida em que se refere especificamente à coisa: papel de impressão ou livro, jornal, periódico.

Em que pese o caráter objetivo da imunidade em comento, ela está dirigida à proteção de meios de comunicação de idéias, conhecimentos, informações, enfim, os meios de expressão do pensamento, protegendo o veículo, a fim de alcançar a sua finalidade precípua que é a propagação de idéias no interesse sócio-cultural.

A imunidade do livro é tradicional no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como fundamento a importância da proteção e divulgação de conhecimentos, in-formações, idéias, enfim, a difusão da cultura.160

Não são imunes os outros insumos, como as máquinas e as tintas, mas somente o papel, tendo o STF englobado, ainda, o filme fotográfico.161

São imunes todos os livros, jornais e periódicos, independentemente do seu conteúdo cultural, ou moral e, até mesmo, pornográfico. Não é dado ao legis-lador estabelecer a censura através da tributação. Considerou o STF imune as listas telefônicas, por sua utilidade pública, negando, porém, o mesmo direito às páginas amarelas, por entendê-las como sendo livro destinado, apenas, a vender produtos.

Visto isto, importa saber se o livro eletrônico está acobertado pela imunida-de tributária do livro tradicional. Sobre o tema, divide-se a doutrina, revelan-do a importância acadêmica do assunto, não se podendo esquecer do aspecto econômico, em face do notório crescimento da indústria informática no Brasil e no mundo.

De acordo com o que defende Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho,162 a norma constitucional teria elegido tão-somente as obras cujo suporte físico seja o papel, não sendo possível, no caso, a utilização da analogia integrativa no sentido de ampliar o alcance da norma constitucional limitadora do poder de tributar. Depreende-se, ainda, da posição em comento, que a única forma de tornar o livro eletrônico imune à tributação seria por meio de uma reforma do texto constitucional.

159 Vide aliomar baleeiro. Ob. cit. p.340. Esse entendimento prevalece na doutrina e na ju-risprudência até os dias atuais, ressalvando-se, entretanto, que a publicidade paga, veiculada em livros, jornais e periódicos também está abrangida pela imunidade em relação ao Im-posto sobre serviços de Qual-quer natureza. a conclusão que se chegou é que como o objeti-vo da imunidade é, exatamente, reduzir o custo de produção de jornais, livros e periódicos, há que se estender o seu campo de incidência ao imposto sobre serviço que, transferindo-se ao preço final do produto, cau-saria, invariavelmente, o seu aumento.

160 nesse sentido, observa ber-nardo Ribeiro de Moraes: “Esta imunidade tributária é objetiva e, para o papel, condicionada, alcançando os referidos bens. O escopo dessa vedação de im-posto é a divulgação de idéias, a difusão da cultura, de conhe-cimentos e informações, desde que o instrumento utilizado seja o papel (livros, jornais, pe-riódicos e o papel destinado à sua impressão). Trata-se de uma imunidade tributária que vem sendo consagrada há mais de 44 (do papel) ou 27 anos (dos livros) pelas constituições brasileiras, o que representa um princípio constitucional já arrai-gado na tradição jurídica e na própria sociedade nacional, que mantém a proteção dos bens arrolados”. “a Imunidade Tribu-tária e seus novos aspectos”. In Revista Dialética de Direito Tribu-tário, n. 34. são paulo, Oliveira Rocha, 1998, p. 35.

161 sTF, 1ª Turma, RE 220.154/Rs, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJu de 23/10/98, p. 11.

162 “a não-Extensão da Imunida-de aos chamados livros, Jornais e periódicos Eletrônicos”. In Re-vista Dialética de Direito Tribu-tário, n. 33. são paulo, Oliveira Rocha, 1998, p. 134.

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Vale destacar, ainda, o posicionamento do professor Ricardo Lobo Torres, cor-roborando o entendimento de que os livros eletrônicos estão sujeitos à tributação, em razão, inclusive, da própria vontade do legislador constituinte de 1988. Assim, afirma o ilustre professor que:

“não guardando semelhança o texto do livro e o hipertexto das redes de informá-tica, descabe projetar para este a imunidade que protege aquele.(...)

Não se pode, conseqüentemente, comprometer o futuro da fiscalidade, fechando-se a possibilidade de incidências tributárias pela extrapolação da vedação constitucional para os produtos da cultura eletrônica.(...)

Quando foi promulgada a Constituição de 1988, a tecnologia já estava suficien-temente desenvolvida para que o constituinte, se o desejasse, definisse a não incidência sobre a nova média eletrônica. Se não o fez é que, a contrário sensu, preferiu restringir a imunidade aos produtos impressos em papel.163”

Segundo os autores da tese restritiva, o que está verdadeiramente amparado pela imunidade tributária é apenas a mídia escrita tipográfica, tendo, pois, como base o papel, não sendo acolhida nem mesmo a mídia sonora ou audiovisual, nem tam-pouco os chamados livros eletrônicos.

Divergindo da tese acima exposta, há autores que defendem que a vedação ao poder de tributar em análise também abrange o livro eletrônico. Dentre estes auto-res, encontra-se Roque Antônio Carrazza, que faz as seguintes ponderações:

“São os fins a que se destinam os livros e equivalentes – e, não, sua forma – que os tornam imunes a impostos. Livros, na acepção da alínea d, do inc. VI, do art. 150, da CF, são os veículos do pensamento, vale dizer, os que se prestam para difundir idéias, informações, conhecimentos, etc. Pouco importam o suporte material de tais veículos (papel, celulóide, plástico, etc.) e a forma de transmissão (caracteres alfabéticos, signos Braille, impulsos magnéticos, etc.).164”

Os defensores da imunidade tributária dos livros eletrônicos partem da premissa de que a liberdade de pensamento, expressão e do livre acesso à informação – di-reitos subjetivos públicos – constituem imunidades genéricas. Ou seja, o sistema tributário constitucional reconhece, de um lado, o poder de tributar estabelecendo normas rígidas e inflexíveis de competências. Por outro lado, estabelece normas e princípios que excluem a competência tributária objetivando preservar direitos fundamentais.

Desse modo, a imunidade do papel destinado à impressão não pode acabar por excluir da proteção da norma outros instrumentos de exteriorização e difusão da cultura que, pela evolução tecnológica, não necessitam ser impressos. Neste sentido, salienta Tercio Sampaio Ferraz Junior:

“O importante aqui é sublinhar que a imunidade é, primariamente, para o ve-ículo da mídia escrita e, acessoriamente, para o papel. Assim, se, por exemplo, o

163 TORREs, Ricardo lobo. “Imu-nidade Tributária nos produtos de informática”. In Caderno do 5.º Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário, livro de apoio, pp. 95, 98, 99.

164 “Importação de bíblias em Fi-tas – sua Imunidade – Exegese do art. 150, VI, d, da constitui-ção Federal”. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 26. são paulo, Oliveira Rocha, 1997, p. 139.

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livro é imune, não cabe, aí sim, ao exegeta distinguir onde a norma não distinguiu, isto é, não lhe cabe decompor o livro nos seus elementos materiais e imateriais, para aceitar alguns e excluir outros. Afinal, imune é o livro, com tudo o que o compõe. Sua imunidade é autônoma em relação ao papel, embora possa ser reconhecido que a imunidade do papel, porque acessória, não é autônoma em relação ao livro, ao periódico e ao jornal. Destarte, como assinala Baleeiro, mesmo sem constatar expres-samente, a imunidade é para o papel destinado exclusivamente à impressão, mas não é exclusivamente para o papel!”165

Como se pode notar, para essa corrente, a mídia escrita não se confunde com o seu suporte, mesmo que somente com ela forme uma integralidade. Por esta razão, quando a Constituição garante a imunidade de livros, periódicos e jornais, deve-se estender esta imunidade a toda a mídia escrita, como forma de garantia da liberdade.

c) Perguntas

É correta a afirmação no sentido de que a “Playboy” goza da mesma imunidade fiscal que os códigos jurídicos? Os livros eletrônicos estão abrangidos pela imunida-de concedida pelo artigo 150, VI, “d”, da Constituição Federal?

d) casO geradOr

Objetivando ter declarada sua imunidade contra a exigência de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS) incidente sobre a venda de álbuns de figurinha, a Editora Globo S/A propôs perante ao Poder Judiciário Ação Ordinária Declarató-ria, alegando o disposto no artigo 150, VI, “d”, da CRFB/98. Na qualidade de juiz da causa, você daria provimento à pretensão da empresa? Justifique. (RE 221.239, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 06/08/04)

Utilizando-se do argumento no sentido de que a imunidade conferida pelo ar-tigo 150, VI, “d”, da CRFB/88 volta-se a estimular a produção e disseminação de cultura no País, determinada empresa recorreu ao Poder Judiciário objetivando ter reconhecida a imunidade tributária sobre a importação de tinta para impressão de jornal. Merece a pretensão dessa empresa ser acolhida?

e) Questões de cOncursO

1. Em sede de imunidades tributárias, é correto afirmar que a) os prédios públicos federais ou estaduais são imunes à cobrança de taxa de

serviço. b) as livrarias ou bancas de jornais são imunes à cobrança do IPTU.

165 FERRaZ JunIOR, Tercio sam-paio. “livros eletrônicos e Imu-nidade Tributária”. In Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. n. 22. são paulo: Re-vista dos Tribunais, 1998, p. 36.

