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Universidade Federal do Piauí Centro de Educação Aberta e a Distância ONTOLOGIA I Elnôra Gondim Osvaldino Marra Rodrigues

Apostila Ontologia

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FILOSOFIA UFPI

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  • Universidade Federal do PiauCentro de Educao Aberta e a Distncia

    ONTOLOGIA I

    Elnra GondimOsvaldino Marra Rodrigues

  • Ministrio da Educao - MECUniversidade Aberta do Brasil - UABUniversidade Federal do Piau - UFPIUniversidade Aberta do Piau - UAPI

    Centro de Educao Aberta e a Distncia - CEAD

    ONTOLOGIA I

    Elnra GondimOsvaldino Marra Rodrigues

  • Cleidinalva Maria Barbosa OliveiraElis Rejane Silva Oliveira Samuel Falco SilvaFrancinaldo da Silva SoaresDjanes Lemos Ferreira GabrielCarmem Lcia portela Santos

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    REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUSECRETRIO DE EDUCAO A DISTNCIA DO MEC

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    DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAO ABERTA A DISTNCIA DA UFPI

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    REVISOREVISOR GRFICO

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    a utilizar o contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos. A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais poder ser feita com indicao da fonte.

    A cpia deste obra sem autorizao expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanses previstas no Cdigo Penal.

    G637o Gondin, Elnora/Rodrigues, Osvaldino Marra Ontologia I/ Elnora Gondin, Rodrigues, Osvaldino Marra - Teresina: EDUFPI/UAPI2010 122 p.

    ISBN: 978-85-7463-325-1

    1- Ontologia I. 2 - Filosofia. 3 - Educao a DistnciaI. Ttulo

    C.D.D. - 111

  • Este texto destinado aos estudantes aprendizes que participam do programa de Educao a Distncia da Universidade Aberta do Piau (UAPI) vinculada ao consrcio formado pela Universidade Federal do Piau (UFPI), Universidade Estadual do Piau (UESPI), Instituto Federal do Piau (IFPI), com apoio do Governo do Estado do Piau, atravs da Secretaria de Educao.

    O texto possui trs unidades que tratam de: Unidade 1- A especificidade da problemtica Metafsica; Unidade 2- O problema do Ser na Ontologia Clssica; Unidade 3- A crise da Metafsica no pensamento moderno.

    Na Unidade 1, apresentaremos ao leitor a viso geral da Metafsica, sua diviso e os pr-socrticos (primeiros metafsicos da histria do saber).

    Na Unidade 2, introduziremos o leitor no universo dos problemas da Ontologia Clssica, tomando como referncia Plato e Aristteles.

    Na Unidade 3, apontaremos para o leitor o histrico da Metafsica Moderna e o seu declnio.

  • UNIDADE 1A EsPECIFICIDADE DA METAFsICA

    Consideraes IniciaisMetafsica Geral e EspecialOntologiaOs pr-socrticos

    UNIDADE 2O PROBLEMA DO sER NA ONTOLOGIA CLssICA

    PlatoAristteles

    UNIDADE 3A CRIsE DA METAFsICA NO PENsAMENTO MODERNO

    Consideraes IniciaisDescartesSpinozaLeibniz. LockeBerkeleyHumeKant

    09

    39

    55

    11

    10397918480746257

    4841

    141313

  • UNIDADE 1

    A Especifi cidade da Metaf sica

  • UNIDADE 1

    A Especifi cidade da Metaf sica

  • 11Ontologia I

    A EsPECIFICIDADEDA METAFsICA

    Consideraes iniCiais

    De acordo com Hans Reiner, o nome Metafsica seria meramente contingncia e teria surgido pela classificao das obras de Aristteles, a compilao feita por Andrnico de Rodes no sculo I a.C.1 Tese esta contestada por Giovanni Reale, pois o termo implicaria tambm o contedo, no apenas a classificao bibliogrfica.2

    Coforme a hiptese de Heiner, o termo metafsica a contrao de quatro palavras: ta met ta physik. Significa, basicamente, aquilo que est depois (meta) da fsica. Sob esta perspectiva, ta met physik indica a posio catalogrfica dos 14 livros que compem o livro Metafsica, ou seja, os escritos que foram classificados aps os livros sobre a Fsica. Para compreender essa hiptese, permita um exemplo: suponha que algum escreva sobre vrios temas Fsica, Antropologia, Psicologia, tica, Teologia etc. Suponha que esta pessoa morra e seus escritos no estejam organizados. Obviamente, se for o caso de serem reconhecidamente importantes, seus descendentes ou discpulos contrataro uma pessoa especializada para catalogar, ordenar esses escritos esparsos de acordo com os temas neles trabalhados. Suponha igualmente que essa classificao obedea determinada ordem. Essa hiptese foi aplicada classificao dos escritos de Aristteles. O ttulo Metafsica foi conferido aos livros que sucediam imediatamente aos estudos sobre a Fsica. Neste sentido: aqueles estudos que foram catalogados aps (meta), ou depois, daqueles que tratam da Fsica. O problema: no existia um gnero que tivesse anteriormente classificado como metafsica.

    No obstante, o termo consolidou-se como conceito central da

    Metafsica no significa, apenas, aquilo que transcendente, mas, tambm, o que universal, necessrio e verdadeiro.

    sAIBA MAIs

    1 Cf., Hans Heiner, O surgimento e o significado original do nome Metafsica, p. 93.2 Cf., Giovanni Reale, Ensaio introdutrio, pp. 27 36.

  • 12 UNIDADE 01

    Filosofia. Reale chama a ateno que o ttulo concerne, igualmente, ao contedo dos livros que compem a Metafsica. Sob esta hiptese, a palavra Metafsica seria, simultaneamente, ttulo e contedo. Essa hiptese poderia, dentre outras, ser corroborada pela seguinte afirmao de Aristteles:

    dado que existe algo que est acima do fsico (de fato, a natureza apenas um gnero de ser), ao que estuda o universal e a substncia primeira caber tambm o estudo dos axiomas. A Fsica , sem dvida, uma sapincia, mas no a primeira sapincia3.

    Conforme Lima Vaz, o mundo fsico seria, sob o ponto de vista

    do conhecimento, o objeto primrio do conhecimento sensvel e, portanto, do mundo sensvel (to aisthetn). A este conhecimento ope-se aquele puramente inteligvel (to noetn): a Metafsica seria, portanto, o conhecimento do puramente inteligvel. Por conseguinte, todo objeto que, na constituio da sua inteligibilidade, no seja considerado como estruturalmente ligado a um tipo de experincia sensvel, objeto da Metafsica.4 Em outras palavras: Metafsica seria o princpio de inteligibilidade da totalidade do real.

    Fsicos so aqueles filsofos que procuravam o elemento primordial de onde as coisas surgem e que permanece o mesmo nas mudanas.

    Nesta perspectiva, se fosse elaborada uma biografia da Filosofia, esta seria permeada por questes metafsicas. Durante muito tempo Filosofia e Metafsica foram sinnimos.

    Segundo Mrio Porta, No perodo metafsico, a filosofia um discurso sobre objetos. Uma forma refinada dessa ideia, mas no a nica possvel, que se trata de um discurso sobre objetos de um tipo particular (por exemplo, suprassensveis ou no-empricos)5. neste contexto que se pode definir, tal qual Aristteles, a Metafsica como o estudo do Ser enquanto Ser.

    A palavra metafsica surgiu como ttulo de uma coletnea de textos de Aristteles, escritos no sc. IV a.C. O ttulo foi dado por Andrnico de Rodes no sc. I a.C., Ta Meta ta Physika, que significa O que vem depois dos escritos sobre a fsica. Aristteles, em seus textos,

    3 Metafsica III, 1005 a 33 ss. (As citaes da Metafsica sero conforme a edio de Bekker).4 Lima Vaz, Razes da modernidade, pp. 274 275.5 Porta, Mrio. A Filosofia a partir de seus problemas, p. 160.

  • 13Ontologia I

    no utilizou o termo metafsica; aos estudos sobre o Ser ele designava filosofia primeira. Em outras palavras, em alguns de seus textos, ele afirma ter como finalidade o conhecimento das causas primeiras, neste sentido, seu objetivo era a apreenso do Ser enquanto Ser.

    MetafsiCa Geral e espeCial

    Grosso modo, a Metafsica pode ser dividida em Geral e em Especial6. Esta corresponde aos estudos relacionados alma, ao mundo e a Deus. A Metafsica Geral refere-se Ontologia e, por sua vez, estuda o Ser enquanto Ser, isto , aquelas questes relacionadas com a universalidade das coisas, no levando em considerao as suas caractersticas particulares nem empricas7. Assim, a Ontologia um ramo da Metafsica que se preocupa com questes universais, necessrias8 e verdadeiras.

    A Metafsica Geral a estrutura para a Metafsica Especial. Ela relativa ao ontolgico, no ao ntico; ao ser e no aos entes9.

    ontoloGia

    O termo Ontologia foi cunhado por Jacobus Thomasius, filsofo alemo do sculo XVII, e sistematizado por outro filsofo alemo, Christian Wolff. A palavra composta e significa: onto, derivada do particpio n-ntos, existir, e logia, discurso.

    A Ontologia se ocupa do Ser em geral. Ao Ser impossvel uma definio, porquanto definir dizer o que , demarcar um determinado espao hermenutico. De outro modo, isso significa a mesma coisa de colocar o Ser em um conceito estreito, fato impossvel, tendo em vista que ele o conceito mais amplo de todos os outros. Contudo, por outro lado, possvel afirmar a existncia do Ser, porquanto a existncia10 em si, embora do que existir no se pode dizer nada, mas, to somente, intuir11 diretamente. Em contrapartida, pode-se responder a questo sobre que

    Christian Wolff enfatizou a Metafsica Geral.

    Ontologia: referente ao ser; ntico: referente ao ente.

    sAIBA MAIs

    6 Diviso elaborada por Christian Wolff a que vai ser utilizada aqui, embora alguns manuais dividam a Metafsica em Ontologia e Teodiceia (do grego thos, Deus, e dik, justia) significa a defesa da justia e da bondade de Deus em face das dvidas ou objees decorrentes dos fenmenos do mal no mundo.7 Emprica: relacionada experincia oriunda dos sentidos.8 Necessrio: aquilo que , e no pode ser de outra forma.9 Ente: aquele existente em ato.10 Existncia: significa estar a.11 Intuio racional: saber de algo, imediatamente, somente atravs da razo.

  • 14 UNIDADE 01

    consistir; tem-se uma infinidade de coisas que tm formas variadas de consistir, pois se pode afirmar que os objetos consistem nisso ou naquilo.

    Assim, a Ontologia relativa ao Ser, onde este no se pode conceituar, no entanto pode-se assinal-lo, isto , guiar a intuio para um local onde est o conceito do Ser; e para responder a pergunta quem o Ser basta perguntar o que o Ser. Se tal questo for respondida, esse no o Ser autntico, pois deste no se tem nenhuma definio.

    Parmnides pode ser considerado o primeiro a tratar da Ontologia e da Metafsica na histria da Filosofia, porque com ele a noo de Ser, tal como vista na tradio, foi colocada pela primeira vez.

    O passo inaugural da Metafsica e a audaz entrada do pensador eleata no mundo do inteligvel puro revelaram-no dotado de propriedades que o distinguem radicalmente do sensvel. O inteligvel na sua primeira manifestao ao pensamento s pode ser pensado como Ser absoluto: o absolutamente um, o que significa imediatamente a sua identidade com o prprio pensamento12.

