Apostila SUS Para Concursos 2015 - Comentada

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    A NOVA LDB EA CONSTRUO DA CIDADANIA1

    Lourdes Marcelino MACHADO2

    Estamos diante de um fato consumado: temos uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional.

    Qual o signicado deste fato para a efetiva transformao do panorama quase catico da edu-cao no pas?

    Sem nenhuma inteno de pessimismo ou catastrosmo radicais, pode-se responder que signi-ca pouco, em especial quando se tem na ala de mira a questo da construo da cidadania.

    Identicando, como o faz Saviani (1997), as diretrizes gerais da educao nacional com os Ttu -los que tratam da dimenso conceitual e losca da educao nacional; as diretrizes especcas coma denio do perl do sistema e as bases com os demais dispositivos norteadores da organizaodo sistema, temos a referncia formao para cidadania tanto nas diretrizes gerais, inserida entre

    os princpios e ns da educao nacional, como nas diretrizes especcas e nas bases de organizaodos diferentes nveis da educao bsica, como objetivos da educao bsica, ensino fundamental emdio, conforme explicitado a seguir.

    O texto legal proclama que a educao tem por nalidade o pleno desenvolvimento do edu -cando, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualicao para o trabalho (Art. 2). Volta ainsistir no tema em vrios outros artigos e seus incisos, por exemplo, ao atribuir educao bsica analidade de desenvolver o educando, assegurar-lhe a formao comum indispensvel para o exerc-cio da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (Art. 22).Ainda traa como objetivo do ensino fundamental aformao bsica do cidado (Art.

    32, caput), e dene que o ensino mdio ter por nalidades: preparao bsica para o trabalhoe a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com exi-

    bilidade a novas condies de ocupao ou aperfeioamento posteriores (Art. 35, inc. II e III).

    Tambm quando trata dos contedos curriculares para a educao bsica, igualmente o textofaz meno cidadania, estabelecendo que a difuso de valores fundamentais ao interesse social,aos direitos e deveres dos cidados, de respeito ao bem comum e ordem democrtica (Art.27, inc.I)

    1 Texto apresentado na Mesa Redonda A LDB em Debate, em 25 de julho de 1997, por ocasio do Simpsio Mul-

    tidisciplinar Internacional; O pensamento de Milton Santos e a construo da cidadania em tempos de globalizao ,

    realizado em Bauru/SP. Com algumas alteraes foi tambm apresentado em 21/10/97 no I Congresso de Cincias daEducao, realizado em Araraquara, no perodo de 10 a 21/10/97. Verso revista.

    2 Departamento de Administrao e Superviso Escolar da Faculdade de Filosoa e Cincias, UNESP - 17525-900 -

    Marlia - SP.

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    deve nortear a identicao dos contedos com destaque para a lngua portuguesa como instrumen-

    to de comunicao, acesso ao conhecimento e exerccio da cidadania (art.36, inc. I).A despeito de todas essas explicitaes, a despeito da aprovao de uma nova LDB, as possi -

    bilidades de construo efetiva da cidadania, mediante o tempo e o espao privilegiados da educaoescolar, decorrero muito mais da poltica educacional concreta a ser desenhada em cada sistema deensino e das prprias escolas que do impacto direto e efetivo dos novos dispositivos.

    Parto de alguns pressupostos para esta armao. Concebendo-se a escola como uma insti-tuio que se constri social e historicamente, tem-se como questo central as prticas quotidianas3,como o locus em que se materializam fragmentos de diversos projetos estatais e sociais que se origi-naram em distintos momentos histricos (MERCADO, 1995, p.58 ).

    A construo social da escola e, portanto, a consecuo de seus objetivos e nalidades, com-preende a articulao e inuncia de elementos culturais e ideolgicos heterogneos, provindos dossujeitos e dos grupos sociais presentes no dia-a-dia da organizao escolar.