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c) os entes públicos são imunes ao IPI e ICMS quando adquirem bens no mer-cado interno.

d) somente os entes autárquicos federais são imunes à tributação. e) as empresas públicas e sociedades de economia mista não gozam de imuni-

dade recíproca.(Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região)

F) bibliOgraFia

Idem à aula anterior mais:FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. “Livros eletrônicos e Imunidade Tributá-

ria”. In Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. N. 22. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 36.

MORAES, Bernardo Ribeiro de. “A Imunidade Tributária e seus Novos Aspec-tos”. In Revista Dialética de Direito Tributário, n. 34. São Paulo, Oliveira Rocha, 1998, p. 35.

TORRES, Ricardo Lobo. “Imunidade Tributária nos produtos de informática”. In Caderno do 5.º Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário, livro de apoio, pp. 95, 98, 99.

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1.20. aula 20. outras vedações

a) ObjetivO

O objetivo da aula de hoje consiste em estudarmos algumas outras limitações ao poder de tributar do Estado estabelecidas pela Constituição. A diferença das aulas passadas é que o foco dessas limitações não é a proteção do contribuinte propriamen-te dito, mas a garantia do equilíbrio institucional do Estado. Dessa forma, os princí-pios que fundamentam essas limitações denominam-se princípios institucionais.

b) intrOduçãO

Princípio da uniformidade geográfica ( art. 151,i)

Nos termos dispostos no artigo 151, I da CRFB/88, nota-se que a tributação federal tem que ser nacional e uniforme em todo o país, de modo que, não pode a União criar alíquotas diferenciadas em seus impostos para determinados municí-pios. Tal regra, no entanto, não é absoluta, de fato, nada impede que sejam criados incentivos fiscais vinculados ao desenvolvimento das regiões mais atrasadas do país. Pode-se criar benefícios fiscais que se limitem às regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, bem como fundos como a Sudam, que vão promover o engrandecimento do desenvolvimento da economia dessas regiões.

Princípio da igualdade dos entes da Federação no que tange suas obrigações (art. 151,ii)

Tal princípio abrange o conceito da Igualdade, tanto na tributação das obriga-ções da dívida pública de União, Estados e Municípios, quanto na remuneração dos agentes públicos de União, Estados e Municípios.

Vale notar, contudo, que, este dispositivo é de todo desnecessário, visto que sua primeira parte trata de algo já imune (o imposto federal que incidiria sobre as obri-gações da dívida pública seria o IOF - mas não vai incidir o IOF sobre as operações de crédito da União, Estados e Municípios em face da imunidade recíproca). A segunda parte, por sua vez, também é desnecessária, pois é claro que não se pode tributar o servidor público federal em níveis menos elevados que os servidores pú-blicos estaduais e municipais, eis que estar-se-ia violando o princípio constitucional da isonomia.

art. 151, iii

Neste dispositivo a Constituição Federal veda a concessão de isenções heterô-nomas, que são isenções concedidas por quem não tem competência tributária.

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Exemplo: A União isentando impostos de Estados e Municípios. A isenção heterô-noma, de certa forma, contraria os princípios federativos, portanto ela tem que estar expressa na Constituição Federal.

Na Constituição passada havia autorização para a União conceder isenção de tri-butos estaduais e municipais (era uma Constituição centralizadora, um federalismo autoritário, onde prevalecia a figura da União).

A esta vedação, no entanto, contempla duas exceções, quais sejam:

(1) O ICMS na exportação, que pode ser objeto de isenção concedida por lei complementar, segundo o art 155, §2º,XII, e;

(2) O ISS para serviços prestados no exterior, que também pode ter isenção con-cedida por lei complementar, prevista no art. 156, §3º, II.

Princípio da vedação da distinção quanto a origem e o destino das mercadorias (art. 152)

Os Estados e Municípios não podem fazer distinção entre bens de procedência de outros Estados e Municípios, vale dizer: não podem levantar barreiras alfan-degárias.

Será que os Estados podem tributar diferentemente bens provenientes de outros países? Houve um caso famoso do IPVA dos veículos estrangeiros; os Estados do RJ e SP criaram alíquotas diferentes para os veículos de origem estrangeira e a ma-nifestação nos tribunais de justiça foi no sentido de que isso violaria o art. 152. Os Estados alegam que esse artigo 152 veda a discriminação quanto a procedência de outros Estados, e não de outros países. Mas ainda que assim fosse, ainda que o art. 152 só proibisse a distinção quanto a origem de outro Estado ou Município, o Esta-do não poderia tributar o comércio exterior por ausência da competência legislativa e funcional. Então, diante da impossibilidade de se estabelecer tal distinção, hoje as alíquotas são iguais para carros nacionais e estrangeiros.

Quando a União celebra um tratado internacional, não é a União que concede benefício fiscal, é a Federação. Então, a competência da República Federativa do Brasil como uma entidade de direito público internacional, não se limita às com-petências definidas no direito interno e atribuídas à União. Logo, é possível um tratado internacional estabelecer benefícios fiscais em matéria de ICMS e tributos estaduais.

c) Perguntas

O que são princípios institucionais? Pode a União Federal conceder isenção de tributo estadual, tal como o ICMS e o IPVA? Em breves palavras explique os prin-cípios constantes nos artigos 151, I e II, da Constituição Federal.

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d) casO geradOr

A União Federal, com o especial objetivo de facilitar o acesso à Justiça editou Lei concedendo isenção ao pagamento das custas e emolumentos judiciais na Justiça Estadual. Considerando que tais custas são verdadeiras taxas e, portanto, possuem natureza tributária, analise a constitucionalidade desta isenção. (ADC 5-MC)

e) bibliOgraFia

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito, Curso de direito tributário. 13ª ed., São Paulo,

Malheiros, 1998.PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advo-

gado, 2005.TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro

– São Paulo, Renovar, 2003.

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1.21. aula 21 – leGislação tributária. as normas tributárias: a constituição e a emenda constitucional. as cláusulas pétreas

a) ObjetivO

A aula de hoje tem por finalidade apresentá-los ao termo “legislação tributária”, bem como ao importante papel desenvolvido pela Constituição Federal e o limite das suas alterações implementadas pelas Emendas Constitucionais.

b) intrOduçãO

A expressão “legislação tributária” é ampla, englobando não só a lei em sentido formal, como também o regulamento. Quando falamos em lei tributária, é a lei em sentido formal. Quando se fala em legislação tributária, é o conceito amplo de lei em sentido material.

Lei, em sentido formal, corresponde à lei emanada pelo Poder Legislativo de acordo com o processo legislativo constitucionalmente previsto; tem força de lei. Lei, em sentido material, tem um sentido mais amplo, que abrange, também, o ato normativo (ato que vai, em caráter abstrato e genérico, dispor sobre relações jurídi-cas, ao contrário do ato de efeitos concretos).

Antes de entrar propriamente na vigência, aplicação, interpretação e integração da lei tributária, que é um tema bastante importante, vamos verificar quais são as espécies normativas existentes no sistema tributário nacional.

Em primeiro lugar, convém evitar a figura da pirâmide de Kelsen. Em nosso ordenamento não há uma hierarquia, o que há é uma repartição de competências; todos os diplomas previstos buscam seu fundamento de validade na Constituição Federal. Pode até se dizer, em direito tributário, que as normas gerais têm hierarquia sobre as leis instituidoras dos tributos, porque estas, obrigatoriamente, devem estar de acordo com aquelas. A Constituição Federal atribui competências privativas ao Poder Executivo que não devem ser reguladas por lei, tal como ocorre na competên-cia conferida ao Presidente da República para nomear seus Ministros.

No que é pertinente ao Direito Tributário, a Constituição Federal desenvolve pa-pel de suma importância, tecendo, em detalhes, importantes considerações sobre:

– repartição das competências tributárias– repartição das receitas tributárias– limitações constitucionais ao poder de tributar (cabe à Constituição Federal

criar essas limitações e à lei complementar regulá-las).

Emenda Constitucional é a alteração de dispositivos constitucionais por obra do constituinte derivado. Essas emendas vão encontrar limitações circunstanciais e limitações materiais. A respeito destas últimas, destaca-se que elas se referem às

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cláusulas pétreas, as quais, embora possam ser alteradas, não podem ter seu núcleo essencial restringido. O art. 60, § 4º, da Constituição Federal prevê as cláusulas pétreas.

Em matéria tributária, pode-se dizer que a repartição da forma federativa de estado e os princípios constitucionais tributários são verdadeiras cláusulas pétre-as, as quais, ao menos em tese, podem ser alteradas por Emenda Constitucional. Diante disso, é correta a afirmação no sentido de que qualquer emenda que altere a distribuição de competência entre União, Estados e Municípios é inconstitucional? Não, toda reforma tributária no Brasil é uma reforma constitucional; o que não pode haver é um desequilíbrio do federalismo fiscal, o pacto federativo financeiro estabelecido pela Constituição Federal de 1988.

Do ponto de vista do direito financeiro e tributário, só violaria a cláusula pétrea a Emenda que deixasse o Estado sem dinheiro (com obrigações, mas sem recursos para adimpli-las). Não basta a Emenda Constitucional manter o equilíbrio de recei-tas, é preciso manter o equilíbrio de competências tributárias, porque a repartição de receitas num sistema tributário de uma federação não pode se basear na reparti-ção de receitas; a repartição de receitas é para equalizar a repartição. Só quem tem competência tributária pode estabelecer uma política fiscal (a autonomia adminis-trativa); quem não tem competência vai governar de acordo com as prioridades do poder central.