    Porm, se for considerada a procura do Ser pela busca das caractersticas universais das coisas, pelos princpios primeiros, os pr-socrticos, embora realando aspectos sobre a physis, fizeram algo semelhante. Se assim o for, embora sob controvrsias, os pr-socrticos, ou fsicos, foram os primeiros metafsicos que se tem conhecimento na histria da filosofia.

    os pr-soCrtiCos

    Embora recebam a designao pr-socrtico, muitos viveram no mesmo perodo histrico de Scrates (desde o ano 624 a.C. at o sculo V a.C.). Por conseguinte, esta designao , sob o ponto de vista cronolgico, artificial. Esses pensadores inauguraram a filosofia como paradigma racional, contribuindo para o primeiro grande evento intelectual do Ocidente: o nascimento da razo grega. Por conseguinte, eles impuseram um novo caminho para o pensar, o Logos13 , rompendo com o tipo anterior de pensamento - o mtico.

    Isto pode ser constatado pelo fato de que na busca pela arch (elemento primordial de todas as coisas), os pr-socrticos apelam para

    12 Lima Vaz, Razes da modernidade, p. 275.13 Discurso racional em que as explicaes so justificadas. Para os pr-socrticos a natureza tem uma racionalidade, onde esta captada pela razo humana.14 Causalidade: conexo de causa e efeito entre fenmenos naturais.

    Pr-socrticos: antigos filsofos gregos que no so influenciados por Scrates. A classificao (no o termo) remonta a Aristteles.

    sAIBA MAIs

  • 15Ontologia I

    a noo de causalidade14; no entanto, cabe ressaltar: diferentemente do pensamento mtico, esse processo causal no infinito, porquanto eles estabelecem um princpio primeiro ou um conjunto de princpios que do origem ao processo racional.

    No entanto, a observao da interpretao do nascimento da filosofia como a passagem do mito ao Logos no algo que essencialmente caracteriza a filosofia pr-socrtica. A pergunta pelo princpio de todas as coisas, pela arch, encontrado na physis o elemento chave que caracteriza os filsofos pr-socrticos. Physis um termo grego que deriva do verbo phyo (fw) que significa fazer sair, nascer, crescer, engendrar, produzir. A raiz phy com o sufixo sis gera o substantivo physis, que significa nascimento, crescimento, ou melhor, aquela fora por cuja ao as coisas nascem e crescem.

    A physis, por conseguinte, uma fora dinmica, no algo definitivo e acabado, mas um processo em formao, por este motivo h a associao da vida com a natureza. Assim, com a concepo de physis como arch e como algo que tem uma alma, os pr-socrticos tentaram entender a racionalidade do homem e do Cosmo15. Logo, neste processo de abstrao, eles buscaram respostas universais e princpios primeiros para as questes.

    Dentre os pr-socrticos, ressaltam-se alguns:1 -Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxmenes e Herclito; Escola

    jnica16.2 - Pitgoras, Parmnides e Zeno: Escola italiana; viso de

    mundo mais abstrata, monistas17. 3 - Empdocles; segunda fase do pensamento pr-socrtico;

    pluralista18.

    tales de Mileto

    Tales de Mileto o primeiro filsofo que se tem conhecimento na histria do saber. Ele iniciou a filosofia da physis, afirmando que a causa de todas as coisas que existiam era a gua. Neste sentido, considerado naturalista. Para ele, tudo vem da gua; tudo sustenta a sua vida nela e, por causa dela, tudo se acaba. Para tanto, ele baseia as suas afirmaes

    Os escritos dos pr-socrticos sobreviveram em forma fragmentria.

    sAIBA MAIs

    Tales de Mileto: a physis era a gua. Ele foi considerado um dos Sete Sbios da Grcia.

    sAIBA MAIs

    15 Cosmo: ligado ideia de ordem; o mundo natural hierarquizado pela razo, do qual seus princpios e leis organizam e regem a sua realidade.16 Interesse pela physis; teorias da natureza.17 Monismo: corrente que acredita em uma s substncia formadora das coisas.18 Pluralista: corrente que acredita em mais de uma substncia formadora das coisas.

  • 16 UNIDADE 01

    em puro raciocnio; no Logos. A gua de Tales a physis lquida de onde tudo se origina; nela predomina a razo. A arch de Tales no a gua tal qual se concebe no mundo fsico; princpio originrio.

    anaximandro

    Anaximandro afirmava ser a gua algo derivado, sendo assim, ela no poderia ser o princpio, pois a arch o infinito, uma physis indefinida atravs da qual todas as coisas existem. Nesta perspectiva, o princpio para ele era o apeiron; aquilo que no tem limites. Esse , quantitativamente e qualitativamente, indeterminado. Ele imortal, indestrutvel; sustenta e governa tudo. No entanto, o apeiron no diferente do mundo, porquanto a sua essncia. Quanto gnese do cosmo, ele afirma que isso ocorre de um movimento eterno que gera os dois primeiros contrrios; o frio e o calor. O frio sendo de natureza lquida transformado em fogo-calor que formava a esfera perifrica no ar; a esfera do fogo se dividiu na esfera do sol, da lua e dos astros; o elemento lquido ficou nas cavidades da terra formando os mares.

    anaxmenes

    Para Anaxmenes de Mileto (582 a.C.- 524 a.C.) a arch, isto , o princpio criador de todas as coisas, o ar, que em ciclos infinitamente repetidos, origina todos os seres e suas diferenas qualitativas. Ele , tambm, a alma (feche), sopro divino similar ao ar que a tudo rodeia.

    Herclito

    Herclito nasceu em feso, cidade da Jnia. Ele escreveu um livro Sobre a Natureza. Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra os filsofos de seu tempo e contra a religio. Herclito considerado por muitos um eminente pensador pr-socrtico por formular o problema da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitrias. Ele estabeleceu a existncia de uma lei universal e fixa (o Logos), regedora de todos os acontecimentos particulares e fundamento da harmonia universal, harmonia feita de tenses "como a do arco e da lira".

    Para Herclito, o Ser o um, o primeiro; depois o devir. O ponto-chave e gerador de polmicas da filosofia heraclitiana a afirmao que

    Anaximandro: discpulo e sucessor de Tales na escola milsia.Anaxmenes: seguiu a tradio de Tales e de Anaximandro. Para ele, a origem do cosmo o ar.

    sAIBA MAIs

    Herclito enfatizou o logos: a unidade na mudana.

    sAIBA MAIs

  • 17Ontologia I

    "O Ser no mais que o no-Ser" nem menos; a essncia mudana. O verdadeiro apenas como a unidade dos opostos, onde o absoluto a unidade do Ser e do no-Ser. Para Herclito: "Tudo flui (panta rei), nada persiste, nem permanece o mesmo" e, por este motivo, ele compara as coisas com a correnteza de um rio - que no se pode entrar duas vezes na mesma corrente; pois nem o rio o mesmo, nem a prpria pessoa que entrou naquelas guas a mesma. Herclito afirma que o verdadeiro o devir, mas apreendido pelo Logos, nica coisa que permanece. Para ele, os opostos esto ligados numa unidade; nesta encontra-se o Ser e o no-Ser. Desta forma, o no-Ser Ser, porque ele . Os opostos so caractersticas do mesmo, como, por exemplo, o mel doce e amargo. A negatividade imanente e, assim, ocorre a unidade do real e do ideal, do objetivo e subjetivo; este o processo do devir. Com isto Herclito ligou o todo e o no - todo; o todo se torna parte e a parte o para se tornar o todo. A parte algo diferente do todo; mas , tambm, o mesmo que o todo ; a substncia o todo e a parte. Este o processo da vida tal como ocorre a harmonia do arco e da lira.

    Herclito afirmou que o tempo o primeiro ser corpreo, a essncia e a primeira forma do puro devir, o puro conceito. Sua caracterstica bsica a unidade do Ser e no-Ser. Nesta mudana de Ser para no-Ser, o tempo visto de maneira objetiva para quem o est vivenciando, embora seja, tambm, uma abstrata contemplao da mudana. No tempo esto o Ser e o no-Ser. O tempo intuio, porquanto no se pode represent-lo no real.

    O fogo a arch - e esse o modo real do processo heraclitiano, a alma e a substncia do processo da natureza. O fogo o tempo fsico e no permanente. Ele mudana, transformao em fumaa; evaporao (anathymasis) (fumaa, vapores do sol); e isto era a alma.

    pitgoras

    Pitgoras de Samos (580 a.C. - 500 a.C.), fundou em Critona uma comunidade que tinha como objetivo a purificao (katarsis) da alma das paixes do corpo atravs de certas prticas que no deveriam ser reveladas a ningum estranho comunidade. Pitgoras considerou que a alma era imortal, cuja unio com o corpo significava uma prova de que esta devia sofrer antes de sua definitiva liberao dos ciclos das reencarnaes.

    Pitgoras foi um pensador envolto em elementos legendrios, o

    Herclito: no conflito entre os opostos h harmonia.

    sAIBA MAIs

    Pitgoras: fundou associaes baseadas num estilo de rigorosa disciplina.

    sAIBA MAIs

  • 18 UNIDADE 01

    que faz ficar difcil distinguir nele e em seus discpulos o histrico do fantstico. Embora tudo isto, ele no deixa de ser uma pessoa muito importante no desenvolvimento da histria do saber. Ele no deixou escritos, historiadores atribuem trs textos trabalhados por ele que versam sobre a educao, o homem de estado e a natureza.

    Desta maneira, ele considerado um reformador moral e religioso. Algumas vezes ele apresentado como um homem de cincia, outras como o mentor de doutrinas msticas. Isto tudo se deve ao fato de ele no ter escrito nada e dos acusmticos terem divulgado a sua doutrina. Portanto, desta maneira, ocorreu uma literatura advinda, em grande parte, de testemunho histrico das doutrinas do prprio Pitgoras. Atualmente, alguns trabalhos so considerados fices, pseudnimos de origem posterior.

    O problema da arch , precisamente, tambm, o de Pitgoras. Para ele, o nmero a arch de todas as coisas. Este entendido tanto no sentido quantitativo, isto , matemtico, como no sentido qualitativo, ou seja, metafsico.

    Nos nmeros so distintos os pares (ilimitado) e o mpar (limitado). Eles so entre si opostos e esta oposio se encontra em toda a natureza explicando, assim, os seus contrastes. Os nmeros, desta forma, so a razo do devir e da harmonia. Por este motivo, nas coisas h um princpio de ordem e harmonia.

    Neste sentido, o mundo um cosmos, onde h, tambm, um princpio de desarmonia, a matria. Aqui cabe salientar que as leis da natureza podem ser ditas em termos matemticos, desta forma, adotado um princpio de inteligibilidade da ordem e da unidade do mundo.

    Os nmeros constituem a fora geradora da natureza tanto em relao ao devir quanto harmonia, onde a harmonia das quantidades, tais como limitado-ilimitado, a fundamental.

    Os nmeros constitutivos do cosmos e de sua ordem tm um princpio gerador, ou seja, o Um eterno e imutvel. Portanto, desta maneira, h um dualismo caracterizado por um lado o Um (princpio) e de outro os nmeros e as coisas das quais os prprios so leis intrnsecas. A unidade se compe de antteses, estas sofrendo as suas mutaes e se aquietando.