    Ter acesso e permanecer na escola, em qualquer escola, por 200 dias letivos anuais, ao longo deoito, onze ou mais anos, produz cicatrizes, deixa vincos profundos em professores e alunos, porquea escola concreta palco de um processo real, complexo que apenas parcial e fragmentariamente reexo dos objetivos, contedos, mtodos e diretrizes emanados da legislao e da literatura ocial.

    Essa escola concreta fruto da interao de inmeros fatores que vo desde as tradies his -tricas, aos imprevistos a que esto sujeitos os planejamentos e projetos tcnicos, s interpretaese representaes particulares de professores e alunos, passando tambm pelas normas e decises

    poltico-administrativas e pelo contexto social, poltico, cultural e econmico em que est inserida.Arma Rockwell (1995, p.14): as polticas governamentais e as normas educativas inuem no pro-cesso, porm no o determinam em seu conjunto.

    Parece-me que essas consideraes so de extrema importncia neste momento em que se dis-cute a implantao da nova LDB, sobretudo, sob a tica da construo da cidadania. Convm, pois,ressaltar que as prescries ociais no se incorporam escola tal e qual formuladas originalmente,

    mas so percebidas e interpretadas dentro de uma determinada ordem escolar existente, a partir deprticas arraigadas, costumes instalados e valores em jogo na sociedade e dentro da escola. SegundoRockwell (1995, p.14),

    [...] no se trata simplesmente de que existam algumas prticas que correspondam anormas e outras que se desviam delas. Toda experincia escolar participa nesta di-nmica entre as normas ociais e a realidade quotidiana [...] O conjunto de prticasquotidianas resultantes deste processo o que constitui o contexto formativo realtanto para professores como para alunos [...].

    3 Uso aqui o conceito de cotidiano no sentido de conjunto de atividades que constituem, a partir de cada escola em parti-

    cular, processos signicativos de reproduo e apropriao cultural, a vida quotidiana abarca uma grande diversidade

    de atividades mediante as quais professores, alunos e pais do existncia escola dentro do horizonte cultural que

    circunscreve cada localidade (ROCKWELL, 1995, p.7).

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    As diretrizes e bases da educao no tm outra maneira de existir, de materializar-se, seno

    como parte integral da complexa realidade quotidiana da escola. Por essa razo, ao invs de discutirem que medida a escola se ajustar ao texto legal, procuro destacar que o ordenamento interno das es-colas na busca da construo da cidadania em tempos de globalizao depender no s das virtudesadvindas do texto legal ou ser impedido pelos seus vcios, mas da reconstruo de relaes que entresi estabelecem professores, alunos e conhecimento. Isto equivale a dizer que a experincia escolarquotidiana condiciona o carter e o sentido do que possvelaprender na escola, [...] impossvel in-ferir estes nveis a partir da documentao ocial (ROCKWELL, 1995, p.15).

    Assim no possvel supor uma correspondncia linear entre a prescrio legal e a preparaopara a cidadania da mesma forma que no vlido supor uma relao causal perfeita entre o que a

    escola ensina, ou pensa que ensina, e o que os alunos aprendem. E esta diferena no expressa sim -plesmente decincias de aprendizagem decorrentes de falta de interesse, de problemas de comporta-mento e carncias da parte dos alunos, ou da inecincia da escola e incompetncia dos professores,antes a expresso de uma multiplicidade de fatores presentes e atuantes no processo educativo.

    Ainda referindo-me anlise de Rockwell (1995), cabe lembrar que a defasagem entre ensino eaprendizagem evidencia que o educando estrutura subjetivamente, de acordo com uma lgica prpria,os conhecimentos que lhe so disponibilizados pela escola, selecionando e interpretando os elementosapresentados em aula.

