Apostila Sociologia Rural

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A vocao atual da sociologia ruralPara uma abordagem das questes atuais que se colocam sociologia rural - o verdadeiro objetivo deste texto1[1] -, indispensvel introduzir um quadro geral que esclarea a respeito da possibilidade de formulao dessas questes e mostre o sentido que preciso trabalhar a fim de respond-las. Este texto est organizado em torno de trs eixos: um posicionamento da sociologia rural em relao sociologia geral, que o seu pressuposto absoluto; um posicionamento da sociologia rural diante das outras cincias sociais que estudam o mundo ou o espao rural, o que se justifica pelas trocas importantes que ela tem com as mesmas - e, inversamente, as relaes que as cincias sociais mantm com a disciplina -; e uma reflexo sobre a curta histria da sociologia rural, um prembulo indispensvel para uma reflexo sobre sua presente situao e sobre o modo de perceber suas tarefas atuais e futuras. Trs referncias bsicas A sociologia rural: aplicao da sociologia geral2[2] A sociologia rural - antes de tudo, trata-se aqui da sociologia rural francesa, podendo, contudo, o que ser dito ser generalizvel - jamais reivindicou o estatuto (absurdo) de disciplina nica, parte.3[3] Uma tal afirmao pareceria evidente. Em compensao, as conseqncias que necessariamente devem ser tiradas disto, so menos freqentemente (para no dizer jamais) mencionadas e no so objeto da ateno que se impe, se se pretende ver a sociologia rural como sociologia: se a sociologia rural, antes de tudo, sociologia, ela pura e simplesmente se integra nas evolues gerais - temticas, metodolgicas, tericas - da sociologia. Isto, alis, patente, se se considera a sua prpria histria: assim que ela, cada vez mais - ou simultaneamente - foi durkheimiana, funcionalista, culturalista, marxista, estruturalista, weberiana etc. No existe, portanto, escola de sociologia rural, mas, atravs da sociologia rural, h anlises de inspiraes tericas diversas que propem diferentes maneiras de integrar as dimenses sociolgicas da atividade agrcola e do mundo rural em uma anlise de conjunto da sociedade francesa e, mais largamente, das sociedades industriais. (Henri Mendras props inclusive uma teoria geral vlida para todas as sociedades). Desta proposio - que tambm uma constatao - decorre toda uma srie de indagaes: como a sociologia rural seguiu estas evolues? Ela simplesmente as seguiu ou, a seu modo, contribuiu para provoc-las? Uma resposta suporia uma anlise mais detalhada, o que no ser feita aqui, porque isto exigiria uma pesquisa especfica.

1[1] O leitor j deve ter percebido a referncia implcita ao ttulo da obra de Georges Gurvitch (1950).Contudo, devemos esclarecer aqui que ela no propriamente uma obra de sociologia rural.

2[2] Precisemos bem: dizer que a sociologia rural uma aplicao da sociologia geral no querdizer que a sociologia rural seja uma cincia aplicada (como foi algumas vezes afirmado). Quer-se dizer que a sociologia rural um ramo da sociologia geral, to fundamental quanto esta.

3[3] interessante a este propsito consultar os primeiros escritos referentes sociologia rural dops-guerra. Uma rpida pesquisa neste sentido conduz a resultados um pouco surpreendentes: o primeiro indcio que encontrei de um curso de sociologia rural faz pensar que foi o Instituto de Estudos Polticos de Paris quem teve o papel pioneiro na matria! Outras surpresas: este curso foi inicialmente confiado a dois gegrafos (em 1948-1949), em seguida a Jean Stoetzel (1951-1952), antes de ser atribudo a Henri Mendras. As apostilas dos cursos de Jean Stoetzel e Henri Mendras (cf. particularmente a apostila de 1963-1964), assim como a do curso dado por Henri Mendras no IHEDREA (s/d), comeam sempre por uma preciso muito fundamentada referente vinculao da sociologia rural sociologia geral: Jean Stoetzel, Sociologie rurale, 1951-52 (curso ministrado no Instituto de Estudos Polticos de Paris, 304 p. datil.; Henri Mendras, Sociologie rurale, Paris. Os cursos de Direito, 1956-1957, 3 fascculos, 282 p. mimeo.; Henri Mendras, Sociologie rurale, Paris, Institut dtudes Politiques de Paris, Amicale des leves, 1963-1964, 216 p. mimeo.; Henri Mendras, Sociologie rurale, Paris, IEP de Paris, Amicale des leves, 1967-1968, 3 fascculos, 295 p. mimeo.; Henri Mendras, Sociologie de la campagne franaise, Que sais-je? n. 842, Paris, Presses universitaires de France, 1959 (reedio 1965), 128 p.; Henri Mendras, Sociologie rurale: notions gnrales et sociologie du changement, Institut des hautes tudes de droit rural et dconomie agricole (IHEDREA), s/d, 59p, mimeo.

Sociologia rural e cincias sociais da ruralidade: uma escola ruralista? Uma vez feitas as referncias aos fundadores, pode-se continuar discutindo este tema que parece ser realmente central para a sociologia rural. Eis, por exemplo, o que escreveu Henri Mendras em 1958: O meio rural um campo de investigao para todas as cincias sociais e seu estudo no poderia constituir uma disciplina autnoma. Os gegrafos que analisam as relaes entre o homem e o meio natural e a distribuio espacial dos fenmenos humanos comearam naturalmente a se debruar sobre o campo. A economia rural um ramo (um dos mais antigos) da economia poltica. Ligando-se a um passado em que a agricultura era a atividade exercida pela maioria dos homens, a histria social d um grande destaque descrio da vida camponesa. Os etnlogos estudam as estruturas ditas arcaicas nas quais a busca ou a produo de alimentos ocupam todos os homens. Enfim, citadinos e rurais interessam igualmente ao psiclogo, ao demgrafo, etc. Enquanto homens iguais aos outros, os rurais tambm dizem respeito a cada cincia social. Entretanto, eles vivem em um meio particular que requer uma certa especializao do pesquisador e, s vezes, uma problemtica diferente. Como o etngrafo, o socilogo rural deve, portanto, conhecer os mtodos e as tcnicas de todas as outras cincias sociais, a no ser que conte com a colaborao de uma equipe de diversos especialistas. Encontra-se aqui uma profisso de f que remete ao que se chama a interdisciplinaridade dos ruralistas.4[4] A dmarche do ruralista ambiciona integrar todas as dimenses do social, o tempo, o espao, o local e o global. Trata-se de uma dmarche que se qualificaria hoje de holstica (ou holista). Do ponto de vista sociolgico stricto sensu, esta dmarche se caracteriza tambm pela sua transversalidade. Isto aparece, por exemplo, particularmente nos planos das obras gerais de sociologia rural: por um desvio de alguma forma paradoxal, a sociologia rural, em princpio especialidade da sociologia, aparece de fato como uma sociologia generalista em si. O socilogo rural se interessa por todo um conjunto de aspectos da vida social que dividido, por sua vez, em vrias especialidades da sociologia - sociologia poltica, sociologia da famlia, sociologia das religies etc. Portanto, pelo seu objeto - seria melhor falar de campo de aplicao - e no por uma teoria ou uma escola de pensamento particular, que a sociologia rural se define. Deste ponto de vista, podese bem seguir Michel Robert (1986: 5-6) quando ele escreve: Com suas duas correntes bem ntidas, a sociologia rural se definir, portanto, mais pelo seu campo de ao do que por uma colorao terica original. Nisto, pode-se compar-la sociologia urbana na qual se pensa imediatamente, embora a sociologia rural no seja sua anttese. Estas duas disciplinas no so construdas uma em relao outra, nem a fortiori, uma contra a outra. Tendo dividido entre si o espao e seus habitantes, elas seguem cada uma a sua rota terica sem mesmo ter sempre relaes elementares que seriam desejveis. o que diz tambm Henri Mendras, escrevendo no Trait de Sociologie de Georges Gurvitch: Se no se limita a uma sociologia agrcola especializada, a sociologia rural se define, portanto, pelo seu campo de estudo, as sociedades rurais (Mendras, 1958: 316). desta proposio que decorre uma interdisciplinaridade que exige (pois) o concurso de todas as cincias sociais para chegar a uma integrao dos diversos aspectos da vida rural. Nesta perspectiva, o socilogo rural atribui a si mesmo uma dupla tarefa, por um lado, estudar os aspectos da sociedade que dizem respeito a sua ou a suas especialidades, e, por outro lado, reinterpretar e integrar, desde seu ponto de vista, os materiais que os pesquisadores de outras disciplinas lhe oferecem (Mendras, 1958). Henri Mendras imediatamente acrescenta uma preciso que muda uma leitura primeira vista estritamente objetiva da afirmao (no sentido de constitutiva de um objeto de uma certa forma fsico): Esta definio compreensiva parece-nos impor-se nos pases de campesinato tradicional, notadamente na Frana. A sociedade rural conserva a uma certa autonomia diante da sociedade global e impossvel reduzi-la a um grupo profissional, a um setor econmico ou a uma classe social, entre outros (Mendras, 1958). Segundo ele, a justificativa da sociologia rural repousa, assim, no postulado - que poderia tambm ser tratado como uma hiptese - da existncia, nos pases que tm um campesinato tradicional, de uma sociedade rural (?) que conserva uma certa autonomia face sociedade global. Assim definido esta a definio de Henri Mendras, mas que pesou fortemente na sociologia rural durante pelo

4[4] Esta interdisciplinaridade est, por exemplo, na prpria base da filosofia e da ao da Associaodos Ruralistas Franceses.