Por isso que a idéia de um imposto único não vigora mais; pois o imposto único, naturalmente, não seria estadual nem municipal, mas um imposto da União, que repassaria dinheiro para Estados e Municípios. Se a União resolvesse criar incentivos fiscais, e não incrementar essa arrecadação, ela estaria inviabilizando o funciona-mento de Estados e Municípios. Então, se for conferida uma repartição desigual de competências tributárias, está se fazendo com que a União determine em que medida Estados e Municípios vão atender às suas obrigações constitucionais. Por esta razão é que a Emenda em tramitação no Congresso cujo conteúdo consiste em transferir para a União a competência para fiscalizar, legislar e arrecadar o ICMS afigura-se inconstitucional.

Não é qualquer reforma tributária que viola o pacto federativo, mas somente aquela que inviabiliza a autonomia administrativa. No regime federativo cada enti-dade da federação precisa ter pelo menos um imposto de larga base econômica para poder custear suas despesas.

Nas cláusulas pétreas tributárias há os direitos e garantias individuais. E a pri-meira discussão que se tem é se essas cláusulas pétreas englobam apenas os direitos individuais, ou também os direitos fundamentais, que possuem conceito mais am-plo. Ricardo Lobo Torres, por exemplo, diz que direitos fundamentais são direitos individuais, porque os direitos sociais não podem ser cumpridos pelo Estado se não existirem recursos orçamentários, enquanto os direitos individuais derivam de uma simples abstenção estatal. Então, diz ele, não se pode dar o mesmo tratamento aos direitos sociais e fundamentais.

A rigor, os próprios tratados de que o Brasil faz parte, que incluem os diretos so-ciais no âmbito dos direitos fundamentais, resolvem essa questão ao dizer que os di-

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reitos individuais e políticos são de cumprimento obrigatório e imediato por todos os países signatários, enquanto os direitos sociais e econômicos são de cumprimento progressivo à medida da disponibilidade orçamentária para todos os Estados.

Quando o Supremo teve a oportunidade de declarar os princípios constitucio-nais tributários como cláusulas pétreas, ele inseriu também princípios baseados em direitos sociais, tal como a imunidade sindical, que se baseia em um direito social (que é a autonomia sindical). O Supremo, assim, não fez distinção entre direitos individuais e sociais.

Não é possível ao legislador constituinte derivado excepcionar, extinguir ou res-tringir a aplicação desses princípios em relação a determinados tributos.

c) Perguntas

• Qualadiferençaentreleielegislaçãotributária?• Écorretaaafirmaçãonosentidodequeexistehierarquiaentreasnormas

tributárias?• ExpliquearelaçãoexistenteentreasEmendasConstitucionaiseascláusulas

pétreas. • Existemcláusulaspétreastributárias?Casopositivo,podemelasseraltera-

das?

d) casO geradOr

O artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 reconheceu às sociedades civis de prestação de serviços profissionais o direito de serem isentas da COFINS. Posteriormente, com a edição da Lei Ordinária nº 9.430/96, o legislador fede-ral determinou a revogação de tal dispositivo, afirmando que, a partir de então, todas essas sociedades deveriam proceder ao regular pagamento da mencionada contribuição.

Diante deste conflito, a OAB, objetivando defender os interesses da classe dos advogados, impetrou mandado de segurança para impedir a prática de quaisquer atos tendentes à exigência da COFINS, uma vez que, tendo o benefício da isen-ção sido concedido por meio de Lei Complementar (cujo quorum de aprovação exige maioria qualificada), não poderia o mesmo ser revogado por simples lei ordinária.

Por outro lado, defende a União Federal que o artigo 6º da LC 70/91, embora formalmente possua natureza complementar, materialmente possui natureza de lei ordinária, e, portanto, seria legítima a revogação em comento.

Deve a segurança pretendida pela OAB ser concedida ao final do processo?

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e) QuestãO de cOncursO

(Controladoria da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro)1. No que concerne à delegação de competência para definir os elementos do tribu-to – sujeitos, base de cálculo e alíquota – é correto afirmar que:

a) é livre, passível de definição através de convênios.b) pode ocorrer, desde que disciplinada em lei complementar.c) não é possível, visto inexistir autorização na Constituição Federal.d) é possível, quanto às espécies tributárias cuja receita submete-se à distribuição.

F) bibliOgraFia

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 1998.RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade,

Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

1.22. aula 22 – os tratados internacionais e a lei complementar.

a) ObjetivO

Estudaremos o papel desenvolvido pelos tratados internacionais dentro do siste-ma tributário nacional, bem como a sua relação com a legislação tributária interna. Veremos, também, as funções constitucionais das Leis Complementares e a sua importância na regulação da atividade fiscal do Estado.

b) intrOduçãO

O tratado internacional vai ser celebrado pelo Poder Executivo, pelo Presidente da República e seus embaixadores, mas deve ser aprovado pelo Congresso Nacional, através de um decreto legislativo. Depois desse Decreto Legislativo, o tratado pre-cisa ser ratificado pelo Presidente da República, através de um decreto presidencial. Com a publicação desse decreto do Presidente no Diário Oficial, o tratado insere-se dentro da ordem jurídica interna.

Hoje, prevalece no Brasil a teoria dualista, que diz que o tratado tem uma va-lidade na ordem internacional e outra validade na ordem interna. O tratado tem validade na ordem internacional no momento em que o governo brasileiro, depois desses procedimentos, acredita o tratado, depositando o tratado no consulado do outro país contratante. Na ordem interna, o tratado tem validade como lei interna no momento em que o decreto do Presidente é publicado no Diário Oficial.

O Supremo era adepto da teoria monista, mas adotou a teoria dualista a partir do Recurso Extraordinário nº 80.004. Nesse acórdão, não estava em julgamento matéria tributária, mas sim cambial. Então, o Supremo, naquela ocasião, entendeu que não há hierarquia entre o tratado, que é aprovado por um decreto legislativo, e a lei interna. Portanto, prevalece a lei posterior sobre a lei anterior (se o tratado vier depois da lei, revoga a lei; se a lei vier depois do tratado, revoga o tratado). Essa decisão foi criticada pelos internacionalistas, que tendem a defender que, quando o Brasil não tem mais interesse pelo tratado, deve denunciá-lo e não unilateralmente aprovar uma lei modificando o seu conteúdo. Mas essa discussão já está superada pela decisão do Supremo.

No direito tributário temos como peculiaridade o artigo 98 do CTN, que esta-belece entre o tratado e a lei interna uma hierarquia – a hierarquia do tratado sobre a lei interna. O tratado revoga, mas não é revogado. Aqui há uma controvérsia: muitos sustentam que o CTN não poderia fazê-lo, porque a validade das normas jurídicas devem estar estabelecidas na Constituição Federal, e não na lei de normas gerais, e logo não haveria hierarquia entre o tratado e a lei interna.

Quando há duas normas antinômicas, os critérios para a resolução da contradi-ção são:

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– hierarquia;– especialidade;– cronologia;

Se há hierarquia, para aqueles que entendem que o art. 98 do CTN pode estabe-lecer essa hierarquia, não há controvérsias, pois vai prevalecer sempre o tratado. Essa é a doutrina majoritária. Mas há uma outra corrente que nega essa hierarquia, e vai resolver o problema pela questão da especialidade, ou seja, o tratado, geralmente, é especial em relação à lei interna, porque a lei interna é a lei de incidência e o tratado, em regra, é uma lei de isenção; então (o tratado) vai prevalecer não por hierarquia, mas por especialidade.

Existem tratados genéricos, como o GATT. O art. VII do GATT define a base de cálculo do imposto de importação dos países signatários, havendo então uma antinomia entre lei interna genérica e tratado genérico; vale dizer, entre o art. 20, I, do CTN e o art. VII do GATT.

Não existe a figura da União na ordem internacional; ela é pessoa jurídica de di-reito público interno. Assim como os Estados e Municípios, a República Federativa do Brasil é que existe na ordem internacional, sendo composta pelas vontades da União, Estados e Municípios. Não se pode dizer que um país que adote o sistema fe-derativo não pode acordar com outros países matérias que, dentro do âmbito inter-no, sejam matérias dos Estados e Municípios. Isso seria isolar os regimes federativos dentro da ordem internacional, pois para fazer o Mercosul, por exemplo, teríamos que chamar todos os prefeitos, governadores e o Presidente do Brasil... e isso seria um absurdo. Os Estados não aparecem na ordem internacional.

No regime presidencialista, o Presidente da República não é só o chefe do Poder Executivo da União; ele é chefe de Estado, do Estado Federal. A decisão do Supre-mo deve ser no sentido da possibilidade do tratado internacional conceder isenção de tributo estadual e municipal.

Outra discussão interessante a respeito dos tratados internacionais em matéria tributária é o GATT. GATT é o acordo geral de tarifas aduaneiras e comércio – um tratado internacional que tem mais de cem países signatários e que veio ser o em-brião da chamada OMC (Organização Mundial do Comércio). Quando houve a criação da ONU, ocorreu a criação de vários institutos setoriais (FMI, OIT, OIC, etc.). Só que os Estados Unidos nunca aderiram à OIC, a qual nunca saiu do papel. Então o GATT funcionava não só como um tratado internacional, mas como uma instituição informal; não existia como uma pessoa jurídica de direito, ele era um tratado, mas informalmente, na ausência da OIC, vinha fazendo instituições de comércio. Com a criação da OMC na década de 1990, o GATT passa a ser apenas o tratado.