    Entretanto, a escola apenas uma das inuncias educativas a que a criana e o jovem estoexpostos; alm disso, no s os contedos formais esto presentes na formao do cidado, pois umasrie de dimenses formativas atravessa toda a organizao e as prticas institucionais da escola.Cada um dos atores educativos pode ser portador, por sua vez, de vrios contedos ou mensagens. Aexperincia escolar quotidiana sempre comunica uma srie de interpretaes da realidade e de orien-taes valorativas, mesmo quando estas no estejam explicitadas no programa ocial (ROCKWELL,1995, p.45). Isto signica que, longe de representar um sistema ideolgico estvel e coerente, as con-cepes sociais contidas na prtica diria das escolas recolhem, conservam e reordenam elementosdas sucessivas conjunturas da histria do pas, assim como noes diversas que expressam os pr-

    prios atores do processo escolar.

    Estas questes sobre a cotidianidade da escola ganham relevncia diante do minimalismoexplcito assumido pela Lei Darcy Ribeiro que, se por um lado, deixa em aberto muitas questes e,assim, potencializa as aes do MEC cujo papel acha-se fortalecido em face das atribuies conferi-das Unio, por outro, faz com que as lacunas, aberturas e omisses possam resultar tanto em efeitosnulos quanto em portas abertas para a emergncia de novas perspectivas.

    No sentido exposto anteriormente, cabe ressaltar a necessidade de que todos aqueles que se in-teressam pela educao nacional atentem para as aberturas contidas na lei, traduzidas, sobretudo, naorientao de exibilizao nas formas de organizao do tempo e espao escolar.

    margem do texto legal, cumpre, portanto, reetir sobre a construo da cidadania no contextode uma sociedade que se globaliza a passos largos, cujos processos produtivos so profundamente

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    permeados pelo impacto de novas tecnologias4.

    Qual o signicado da preparao para a cidadania em tempos de globalizao? Se a organi -zao escolar no obra pura da legislao, que perspectivas se abrem para que ela se converta emespao de formao do cidado?

    O contexto atual estabelece novos desaos para a educao, com uma nova LDB ou sem ela. Omundo globalizado, ao mesmo tempo, multiculturalista, fragmentado e em mudana contnua, exigeuma formao exvel que proporcione ao estudante o desenvolvimento de raciocnio lgico, auto-nomia, articulao verbal, capacidade de iniciativa, comunicao e cooperao, capacidade de tomardecises. Estas questes esto contempladas na letra da lei e nada tm de indito, o que no garanteque essa demanda da sociedade esteja sendo ou venha a ser atendida.

    No limite, a conseqncia pedaggica a revalorizao da educao geral, a necessidade deformar um novo homem. Segundo Rattner, se postulamos que

    a democracia um objetivo central... e incorporando nesse conceito a responsabi-lidade, a participao, a organizao coletiva, o envolvimento, o engajamento e asolidariedade em todos os nveis, emerge a necessidade de formar um homem dife-rente de todos aqueles anteriores (RATTNER, 1992, p.22).

    Ainda de acordo com Rattner, esse novo homem precisa desenvolver: um estado de alerta paramudanas, pois o nico fator permanente a mudana; capacidade de operar em condies, ou emhorizontes, geogrcos e temporais distintos; uma viso integrada que leve a uma maior exibilida-de; postura favorvel maior cooperao, a receber e ouvir informaes, a valorizar informaes eopinies independentemente de postos hierrquicos.

    Nessa mesma linha de raciocnio trabalha Rezende Pinto (1992) que aponta as profundas mu-danas na qualicao para o trabalho em decorrncia das novas tecnologias cujo no-atendimento

    pelos sistemas educacionais pode comprometer o avano de um pas. Segundo a autora, os dcitsde conhecimento vo se acumulando, e os cidados tornam-se consumidores passivos de novos pa-

    cotes, que no do conta de abrir, e a tecnologia se transforma em puro fetiche. Nesse sentido, apontaque a questo to poltica quanto econmica, pois medida que cresce um nmero de informaesdisponveis, sem uma veiculao democrtica, conforma-se um contingente crescente de cidados desegunda classe (REZENDE PINTO, 1992, p.32).

    Essa nova formao dever levar o aluno a lidar e manipular informao; a pensar tendncias,limites e signicados de dados e informaes; a ser capaz de exposio oral, visual e escrita; a tersensibilidade no trato de coisas e pessoas e a transformar o conhecimento em realizaes concretas.

