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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE FÍSICA DE SÃO CARLOS LICENCIATURA EM CIÊNCIAS EXATAS DISCIPLINA BIOLOGIA 3 INTRODUÇÃO À MICROBIOLOGIA Nelma R. Segnini Bossolan 2002

apostila microbiologia

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULOINSTITUTO DE FSICA DE SO CARLOSLICENCIATURA EM CINCIAS EXATAS

    DISCIPLINA BIOLOGIA 3

    INTRODUO MICROBIOLOGIA

    Nelma R. Segnini Bossolan

    2002

  • SUMRIO

    1 INTRODUO 1

    1.1 POSIO DOS MICRORGANISMOS NO MUNDO VIVO 21.2 DISTRIBUIO DOS MICRORGANISMOS NA NATUREZA 31.3 REAS DE APLICAO DA MICROBIOLOGIA 41.4 A EVOLUO DA MICROBIOLOGIA 51.4.1 GERAO ESPONTNEA VERSUS BIOGNESE 51.4.2 TEORIA MICROBIANA DAS DOENAS 71.5 CARACTERIZAO E CLASSIFICAO DOS MICRORGANISMOS 8

    2 BACTRIAS 10

    2.1 MORFOLOGIA E ULTRA-ESTRUTURA DAS BACTRIAS 102.1.1 ESTRUTURAS BACTERIANAS 132.2 CULTIVO DAS BACTRIAS 172.2.1 TIPOS NUTRITIVOS DAS BACTRIAS 172.2.2 MEIOS BACTERIOLGICOS 192.2.3 CONDIES FSICAS NECESSRIAS AO CRESCIMENTO 202.3 REPRODUO E CRESCIMENTO 212.3.1 REPRODUO 212.3.2 CRESCIMENTO 232.4 PRINCIPAIS GRUPOS DE BACTRIAS 242.4.1 BACTRIAS PATOGNICAS 25

    3 FUNGOS 28

    3.1 INTRODUO 283.2 CARACTERSTICAS PRPRIAS DOS FUNGOS 283.2.1 REPRODUO NOS FUNGOS 303.2.2 FISIOLOGIA E NUTRIO DOS FUNGOS 313.3 CLASSIFICAO DOS FUNGOS 323.3.1 ZYGOMYCETES 333.3.2 ASCOMYCETES 343.3.3 BASIDIOMYCETES 363.3.4 DEUTEROMYCETES 373.4 FUNGOS E SUAS ASSOCIAES COM OUTROS ORGANISMOS 383.4.1 LIQUENS 383.4.2 MICORRIZAS 393.4.3 TRUFAS 393.5 FUNGOS ECONOMICAMENTE IMPORTANTES 393.5.1 FUNGOS PATOGNICOS 40

    4 VRUS 43

    4.1 INTRODUO 434.2 HISTRICO 434.3 ESTRUTURA DOS VRUS 44

  • 4.4 CLASSIFICAO DOS VRUS ANIMAIS E DE PLANTAS 454.5 REPLICAO DO VRUS 474.6 BACTERIFAGOS 504.7 ISOLAMENTO E IDENTIFICAO DO VRUS 514.8 AGENTES INFECCIOSOS SEMELHANTES A VRUS 51

    5 CONTROLE DOS MICRORGANISMOS 53

    5.1 FUNDAMENTOS 535.2 CONDIES QUE INFLUENCIAM A AO ANTIMICROBIANA 545.3 MODO DE AO DOS AGENTES ANTIMICROBIANOS 545.4 CONTROLE PELOS AGENTES FSICOS 545.4.1 APLICAO DAS ALTAS TEMPERATURAS 545.4.2 APLICAO DE BAIXAS TEMPERATURAS 555.4.3 RADIAES 565.5 CONTROLE PELOS AGENTES QUMICOS 575.5.1 ESCOLHA DO AGENTE QUMICO ANTIMICROBIANO 575.5.2 PRINCIPAIS GRUPOS DE DESINFETANTES E ANTI-SPTICOS 585.6 ANTIBITICOS E OUTROS AGENTES QUIMIOTERPICOS 59

    6 BIBLIOGRAFIA 64

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    1 IntroduoA cincia da Microbiologia [do grego: mikros (pequeno), bios (vida) e

    logos (cincia)] o estudo dos organismos microscpicos e de suas atividades.Preocupa-se com a forma, a estrutura, a reproduo, a fisiologia, o metabolismo e aidentificao dos seres microscpicos. Inclui o estudo da sua distribuio natural, suasrelaes recprocas e com outros seres vivos, seus efeitos benficos e prejudiciais sobreos homens e as alteraes fsicas e qumicas que provocam em seu meio ambiente.

    Em sua maior parte, a Microbiologia trata com organismos microscpicosunicelulares. Nas assim chamadas formas superiores de vida, os organismos socompostos de muitas clulas, que constituem tecidos altamente especializados e rgosdestinados a exercer funes especficas. Nos indivduos unicelulares, todos osprocessos vitais so realizados numa nica clula. Independentemente da complexidadede um organismo, a clula , na realidade, a unidade bsica da vida.

    Todas as clulas vivas so basicamente semelhantes. Conforme j foi visto, elascompem-se de protoplasma (do grego: a primeira substncia formada), um complexoorgnico coloidal constitudo principalmente de protenas, lipdeos e cidos nucleicos; oconjunto circundado por membranas limitantes ou parede celular, e todos contm umncleo ou uma substncia nuclear equivalente.

    Todos os sistemas biolgicos tm as seguintes caractersticas comuns: 1)habilidade de reproduo; 2) capacidade de ingesto ou assimilao de substnciasalimentares, metabolizando-as para suas necessidades de energia e de crescimento; 3)habilidade de excreo de produtos de escria; 4) capacidade de reagir a alteraes domeio ambiente (algumas vezes chamada de "irritabilidade"), e 5) suscetibilidade mutao.

    Os princpios da Biologia podem ser demonstrados atravs do estudo daMicrobiologia, pois os microrganismos tm muitas caractersticas que os tornaminstrumentos ideais para a pesquisa dos fenmenos biolgicos. Os microrganismosfornecem sistemas especficos para a investigao das reaes fisiolgicas, genticas ebioqumicas, que so a base da vida. Eles podem crescer, de maneira conveniente, emtubos de ensaio ou frascos, exigindo, assim, menos espao e cuidados de manuteno doque as plantas superiores e os animais. Alm disso, crescem rapidamente e sereproduzem num ritmo muito alto; algumas espcies bacterianas demonstram quase 100geraes num perodo de 24 horas. Os processos metablicos dos microrganismosseguem os padres que ocorrem nos vegetais superiores e nos animais. As leveduras,por exemplo, utilizam a glicose, basicamente do mesmo modo que as clulas dos tecidosde mamferos, revelando que o mesmo sistema enzimtico est presente nestesorganismos to diversos.

    Em Microbiologia pode-se estudar os organismos em grande detalhe e observarseus processos vitais durante o crescimento, a reproduo, o envelhecimento e a morte.Modificando-se a composio do meio ambiente, possvel alterar as atividadesmetablicas, regular o crescimento e, at alterar alguns detalhes do padro gentico,tudo sem causar a destruio do microrganismo.

    Os principais grupos de microrganismos so os protozorios, fungos, algas ebactrias. Os vrus, apesar de no serem considerados vivos, tm algumas caractersticasde clulas vivas e por isso so estudados como microrganismos. Este texto ir abordar

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    temas sobre bactrias, fungos e vrus, uma vez que algas e protozorios j foram vistosem etapa anterior.

    1.1 Posio dos microrganismos no mundo vivoA Microbiologia estuda alguns organismos que so predominantemente

    semelhantes ao vegetais , outros que so similares aos animais e, um terceiro grupo quetem caractersticas aos animais e vegetais. Visto que no existem organismos que nopertencem, naturalmente, a nenhum destes dois reinos, foi proposta a criao de novosreinos que os pudessem incluir.

    Uma dessas primeiras proposies foi feita em 1866 pelo zologo alemo E. H.Haeckel. Este autor sugeriu que um terceiro reino inclusse os microrganismos que,tipicamente no poderiam ser classificados como vegetais ou animais. Esses organismosforam chamados de protistas e colocados no reino Protista, constitudo unicamente porseres unicelulares. Assim, ao se falar de modo geral em protistas, compreendem-sebactrias, algas, fungos e protozorios, excluindo-se os vrus que no so organismoscelulares.

    Mediante os progressos do conhecimento da ultra-estrutura celular, osmicrorganismos puderam ser divididos em duas categorias: procariotos e eucariotos.Esta diviso baseia-se nas diferenas de organizao da maquinaria celular, j vistasneste curso. As algas azuis (cianofceas) e as bactrias so organismos procariotos. Entreos microrganismos eucariotos esto os protozorios, os fungos e as demais algas (asclulas animais e vegetais so, tambm eucariticas). Os vrus, isolados entre osmicrorganismos, so deixados de lado neste esquema de organizao celular.

    Um outro sistema de classificao, o sistema dos cinco reinos, foi proposto porRobert H. Whittaker (1969), baseado no modo pelo qual o organismo obtm nutrientesde sua alimentao. Este sistema , agora, amplamente aceito porque considera relaesevolutivas e compatvel com os recentes estudos bioqumicos, genticos e ultra-estruturais, os quais sugerem que a endossimbiose (viver junto, um no interior do outro)hereditria levou at a clula eucaritica, tal como ela conhecida, a partir de umavariedade de unidades procariticas, desenvolvendo-se desde um ancestral procariticocomum.

    Os microrganismos, portanto, so encontrados em trs dos cinco reinos: reinoMonera (bactrias e cianobactrias), reino Protista (algas microscpicas e protozorios)e reino Fungi (leveduras e bolores).

    At 1977, a idia prevalecente era de que os organismos procariotos, por causada sua simplicidade estrutural, eram os ancestrais de eucariotos mais complexos. Comas pesquisas de Carl Woese e seus colaboradores, ficou comprovado que os procariotose eucariotos evoluram por vias completamente diferentes a partir de uma formaancestral comum, como mostra a figura 1. Estes pesquisadores utilizaram uma tcnicaque compara o arranjo nucleotdico do RNAr entre diferentes organismos. Por exemplo,se as sequncias de ribonucleotdeos de 2 tipos de organismos diferem em grandeextenso, a relao entre ambos muito distante; ou seja, os organismos divergiram hmuito tempo de um ancestral comum. Porm, se as sequncias mostram maissimilaridades, os organismos esto intimamente relacionados e tm um ancestral comumrelativamente recente. Os eucariotos possuem um tipo geral de sequncia e os

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    procariotos, um segunto tipo. Dentre os procariotos, alguns tm um terceiro tipo desequncia, que difere dos anteriores. Com isso, concluiu-se que h 2 tipos principais debactrias, designadas de arqueobactrias e eubactrias.

    A figura 1 mostra um esquema das vias pelas quais os organismos vivosevoluram, como deduzido atravs de estudos comparativos e RNA ribossmico.