    O cosmos, para Pitgoras, uno, sem partes, compacto e limitado. Ele uma esfera vivente dotada de respirao e ao respirar algo penetra no seu interior, desagregando sua unidade, com isso se origina a pluralidade numrica das coisas, onde cada uma igual a

  • 19Ontologia I

    unidade ou a um nmero. Neste sentido, surge o conceito do contrrio, pois ao respirar o cosmos provoca uma dualidade no conceito de todas as coisas, gerando uma anttese de todos os elementos criados. Porm, h um vnculo que os coordena, isto , a harmonia e os nmeros so os princpios de todas as coisas. Sendo assim, o infinito e a verdade so a essncia das coisas. Atravs dos nmeros Pitgoras explica as realidades fsicas e as qualidades morais, onde os nmeros no so abstraes e sim coisas concretas.

    Para Pitgoras o mundo conhecido poderia ser explicado a partir da matemtica, pois o mais profundo nvel da realidade desta natureza, onde todas as relaes poderiam ser reduzidas a relaes numricas.

    Em astronomia Pitgoras contribuiu com trs importantes paradigmas:

    1 - os planetas, o Sol, a Lua e as estrelas se movem em rbitas perfeitas;

    2 - a velocidade dos astros uniforme;3 - a terra se encontra no centro dos corpos celestes.A alma prisioneira do corpo. Ela, no cosmos, vai tomando

    distintos corpos em todas as coisas, onde a forma mais alta so os astros: a alma eterna por ser semelhante aos astros e tem com eles sua verdadeira morada. Ela, por sua vez, pode eleger em que corpo vai encarnar como, por exemplo, o corpo de um animal, de uma planta, de um homem, etc. Por este motivo, h um parentesco entre todos os seres vivos. Em se tratando do homem, ele composto de corpo e alma. As almas so partculas depreendidas da pneuma19 infinita, elas vagam at se encontrarem nos corpos, nos quais entram por respirao. A alma um nmero que move a si mesma. Ela um princpio motor relacionado com a respirao csmica que , tambm, um meio de conhecer a harmonia universal onde a msica tem um papel fundamental nisto, pois atravs dela as paixes se acalmam e se eleva o esprito a perceber a harmonia em todas as coisas.

    Nos discpulos pitagricos h a seguinte diviso:1 - acusmticos ou ouvintes- so aqueles que no poderiam ver

    o mestre, porm, s poderiam escut-lo.2 - matemticos- aqueles que poderiam ver o mestre e question-

    lo.No se reconhece nenhum livro de autoria de Pitgoras, porm,

    muitas histrias so atribudas a ele.

    19 Pneuma: sopro vital, esprito.

  • 20 UNIDADE 01

    H um grande nmero de referncias a Pitgoras e seus seguidores. Estas tm trs elementos principais:

    1 - duvidosa reputao do sbio, tal qual mostra o texto seguinte:Hermipo narra um episdio da vida de Pitgoras. Chegando

    Itlia, construiu para si um abrigo subterrneo e pediu sua me que anotasse numa plaqueta, com indicaes quanto ao momento de todas as ocorrncias, e mandasse as notas para seu esconderijo subterrneo at seu reaparecimento. Sua me seguiu suas instrues. Passado algum tempo, Pitgoras voltou to magro que parecia um esqueleto. Entretanto, no recinto de assembleia, declarou que estava no Hades e leu para os presentes tudo que ocorrera durante sua ausncia. Os participantes da assembleia, perturbados com suas palavras, choravam e gemiam, acreditando que Pitgoras fosse uma divindade.20

    2 - ensinamentos sobre a psique: dizem que Pitgoras foi o primeiro a revelar o que a psique, de acordo com o ciclo imposto pelo destino, liga-se ora a um ser vivo, ora a outro.

    Desta maneira, Pitgoras foi o primeiro sbio a pensar a psique, trazendo-a para o campo da filosofia.

    3 - impregnao com o mito de Orfeu: os pitagricos, disse Aristxeno, recorriam medicina para purificar o corpo, e msica para purificar a psique.

    Neste sentido, msica, para Pitgoras, sinnimo de harmonia e est relacionada ao mito de Orfeu. Este era um poeta, casado com Eurdice. Ele, sendo atacado por um cidado, quem morre ela. Orfeu, inconformado, toca sua lira, a qual tem um poder formidvel. Com isso, ele vai ao mundo dos mortos e consegue encontrar os deuses dos mortos, fazendo com que Eurdice o acompanhe. Porm, embora ele tenha conseguido este feito, isso tem uma restrio: ele no pode olhar para Eurdice. Ao fazer isso, quando ele volta para a terra, Orfeu no quer saber de nenhuma mulher. As memphis no suportam ser descartadas e cortam a cabea de Orfeu, porm, sua boca continua cantando.

    Deste modo, Pitgoras era impregnado pelo mito de Orfeu no sentido de afirmar que a preocupao com a morte um cegar para o poder pensar e como, tambm, acreditar que h uma negao do olhar para se filosofar.

    Neste sentido, Pitgoras fala em uma vida includa na morte, onde no momento que o sopro acaba, acaba tudo. Assim, ele tem uma indignao em relao ao pensamento mtico, criticando os poetas

    20 Traduo do Prof. Dr. Donaldo Schler.

  • 21Ontologia I

    mticos, punindo-os no mundo dos mortos: comenta-se que Pitgoras, descendo ao Hades, viu a psique de Hesodo presa a uma coluna de bronze, gritando e a de Homero pendente de uma rvore cercada de serpentes, pelo que esses poetas haviam dito dos deuses, e viu punidos, tambm, aqueles que no queriam unir-se s suas mulheres.

    Assim, Pitgoras contra o pensamento mtico dentro de uma linguagem metafrica, mas ele no contra a poesia, pois esta tem um carter matemtico, ela calculvel.

    Neste sentido, est claro que o xito de Pitgoras no foi o de um simples mago ou ocultista que s chamava a ateno de pessoas inseguras, mas ele poderia ter sido algum que possua um poder psquico no muito comum. Desta maneira, ele foi comparado com diversos personagens visionrios da idade arcaica tardia, tais como Aristeas, Abaris e Epimnides, a quem se acreditava possuidor de um nmero de fatos espirituais que incluam profecias, exibies de poder sobre o mal, desaparies e aparies misteriosas.

    Muitas dessas afirmaes se devem ao fato de que Pitgoras acreditava que todos os conhecimentos que os gregos possuam nada mais eram do que fragmentos da grande sabedoria que se encontrava nos templos egpcios.

    Com isso, a fim de saber mais acerca dos mistrios da vida e do universo, era necessrio que se deslocasse para o Oriente, aos lugares em que esses conhecimentos ainda permaneciam vivos. Assim, escolhendo Esparta como partida, Pitgoras inicia uma grande viagem atravs das maiores cidades e templos do mundo antigo que se prolongou por 40 anos. Nesta viagem, ele encontrou com as maiores personalidades do seu tempo. Em Mileto, encontrou Tales e Anaximandro. Em Sas, encontrou o fara masis que, reconhecendo as suas enormes capacidades, permitiu a sua admisso nos templos iniciticos do Egito, onde levando uma carta de Polcrates que o recomendava a masis, aprendeu a lngua egpcia e, tambm, esteve entre os caldeus e os magos. Posteriormente, enquanto visitava Creta, penetrou na caverna do Ida com Epimenides, mas ainda no Egito entrara nos santurios e aprendera os ensinamentos secretos da teologia egpcia.

    Logo, foi no Egito, onde permaneceu em torno de vinte e cinco anos, que o filsofo de Samos extraiu os conhecimentos que fundamentariam seu ensinamento futuro.

    Existem ainda indcios de que teria sido discpulo de Zoroastro. Contudo, uma coisa parece evidente, ele estudou com os maiores

  • 22 UNIDADE 01

    mestres daquela poca.Vrios autores expem mximas como partes da doutrina de

    Pitgoras. No h dvida de que estas foram transmitidas verbalmente. Aos iniciados, Pitgoras exigia, provavelmente, que as memorizassem. Portanto, pode-se, em certo sentido, mas no com certeza, ter certo crdito nos escritos atribudos a Pitgoras.

    Dentro dos ensinamentos aos seus seguidores, podemos citar as regras da abstinncia. Algumas destas regras parecem precaues rituais prescritas aos iniciados; seus preceitos eram os seguintes: no atiar o fogo com a faca, no forar a balana, no sentar sobre a medida de gros, no comer corao de pssaro, ajudar a depor a carga e no agrav-la, ter sempre as cobertas enroladas juntas, no pr a imagem de um deus na placa de um anel, no deixar a marca das panelas nas cinzas, no esfregar um vaso com uma tocha, no urinar voltado para o sol, no caminhar por fora das estradas, no apertar mos com facilidade, no ter andorinhas sob o prprio teto, no criar animais com artelhos aduncos, no urinar nem pisar sobre unhas e cabelos cortados, no voltar na fronteira quando sair da ptria.

    plausvel afirmar que Pitgoras jamais teve a inteno de ser interpretado na ntegra. Estes dados refletem as preocupaes pitagricas que, possivelmente, diz que as mximas assim expostas tm, em sua origem, um sentido mais amplo, tal como informa Digenes Larcio:

    Com o preceito no atiar o fogo com uma faca, Pitgoras queria dizer: no se deve provocar a ira ou o orgulho inflado dos poderosos; com no forar a balana, no atentar contra a equidade e a justia; com no sentar sobre a medida de gros, cuidar tambm do futuro, pois a medida de gros rao para um dia; com no comer o corao de pssaro, queria significar no consumir a psique com aflies e penas; com no voltar na fronteira quando sair da ptria, advertia todos os que partem da vida, a no se deixarem deter pelo desejo de viver nem se deixarem atrair pelos prazeres desta vida. Poderamos explicar tambm os outros preceitos, mas isto nos levaria muito longe.

    Alm das regras acima citadas, pode-se constatar que, nas informaes que foram repassadas sobre o ensinamento de Pitgoras, h muita coisa que foi divulgada e que no era dele. Um exemplo pode-se constatar na seguinte passagem de Xenfanes:

    Agora passo a outro tema e mostrarei o caminho. (...) Dizem que, ao passar em uma ocasio junto a um cachorro que estava sendo

    21 Texto apresentado pelo prof. Dr. Donaldo Schler em sala de aula - PUC/RS

  • 23Ontologia I

    espancado, sentiu compaixo e disse: - Para, pois a psique que reconheci ouvindo-lhe a voz a de um amigo.21

    Porm, neste texto no citado o nome de Pitgoras, onde a observao de Xenfanes pode ter sido criada por ele pelo fato de Pitgoras ser um transmigracionista. Por este motivo, apenas provvel o fato de que Pitgoras acreditava em uma reencarnao, fazendo, assim, surgirem amplas interpretaes e criaes a respeito da sua doutrina.

    Pitgoras dividia em duas modalidades os tipos de alunos que ele tinha; alguns de seus seguidores recebiam o ttulo de matemticos, outros eram conhecidos como ouvintes (acusmticos). Os matemticos, depois de assimilarem o discurso do saber, aprofundavam os estudos em busca de rigor. Os acusmticos contentavam-se com sntese de assuntos tratados, desinteressados de exposies avanadas.

    Dentro deste contexto, uma das inferncias que se pode fazer quanto questo da divulgao do pensamento pitagrico a de que ela seria feita por acusmticos, ou seja, ouvintes que no tinham o direito de fazer perguntas ao mestre e que o entendiam na ntegra sem uma preocupao maior com a interpretao daquilo que eles ouviam. Logo, os acusmticos eram pessoas que s ouviam, mas no questionavam, porque isto era atribudo aos matemticos.