    Esta alternativa para a misso da escola signica que ela deve fazer uma opo tico-poltica de

    transformao, uma interveno intencional, de corte educativo e pensar na construo do coletivo da4 As reexes sobre a educao na atualidade baseiam-se em MACHADO. Mercado global: a esnge do presen-

    te. So Paulo: PROGRAD, Local: Editora, 1996.

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    organizao como espao de construo da cidadania, assumindo um compromisso com a qualidade

    de vida.

    Uma pedagogia do nosso tempo exige, no dizer de Nassif, que o pedagogo deve ir ao encontroda poca armado com critrios rmes e instrumentos adequados para captar o educativo dentro dagrande corrente de foras que se movem na sociedade de hoje (NASSIF, 1965, p.19).

    Isso implica considerar a crise educativa inserida no contexto da poca e compreender que aescola atravessa um processo crtico que afeta sua concepo e sua estrutura; que a crise da educaosistemtica no uma manifestao isolada solucionvel por atitudes reformistas ou legalistas comorecurso para enfrentar a instabilidade e que, nesse contexto, a educao-preparao cede lugar educao-formao. Isto signica que mais que aprender a cincia, importa que o aluno aprenda afazer cincia, mais que preparar paraumtrabalho, importante compreender o mundo do trabalho.

    No possvel ignorar que o progresso tcnico, a cincia, a tcnica, so elementos fundamentaisna nova organizao do trabalho. Contudo, essencial que tais elementos sejam postos no horizontedas necessidades humanas coletivas, gerando novas relaes sociais que tenham por centro e funda-mento o sentido tico-poltico de construo do homem moderno. Segundo Frigotto (1991, p.134), acincia e a tcnica, neste horizonte, sero prolongamentos das capacidades humanas, elementos cru-ciais para liberar a humanidade da dor, fome, sofrimento e do trabalho desgastante e dilatar o mundoda liberdade.

    Talvez, a melhor forma para a escola cumprir a funo de contribuir para a construo da ci-dadania em tempos de globalizao seja tomar a pesquisa5como princpio educativo. Segundo Demo(1993, p.27), a alma da vida acadmica constituda pela pesquisa, como princpio cientco e edu-cativo, ou seja, como estratgia de gerao de conhecimento e de promoo da cidadania.

    Parece, portanto, que tomar a formao para a cidadania e a preparao para o mundo do traba-lho como horizonte para a prtica educativa uma questo consensual. Todavia, se consensual quea educao se vincula indissociavelmente questo da cidadania, o mesmo no se d em relao a talconceito que, atravs dos tempos, no tem uma signicao nica, muito menos quando adjetivadode nova cidadania6.

    Trata-se de um conceito que tem histria e que no est mais dando conta de orientar a ao doseducadores pela simples referncia a ele. Da a importncia de se retomar essa reexo.

    Atualmente, a idia de cidadania vincula-se intimamente idia de participao, o que se tra-duz numa relao entre o Estado e a sociedade civil. Inclui a considerao a direitos de natureza civil,

    poltica e social7.

    5 Para o autor em questo, pesquisa signicadilogo crtico e criativo com a realidade, culminando na elaborao pr-

    pria e na capacidade de interveno. Em tese, pesquisa a atitude de aprender a aprender (DEMO, 1993, p.128).

    6 As consideraes sobre o conceito de cidadania fazem parte do texto: MACHADO, L.M. Teatralizao do Poder: opblico e o publicitrio na reforma de ensino paulista. Tese de doutoramento, 1996.

    7 Cf. HORTA. Planejamento educacional. Filosoa da Educao Brasileira. p.195-239. Ver tambm: SANTOS, B.S.

    Pelas mos de Alice. So Paulo: Cortez,1996.

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    Esses direitos surgem ao longo dos trs ltimos sculos como elementos conguradores da

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    poltico (HORTA, 1991, p.211).