menos 20 anos - o objetivo da sociologia rural , de uma certa forma, demonstrar a validade desta proposio (desta hiptese, poderamos dizer). Da, a nfase posta progressivamente na mudana social que deslocar as sociedades rurais de seu estatuto de autonomia relativa - o das sociedades camponesas - sua integrao total sociedade global - atravs da passagem dos camponeses condio de agricultores, estes ltimos cada vez mais vistos como um grupo profissional... um setor econmico ou... uma classe social, entre outros. Uma hiptese forte cimenta as anlises especificamente sociolgicas de temas precisos do mundo rural: a de que existem laos estreitos entre os diferentes aspectos da vida social que leva a que estes aspectos sejam do domnio de diferentes reas da sociologia ou de outras cincias sociais - a economia, a geografia, a etnologia, e a histria, evidentemente - e a se reconhecer que preciso, portanto, tratar de considerar todos estes aspectos conjuntamente como condio para compreender as evolues do mundo rural e lhes dar uma interpretao verdadeiramente sociolgica. Da a busca constante da transversalidade no seio da sociologia e da interdisciplinaridade com as outras cincias sociais dedicadas ao tema. Da, tambm o risco que os socilogos rurais correm de parecerem fechados - juntamente com os outros ruralistas - limitados ao estudo do mundo rural especfico e fechado. De fato, uma anlise detalhada dos trabalhos dos socilogos rurais mostraria que no se trata disto e que a preocupao de situar as evolues do mundo rural no interior das evolues da sociedade global constante e sistemtica. Deve-se sublinhar que esta dupla preocupao j uma caracterstica forte da sociologia rural, mantendo ao mesmo tempo suas preocupaes com uma coerncia de uma certa forma interna ao mundo rural (a expresso assume aqui todo o seu sentido) e com a integrao deste conjunto a uma lgica global (uma coerncia, de uma certa forma externa) de uma sociedade dita englobante para marcar esta exterioridade atuante. Pode-se dizer que esta uma proposio e uma postura sociolgicas de carter geral e bsico (que exigiria, diga-se de passagem, um exame aprofundado): ao mesmo tempo um exerccio difcil de se fazer, uma espcie de desafio difcil de se manter. Mas, afinal de contas, no o que torna interessante e mesmo justifica uma dmarche de sociologia aplicada a qualquer uma das malhas, elementos ou aspectos da vida social? Em suma, no essa uma das exigncias fundamentais da anlise sociolgica e, portanto, do prprio trabalho do socilogo? Sociologia rural e sociedade: dentro e fora Uma anlise mais atenta da histria da sociologia rural mostraria sem dificuldade o quanto esta histria est ligada, atravs de suas temticas - e talvez precisamente atravs da prpria orientao de suas anlises - s questes que so colocadas (s vezes, inclusive nos termos em que so postas) a respeito do mundo rural, da agricultura e dos agricultores na prpria sociedade francesa. No me parece esquematizar excessivamente se dissssemos que cinco e principais temas organizaram ao longo do tempo o questionamento que socilogos rurais constantemente se tm feito atravs de ponderaes variveis e de enunciados igualmente diversos, se comparados os momentos em que so apresentados. O primeiro deles diz respeito s relaes - e mais precisamente, na linguagem da poca, oposio cidade-campo. Este velho tema, que reaparece com mais fora desde o final da guerra, tem um lado acadmico: ele remete a antigas reflexes dos gegrafos e dos historiadores. Mas a forma como retomada no ps-guerra corresponde muito diretamente a preocupaes sociopolticas maiores. Tratava-se ento de lanar a Frana a uma poltica de reconstruo, industrializao e modernizao e a questo que se punha era a de saber se esta componente essencial da sociedade que so os campos - entendamos agrcolas - na Frana dos anos 1950 ser capaz de se adaptar s mudanas indispensveis. Para a cidade, civilizao de conquista, como Braudel a caracterizar mais tarde, a questo no se coloca: apenas se pe a questo de saber o que vai acontecer com elas em uma fase de crescimento rpido - o que ser a questo central e organizadora da sociologia urbana. Est-se, assim, em um campo scio-poltico e a sociologia rural vai tomar para si, sob diferentes formas, as questes decorrentes. Estas questes ressurgem periodicamente durante todo este meio sculo, com as formulaes que evoluem em funo das mutaes sociais, econmicas, demogrficas, etc. Algumas noes servem de referncia nesta interrogao permanente da sociedade francesa sobre si mesma: desertificao (dos campos), rurbanizao, terras no cultivadas, uniformizao (dos modos de vida), morte (ou renascimento) do rural, etc. A sociologia rural - mas as outras cincias sociais igualmente o so - constantemente interpelada pelo que se poderia chamar o discurso social sobre o rural. Ela tambm tenta dar as suas respostas.

Se nos fixarmos na cronologia, parece-me que o segundo tema a evocar o das transformaes da agricultura, no s do estabelecimento agrcola, e do trabalho do agricultor, mas tambm - tendo em vista o estreito lao entre o estabelecimento e a famlia - a transformao da famlia agrcola. Trata-se aqui do domnio da poltica agrcola que ocupa um lugar crescente na vida poltica a partir dos anos 50 at hoje. Tendo experimentado uma considervel modernizao, sob o impacto de um movimento social poderoso e dinmico na Quinta Repblica - j em curso na Quarta, mas uma das grandes construes daquela - a agricultura ocupa um lugar de destaque na vida social - e sobretudo poltica - nesse perodo. Uma tal voragem sociolgica era, evidentemente, um estmulo para os socilogos rurais, a tal ponto de a sociologia rural ser considerada, com justia, como tendo sido largamente infiel a sua vocao para se reduzir a uma sociologia dos agricultores (Robert, 1986). O terceiro tema, que j aparece no primeiro e prossegue no segundo, o do lugar que os camponeses, e depois, os agricultores, ocupam na sociedade francesa e, mais particularmente, na estrutura e na vida poltica do pas. Esta questo no apenas o pano de fundo das transformaes em curso, tanto nas relaes entre a agricultura e a economia nacional, quanto nas relaes entre cidade e campo: ela claramente colocada pelos lderes do movimento social dos jovens agricultores (Debatisse, 1963; Lambert: 1970) e por aqueles que se poderia chamar de seus intelectuais orgnicos (Faure: 1966). Esse tema constitui, como j se viu, um dos captulos inevitveis - e, por assim dizer, at mesmo, uma forma de concluso - em qualquer apresentao de conjunto da sociologia rural. O quarto tema, embora tenha surgido bem depois e mais como uma resposta a ele, poderia ser includo no primeiro como um dos seus itens. Trata-se do tema do desenvolvimento local, inicialmente com o movimento das localidades (pays), o slogan viver em sua prpria localidade (vivre au pays); depois, com as polticas de desenvolvimento rural, seus mltiplos recortes espaciais e procedimentos s vezes bastante inovadores na ao da administrao (com a introduo dos planos de desenvolvimento rural, por exemplo). E hoje com os debates sobre o futuro do mundo rural no quadro de uma poltica de organizao do territrio. Um ltimo tema deve, enfim, ser evocado (embora este texto no pretenda exauri-lo): o do meio ambiente. a questo mais nova, mesmo que sejam muitos os seus antecedentes que podem ser encontrados na sociologia rural (Mathieu & Jollivet, 1989). Como discurso social, ele incontestavelmente um tema recente. Nele pode-se incluir a referncia, to atual quanto florescente, s paisagens. E, de forma mais geral, o problema das relaes com a natureza, que constitui o pano de fundo - para no dizer o prprio fundamento - da questo do meio ambiente. Se no foi a partir da agricultura e do campo que as preocupaes ambientais tomaram corpo (as primeiras vieram com a indstria e suas poluies), a agricultura, os recursos naturais renovveis (a gua em particular, mas tambm os solos, as florestas, etc), a qualidade dos produtos agrcolas e do espao rural no tardaram a entrar em cena, e mesmo a ocupar um lugar especial no tema do meio ambiente. Os ruralistas - e em particular os socilogos - no campo das cincias sociais, foram os primeiros a se interessar por estas questes, a ponto de Bernard Kalaora dizer que seria necessrio que as pesquisas em cincias sociais sobre o meio ambiente se liberassem da influncia daquelas, influncia julgada excessiva e tendente a se fechar. At aqui, esta lista de temas recobre o essencial e ilustra suficientemente o nosso propsito, de apenas chamar a ateno para a estreita correspondncia entre as grandes temticas da sociologia rural e o que se poderia chamar as questes da sociedade. Em funo da tica considerada, trs observaes podem ser formuladas. Primeiro, foi sem razo que se acusou a sociologia rural de se fechar em sua torre de marfim; ao contrrio, ela tentou trazer suas respostas s interrogaes da sociedade que eram de seu domnio. Segundo, teria ela, ao fazer isto, pecado por um excesso de oportunismo? Foi ela, afinal, teleguiada de alguma forma pela demanda social? Observemos, desde logo, que parece lgico que as cincias sociais tratem dos problemas que se colocam na sociedade e para os quais elas so competentes. Sobre este ponto, notar-se- que todos os temas evocados fazem parte da matriz inicial da sociologia rural. De fato, estes temas so mais recorrentes que sucessivos; apenas, ao gosto do dia, suas formulaes sucessivas lhes do uma aparncia de novidade irredutvel. Ao contrrio, o que devem fazer as cincias sociais precisamente mostrar que se trata de avatares, de desenvolvimentos circunstanciais de questes de fundo. Para isto, o que elas devem fazer igualmente abandonar o discurso comum, na medida em que este susceptvel de ocultar os problemas reais. Emprega-se aqui uma frmula da qual a prudncia esconde mal a pretenso, para no dizer a imprudncia: cada ator social tem sua concepo do que sejam os problemas reais - so aqueles que eles enfrentam em sua ao ou em seus interesses imediatos.

Mas esta pretenso a mesma da sociologia, que a de evidenciar as lgicas sociais implcitas ou, at mesmo, aquelas que escapam conscincia dos atores, e cujos discursos no podem, enquanto tais, dar conta, e ainda menos lhes fornecer, as suas razes. Se a sociologia rural foi acusada de permanecer em sua torre de marfim, no teria sido porque ela nunca aceitou responder s questes tal qual estas lhe foram colocadas - e isso talvez faa uma grande diferena em relao economia (ou pelo menos a uma certa economia) e geografia (ou pelo menos uma certa geografia). Ao contrrio, a sociologia rural ops sua formulao prpria dos problemas dos atores profissionais e do Estado? Por sua distncia crtica em relao ao real, esta atitude uma das grandes caractersticas da sociologia rural francesa e um dos pontos sobre os quais ela mais se diferenciou da sociologia agrcola de inspirao americana - e em vigor especialmente na Holanda, por exemplo. Deste ponto de vista, uma anlise comparada das duas dmarches, no domnio das pesquisas sobre a inovao, seria muito instrutiva. Portanto, uma sociologia rural muito sensvel aos avatares do questionamento social sobre o rural - e, digamos, quase prxima do seu objeto - e que conserva o seu modo prprio de ver: eis a, ao que parece, a caracterstica da sua postura durante este meio sculo de sua histria. A terceira questo que pode ser colocada consiste em saber se a sociologia rural conseguiu, no curso deste perodo, elaborar um instrumental intelectual altura de suas ambies. Sobre este balano, os pontos de vista e as avaliaes so evidentemente diferentes. Alm disso, querer responder com preciso a tal questo seria uma pesada tarefa. A crtica que ela fez ao discurso da rotina camponesa ou, mais tarde, ao movimento neo-ruralista, a sua anlise crtica do processo de inovao - que assume hoje, com a renovao das questes sobre as tecnologias, um novo relevo e ao modelo de desenvolvimento operado pela poltica agrcola a partir dos anos 60 (agora questionado), configurando os dois grandes esquemas analticos que ela prope para compreender as evolues contemporneas da agricultura e das sociedades rurais nas sociedades ditas industriais, so, entre outras, algumas pistas para realizar aquele balano. A propsito, o que se pode dizer que essas questes tm importncia e mereceriam hoje um exame atento para que possamos, o mais preparados possvel, abordar as tarefas futuras. Estes so elementos gerais bsicos para um enquadramento da sociologia rural, e que parecem indispensveis para a discusso presente. Questes atuais Duas questes definem o essencial: a sociologia rural, tal como foi herdada das ltimas quatro ou cinco ltimas dcadas, tem ainda pertinncia? Se sim, qual seria essa pertinncia? qual a base das suas problemticas e objetos? No que se refere s justificativas da sociologia rural h duas maneiras possveis de ver as coisas. A primeira consiste em afirmar que a sociologia rural nunca teve pertinncia e sempre foi um artefato ideolgico. Esse tipo de atitude pode ser vista sob dois ngulos: um remete histria, o outro, a uma epistemologia da sociologia. Considerada no primeiro aspecto, aquela atitude equivaleria a uma negao da histria social que vai da sociedade feudal sociedade industrial ou, pelo menos, recusa da idia de que as sociedades industriais possam conservar traos, e inclusive estruturas, herdadas das sociedades agrrias de onde elas procedem. Considerada do ponto de vista da estrutura interna da sociologia, ela suporia a existncia de um esquema de referncia terico aceito por todos os socilogos, que formularia questes-chave estruturantes da disciplina em torno das quais o trabalho da comunidade dos socilogos se organizaria. Deve-se precisar ainda que, mesmo neste caso, seria preciso socilogos competentes no estudo dos aspectos da realidade social em questo para realizar de maneira rigorosa e informada as pesquisas necessrias. Em outras palavras, ter-se-ia, neste caso, uma viso essencialista e idealista, tanto da sociedade quanto da sociologia, que em nada corresponde, nem ao carter basicamente emprico da sociologia, nem s exigncias da especializao dos conhecimentos pela diviso do trabalho cientfico. A segunda maneira de negar a pertinncia da sociologia rural indagar se o objeto que ela reivindica como seu - as sociedades rurais - continuam existindo (se que existiram em algum momento). Segundo esta maneira de ver, o rural no existe mais. A identificao de um ramo da sociologia que se dedica a sua anlise pde se justificar, mas no se justifica mais atualmente. Devese notar que uma tal afirmao coerente com a definio de Henri Mendras, de sociedades rurais