    Figura 1: Representao das vias pelas quais os organismos vivos evoluram, como deduzidoatravs de estudos comparativos de RNA ribossmico. As trs maiores ramificaes evolucionrias somostradas como arqueobactrrias, eubactrias e eucariotos. Entre as eubactrias pelo menos dez linhas dedescendentes distintos ocorrem; nas arqueobactrias, pelo menos trs. No caso dos eucariotos, hevidncias de que certas eubactrias Gram-negativas invadiram clulas eucariticas primitivas e evoluramcomo organelas intracelulares chamadas mitocndrias. Cloroplastos, as organelas fotossintticas declulas de plantas, parecem ter evoludo de maneira similar, a partir de uma cianobactria. (fonte: Pelczaret al., 1996)

    1.2 Distribuio dos Microrganismos na NaturezaOs microrganismos se encontram em praticamente todos os lugares da natureza.

    So transportados por correntes areas desde a superfcie da Terra at as camadassuperiores da atmosfera. Mesmo os microrganismos tpicos dos oceanos podem serachados a muitos quilmetros de distncia, no alto de montanhas. So encontrados emsedimentos no fundo do mar, em grandes profundidades. So carregados por correntesfluviais e at mares; e, se dejetos humanos contendo bactrias patognicas foremdespejados em correntes de gua, a doena pode disseminar-se de um lugar para outro.Os microrganismos ocorrem mais abundantemente onde puderem encontrar alimentos,

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    umidade e temperatura adequadas para seu crescimento e multiplicao. Uma vez que ascondies que favorecem a sobrevivncia e o crescimento de muitos microrganismosso as mesmas sob as quais vivem as populaes humanas, inevitvel que vivamosentre grande quantidade de microrganismos. Eles esto no ar que respiramos e noalimento que ingerimos. Esto na superfcie de nosso corpo, em nosso trato digestivo, naboca, no nariz e em outros orifcios naturais. Felizmente, a maioria dos microrganismos incua para o homem, e este tem meios de resistir invaso daqueles que sopotencialmente patognicos.

    1.3 reas de aplicao da MicrobiologiaExistem numerosos aspectos no estudo da Microbiologia, que so divididos em

    duas reas principais: a microbiologia bsica e a microbiologia aplicada.

    A microbiologia bsica estuda a natureza fundamental e as propriedades dosmicrorganismos. Preocupa-se com assuntos relacionados aos seguintes temas:

    ! caractersticas morfolgicas (forma e tamanho das clulas, composio qumica,etc.);

    ! caractersticas fisiolgicas (necessidades nutricionais especficas e condiesnecessrias ao crescimento e reproduo);

    ! atividades bioqumicas (modo de obteno de energia pelos microrganismos);! caractersticas genticas (hereditariedade e variabilidade das caractersticas);! caractersticas ecolgicas (ocorrncia natural dos microrganismos no ambiente e

    sua relao com outros organismos);

    ! potencial de patogenicidade dos microrganismos e! classificao (relao taxonmica entre os grupos do mundo microbiano).

    Na microbiologia aplicada estuda-se como os microrganismos podem serusados ou controlados para vrias finalidades prticas. Os pricipais campos de aplicaoda microbiologia incluem: medicina, alimentos e laticnios, agricultura, indstria eambiente.

    Na rea industrial, por exemplo, os microrganismos so utilizados na sntese deuma variedade de substncias qumicas, desde o cido ctrico at antibiticos maiscomplexos e enzimas. Certos microrganismos so capazes de fermentar materialorgnico animal e humano, produzindo gs metano que pode ser coletado e usado comocombustvel. A biometalurgia explora as atividades qumicas de bactrias para extrairminerais, como cobre e ferro de minrios de baixa qualidade. A indstria do petrleotm utilizado bactrias e seus produtos, como os exopolissacardeos presentesexternamente clula bacteriana, para aumentar a extrao do petrleo de rochasreservatrio.

    Na rea ambiental, estuda-se a utilizao de microrganismos que podemdegradar poluentes especficos, como herbicidas e inseticidas.

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    A microbiologia mdica trata dos microrganismos causadores de doenashumanas (patognicos, alm de estar relacionada com a preveno e o controle dasdoenas. Juntamente com a engenharia gentica, tm pesquisado a produo de enzimasbacterianas que dissolvam cogulos sangneos, vacinas humanas utilizando vrus deinsetos e testes laboratoriais rpidos para diagnstico de infeco viral, entre tantasoutras aplicaes possveis nesta rea.

    A microbiologia dos alimentos est relacionada com as doenas que podem sertransmitidas pelos alimentos, como por exemplo, infeces causadas por salmonelas,intoxicaes causadas por estafilococos e clostrdios. Relaciona-se tambm comaspectos positivos, com a utilizao de microrganismos na produo dealimentos/bebidas (queijos, pes, cervejas, etc.).

    1.4 A Evoluo da MicrobiologiaA Microbiologia comeou quando se aprendeu a polir lentes, feitas a partir de

    peas de vidro, e a combin-las at produzir aumentos suficientemente grandes quepossibilitassem a visualizao dos microrganismos. Durante o sculo XIII, Roger Baconpostulou que a doena era produzida por seres vivos invisveis. A sugesto foinovamente feita por Fracastoro de Verona (1483-1553) e por Von Plenciz, em 1762,mas estes autores no dispunham de provas. No incio de 1658, um monge chamadoKircher se referiu a "vermes" invisveis a olho desarmado nos corpos em decomposio,no po, no leite e em excrees diarricas. Em 1665, Robert Hooke viu e descreveuclulas em um pedao de cortia. Estabeleceu o fato de que os organismos de "animais eplantas, complexos que sejam, so compostos de algumas partes elementares que serepetem freqentemente" - citao no devida a Hooke, mas originada da descrio deAristteles sobre a estrutura celular das coisas vivas, datadas do sculo IV a.C.

    Embora no tenha sido, provavelmente, o primeiro a ver as bactrias e osprotozorios, o holands Antony Van Leeuwenhoek (1632-1723), foi o primeiro arelatar suas observaes, com descries precisas e desenhos.

    A palavra bactria vem do termo bacterium, que foi introduzido pelo alemoC.G. Ehrenberg, em 1828, como uma denominao genrica para certos tiposbacterianos representativos. Deriva da palavra grega que significa "pequeno basto". Apalavra micrbio foi introduzida em 1878 pelo cirurgio francs, Charles-EmmanuelSedillot.

    1.4.1 Gerao Espontnea versus BiogneseA descoberta dos microrganismos focalizou o interesse cientfico sobre a origem

    dos seres vivos. No que se refere s formas superiores de vida, Aristteles (384-322a.C.) pensava que os animais podiam se originar, espontaneamente, do solo, de plantas ede outros animais diferentes, e sua influncia ainda atingiu o sculo XVII.

    Era aceito como fato, por exemplo, que as larvas podiam ser produzidas pelaexposio da carne a o calor e ao ar, embora Francesco Redi (1626-1697) duvidasse domesmo. Ele realizou uma experincia na qual colocou carne numa jarra coberta comgaze. Atradas pelo odor da carne, as moscas puseram seus ovos sobre a cobertura e,destes, emergiram as larvas. Esta experincia e outras parecem ter resolvido o assunto,

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    ao menos no que se referia a tais formas vivas. Com os microrganismos, contudo, eradiferente; seguramente eles no tinham pais.

    Em 1749, John Needham (1713-1781), trabalhando com carne exposta a cinzasquentes, observou o aparecimento de microrganismos que no existiam no incio daexperincia, concluindo que as bactrias tinham se originado da carne. Quase que aomesmo tempo, Spallanzani (1729-1799) ferveu caldo de carne durante uma hora,fechando logo a seguir os frascos. Nenhum microrganismo apareceu, mas seusresultados, ainda que repetidos, no convenceram Needham. Este insistia em que o arera essencial para a produo espontnea dos seres microscpicos, e este ar tinha sidoexcludo dos frascos pelo fechamento. 60 a 70 anos mais tarde dois pesquisadoresresponderam a este argumento. Franz Schulze (1815-1873) aerava infuses fervidas,fazendo o ar atravessar solues fortemente cidas, enquanto Theodor Schwann (1810-1882) forava o ar atravs de tubos aquecidos ao rubro. Em nenhum dos casos surgiramos micrbios. Os adeptos da gerao espontnea no se convenceram, dizendo que ocido e o calor que no permitiram o crescimento dos micrbios. Por volta de 1850,Schrder e Von Dush realizaram uma experincia mais convincente, fazendo o ar passaratravs do algodo para frascos que continham o caldo aquecido. Assim, as bactriasforam retidas pelas fibras de algodo, tanto que no houve seu desenvolvimento.

    O conceito de gerao espontnea foi revivido, pela ltima vez, por Pouchet, quepublicou em 1859, um relatrio, provando sua ocorrncia. Pouchet foi rebatido porLouis Pasteur (1822-1895). Este preparou um frasco com colo longo, estreito, empescoo de cisne . As solues nutritivas foram aquecidas no frasco e o ar - no-tratadoe no-filtrado - podia passar para dentro ou para fora. Os micrbios, porm,depositavam-se no pescoo de cisne e no apareciam na soluo.

    Finalmente, John Tyndall (1820-1893) efetuou experincias numa caixaespecialmente desenhada para provar que a poeira carrega os micrbios . Se no houverpoeira, o caldo estril ficar livre de crescimento microbiano por perodos de tempoindefinidos.

    Os aparelhos utilizados nas experincias acima descritas esto ilustrados nafigura 2.

    Figura 2: Aparelhos utilizados nos experimentos que derrubaram a teoria da gerao espontnea(fonte: Pelczar et al., 1980).

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    1.4.2 Teoria Microbiana das DoenasAntes de Pasteur ter provado experimentalmente que as bactrias so a causa de

    algumas doenas, muitos observadores j argumentavam a favor desta teoria. Fracastorode Verona sugeriu que as doenas podiam ser devidas a organismos invisveis,transmitidos de uma pessoa para outra. Em 1762, Von Plenciz, de Viena, no apenasestabeleceu que seres vivos eram causas de doenas, como tambm suspeitou quemicrorganismos diferentes eram responsveis por enfermidades diferentes. O mdicoOliver W. Holmes (1809-1894) insistia que a febre puerperal era contagiosa e,provavelmente, causada por um germe transmitido de uma me para outra porintermdio das parteiras e dos mdicos. Quase na mesma poca, o mdico hngaroIgnaz P. Semmelweis (1818-1865) introduzia o uso de antisspticos na prticaobsttrica.

    Na Frana, Louis Pasteur estudou os mtodos e processos envolvidos nafabricao de vinhos e cervejas. Observou que a fermentao das frutas e dos gros,resultando em lcool, era efetuada por micrbios. Examinando muitas amostras de"fermentos", isolou micrbios de espcies diferentes. Nos bons lotes, predominava umtipo; nos produtos pobres, outro tipo estava presente. Selecionando adequadamente omicrorganismo, o fabricante podia estar seguro de conseguir produtos bons e uniformes.Porm os micrbios j estavam nos sucos; deviam ser removidos e fermentao iniciadacom uma cultura proveniente de um tonel que tinha sido satisfatrio. Pasteur sugeriuque os tipos indesejveis de microrganismos deveriam ser eliminados pelo calor, no tointenso que prejudicasse o gosto do suco de fruta, mas suficiente para tornar incuo osgermes. Observou que, mantendo os sucos a uma temperatura de 62-63 C, durante umahora e meia, obtinha o resultado desejado. Este processo tornou-se conhecido comopasteurizao e hoje amplamente utilizado nas indstrias de fermentao, porm aindstria dos derivados do leite que est mais familiarizada com este mtodo, visando adestruio dos microrganismos patognicos, presentes no leite.

