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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUI CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DISCIPLINA: TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO PERÍODO: 2º/2012 - CARGA HORÁRIA: 60 HORAS/H (4.0.0) PROF. DR. EDILSOM FARIAS. E-MAIL: [email protected] APOSTILHA DA DISCIPLINA UNIDADE I – O DIREITO CONSTITUCIONAL NO UNIVERSO JURÍDICO TRÊS SENTIDOS DA PALAVRA DIREITO (Barroso) Um domínio científico (ciência do direito); as normas jurídicas vigentes em um país (direito positivo); as posições jurídicas individuais ou coletivas instituídas pelo ordenamento jurídico vigente e a exigibilidade de sua proteção (direitos subjetivos). A ciência do direito constitucional (filosofia e teoria da constituição; dogmática constitucional; jurisprudência constitucional);Jurisprudence O direito constitucional positivo (o texto constitucional (originário e emendado); as normas implícitas extraídas pela interpretação constitucional; ocostume constitucional; “os tratados internacionais sobre direitos humanos”); Law O direito constitucional como direito subjetivo (os direitos constitucionais ou os direitos fundamentais). Rights O DIREITO CONSTITUCIONAL COMO DIREITO PÚBLICO (Barroso) O direito constitucional situa-se no vértice da pirâmide jurídica e é ramo do direito público; Direito público e direito privado; São classicamente considerados ramos do direito público: o direito constitucional, o direito administrativo, o direito financeiro e tributário, o direito processual, o direito penal e o direito internacional público e privado. No direito privado estão o direito civil, o direito comercial e o direito do trabalho. ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL E DISCURSO ACADÊMICO (Canotilho) “A preferência por uma orientação acadêmica de modo algum afasta a preocupação de se procurar fornecer aos alunos os conhecimentos indispensáveis ao posterior alicerçamento das legesartisda profissão. O ensino

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUI CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DISCIPLINA: TEORIA GERAL DA CONSTITUIÇÃO PERÍODO: 2º/2012 - CARGA HORÁRIA: 60 HORAS/H (4.0.0) PROF. DR. EDILSOM FARIAS. E-MAIL: [email protected]

APOSTILHA DA DISCIPLINA UNIDADE I – O DIREITO CONSTITUCIONAL NO UNIVERSO JURÍDICO TRÊS SENTIDOS DA PALAVRA DIREITO (Barroso) ■ Um domínio científico (ciência do direito); as normas jurídicas vigentes em um

país (direito positivo); as posições jurídicas individuais ou coletivas instituídas pelo ordenamento jurídico vigente e a exigibilidade de sua proteção (direitos subjetivos).

■ A ciência do direito constitucional (filosofia e teoria da constituição; dogmática constitucional; jurisprudência constitucional);Jurisprudence

■ O direito constitucional positivo (o texto constitucional (originário e emendado); as normas implícitas extraídas pela interpretação constitucional; ocostume constitucional; “os tratados internacionais sobre direitos humanos”); Law

■ O direito constitucional como direito subjetivo (os direitos constitucionais ou os direitos fundamentais). Rights

O DIREITO CONSTITUCIONAL COMO DIREITO PÚBLICO (Barroso) ■ O direito constitucional situa-se no vértice da pirâmide jurídica e é ramo do

direito público; ■ Direito público e direito privado; ■ São classicamente considerados ramos do direito público: o direito

constitucional, o direito administrativo, o direito financeiro e tributário, o direito processual, o direito penal e o direito internacional público e privado. No direito privado estão o direito civil, o direito comercial e o direito do trabalho.

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL E DISCURSO ACADÊMICO (Canotilho) ■ “A preferência por uma orientação acadêmica de modo algum afasta a

preocupação de se procurar fornecer aos alunos os conhecimentos indispensáveis ao posterior alicerçamento das legesartisda profissão. O ensino

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universitário não deve, porém, antecipar ou substituir quer os estágios profissionais, quer a riqueza da vida”.

■ O paradigma é “formar juristas críticos e consciências pensantes e não meros oficiais de diligências jurídicas”.

LEITURA DOGMÁTICA OU TEÓRICA (Canotilho) ■ Dogmática constitucional: procura auxiliar o jurista fornecendo técnicas e

modos de argumentação indispensáveis à fundamentação de solução de problemas ou casos jurídico-constitucionais;

■ Teoria constitucional: proporciona uma reflexão sobre o modo e a forma como o direito constitucional e a ciência do direito constitucional compreendem o seu objeto de estudo; assim como sem as teorias de Newton não se teriachegado à lua, sem a um background explicativo e justificativo fornecido pela reflexão teórica torna-se difícil a iluminação de muitos problemas jurídico-constitucionais; porém a fuga para o céu dos conceitos e teorias pode acarretar a diminuição da capacidade de reflexão do direito relativamente aos problemas concretos;