camponesas, acima lembradas. Se, como este autor afirma, as sociedades rurais, como as que se presume existir nas sociedades industriais, desaparecem quando os camponeses se transformam em agricultores, a sociologia rural no tem mais razo de ser em uma sociedade sem camponeses - isto , na qual os camponeses se tornaram agricultores, como, ainda segundo Henri Mendras, o caso da Frana. E isto, poder-se-ia acrescentar com maior razo, se tais sociedades rurais so habitadas cada vez menos por populaes de agricultores e cada vez mais por trnsfugas da cidade ou por assalariados das zonas rurais industrializadas ou terciarizadas. claro que estamos aqui no cerne do problema. , portanto, interrogando-se sobre as problemticas atuais com as quais ela poderia se ocupar, que seria possvel justificar a pertinncia ainda hoje da sociologia rural. Que problemticas e que objetos? Esta reflexo se inscreve no prolongamento da anlise acima desenvolvida, distinguindo os dois contextos em relao aos quais as evolues da sociologia rural parecem estar referidas - ou, em outras palavras, os dois planos sobre os quais elas devem ser examinadas - a saber: o questionamento social, por um lado e, por outro, as interrogaes vindas da ou referentes - prpria sociologia. Pode-se acrescentar uma terceira dimenso que remete a um movimento de conjunto que diz respeito ao questionamento cientfico considerado globalmente. O questionamento social e a sociologia rural Quatro sries de questes podem ser colocadas, mas seria necessrio, apoiando-se em um corpus de textos ad hoc, aprofundar a anlise para sermos mais precisos neste ponto. Um primeiro bloco de questes gira em torno da diminuio da populao ativa agrcola e suas conseqncias: h um debate particularmente aberto sobre o tema do nmero de estabelecimentos agrcolas (inclusive sobre o nmero que se deve ter como meta) que havero de subsistir nos futuros dez ou vinte anos. Esta primeira discusso se prolonga em outra, que trata da evoluo da populao dita rural. Para caracteriz-la, basta remeter s reflexes sobre o renascimento rural. Estas reflexes desembocam em todo o debate sobre o futuro do espao e do mundo rurais e sobre quais deveriam ser as polticas que lhes dizem respeito. Um outro debate refere-se mais diretamente agricultura e ao modelo de desenvolvimento - em crise - que ela vem adotando h um tero de sculo; os termos que aparecem aqui so diversificao, extensificao, pluriatividade, produtividade, etc. Trata-se, antes de mais nada, de definir sistemas tcnicos de produo que levem em conta, de um lado, as trocas e os mercados (e no mais os temas centrados apenas na intensificao da produo) e, de outro, as evolues contraditrias nos domnios tcnicos (com as biotecnologias e as tcnicas extensivas); em seguida, convm redefinir o estabelecimento agrcola e a atividade profissional dos agricultores em seus prprios fundamentos - com o necessrio abandono referncia s 2 UTH (unidade de trabalho utilizada como referncia nas anlises sobre a moderna agricultura familiar). preciso ainda analisar as conseqncias do modelo de desenvolvimento - por exemplo, atravs do grupo dos agricultores em dificuldade - e, enfim, levar em conta, simultaneamente, os movimentos de mundializao das relaes de troca entre os grandes produtos bsicos e o desenvolvimento dos circuitos curtos dos produtos mais especializados etc. Em uma palavra, trata-se de repensar o desenvolvimento. O ltimo debate a ser feito refere-se ao meio ambiente, considerando, quer as reivindicaes das populaes locais relativas a sua situao de vida, atravs dos conflitos, quer a emergncia de polticas relacionadas com as novas funes do espao rural, atravs da necessidade de se conceber os sistemas de produo agrcolas respeitadores do meio ambiente, ou ainda atravs das tenses produzidas pela interveno da regulamentao europia sobre a matria etc. Diante desta avalanche de questes e de argumentos contraditrios, o socilogo tem uma sxtupla tarefa a cumprir. Ele deve, antes de mais nada, clarificar o discurso por sua anlise interna - quem os emite? com que coerncia? no quadro de que estratgias e com que objetivos? - e inversamente, ele precisa evidenciar o que se poderia chamar os silncios significativos, isto , as questes reais que no so objeto de nenhum discurso. Aps o enunciado da questo, em termos sociais e ideolgicos, deve passar sua formulao sociolgica, o que implica em evidenciar suas dimenses propriamente sociolgicas e/ou dos objetos referidos; necessrio, ainda, estabelecer os fatos para se ter uma distncia em relao aos discursos e, ao mesmo tempo, dar uma imagem objetiva das evolues e situaes reais e proceder ao que se poderia chamar uma crtica externa do discurso; igualmente indispensvel recolocar tais evolues e as interpretaes que o socilogo pode fazer sobre o passado no mdio e longo prazos; assim procedendo, ele enriquece o seu aparelho analtico e oferece os meios para escapar dos desvios da interpretao de curto tempo e sem recuo freqentemente associada a uma viso dramtica, catastrofista das coisas - tanto das mudanas em curso, de sua amplitude real, quanto dos discursos que elas suscitam; o socilogo tambm deve demonstrar que as suas anlises enriquecem o conhecimento da sociedade francesa, atravs de uma

melhor compreenso dos processos sociolgicos e da sua adaptao s transformaes gerais nas quais o pas est inserido; em suma, ele tem de mostrar que as suas anlises robustecem o corpus terico da sociologia. O questionamento sociolgico e a sociologia rural A sociologia rural trata de todos os aspectos da vida social no campo. Ela pode, assim, dar uma contribuio em todos os captulos da sociologia. No entanto, qual seria, precisamente, tal contribuio, se se estima que os agricultores j se tornaram um grupo profissional, entre tantos outros e se as sociedades rurais, em conseqncia, tambm j perderam toda a sua autonomia relativa, isto , se as duas razes de ser da sociologia rural desapareceram? Duas observaes podem ser feitas em relao a esta maneira de colocar o problema. Primeira observao: aquelas duas assertivas - as quais, de fato, so apenas uma s - devem ser tomadas como verdades estabelecidas? No poderiam ser tratadas como hipteses, e, enquanto tais, serem submetidas a exame e, ento, serem confrontadas com observaes empricas realizadas em trabalho de campo? Admitir a afirmao segundo a qual os camponeses tornaram-se agricultores (empresrios, agro-managers, molecultores...) ir um pouco depressa demais; ocultar toda uma diversidade de situaes que corresponde a uma multiplicidade de vias experimentadas num processo de adaptao - esta tambm podendo assumir uma variedade de formas - a um contexto incerto, aberto e complexo. A pluriatividade, as formas associativas, a diversificao produtiva voltam a ser temas da ordem do dia que precisam ser considerados para caracterizar sociologicamente a situao atual dos agricultores. A sociologia rural foi pioneira nas anlises sociolgicas do trabalho no-assalariado, da inovao nos setores produtivos no-industriais, das relaes entre o pequeno produtor independente e os setores industriais a montante e a jusante, etc. Tais anlises devem ser retomadas atualmente por duas razes: primeiro, porque a situao dos agricultores evolui rapidamente; depois, porque o contexto que a sociedade global constitui est, ele prprio, em processo de rpidas mutaes. O mesmo pode ser dito a respeito das sociedades rurais. possvel indagar sobre a equivalncia estabelecida por Henri Mendras entre sociedades rurais e sociedades camponesas. O mnimo que se pode dizer que ela coloca um problema histrica e geograficamente; mas ela no vlida para todos os perodos histricos, nem para todos os campos. Toda tentativa de generalizar ao conjunto da Europa - sem falar do conjunto do mundo - uma tal proposio leva a sublinhar seus limites. Existe um verdadeiro hiato - para no dizer uma contradio fundamental - entre a anlise de um longo perodo de transformaes estruturais do campesinato e a anlise, antes de mais nada, de alguma forma espacial do que podemos chamar de uma sociedade local. Que se possa fazer um cruzamento entre as duas anlises , no somente certo, mas ainda indispensvel. Reduzir, porm, pura e simplesmente, um - a sociedade local - ao outro - o campesinato - arbitrrio: existem outras sociedades locais, alm das sociedades camponesas, e uma abordagem atualizada das sociedades rurais deve ser precisamente, a das transformaes de uma sociedade local de base agrria em direo a uma sociedade local, seja esta transio para uma formao de base no-agrria, seja para uma outra j sem fundamentos agrrios. Alm disso, este procedimento deve se situar no quadro de uma anlise das transformaes da sociedade global e, em particular, dos seus processos de reestruturao sociopoltica. No h apenas o campesinato, cujo lugar na estrutura e na vida poltica se vincula ao poder local, um poder local que, nos 36.000 municpios, que representam o futuro do espao rural, est longe de ter um peso insignificante no conjunto do sistema poltico. A anlise do que se poderia chamar um sistema social localizado, considerado enquanto sociedade (local), tambm um domnio no qual a sociologia rural investiu particularmente. Sobre este ponto poder-se-ia comparar o seu procedimento com o da sociologia das organizaes. As transformaes sociais internas radicais que os municpios conhecem, as novas funes que deles se espera, as recomposies espaciais s quais so levados, a emergncia de novas solidariedades territoriais - os novos territrios rurais - e tambm as novas problemticas e os novos conflitos, todas so razes para se repensar a teoria sobre a profisso e para se criar um novo quadro de anlise que permita caracterizar sociologicamente os villages enquanto sistema social e, por esta mesma razo, analisar o papel que eles representam no processo de integrao social atravs das suas funes tanto institucionais quanto simblicas e notadamente identitrias. Tanto em um caso como no outro, uma sociologia da transio - ou da mudana social - que requerida e isto supe anlises finas, minuciosas e circunstanciadas capazes de perceberem as continuidades e as transformaes nos processos de reproduo da sociabilidade e o sentido do ser-conjuntamente, enfim, da relao social. A hora, portanto, a de um retorno macio e metdico s pesquisas de campo, porque faltam as observaes concretas para fazer um contrapeso crescente invaso de discursos, imagens e estatsticas que constroem o senso comum nesse nosso tema.