    Na Alemanha, o mdico Robert Koch (1843-1910) estudou o problema docarbculo hemtico, que uma doena do gado bovino, caprino e, s vezes, do homem.Ele descobriu os bacilos tpicos com extremidades cortadas em ngulos retos, no sanguede animais mortos pela infeco carbunculosa. Inoculou as bactrias em meios decultura, em seu laboratrio, examinou-as ao microscpio para estar seguro de queapenas uma espcie tinha se desenvolvido e injetou-as em outros animais para verificarse estes se tornavam doentes e desenvolviam os sintomas clnicos do carbnculohemtico. A partir destes animais experimentais, Koch isolou micrbios iguais aos quetinha encontrado originalmente nos carneiros infectados. Esta foi a primeira vez queuma bactria foi comprovada como causa de uma doena animal. A partir disto foramestabelecidos os postulados de Koch: 1) Um microrganismo especfico pode sempre serencontrado em associao com uma dada doena. 2) O organismo pode ser isolado ecultivado, em cultura pura, no laboratrio. 3) A cultura pura produzir a doena quandoinoculada em animal sensvel. 4) possvel recuperar o microrganismo, em culturapura, dos animais experimentalmente infectados.

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    1.5 Caracterizao e Classificao dos MicrorganismosA caracterizao e a classificao dos organismos vivos so o principal objetivo

    em todos os ramos da Cincia Biolgica. A partir do momento em que um organismo completamente conhecido, torna-se possvel fazer comparaes com outros,determinando semelhanas e diferenas. As comparaes das caractersticas de grandenmero de microrganismos resultam, eventualmente, num sistema de agrupamento dasespcies semelhantes. Por fim, cria-se um grupo com caractersticas muito semelhantes,que considerado como uma espcie e recebe um nome especfico, isto , omicrorganismo adquire um nome.

    Por serem individualmente to pequenos que no podem ser visualizados semajuda de um microscpio, no prtico trabalhar com um nico indivduo. Por estarazo estudam-se culturas, que contm milhares, milhes e at mesmo bilhes deindivduos. Uma cultura que consiste em uma nica espcie de microrganismo (umaespcie viva), independentemente do nmero de indivduos, num ambiente livre deoutros organismos vivos, chamada de cultura axnica. Os microbiologistas usualmentese referem a tais culturas como culturas puras, embora, no sentido tcnico estrito, acultura pura seja aquela que se origina do crescimento de uma nica clula. Se dois oumais tipos (espcies) crescem juntos, como normalmente ocorre na natureza, passam aconstituir uma cultura mista.

    Antes de identificar e classificar um microrganismo, suas caractersticas devemser determinadas com detalhes adequados. As principais incluem as seguintes:

    1. Caractersticas culturais: os nutrientes exigidos para o crescimento e ascondies fsicas do ambiente que favorecem o desenvolvimento.

    2. Caractersticas morfolgicas: as dimenses das clulas, seus arranjos, adiferenciao e a identificao de suas estruturas.

    3. Caractersticas metablicas: a maneira pela qual os microrganismosdesenvolvem os processos qumicos vitais.

    4. Caractersticas da composio qumica: a identificao dos principais e tpicosconstituintes qumicos da clula.

    5. Caractersticas antignicas: a deteco de componentes especiais da clula(qumicos) que fornecem evidncias de semelhana entre as espcies.

    6. Caractersticas genticas: a anlise da composio do cidodesoxirribonucleico (DNA), assim como a determinao das relaes entre o DNAisolado de diferentes microrganismos.

    A maioria das caractersticas acima citadas determinada atravs de testeslaboratoriais, que incluem o uso de diferentes meios e diferentes reaes qumicas. Noentanto, um dos instrumentos mais poderosos na investigao o microscpio. A tabela1 resume as caractersticas essenciais e aplicaes dos diferentes tipos de microscopia.

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    Tabela 1 : Comparao de diferentes tipos de microscpios (fonte: Pelczar etal.,1996).

    Tipo demicroscpio

    Ampliao mximatil

    Observao do espcime Aplicaes

    Campo claro 1.000 2.000 Espcimes corados oudescorados; as bactrias,geralmente coradas,aparecem com a cor docorante

    Caractersticas morfolgicasgrosseiras de bactrias,leveduras, bolores, algas eprotozorios

    Campo escuro 1.000 2.000 Geralmente descorados;aparecem brilhantes ouiluminados sobre umcampo escuro

    Microrganismos que exibemalgumas caractersticasmorfolgicas especiais quandovivos e em suspenso fluida; porexemplo, os espiroquetas

    Fluorescncia 1.000 2.000 Luminoso e corado; cor docorante fluorescente

    Tcnica de diagnstico em que ocorante fluorescente fixado aoorganismo revela a suaidentidade

    Contraste defase

    1.000 2.000 Graus variveis deiluminao

    Exame de estruturas celulares emmicrorganismos maiores e vivos;por exemplo, leveduras, algas,protozorios e algumas bactrias

    Eletrnico 200.000 400.000 Observado em telafluorescente

    Exame de vrus e das ultra-estruturas das clulasmicrobianas

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    2 BACTRIAS

    2.1 Morfologia e Ultra-Estrutura das BactriasEntre as principais caractersticas das clulas bacterianas esto suas dimenses,

    forma, estrutura e arranjo. Estes elementos constituem a morfologia da clula (figura 3).

    Embora existam milhares de espcies bacterianas diferentes, os organismosisolados apresentam uma das trs formas gerais: elipsoidal ou esfrica, cilndrica ou embastonete e espiralada.

    As clulas bacterianas esfricas ou elipsoidais so chamadas de cocos e podemapresentar os arranjos vistos na figura 4.

    As clulas bacterianas cilndricas ou em bastonetes (bacilos) comumenteapresentam-se isoladas e ocasionalmente ocorrem aos pares (diplobacilos) ou emcadeias (estreptobacilos) (figura 5).

    As bactrias espiraladas (singular = spirillum; plural = spirilla) ocorrem,predominantemente, como clulas isoladas. As clulas individuais de espcies diferentesexibem, contudo, ntidas diferenas no comprimento, nmero e amplitude das espirais ena rigidez das paredes celulares. As bactrias curtas com espiras incompletas soconhecidas como bactrias comma ou vibries (figura 6).

    A unidade de medida das bactrias o micrmetro, que equivale a 10- mm. Asbactrias mais freqentemente estudadas em laboratrio medem, aproximadamente, 0,5a 1,0 m por 2,0 a 5,0 m. Os estafilococos e estreptococos, por exemplo, tmdimetros variveis entre 0,75 e 1,25 m. As formas cilndricas, tais como o bacilo dafebre tifide e da disenteria, apresentam uma largura de 0,5 a 1,0 m e um comprimentode 2 a 3 m. Algumas formas filamentosas podem exceder os 100 m de comprimento,mas seu dimetro est, de modo caracterstico, entre 0,5 e 1,0 m.

    A figura 7 mostra o tamanho comparativo de uma clula de uma bactria, umvrus e um protozorio.

    Figura 3: Principais estruturas celulares que ocorrem em clulas bacterianas. Certas estruturas,como por exemplo, grnulos ou incluses, no so comuns a todas as clulas bacterianas (fonte: Pelczar etal, 1996).

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    FiguDiplo(escapermdividtetracocoum pra 4: Arranjos caractersticos dos cocos, com ilustraes esquemticas dos padres de multiplicao. [A]cocos: as clulas se dividem em um plano e permanecem acopladas predominantemente em pares

    neamento por micrografia eletrnica de varredura). [B] Estreptococus: as clulas se dividem em um plano eanecem acopladas para formar cadeias (micrografia eletrnica de varredura). [C] Tetracocos: as clulas seem em dois planos e caracteristicamente formam grupos de quatro clulas. As espcimes mostradas so Gaffkyagena. [D] Estafilococos: as clulas se dividem em trs planos, em um padro irregular, formando cachos des. As espcimes mostradas so Staphylococcus aureus. [E] Sarcinas: as clulas se dividem em trs planos, emadro regular, formando um arranjo cbico de clulas (fonte: Pelczar et al., 1996).

    Figura 5: Bactrias tipicamente cilndricas(bacilos). Observar as variaes decomprimento e de largura. (A) Clostridiumsporogenes; (B) Pseudomonas sp; (C)Bacillus megaterium; (D) Salmonella typhi(fonte: Pelczar et al., 1980).

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    Figura 6: Bactrias espiraladas. (A) clula de Leptospira mostrandoo filamento axial tpico. Micrografia eletrnica, x 71.526. (B)Spirillum itersonii visto ao microscpio eletrnico, x 33.600. (C)Rhodospirillum rubrum, x 1.220. (D) Spirochaeta stenostrepta, x23.000. (E) Methanospirillum hungatii, uma nova espcie dabactria gram-negativa que ocorre em filamentos de at 100m decomprimento. (fonte: Pelczar et al., 1980)

    [A]

    Unidades decomprimento Metro (m)

    Centmetro(cm)

    Milmetro(mm)

    Micrmetro(m)

    Nanmetro(nm)

    Micrmetro(m)

    0,00000110-6

    0,000110-4

    0,00110-3

    11.000103

    Nanmetro(nm)

    0,00000000110-9

    0,000000110-7

    0,00000110-6

    0,00110-3

    1

    Angstrm ()0,0000000001

    10-100,00000001

    10-80,0000001

    10-70,0001

    10-40,110-1

    Figura 7: [A] Uma comparao de tamanhos de microrganismos selecionados. O quadro acima mostra aequivalncia no sistema mtrico para as unidades usadas para expressar dimenses das clulasmicrobianas (modificado de Pelczar et al., 1996).

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    2.1.1 Estruturas BacterianasO exame da clula bacteriana revela certas estruturas definidas por dentro e por

    fora da parede celular. Seguem-se breves descries das estruturas bacterianas de fcilidentificao:

    Flagelos: apndices muito finos, semelhantes a cabelos, que se exteriorizamatravs da parede celular e se originam de uma estrutura granular (corpo basal)imediatamente abaixo da membrana citoplasmtica, no citoplasma. O flagelo apresentatrs partes: uma estrutura basal, uma estrutura semelhante a um gancho e um longofilamento externo parede celular (figura 8). O seu comprimento , usualmente, vriasvezes o da clula, mas seu dimetro uma pequena frao do dimetro celular (p.e., 10 a20 nm). Algumas bactrias se movimentam por outros meios, diversos da atividadeflagelar, como o deslizamento provocado pelo fluxo protoplasmtico ou pela respostatxica (p.e., fototaxia, quimiotaxia).