O GATT, entre outras medidas, estabeleceu um tratamento idêntico entre pro-dutos dos países signatários. Então, os países signatários se obrigavam a dar um tratamento ao produto estrangeiro similar ao que dão ao produto nacional, a partir de listas de produtos anexas ao GATT. O exemplo mais famoso é o do bacalhau: o Brasil e a Noruega são signatários do GATT e o bacalhau é um dos produtos na lista

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do GATT; assim, muito embora o Brasil não produza bacalhau, o STJ vislumbrou sua semelhança com o pirarucu, concedendo isenção tributária a este.

d) lei cOMPleMentar

Diz-se que lei complementar é a lei da federação, lei nacional, que vincula as três esferas jurídicas – União, Estados e Municípios –, ao contrário da lei federal que trata só da esfera da União. Essa idéia de lei complementar como lei nacional surge no Brasil no regime federativo.

O critério para escolher entre lei complementar e lei ordinária é casuístico; o constituinte elege determinada matéria como mais importante, exigindo lei com-plementar.

Se o Congresso tratar de matéria atribuída a lei complementar por lei ordinária, essa lei não vale, é inconstitucional. Se o Congresso tratar de matéria atribuída a lei ordinária por lei complementar, essa lei vale, mas formalmente será uma lei comple-mentar, apesar de ser materialmente uma lei ordinária.

Funções da lei complementar na constituição Federal de 1988

Art. 146, I, C.F.: “Cabe à lei complementar dispor sobre conflitos de compe-tência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.”

Tal dispositivo tem por finalidade esclarecer as zonas cinzentas onde há dúvidas sobre a competência tributária (por exemplo, propriedade imobiliária). Quem tem competência para tributar propriedade imobiliária? Se for rural, é de competência da União; se for urbana, do Município. Mas quem vai poder dar a definição de pro-priedade urbana e rural? Somente uma lei nacional. Então, a lei complementar vai dirimir o conflito de competência entre União, Estados e Municípios. Nesse caso, a lei complementar, que é o CTN, adotou o critério da localização (imóveis situados dentro da zona urbana do Município – IPTU; imóveis situados fora da zona urbana do Município – ITR).

Outro exemplo: há operações que envolvem a prestação de serviços e o forneci-mento de mercadorias (por exemplo, um restaurante). Quem tributa? O Estado ou o Município? O critério utilizado pelo CTN foi o seguinte: o que estiver constante na lista de serviços do ISS é tributado pelo município; por outro lado, o que estiver fora da lista de serviços será tributado pelo Estado através do ICMS.

Art. 146, II, C.F.: “Cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.”

Da simples leitura de tal dispositivo nota-se que a segunda função da lei comple-mentar não é criar limitações ao poder de tributar, mas regular as limitações cons-

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titucionais ao poder de tributar. Essas limitações consubstanciam-se nos princípios que vimos anteriormente (legalidade, isonomia, irretroatividade etc.).

Todas essas limitações têm que estar expressas no texto constitucional ou nas leis específicas dos entes da Federação, sendo vedado às leis complementares (só nacio-nais) instituir novas limitações, sob pena de suspensão da competência da União, Estado e Municípios.

Art. 146, III, C.F.: “Cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em ma-téria de legislação tributária.”

A lei complementar define conceito de tributos e suas espécies. Em relação aos impostos, é a lei complementar o instrumento legislativo legítimo para definir seus respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Isso porque, se cada Município brasileiro pudesse definir um fato gerador diferente para o ISS, ou um contribuinte diferente para o ISS, haveria pessoas que pagariam duas ou mais ve-zes o mesmo tributo. É preciso, portanto, uma definição nacional sobre esses três elementos essenciais da obrigação tributária, de modo a garantir uma verdadeira uniformização nacional.

Quando se fala que algumas contribuições têm fato gerador de imposto, como a COFINS, o PIS e a Contribuição Sobre o Lucro, isso não significa que elas sejam impostos, segundo o que o Supremo já definiu.

Lançamento é o procedimento que vai constituir o crédito. Prescrição e deca-dência são modalidades de extinção do crédito. Há decisões do STF e do STJ no sentido de que, em relação aos fatos geradores ocorridos antes de 1988, não havia necessidade de prever causas de suspensão da prescrição em lei complementar.

Quando se fala que cabe à lei complementar dar adequado tratamento tributário ao ato cooperativo, não está-se criando nenhuma imunidade, nem isenção. Aqui, não se diz que o ato cooperativo está livre do pagamento de tributos. Diz-se, tão-somente, que o legislador deve considerar várias especificidades das cooperativas, ou seja, a Constituição Federal reconhece haver uma distinção legítima entre a coope-rativa e as outras pessoas jurídicas.

Há uma questão interessante: a Lei Complementar nº 70, que instituiu a CO-FINS (que não precisava ser instituída por lei complementar, pois não tem eficácia passiva de lei complementar), no art. 6º, tinha uma isenção para a cooperativa, e essa isenção foi revogada por medida provisória. Os contribuintes mais apressados disseram que não pode medida provisória revogar lei complementar por uma ques-tão de hierarquia (neste particular, tendo em vista que a Lei Complementar nº 70 é materialmente ordinária, tal entendimento não se afigura correto). Os contribuin-tes mais tecnicistas, espertos, disseram que a Lei Complementar nº 70, no que trata das cooperativas, é lei complementar por força do art. 150, III, c, da C.F., e sobre isso os tribunais ainda não se manifestaram.

Então, essa é a função da lei complementar, como lei nacional, como lei de nor-mas gerais. Existem outros dispositivos da Constituição Federal que pedem casuis-ticamente lei complementar, como a instituição do imposto sobre grandes fortunas,

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a instituição de empréstimo compulsório, a instituição de impostos e contribuições da seguridade social (de competência residual da União).

c) Perguntas

• Existehierarquiaentreostratadosinternacionaiseasleistributáriasinter-nas?

• Qualopapeldesenvolvidopelasleiscomplementaresnosistematributárionacional?

• Élegítimaainstituiçãodetributoporleiordináriaqueestabeleça,origina-riamente, a respectiva alíquota e base de cálculo?

d) casO geradOr

O artigo III do Acordo Geral de Tributação (GATT) estabeleceu que o trata-mento tributário entre produto nacional e seu respectivo ou similar estrangeiro deve ser isonômico em relação às operações internas.

Considerando que as normas provenientes de tratados internacionais ingressam no ordenamento jurídico nacional com força de lei federal, analise a validade de lei estadual que institui a cobrança de ICMS sobre a importação de bacalhau de Por-tugal, quando, nas operações internas, esse produto recebe o tratamento de isento. (AgRg no Ag 438.449-STJ, Súmula 71)

O artigo 7º do Decreto nº 350/91, que deu validade ao Mercosul, estipu-lou que haveria de haver tratamento paritário entre os produtos alienígenas e nacionais no que é pertinente às isenções de impostos, taxas e outros gravames internos.

Considerando que o Estado do Rio Grande do Sul, através da Lei nº 10.908/96, conferiu isenção de ICMS à comercialização de leite neste Estado, a empresa LE-BEN REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS impetrou mandado de segurança ob-jetivando impedir a prática de qualquer ato a ser praticado pelas autoridades fiscais gaúchas no sentido de exigi-la o pagamento do ICMS (supostamente) incidente sobre o leite importado do Uruguai.

Na qualidade de juiz da causa, analise a pretensão da empresa. (RESP 480.563)

e) Questões de cOncursO

(Juiz do tribunal Regional Federal da 5ª Região)1. Em nosso sistema tributário, há consenso no sentido de que os tratados interna-cionais, firmados pelo Presidente da República,

a) se sobrepõem às normas internas de qualquer hierarquia, mesmo constitu-cional.

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b) somente podem dispor sobre matéria tributária de competência da União. c) aplicam-se no âmbito federativo federal, estadual e municipal, desde que

ratificados pelas respectivas Casas Legislativas. d) podem modificar a legislação tributária interna se forem ratificados por de-

creto legislativo do Congresso Nacional. e) não podem dispor sobre exonerações tributárias internas, de qualquer natu-

reza.

(Controladoria da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro)2. No que se refere à alíquota máxima do ITBI de competência do Município, é certa a afirmação de que lei complementar à Constituição Federal:

a) não pode estabelecê-la, sem que primeiro seja estabelecida a alíquota mínima;b) pode estabelecê-la, se necessário para a harmonização das alíquotas;c) pode estabelecê-la, supletivamente;d) não pode estabelecê-la;

(28º exame da oAB)3. Consoante com a Constituição Federal, caberá à lei complementar disciplinar determinadas matérias, EXCETO:

a) Instituição de impostos pela União com base em sua competência residual; b) Dispor sobre substituição tributária no ICMS; c) Concessão de subsídios ou isenção, redução de base de cálculo de impostos,

taxas e contribuições; d) Regular limitações constitucionais ao poder de tributar.

(19º exame da oAB)4. Com relação aos impostos discriminados na Constituição Federal, precisam ser necessariamente disciplinados por lei complementar:

a) O fato gerador, a base de cálculo e o prazo de recolhimento do tributo; b) O fato gerador, a definição de contribuinte e o prazo de recolhimento do

tributo; c) A definição de contribuinte, o fato gerador e a base de cálculo do tributo; d) O aumento de alíquota, o prazo de recolhimento e a base de cálculo do tri-

buto.