■ Conclusão: procura-se o equilíbrio entre a dogmática e teoria constitucional. ENSINO DO DIREITO CONSTITUCIONAL: PANORÂMICA (Canotilho) ■ Inglaterra (história); ■ Estados Unidos (Dá grande valor à interpretação e aplicação das normas da

c o n s t i t u i ç ã o f e i t a p e l o s j u í z e s : “ W e a r e u n d e r a ConstitutionbuttheConstitutioniswhatthejudgessay it is”– direito constitucional jurisprudencial);

■ França (experiência constitucional [história constitucional francesa] e política constitucional [estudo das instituições políticas, do regime político e das dinâmicas constitucionais]);

■ Alemanha (continua a tradição germânica do Direito do Estado; Direito jurisprudencial [baseado nos precedentes do Tribunal Constitucional]);

■ Itália (permite aos cultores do direito público uma exposição sobre os problemas gerais do estado e do direito; direito constitucional jurisprudencial);

■ Espanha (direito público do Estado; direito constitucional judicial); ■ Portugal (atenção às experiências constitucionais portuguesas; descrição da

organização dos poderes do Estado; catálogo de direitos fundamentais; recepção ao desenvolvimento jurisprudencial através da análise dos casos mais representativos da justiça constitucional portuguesa);

■ Brasil (o direito constitucional está hoje numa fase de grande pujança, oferecendo os manuais de direito constitucional uma visão plurifacetada dos problemas jurídicos e políticos brasileiros).

A PRÉ-HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA (Barroso) ■ O desrespeito à legalidade constitucional acompanhou a evolução política

brasileira como uma maldição desde que D. Pedro I dissolveu a primeira Assembléia Constituinte;

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■ A falta de efetividade das sucessivas constituições brasileiras decorreu do não reconhecimento de força normativa aos seus textos e da falta de vontade política de dar-lhes aplicabilidade direta e imediata.

BREVE HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS (Edilsom) ■ Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.

A CONSTITUIÇÃO DE 1988: MARCO ZERO E RECOMEÇO (Barroso) ■ A legalidade constitucional, a despeito da compulsão com que se emenda, a

Constituiçãovive um momento de elevação: mais de vinte anos sem ruptura, um verdadeiro recorde em um País de golpes e contra-golpes;

■ A efetividade da Constituição tornou-se uma ideia vitoriosa. ASCENSÃO CIENTÍFICA E POLÍTICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO (Barroso) ■ O direito constitucional vive um momento virtuoso: (i)o compromisso com a

efetividade de suas normas;(ii) o desenvolvimento de uma hermenêutica constitucional;

■ Filtragem constitucional: a Constituição passa a ser um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito;

■ A ascensão científica e política do direito constitucional brasileiro é contemporânea da reconstitucionalização do país com a Constituição de 1988;

■ A Constituição de 1988 é nossa primeira Constituição verdadeiramente normativa e, a despeito da compulsão reformadora que abala a integridade de seu texto, vem consolidando um inédito sentimento constitucional;

■ O constitucionalismo, por si só, não é capaz de derrotar algumas das vicissitudes que têm adiado a plena democratização da sociedade brasileira:

■ (i) ideologia da desigualdade. Desigualdade econômica, que se materializa no abismo entre os que têm e os que não têm, com a conseqüente dificuldade de se estabelecer um projeto comum de sociedade. Desigualdade política, que faz com que importantes opções de políticas públicas atendam prioritariamente aos setores que detêm força eleitoral e parlamentar, mesmo quando já sejam os mais favorecidos. Desigualdade filosófica: o vício nacional de buscar o privilégio em vez do direito, aliado à incapacidade de perceber o outro, o próximo;

■ (ii) corrupção disseminada e institucionalizada. No sistema eleitoral, a maldição dos financiamentos eleitorais e as relações promíscuas que engendram. No sistema orçamentário, o estigma insuperado do fisiologismo e das negociações de balcão nas votações de âmbito do Congresso. No sistema tributário, a cultura da sonegação, estimulada pela voracidade fiscal e por esquemas quase-formais de extorsão e composição. No sistema de segurançapública, profissionais mal-pagos, mal-treinados, vizinhos de porta daqueles a quem deviam policiar, envolvem-se endemicamente com a criminalidade e a venda de proteção;

■ A superação dos ciclos do atraso e o amadurecimento dos povos inserem-se em um processo de longo prazo, que exige engajamento e ideal. O novo direito

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constitucional brasileiro tem sido um aliado valioso e eficaz na busca desses desideratos.

UNIDADE II – O CONSTITUCIONALISMO E CONSTITUCIÇÃO ■ O termoconstitucionalismo no mundo ocidental data de pouco mais de duzentos

anos, sendo associado aos processos revolucionários americano e francês. ■ Constitucionalismo significa limitação do poder e supremacia da lei (Estado de

direito, ruleofthelaw, Rechtsstaat). Governo de leis, e não de homens. ■ Há três formas de limitação do poder em um Estado constitucional: ■ (i) limitações materiais – valores básicos e direitos fundamentais (dignidade da

pessoa humana, justiça, solidariedade, liberdade de religião, de expressão, de associação, locomoção, etc.);

■ (ii) separação das funções de legislar, administrar e julgar, que devem ser atribuídas a órgãos distintos e independentes, mas que, ao mesmo tempo, que se controlem reciprocamente (checksand balances);

■ (iii) limitações processuais – os órgãos do poder devem agir não apenas com fundamento na lei, mas também observando o devido processo legal (contraditório, ampla defesa, inviolabilidade do domicílio, vedação de provas obtidas por meios ilícitos). E ainda por meio do sistema de controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.