    Outro aspecto a merecer ateno: eram muitas pessoas que ouviam as prelees de Pitgoras. Segundo Digenes Larcio, embora isto possa parecer exagero, no menos de 600 pessoas participavam e escreviam a seus familiares contando o que ouviram. Ento, isto j se configura em um dado bastante relevante para considerar que muitas destas pessoas poderiam ter se equivocado quanto quilo que ouviram, como, tambm, poderiam ter aumentado nas cartas a seus familiares daquilo que presenciaram.

    Pitgoras foi um cientista e um filsofo, antes de ser um mstico. Ele fundou uma escola filosfica e nela eram desenvolvidos temas importantes para a humanidade, como:

    1. a realidade matemtica da natureza em seus nveis mais profundos;

    2. a filosofia pode ser utilizada para purificao espiritual;3. colocao do problema entre unidade e a multiplicidade;4. conceito de cosmos;5. conceito de Psique;6. teoria heliocntrica;7. pensamento como iluminao do homem;

  • 24 UNIDADE 01

    8. msica como harmonia para o pensar;9. respeito s mulheres;10. criador da palavra filsofo.Em suma, Pitgoras no poderia ser classificado apenas como

    mstico e no como sbio. Acima de tudo, ele foi um filsofo e isto fica evidente quando so mostrados os temas relevantes nos quais ele refletiu.

    Na sucesso dos filsofos, Soscrates diz que Pitgoras, quando Leon, tirano de Flis, perguntou-lhe quem era ele, respondeu: um filsofo. E comparava a vida ao aglomerado humano nos jogos: uns correm para competir; outros, para comercializar, os melhores vm, entretanto, para observar; assim na vida, uns comportam-se como escravos, so os caadores de glria e luxo; os filsofos, ao contrrio, procuram a verdade.

    Logo, algum que procura a verdade como um filsofo no pode ser considerado como um mstico em detrimento do sbio, como, tambm, algum que faz apologia s matemticas, como sinnimo de perfeio, no deveria ser designado somente mstico. Ademais, a sua doutrina do nmero que concebe este como a arch, o princpio de todo o presente e de tudo o que pensvel, do nmero entendido qualitativamente e ontologicamente, dos tetraktys, isto , a srie numrica 1 +2 + 3 + 4, cuja soma igual a 10, tomando isto como parmetro em relao aos princpios dos opostos, incluindo os corpos celestes, do movimento dos planetas e das estrelas, produzindo uma msica celestial; isto tudo no pode ser resumido ao nvel somente do mstico.

    parmnides de eleia

    Parmnides nasceu na cidade de Eleia, colnia grega fundada pelos foceus e situada ao sul da pennsula itlica, provavelmente entre os anos de 515 510 a.C.; o filsofo teria sido mdico. Achados arqueolgicos em Vlia, nome dado a Eleia no perodo romano e conservado at hoje, comprovariam a memria a Parmnides no perodo romano de uma escola de medicina local.

    Conforme testemunho de Plato, Scrates teria conhecido pessoalmente Parmnides: Na verdade, encontrei-me com o homem quando eu era muito novo e ele muito velho, e pareceu-me que tinha a profundidade de uma grande raa.22

    A fama de Pitgoras cresceu com o passar dos tempos.

    sAIBA MAIs

    Plato refere-se a Parmnides como venervel e terrvel. (Teeteto 183e- 184a).

    sAIBA MAIs

    22 Teeteto, 183 e 184a23 Ibid.

  • 25Ontologia I

    Muitos movimentos filosficos foram influenciados de diferentes modos por Parmnides.

    sAIBA MAIs

    Ainda conforme referido testemunho, Scrates teria afirmado que, provavelmente, no compreendamos as suas palavras e que em muito nos ultrapasse o que pensava.23 O mesmo testemunho encontrado em outro dilogo de Plato, intitulado Parmnides: Scrates nessa poca era bastante jovem.24

    Conforme testemunhos antigos, Parmnides teria elaborado quatro considerveis avanos cientficos poca:

    A a terra dividida em cinco zonas, delimitadas pelos dois trpicos e pelos crculos rtico e Antrtico;

    B a terra esfrica;C a lua recebe sua luz do sol;D a estrela vespertina e a matutina seriam o mesmo planeta. Alm disso, os sistemas filosficos e cientficos que postulam

    princpios de conservao (de substncia, matria, matria-energia) so herdeiros do princpio de deduo postulado por Parmnides, cujo pensamento foi conservado num nico poema, Sobre a Natureza, do qual no temos acesso em sua forma integral, mas apenas aos 160 versos conservados por seus comentadores.

    Originalmente o poema seria, provavelmente, dividido em duas partes: a primeira trata do Ser e a segunda, da fsica ou sistema do mundo. Neste poema filosfico a nfase recai sobre os problemas relacionados ao Ser e aos princpios do conhecimento verdadeiro. Nele, Parmnides faz uma distino entre a verdade (aletheia) e aparncia (doxa). A razo, pela primeira vez denominada Logos, nos conduziria verdade, enquanto os dados obtidos pelos sentidos, aparncia. Estas so as duas vias do Ser; a do no-Ser seria uma terceira, mas inacessvel, dir a deusa:

    Pois nunca fora ser mantida a demonstrao de que existe o que no , mas deves afastar o teu pensamento desta via de investigao, e no permitir que o hbito, filho da muita experincia, te obrigue a seguir este caminho, ao fazer com que uses um olhar que para nada se dirige ou um ouvido e uma lngua cheia de sons e significados: julga com a razo a prova muito contestada, a que me referi.25

    A deusa que dita a Parmnides as palavras de Sabedoria, o esclarece:

    Te direi os nicos caminhos da investigao em que importa pensar. Um, que e que impossvel

    24 Parmnides, 127 c.25 KR, 294.

  • 26 UNIDADE 01

    no ser, a via da Persuaso (por ser companheira da verdade); o outro, que no e que foroso se torna que no exista, esse te declaro eu que uma vereda totalmente indiscernvel, pois no poders conhecer o que no tal no possvel nem exprimi-lo por palavras.26

    Zeno de eleia

    Discpulo mais conhecido de Parmnides, Zeno tambm nasceu em Eleia, provavelmente por volta de 489 a.C. De sua vida sabe-se pouqussimo: que seu pai seria Teleutgoras, que teria passado toda a sua vida na sua cidade natal; que teria participado de uma conspirao contra um tirano; que ficou conhecido pela coragem pela qual foi submetido a torturas, fruto dessa conspirao; que desprezava Atenas e que teria escrito um nico livro.

    conhecido, sobretudo, por seus intricados argumentos sobre o paradoxo do movimento, melhor: sobre a iluso do mesmo. possvel relacionar os problemas elaborados por Zeno em defesa das teses de Parmnides: esses escritos prestam uma assistncia ao argumento de Parmnides contra os que tentam caricatur-lo, , se o um , resulta para o argumento ser afetado por coisas mltiplas e ridculas, e mesmo contrrio e ele prprio. Assim sendo, esse escrito contesta os que dizem o mltiplo, e lhes devolve na mesma moeda, com juros, ao querer demonstrar que a hiptese deles, de que h mltiplas coisas, seria afetada por coisas ainda mais ridculas do que de que um , se elas fossem desenvolvidas suficientemente.27

    Vrias referncias sobre Zeno encontram-se na obra de Plato. Aqui destacamos uma, quando Scrates teria afirmado, comparando Zeno ao lendrio inventor da aritmtica: No sabemos que o Palamedes eletico falava com tanta arte que a mesma coisa parecia aos seus ouvidos semelhantes e dessemelhantes, unidade e diversidade, imvel e em movimento?28

    Tambm pela doxografia platnica sabe-se, resumidamente, do tema do nico tratado que teria sido escrito por Zeno (embora, provavelmente, o encontro com Scrates nunca tivesse efetivamente ocorrido):

    Zeno: um dos principais representantes da Escola de Eleia.

    sAIBA MAIs

    26 KR, 291.27 In: Plato, Parmnides, 128 c d.28 Fedro, 261 d.

  • 27Ontologia I

    que queres dizer com isso, Zeno? Que, se os seres so mltiplos, ento necessrio que eles sejam tanto semelhantes quanto dessemelhantes, mas que isso impossvel, pois nem as coisas dessemelhantes podem ser semelhantes nem as semelhantes, dessemelhantes? No isso que queres dizer? isso mesmo, disse Zeno. Ento, se impossvel as coisas dessemelhantes serem semelhantes, tambm impossvel haver mltiplas coisas, no ? Pois, se houvesse mltiplas coisas, seriam afetadas pelo que impossvel. Ser isso que querem dizer teus argumentos: no outra coisa seno sustentar decididamente, contra tudo o que se afirma, que no h mltiplas coisas? E disso mesmo crs ser prova para ti cada um dos argumentos, de sorte que tambm acreditas apresentar tantas provas de no h mltiplas coisas quantos argumentos escreveste? isso que queres dizer, ou no estou entendendo direito? Ao contrrio, disse Zeno, compreendeste muito bem o que, no todo, o escrito visa.29

    a dialtica: instrumento da razo

    Conforme estudiosos, caberiam a Parmnides e a Zeno a inspirao do mtodo utilizado por Scrates, o elenchus30, oriundo da dialtica. Inicialmente, dialtica estava vinculada poltica. Sua aplicao visava ao propsito de vencer as disputas pblicas e derrotar publicamente o adversrio. A dialtica atingiu a maturidade com os sofistas, filsofos itinerantes e livres, sobretudo com a antiologia, um recurso discursivo que sustenta simultaneamente teses opostas ensinadas queles que procuravam destaque no espao pblico e que precisavam, portanto, combater as oposies dos adversrios e derrot-los.

    Cabe ressaltar que, para um antigo, a humilhao imposta pela derrota numa disputa pblica era um fato insuportvel. possvel, sobretudo pelo respeito devotado memria devida a ambos, que Parmnides e Zeno nunca tenham sido derrotados numa discusso pblica, num gon. Giorgio Colli explica que o

    29 Parmnides, 127 d 128a. 30 O termo significa, em linhas gerais: questionar o que o outro afirma com vista a pr prova ou examinar a fora ou credibilidade do que o outro diz ou afirma. Em Scrates, o elenchus tinha, quase sempre, a inteno de demonstrar as confuses, contradies e outros defeitos nas posies de seus oponentes. Em Scrates, portanto, o termo veio a significar a refutao de alguma concepo ou tese.

  • 28 UNIDADE 01

    perfeito dialtico se encarna no interrogante: ele coloca as perguntas, dirige a discusso dissimulando armadilhas fatais para o adversrio, atravs de longos rodeios argumentativos, solicitaes de anuncias sobre questes bvias e aparentemente inofensivas, que acabaro se revelando essenciais para o desenvolvimento da refutao.31

    Com Zeno a dialtica tornou-se um organon, um instrumento da razo, um mtodo do pensamento, uma arte que consiste em confrontaes de teses constitudas por intermdio de perguntas e respostas, procurando entre elas contradies que minam os argumentos falaciosos, ou seja, argumentos que no resistam refutao e, por consequncia, sejam comprovadamente no verdadeiros ou inconsistentes. Portanto, a dialtica deixou de ser uma tcnica meramente poltica para se tornar uma teoria geral do Logos.