F) bibliOgraFia

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 1998.RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade,

Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

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125FGV DIREITO RIO

DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

TÔRRES, Heleno Tavares. Tratados e Convenções Internacionais em Matéria Tributária e o Federalismo Fiscal Brasileiro. Revista Dialética de Direito Tri-butário, São Paulo, dez. 2002, nº 86.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janei-ro: Forense, 2004.

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1.23. aula 23 – a lei ordinária e a medida provisÓria.

a) ObjetivO

A aula de hoje tem por finalidade apresentá-los às funções básicas desenvolvidas pelas leis ordinárias em nosso ordenamento tributário, bem como à origem das medidas provisórias e o seu papel como instrumento legislativo posto à disposição do Poder Executivo.

b) intrOduçãO

Lei ordinária é a lei instituidora do imposto, da taxa, da contribuição de melho-ria e da contribuição parafiscal. Assim, temos lei ordinária da União para os tributos da União, lei ordinária do Estados para os tributos dos Estados e lei ordinária dos Municípios para os tributos dos Municípios.

Como já vimos, quem cria o tributo é a lei ordinária. A Constituição Federal, tão-somente, reparte competências entre União, Estados e Municípios, enquanto a lei complementar estabelece normas gerais e, em relação aos impostos, prevê fato gerador, base de cálculo e contribuinte.

O direito tributário insere-se dentro da competência concorrente (não con-fundir competência concorrente no direito tributário com competência tributária concorrente). A competência tributária concorrente é quando a Constituição Fe-deral dá a mais de um ente competência para tributar uma determinada matéria. Por sua vez, a competência concorrente no direito tributário está prevista no art. 24, onde cabe à União estabelecer normas gerais, por lei complementar, e aos Es-tados suplementarem a legislação federal, por lei ordinária. Na competência con-corrente, quando a União não estabelece a lei de normas gerais, o Estado pode exercer a competência de forma plena. O Supremo, utilizando este dispositivo, combinado com o art. 34, § 3º, do ADCT, entendeu que o Estado podia cobrar o IPVA sem lei complementar.

Vale destacar, contudo, que este entendimento do Supremo tem como alicerce fundamental a impossibilidade de haver conflito de competência entre Estados pela ausência de lei complementar, eis que cada indivíduo, independentemente da defi-nição de fato gerador, base de cálculo e contribuinte, só vai registrar o seu carro em um Estado. Tanto é assim que, com o receio de haver conflito entre os Estados, o Supremo declarou inconstitucional a instituição do adicional do Imposto de Renda por parte dos Estados, uma vez que não havia normas gerais prevendo o fato gera-dor, a base de cálculo e o contribuinte.

A fundamental diferença (formal) existente entre lei complementar e lei ordi-nária é o quorum. Enquanto a primeira somente é aprovada por maioria absoluta, a segunda reclama, apenas, maioria simples (que é a maioria absoluta entre os pre-sentes).

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É interessante observar que a lei ordinária, ao instituir determinado tributo, não deve se limitar a tal função. É preciso que preveja, também, todos os elementos necessários à sua cobrança.

Ao prever o fato gerador, base de cálculo e contribuinte, não precisa a lei ordi-nária, simplesmente, copiar o que está na lei complementar. Pode (e deve) descer a minúcias. A lei complementar, nesse mister, é um simples limite dentro do qual o legislador ordinário está autorizado a atuar (exemplo: renda). O CTN é a lei com-plementar que define seu fato gerador como sendo a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou provento de qualquer natureza. Diante disso, o legislador ordinário prevê centenas de incidências desse imposto, bem como de possibilidades de sua dedução.

A medida provisória é um instrumento excepcional, por meio do qual o Poder Executivo legisla. Isso na história do Brasil é associado aos momentos de autoritaris-mo. Enquanto instrumento normativo, a medida provisória é pior que o Decreto-Lei (muito utilizado nos períodos ditatoriais).

O Decreto-Lei só podia ser baixado em três casos: finanças públicas, segurança nacional e cargos e salários da União. Já a medida provisória não tem essa limitação material.

Para a instituição do Decreto-Lei havia como requisitos a relevância e a urgência, e já naquela época o Supremo entendia que não cabia o exame dos requisitos de relevância e urgência.

Diante da polêmica, relacionada à (im)possibilidade de se criar tributo por De-creto-Lei, os militares aprovaram uma Emenda onde se afirmou a competência do DL para tratar de assunto relacionado às “finanças públicas, inclusive a instituição de tributos” (art. 55, I). A partir de então, passou a ser possível a instituição de tri-buto por decreto-lei.

Durante a Constituinte de 1988 esperava-se que o Decreto-Lei fosse banido do texto constitucional. Neste sentido, vale destacar que todo o discurso que rodeava a elaboração da nossa nova Carta Constitucional apresentava um caráter parlamenta-rista que, portanto, possuía a previsão da instituição da figura da medida provisória, que era um instrumento importado da Constituição italiana parlamentarista.

No parlamentarismo, a utilização da medida provisória não causa maiores es-tranhezas, uma vez que quem governa é o Parlamento. De fato, sendo o Primeiro-Ministro deputado, e sendo seu gabinete parte do parlamento (que exerce as fun-ções do Poder Executivo), nada mais natural que o Primeiro-Ministro poder baixar medidas provisórias ad referendum dos seus pares, porque ele governa em nome do Parlamento, ele dele (Parlamento) detém a confiança.

A este respeito, destaca-se que o Primeiro-Ministro que baixar uma medida pro-visória que não for aprovada pelo Parlamento cai, e o Parlamento tem que formar um novo gabinete. No momento em que o Parlamento não tem a maioria conso-lidada para formar um novo gabinete, o Presidente da República dissolve o Parla-mento e convoca novas eleições para que o povo forme um novo Parlamento.

A manutenção da medida provisória em um sistema presidencialista como o brasileiro ocasiona uma verdadeira hipertrofia do Poder Executivo. De 1988 para

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cá, o Poder Executivo através das medidas provisórias legislou o dobro que o Poder Legislativo. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Supremo teve uma grande oportunidade de romper com sua jurisprudência passada, e dizer que não se pode criar tributo através de medida provisória. Quando criaram a discussão sobre a possibilidade de examinar os requisitos da relevância e urgência da criação de medida provisória, o Supremo limitou-se a repetir a jurisprudência antiga, afir-mando que apenas em casos teratológicos seria possível esse exame.

O artigo 62, § 1º, da Constituição Federal institui uma série de vedações quanto às matérias que podem ser tratadas através de medida provisória; dentre elas: direito penal e processual civil, organização do Poder Judiciário, as diretrizes orçamentárias e aquelas reservadas a lei complementar.

O prazo de vigência da medida provisória é de sessenta dias, prorrogáveis por uma única vez. Na hipótese de rejeição da medida, ela perde sua eficácia desde a sua primeira publicação e é vedada a sua reedição na mesma sessão legislativa. Na hipótese de ser aprovada, será a mesma convertida em lei e seus efeitos serão consi-derados desde a sua primeira publicação.

Objetivando conter o grande número de medidas provisórias que vinham sendo editadas, vale destacar que a Emenda Constitucional nº 32/2001, dando nova reda-ção ao artigo 246 da CRFB/88, vedou a edição de medida provisória relacionada a artigo da Constituição que tenha sido alterado entre os anos de 1995 e 2001.

Atualmente, o Poder Executivo não tem encontrado maiores entraves na ins-tituição de novas espécies tributárias através de medida provisória, valendo citar como exemplo a instituição das contribuições ao PIS-Importação e COFINS-Im-portação, instituídas pela Medida Provisória nº 164/04, posteriormente convertida na Lei nº 10.865/05.

c) Perguntas

• Quaissãoasfunçõesbásicasdaleiordináriaemnossosistematributário?• Qualotipoderelaçãoquealeiordináriadevemantercomadelimitaçãoda

base de cálculo, contribuinte e fato gerador de determinado imposto cons-tante em lei complementar?

• Quaissãoosrequisitosbásicosparaaediçãodemedidaprovisória?• Épossívelainstituiçãodemedidaprovisóriaparaainstituiçãodeimpostos

da competência residual da União Federal?

d) casO geradOr

A impetrante, funcionária pública federal aposentada, ajuizou ação de mandado de segurança contra ato do Ministro da Administração e Reforma do Estado, o qual, com arrimo na MP n. 1.415/96 e respectivas reedições, lhe exigiu contribui-ção previdenciária. Alegou que a MP padecia de inconstitucionalidade, uma vez

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que a CF, em seu art. 195, II, fala em “trabalhadores” (e não “aposentados”). Argu-mentou, mais, que não se pode, a teor do inciso IV do art. 194, reduzir benefícios já adquiridos e incorporados.

Levando em consideração o disposto no artigo 154, I, da Constituição Federal, analise a presente questão. (AI no MS 4.993/DF – Corte Especial do STJ)

Objetivando questionar o momento em que as modificações na exigência do PIS, instituídas pela MP 1.212, entraram em vigor, a empresa MOTOMAQ MO-TORES E MÁQUINAS LTDA. propôs ação junto ao Poder Judiciário requerendo que fosse o prazo da anterioridade nonagesimal contado da data da publicação da reedição da Medida Provisória que logrou em ser convertida em lei, e não da data da sua publicação originária.