    Plos (fmbrias): apndices filamentosos menores, mais curtos e maisnumerosos que os flagelos e que no formam ondas regulares. Esto presentes emmuitas bactrias gram-negativas. So encontrados tanto nas espcies mveis como nasimveis e portanto, no desempenham papel relativo mobilidade. Podem funcionarcomo stios de adsoro de vrus bacterianos, como mecanismo de aderncia superfcies e como porta de entrada de material gentico durante a conjugaobacteriana [(plo sexual) (figura 9)].

    Glicoclice: formado de uma substncia viscosa, que forma uma camada decobertura ou envelope ao redor da clula. Se o glicoclice estiver organizado de maneiradefinida e estiver acoplado firmemente parede celular, recebe o nome de cpsula; seestiver desorganizado e sem qualquer forma e anda estiver frouxamente acoplado parede celular, recebe o nome de camada limosa. O glicoclice pode ter naturezapolissacardica (um ou vrios tipos de acares como p.e., galactose, ramnose, glicana,etc.) ou polipeptdica (p.e., cido glutmico). A principal funo do glicoclice aaderncia sobre superfcies; ele pode evitar o dessecamento das bactrias, fornece umenvoltrio protetor e pode servir, tambm, como reservatrio de alimentos, alm deevitar a adsoro e lise da clulas por bacterifagos (figura 10).

    Parede Celular: d forma clula e situa-se abaixo das substnciasextracelulares (glicoclice) e externamente membrana que est em contato imediatocom o citoplasma. Sua espessura calculada, em mdia, de 10 a 25 nm. A funo daparede celular a de proporcionar uma moldura rgida, ou "colete", que suporta eprotege as estruturas protoplasmticas mais lbeis, em face das possveis lesesosmticas; evita ainda a evaso de certas enzimas, assim como o influxo de certassubstncias que poderiam causar dano clula. Nas eubactrias, o peptideoglicano (oumurena), um composto polimrico, o componente da parede celular que determinasua forma. A parede celular das bactrias Gram-positivas constituda por cidoteicico, alm do peptideoglicano, que corresponde uma frao maior que aencontrada na parede das bactrias Gram-negativas (figura 11). A parede das bactriasGram-negativas mais complexa que a parede das Gram-positivas pois possui umamembrana externa cobrindo uma camada fina de peptideoglicano (figura 12). Estamembrana externa cosnstituda por fosfolipdeos, protenas e lipopolissacardeos(LPSs).

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    Figura 8: Desenho de um corpo basal ilustrando sua estrutura e a fixao a bactrias Gram-negativas. Oflagelo de bactrias Gram-positivas tem somente dois anis (um par) que fixam o flagelo membranacelular (fonte: Pelczar et al., 1996).Figura 9: Bactrias fimbriadas. (A) Shigellaflexneri: bacilos em diviso com numerosasfmbrias ao redor das clulas (x 20.000). (B)Salmonella typhi: bacilos em diviso comnumerosas fmbrias e alguns poucos flagelos(apndices mais longos), x 12.500 (fonte: Pelczaret al., 1980).

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    Figura 10: Bactrias capsuladas.(A) Klebsiella pneumoniae. (B)Bactria capsulada formadora delimo, isolada em uma fbrica depapel. Notar as cpsulasextremamente grandes (reasclaras), ao redor de cada uma dasclulas. (fonte: Pelczar et al.,1980).

    Figura 11: Parede celular de bactrias Gram-positivas (fonte: Prescott et al., 1996).

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    Figura 12: Parede celular de bactrias Gram-negativas (fonte: Prescott et al., 1996).

    Estruturas internas parede celular:Protoplastos: quando remove-se a parede celular de uma bactria, esta torna-se

    um corpo arredondado, que assume a forma esfrica, justamente por no contar com argida limitao da parede. A bactria recebe o nome, ento, de protoplasto, que pode sercaracterizado como: imvel, esfrico, no se divide, no forma nova parede celular eno suscetvel, de modo geral, infeces por bacterifagos.

    Membrana citoplasmtica: fina membrana situada abaixo da parede celular(figura 13). Sua espessura da ordem de 7,5 nm e composta de fosfolipdeos (20 a30%), que formam uma bicamada que envolve as protenas (50 a 70%). A membrana ostio da atividade enzimtica especfica e do transporte de molculas para dentro e parafora da clula. Em alguns casos, a membrana se estende no citoplasma para formar omesossomo, que participa do metabolismo (atravs da secreo de certas enzimas, comas penicilinases) e da replicao celular (na formao do septo durante o processo dediviso celular).

    Citoplasma: o material celular pode ser dividido em: rea citoplasmtica, que a poro fluida contendo substncias dissolvidas e partculas tais como ribossomos, ematerial nuclear ou nucleide, rico em DNA.

    Incluses citoplasmticas: depsitos concentrados de certas substncias,insolveis, chamados de grnulos, e que podem servir como fonte de material nutritivode reserva. Os grnulos podem ser constitudos de polissacardeos (amido, glicognio),lipdeos, fosfatos e at enxofre, como o caso das bactrias sulforosas.

    Material nuclear: as clulas bacterianas no contm o ncleo tpico das clulasanimais e vegetais. O material nuclear consiste de um cromossomo nico e circular eocupa uma posio prxima do centro da clula. Pode ser chamado de corpocromatnico, nucleide, equivalente nuclear ou cromossoma bacteriano.

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    Endsporos: esporos que se formam dentro da clula. So como um corpo ovalde parede espessa (um por clula), altamente resistente e refrteis. Todas bactrias dosgneros Bacillus e Clostridium produzem endsporos. So constitudos de cidodipicolnico e por grande quantidade de clcio. Os esporos representam uma fase latente(repouso) da clula bacteriana; comparados com as clulas vegetativas, soextremamente resistentes aos agentes fsicos e qumicos adversos, demonstrando umaestratgia de sobrevivncia (figura 14).

    Figura 13: Interpretaoesquemtica da estrutura damembrana citoplasmtica. Osfosfolipdeos esto arranjados emuma bicamada de tal forma que aspartes polares (esferas) estovoltadas para a face externa e aspartes no-polares (filamentos) estovoltadas para a face interna.Tambm so mostrados oscomponentes proticos (fonte:Pelczar et al., 1996).

    2.2 Cultivo das BactriasO cultivo dos microrganismos, em condies laboratoriais, um pr-requisito

    para seu estudo adequado. Para que isto possa ser realizado, necessrio oconhecimento de suas exigncias nutritivas e das condies fsicas requeridas.

    2.2.1 Tipos Nutritivos das BactriasAs bactrias podem ser divididas em grupos com base em suas exigncias

    nutritivas. A principal separao corresponde aos grupos fototrficos (organismos queutilizam a energia radiante como fonte de energia) e quimiotrficos (organismosincapazes de utilizar a energia radiante; dependem da oxidao de compostos qumicospara a obteno de energia) (tabela 2).

    Fototrficos: existem bactrias que utilizam o CO2 como principal fonte decarbono; so as fotolitotrficas. Outras exigem um composto orgnico(lcoois, cidos graxos, aminocidos) e so ditas fotorganotrficas.

    Quimiotrficos: bactrias que utilizam o CO2 como fonte de carbono eoxidam compostos inorgnicos (p.e., nitritos) ou elementos qumicos (p.e.,enxofre) para obteno da fonte de energia ,so chamadas quimiolitotrficas.As que utilizam compostos orgnicos para obter energia, so chamadas

    csquimiorganotrficas.

    As bactrias fotolitotrficas e quimiolitotrficas so conhecidas, comumente,omo autotrficas, ao passo que as espcies fotorganotrficas e quimiorganotrficaso designadas heterotrficas.

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    Figura 14: [A] Localizao, tamanho e forma dos endsporos em clulas de vrias espcies de Bacillus eClostridium. [B] Alteraes estruturais na clula bacteriana durante a esporulao (fonte: Pelczar et al.,1996).

    As bactrias heterotrficas apresentam exigncias nutritivas mais simples. Ofato de um organismo poder crescer e se reproduzir numa mistura de compostosqumicos simples indica que ele possui uma grande capacidade de sntese. As bactriasheterotrficas foram estudadas mais profundamente porque, sob certo aspecto,demonstram um interesse mais imediato. Neste grupo se encontram todas as bactriaspatognicas para o homem, para outros animais e para os vegetais, assim como a maiorparte da populao microbiana do ambiente humano. As bactrias heterotrficas,embora constituam o principal grupo nutritivo, variam, consideravelmente, quanto aosnutrientes especficos exigidos para o crescimento (tabela 3). As heterotrficas podemser consumidoras, alimentando-se de outros organismos vivos; saprfitas, que sealimentam de matria orgnica morta. Outras podem ser simbiontes, ou seja, mantmuma relao estreita com um organismo de espcie diferente. Estas simbiontes podem

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    ser comensais, que nem ajudam, nem prejudicam seu hospedeiro, ou podem serparasitas, que causam dano ao hospedeiro (caso das bactrias patognicas).

    Tabela 2: Principais tipos nutritivos das bactrias (fonte: Pelczar, 1980).

    Tipo Fonte de EnergiaPara Crescimento

    Fonte de CarbonoPara Crescimento

    Exemplo de Gnero

    Fototrfico:

    Fotolitotrfico(autotrfico)

    Fotorganotrfico(heterotrfico)

    Luz

    Luz

    CO2

    Composto orgnico

    Chromatium

    Rhodopseudomonas

    Quimiotrfico:

    Quimiolitotrfico(autotrfico)

    Quimiorganotrfico(heterotrfico)

    Oxidao decomposto inorgnico

    Oxidao decomposto orgnico

    CO2

    Composto orgnico

    Thiobacillus

    Escherichia

    Tabela 3: Exigncias nutritivas mnimas de algumas bactrias heterotrficas (fonte: Pelczar, 1980).

    BactriasSais

    Inorg-nicos

    CarbonoOrgnico

    NitrognioInorgnico

    Umaminoci

    do

    Dois ou maisaminoci-

    dos

    Umavitami-

    na

    Duas oumais

    vitaminas

    Escherichia coli X X X

    Salmonella typhi X X X X

    Proteus vulgaris X X X X X

    Staphylococcus aureus X X X X X

    Lactobacillus acidophilus X X X X X

    2.2.2 Meios Bacteriolgicos Para o cultivo rotineiro de microrganismos heterotrficos, utilizam-se certas

    matrias-primas complexas, tais como as peptonas, os extratos de carne e de levedura(tabela 4), da resultando um meio que promove o desenvolvimento de grande variedadede bactrias e de outros microrganismos. Quando se deseja um meio slido, adiciona-seo gar como agente solidificante. O caldo e o gar nutritivos so exemplos de meioslquidos e slidos, relativamente simples, indicados para a cultura de microrganismosheterotrficos comuns.

    Alguns microrganismos no se desenvolvem bem nestes meios, poisdemonstram exigncias de nutrientes especficos, como vitaminas e outras substnciasestimulantes. Tais microrganismos so chamados de heterotrficos fastidiosos, enecessitam de meios especiais para seu cultivo, isolamento e reconhecimento.