Agora, a segunda observao: mesmo supondo que os camponeses tenham se tornado agricultores e que as sociedades rurais tenham deixado de ser sociedades camponesas, em que haveria uma forma de banalizao tal que pudesse retirar todo o interesse anlise sociolgica de uns e de outros? Aqui h uma atitude que se parece quela segundo a qual ns teramos chegado a uma espcie de fim da histria. Evidentemente, isso uma iluso de tica: os agricultores, os municpios rurais e outros vilarejos e pequenas cidades continuaro a existir; a profisso, a condio social, a cidadania dos primeiros, a fisionomia e as funes sociais e territoriais dos segundos continuaro a evoluir; e tudo isto continuar a fazer parte da sociedade global, isto , a ser associado a suas evolues e a pesar tambm sobre elas. A questo que se coloca a do interesse de uma anlise sociolgica destes fenmenos. Porm, precisamente, como prejulgar este interesse? Tudo o que se pode fazer no formular hipteses sobre o que poderia ser, levando em conta, ao mesmo tempo, as competncias, os saberes e os conhecimentos adquiridos de um lado e, de outro, as questes que parecem dever ser consideradas como as questes centrais de hoje? Em todo caso, no porque estes problemas no ocupam o primeiro plano na mdia que no devem mais ser estudados. Deste ponto de vista, pode-se, a ttulo de exemplo, propor uma srie de questes importantes para uma sociologia especializada na anlise do atual mundo rural. Inicialmente, interrogaes sobre as formas sociais de mobilizao do trabalho agrcola: seria a contribuio de tal sociologia para uma sociologia do trabalho, em um setor produtivo sobre o qual se pode dizer que faz parte das indstrias pesadas mas no est baseado no modelo da grande empresa com salariado. Questes, em seguida, relativas aos processos de socializao, os fundamentos, os contextos, as formas e o contedo da sociabilidade naquilo que, por uma comodidade pelo menos provisria, poder-se-ia chamar as sociedades de villages ou de fraca dimenso. Ter-se-ia, aqui, uma contribuio para uma sociologia da relao social, da integrao e da excluso em contextos sociolgicos bem definidos e diferentes dos subrbios e dos bairros urbanos. Questes, ainda, referentes aos fundamentos das reestruturaes sociais locais e s transformaes das relaes locais de poder subseqentes s evolues das estruturas agrrias, da economia agrcola e da composio social da populao rural. Estas anlises de sociologia poltica permitiriam evidenciar e compreender as atuais mudanas em curso no controle de uma parte, especial e quantitativamente importante do poder territorial, uma das bases da pirmide dos poderes, em um momento em que ele adquire cada vez mais relevo. Em suma, questionamentos sobre as evolues das solidariedades territoriais sob a influncia, tanto das polticas de cooperao intermunicipal, quanto dos novos tipos de presso ou de dependncia de ordem espacial. Isto se traduz naquilo que se poderia chamar dispositivos locais de ao, os quais constituem novos modos de socializao do espao e de regulao dos conflitos. Esta uma outra vertente de uma sociologia do poltico, percebida aqui sob o ngulo das relaes entre o Estado, a sociedade civil e o territrio - no caso, o territrio rural que representa uma problemtica particular em razo da importncia de seu lugar no conjunto do territrio nacional, da fraca densidade relativa de seu povoamento, das mltiplas presses que recebe e das expectativas as mais contraditrias que se tem sobre ele. Por fim, interrogaes sobre a noo de rural como categoria simblica da representao que a sociedade constri sobre si mesma. Dedicarse a esta anlise seria tanto mais judicioso quanto o termo volta hoje ordem do dia. Tambm seria interessante ver em que medida o seu sentido no est, justamente, em vias de se emancipar do seu contedo agrcola tradicional, e ainda em que medida, portanto, esta mutao tambm no estaria exprimindo a necessidade de uma continuidade tanto simblica quanto prtica - e neste caso, a questo se coloca em dar sentido a esta necessidade de continuidade - ocultao de uma ruptura e, ao mesmo tempo, um comeo de reconhecimento desta ruptura. Estas so apenas algumas pistas. Outras j esto bem exploradas - como a anlise da evoluo do lugar dos agricultores na sociedade e a de seus comportamentos profissionais e polticos, por exemplo. Evoc-las aqui, tem por objetivo apenas mostrar que numerosos so os temas de pesquisa de dimenso geral que se pode abordar atravs das evolues do mundo rural - e quanto muito, para serem tratadas, exigem que os seus aspectos referentes ruralidade sejam analisados como facetas incontornveis das evolues da sociedade (no caso, francesa) tomada em seu conjunto. Cabe ainda aos socilogos decifrar os discursos e as polticas, confront-los aos fatos e evidenciar a forma como a sociedade - no caso, a francesa - utiliza - ou no - o seu passado rural para se adaptar ao presente. Esta proposio generalizvel a todas as formaes sociais nacionais; ela deve particularmente ser aplicada ao conjunto dos pases europeus, no quadro de uma anlise dos processos de integrao europia. Tal extenso Europa da construo rural representa uma ocasio excepcional de renovao das problemticas, ao mesmo tempo que uma exigncia que se poderia qualificar de histrica, uma vez que ela remete a uma histria em curso. A abertura a uma abordagem comparativa internacional, de uma forma geral, uma necessidade.

Para caracterizar este conjunto de pesquisas a realizar, seria melhor falar de uma sociologia do rural (Lagrave, 1991) ao invs de uma sociologia rural? Por que no, se isto clarifica as coisas? Mas, que esta condio no leve a pensar que a sociologia rural no tenha sido precisamente seno uma sociologia do rural, e que haveria de alguma forma uma mutao a fazer: seria necessrio acreditar em uma ruptura radical que, de fato, no tem razo de ser e criar um contra-senso sobre o prprio rural e sua insero na sociedade global. Seria preciso tambm que os socilogos que se lancem a este gnero de pesquisas tenham uma cultura em cincias sociais suficiente para abordar o rural e notadamente para situar as suas evolues presentes na histria de suas relaes com a sociedade global. O movimento cientfico e a sociologia rural Desde o comeo dos anos 1970 - h quase um quarto de sculo, ainda mais claramente nestes ltimos anos - assiste-se a uma evoluo muito ntida da concepo das relaes entre cincia e sociedade, entre as diferentes cincias e, mais particularmente, entre as cincias sociais e as cincias que podem ser globalmente qualificadas de cincias da natureza. So vrias evolues, de fato, ligadas umas s outras. Todas elas procedem de interrogaes em curso h vinte anos, que revem, cada vez com mais insistncia, o tema das desigualdades sociais crescentes, os fenmenos de marginalizao, que atingem propores crescentes da populao na maioria dos pases, o do desemprego e a questo do lugar e o papel do trabalho na socializao e integrao social e, enfim, a questo do meio ambiente. Essas interrogaes pem em questo um certo credo no progresso tcnico. E em conseqncia, a concepo da pesquisa cientfica que se situa a montante da tcnica. Procura-se uma cincia mais preocupada com suas prprias conseqncias, tanto sobre a sociedade quanto sobre o meio ambiente - quadro da vida imediato e base de vida a longo prazo. Isto quer dizer que so descobertas mltiplas relaes entre fenmenos de ordens muito diferentes, em cujo estudo a cincia tem o hbito de estabelecer cortes, triar o que pertinente para cada pesquisador em sua prpria disciplina e separar o resto. O caminho que assim se abre balizado por palavras-chave, tais como complexidade, anlise sistmica, modelizao, interdisciplinaridade... A sociologia rural est diretamente implicada nestas evolues, e de mltiplas formas. Ela o est por alguns dos seus temas e pelos elementos da vida social que estuda: a agricultura, enquanto atividade de rpida inovao tecnolgica - donde o xodo agrcola que alimenta o desemprego e provoca a migrao rural; contraditria - de um lado, as biotecnologias e a informtica, de outro, a extensificao e a agrobiologia - e tambm controversa - superproduo, problemas de qualidade da produo e do meio ambiente. A agricultura enquanto setor de atividade aplicada ao ser vivo (animal e vegetal), que se utiliza dos recursos naturais renovveis - a gua, os solos, os recursos genticos, as populaes animais e vegetais - , e transforma os meios - a gua, os solos, os ecossistemas, a atmosfera. Tudo isto faz dela um dos domnios privilegiados, e dos agricultores, um dos grupos sociais mais ricos em ensinamentos para o estudo das relaes entre o social e o tcnico, da mesma forma que entre o social e o tcnico, no somente em seu mbito, mas tambm entre o social, o tcnico e a natureza em relao a todos os tipos de sociedades. O mesmo acontece com o rural, no qual o ambiente natural predomina sobre o construdo, embora seja socialmente apropriado, social e economicamente utilizado e vivido, criado, modelado pelas prticas e pelas tcnicas, um rural herdado da histria e constantemente remanejado. Esse rural oferece campos os mais variados para uma anlise das relaes sociais organizadas entre uma coletividade humana - uma sociedade? - e os meios naturais. A sociologia rural tambm est implicada nos seus prprios procedimentos. Para tratar destas questes, a interdisciplinaridade entre cincias sociais constitui um trunfo: na interdisciplinaridade que existe entre os ruralistas que reside a oportunidade para refora-la ou reanim-la. Essa vantagem aparece com seus prprios problemas, com a necessidade de se situar em diferentes dimenses simultaneamente que vo do nvel do village a do planeta, passando pelo microregional, o regional, o nacional e o europeu. Reencontra-se, assim, o procedimento holstico na medida em que a anlise sistmica pode ser considerada como uma de suas verses. O que a sociologia rural - mas isto tambm vlido para as outras cincias sociais do rural tem a aprender a estender o seu projeto interdisciplinar s cincias da natureza que analisam os sistemas naturais envolvidos com os sistemas sociais que ela estuda.