    Ante os argumentos zenonianos, toda crena e convico, religiosa ou cientifica, e toda racionalidade construtiva mostram-se ilusrias e inconsistentes: qualquer objeto, sensvel ou abstrato, expresso em um juzo pode ser demonstrado contraditrio, como ser e no ser, ao mesmo tempo possvel e no possvel. Esse resultado, a cada etapa obtida por meio de rigorosa argumentao, demonstra a fragilidade e at mesmo a possibilidade de ser pensvel o objeto.

    Por consequncia, em sua dialtica Zeno procurou demonstrar o ilusrio do mundo capturado pelos sentidos e impor um novo olhar sobre as coisas que percebemos pelos nossos sentidos, demonstrando que o mundo sensvel mera aparncia. Em outras palavras, o movimento percebido pelos sentidos no pode ser compreendido seno pela razo; caso contrrio envolve contradies que levam a concluses absurdas, resultando em aporia, ou seja, dificuldade de raciocnio e de argumentao que desemboca num beco-sem-sada.

    ontologia e Metafsica

    Outra dvida da filosofia posterior a Parmnides: este fundamentou as bases do conceito Ontologia. Esta palavra foi elaborada por Jacobus Thomasius, filsofo alemo do sculo XVII, e sistematizado por outro filsofo alemo, Christian Wolff. A palavra composta: onto, derivada do

    31 Giorgio COLLI, O nascimento da filosofia, p. 6832 In: Gilbert RYLE (et al.), Ensaios, p. 217.

  • 29Ontologia I

    particpio n-ntos, existir, e logia, discurso. Nas palavras de Willard van Ormam Quine, o conceito de Ontologia poderia receber uma formulao em trs monossilbicos, resumidos pergunta: O que h?32. Em outras palavras, a Ontologia um discurso conceitual que visa compreenso do que existe na totalidade, tanto as caractersticas do que existe quanto as causas e os princpios da existncia do todo.

    A Ontologia, conforme clebre formulao de Aristteles, seria o ncleo duro, o cerne da Filosofia, o problema por excelncia:

    Existe uma cincia que considera o ser enquanto ser e as propriedades que lhe competem enquanto tal. Ela no se identifica com nenhuma das cincias particulares: de fato, nenhuma das outras cincias considera universalmente o ser enquanto ser, mas, delimitando uma parte dele, cada uma estuda as caractersticas dessa parte.33

    Com Parmnides e Zeno o sentido do mundo seria estabelecido como uma ordem de conceitos conforme a razo: pois o mesmo pensar e ser. Nesta perspectiva, tal a sentena parmenidiana o fundamento do primeiro princpio para o conhecimento, pois implica uma lgica da no-contradio, o princpio do terceiro excludo: o que pode ser pensado no pode, simultaneamente, no ser pensado e, inversamente, o no pensado no pode ser pensado; em outras palavras: no pode ser objeto de pensamento. na razo que se concebe e se resolve o discernimento sobre as questes do vir-a-ser.

    Em Parmnides, se alguma coisa existe e , no pode nascer ou perecer, transformar-se ou mover-se e nem estar sujeita s imperfeies; esta ideia foi magistralmente resumida a uma clebre formulao escolstica: ex nihilo nihil fiat [do nada se faz]. Em Parmnides o que ingnito e imperecvel existe; por ser completo, de uma s espcie, inabalvel e perfeito.34

    A mudana, ou movimento, ao contrrio, o que no , porquanto na mudana o que deixa de ser, o que era j no , deixou de ser e o que ser no ser o que atualmente. Na mudana, ou movimento, no h permanncia e o vir-a-ser no pode ser adequadamente compreendido pelos sentidos. Pode-se apenas compreender a mudana se h algo que nela permanea e nos permita conhecer algo enquanto tal. Para Parmnides o movimento percepcionado , portanto, mera aparncia, um aspecto superficial da realidade.

    Portanto, para Zeno e Parmnides, assim como para Herclito, os

    33 Metafsica, IV, 1, 1003a.34 KR, 295.

  • 30 UNIDADE 01

    sentidos no constituem instrumentos adequados para o conhecimento verdadeiro, e a mera opinio no pode ser o critrio para a verdade, porquanto estritamente vinculada s percepes individuais. Essa tese foi magistralmente exposta por Plato, no dilogo Teeteto: se a verdade para cada um que opina atravs da percepo e ningum pode julgar a experincia de outro melhor que ele, ningum ser melhor a examinar a opinio de um outro, se correta ou falsa.35 Consequentemente, o acesso verdade deve ser procurado numa instncia distinta aos sentidos.

    Deve-se ressaltar que Parmnides, conforme Aristteles, teria sido forado a levar em conta os fenmenos e sups que o um conforme a razo, enquanto o mltiplo conforme os sentidos.36 Essa caracterstica implica uma hierarquia necessria na ordem do conhecimento, na qual a razo tem precedncia sobre os sentidos.

    o movimento real? o paradoxo de Zeno

    A experincia do movimento , dentre os dados da sensibilidade, um dos fenmenos mais imediatos e universais quanto ao nosso contato com o mundo efetivo. Os argumentos mais conhecidos de Zeno, preservados, mas reformulados por Aristteles, so aqueles que problematizam o conceito de movimento. Cabe ressaltar que o filsofo de Eleia no negou a percepo que temos do movimento, do mltiplo e da variao. Seu objetivo foi submeter os dados oriundos dos sentidos s exigncias lgicas da razo, demonstrando que a experincia do movimento e da multiplicidade, obtidos pelos sentidos, so, aos olhos da razo, irracionais e absurdos. Em outras palavras, os argumentos propostos por Zeno afrontam o senso comum (doxa), pois procuram defender a tese da imobilidade do ser do ente.

    Deve-se, como afirmado no pargrafo acima, a Aristteles o testemunho dos quatro argumentos relacionados a Zeno: Quatro so os argumentos de Zeno sobre o movimento, que causam tais dificuldades aos que tentam solucionar os problemas que eles apresentam.37 Os argumentos zenonianos elencados por Aristteles sero expostos sucintamente a seguir, embora restritos formulao geral, porquanto as interpretaes propostas pelo estagirita so suscetveis de mltiplas interpretaes e parecem no corresponder a contento os objetivos de

    35 Teeteto, 161 d.36 Metafsica, I, 5, 986 b. 37 Fsica, VII, 9, 239 b.

  • 31Ontologia I

    Zeno. Ressaltamos, igualmente, que a compreenso do primeiro

    argumento um passo metodolgico importante, porquanto conseguimos entrever nele as teses zenonianas sobre o movimento.

    o estdio

    De acordo com Aristteles, O primeiro argumento sustenta a no-existncia do movimento com base no princpio de que aquilo que est em movimento deve chegar ao meio do caminho antes de chegar meta final38. Suponha que um corredor (C) parte da extremidade (A) para outra extremidade (B). Ao partir, ter de alcanar a metade desse mesmo estdio; em seguida a metade da metade; em seguida a metade da metade da metade, assim sucessivamente, sem nunca conseguir atingir a outra metade do estdio (B). Este argumento classicamente denominado reductio ad absurdum:

    A |----------------C --------------------| B (A B) A |------------C A|---------------------| B (A A B) A |------C A|------A|---------------| B (A A A B) A |---C A|---A|---A|------| B (A A A A B)

    Para melhor compreender o argumento, observe as seguintes consideraes:

    A o espao AB composto por um nmero infinito de pontos;B o corredor C no poder atingir o ponto B num tempo finito, j

    que o espao AB composto por um nmero infinito de pontos;C pode-se inferir que o tempo e o espao aqui considerados so

    infinitamente divisveis. Portanto, seria impossvel percorrer num tempo finito um espao pressuposto como infinitamente divisvel.

    aquiles e a tartaruga

    Este paradoxo o mais conhecido de Zeno. Assim o enuncia Aristteles: O segundo argumento chamado Aquiles e consiste no seguinte: numa corrida, o corredor mais rpido jamais consegue ultrapassar o mais lento, visto o perseguidor ter de primeiro atingir o

    38 Fsica, VII, 9, 239 b.39 Fsica, VII, 9, 239 b.

  • 32 UNIDADE 01

    ponto de onde partiu o perseguido, de tal forma que o mais lento deve manter sempre a dianteira.39

    Esta aporia objetiva demonstrar que, caso a tartaruga sasse na frente, Aquiles jamais a alcanaria. Aquiles, smbolo da velocidade, e a tartaruga, smbolo da lentido, fazem uma corrida, tendo Aquiles dado uma vantagem sua concorrente. Quando Aquiles parte, a tartaruga j se encontra num ponto mais avanado. Quando o heri pretende ultrapassar a tartaruga, ter de chegar ao ponto do qual ela partiu. No obstante, a tartaruga j ter atingido um ponto mais avanado, a que Aquiles ter de chegar, e assim sucessivamente, sem que Aquiles consiga ultrapassar a tartaruga. Para que a tartaruga seja ultrapassada, Aquiles teria de ultrapassar o infinito, o que seria impossvel:

    A |C|A---C|A---C|A------C|A------------------------| B

    O segundo argumento mais complexo, porquanto:A Introduz um segundo corpo, havendo assim um movimento

    relativo entre dois corpos;B O movimento aqui considerado no contnuo, mas uma

    sucesso de pequenos saltos.

    A flecha disparada

    Assim apresenta Aristteles o argumento da flecha: diz que a flecha em movimento est em repouso. Este fundado sobre a premissa de que o tempo composto de instantes.40 Neste argumento atribudo a Zeno, o paradoxo do dobro da metade do tempo consiste na afirmao de que uma flecha disparada pelo arqueiro est em repouso contnuo. Um objeto est em repouso quando ocupa um espao igual s suas prprias dimenses, em outras palavras: uma coisa est sempre em repouso quando ocupa um lugar idntico a si mesmo. Desta forma, uma flecha disparada vai paulatinamente ocupando sucessivamente uma srie de espaos iguais s suas dimenses, implicando que o movimento seja uma srie de repousos.

    O quarto e ltimo argumento de Zeno , provavelmente, o mais

    40 Fsica, VII, 9, 239 b.

  • 33Ontologia I

    complexo e assim foi descrito por Aristteles: O quarto argumento o que se refere a corpos iguais que se deslocam num estdio a igual velocidade, passando em direes opostas por corpos iguais, uma das fileiras a partir do estdio e a outra a partir do centro . Pensa ele que, neste caso, a metade do tempo igual ao dobro.41

    Observe atentamente o diagrama seguinte, elaborado por Aristteles a representar uma hipottica situao inicial, no qual h trs sries constitudas de igual nmero de corpos do mesmo tamanho, sendo que os corpos A se encontram em repouso e B e C correm, mas em direes opostas, (B = D E); (C = DE):

    A = Corpos em repouso (A)B = Corpos em movimento de D para E (D E)C = Corpos em movimento de E para D (DE)DE = EstdioCabe ressaltar que os corpos A, B e C so de igual tamanho.

    Enquanto os corpos A esto em repouso, os corpos B e C esto em movimento contrrio e mesma velocidade.