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    Os meios de cultura, de acordo com a sua aplicao ou funo, podem serclassificados, entre outros, como:

    Meios Enriquecidos: a adio de sangue, soro ou extratos de tecidosanimais ou vegetais ao caldo ou gar nutritivos proporciona nutrientes acessrios, demodo que o meio possa permitir o crescimento de heterotrficos fastidiosos.

    Meios Seletivos: a adio de certas substncias qumicas especficas aogar nutritivo previne o crescimento de um grupo de bactrias sem agir sobre outras. Ocristal violeta, por exemplo, em uma dada concentrao, impede o crescimento debactrias gram-positivas, sem afetar o desenvolvimento das bactrias gram-negativas.

    Meios Diferenciais: a incorporao de certos reagentes ou substnciasqumicas no meio pode resultar num tipo de crescimento ou modificao, aps ainoculao e a incubao, que permite ao observador distinguir os tipos de bactrias. Porexemplo, inoculando-se uma mistura de bactrias num meio de gar sangue, algumasdas bactrias podem hemolisar (destruir) as clulas vermelhas e outras no. A zona claraao redor da colnia a evidncia de ter ocorrido a hemlise. Assim, pode-se estabelecera distino entre bactrias hemolticas e no-hemolticas, de acordo com o seudesenvolvimento.

    Tabela 4: Caractersticas de vrios produtos complexos, usados como ingredientes dos meios de cultura(fonte: Pelczar, 1980).

    MATRIA PRIMA CARACTERSTICA VALOR NUTRITIVO

    Extrato de carne Extrato aquoso de tecido muscular, concentradosob a forma de pasta

    Contm as substncias solveis dostecidos animais, incluindo

    carboidratos, compostos orgnicosde nitrognio, vitaminas

    hidrossolveis e sais

    Peptona

    Produto que resulta da digesto de materiaisproticos como carne, casena e gelatina; a

    digesto protica realizada por meio de cidosou de enzimas; existem muitas peptonas

    diferentes (dependendo da protena usada e domtodo de digesto) para uso em meios

    bacteriolgicos; as peptonas diferem em suaspropriedades de promover o crescimento

    Principal fonte de nitrognioorgnico; pode conter algumas

    vitaminas e, s vezes, carboidratos,dependendo do tipo de material

    protico digerido

    garCarboidrato complexo, obtido de certas algas

    marinhas; tratado para a remoo de substnciasestranhas

    Usado como agente solidificante dosmeios; o gar, dissolvido em

    solues aquosas, gelifica quando atemperatura reduzida a menos de

    45C; no considerado como fontenutritiva para as bactrias

    Extrato de levedo Extrato aquoso de leveduras comercialmenteapresentado sob a forma de p

    Fonte muito rica de vitaminas B,tambm contm compostos

    orgnicos de nitrognio e de carbono

    2.2.3 Condies Fsicas Necessrias ao Crescimento Assim como as bactrias variam com relao s exigncias nutritivas,

    tambm demonstram respostas diversas s condies fsicas do ambiente.

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    Temperatura: o crescimento bacteriano pode ter seu ritmo e quantidadedeterminados pela temperatura, uma vez que esta influencia as reaes qumicas doprocesso de crescimento. Cada espcie de bactria cresce sob temperaturas situadas emfaixas caractersticas e, sendo assim, so classificadas nos seguintes grupos:

    1. Bactrias psicrfilas: so capazes de crescer a 0 C ou menos, emboraseu timo seja entre 15 C ou 20 C.

    2. Bactrias mesfilas: crescem melhor numa faixa de 25 a 40 C.

    3. Bactrias termfilas: crescem melhor a temperaturas de 45 a 60 C

    A temperatura tima de crescimento a temperatura de incubao quepossibilita o mais rpido crescimento, durante curto perodo de tempo (12 a 24 horas).

    Exigncias atmosfricas: os principais gases que afetam o crescimentobacteriano so o oxignio e o dixido de carbnico. Como as bactrias apresentamgrande variedade de resposta ao oxignio livre, elas so divididas em:

    1. Bactrias aerbias: crescem na presena de oxignio livre.

    2. Bactrias anaerbias: crescem na ausncia de oxignio livre.

    3. Bactrias anaerbias facultativas: crescem tanto na presena como naausncia do oxignio livre.

    4. Bactrias microaerfilas: crescem na presena de quantidadespequenas de oxignio livre.

    Acidez e alcalinidade (pH): para a maioria das bactrias, o pH timo decrescimento localiza-se entre 6,5 e 7,5. Embora poucos microrganismos possamdesenvolver-se nos limites extremos de pH, as variaes mnimas e mximas, para amaior parte das espcies, esto entre pH 4 e pH 9.

    2.3 Reproduo e Crescimento O termo crescimento, tal como comumente aplicado s bactrias e a

    outros microrganismos, refere-se, usualmente, s alteraes ocorridas na cultura dasclulas e no s alteraes de um organismo isolado.

    2.3.1 Reproduo Bactrias geralmente reproduzem-se assexuadamente por fisso binria

    transversa, quando ocorre a replicao do cromossomo bacteriano e a cluladesenvolve uma parede celular transversa, dividindo-se ento em duas novas clulas(figura 15). Aps a replicao do cromossomo, a parede transversa forma como umainvaginao da membrana plasmtica e da parede celular. Quando a nova paredeformada no se separa completamente em duas paredes, pode-se formar uma cadeia (oufilamento) de bactrias. A fisso binria no o nico mtodo reprodutivo entre asbactrias. As espcies do gnero Streptomyces produzem muitos esporos reprodutivos

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    por organismo, cada esporo dando origem a um novo indivduo. Bactrias do gneroNocardia produzem extenso crescimento filamentoso, seguido pela fragmentao dosfilamentos em pequenas clulas bacilares ou cocides. Espcies do gneroHyphomicrobium podem reproduzir-se por brotamento: desenvolve-se um broto, a partirda clula-me e, depois de um perodo de aumento de tamanho, o broto se separa daclula original, formando um novo indivduo.

    Embora no ocorra uma reproduo sexuada complexa nos moneras, algumasvezes as bactrias realizam troca de material gentico. Tal recombinao gentica podeocorrer por transformao, conjugao ou transduo.

    Na transformao, a clula bacteriana "pega" fragmentos de DNA perdidos poroutra bactria que se rompeu. Este mecanismo tem sido usado experimentalmente paramostrar que os genes podem ser transferidos de uma bactria para outra e que o DNA a base qumica da hereditariedade.

    Na conjugao, duas clulas bacterianas geneticamente diferentes trocamDNA diretamente. Este processo tem sido extensivamente estudado na bactriaEscherichia coli, que tem linhagens F- e F+. As clulas F+ so cobertas com plos econtm um plasmdeo conhecido como fator F, ou fator da fertilidade. Quando umaclula F+ entra em contato com uma clula F-, os plos organizam um tubo deconjugao, chamado de plo sexual ou plo F, que conecta a clula F+ clula F-. Oplo F "oco", permitindo que o DNA pase de uma bactria para outra.

    Na transduo, genes bacterianos so carregados de uma bactria para outra,dentro de um bacterifago (vrus bacteriano). Quando o bacterifago entra numa clulabacteriana, o DNA do vrus mistura-se com uma parte do DNA bacteriano, de modo queo vrus agora carrega esta parte do DNA. Se o vrus infecta uma segunda bactria, oDNA da primeira bactria pode misturar-se com o DNA da segunda bactria. Esta novainformao gentica ento replicada a cada nova diviso.

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    Figura 15: Multiplicao bacteriana pela fisso binria transversa (fonte: Pelczar et al., 1996).

    2.3.2 Crescimento Como j foi mencionado, o processo de reproduo prevalecente entre as

    bactrias a fisso binria; uma clula se divide, formando duas clulas. Assim sendo,partindo de uma nica bactria, o aumento populacional se faz em progressogeomtrica:

    1 - 21 - 22 - 23 - 24 - 25 ... 2n

    O tempo necessrio para que uma clula se divida - ou para que apopulao duplique - conhecido como tempo de gerao, que no o mesmo paratodas as bactrias. Para algumas, como a Escherichia coli, pode ser de 15 a 20 minutos;para outras pode ser de muitas horas. O tempo de gerao est na forte dependncia dosnutrientes existentes no meio e das condies fsicas de incubao.

    A figura 16 mostra a curva de crescimento tpica das bactrias em umsistema fechado. Na curva, observa-se que h um perodo inicial no qual no parecehaver crescimento (fase lag ou de latncia), seguido por um rpido aumento dapopulao (fase logartmica), que se nivela posteriormente (fase estacionria) e declinaquanto ao nmero de clulas viveis (fase de morte ou declnio).

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    Figura 16: Curva de crescimento tpica de uma populao bacteriana. A densidade ptica uma medidada turbidez da cultura bacteriana e obtida atravs da anlise da cultura em espectrofotmetro (fonte:modificado de Brock et al., 1994).

    2.4 Principais Grupos de Bactrias A referncia padro para a classificao e taxonomia bacterianas o

    Bergey's manual of determinative bacteriology (Holt et al., 1993). Este manual divide asbactrias em 19 grupos.Grupo 1: Bactrias fototrficas Grupo 2: Bactrias deslizantes

    Grupo 3: Bactrias com bainha Grupo 4: Bactrias gemulantes e/ou pedunculadas

    Grupo 5: Espiroquetas Grupo 6: Bactrias espiraladas e encurvadas

    Grupo 7: Coco e bacilos gram-negativos aerbios Grupo 8: Bacilos gram-negativos facultativos

    Grupo 9: Bactrias gram-negativas anaerbias Grupo 10: Cocos e cocobacilos gram-negativos

    Grupo 11: Cocos gram-negativos anaerbios Grupo 12: Bactrias gram-negativasquimiolitotrficas

    Grupo 13: Bactrias produtoras de metano Grupo 14: Cocos gram-positivos

    Grupo 15: Bacilos e cocos esporulados Grupo 16: Bacilos gram-positivos no-esporulados

    Grupo 17: Actinomicetos e microrganismos afins Grupo 18: Rickettsias

    Grupo 19: Micoplasmas

    Recentemente, Lynn Margulis e Karlene Schwartz (citado por Davis et al., 1990)propuseram um sistema de classificao til que divide as bactrias em 16 filos deacordo com algumas de suas caractersticas mais significantes. A tabela 5 mostraalgumas caractersticas de 11 destes grupos.

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    Tabela 5: Caractersticas de alguns grupos de bactrias (Raven & Johnson, 1986).