Em conformidade com o que estudamos na aula de hoje, merece provimento o pedido formulado pela empresa? Justifique.

e) bibliOgraFia

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 1998.MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade,

Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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1.24. aula 24 – a lei deleGada, o decreto leGislativo e resoluções. o reGulamento

a) ObjetivO

A presente aula tem por finalidade apresentá-los a espécies normativas diferentes daquelas até hoje estudadas, cuja fiel observância dos seus requisitos formais e ma-teriais afigura-se de extrema importância na verificação da sua validade.

b) intrOduçãO

lei delegada

Prevista no artigo 68 da CRFB/88, é aquela em que o Presidente da República pede autorização do Congresso Nacional para sua elaboração. Na prática, não existe mais lei delegada no Brasil. De fato, não se precisa de delegação quando se tem competência originária para editar medida provisória.

Alguns autores discutem se é possível regular por medida provisória, convertida em lei por maioria absoluta, matéria reservada à lei complementar. O entendimento é que não, porque medida provisória não se traduz em delegação. Assim, quando a Constituição Federal fala que a medida provisória tem força de lei, refere-se a lei ordinária.

O Congresso confere ao Presidente da República a delegação através de uma re-solução do Congresso. Essa resolução pode conceder uma delegação ampla ou uma delegação restrita. Na delegação ampla, o Poder Legislativo oferecerá ao Poder Exe-cutivo competência para elaborar a lei. Então, o Presidente faz, promulga, sanciona e a publica. Na delegação restrita, o Poder Legislativo confere ao Presidente compe-tência para fazer o projeto de lei delegada, projeto este que voltará ao Congresso. O Congresso, através de votação única e unicameral, aprovará (ou não) o projeto de lei sem possibilidades de emendas.

resoluções e decretos legislativos

Esses dois institutos são parecidos, eis que ambos tratam de matéria de com-petência exclusiva do Poder Legislativo. Aqui não há que se falar em sanção, iniciativa e veto do Presidente da República. A Constituição Federal separa as matérias de competência do Congresso Nacional (que chama de exclusivas) e as da Câmara e do Senado (que chama de privativas) – artigos 49 e 52. A diferença de competência exclusiva para competência privativa é que a privativa pode ser delegada enquanto a exclusiva é indelegável. Neste particular, vale destacar que o artigo 68 da CRFB, na verdade, está se referindo à competência exclusiva da Câmara e do Senado.

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Quando é usado o decreto legislativo e quando é usada a resolução? Se for com-petência da Câmara, usa-se Resolução; se for competência do Congresso, pode-se usar um ou outro. A Constituição Federal reclama a utilização de um e do outro casuística e indiscriminadamente. Nas hipóteses de silêncio constitucional, deve-se ir ao regimento interno do Congresso Nacional, que estabelece regras residuais.

regulamento

O Regulamento tem a função de dar execução às leis e aos tratados. O professor Hely Lopes Meirelles prevê a possibilidade não só do regulamento de execução, mas também do chamado regulamento autônomo, que buscaria seu fundamento de validade diretamente na Constituição Federal, e não na lei. Segundo alguns autores, o regulamento autônomo seria aplicado sob três requisitos:

– Ausência de lei;– Reserva de lei;– Supremacia da lei.

Dessa forma, somente poderia ser utilizado o regulamento autônomo na hi-pótese de não existir lei tratando da matéria. Só poderia tratar de matéria se não fosse reservada à lei, como a criação dos tributos, por exemplo. Seria revogado pela superveniência de lei.

Modernamente, a doutrina administrativista não aceita a existência do Regula-mento autônomo no Brasil. Essa é a regra extraída do artigo 84, IV, da CRFB/88. No entanto, é preciso reconhecer que a regra comporta exceções previstas pela pró-pria Constituição Federal (por exemplo, o artigo 237). O Ministério da Fazenda não faz lei. A este respeito, o importante é destacar que corresponde a uma competência atribuída ao Poder Executivo e que, dentro dessa competência, o Poder Executivo baixa atos infralegais que vão buscar seus fundamentos de validade diretamente na Constituição Federal (é uma exceção).

O decreto é ato emanado pelo chefe do Poder Executivo (Presidente, Governa-dor e Prefeito). As normas complementares estão previstas no art. 100 do CTN e correspondem a todos os atos de hierarquia inferior ao decreto, expedidos por autoridades que não o chefe do Poder Executivo – Ministro, que baixa portaria, e Secretário da Receita, que baixa instrução normativa, são exemplos.

As decisões dentro do PAF (Processo Administrativo Fiscal) só valem para o interessado, para aquele contribuinte que impugnou o lançamento. No entanto, a lei poderá prever que uma autoridade atribua eficácia normativa a determinada decisão. Por exemplo: a lei diz que o Ministro da Fazenda pode dar efeitos nor-mativos a uma decisão do Conselho de Contribuintes. Nesse caso, todos os órgãos julgadores vinculados ao Ministério da Fazenda vão ter que adotar a mesma pos-tura. É uma espécie de súmula vinculante na esfera administrativa. Essa decisão normativa vale para todos; a decisão no processo vale só para um determinado contribuinte.

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Não há muito espaço para o costume no direito tributário em face do princípio da legalidade.

c) Perguntas

• Oquevemaserleidelegada?• PodeoPresidentedaRepúblicalegislarsobrematériadecompetênciaexclu-

siva do Congresso Nacional?• ExisteafiguradoRegulamentoautônomonoordenamentojurídicobrasileiro?• Emnossoordenamentojurídicoexistealgumaespécienormativafederalque

dispense a participação do Presidente da República?

d) casO geradOr

O Estado do Rio Grande do Sul, através da Lei Estadual nº 8.820/89, previu a faculdade de redução da base de cálculo do ICMS para até 58,33% ou 41,17% nas operações com mercadorias integrantes da cesta básica.

Objetivando regulamentar a concessão deste benefício, o Regulamento do ICMS deste Estado condicionou sua concessão àquelas hipóteses em que o contribuinte não incorresse na prática de irritualidades fiscais, como a ausência de emissão de notas fiscais, por exemplo.

Tendo a Fiscalização gaúcha percebido que a empresa do Sr. Paulo havia deixado de emitir determinadas notas fiscais, foi lavrado o respectivo Auto de Infração para exigir, além da multa pelo descumprimento de obrigação acessória, o pagamento in-tegral do ICMS devido na operação sem a concessão do benefício fiscal decorrente da venda de mercadorias integrantes da cesta básica.

Considerando que a presente exigência foi realizada, estritamente, com base no que é disposto pelo Regulamento, analise a correção do procedimento levado a cabo pela autoridade fiscal do Estado do Rio Grande do Sul.

e) QuestãO de cOncursO

(Advocacia Geral da União – 2004)1. Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue o seguinte item: (verda-deiro ou falso):

___ O prazo para o recolhimento do tributo, por se tratar de elemento que tem repercussão na definição do montante a ser recolhido, deve ser definido em lei, não podendo ser estabelecido tão-somente em regulamento.

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133FGV DIREITO RIO

DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

F) bibliOgraFia

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 1998.RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade,

Não-Surpresa, e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro:Renovar, 2003.

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134FGV DIREITO RIO

DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

1.25. aula 25. viGência e aplicação da lei tributária.

a) ObjetivO

A presente aula tem por finalidade oferecer-lhes uma noção sobre as especificida-des acerca da vigência da lei tributária, suas hipóteses de retroação, bem como regras básicas sobre sua aplicação.

b) intrOduçãO

vigência da norma tributária

Em princípio, aplicamos as regras de vigência relativas às normas jurídicas. A lei, seja ela tributária ou não, passa a existir depois de sua sanção, promulgação e publi-cação pelo Chefe do Poder Executivo. Promulgada, a lei já existe, mas não está em vigor. A publicação dá ciência a todos os jurisdicionados da existência da lei. Mas a lei pode estar publicada e ainda não estar vigente.

Segundo o artigo 8º da Lei Complementar 95/98, a Lei deve dispor expres-samente sobre a sua vigência, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão.

Ocorre que quase todas as leis – notadamente as de natureza tributária – por força de seu próprio texto, só entram em vigor na data da publicação. Nesse caso, temos o problema da anterioridade. Observemos: a lei, ao entrar em vigor hoje, já torna possível a cobrança de tributo? Não, porque, embora já esteja vigente, não atingiu ainda sua eficácia plena.

A lei, se não for temporária, permanece em vigor até que seja revogada expressa ou tacitamente por outra. De acordo com o § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (DL nº 4.657/42): “A lei posterior revoga a anterior quando expressa-mente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

O conflito entre duas leis vigentes resolve-se por meio dos critérios da hierarquia, da especialidade e da ordem cronológica. O conflito entre o critério hierárquico e os demais resolve-se pela prevalência do primeiro. Já entre o critério cronológico e o da especiali-dade, prevalece o último. Em relação aos princípios e valores, tais métodos nem sempre são suficientes, devendo o hermeneuta lançar mão da ponderação de interesses.

Do ponto de vista espacial, a lei municipal tem vigência no território do muni-cípio; a estadual, no território do estado; e a lei federal tem vigência no território nacional. Porém, há a possibilidade da extraterritoriedade da lei, ou seja, da vigência da lei fora do território da entidade legiferante. O artigo 102 do CTN prescreve que a lei municipal e a lei estadual terão vigência fora do território das entidades tributantes, se assim for reconhecido em convênio e se for reconhecido em lei de normas gerais.