Para concluir, preciso voltar a duas questes essenciais. cada vez mais pertinente querer analisar em termos sociolgicos as evolues do mundo rural? Hugues Lamarche explica que no porque a unidade de produo agrcola no mais camponesa - termo que precisaria ser bem definido - que ela no mais familiar (Lamarche, 1991-94). preciso assegurar os meios que caracterizam sociologicamente esta forma particular de organizao produtiva e de mobilizao do trabalho que a atual unidade de produo agrcola, distinguindo-a - se isto se justifica - de sua forma camponesa anterior, tentando compreender de onde procedem suas formas especficas. Poder-se-ia declinar este modo de ver de mltiplas maneiras. Por exemplo: no porque os agricultores no so mais camponeses - isto to evidente? - que eles no constituem um grupo profissional, que ocupa um lugar bem determinado na estrutura social das sociedades capitalistas. Ou ainda: no porque a populao agrcola no mais dominante na populao rural que a ruralidade no existe mais etc... O que preciso fazer, cada vez mais, saber dar conta de maneira precisa dos processos, das evolues e das caractersticas sociolgicas daquilo que se estuda. E importa que tudo isto seja feito porque so componentes da sociedade global, cujo estudo necessrio para compreender as transformaes gerais e as vias pelas quais estas se produzem. E tanto mais indispensvel quanto o peso destes componentes geralmente subestimado, seno negligenciado, pelos socilogos que se ocupam destas questes. A segunda questo refere-se ao fato de saber se para realizar essas tarefas h necessidade de socilogos que se qualifiquem como rurais e de uma sociologia dita rural. Em resposta a esta questo, uma observao vem logo mente: os socilogos rurais, evidentemente, no tm nenhum monoplio a reivindicar nos domnios que so hoje de sua predileo. Se a pesquisa de questes transversais a que deve prevalecer e se a idia de comparao deve ser um princpio de mtodo privilegiado, o ponto de partida pode se situar no rural, ou fora dele. H todo interesse em que os socilogos no rurais invistam no campo rural a partir de suas questes e de seus procedimentos. Mas, preciso que eles o faam efetivamente. Ora, tem-se a sensao de que, seja por falta de interesse, seja porque se trata de um universo que lhes estranho ou o rejeitam, eles tendem a ignor-lo e a se abster de consider-lo em suas problemticas. Uma segunda observao decorre da primeira: preciso que os socilogos invistam neste domnio, por gosto, curiosidade, interesse; isto exige competncia especfica, um bom conhecimento do objeto do meio rural e uma cultura cientfica apoiada em bibliografia, ao mesmo tempo especializada e geral, condies que valem para qualquer domnio ou tema. Seria preciso chamar os socilogos que fazem esta escolha e se submetem a tal preparao, de socilogos rurais? Por que no? Mas, pode-se dizer tambm, que importncia tem isto? Terceira observao: o importante que as anlises sociolgicas que se faam situem os aspectos particulares da vida social no contexto da sociedade global - ou, em outras palavras, que as entradas especficas no funcionamento da sociedade - aquelas que interessam - e que so privilegiadas - centrem sua ateno sobre a agricultura, os agricultores e o rural. Uma abordagem setorial fecha e limita a compreenso, e at mesmo leva a erros de interpretao principalmente em termos de especificidades do objeto estudado, as quais, de fato, constituem puros artefatos do mtodo adotado. Se se pode dizer, isto suporia fazer um balano preciso - que a sociologia rural destes ltimos cinqenta anos pecou por carncia neste ponto (o que sucedeu em vrios casos), torna-se necessrio, ento, realizar uma avaliao crtica do que foi escrito e que esta exigncia metodolgica fundamental seja, a partir de agora, levada mais em considerao. Quarta observao: o que conta, igualmente, e esta uma outra faceta da observao precedente, que as mesmas anlises sejam feitas apoiando-se em procedimentos e questionamentos maiores da sociologia. Se um balano da sociologia rural viesse a ser feito, este deveria ser o ponto central. Sem dvida, este um ponto sobre o qual a reflexo no avanou suficientemente nem se tem atualizado muito. Ora, a sociologia rural pode, com base nas suas pesquisas deste ltimo meio sculo, dar uma contribuio original aos grandes debates da sociologia. Se se tiver que mencionar uma tarefa prioritria para a sociologia rural, hoje, ela seria a de empreender tal reflexo terica. Quinta e ltima observao: em todo caso, constitui um contra-senso no dizer que a sociologia rural teria perdido o seu sentido porque o rural - incluindo a agricultura e os agricultores - teria se banalizado e dissolvido na sociedade global. Seria enganar-se acerca do estatuto histrico do rural, incluindo os camponeses. Seria acreditar, com efeito, que o rural s existiu em um contexto e em um perodo bem determinado e passado, enquanto que, na verdade, ele assume formas constantemente novas que correspondem a - e vo paralelas com - as evolues das sociedades globais. No que ele se tornar? Que formas tomar em uma sociedade industrial em mudana rpida? Esta a questo. Tenhamos cuidado para, no o vendo mais, no cairmos na cegueira do olhar centrado no presente e nos discursos prprios da sociedade sobre si mesma. A histria, pode-se dizer, no acaba de acabar. Referncias bibliogrficas

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Sociologia rural2 Sociologia RURAL 2.1. Perspectivas tericas. De acordo com o esquema proposto por Fernando de Azevedo, pelo qual a Sociologia Especial consiste no estudo de categorias especficas de fatos sociais, a "Sociologia Rural uma das subdivises da Sociologia Especial "que estuda o modo de vida rural e a natureza das diferenas rurais e urbanas" LAKATOS & MARCONI (1999:29-30), ou apenas "o estudo das sociedades rurais" (MENDRAS, 1958:316 apud JOLLIVET, 1998:2). Sendo um ramo da Sociologia, usar, igualmente, os mtodos que essa Cincia utiliza para concretizar as suas investigaes. A tendncia natural, no contexto desse trabalho seria ligar a Sociologia Agrcola com a Rural, como sendo a mesma coisa, mas quando se pensa no Rural, certamente no se est pensando apenas na agricultura, que o modo de cultivar a terra. H muitas relaes sociais que se desenvolvem no campo que no dizem respeito agricultura, como por exemplo as lutas pela posse da terra, a grilagem, a reforma agrria, a industrializao do campo, "o bia fria", entre outras. Todavia, desnecessrio se faz dizer sobre o inter-relacionamento que as duas disciplinas possuem, no somente entre si, como tambm com as demais "cincias sociais que estudam o mundo ou o espao rural, o que se justifica pelas trocas importantes que ela tem com as mesmas e, inversamente, as relaes que as cincias sociais mantm com a disciplina" (JOLLIVET, 1998:1). Ainda considerando que a Sociologia Rural uma subdiviso da Sociologia Geral, foroso

ento nos admitir que, antes de ser Rural ou Especial, essa disciplina tambm Sociologia Geral, e dela herda igualmente as origens histricas e as perspectivas tericas traadas pelas diversas escolas e pensadores sociolgicos, bem como a mesma interdisciplinaridade com as demais cincias sociais, que estudam as particularidades dos fatos sociais. Esse um dos aspectos pouco considerados pelos estudiosos, mas que Jean Stoetzel (1951-1952) e Henri Mendras (1963-1964), seus precursores, fazem questo de destacar logo ao incio dos cursos que ministraram no Instituto de Estudos Polticos de Paris. Assim se posiciona Mendras, por exemplo, em 1958: "O meio rural um campo de investigao para todas as cincias sociais e seu estudo no poderia constituir uma disciplina autnoma. Os gegrafos que analisam as relaes entre o homem e o meio natural e a distribuio espacial dos fenmenos humanos comearam naturalmente a se debruar sobre o campo. A economia rural um ramo (um dos mais antigos) da economia poltica. Ligando-se a um passado em que a agricultura era a atividade exercida pela maioria dos homens, a histria social d um grande destaque descrio da vida camponesa. Os etnlogos estudam as estruturas ditas arcaicas nas quais a busca ou a produo de alimentos ocupam todos os homens. Enfim, citadinos e rurais interessam igualmente ao psiclogo, ao demgrafo, etc. Enquanto homens iguais aos outros, os rurais tambm dizem respeito a cada cincia social. Entretanto, eles vivem em um meio particular que requer uma certa especializao do pesquisador e, s vezes, uma problemtica diferente. Como o etngrafo, o socilogo rural deve, portanto, conhecer os mtodos e as tcnicas de todas as outras cincias sociais, a no ser que conte com a colaborao de uma equipe de diversos especialistas." (MENDRAS apud JOLLIVET, 1998). Uma das pretenses do ruralista , por conseguinte, promover a integrao das anlises feitas pelo rural, produzindo um nico conhecimento que, alis, a matriz que direciona o epistemolgico. O conhecimento uno, global. As divises tm implicaes meramente didticas, mas nenhum fenmeno social pode ser perfeitamente compreendido se dissociado do contexto geral em que se encontra e do qual recebe influncia, tanto interna quanto externamente. Nesse sentido, a Sociologia Rural que deveria ser uma das especificidades em que se divide a Sociologia Especial, acaba assumindo ares de disciplina geral, na medida em que sua anlise pode ser dividida em reas como a da famlia, da religio, entre outras. O seu objeto de estudo , dessa forma, mais do que uma das especificidades da Sociologia Especial. Assim, ao invs de se falar em objeto, o mais apropriado referir-se ao seu campo de atuao: as sociedades rurais. Vale dizer ainda que no se deve compreender o rural com o oposto do urbano. A Sociologia Urbana, tal qual a Rural, perde tambm o seu carter de disciplina especfica, pois o Urbano tambm analisado por vrios ngulos e planos diferentes e o que vai interessar Sociologia Urbana no uma dessas anlises em particular, seno que a sntese de todas elas. dessa forma que deve ser feito o estudo da Sociologia Rural. Destaca-se, inclusive que, grande parte da problemtica rural atual decorrente do entendimento errneo de que aquilo que no urbano rural e vice-versa ou daquele que trata tudo como sendo a mesma coisa. "A realidade de nossos dias tem gerado uma sociedade que se urbaniza velozmente. Essa