    Conforme Zeno, os corpos C avanam dois A e, ao mesmo tempo, avanam tambm quatro B. Ou seja, os corpos C, ao mesmo tempo em que avanam metade do corpo A, avanam a totalidade do corpo B. Portanto: 2A = 4B, ou seja, a metade igual ao seu dobro. Transferindo-se estas unidades espaciais para temporais, podemos dizer que a metade do tempo igual ao seu dobro. Ou seja, num dado momento as trs sries estaro emparelhadas e, como resultado final, teramos o seguinte diagrama:

    41 Fsica, VII, 239 b.

  • 34 UNIDADE 01

    Enfim, podem-se destacar os esforos de Zeno em demonstrar que os conceitos referentes ao movimento apresentam-se como paradoxais ao senso comum. frequente a suposio que o movimento ocorre no tempo presente e est submetido a uma medida absoluta. Uma alternativa, e parece ser esse o caso de Zeno, consiste em analisar o movimento de um corpo a partir de uma posio relativa: seja suas posies anteriores e posteriores compreendidas como instantes indivisveis; ou das posies relativas de outros corpos em movimento. De uma forma ou de outra o movimento no acessvel a uma experincia direta e, enquanto tal, no possui os sentidos que a ele atribumos.

    argumentos de Zeno contra a pluralidade

    A argumentao contra as teses da pluralidade feita pelo Eleata foi importante, porquanto no seu tempo surgiram no apenas as concepes de movimento e de infinito (apeiron), como a concepo pluralista do real. Zeno vai criticar o pluralismo levando os argumentos destes s ltimas consequncias e demonstrando logicamente os absurdos contidos nas teses sobre as quais se fundamentavam a defesa da multiplicidade e do movimento: Se a pluralidade existe, as coisas sero igualmente grandes e pequenas; to grandes que sero infinitas em tamanho, to pequenas que no tero qualquer tamanho42.

    Nesta passagem, coisas devem ser entendidas como conjuntos de unidades, ou seja, de corpsculos. Se os corpsculos no tm dimenso, as coisas, por consequncia, devero ser iguais a zero, isto , inexistentes o que constitui um absurdo. Se os corpsculos, que sero infinitos em cada coisa, tm dimenso, ento, neste caso, cada coisa ser infinita. Ora, se existe um conjunto de coisas em que cada uma infinita, encontramos o absurdo ao contemplar um mundo cheio de infinitos. Ao que parece, esse argumento poderia ser confirmado por outro fragmento, considerado pelos estudiosos contemporneos inquestionavelmente autntico, e que chegou a ns intacto: Se h muitas coisas, so ilimitadas as coisas que existem; pois h sempre outras entre as coisas que existem, e de novo outras no meio delas. E assim as coisas que existem so ilimitadas.43

    Resumindo, parece que os argumentos de Zeno contra a pluralidade deduzem-se sistematicamente das premissas que afirmam a

    42 Frg. B 1.43 KR, 315.

  • 35Ontologia I

    pluralidade das coisas: A) Se h muitas coisas, estas devem ser grandes e pequenas

    (pequenas o bastante para no terem tamanhos e to grandes como para serem infinitas. Quanto a este ponto, caberia destacar um subargumento, que emprega o princpio de dicotomia, ou diviso: tudo aquilo que possui tamanho pode ser dividido em duas coisas, em trs, quatro etc., num processo infinito; e a reduo ao infinito logicamente absurda em outras palavras: a unidade no possui grandeza;

    B) Se existe pluralidade, o total das coisas deve ser, ao mesmo tempo, finito e infinito em nmero: finito porque pluralidade implica um nmero definido e, portanto, finito; infinito porque duas ou mais coisas requerem limites ou, generalizando, marcas distintivas: com isto iniciamos outro argumento de progresso e regresso ao infinito tambm um absurdo lgico;

    C) Se h muitas coisas, devem ser simultaneamente semelhantes e dessemelhantes. Mas este um argumento suscitado por Plato e desenvolvido, sobretudo, no seu dilogo Parmnides.

    empdocles

    Empdocles foi filsofo, mdico e poeta, nasceu em Agrigento. Sua filosofia recebeu influncias da teoria pitagrica quando:

    1 - ele admite uma inteligncia divina difundindo uma alma universal no cosmos;

    2 - concede uma importncia considervel unidade; esta vista como o princpio primeiro das coisas e como algo que contm os quatro elementos materiais delas;

    3 - cr na importncia das formas simblicas e faz uso de termos mitolgicos, tais como: Edoneu (Hades) que significa Terra; Nestis, a gua; Hera ao ar e Zeus ao fogo.

    Em relao physis, Empdocles pode ser classificado, grosso modo, elementar, porquanto atribui a ela quatro elementos constituidores das coisas: terra, gua, ar e fogo. Igualmente a Herclito, Empdocles concedia a este ltimo elemento um papel fundamental em relao constituio das coisas.

    A linguagem simblica e a forma potica que Empdocles utilizou no permitem discernir quais eram as suas reais opinies; por um lado, ele fala dos quatro elementos atribuindo-lhes uma pluralidade de substncias; por outro lado, ele se refere a uma unidade superior que absorve todas

    Empdocles: criou uma teoria fsica em resposta a Parmnides.

    sAIBA MAIs

  • 36 UNIDADE 01

    as coisas. Porm, conforme as afirmaes mais correntes, o filsofo de Agrigento tem como fundo essencial de sua teoria a constatao de que os quatro elementos so substncias de todas as coisas, inclusive no s dos corpos, mas, tambm, dos espritos, isto , da alma humana. Empdocles no pode ser considerado um materialista, porquanto a fora e a matria, para ele, so separadas. A fora dividida em dois aspectos: o amor e o dio. Estes so encarregados da formao e da destruio do mundo, sendo relacionados repulso e a atrao. Estas foras so independentes da matria. Desta forma, quando o amor reina tudo fica em harmonia, em contrapartida, se for o dio, tudo se dissipa.

    1. Qual a diviso da Metafsica? Explique.2. Por que a Metafsica faz parte da biografia da Filosofia? Explique3. Qual o problema geral dos pr-socrticos? Explique.4. Qual a diferena da physis para a fsica moderna? Pesquise.5. Escreva com suas palavras as diferenas entre o monismo e o pluralismo pr-socrtico. Justifique sua resposta. 6. Em que sentido pode-se afirmar que o pensamento de Pitgoras foi um marco em relao aos pr-socrticos ? Pesquise. 7. Por que h um diferencial entre a teoria de Herclito em relao aos outros pr-socrticos? Explique.8. Explique quais as influncias que Parmnides obteve de Herclito.9. Relacione: Zeno e o movimento.10. Defina o ser de Parmnides. Explique.

  • 37Ontologia I

  • UNIDADE 2

    O Problema do ser na Ontologia Clssica

  • UNIDADE 2

    O Problema do ser na Ontologia Clssica

  • 41Ontologia I

    O PROBLEMA DO sER NA ONTOLOGIA CLssICA

    plato

    Pode-se plausivelmente constatar que Plato influenciado por Parmnides em trs aspectos:

    1- o mtodo para o filosofar aquele que tem como paradigma a intuio racional;

    2- a teoria dos dois mundos; isto , as ideias so modelos dos quais participam os objetos concretos; a ideia o primeiro modelo que os objetos sensveis imitam;

    3- a dialtica; onde esta visa expor e estabelecer o carter de aparncias das opinies, fazendo com que as pessoas tenham, por si s, conscincia disso.

    No entanto, Plato vai inquirir sobre o que h de imutvel e verdadeiro no Ser, a ousa (ideia ou forma); aquilo que h de universal e susceptvel de definio. O Ser o gnero supremo de que todas as ideias participam, embora elas mesmas sejam distintas dele. Plato vai lidar com o discurso ontolgico; isto , aquele que procura o Logos para definir as coisas. Assim, o Logos platnico unidade sinttica, isto , aquilo que define a essncia dos objetos. Neste sentido, as ideias constituem as essncias das coisas do mundo sensvel, onde neste no reside a verdade, mas apenas sombra do mundo inteligvel, aquele das ideias. Assim, a Ontologia Clssica tem incio com Plato, atravs da sua teoria das Formas ou das Ideias. Desta maneira, para Plato, aquilo que se convencionou designar sob o conceito Ontologia deve ser entendido como a doutrina sobre a natureza ltima e essencial da realidade. Por consequncia, para se ter uma compreenso das coisas, a teoria do conhecimento deve ser pr-requisito para a teoria sobre a natureza da realidade a ser conhecida (a Ontologia).

    Neste sentido, a filosofia platnica algo racional que tem como

  • 42 UNIDADE 02

    pressuposto uma teoria reguladora que, abstraindo-se aos fenmenos do mundo sensvel, passa a constituir a ordem do especulativo e do contemplativo, isto , passa a ser uma realidade ideal e abstrata.

    Para se falar de Plato tem-se como referncia, de uma forma aleatria, algumas obras dele, tais como: Fdon, Hpias Maior, Crmides e A Repblica.

    fdon

    O Fdon um dilogo que comea com Scrates recebendo amigos na manh de seu ltimo dia, portanto, no dia da sua condenao pela polis Atenas. Da surge a questo: que atitude o filsofo deve ter perante a morte?

    Plato comea o dilogo com Fdon afirmando que estava junto de Scrates no dia em que ele tomou a cicuta. Isto significa que, no presente dilogo, Scrates j estava ausente.

    Aqui bom enfatizar que Scrates, entre a sentena e a sua morte, passou algum tempo no crcere sendo visitado por amigos. Em uma das suas falas, Scrates afirma acreditar que os filsofos estariam prontos a morrer de bom grado; ele tem a certeza de que o discurso sobrevive, ele no se dissolve gerando discursos.

    O discurso , assim, vida, algo constitudo, Logos. Desta maneira, pensar de forma filosfica fazer discurso que tem como ponto de partida o que disseram os poetas.

    Contudo, com o acima exposto, no se quer afirmar que o filsofo deve ter um desprezo pelo sensvel. Quem crer que Plato despreza o corpo no o entendeu corretamente, como ele mesmo afirma:

    ns conhecemos a igualdade antes daquele momento que, vendo pela primeira vez as igualdades nas coisas, temos a ideia de que todas elas querem ser idnticas igualdade (...). Seja como for, atravs das sensaes que temos que compreender que toda a igualdade sentida aspira essncia da igualdade em si, mas lhe fica aqum (...) aquela reflexo no tem outra origem, nem mesmo seria possvel conceb-la seno partindo do emprego da viso, do tato ou de um dos outros sentidos.44

    Fdon: primeiro dilogo que postula a existncia das Formas.

    sAIBA MAIs

    44 Fdon, p.199.

  • 43Ontologia I

    Desta forma, Plato parte do sensvel para atingir o inteligvel, parte da doxa (opinio) para a episteme (conhecimento verdadeiro). Ele sempre se preocupou com a construo da vida at alcanar o mundo inteligvel.

    Sendo assim, Plato parte do sensvel para refleti-lo. Porm, o que o autor do Fdon faz a diferena entre o corpo e a psique, onde o corpo priso da psique. Para isto, no entanto, ele comea com o corpo para atingir a racionalidade. Onde, neste caso, ela Logos, discurso, e este imortalidade.

    Assim, como o corpo discursivo est unido psique, a funo do filsofo criar argumentos e , desta forma, que ele ultrapassa o corpo. Ento, o filsofo parte do no saber e, de alguma maneira, atravs do discurso, a psique se liberta da opinio. A psique, ento, atinge a verdade.

    Hpias Maior

    Hpias Maior outro dilogo de Plato que vincula Scrates com a Polis. A teoria platnica eminentemente poltica, onde o homem deve manter uma posio crtica frente aos discursos.