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Por sua vez, a lei federal vai ter vigência fora do território brasileiro quando assim for reconhecido por tratado internacional, como, por exemplo, nos casos dos trata-dos para evitar a dupla tributação.

aplicação da norma tributária

O art. 105 do CTN prevê que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do artigo 116. Fato gerador pendente é aquele que começou, mas não terminou.

No entanto, a aplicação da lei tributária ao fato gerador pendente, segundo a doutrina majoritária, viola os princípios da anterioridade e da irretroatividade. A Súmula 584 do STF, porém, consagra a aplicação da lei tributária ao fato gerador pendente.

Por sua vez, o artigo 106 do CTN prevê as hipóteses de retroatividade da lei no direito tributário. Essas hipóteses limitam-se quando seja expressamente interpreta-tiva, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados e, ainda, tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou

omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

c) Perguntas

• Apóssuasançãoepublicação,écorretaaafirmaçãodequealeitributáriajáse encontra em pleno vigor?

• Aleitributáriamunicipaléhierarquicamentesuperioràleitributáriafederal?• Podealeitributáriaseraplicadasobrefatosgeradoresocorridosnopassado?

d) casO geradOr

Em 09 de fevereiro de 2005, foi publicada a Lei Complementar nº 118, que, com a proposta de estabelecer normas sobre a repercussão da falência no direito tributário, dispôs, expressamente, sobre a interpretação a ser conferida ao artigo 168, I, do CTN.

A este respeito, o seu artigo 3º afirmou que a extinção do crédito tributário ocorre, nos caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do artigo 150 do CTN.

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A letra desse dispositivo veio contrariar posicionamento pacificado do STJ sobre o assunto.

De fato, em se tratando de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, vale dizer, tributos cuja atividade de apuração e recolhimento do contribuinte encontra-se sujeita a homologação da autoridade fiscal, a esmagadora doutrina e jurisprudên-cia pátria vinham entendendo que o prazo para o contribuinte requerer a devolução de valores indevidamente recolhidos era de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco após a sua extinção pela homologação tácita do lançamento, nos termos do artigo 150, § 4º, do CTN.

A nova “interpretação” imposta pelo mencionado artigo 3º da LC 118/05, contudo, ao considerar que o pagamento, por si, extingue o crédito tributário, passou a reduzir esse prazo (que era de dez) para cinco anos (agora, contados do pagamento).

Considerando que o STJ já tinha posicionamento consolidado sobre a concessão do prazo de dez anos para a repetição do indébito tributário e que o artigo 3º, da LC 118/05, embora faça expressa menção ao termo “interpretação”, vem a fixar novo entendimento sobre o assunto, analise a possibilidade deste dispositivo operar efeitos retroativos.

e) Questões de cOncursO

(27º exame da oAB)1. A retroatividade da lei, no Direito Tributário:

a) É impossível.b) É admitida somente quanto a leis meramente interpretativas.c) É admitida quanto a leis meramente interpretativas e relativamente a leis que

reduzam penalidades ou deixem de definir determinados atos como infração tributária.

d) Nenhuma das alternativas acima.

(22º exame da oAB)2 - Tem efeito retroativo, aplicando-se a ato ou fato pretérito, a lei tributária que:

a) Comine penalidade menos severa do que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática;

b) Disponha sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário; c) Estabeleça hipóteses de redução de alíquota ou de base de cálculo; d) Defina o fato gerador da obrigação tributária principal.

F) bibliOgraFia

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. atu-alizada por Misabel de Abreu Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

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RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

_____. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

_____. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol. III, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

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1.26. aula 26 – interpretação e inteGração da lei tributária

a) ObjetivO

Iremos hoje estudar a sistemática de interpretação das normas tributárias, sua relação com o direito privado, bem como os instrumentos postos à disposição da Administração Pública e do contribuinte para solucionarem determinadas opera-ções diante de lacuna legal.

b) intrOduçãO

No direito tributário, onde não há interpretação de acordo com uma metodolo-gia especial, vários autores têm defendido a pluralidade metodológica aqui e alhures. Sendo certo que o processo de interpretação da lei tributária vai seguir os mesmos passos trilhados na teoria geral do direito, é inevitável reconhecer que os métodos de interpretação são concebidos a partir de uma visão pluralista, não havendo que se cogitar de hierarquia entre eles, que têm igual peso, “variando a sua importância de acordo com o caso e com as valorações jurídicas na época da aplicação”.

No entanto, e a despeito da ausência de especificidade em relação à interpreta-ção no direito tributário, não se deve ignorar que os fins almejados pela lei fiscal, a serem perquiridos em atendimento ao aspecto teleológico da interpretação, levam a uma consideração econômica do fato gerador, conforme reconhecido por Engisch, desde que sejam descontados os excessos praticados pelas escolas causalistas domi-nantes na era da jurisprudência dos interesses.

a consideração econômica como reflexo do método teleológico do direito tributário

A partir do sentido literal possível das palavras utilizadas pelo legislador é que podemos pesquisar a influência das acepções já utilizadas pelo direito civil, e que são encontradas na legislação tributária. Assim, Beisse, a partir da metodologia de Larenz e das decisões do Tribunal Federal de Finanças da Alemanha, estabe-leceu uma sistemática cuja aplicabilidade traz benefícios ao tema da relação do direito tributário com o direito civil, não só para aquele país mas também para outros sistemas jurídicos, como o nosso, a despeito das inócuas regras do CTN brasileiro.

Ricardo Lobo Torres, em lição que não discrepa da sistemática de Beisse, sustenta que a interpretação será mais ou menos vinculada ao critério econômico, de acordo com o tributo em exame. Assim, os impostos sobre a propriedade se baseiam numa interpretação que preserva os conceitos de direito privado; já os impostos sobre a renda e o consumo, por se constituírem de conceitos tecnológicos ou elaborados pelo próprio direito tributário, melhor se abrem à interpretação econômica.

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a interpretação da lei tributária no brasil

No Brasil, os problemas relativos à interpretação da lei tributária devem-se, em grande parte, ao positivismo formalista de nossa doutrina, o que acabou por influen-ciar nossa legislação, em especial o CTN, que, no capítulo relativo à interpretação da lei tributária, cria regras que se chocam, determinando a adoção de métodos hermenêuticos apriorísticos. E o que é pior: métodos inteiramente contraditórios, sendo reivindicados tanto pelos formalistas, defensores de uma interpretação civi-lística, como pelos seguidores da teoria da interpretação econômica do fato gerador, como apontado por Ricardo Lobo Torres.

De fato, a primeira parte do artigo 109 do CTN parece optar por uma inter-pretação civilística, ao determinar que os princípios gerais do direito privado são utilizados para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas. Mas sugere conclusão diversa, que acena para o critério econô-mico, ao estabelecer que os efeitos tributários de tais institutos podem ser definidos pela lei tributária.

Qualquer conclusão fica ainda mais tormentosa, se interpretarmos a referida norma juntamente com o art. 110 do CTN, segundo o qual a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, dos Estados e Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Assim, num primeiro momento, a norma parece optar pela orientação civilista. Mas limitando sua disciplina aos conceitos consti-tucionais, o art. 110 não estaria autorizando o critério econômico para os demais casos? A resposta é complicada. Os dois artigos são dúbios, contraditórios e inúteis, na medida em que nada contribuem para o intérprete da lei tributária.

Por sua vez, o artigo 118 esvazia a possibilidade de uma interpretação civilísti-ca, ao desconsiderar, na interpretação do fato gerador, a validade jurídica dos atos efetivamente praticados e de seus efeitos efetivamente ocorridos. Nota-se que o dis-positivo revela-se dispensável, como quase todas as normas interpretativas, uma vez que a consideração econômica deriva dos princípios ético-jurídicos e da natureza dos atos econômicos praticados pelo contribuinte.

Se o citado artigo tem um mérito, é o de desautorizar a teoria, dominante en-tre a nossa doutrina positivista, da prevalência da forma jurídica sobre a essência econômica do fato jurídico escolhido pelo legislador como hipótese de incidência tributária.

Porém, deve ser evitado o entendimento, que poderia brotar do exame exclusi-vamente literal do dispositivo em comento, segundo o qual, a ocorrência do fato gerador não depende da eficácia do negócio jurídico (resultados efetivamente ocor-ridos). Se a forma jurídica não é relevante, a ponto de ser tributável o ato ilícito ou inválido, do ponto de vista do direito civil ou comercial, o mesmo não se pode dizer do ato ineficaz.

É que a ineficácia do ato não se prende necessariamente à sua invalidade ou ilicitude, uma vez que a produção de efeitos poderá se dar a despeito de sua irre-

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gularidade jurídica, devendo ser tributado, na forma do art. 108, já que ocorrido o fato gerador. No entanto, se a invalidade do ato evita a sua produção de efeitos no mundo fático, não ocorre o fato gerador, inexistindo capacidade contributiva a ser tributada.

Como bem observa Ricardo Lobo Torres, a disciplina do art. 118 do CTN é despicienda, já que a solução por ele proposta deriva dos próprios princípios da legalidade e da capacidade contributiva.

No entanto, como a atividade hermenêutica, atividade do espírito humano que é, não se vincula a regras interpretativas, há quase consenso, nos meios jurídicos tributários quanto à inserção da norma fiscal no ordenamento jurídico geral, e em conseqüência, à necessidade de superação de uma forma peculiar de interpretar a lei tributária, a despeito das regras interpretativas previstas no CTN.