urbanizao, comandada pelo processo de industrializao que o campo est conhecendo, criou rapidamente um forte contingente de trabalhadores rurais-urbanos. Isso ocorre porque se est implantando no campo o modo industrial de produzir. Esse fato, incontestvel, tem feito com que vrios colegas autores tratem o campo como se trata a cidade/indstria, esquecendo que as especificidades de cada um no foram ainda eliminadas" (OLIVEIRA, 2002:8). 2.2. O Objetivo da Sociologia Rural. A tarefa do Socilogo Rural, segundo Mendras (1958), tem uma dupla orientao: estudar as especificidades prprias de sua rea de estudos; e, reinterpretar, sintetizar e integrar sob o seu ponto de vista, os estudos das demais cincias sociais rurais, a fim de se obter a compreenso global da sociedade rural. A sociedade rural goza apenas de uma certa autonomia diante da sociedade global, sendo impossvel reduzi-la a um grupo econmico profissional. No se trata de "agricultores" ou "pecuaristas". Dessa forma, a anlise ruralista se fundamentar na hiptese de "existncia nos pases que tm um campesinato tradicional, de uma sociedade rural, que conserva uma certa autonomia em face da sociedade global" (MENDRAS, 1958), sendo o objetivo da Sociologia Rural, demonstrar a validade dessa proposio. Nesse sentido, a nfase do trabalho ser na mudana social que se caracterizar com a transformao do campons em agricultor ou pecuarista, ou qualquer outro grupo reconhecido, de forma a poder integrar-se sociedade global, haja vista que esta no reconhece a sociedade rural como um de seus grupos sociais; todavia o faz, sem maiores dificuldades, com relao ao grupo dos agricultores e dos pecuaristas, por exemplo. Para alcanar esses resultados propostos, o estudo da sociedade rural se baseia no entendimento de que existem elos de ligao muito finos entre os diversos tratamentos dados ao seu "objeto material" por cada uma das cincias sociais que abordam essa temtica. Esse seria um dos motivos para o trabalho integrado dessas cincias. Essa postura parece dar ao trabalho do grupo um carter fechado e isolado do restante do conhecimento, como se esse formasse um bloco independente, "o bloco do rural", mas isso apenas aparncia. O que deve ser vislumbrado o fato de que o trabalho do socilogo rural tem uma duplicidade de objetivos: compreender o social rural e integr-lo no social global, ou seja, o trabalho deve ter coerncia interna e externa para que seja realmente um conhecimento cientfico vlido. Quando ao estudo particular da sociologia rural, levado a efeito pelos seus pesquisadores ao longo da histria, JOLLIVET (1998), tomando como ponto de partido a questo francesa, entende que eles esto interligados, podendo ser sintetizados em cinco temas principais: as relaes cidade-campo; as transformaes da agricultura; a posio dos camponeses na sociedade; o desenvolvimento local; o meio ambiente. Esses temas no foram exclusividades do povo francs; os brasileiros tambm vivem o mesmo drama; e, certamente vrias naes do mundo. 2.2.1. As relaes cidade-campo. Essa temtica comeou a ser tratada com mais intensidade aps a segunda grande guerra, quando o mundo destrudo envidava um esforo generalizado para a reconstruo, a industrializao e a modernizao. A questo

que se discutia era a de saber se os campos seriam capazes de suportar as mudanas. Para a cidade, onde normalmente acontecem as novidades, esse esforo seria normal, pois essas so questes mais pertinentemente urbanas do que rurais. Seria apenas uma questo de acomodao a um estilo de desenvolvimento mais acelerado. Partir do nada destrudo e retomar o ritmo da vida, absorvendo as lies da guerra. E que lies! Quanta diferena houve entre o corpo-a-corpo dos soldados na primeira grande guerra e o corpo-a-mquina da segunda! A modernidade trouxera a tecnologia, a qual fora usada para matar e destruir. Agora ela deveria ser utilizada para a reconstruo e a implantao do novo mundo. Mas e o campo? O progresso sempre demorou um pouco mais a chegar l. De que forma a sociedade rural enfrentar os problemas modernos? A cidade no capaz de bastar-se; no autrquica; dependente da matria-prima e, principalmente de muito alimento. Atender essa demanda vai implicar em muitas mudanas. Por conta dessa situao, a sociedade rural europia, em princpio, veio a enfrentar situaes as mais complicadas, como: a desertificao, a rurbanizao, problemas com terras no cultivadas, a uniformizao dos modos de vida, a morte ou o renascimento do rural. E, posteriormente, vrias partes do mundo, igualmente, vieram a passar pela mesma situao. Alguns ainda esto vivendo esses dramas rurais. A ttulo de ilustrao, pode-se destacar o fato de que vrias reas do Brasil vm se desertificando, em conseqncia do desmatamento desenfreado para aumentar a produo. Segundo a Enciclopdia Britnica, o Brasil tem "regies semi-ridas, como a caatinga, mas nenhum deserto. Em geral, considera-se uma regio desrtica quando sua precipitao mdia anual inferior a 250 mm" (BARSA, 2001:132b). Mas a prpria Britnica, a conceituar a desertificao, declara que ela " a degradao do meio natural, com tendncia criao de zonas desrticas. Produzida por causas naturais, como as mudanas climticas, ou derivadas da ao humana, como o desmatamento" (BARSA, 2001). A preocupao em produzir para atender a demanda mundial de alimentos (principalmente do mundo que pode pagar por eles; aqueles que no podem continuam passando e morrendo de fome) criou o empresrio rural, cuja nica preocupao produzir e ganhar dinheiro, pouco se incomodando com as conseqncias dos atos que pratica para assegurar essa produo. Viajando pelo pas afora, pode-se perceber as mudanas que esse tipo de empreendedor (que no do campo, que no vive no campo, mas que apenas explora o campo), vem ocasionando na paisagem brasileira. Os maiores danos so causados na regio dos cerrados, antes coberto por uma vegetao natural, hoje coberto por extensas plantaes, onde no se v uma rvore sequer, apenas soja, algodo, arroz, milho, plantao, plantao e plantao. "Trinta por cento das reas de floresta tropical do planeta esto concentradas no Brasil, em especial na bacia amaznica. Essa riqueza vegetal foi encarada, no entanto, como obstculo para o desenvolvimento do pas, principalmente a partir da dcada de 1970. Fotografias de satlite tiradas em 1988 revelaram que o desmatamento realizado em pouco mais de dez anos na Amaznia atingia 12% da regio - uma rea maior do que a Frana. Esse ritmo de devastao, segundo os ambientalistas, levaria ao desaparecimento da floresta at o final do sculo XX. No incio da dcada de 1990, no

entanto, as taxas de desmatamento apresentaram uma reduo, mais atribuda recesso econmica do que conscincia ecolgica. As principais causas do desmatamento na regio eram a criao de gado, explorao de madeira, construo de estradas e hidreltricas, minerao, agricultura em pequenas propriedades e crescimento urbano". "O desmatamento uma das principais causas da seca, porque a derrubada de rvores destri as bacias hidrogrficas e empobrece o solo. , portanto, um fator intensificador da pobreza em pases da Amrica Latina, sia e frica. Exemplo bvio o da Etipia, onde a devastao da vegetao natural reduziu a capacidade de armazenamento de umidade da terra e agravou os efeitos da estiagem sobre a agricultura. O grande desafio ambiental do mundo contemporneo consiste em recuperar, por meio de programas de reflorestamento, o que j foi degradado; impedir que o processo de desmatamento indiscriminado tenha continuidade e desenvolver projetos que, mesmo ao inclurem a explorao econmica da floresta, favoream sua recuperao gradual, com a reposio garantida do que for retirado e respeito aos ciclos biolgicos das diversas espcies" (BARSA, 2001:137). Em novembro de 1998, representantes de 150 pases iniciaram em Dacar, capital do Senegal, a II Cpula Mundial sobre desertificao. O processo de degradao afeta diretamente 250 milhes de pessoas e pode chegar a prejudicar um bilho, em todas as regies da Terra. Segundo dados das Naes Unidas, a desertificao causa prejuzos de 42 bilhes de dlares ao ano. A Amrica do Norte, com 74% de terras ridas ou semiridas, e a frica, com 73%, eram as regies mais preocupantes (PANORAMA, 2004). 2.2.2 As transformaes da agricultura. A Sociologia Rural depende da anlise realizada por cada uma das diversas cincias sociais que analisam os fenmenos rurais, para que possa fazer a sua sntese integradora que assegure a explicao unitria e global da sociedade rural. As aes desenvolvidas pelos homens do campo que conduzem s transformaes da agricultura e que levam a propriedade rural a tornar-se uma propriedade agrcola, e os camponeses a ser agricultores um grupo reconhecido pela sociedade , a meta maior da Sociologia Rural. Mas, uma vez transformado em agricultor e feito membro ativo da sociedade global, esta exige novas e constantes transformaes para atender a demanda dos demais grupos sociais que a completam e que implicam na adoo de um modo de vida totalmente diferente, cujo estudo a meta da Sociologia Agrcola, em particular, mas cujas concluses interessam Sociologia Rural para complementar a sua anlise da sociedade rural. As transformaes atingem "no s o estabelecimento agrcola e o trabalho do agricultor, mas tambm tendo em vista o estreito lao entre o estabelecimento e a famlia a transformao da famlia agrcola" (JOLLIVET, 1998). J no se trata de produzir apenas para a subsistncia da famlia. O que plantar tambm deixa de ser uma deciso particular; planta-se o que requerido. As pequenas fazendas precisam se adequar s grandes. Muitas vezes elas apenas complementam a produo daquelas. So toleradas. Esse fenmeno bastante comum na regio centro-sul de Mato Grosso, nos municpios de Jaciara e Campo Verde, onde as pequenas propriedades plantam cana e criam frangos

para atender demanda das indstria de acar e do frango, respectivamente. A mesma situao acontece em Nova Olmpia, Tangar da Serra, Barra do Bugres e regio, onde se planta cana para a Itamarati. "O processo de desenvolvimento recente no campo brasileiro tem criado condies para que uma frao do campesinato amplie a produtividade no trabalho familiar. Este processo tem sido possvel em funo, de um lado, do acesso tecnolgico colocado disposio da agricultura capitalista, e, de outro, do estabelecimento de novas relaes com a indstria. Este processo tem sido objeto de muitos estudos. As indstrias consumidoras de produtos de origem agrcola ou pecuria chamam estas relaes de produo integrada. Isso significa que, por exemplo, no caso da avicultura, a indstria de rao que tambm industrializa e comercializa o frango, entregue ao granjeiro os pintinhos e a rao que comero at o abate. Depois de atingirem um peso mdio de 1,5 kg, os frangos so entregues para o abate. A indstria destina uma percentagem do preo final, que pode variar em torno de 15%, ao granjeiro" (OLIVEIRA, 2002:71). Na regio de Poxoro, por exemplo, desde 1997 a Administrao Municipal vem incentivando o plantio do maracuj para fins industriais, como alternativa para a mudana de atividade econmica, do garimpo para a fruticultura. "A implantao do "TecnoFrutas - o processo de produo e industrializao de Poxoro MT", foi a forma encontrada pelo Governo do Municpio, para superar a recesso que passou a vivenciar desde o incio desta dcada, em decorrncia do esgotamento das jazidas diamantferas que sustentara o seu desenvolvimento desde 1924. O "TecnoFrutas" como foi batizado o projeto , uma proposta de gerao de emprego e renda, atravs do assentamento fundirio de 200 profissionais agrcolas, em uma rea de 6.400 hectares, a ser cultivada com frutas tropicais, diferente das formas convencionais tradicionalmente utilizadas pelo INCRA, cujas metas so a gerao de 7.500 empregos diretos, beneficiando um total estimado de 30 mil pessoas" (SOUSA, 1999:6). O Tecnofrutas visava produzir alimentos de forma orientada para atender demanda das indstrias. Para comear a vender a idia, a prpria Prefeitura implantou dos "Casulos" com o apoio do INCRA, enquanto tentava viabilizar os recursos que viabilizariam o projeto. Em 1997 o Municpio fez acordos com a Maguari, de Minas Gerais e em 2001, com a Superbom. Na expectativa de garantia de venda da produo, alguns pequenos proprietrios aderiram ao projeto, que foi modificado e transformado em apenas um projeto de produo, abandonando-se a idia original do assentamento de profissionais rurais. Todavia, mesmo com essa mudana, ainda no houve o envolvimento esperado e, por gerenciamento inadequado, os acordos com as industrias acabaram sendo cancelados e o projeto est temporariamente desativado. "Trata-se de algo indito. Em todas as propostas de assentamento fundirio postas em prtica no Brasil, atravs do INCRA, o costume assentar "sem-terras". Normalmente os assentados so pessoas que trabalhavam como arrendatrios e foram desagregados, ou ento eram sertanejos que saram do campo e se mudaram para as cidades acreditando que sua sorte mudaria e que, no obtendo sucesso, desejam voltar ao campo, mas no