    Em relao aos direitos sociais, implica obrigaes e responsabilidades, garantias e prerrogati-vas de cada um, fruto das necessidades da vida em sociedade. Parece impossvel discutir o processodemocrtico sem ter tais direitos e obrigaes no horizonte da prtica social.

    Trata-se, contudo, de uma prtica extremamente complexa, contraditria e atravessada por am-bivalncias e ambigidades.

    Nesse contexto, proclamar que a nalidade da educao o preparo para a cidadania e para omundo do trabalho, mais que prescrio legal, torna-se, ento, um problema terico-metodolgico e

    poltico.

    No sem razo, Dagnino (1992) analisa a emergncia de uma nova noo de cidadania cercadade ambigidades percebendo a alguma positividade, pois, a seu ver, isso indica que a expresso ga-nhou espao na sociedade. Entretanto, tal fato denota a necessidade de marcar o terreno, de indicar

    alguns parmetros do campo terico e poltico onde essa noo emerge, especialmente a partir dadcada de 1980 (DAGNINO, 1992, p.103).

    Ainda referindo-me anlise de Dagnino, cabe apontar que a emergncia dessa nova cidadania marcada por uma forte ligao experincia dos movimentos sociais, em prol da luta pelos direitos igualdade e diferena, luta essa marcante na recente vida brasileira no longo perodo de abertura

    poltica e redemocratizao do pas. Nesse sentido, a construo da cidadania aponta para a constru-o e difuso de uma cultura democrtica (DAGNINO, 1992, p.104).

    Armar a cidadania como construo signica, em outras palavras, enfatizar sua historicidade,

    porquanto a nova cidadania se constitui pela prpria constituio de novos atores sociais ativos, queno se limitam passividade de espectadores, de pblico no espetculo poltico. Nesse sentido, aconstruo da cidadania serve aos excludos da arena das decises, pois no se limita ao reconheci-mento formal dos direitos pelo Estado, mas inclui a participao na prpria denio do sistema,supe a existncia de sujeitos-cidados e de uma cultura de direitos que inclui o direito de ser co-

    partcipe da gesto da cidade (DAGNINO, 1992, p.109-10).

    Numa poca em que o mercado, global e livre, elevado categoria de elemento determinantedas polticas econmicas e, consequentemente das relaes de trabalho e exigncias de formao docidado trabalhador, qual o sentido pedaggico dessa globalizao8?

    Em primeiro lugar, preciso situar a globalizao como condicionante do novo capitalismo. Su -cintamente, pode-se dizer que a globalizao implica: restruturao da economia em escala planetria

    8 Cf. nota 3.

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    envolvendo a cincia, a tecnologia e a cultura e uma profunda transformao da diviso internacional

    do trabalho; heterogeneidade e fragmentao dos mercados de trabalho em vrios nveis; localizaodispersa dos fatores de produo; reduo da classe operria e do poder sindical; ampliao do setorde servios e reduo da importncia dos demais setores; abundncia de mo-de-obra; uma novaeconomia global, uida e exvel, com redes de poder mltiplo; novas exigncias para o perl do tra-

    balhador e novo perl da mo de obra; crescimento da distncia social e econmica entre as naesem desenvolvimento e as naes do capitalismo avanado.

    Analisar essa nova ordem sob a tica da construo da cidadania, implica considerar as mudan-as no conhecimento e mudanas culturais, bem como criticar a organizao social vigente e a formaque a modernizao assume entre ns.

    Em relao s mudanas no conhecimento, preciso ressaltar as transformaes no saber comoa multiplicidade de saberes, a transitoriedade das verdades, a ruptura de paradigmas, a velocidadedo desenvolvimento tecnolgico. No horizonte educativo, isto coloca no centro das atenes diversasexigncias: a necessidade de aprender a aprender em lugar da aquisio de um certo nmero de in -formaes e de aprendizagens diferenciadas de origens diversas; requer no s investigao e ensino,mas rapidez e informao atualizada.