O passo seguinte será, portanto, a consolidação entre os operadores e estudiosos do direito tributário brasileiro, de uma tendência, ainda muito incipiente nesse iní-cio de século XXI, valorizadora do tema da justiça para a defesa do direito do con-tribuinte, não só sob uma perspectiva individual, para principalmente com vistas à criação de um sistema tributário nacional efetivamente justo.

Reflexo dessa tendência, empurrada pelo princípio da transparência, é a adoção, em nosso país, de medidas já consagradas em várias nações como as cláusulas antie-lisivas, a flexibilização do sigilo bancário e o fortalecimento dos direitos dos contri-buintes como contrapartida às novas armas obtidas pela Administração Tributária.

A partir do elemento lógico-sistemático, torna-se fácil compreender que o fato gerador da lei tributária, fixado em lei ordinária – salvo nos casos de empréstimo compulsório (art. 148, CF), de imposto sobre grandes fortunas (art. 153, VI, CF) e de tributos residuais (art. 154, I, e art. 195, § 4º, ambos da CF), em que sendo a lei de incidência uma lei complementar, esta é que deverá definir o fato gerador –, deve se adequar ao dispositivo constitucional, que confere competência à União, Esta-dos, Distrito Federal e Municípios para instituir tributos, e à lei de normas gerais de direito tributário (CTN), bem como, em relação aos impostos, à lei complementar definidora do fato gerador, da base de cálculo e dos contribuintes (art. 146, III, a, da Constituição Federal).

Aqui, sim, temos uma peculiaridade brasileira que, embora esteja longe de ter os efeitos apontados pelos formalistas, deriva de uma repartição constitucional de competências tributárias bastante detalhada (no direito comparado, só a Consti-tuição alemã apresenta uma repartição constitucional de competências entre os entes da Federação semelhante, embora não tão detalhada como a nossa) e da figura uniformizadora da lei complementar (espécie normativa só encontrada no Brasil).

Se essas singularidades não impõem uma tipicidade fechada ou um maior peso à segurança jurídica, em sua ponderação com a justiça, ao menos recomendam, ao aplicador, uma maior cautela no manejo do método lógico-sistemático, a fim de interpretar o fato gerador do imposto de acordo com a lei complementar definidora do fato gerador, da base de cálculo e dos contribuintes, bem como com o dispositi-vo constitucional definidor da competência tributária.

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integração da legislação tributária

A interpretação sempre pressupõe a existência de norma jurídica a ser analisada. Na verdade, somente se interpreta o que existe para ser interpretado. Todavia, é comum a necessidade de se decidir sobre casos para os quais inexiste previsão legal específica. Daí dizer-se existirem lacunas na lei (ressalve-se que parte da doutrina entende que inexiste lacuna na lei).

Contudo, se a lei tem lacunas, o ordenamento jurídico não as tem. Por isso, o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito”, consagrando o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

A esse sistema de apreciar e revestir de juridicidade, os casos que não estão ex-pressamente previstos em lei chama-se integração.

O CTN estabelece que, na ausência de disposição expressa, a autoridade com-petente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem in-dicada, a analogia, os princípios gerais de direito tributário, os princípios gerais de direito público e a eqüidade (art. 108).

Parte da doutrina critica esse dispositivo por entender que a ordem estabeleci-da no artigo não obriga ao intérprete por não ser ela obrigatória, mas meramente exemplificativa, sob o fundamento de que os princípios se sobrepõem às próprias leis e muito mais à analogia, não podendo admitir-se, portanto, que esta venha em primeiro lugar do que aqueles.

analogia

Quando falta disposição expressa, a autoridade deverá buscar no ordenamento jurídico norma que discipline matéria semelhante, de modo que a razão da disciplina expressa nessa matéria possa aplicar-se àquela: havendo a mesma razão, há de haver a mesma solução. Isso é analogia.

Assim, por exemplo, no caso da restituição do imposto pago indevidamente, há previsão expressa de correção monetária dos débitos fiscais, mas, em determi-nados casos, não havia autorização legal para a correção do tributo na “repetição do indébito” (devolução do indevido). O Supremo Tribunal Federal, empregando a analogia, entendeu devida a correção monetária também nessa última hipótese, pontificando não haver nisso ofensa ao art. 167 do CTN, mas exata aplicação dele, bem como do art. 108 do CTN, que prevê o emprego da analogia (RE 75.239, RTJ 75/482, e os acórdãos nele citados).

Entretanto, o próprio CTN, no seu artigo 108, § 1º, veda que por meio do em-prego da analogia resulte exigência de tributo não previsto em lei. Deve-se observar, todavia, que, por decorrência do princípio da legalidade, igualmente, não poderá ser utilizada a analogia para criar outras obrigações que não se encontrem expressas na lei, sob pena de se criar incerteza e insegurança jurídicas.

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c) Perguntas

• Expliqueahierarquiaexistenteentreosmétodosdeinterpretaçãoliteral,his-tórico, sistemático e teleológico no direito tributário.

• Podealeitributáriaserinterpretadasoboaspectomeramenteeconômico?• Expliqueacontradiçãoexistenteentreoartigo109e110doCTN.• Qualadiferençaentreinterpretação,integraçãoeanalogianodireitotribu-

tário?

d) casO geradOr

O ISS é um imposto municipal cuja incidência, prevista constitucionalmente, dá-se sobre a prestação de serviços de qualquer natureza.

Em observância ao princípio da legalidade, faz-se necessário que todos os ser-viços passíveis de incidência desse imposto estejam descritos em lei, que, no caso, deve ser lei complementar.

Posto isso, a Lei Complementar nº 116/03, que atualmente trata de questões relacionadas ao ISS, prevê em sua lista de serviços que o ISS incidirá sobre diversas atividades, como a locação de andaimes. Diante desta previsão complementar, a lei do ISS no Município do Rio de Janeiro, em linha com o texto complementar, também instituiu a exigência do ISS sobre essa atividade.

Irresignada com esta previsão, a empresa “X”, cuja atividade social consiste na locação de andaimes, impetra um Mandado de Segurança preventivo com pedido de liminar voltado a impedir que lhe seja exigido o recolhimento do imposto so-bre sua atividade de alugar andaimes. Como fundamentação ao seu pedido, dentre diversos argumentos, a empresa sustenta que, sendo a prestação de serviços (nos termos em que definido pelo direito privado) uma típica obrigação de fazer, não há como se admitir que o legislador tributário pretenda exigir o recolhimento do ISS sobre a atividade de locação de andaimes, cuja natureza é típica de obrigação de dar (entendimento este pacificado pelo STF).

Diante deste cenário, analise a pretensão manifestada pela empresa.

e) Questões de cOncursO

(Fiscal de Contribuições Previdenciárias do iNSS – 1997)1. Com relação à interpretação da legislação tributária, segundo o CTN, julgue os itens a seguir:

a) O emprego da analogia, em algumas hipóteses, pode resultar na exigência de tributo não expressamente previsto na lei.

b) O emprego da equidade não pode resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

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c) Não se admite a utilização de princípios de direito privado no direito tribu-tário, que é de índole estritamente pública.

d) A legislação que disponha sobre outorga de isenção pode ser interpretada ampliativamente, para abarcar situações não-incluídas na previsão legal, de modo a atender o princípio da isonomia.

e) A lei tributária pode, em alguns casos, ser interpretada da maneira mais favo-rável ao contribuinte acusado de infração a dever legal.

(Procurador da Fazenda Nacional de 1998)2. O esclarecimento do significado de uma lei tributária por outra posterior confi-gura a chamada interpretação

a) ontológica;b) científica;c) integrada;d) autêntica;e) evolutiva.

F) bibliOgraFia

Idem à aula anterior.

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ricardo lodiDoutor em Direito e Economia pela uGF. Mestre em Direito Tributário pela ucaM.professor da FGV e dos cursos de pós-graduação da uFF e da FDc.coordenador e professor dos cursos de pós-graduação da FGV.procurador da Fazenda nacional (licenciado). advogado-consultor.

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DIREITO TRIbuTáRIO E FInanças públIcas I

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen lealPRESIDEnTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Fernando PenteadoVIcE-DIRETOR aDMInIsTRaTIVO

luís Fernando SchuartzVIcE-DIRETOR acaDÊMIcO

Sérgio GuerraVIcE-DIRETOR DE pÓs-GRaDuaçÃO

luiz Roberto AyoubpROFEssOR cOORDEnaDOR DO pROGRaMa DE capacITaçÃO EM pODER JuDIcIáRIO

Ronaldo lemoscOORDEnaDOR DO cEnTRO DE TEcnOlOGIa E sOcIEDaDE

Evandro Menezes de CarvalhocOORDEnaDOR acaDÊMIcO Da GRaDuaçÃO

Rogério BarceloscOORDEnaDOR DE EnsInO Da GRaDuaçÃO

Tânia RangelcOORDEnaDORa DE MaTERIal DIDáTIcO

Ana Maria BarroscOORDEnaDORa DE aTIVIDaDEs cOMplEMEnTaREs

Vivian Barros MartinscOORDEnaDORa DE TRabalHO DE cOnclusÃO DE cuRsO

lígia Fabris e Thiago Bottino do AmaralcOORDEnaDOREs DO núclEO DE pRáTIcas JuRÍDIcas

Wania TorrescOORDEnaDORa DE sEcRETaRIa DE GRaDuaçÃO

Diogo PinheirocOORDEnaDOR DE FInanças

Milena BrantcOORDEnaDORa DE MaRKETInG EsTRaTÉGIcO E planEJaMEnTO