possuem mais os campos para voltar. So pessoas que, em sua grande maioria, possuem apenas a experincia rural, mas que no dominam as modernas tecnologias e conhecimentos. Contrariando essa linha, o Municpio de Poxoro se prope a realizar o assentamento de "profissionais da terra", ou seja, pessoas formadas e qualificadas para trabalhar a terra de forma adequada, utilizando o conhecimento e a tecnologia disponvel" (SOUSA, 1999, 10). A questo em Poxoro cultural e cultura algo arraigado na personalidade das pessoas. No se muda de um dia para o outro. Uma das idias que est implcita no Tecnofrutas que se deve trabalhar as novas geraes para uma nova forma de trabalho que no seja o garimpo, antes que eles sigam os exemplos de seus pais, os quais devem ser deixados como representantes histricos de uma classe de garimpeiros que est fadada ao desaparecimento na regio, com o esgotamento das jazidas. Para eles, a mudana cultural praticamente invivel. Alm das situaes particularizadas de Mato Grosso, a produo integrada campo/indstria atingiu tambm o sul do pas no que tange suinocultura os granjeiros produzem milho e engordam sunos para as indstrias de carne e produo de fumo que atende aos oligoplios das indstrias de cigarros. "O que estamos assistindo de fato , pois, o processo de industrializao da agricultura que, sem necessariamente expropriar a terra do campons, sujeita a renda da terra aos interesses do capital. A renda da terra, produzida pelo trabalho familiar, campons, no fica com quem produziu, mas se realiza parte na indstria e parte no sistema financeiro" (OLIVEIRA, 2002:72). Uma experincia diferente e que se relaciona com Primavera do Leste, MT, o caso dos camponeses do sul produtores de soja. As propriedades so pequenas e limitam a sua capacidade de produo. Dessa forma eles esto vendendo as suas propriedades e vindo para o Centro-Oeste e Rondnia. Onde conseguem comprar grandes reas de terras, em virtude da enorme variao de preo do hectare nessa regio em comparao com o sul do pas. No registro de Ariovaldo de Oliveira,o nmero de propriedades rurais na regio sul caiu de 1.264 mil em 1970 para 1.145 mil em 1980. "Dessa forma, no esto diante da expropriao inevitvel pelo avano das relaes capitalistas de produo no campo, mas sim no seio de um processo contraditrio. Assim, ao mesmo tempo que o subordina mais, promove o seu deslocamento territorial, abrindo espao no Sul para a continuidade e possibilidade da concentrao de terras para uma frao de camponeses que tm acumulado riqueza neste processo, e, conseqentemente, vm abrindo no espao distante a possibilidade de acumulao" (OLIVEIRA, 2002:72). As pequenas propriedades do sul esto no limite mximo de sua capacidade produtiva. Os camponeses, ao longo dos anos, acumularam condies para produzirem mais, mas no possuem espao territorial para faz-lo. Normalmente vendem suas propriedades para os vizinhos, os quais vo se tornando mdios e futuros grandes proprietrios. 2.2.3. A posio dos camponeses na sociedade. "A origem da civilizao, o momento em que se deu a transio da pr-histria para o perodo neoltico, nada foi seno o surgimento do primeiro campesinato. Tem ele, pois, importncia capital na histria

humana, uma vez que dos primeiros ncleos camponeses derivariam as posteriores culturas urbanas. "Campesinato o grupo social formado pela massa de trabalhadores da terra e pequenos proprietrios rurais. O produto de seu trabalho destina-se primordialmente ao sustento da prpria famlia, podendo ser vendido ou no o excedente da colheita, deduzida a parte do aluguel da terra, quando esta no prpria. O campesinato cultiva extenses limitadas, usando instrumentos e tcnicas rudimentares e mo-de-obra familiar. "O campesinato est longe de ser homogneo. Nele se identificam essencialmente trs camadas: a dos camponeses ricos, possuidores de animais de lavoura e de transporte e que eventualmente contratam assalariados; a dos camponeses remediados, braais, que utilizam os membros da famlia como fora de trabalho; e a dos jornaleiros, trabalhadores sem terra, que se empregam como assalariados, s vezes por temporada, como o caso dos "bias-frias" brasileiros. "O fenmeno do campesinato tem sido estudado sob dois aspectos: o histrico, preconizado pelo francs Marc Bloch, e o socioantropolgico, defendido pelo antroplogo americano Robert Redfield. 2.2.3.1. Teoria histrica. "Segundo essa corrente, existiam na Frana grandes conjuntos familiares, congregando vrias geraes e famlias colaterais estabelecidas na mesma vizinhana. Cada famlia-membro cultivava sua parcela para subsistncia e o excedente era vendido ou trocado. No entanto, segundo Bloch, o que caracteriza a sociedade camponesa da Frana sua relao com a instituio senhorial, sem a qual no seria possvel compreender nem uma nem outra. A classe dos senhores se originou da existncia de diferenas de recursos e de prestgio entre os prprios camponeses: o membro do grupo que se destacava por suas qualidades ou riquezas rodeava-se de seguidores. Outro tipo de senhoriato foi herdado de Roma; coexistiam em propriedades gaulesas o escravo e o colono, homem livre que pagava o aluguel da terra ao senhor com parte da colheita. O desaparecimento da escravatura possibilitou o aumento das parcelas arrendadas a colonos, denominados parceiros. "As comunidades passaram a desenvolver sobre os pastos, florestas e rios um sistema de direitos coletivos que eram respeitados e defendidos por todos os camponeses. Assim, o campesinato francs desenvolveu-se, no incio, em oposio ao senhoriato. O campesinato caracterizava-se por ser uma camada inferior, subordinada e explorada pelo senhoriato. Essa tendncia foi diminuindo medida que se desenvolvia a sociedade e aumentava o empobrecimento dos senhores. O desaparecimento dessa subordinao ao senhoriato no logrou alar a camada camponesa a uma posio elevada, e ela permaneceu subordinada a um conjunto de camadas sociais nas quais se inseria como inferior. Surgiram, ento, os lavradores ricos. Com a revoluo agrcola, no incio do sculo XVIII, difundiram-se as empresas agrcolas em moldes capitalistas cujo objetivo era a produo e a venda da colheita, reservando pequena parcela para o sustento do proprietrio, em coexistncia no entanto com as unidades agrrias camponesas remanescentes. "As principais caractersticas desse tipo de campesinato perduram at hoje. A famlia, chefiada pelo pai, constitui sempre a unidade social de explorao da propriedade, sendo

que, em regra, seu trabalho satisfaz as necessidades essenciais da vida. Apesar de sua feio autoritria, a comunidade permite que seus membros se desliguem para criar situaes socioeconmicas distintas. "Com a revoluo francesa, acentuou-se a subordinao do campesinato sociedade urbana em desenvolvimento. Durante a revoluo, a desapropriao dos bens da nobreza e do clero possibilitou a venda de terras a burgueses citadinos, que passaram a alugar ou arrendar suas terras aos camponeses, ao mesmo tempo em que se multiplicavam os pequenos proprietrios camponeses. No decorrer do sculo XIX, os lavradores abastados passaram a se utilizar dos mtodos capitalistas. Os camponeses tornaram-se policultores, vendendo o excedente da produo nas cidades e passando a ser comandados por citadinos. 2.2.3.2. Teoria antropolgica. "Essa segunda orientao relaciona o campesinato com diferentes tipos de sociedades. Os camponeses surgem nas sociedades em que a cidade e o meio rural coexistem em situao mais ou menos equilibrada. A relao entre o campesinato e a cidade de complementaridade econmica, uma vez que cabe ao campons abastecer a cidade. Essa complementaridade deriva da dominao poltica que a cidade, como poder central, exerce sobre o campo. O campons constitui uma camada social inferior, submetida camada urbana, e suas caractersticas so: atitudes prticas e utilitrias com relao natureza; valorizao positiva do trabalho, considerado como um mandamento divino a ser cumprido; uma preocupao com a segurana; elevado apreo procriao e prognie; desejo de enriquecer; e noes bsicas de tica derivadas da importncia atribuda ao trabalho. Esse tipo de campesinato formado por unidades domsticas de produo, orientadas primariamente para a subsistncia da famlia. Os instrumentos de trabalho so rudimentares e o excedente de produo vendido ou trocado em mercados locais. 2.2.3.3. Amrica Latina. "O campons latino-americano pratica a policultura e a criao em pequena escala, iletrado, possui tecnologia pr-industrial, cultiva pequenas reas, consagra uma poro significativa da colheita subsistncia e utiliza mo-de-obra familiar. A famlia a unidade econmica de base e se insere em um grupo de vizinhana. "No Brasil, coexistiu com a escravido uma camada camponesa semelhante descrita por Marc Bloch na Europa feudal. Nas fazendas monocultoras ou de criao de gado havia, ao lado dos escravos, um campesinato livre, encarregado da produo de alimentos para essas fazendas e para os povoados. Era freqente, e continuou aps a abolio da escravatura, o regime de pagamento do aluguel da terra com parte da colheita (meia, tera). Sitiantes independentes formavam parte da comunidade camponesa. Entre esses, os mais abastados, possuidores de animais, praticamente monopolizavam a comercializao dos produtos agrcolas. Permaneceram, contudo, em segundo plano diante dos fazendeiros monocultores e grandes criadores de gado, com os quais no tinham condies de competir. "Alm de camponeses proprietrios, sempre existiram: (1) posseiros, localizados em terras devolutas ou sem autorizao do proprietrio, onde se instalavam; (2) parceiros, que pagam o aluguel da terra com uma percentagem da colheita, ou o equivalente em