    As mudanas culturais que interessam organizao e funcionamento das instituies escola-res dizem respeito a novas formas de socializao do saber, ligadas ao mundo das imagens. Essa reor-

    ganizao cultural traz consigo mudanas nas formas de ver, sentir, conhecer, representar e aprender,com o conseqente desao de ser capaz de fazer novas perguntas.

    A crtica organizao social vigente aponta principalmente para a recomposio das classessociais com a emergncia da classe de servios; para os efeitos sociais da economia de mercado queso descarregados no meio ambiente; o elevado custo social decorrente da reduo dos postos detrabalho e da marginalizao cada vez maior de segmentos populares; a monopolizao; o individua-lismo; a distoro centro/periferia internacional e nalmente o esquecimento do homem.

    Nos pases subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, vive-se uma modernizao hbrida pro-fundamente desigual. Essa globalizao, em princpio, levada a efeito pelo Estado, convivendo com

    um clima de ps-modernidade exercida particularmente pelos ncleos acadmicos que, por sua vez,convivem com uma pr-modernidade ligada a formas arcaicas de produo.

    Entre ns, essa globalizao desigual cria uma innidade de brasis, constituindo um arco quevai de ilhas de excelncia de alta tecnologia, a ilhas de excrescncia, onde sobrevivem pro-cessos de trabalho quinhentistas. Para qual desses muitos brasis formamos nossos alunos?

    Decorre dessa globalizao desigual, uma srie de exigncias para a educao bsica e superior,tais como: a de desenvolver uma teoria capaz de ir a fundo na busca de elementos que permitam umainterpretao profundamente crtica da realidade, reinventar o novoe apreender seu jogo de relaes

    com o velho, sem ingenuidades e com rigor e, sobretudo que estejamos dispostos a abandonar a pr-tica de exorcizar o capitalismo, suas mazelas e armadilhas com discursos.

    Isto implica adotarmos princpios de ao fundados solidamente em critrios ticos que tomem

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    a vida como valor fundamental, envidando esforos para a criao de possibilidades de uma vida dig-

    na para todos; desenvolver atitudes de solidariedade com todo o gnero humano e no para poucos;adotar uma tolerncia radical, devolvendo sentido participao de todos para que todos os interessesestejam no cenrio. Essa tica moderna pode ser sintetizada na expresso coragem cidad (MEJA,1994, p.76-79).

    Dessa viso historicizada, altamente complexa, pode uir o verdadeiro sentido da educao nocontexto social, econmico, cultural e poltico dos anos 90 e, sobretudo, no contexto de uma novaLDB. Contudo, no se chegar materializao de uma nova escola capaz de formar esse cidadocom os elementos postos para o sistema. A formao do novo cidado ca restrita a uma gura ret-rica, tanto quanto a nova LDB.

    O critrio para uma nova escola, ensina Suchodolski, o futuro como uma via que permiteultrapassar o horizonte das ms opes e dos compromissos. Advogando que o verdadeiro critrio a realidade futura ele arma que:

    Se queremos educar os jovens de modo a tornarem-se verdadeiros e autnticos art-ces de um mundo melhor necessrio ensin-los a trabalhar para o futuro, a com-

    preender que o futuro condicionado pelo esforo do nosso trabalho presente, pelaobservao lcida dos erros e lacunas do presente, por um programa mais lgico danossa atividade presente (SUCHODOLSKI, 1984, p.120).

    Isso implica avanar da democratizao do acesso em direo democratizao do sucessoescolar, transformar nossas prticas discursivas em prticas ativas. Entretanto, colocar o sucesso es-colar como horizonte da poltica educacional no signica raciocinar apenas em torno da reduo dendices de evaso e repetncia, mas sim pensar numa escola que, tendo universalizado o ingresso, criecondies para a permanncia e para que os seus egressos tenham efetivamente recebido um ensinode qualidade que crie condies para o surgimento de uma escola cidad, espao coletivo e privile -giado de formao de cidados.

    REFERNCIAS

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    Formao Geral Introduo EducaoBloco1 Mdulo 1 Disciplina 4

    tica e Cidadania