    Aqui o conceito de virtude poltico e relacionado ao fsico, desta forma, o pensador tico o homem que funciona bem como o olho funciona, onde na infinidade das vrias coisas que se apresentam, h uma justia central. Assim, julgar com justia um ponto central para tudo e, ento, o problema passa a ser de construo de uma sociedade mais justa, porque todos os homens tm uma noo de justia, o que falta para eles atingir a forma da mesma e isto ocorre atravs do discurso (Logos).

    Por conseguinte, poder-se-ia levantar a hiptese que a dificuldade platnica tem como seu ponto de partida a doxa, mas diferentemente dos sofistas. Os sofistas fazem do discurso uma arma para persuadir, e sobre isto Plato discorda, porquanto ainda que o discurso filosfico tenha como objetivo a persuaso, esta caracterstica no a finalidade dele em si mesmo, mas seria a prpria verdade quem persuade pelo discurso. Neste sentido, Scrates afirma, ironicamente: s um homem feliz [Hpias]. Sabes como se deve agir e praticas o que ensinas. Quanto a mim, por uma maldio divina, ando por a sem eira nem beira, numa incerteza atroz45.

    45 Hpias Maior, 281c.

  • 44 UNIDADE 02

    Desta forma, a ironia aqui ocorre pelo fato da objeo platnica aos sofistas. Assim, os sofistas no passam do nvel do discurso, porque esto presos a ele, e Scrates ironiza: O qu? Ento os lacedemnios no sabem valorizar a sutileza com que distingues letras, slabas, ritmos e harmonia, arte em que imbatvel? (...) Praticas a mnemnica. Sabes tudo.46

    Entretanto, Plato admite que todos os homens esto presos a um discurso, o que Scrates cr que que os homens tm que pensar, refletir, buscar a verdade sob o discurso se houver; no no sentido da mnemnica47 , mas da anamnese48 , partindo do mundo das sombras at s verdades indiscutveis.

    Crmides

    Neste dilogo afirmado que o problema do homem o aprimoramento, mas a physis tem que ser o ponto de origem de tudo, porm o pensamento um elemento fundamental para resolver os problemas humanos. necessrio, ento, superar a seduo dos sentidos. Neste caso, ideia eidos, e coisa vista pelo olho, inicialmente. Assim, no processo dialtico h etapas a serem vencidas, uma delas saber que o corpo tem que se encontrar em um mbito mais geral e que a verdadeira procura est na psique.

    Plato comea este dilogo exaltando a beleza de Crmides, Scrates perdendo, de certa forma, a prudncia e afirmando: Ao Crmides aproximar-se de mim, ofuscou-me o esplendor de sua formosura, escondida pelo manto que se abria. Perdi a cabea.49

    Em outras palavras, isso significa que os sentidos podem ofuscar a procura pela verdade, ao ponto de o homem ficar tal qual um embriagado, sem nenhuma noo da realidade. Tambm isto implica que o filsofo tem que superar a seduo dos sentidos e buscar algo mais alm, embora o mundo sensvel seja o ponto de partida para o saber.

    Assim, Plato fala de como um mdico deve tratar os seus pacientes e diz:

    um mdico trcio (...) me disse que os olhos no devem ser tratados sem considerar a cabea, nem a cabea

    46 Ibidem, 285e.47 Relativo memria.48 Relativo reminiscncia. Ligada s Formas; ideias.49 Crmides, 147c.

  • 45Ontologia I

    sem observar o corpo e a psique (...) a psique origem das enfermidades quanto sade do corpo. Convm, portanto, ir fonte. Discursos salutares, origem da sensatez, so o remdio da psique50.

    Desta forma, o pensamento um elemento fundamental para resolver os problemas humanos. Logo, um indivduo que no pensa corretamente no est sadio e se o homem no sabe lidar com o corpo, ele no tem entranhas sadias e isto que se tem que refletir.

    Neste sentido, Plato parte do sensvel, do que visto, fato corroborado na seguinte afirmao de Scrates: No vs pensar que saiba o que eu examino (...) Examino minhas prprias ideias. Temo supor saber o que, na realidade, no sei. Discuto no meu prprio interesse e no dos meus amigos51.

    Ento, o conhece-te a ti mesmo deve ser entendido no sentido de colocar o conhecimento dentro da totalidade, porm sem se deixar seduzir por nenhuma viso sensvel.

    a repblica

    Na Repblica de Plato o ponto essencial a pergunta sobre o que a justia e que valor esta tem para o homem. A Repblica procura demonstrar qual a estrutura e qual o contedo de uma teoria que pudesse, racionalmente, justificar a compreenso sobre a justia. Para tanto, a Repblica constitui numa apresentao, num programa para a construo de tal teoria. Nela a definio de justia investigada a partir do Estado ideal (Polis), onde esta palavra pode significar cidade, cidade-estado, sociedade ou Estado.

    A Repblica est dividida em dez livros: o Livro I gira em torno da pergunta o que justia, os Livros II e III continuam as discusses sobre a justia, descrevendo a formao do Estado, o Livro IV discorre sobre a estrutura do Estado, estabelecendo uma relao entre cidado e cidade, nos Livros V, VI e VII Plato descreve as formas de vida da classe dirigente e a natureza do governo, nos Livros VIII e IX ilustrada a decadncia de vrios tipos de Constituio e no Livro X feita uma crtica ineficcia educativa das poesias de Homero.

    Plato inicia A Repblica mostrando o que a justia no . Neste

    A Repblica: a teoria moral e metafsica centrada nas Formas desenvolvida.

    sAIBA MAIs

    50 Ibidem, 148b.51 Ibidem, 159c.

  • 46 UNIDADE 02

    sentido, ele aponta que no justo dar a cada um o que lhe devido, no justo dar ao amigo o que no lhe adequado e prejudicar inimigos, no justo, tambm, salientar apenas o interesse do mais forte. A partir da, Scrates parece comear a apresentar os aspectos que envolvem o problema da justia. Posterior a isto, ento, Scrates pergunta: Bem continuei eu mas, uma vez que parece que a justia e o que justo no eram nada disso, que outra coisa poder dizer que so?52.

    Scrates explica que a justia boa, por causa dos efeitos que ela faz surtir na alma e, ao ser perguntado por Glucon, afirma ser a justia: Acho que na mais bela a que se deve estimar por si mesma e pelas consequncias quem quiser ser feliz.53 Seguindo esta linha, Scrates procura demonstrar que a justia boa e a injustia algo ruim. Porm, ela no reside nas condutas individuais, mas nas comunidades, porquanto para se saber o que a justia no Estado, tem-se, tambm, que saber o que um homem justo, e para que se saiba o que justia, tem-se que investigar o surgimento do Estado. Segundo Scrates, ele surge porque o homem no autossuficiente como indivduo:

    - Ora, pois disse eu se considerssemos em imaginao a formao de uma cidade, veramos tambm a justia e a injustia a surgir nela?

    - Em breve o veramos- retorquiu ele.- Portanto, se assim sucedesse, havia esperana de mais

    facilmente vermos o que indagamos.- Muito mais, com certeza.- Parece-vos ento que devemos tentar levar a cabo essa

    empresa? que se me afigura que no trabalho de pequena monta. Vede, pois.

    - J est visto respondeu Adimanto E no faas de outro modo.- Ora disse eu uma cidade tem a sua origem, segundo creio,

    no fato de cada um de ns no ser autossuficiente, mas sim necessitado de muita coisa. Ou pensas que uma cidade se funda por qualquer outra razo?54.

    Pelo fato de o homem no ser autossuficiente, ele precisa manter uma relao de reciprocidade e, no caso do Estado justo, ao ser humano impe-se a plena responsabilidade pela justia, onde os homens justos vivem em confiana recproca e eles so reciprocamente dependentes.

    52 A Repblica, 336 b, p. 19.53 Ibidem, 358 a, p. 5454 Ibidem, 369 b, p.72.

  • 47Ontologia I

    Agindo desta forma, no h oposio entre indivduos e Estado, eles se completam e devem auxlio mtuo, onde tudo gravita em torno da justia. Por causa da sua tarefa ordenadora, ela a virtude cardeal. Ela responde pela ordem social e da alma. Desta forma, a justia como uma virtude cardeal diz respeito prpria vida da alma.

    Nestas circunstncias, A Repblica uma teoria racional do Estado. Assim, Plato quer conhecer e formar o Estado perfeito para poder conhecer e formar o homem perfeito. O Estado a alma ampliada e a verdadeira Cidade a interior, onde: ... a justia (...) no diz respeito atividade externa do homem, mas interna, aquilo que verdadeiramente ele e o que lhe pertence.55

    Assim, a justia realizada na Cidade pelos homens e tem como objetivo a ordem no convvio. A justia, ento, liga o indivduo ao Estado. atravs dela que se pode compreender o poltico, isto , conforme a justia pode-se compreender a fundamentao racional da ordem externa. Ela s atinge sua realidade no Estado onde a polis deve ser governada pela razo. Assim, a prxis dos que vivem na Polis, a maneira do homem ser poltico, a constituio.

    Plato diz que o Estado ideal no precisa de muitas leis, porquanto os cidados que tm uma boa formao tendem a viver de forma disciplinada e racional e quem sbio, corajoso e moderado pode ser considerado justo e diremos que o homem justo o da mesma maneira que a cidade justa.56 Desta forma, Scrates demonstra a possibilidade de pr a justia em prtica e isto ocorre atravs das competncias de cada cidado e:

    O princpio que de entrada estabelecemos que deveria observar-se em todas as circunstncias , segundo me parece, ou ele ou uma das suas formas, a justia. (...) e repetimo-lo muitas vezes, se bem te lembras, que cada um deve ocupar-se de uma funo na cidade, aquela para qual a sua natureza mais adequada.57

    Assim, o Estado relacionado estrutura do homem, fundando um paralelismo entre Estado justo e homem justo. Desta forma, a razo preside tanto um quanto as aes do outro.

    54 Ibidem, 369 b, p.72.55 Ibidem, 443 d, p. 204.56 Ibidem, 441 d, p. 201 57 Ibidem, 433 a, p. 186.

  • 48 UNIDADE 02

    O Estado ideal , ento, caracterizado pelo domnio da racionalidade com a qual coincidem a virtude e a liberdade ( da razo). Para Plato, sem aret58 no se pode ser racional nem em termos tericos nem em prticos.

    A Repblica platnica exprime um ideal realizvel, mesmo se historicamente o Estado perfeito no existe, ele h no interior do homem e talvez haja um modelo no cu, para quem quiser contempl-lo e, contemplando-o, fundar um para si mesmo. De resto, nada importa que a cidade exista em qualquer lugar, ou venha a existir, porquanto pelas normas, e pela de mais nenhuma outra, que ele pautar o seu comportamento59.

    Deste modo, Plato, mais uma vez, acentua a prioridade do racional em relao ao sensvel, aspecto que pode ser constatado com maiores detalhes em uma alegoria que Plato faz intitulada O Mito da Caverna, contida do livro VII da Repblica. Neste texto sintetizado o processo que se tem que seguir para que se possa adquirir o conhecimento verdadeiro das coisas, isto , parte-se de um nvel inferior (doxa) e, atravs da dialtica, atinge-se verdade (episteme). Assim, Plato estabelece o dualismo dos dois mundos: inteligvel e sensvel.

    aristteles Substncia: aspectos essenciais e acidentais.Em linhas gerais, pode-se afirmar que o objetivo maior de

    Aristteles pr as ideias de Plato nas coisas reais da experincia sensvel. Neste sentido, v-se que a substncia aristotlica tem vrios significados:

    - a unidade como estrutura para todas as qualidades das coisas; tudo o que se fala da substncia o que se pode chamar de essncia; porquanto esta tudo o que se pode predicar da substncia e, se caso um desses predicados faltasse, a substncia no seria o que ela .