    NOME DO GRUPO FORMA(a)MOTILIDADE

    (b)METABOLISMO

    (c) PAPEL ECOLGICO

    Metanognicas B, E, C N, F Q, FAlgumas digerem celulose;

    outras utilizam metano;outras reduzem enxofre

    Omnibactrias ouEubactrias B N, F H

    Saprfitas, patgenas,decompositoras

    Cianobactrias B, C, M D,N F Fixadoras de carbono enitrognio

    Cloroxibactrias C N F Simbiose com tunicados

    Micoplasmas,espiroplasmas

    sem parede(d) N H

    Patgenos de plantas eanimais

    Espiroquetas E F(e) H Decompositores e patgenos

    Pseudomonadceas B F H, Q Decompositores e patgenosde plantas

    Actinomicetos M, B N HSolo, plantas,

    decompositores e fixadoresde nitrognio

    Mixobactrias B D H Solo, animais

    Aerbias fixadorasde nitrognio B N, F H

    Vida livre e em ndulos ourazes de plantas

    Quimioautotrficas B, C N, F Q

    Estgios no ciclo donitrognio; oxidam

    compostos do enxofre;oxidam metano ou metanol

    (a) B = bacilo, C = coco, E = espirilo, M = filamentos ou agregados (b) F = flagelada, N = no-mvel, D = deslizante(c) H = heterotrficas, Q = quimiossintticas, F = fotossintticas (d) Mais ou menos esfricas ou alongadas e retorcidas(e) Flagelo inserido abaixo da membrana lipoproteica mais externa da parede celular

    2.4.1 Bactrias Patognicas Muitas doenas de plantas esto associadas com bactrias; quase todos

    tipos de plantas so suscetveis a um ou mais tipos de doenas bacterianas. Os sintomasdestas doenas variam, mas elas geralmente se manifestam como manchas de vriostamanhos nos caules, folhas, flores ou frutos; murchido, definhamento e razes moles;necrose, ferrugem e cancros tambm so sintomas observados. Os gneros descritos aseguir compreendem as bactrias fitopatognicas:

    Pseudomonas - causa manchas e estrias nas folhas, definhamento e doenassimilares.

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    Xanthomonas - as espcies deste gnero so principalmente fitopatognicas,responsveis por processos de necrose. Produzem colnias amarelas, ao lado de outrasespcies esbranquiadas ou de colorao creme.

    Agrobacterium ssp. - suas espcies vivem no solo ou nas razes ou caules deplantas, onde desenvolvem galhas.

    Corynebacterium - um gnero que compreende espcies parasitas do homem edos vegetais. As espcies fitopatognicas so encontradas no solo e nos vegetaisdoentes, sendo responsveis por doenas vasculares da alfafa, pela podrido das batatas,dos pastos, dos tomates e doenas de muitas outras plantas.

    Erwinia - as espcies deste gnero invadem os tecidos das plantas vivas eprovocam necroses, galhas, definhamentos e apodrecimentos.

    Streptomyces - encontram-se espcies responsveis pela escara da batata e poruma doena das razes e radicelas da batata-doce.

    Xilella fastidiosa responsvel pela clorose variegada dos ctricos (ouAmarelinho, como a doena conhecida popularmente no Brasil), que afeta os tecidosvasculares de plantas ctricas, especialmente as laranjeiras, danificando folhas e frutos.

    Bactrias tambm causam muitas doenas humanas, incluindo clera, lepra,ttano, pneumonia bacteriana, coqueluche e difteria.

    Vrios gneros de bactrias patognicas so de importncia particular para ohomem. Espcies do gnero Streptococcus esto associadas com a escarlatina, febrereumtica e outras infeces. A bactria da escarlatina produz seus sintomas e toxinasfatais somente se ela estiver infectada com o bacterifago apropriado. O gneroStaphylococcus um dos principais responsveis pela infeces hospitalares.

    A sndrome do choque txico causada por algumas linhagens deStaphylococcus aureus. Esta doena caracteriza-se por febre, erupes cutneas, queaparecem primeiro nas palmas das mos e nas solas dos ps e depois espalham-se paraoutras partes do corpo, e queda brusca de presso. Aproximadamente 85% dos casos desndrome do choque txico registrados nos Estados Unidos ocorreram em mulheresmenstruadas, que estavam usando absorventes internos na poca em que apareceram ossintomas. No entanto, homens e mulheres podem contrair esta doena.

    Muitas doenas bacterianas so dispersas pelo alimento ou gua, como porexemplo a disenteria bacilar, e as febres tifide e paratifide. A disenteria bacilar causada por algumas espcies do gnero Shigella. As febres tifide e paratifide sodoenas intestinais infecciosas agudas causadas pelas bactrias Salmonella typhi eSalmonella enteridis, respectivamente.

    A bactria Brucella abortus causa a doena chamada brucelose, tambmconhecida como febre ondulante, no homem, e aborto contagioso, no gado. O contgiose d atravs da ingesto de leite oriundo de gado contaminado. Como as bactrias sodestrudas pelo processo de pateurizao do leite, esta doena est se tornando rara.

    O clera uma gastroenterite causada pela bactria Vibrio cholerae, que transmitida pelo contato com guas ou alimentos contaminados pelas excrees depacientes ou de portadores convalescentes. Os sintomas compreendem vmitos e fezes

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    diarricas profusas (aspecto de gua de arroz), os quais do lugar a uma severadesidratao, com perdas de eletrlitos e acidose, muitas vezes fatais.

    A legionelose (ou doena dos Legionrios) uma das doenas bacterianas maisrecentemente detectadas, afetando um grande nmero de pessoas nos Estados Unidos. causada pela bactria Legionella pneumophyla e desenvolve-se como uma forma severade pneumonia.

    A bactria Clostridium botulinum a causadora do botulismo, uma intoxicaoalimentar grave, e s vezes fatal. A doena contrada pela ingesto de alimentoscontendo a toxina botulnica (principalmente enlatados, em conserva ou defumados).

    A crie dentria provocada por bactrias, principalmente pela espcieStreptococcus mutans. As leses cariosas se desenvolvem sob densas massas debactrias, conhecidas como placas dentais, aderentes superfcie do dente.

    Algumas doenas bacterianas so sexualmente transmitidas e so chamadas dedoenas venreas. Entre as mais comuns esto a gonorria, causada pela bactriaNeisseria gonorrhoeae, e a sfilis, causada pela Treponema pallidum, uma espiroqueta.Ambas doenas so facilmente controladas com penicilina. A gonorria muito maiscomum e menos sria que a sfilis, que pode ser fatal.

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    3 FUNGOS

    3.1 Introduo

    Os fungos so to distintos das algas, brifitas e plantas vasculares, quanto o sodos animais. Tradicionalmente so agrupados com as plantas, mas pertencem a umReino distinto, Fungi, constituindo um dos cinco principais grupos de organismos vivos,como j foi falado.

    Juntamente com as bactrias, os fungos vm a ser os seres encarregados dadecomposio na biosfera, sendo suas atividades to necessrias existnciapermanente do mundo que conhecemos quanto as dos seres produtores de alimento. Adecomposio libera gs carbnico na atmosfera e devolve ao solo compostosnitrogenados e outros materiais, que podero ser novamente usados por vegetais eeventualmente por animais. Foi estimado que os 20 cm superiores da terra frtil possamconter perto de 5 toneladas de fungos e bactrias por hectare.

    Os fungos constituem um grupo de microrganismos que tem grande interesseprtico e cientfico para os microbiologistas. Suas manifestaes so familiares:crescimentos azuis e verdes em laranjas, limes e queijos; as colnias cotonosas(aspecto de algodo), brancas ou acinzentadas, no po e no presunto; os cogumelos doscampos e os comestveis, entre tantos. Todas representam vrios organismos fngicos,morfologicamente muito diversificados. De um modo geral, os fungos incluem osbolores e as leveduras. A palavra bolor tem emprego pouco ntido, sendo usada paradesignar os mofos, as ferrugens e o carvo (doena de gramneas). As leveduras sediferenciam dos bolores por se apresentarem sob a forma unicelular.

    Os fungos podem viver como saprfagos, quando obtm seus alimentosdecompondo organismos mortos; como parasitas, quando se alimentam de substnciasque retiram dos organismos vivos nos quais se instalam, prejudicando-os; ou podemestabelecer associaes mutualsticas com outros organismos, em que ambos sebeneficiam. Em todos os casos, no entanto, os fungos liberam enzimas digestivas parafora de seus corpos e estas atuam diretamente no meio orgnico no qual eles se instalam,degradando molculas simples, que so ento absorvidas pelo fungo. Os fungossaprfagos so responsveis por grande parte da degradao da matria orgnica,propiciando a reciclagem de nutrientes, como j foi comentado.

    Os fungos so importantes nas fermentaes industriais, tais como na fabricaoda cerveja, do vinho e na produo de antibiticos (penicilina), de vitaminas e cidosorgnicos (cido ctrico). A fabricao de pes e o amadurecimento de queijos tambmdependem da atividade saproftica dos fungos. Como parasitas, os fungos causam doenas vegetais, humanas e animais, emboraa maior parte das micoses seja menos severa que as bacterioses ou as viroses.

    A cincia que estuda os fungos recebe o nome de Micologia.

    3.2 Caractersticas prprias dos fungosOs fungos so microrganismos eucariticos quimiorganotrficos. Reproduzem-

    se, naturalmente, por meio de esporos, com poucas excees. Alm disso, a maioria daspartes de um fungo potencialmente capaz de crescimento; um minsculo fragmento

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    suficiente para originar um novo indivduo. Os fungos no tm clorofila, sofilamentosos em geral e comumente ramificados. Os filamentos apresentam paredescelulares constitudas por quitina ou celulose, ou ambas. So imveis, em sua maioria,embora possam demonstrar clulas vegetativas mveis.

    A maior parte entre todas as classes de fungos produz esporos de dois modos:sexuada e assexuadamente. Os esporos produzidos sexuadamente tm ncleos derivadosdas clulas parentais e estas, como os esporos, so, geralmente, haplides. Dois ncleosde clulas parentais se fundem para formar um ncleo diplide zigtico, do qual, pordiviso celular redutora (meiose zigtica), originam-se os ncleos dos esporoshaplides. Os esporos sexuados e as estruturas que os contm so usualmentedistinguveis, sob o ponto de vista morfolgico, dos esporos assexuados, os quais soformados por simples diferenciao do talo em desenvolvimento (o talo o fungoindividual completo, incluindo as pores vegetativas ou no-sexuadas e todas asestruturas especializadas). Os esporos so muito importantes na classificao dosfungos, sendo as classes diferenciadas pelas caractersticas morfolgicas dos estgiossexuados e dos esporos. A figura 17 mostra alguns tipos de esporos fngicos.

    Morfologia dos fungos filamentosos: O talo de um fungo tipicamentecomposto por filamentos tubulares microscpicos, chamados hifas. O conjunto de hifastem o nome de miclio. A parede das hifas semi-rgida, e os fungos podem apresentartrs tipos morfolgicos de hifas (figura 18). O miclio pode formar uma rede frouxa ouum tecido compacto, como nos cogumelos. Alm disso, os miclios podem servegetativos ou de reproduo, sendo estes responsveis pela produo de esporos. Ashifas dos miclios de reproduo so, em geral, areas, enquanto algumas hifas domiclio vegetativo podem penetrar no meio, em busca de nutrientes.

    Figura 17: Diferentes tipos de esporos fngicos (fonte: Pelczar et al.., 1980).