dinheiro; (3) arrendatrios, para os quais o aluguel da terra fixo, independentemente da quantidade colhida; (4) moradores ou agregados, que habitam as propriedades monocultoras, cultivando nelas certos gneros, com permisso do proprietrio, a quem pagam com dias de servio; (5) camponeses sem terra, que alugam seu trabalho. "Observa-se hoje no campesinato brasileiro um movimento de migrao para as cidades, em conseqncia da falta de um projeto global de poltica agrria que solucione seus problemas estruturais". (BARSA, 2001:339) 2.2.3.4 - Reforma agrria. "A concentrao de terras em mos de poucos grandes fazendeiros, sistema de propriedade rural que se denomina latifndio, tem sido o maior entrave justia social no campo. Sua problemtica confunde-se com os primrdios da agricultura, a formao da famlia patriarcal e a delimitao da propriedade privada. "Reforma agrria o termo empregado para designar o conjunto de medidas jurdicoeconmicas que visam a desconcentrar a propriedade das terras cultivveis a fim de torn-las produtivas. Sua implantao tem como resultados o aumento da produo agrcola, a ampliao do mercado interno de um pas e a melhora do nvel de vida das populaes rurais. 2.2.3.4.1. Questo agrria no Brasil. "O Brasil apresenta uma estrutura agrria em que convivem extensos latifndios improdutivos, grandes monoculturas de exportao e milhes de trabalhadores rurais sem terra. A rea mdia das pequenas propriedades no ultrapassa os vinte hectares e a numerosa populao rural vive em pssimas condies de higiene e alimentao, o que resulta em elevados ndices de mortalidade. H regies no pas nas quais os processos de irrigao, fertilizao e recuperao do solo so desconhecidos, o analfabetismo prevalece e inexistem as escolas tcnico-agrcolas. "A m distribuio da terra no Brasil data do incio da colonizao, quando a coroa portuguesa simplesmente transplantou o sistema feudal inoperante da metrpole para as terras da colnia. Interessada na produo do acar, estimulou a instalao de engenhos e concedeu vastas sesmarias a indivduos que estivessem em condies de investir na lavoura canavieira. Algumas sesmarias chegaram a atingir uma extenso de cinqenta lguas, no norte da colnia, e apenas trs no sul, medidas que refletem os privilgios dos proprietrios mais prximos da metrpole. "A primeira modificao importante na legislao agrria do Brasil data da vinda da corte portuguesa em 1808, quando o prncipe regente D. Joo sancionou decreto que permitia a concesso de sesmarias a estrangeiros. Os colonos, procedentes de vrios pases da Europa, localizaram-se no sul e deram incio ali ao processo de formao da pequena propriedade agrria. Inauguraram tambm o regime de posse, pois os que no possuam recursos suficientes para receber e cultivar sesmarias, apropriavam-se de terras incultas, adquirindo-as pelo chamado direito de fogo morto. Por esse direito, o colono podia conservar legalmente as terras que seu trabalho e dinheiro recuperassem, cultivassem e tornassem rentveis. "A primeira Lei de Terras do Brasil data de 1850 e proibia a aquisio de terras devolutas, exceto por compra, numa tentativa de coibir o regime de posse. A lei vigorou at a promulgao da constituio republicana de 1891, que concedia autonomia legislativa aos estados da federao. No tocante s leis agrrias, porm, os estados,

exceto por alteraes muito superficiais, endossaram os princpios e normas da Lei de Terras. "A partir da proclamao da repblica, sucederam-se os decretos que regulamentaram aspectos da propriedade da terra, mas nenhum modificou fundamentalmente a m distribuio da propriedade fundiria no pas. O cdigo civil brasileiro, promulgado em 1916, proibiu a legitimao das posses e a revalidao de sesmarias. Aqueles que no tivessem regularizado suas posses at o incio da vigncia do cdigo s poderiam faz-lo com base no instituto do usucapio. 2.2.3.4.1.1. Problemas sociais e ao poltica. "O princpio segundo o qual a posse no garante a propriedade vedou ao trabalhador rural o acesso terra e propiciou a formao de uma casta de latifundirios que se apossou das reas rurais brasileiras. Na base da pirmide social, uma vasta classe de despossudos foi relegada mais extrema misria e teve suas reivindicaes reprimidas sistematicamente com violncia. "A mesma legislao, j arcaica e ineficaz no incio da colonizao, regeu a ocupao do Centro-Oeste e da Amaznia, na segunda metade do sculo XX. Multiplicaram-se as propriedades de dez mil, cem mil e at um milho de hectares, em flagrante desobedincia constituio de 1946, que exigia aprovao do Senado para qualquer concesso superior a dez mil hectares. As diferenas sociais se agravaram e estenderam. Depois da constituio das organizaes internacionais de direitos humanos, proliferaram as denncias de explorao do trabalho escravo, grilagem de terras, assassinato de lderes dos trabalhadores rurais e toda sorte de violncia. "Tradicionalmente identificado com o setor mais conservador da cena poltica brasileira, o latifndio exerceu sempre poderosa influncia sobre as decises oficiais. Por meio de seus representantes nos rgos de governo locais e federais, conseguiu manter inclume o regime de propriedade e os privilgios de que desfrutava, sobrevivendo assim industrializao e s mudanas sociais ocorridas nos meios urbanos. "O governo do presidente Joo Goulart props, em 1963, a aprovao de um princpio constitucional segundo o qual a terra no poderia ser mantida improdutiva por fora do direito de propriedade. Por essa via, se pretendia distribuir pequenos lotes a dez milhes de famlias. Sobreveio ento o golpe militar de 1964, que interrompeu a ampla mobilizao nacional em favor da reforma agrria. 2.22.3.4.1.2. Estatuto da Terra. "Em 30 de novembro de 1964 o Congresso Nacional aprovou a lei nmero 4.504, que disps sobre o Estatuto da Terra. Em seu artigo primeiro, o estatuto define a reforma agrria como "o conjunto de medidas que visam a promover melhor distribuio da terra, modificando o regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princpios de justia social e ao aumento da produtividade". O pargrafo segundo do mesmo artigo esclarece que "o objetivo dessa poltica amparar e orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecurias, seja no sentido de garantir o pleno emprego, seja no de harmoniz-las com o processo de industrializao do pas". Reza, ainda, que o acesso propriedade territorial ser efetivado mediante a distribuio ou a redistribuio de terras, pela execuo das seguintes medidas: desapropriao por interesse social mediante prvia indenizao em ttulos da dvida pblica; doao; compra e venda; arrecadao dos bens vagos; reverso posse do poder pblico de

terras de sua propriedade indevidamente ocupadas e exploradas, a qualquer ttulo, por terceiros; herana ou legado. "A constituio de 1967 endossou o estatuto ao permitir a desapropriao da propriedade rural com o objetivo de promover a justia social. O decreto-lei n 554, de 25 de abril de 1969, regulou o processo especial de desapropriao dos imveis rurais situados em reas declaradas prioritrias, ou seja, em zonas crticas ou de tenso social. A base da indenizao aprovada foi o valor declarado para efeito de pagamento do imposto territorial rural. A fim de promover e coordenar a implementao do estatuto e decretos complementares, o governo federal criou, em 1970, o Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), que absorveu as atribuies dos rgos anteriores. "Em julho de 1985 o governo instituiu o Ministrio da Reforma e do Desenvolvimento Agrrio, para executar o Estatuto da Terra. O Plano Nacional de Reforma Agrria, proposto pelo novo ministrio, tinha como principal instrumento a desapropriao e previa o assentamento de sete milhes de trabalhadores, mas enfrentou forte resistncia no campo para sua implementao. A partir do fim da dcada de 1980 intensificaram-se os conflitos no campo e surgiram novos grupos em defesa da reforma agrria. O mais importante deles foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), cuja ao se baseia na ocupao de terras para pressionar o governo a fazer a reforma agrria. Em 1996, o Congresso aprovou duas medidas para facilitar a reforma agrria: o aumento dos percentuais do imposto territorial rural (ITR) para as propriedades improdutivas e o rito sumrio, que permite a desapropriao imediata das terras. 2.2.4. O desenvolvimento local. Hoje trabalha-se com a idia do desenvolvimento local integrado e sustentvel (DLIS). Nem o governo, nem os organismos financeiros internacionais esto querendo financiar projetos que no apresentam um retorno concreto, ou seja, um grau de risco pequeno. Durante muitos anos trabalhou-se com a idia de fundo perdido. Financiava-se a pequena propriedade e no se avaliava os resultados do investimento. Com o DLIS surge uma nova situao em que faz-se necessrio comprovar a viabilidade do projeto. Esse desenvolvimento vem sendo controlado por empresas contratadas pelo governo especialmente para auxiliar e orientar os pequenos proprietrios na montagem dos projetos. 2.2.5. O meio ambiente. "O ar, a gua, os minerais, o solo, as plantas e os animais so essenciais vida do homem. Como esses recursos no so inesgotveis, o bem-estar futuro da humanidade depende fundamentalmente de uma atitude positiva voltada para a conservao da natureza." "Em sentido amplo, entende-se por conservao da natureza ou conservacionismo o esforo centrado em polticas e tcnicas que tm por fim preservar na Terra condies propcias vida e a uma integrao maior entre as espcies. Os princpios bsicos de conservao da natureza foram enunciados pelos ecologistas, segundo os quais a matria viva, composta de centenas de milhares de espcies e variedades de animais e plantas, se distribui no planeta segundo uma ordem naturalmente harmoniosa, constituindo comunidades biticas. Tais comunidades mantm entre si, nas biocenoses, e com o meio ambiente - ar, gua, solo, relevo, energia solar etc. - um profundo equilbrio, que a essncia que determina e regula, no ecossistema, sua existncia em comum."

"Assim, estudados pormenorizadamente cada um dos componentes dos ecossistemas, foram determinados os princpios da conservao dos solos, da flora, da fauna, das guas continentais e marinhas. Ao procurar defender os "recursos naturais", o conservacionista no toma o vocbulo "recursos" no mesmo sentido que o economista, isto , significando riqueza potencial, mas apenas no de "condies ambientais"." "Aspectos da degradao. Desde o surgimento da sociedade humana, o homem tornouse cada vez mais capaz de criar ambientes artificiais, ditos antropogenticos (as "paisagens culturais" dos gegrafos), e diferenciados em escala crescente medida que os meios tcnicos evoluam. A rpida transformao do ambiente provocada pelo homem no obedeceu, porm, a leis de conservao da natureza, e sim a leis econmicas. Nessas circunstncias, quando as primeiras dessas leis so transgredidas, desencadeiamse processos como degradao ou devastao da flora, extermnio da fauna, eroso ou lixiviao (lavagem de sais do solo) aceleradas, alterao do regime de guas ou do clima, poluio, empobrecimento ou esgotamento dos solos." "Basta que seja alterado um dos elementos do ecossistema, alm de um determinado ponto crtico, varivel em cada regio natural, para que todo o conjunto venha a se modificar profundamente. Assim, por exemplo, eliminando-se a cobertura florestal numa vasta superfcie de relevo acidentado, todo o regime de guas