    - o acidente, algo contrrio essncia. Ele convm substncia, embora falta dele no comprometa o sentido do todo. Assim, a substncia contm aspectos essenciais e acidentais.

    E quando Aristteles fala sobre o Ser, ele afirma:

    O ser se diz em mltiplos sentidos, mas sempre em

    58 Arete: relativa virtude ou excelncia.59 Ibidem, 92c, p. 449

    Aristteles: os diferentes sentidos do Ser referem-se forma primria do Ser.

    sAIBA MAIs

  • 49Ontologia I

    referncia a uma unidade e a uma realidade determinada. O ser no se diz por mera homonmia, mas do mesmo modo em que dizemos sadio tudo o que se refere sade: ou enquanto a conserva, ou enquanto a produz, ou enquanto o seu sintoma, ou enquanto capaz de receb-la; ou tambm do modo em que dizemos mdico tudo o que se refere medicina: ou enquanto possui a medicina ou enquanto bem disposto a ela por natureza, ou enquanto obra da medicina; e podemos aduzir ainda outros exemplos de coisas que se dizem do mesmo modo destas. Assim, portanto, tambm o ser se diz em muitos sentidos, mas todos em referncia a um nico princpio60.

    Ento, para Aristteles, contrariamente a Plato, a resposta para a pergunta quem existe seria que existem as coisas individuais com suas determinadas caractersticas acidentais e essenciais; o Ser ser substncia, onde dele se pode falar de muitas formas: ou como essncia ou como acidente. A necessidade61 relacionada essncia e o contingente62 relacionado ao acidente.

    O processo do conhecer

    Pode-se, plausivelmente, afirmar que a metafsica aristotlica trouxe para o mundo sensvel a teoria platnica. Aristteles v no sensvel o ponto de partida para o conhecimento e afirma:

    Todos sabem que algumas coisas sensveis so substncias; portanto deveremos desenvolver a nossa pesquisa partindo delas. De fato, de grande utilidade proceder gradualmente na direo daquilo que mais cognoscvel. Com efeito, todos adquirem o saber desse modo; procedendo atravs das coisas que so menos cognoscveis por natureza na direo das que so mais cognoscveis por natureza 63.

    No entanto, como os sentidos so insuficientes para todo o processo do conhecer, ele fala sobre a memria, isto , a faculdade que o ser humano tem e que faz dele algum capaz de reter os dados

    60 Metafsica, III, 1003 a 33 ss.61 Necessidade: aquilo que dessa forma e s assim pode ser.62 Contingente: aquilo que muda; que pode ser de uma forma ou de outra.

  • 50 UNIDADE 02

    sensoriais. Ento, assim, partindo dos dados dos sentidos e da memria, tem-se a experincia. Logo aps vem a tchne, ou seja, conhecimento prtico que envolve as regras do conhecer e produz resultados. A ltima etapa a episteme; saber terico. Este contemplativo, abstrato, geral, verdadeiro, livre e no visa um fim determinado, onde a Metafsica sua forma mais elevada de expresso, sendo, portanto, denominada de filosofia primeira, onde ela examina o real em seu mais alto grau de abstrao e pureza.

    Matria e forma

    A metafsica de Aristteles concebe o ente como um ser composto de matria (hyl) e forma (eidos); ele afirma:

    O que composto de alguma coisa, de tal modo que o todo constitui a unidade, no um amontoado, mas como uma slaba. E a slaba no s as letras das quais formada, nem BA idntica a B e A, nem a carne simplesmente fogo e terra: de fato, uma vez que os compostos, isto , carne e slaba, tenham-se dissolvidos, no mais existem, mas as letras, o fogo e a terra continuam a ser. Portanto, a slaba algo no redutvel unicamente s letras, ou seja, s vogais e consoantes, mas algo diferente delas. E assim a carne no s fogo e terra, ou quente e frio, mas algo diferente deles. Ora, se esse algo devesse ser, tambm ele, um elemento ou um composto de elementos, dar-se-ia o seguinte: se fosse um elemento, valeria o que dissemos acima (a carne seria constituda por esse elemento com fogo e terra e por algo diferente, de modo que iramos ao infinito); se fosse, ao invs, um composto de elementos, seria, evidentemente, composto no de um s, mas de vrios elementos (do contrrio estaramos ainda no primeiro caso), de modo que deveramos dizer, tambm aqui, o que dissemos a propsito da carne e da slaba. Por isso, deve-se reter que esse algo no um elemento, mas a causa pela qual esta coisa determinada carne, esta outra slaba, e assim para todo o resto. E isso a substncia de todas as coisas: de fato, ela a causa primeira do ser.64

    64 Ibid. VII, 1041 b 11-28.. .

  • 51Ontologia I

    Neste sentido, a matria significa aquilo de que feito algo. A forma a figura dos corpos; aquilo que faz com que a coisa seja o que ; aquilo que fornece unidade matria. A forma se confunde com a essncia da coisa; aquilo que a define, que d sentido ou finalidade (telos- palavra grega que significa fim). Assim, no existem, para Aristteles, ideias puras no mundo inteligvel; a forma s h para a matria e vice-versa. pelo processo de abstrao que se pode saber o que a coisa , ou seja, s se formam tipos gerais em virtude da abstrao das caractersticas particulares das coisas. S se conhece o homem, porque esta ideia algo comum a todos os homens. Ento, as substncias existem.

    A gnese de tudo que composto consiste em uma matria informe com uma forma que a fornece unidade, dando-lhe inteligibilidade. A matria sempre objetiva voltar sua forma original e desvencilhar-se da forma.

    as causas do ser

    As causas atravs das quais existe a mudana e a transformao das coisas so: material, formal, eficiente e final. A causa em Aristteles o que contribui para o conhecimento do Ser. A cincia superior do Ser enquanto Ser, portanto, seria, tambm, a cincia dos primeiros princpios e das primeiras causas.

    A causa material a matria na qual a coisa feita, a formal a forma que a coisa toma, a eficiente so os fatores externos que contribuem para a transformao da coisa e a final o objetivo e o propsito da coisa. O ser composto, tambm, tem como caractersticas a potncia; capacidade de vir a ser algo, e o ato; quando uma das potncias se atualiza. Todas as coisas passam de potncia para o ato, em uma relao causal; de causa e efeito, at atingir a um princpio imvel que move todas as coisas, embora no se movimente. Este chamado de primeiro motor imvel ou substncia pura.

    Mundo inteligvel

    Para a filosofia aristotlica o mundo inteligvel, onde o Ser igual ao pensar e, assim, pode-se compreender a natureza e o mundo a partir de suas essncias, onde, para isto, constatado que a substncia existe; o mundo sensvel um mundo inteligvel em que define as coisas atravs de uma razo. As coisas so concebidas metafisicamente,

    Aristteles: a estrutura do ser a estrutura do pensar.

    sAIBA MAIs

  • 52 UNIDADE 02

    porquanto esto impregnadas de inteligibilidade. Assim, a estrutura do Ser a estrutura do pensar; onde esta pode ser definida como aqueles pontos atravs dos quais qualquer ser pode ser considerado. Neste sentido, existem maneiras de se predicar o Ser; a primeira delas a substncia (aquele aspecto que diz o que o Ser , onde as outras categorias dependem dela e em virtude da substncia que as outras coisas existem), a segunda a quantidade, a terceira a qualidade, a quarta a relao, a quinta o lugar, a sexta o tempo, a stima a ao e a oitava a paixo. Estas so categorias (predicados do sujeito; atributos mais gerais que se podem fazer na formao dos juzos e so formas gerais da matria) e elas contribuem para o conhecimento do ser.

    Enfim, a Metafsica para Aristteles cincia primeira que estrutura todas as outras e busca encontrar o Ser enquanto Ser, ou seja, a substncia no sentido de procura das caractersticas mais gerais da humanidade para responder s questes espirituais. Assim, o Ser enquanto Ser significa a substncia e tudo que, de mltiplos modos, se refere a ela. Ento, Aristteles afirma: Que a substncia (...) por isso tambm ns, principalmente; fundamentalmente e unicamente, por assim dizer, devemos examinar que o ser entendido nesse sentido.65

    Assim, na Ontologia de Aristteles, embora o Ser possa ser dito de muitas formas (essncia, acidente, qualidades, quantidade etc.), h nele um sentido atravs do qual ele uno, necessrio e estvel, onde o princpio de contradio66 que garante isso. Essa impossibilidade ontolgica67 o que sustenta que o Ser e no pode ser de outra forma. O princpio de contradio a fundamentao da Ontologia aristotlica, onde esta afirma que o Ser enquanto Ser necessrio.

    O Ser , por conseguinte, substncia; a causa e princpio de todo ente determinado e o real a unio entre a matria e forma, onde por mais que tenha mudana no ente, algo fica; a substncia.

    65 Ibid., VII, 1028 b 2-7.66 Princpio de Contradio: impossvel que uma mesma coisa seja e no seja ao mesmo tempo.67 No se pode enunciar o ser e o no ser de uma mesma coisa, porquanto isto gera algo contraditrio; logicamente impossvel.

  • 53Ontologia I

    1.Qual o problema filosfico visto em Parmnides e Plato? Explique.2.Que papel desempenha a Ideia na filosofia de Plato?3.Quando afirmado que a filosofia platnica transcendente; o que isso significa?4.Relacione: Plato, discurso ontolgico, mundo sensvel, mundo inteligvel.5.Pesquise sobre A Alegoria da Caverna de Plato (Repblica- VII) e faa uma anlise da mesma conforme a filosofia platnica. Justifique sua resposta. 6.Por que a filosofia aristotlica tem a caracterstica da imanncia? Pesquise. 7.Comente sobre os significados da substncia aristotlica.8.Relacione as diferenas entre o ser platnico e o aristotlico.9.Comente sobre o princpio de causalidade aristotlico.10. Relacione Aristteles e Parmnides.

  • 54 UNIDADE 02

    UNIDADE 3

    A Crise da Metaf sica no Pensamento Moderno

  • UNIDADE 3

    A Crise da Metaf sica no Pensamento Moderno

  • Ontologia I 57

    A CRIsE DA METAFsICA NO PENsAMENTO MODERNO

    Consideraes iniCiais

    Para contextualizar o perodo moderno filosfico fundamental que se faa referncia Idade Medieval para que se possam compreender as rupturas e, tambm, as influncias que a modernidade sofreu.

    Ao nvel do discurso filosfico no se pode falar em rupturas bruscas e radicais. Isto, alm de ter ocorrido com a modernidade em relao aos medievais, ocorreu, tambm, com a Idade Medieval e a Antiguidade, porquanto a tradio oriunda de Parmnides, Plato e Aristteles perdura em textos de autores como Agostinho e Toms de Aquino.

    Nesta perspectiva, a fuso da doutrina crist com a filosofia antiga forma o tema essencial da Filosofia na Idade Mdia. Esta , primordialmente, dividida em dois perodos principais:

    1 a patrstica (do latim pater=pai, refere-se aos padres da Igreja); ela vai do perodo apostlico at o sculo VIII.

    2 a escolstica (do latim sholastici, empregado como referncia aos professores, aos missionrios e aos padres da Igreja). Ela comea no sculo VIII e vai at o fim da filosofia medieval, em torno de 1500.

    A patrstica caracteriza-se, basic