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    Figura 18: Tipos morfolgicos de hifas nos fungos.A hifa conoctica no apresenta septos transversais.As hifas septadas podem apresentar clulasmononucleadas (um ncleo por clula) oumultinucleadas (dois ou mais ncleos por clula); osseptos transversais apresentam um poro central,atravs do qual o citoplasma e os nuclolos podemmigrar de um compartimento para outro (modificadode Davis et al.., 1990).

    3.2.1 Reproduo nos FungosAs leveduras (fungos unicelulares) reproduzem-se assexuadamente por

    gemulao ou brotamento, no qual uma pequena protuberncia (broto) cresce eeventualmente separa-se da clula-me. Cada broto que separa-se, pode tornar-se umanova levedura (figura 19). Leveduras tambm podem reproduzir-se assexuadamente porfisso e sexuadamente, atravs da formao de esporos. As leveduras no soclassificadas como um grupo taxonmico nico pois muitos fungos diferentes podemser induzidos a formar um estgio de levedura.

    Os esporos dos fungos terrestres so clulas reprodutivas no-mveis, dispersasatravs do vento ou por animais e, geralmente, produzidos nas hifas areas (que seprojetam no ar). Este arranjo permite que os esporos sejam "arrastados" por correntes dear e distribudos a novas reas. Em alguns fungos, as hifas areas formam estruturasgrandes e complexas, onde os esporos so produzidos. Estas estruturas so chamadasesporocarpos ou corpos de frutificao. A parte familiar de um cogumelo, porexemplo, um grande esporocarpo. Ns normalmente no vemos a maior parte doorganismo, uma rede quase invisvel de hifas enterradas sobre o material na qual elecresce. Ao contrrio de clulas animais e vegetais, os fungos normalmente contmncleos haplides. Na reproduo sexuada, os fungos freqentemente realizam um tipode conjugao no qual duas hifas geneticamente diferentes juntam-se e seus ncleosfundem-se. Em certos fungos, os ncleos geneticamente diferentes no se fundemimediatamente, mas permanecem separados dentro do citoplasma do fungo pela maiorparte de sua vida. Hifas que contm dois ncleos distintos geneticamente dentro de cadaclula so chamadas dicariticas. Hifas que contm somente um ncleo por clula somonocariticas.

    Quando um esporo fngico "cai" num substrato apropriado, por exemplo, umpssego muito amadurecido, o esporo germina e comea a crescer (figura 20). Uma hifaparecida com um fio emerge do pequeno esporo. Assim que uma camada de hifasemaranhadas infiltra-se no pssego, uma outra hifa estende-se em direo ao ar. Clulasdas hifas secretam enzimas digestivas dentro do pssego, degradando seus compostosorgnicos em pequenas molculas que sero absorvidas pelos fungos.

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    Figura 19: a) Clula de uma levedura comum, mostrando a reproduo por brotamento. b)Fotomicrografia de clulas da levedura Saccharomyces cerevisiae, utilizado como fermento de po. Noteque muitas das clulas esto brotando (fonte: Davis, 1990).

    Figura 20: Germinao de um esporo e crescimento de um fungo terrestre (fonte: Davis et al..,1990).

    3.2.2 Fisiologia e Nutrio dos FungosFungos crescem melhor em habitats midos e escuros, porm so encontrados

    universalmente onde quer que exista matria orgnica disponvel. Eles necessitam deumidade para crescer e podem obter gua da atmosfera, bem como do meio sobre o qualvivem. Quando o ambiente torna-se muito seco, os fungos sobrevivem entrando numestado de repouso ou produzindo esporos, que so resistentes aridez. Embora o pHtimo para a maioria das espcies seja 5,6, alguns fungos podem tolerar e crescer em

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    ambientes onde o pH varia de 2 a 9. Muitos fungos so menos sensveis altas pressesosmticas que as bactrias, e podem crescer em solues de sais concentradas ousolues de acares, que inibem ou previnem o crescimento bacteriano. Os fungostambm crescem num amplo intervalo de temperatura (0o a 62o C, estando a temperaturatima entre 22o e 30o C).

    3.3 Classificao dos FungosA classificao dos fungos baseada principalmente nas caractersticas dos

    esporos sexuais e dos corpos de frutificao, na natureza de seus ciclos de vida e nascaractersticas morfolgicas de seus miclios vegetativos ou de suas clulas.

    Entretanto, muitos fungos produzem esporos sexuais sob certas condiesambientais. Aqueles que possuem todos os estgios sexuais conhecidos sodenominados fungos perfeitos e os que no possuem, fungos imperfeitos. Os fungosimperfeitos so classificados arbitrariamente, num primeiro momento, e so colocadosprovisoriamente em uma classe especial denominada Deuteromycetes. Quando o seuciclo sexual descoberto posteriormente, so ento reclassificados entre outras classes erecebem novos nomes.

    Os micologistas dividem o Reino Fungi em 3 principais grupos: os fungoslimosos, os fungos inferiores flagelados e os fungos terrestres.

    Os fungo limosos so considerados um enigma biolgico e taxonmico porqueno so nem um fungo tpico, nem um protozorio tpico. Durante uma de suas etapasde crescimento, assemelham-se aos protozorios porque no possuem parede celular,possuem movimentos amebides e ingerem nutrientes particulados. Durante a etapa depropagao, formam corpos de frutificao e esporngios apresentando esporos comparedes, como nos fungos tpicos. Vivem em gua doce, em solo mido e em vegetaisem decomposio.

    Os fungos inferiores flagelados incluem todos os fungos, com exceo doslimosos, que produzem clulas flageladas em alguma fase do seu ciclo de vida.Alimentam-se pela absoro dos alimentos. A grande maioria filamentosa, produzindoum miclio cenoctico. Muitos so unicelulares ou unicelulares com rizides. Areproduo sexuada pode ocorrer por vrios meios; a reproduo assexuada ocorremediante a produo de zosporos. Podem ser parasitas ou saprfitas, que vivem nosolo ou gua doce.

    Os fungos terrestres so as espcies mais conhecidas entre os fungos. Estegrupo inclui as leveduras, bolores, orelhas-de-pau, mofo, fungos em forma de taa,ferrugem, carvo, bufa-de-lobo e cogumelos. Todos caracterizam-se pela nutrioatravs da absoro e, com exceo das leveduras, a maioria produz um miclio bemdesenvolvido constitudo de hifas septadas ou cenocticas. As clulas mveis no soencontradas nos fungos terrestres. A reproduo assexuada ocorre atravs debrotamento, fragmentao e produo de esporangiforos ou condios. A reproduosexuada envolve a produo de zigsporos, ascsporos ou basidisporos.

    Existem 4 principais grupos de fungos terrestres: Zygomycetes, Ascomycetes,Basidiomycetes e Deuteromycetes. A tabela 6 resume esta classificao.

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    Tabela 6: Classes de Fungos Terrestres (modificado de Davis et al.., 1990).

    Classes TIPOS COMUNS REPR. ASSEXUADA REPR. SEXUADA

    Zygomycetes bolor preto do po esporos no-mveis zigsporos

    Ascomycetes leveduras, fungos em formade taa, trufas.condios desprendem-se dos conidiforos ascsporos

    Basidiomycetescogumelos, fungos da

    ferrugem e do carvo, bufa-de-lobo, orelha-de-pau

    incomum basidisporos

    Deuteromycetes(fungos

    imperfeitos)

    Candida albicans, algumasespcies de Penicillium e

    Aspergilluscondios estgio sexualdesconhecido

    3.3.1 ZygomycetesOs membros desta classe so chamados de zigomicetos e h cerca de 600

    espcies encontradas em todo mundo. Eles produzem esporos sexuais chamadoszigsporos, que permanecem dormentes por um tempo. Suas hifas so cenocticas (notm septo). Muitos zigomicetos vivem no solo sobre matria orgnica animal ou vegetalem decomposio; alguns so parasitas de plantas e animais. Alguns zigomicetos soutilizados na elaborao de produtos comercialmente valiosos, como molho de soja,cidos orgnicos esterides para drogas contraceptivas e antiinflamatrias. Umzigomiceto comum o bolor preto do po, Rhizopus stolonifer. O po torna-seembolorado quando o esporo do bolor cai sobre ele, germinando e crescendo como umamassa de fios, o miclio. As hifas penetram no po e absorvem nutrientes. Algumashifas, chamadas estoles, crescem horizontalmente; outras, chamadas rizides, ancoramos estoles no po. Eventualmente, certas hifas crescem para cima e desenvolvem umesporngio, ou saco de esporos, na extremidade. Agregados de esporos esfricos pretosdesenvolvem-se dentro do esporngio e so liberados quando este se rompe. Areproduo sexual pode ocorrer quando hifas de dois tipos diferentes (+ e -) crescem emcontato uma com a outra (figura 21). No h diferenciao sexual morfolgica, de modoque no prprio referir-se a linhagens feminina e masculina. Quando as hifas de doistipos encontram-se, hormnios so produzidos, fazendo com que suas extremidadescresam juntas. Os ncleos + e - fundem-se e formam um ncleo diplide, o zigoto,chamado de zigsporo. O zigsporo pode permanecer dormente por vrios meses. Ameiose provavelmente ocorre no momento ou um pouco antes da germinao dozigsporo. Quando este germina, uma hifa area desenvolve-se com um esporngio naextremidade. Cada esporo formado capaz de tornar-se um novo miclio.

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    Figura 21: O ciclo de vida do bolor preto do po, Rhizopus stolonifer. Aps ruptura da parede doesporngio, os esporangisporos so liberados. Um esporangisporo germina para desenolver um talomicelial, os rizides penetram no meio e os esporangisporos do origem ao esporngio, completando afase assexuada do ciclo de vida. A reproduo sexuada requer dois mating types (+ e -) sexualmentecompatveis. Quando entram em contato, so formadas ramificaes de copulao denominadasprogametngio. Eles logo se fundem, os protoplasmas misturam-se (atravs da plasmogamia) e os ncleos+ e tambm se fundem (atravs da cariogamia) para formar muitos ncleos zigotos. A estrutura contendoo ncleo torna-se corada em preto e com aspecto verrugoso, formando o zigsporo diplide maduro, querepousa em estado dormente por 1 a 3 meses ou mais. O zigsporo germina para formar um novoorganismo haplide e a meiose ocorre durante o processo de germinao (fonte: Pelczar et al.., 1996).

    3.3.2 AscomycetesOs ascomicetos constituem um grande grupo de mais ou menos 30.000 espcies

    descritas. Recebem tambm o nome de fungos de saco pois seus esporos sexuais soproduzidos em pequenos sacos chamados ascos. Suas hifas geralmente tm septos,porm as paredes transversais so perfuradas, permitindo o movimento do citoplasma.

    Os ascomicetos variam na complexidade, desde leveduras unicelulares at mofosmulticelulares e fungos em forma de taa. Eles incluem a maioria dos boloresesverdeados, rosas e marrons que estragam os alimentos e as trufas comestveis. Osascomicetos desempenham um papel ecolgico importante na degradao de molculasanimais e vegetais resistentes como a celulose, lignina e o colgeno.

    Na maioria dos ascomicetos, a reproduo assexuada envolve a produo deesporos, chamados condios. Estes esporos desprendem-se das extremidades de certashifas conhecidas como conidiforos (que contm os esporos). Algumas vezes chamados

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    de "esporos de vero", os condios so um meio de rpida propagao do novo miclio.Eles variam na forma, tamanho e cor, nas diferentes espcies; a cor do condio que da caracterstica preta, azul, verde, rosa ou outra, a muitos destes bolores.

    A reproduo sexual ocorre aps duas hifas crescerem juntas e unirem seuscitoplasmas. Dentro desta estrutura fundida, os dois ncleos ficam juntos, porm no sefundem. Novas hifas desenvolvem-se a partir desta estrutura; as clulas destas hifas sodicariticas (2 ncleos). Estas hifas formam o corpo de frutificao conhecido comoascocarpo, onde o asco se desenvolve. Dentro de cada clula que ir se desenvolvernum asco, os dois ncleos fundem-se e formam um ncleo diplide, o zigoto. Cadazigoto sofre meiose e origina 4 ncleos haplides. Cada um destes passa por umamitose, resultando na formao de 8 ncleos. Estes, quando separados, formam osascsporos. Assim, dentro de um asco, h 4 ascsporos, que so liberados quando estese rompe. A figura 22 mostra o ciclo de vida do ascomiceto Neurospora sp.

    Figura 22: Ciclo de vida de Neurospora sp. O elemento feminino representado pelo protoperitcio. Oselementos masculinos so os condeos, que podem fornecer ncleo para um protoperitcio. Isto resulta naformao de ascos que produzem ascsporos haplides gerados por fuso sexual do ncleo de duasdiferentes cepas. A Neurospora pode tambm reproduzir-se assexuadamente atravs de condios (fonte:Pelczar et al..,1996).

    3.3.2.1 LevedurasAs leveduras, que so unicelulares, formam um dos grupos mais importantes e

    interessantes dos ascomicetos microscpicos. Esto reunidas em torno de 40 gneros,com aproximadamente 350 espcies.

    As leveduras possuem a capacidade de fermentar carboidratos, quebrando aglicose para produzir etanol e dixido de carbono. Este processo de fundamentalimportncia na produo de po, cerveja e vinho. Atravs dos anos, muitas linhagens

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    diferentes de leveduras tm sido selecionadas para este processo. A levedura de maiorimportncia econmica espcie Saccharomyces cerevisiae.

    Outras leveduras so importantes patgenos e causam doenas tais como o"sapinho" e a criptococose, infeco que pode atacar os pulmes, entre outras partes doorganismo humano.

    3.3.3 BasidiomycetesEsta diviso tem mais de 25.000 espcies e inclui os fungos mais familiares,

    como os cogumelos, as orelhas-de-pau, alm de importantes parasitas de plantas, comoos fungos do carvo e da ferrugem.

    Os basidiomicetos formam seus esporos sexuais dentro de estruturas chamadasbasdios. Na extremidade de cada um destes so formados 4 basidisporos. Quandoso liberados e encontram ambiente apropriado, desenvolvem-se num novo miclio. Ocorpo vegetativo de um basidiomiceto, tal como o do cogumelo comestvel Agaricuscampestris, consiste em uma massa de hifas brancas, tipo fios, ramificadas, que ficageralmente abaixo da terra. Massas compactas de hifas, chamadas botes, desenvolvem-se ao longo do miclio. Os botes desenvolvem-se numa estrutura que popularmentechamamos de cogumelo, que consiste de uma haste (estipe) e um "chapu", e que naverdade o basidiocarpo (figura 23).

    Os basdios esto localizados em lamelas que existem na superfcie inferior doschapus. Cada fungo individual produz milhes de basidisporos, e cada um podeformar, potencialmente, um novo miclio primrio. As hifas deste miclio tm clulasmonocariticas. Quando duas hifas de tipos diferentes se juntam, elas se fundem, pormseus ncleos no. Assim formado o miclio secundrio, com hifas dicariticas. Estashifas podem crescer e formar massas compactas, que so os basidiocarpos oucogumelos. Nas nervuras destes, os ncleos se fundem, formando zigotos diplides.Estes sofrem meiose e originam 4 ncleos haplides, que se localizam na superfcie dobasdio, como dedos, e vo formar os basidisporos (figura 24).

    Figura 23: O cogumelo um corpo de frutificao, ou basidiocarpo, que uma massa de hifas compactas(fonte: Davis et al.., 1990).

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    Figura 24: Ciclo de vida de um cogumelo, um basidiomiceto tpico. Um basidiocarpo desenvolve-se apartir do miclio, uma massa de "fios" entrelaados, que fica abaixo da terra. Na superfcie inferior do"chapu" esto as lamelas, onde se desenvolvem-se os basdios, que iro produzir os basidisporos.Quando os esporos alcanam um ambiente propcio, podem se desenvolver e originar um novo miclio(fonte: Davis et al.., 1990).

    3.3.4 DeuteromycetesEm torno de 25.000 fungos so classificados como deuteromicetos, que tambm

    so conhecidos como "fungos imperfeitos". Assim so chamados porque no observa-seo estgio sexuado em seu ciclo de vida. A maioria dos deuteromicetos reproduzem-sesomente por esporos assexuais ou condios (figura 25). Neste aspecto, lembram osestgios assexuais de ascomicetos e basidiomicetos, que tambm produzem esporosassexuais. Desta forma, acredita-se que alguns deuteromicetos possam ser ascomicetosou basidiomicetos que perderam a capacidade de formar ascos ou basdios.

    Entre os gneros economicamente importantes desta diviso esto o Penicilliume o Aspergillus. Algumas espcies de Penicillium produzem o conhecido antibiticopenicilina, enquanto outras espcies do sabor e aroma a queijos com Roquefort eCamembert. Espcies de Aspergillus so usadas para fermentar pastas e molhos de soja,alm de produzir cido ctrico comercialmente.

    Outros fungos imperfeitos so causadores de certas doenas, como Candidaalbicans, que causa a candidase, uma doena da mucosa da boca, vagina e tratoalimentar.

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    Figura 25: Fotomicrografiaeletrnica de varredura deconidiforos de Penicillium. Oarranjo dos condios (esporosassexuais) nos conidiforos varia deespcie para espcie e usado naidentificao dos fungos (fonte:Solomon & Berg, 1995).

    3.4 Fungos e suas associaes com outros organismosOs fungos podem se associar a organismos de diversas formas. Em algumas

    destas associaes os parceiros so mutuamente dependentes e no podem viverisoladamente. Em outras, os indivduos podem sobreviver por si mesmos.

    3.4.1 Liquens uma relao simbitica entre uma alga (ou uma cianobactria) e um fungo. O

    fungo geralmente um ascomiceto. As algas ou cianobactrias encontradas nos liquenstambm so encontradas livremente na natureza, enquanto que o parceiro fngico temsido encontrado somente como parte do lquen. As algas fabricam alimentos pelafotossntese, usando a gua e os minerais obtidos pelos fungos, enquanto estesdependem das algas quanto ao fornecimento de carbono orgnico. Liquens normalmentese reproduzem por simples fragmentao, ou pela produo de propgulos pulvurulentosespeciais denominados sordios, ou por pequenas projees do talo conhecidas comoisdios. Fragmentos, sordios e isdios contm tanto hifas do fungo como algas oucianobactrias; eles atuam como unidades de disperso que tm a funo de estabelecero liquen em novas localidades. A figura 26 mostra um esquema de uma secotransversal de um liquen.

    Existem mais ou menos 20.000 espcies de liquens. Eles toleram ambientesextremos de temperatura e umidade e crescem em quase todos os lugares exceto emambientes muito poludos, como cidades industriais, por exemplo. Por isso muitasespcies so utilizadas como bioindicadoras de poluio. Os liquens podem crescersobre troncos de rvore, picos de montanhas e rochas lisas. As cores dos liquens variamdo branco ao negro, passando por tonalidades de vermelho, laranja, marrom, amarelo ev rde. Esses organismos contm muitos compostos qumicos incomuns. Muitos liquenss o utilizados como fontes de corantes e tambm como medicamentos, bases fixadorasd

    condios

    conidiforose

    e perfumes ou fontes de alimento de menor importncia.

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    Figura 26: Uma seco transversal do liquen Lobaria verrucosa. Os liquens mais complexos consistemapenas em uma crosta de hifas entrelaadas envolvendo colnias de algas. Contudo, nos liquens mais complexos, ashifas e as clulas de algas esto organizadas em um talo com crescimento e forma definidos e uma estrutura internacaracterstica. O liquen mostrado tem 4 camadas distintas: (1) o crtex superior, uma camada protetora constituda dehifas de paredes muito espessadas; (2) a camada de algas, constituda por clulas de algas e hifas, estas de paredesfinas frouxamente entrelaadas; (3) a medula, que uma camada espessa de hifas frouxas e de paredes menosespessas. Esta camada, que constitui cerca de dois teros da espessura do talo, parece servir como rea dearmazenagem, com as clulas do fungo aumentadas; e (4) o crtex inferior, que mais fino que o superior e cobertopor finas projees (rizinas) que prendem o liquen ao substrato (fonte: Raven et al., 1996).

    3.4.2 MicorrizasA micorriza uma associao benfica entre um fungo e uma raiz de planta.

    Este termo derivado do grego, significando "raiz fngica". Estas associaes sousualmente benficas para a planta hospedeira, assim como para o simbionte e, algumasvezes, o hospedeiro no pode prosperar sem os benefcios oriundos do fungo, como ocaso de certas orqudeas, que so incapazes de germinar e se desenvolver a menos quesejam infectadas por fungos. As micorrizas melhoram a absoro mineral pelas plantasverdes que possuem, geralmente, um sistema de proteo, para impedir que o fungocause dano s radicelas. As micorrizas ajudam na transferncia direta do fsforo, zinco,cobre e outros nutrientes do solo para as razes. Por outro lado, a planta fornece carbonoorgnico ao fungo simbionte. Os parceiros fngicos so geralmente os zigomicetos e osbasidiomicetos.

    3.4.3 TrufasAs trufas so corpos frutificantes subterrneos de certos Ascomycetes que

    crescem em associao com algumas rvores, entre as quais o carvalho e a faia, que soos parceiros mais comuns. O fungo proporciona certos nutrientes arvore, a qual, porsua vez, fornece substncias essenciais para o crescimento do fungo. As trufasconsistem em uma massa de ascsporos e miclios, coberta com uma casca espessa eprotuberante do miclio. Possuem odor, gosto e textura agradveis, o que as tornaapreciveis pelos gourmets.

    3.5 Fungos economicamente importantesA capacidade das leveduras de produzirem etanol e dixido de carbono a partir

    da glicose de grande importncia econmica. O vinho produzido a partir da

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    fermentao do acar de frutas. A cerveja, a partir da fermentao da cevada. O pocresce atravs das bolhas de CO2 formadas a partir da fermentao.

    Entre os basidiomicetos existem cerca de 200 tipos de cogumelos comestveis ecerca de 70 espcies de cogumelos venenosos. Os cogumelos comestveis e venenosospodem ser muito parecidos e at mesmo pertencerem ao mesmo gnero. No h ummodo fcil para disti