■ O ideal constitucionalista de limitação do poder surgiu na antiguidade clássica, com Atenas e Roma. No final da idade média e início da era moderna (século XVIII) vai se tornar um paradigma dominante.

AS EXPERIÊNCIAS PRECUSSORAS DO CONSTITUCIONALISMO (Barroso) ■ Reino Unido (Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte): ■ Os barões impuseram ao rei João sem Terra, em 1215 a Magna Charta. Um

dos marcos simbólicos da história constitucional foi, originariamente, um documento que resguardava os direitos feudais dos barões, relativamente à propriedade, à tributação e às liberdades, inclusive religiosa. A amplitude de seus termos, todavia, permitiu que, ao longo do tempo, assumisse o caráter de uma carta geral de liberdades públicas;

■ Em 1628, o Parlamento submeteu ao rei a PetitionofRights, com substanciais limitações ao seu poder;

■ Bill ofRights (1689), impõe mais limitações ao poder do rei; ■ Fruto de longo amadurecimento histórico, o modelo institucional inglês

estabeleceu-se sobre raízes tão profundas que pôde prescindir até mesmo de uma Constituição escrita;

■ A supremacia do Parlamento é o princípio constitucional maior, e não a supremacia da constituição, como ocorre nos países que admitem o controle de constitucionalidade dos atos legislativos;

■ Na virada do século XX para o XXI, no entanto, duas mudanças substantivas prenunciaram uma possível revolução no direito inglês. Trata-se da aprovação pelo Parlamento de duas leis constitucionais: (i) o HumanRightsAct, de 1998, que incorporou ao direito inglês os direitos previstos na Convenção Europeia

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de Direitos Humanos; e (ii) o ConstitutionalReformAct, que reorganizou o Poder Judiciário inglês, dando-lhe autonomia em relação ao Parlamento e criando uma Corte Constitucional.

■ Estados Unidos da América ■ Em 04 de julho de julho de 1776 é assinada a declaração de independência,

que simboliza a dissolução do vínculo das treze colônias americanas com a Grã-Bretanha;

■ Em 17 de setembro de 1787 foi aprovado o texto da Constituição Federal; ■ Em Marburyv. Madison (1803), a Suprema Corte estabeleceu o princípio da

supremacia da constituição, bem como a autoridade do Judiciário para zelar por ela, inclusive invalidando os atos emanados do Executivo e do Legislativo a que a contrariem.

■ França ■ Revolução francesa (1789): sob o lema liberdade, igualdade e fraternidade,

promoveu-se um conjunto amplo de reformas antiaristocráticas, que incluíram a abolição do sistema feudal, a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e a elaboração de uma nova Constituição.

■ Com base na atual Constituição de 1958, o Conselho Constitucional, firmou a ideia de bloco de constitucionalidade [corpus constitucional] que significa que a Constituição não se limita às normas que integram ou se extraem de seu texto, mas inclui outros textos normativos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o Preâmbulo da Constituição de 1946, bem como os princípios fundamentais das leis da República ali referidos.

UM CASO DE SUCESSO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: A ALEMANHA (Barroso) ■ Após a derrota na Segunda Guerra, foi promulgada a Lei Fundamental da

República Federal da Alemanha, em 23 de maio de 1949, marcada pela reafirmação dos valores democráticos;

■ Conforme a Lei Fundamental, o controle de constitucionalidade é exercido de forma concentrada pelo Tribunal Constitucional Federal;

■ Muitas das técnicas de decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão passaram a ser utilizadas por outros tribunais no mundo, inclusive o Supremo Tribunal Federal (a interpretação conforme a constituição, a declaração de nulidade sem redução de texto, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade e o apelo ao legislador).

NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE CONSTITUIÇÃO (Barroso) ■ Constituição em sentido institucional (antiguidade): designa o modo de ser do

poder político, sendo antes um dado da realidade que uma criação racional; ■ Constituição em sentido moderno (a partir da era moderna): não tem caráter

meramente descritivo das instituições, mas sim a pretensão de influenciar sua ordenação, mediante um ato de vontade e criação, usualmente materializado em

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um documento escrito, que organiza e limita o poder político e dispõe sobre direitos fundamentais.

■ Constituição em sentido contemporâneo: entende-se como um conjunto de normas jurídicas que (a) organiza o exercício do poder político, (b) define os direitos fundamentais dos cidadãos e (c) consagra os valores e os fins públicos a serem realizados.

CONCEPÇÕES ACERCA DA CONSTITUIÇÃO (Barroso) ■ Concepção sociológica (Lassalle): a constituição de um país é, em essência, a

soma dos fatores reais do poder que regem a sociedade. Em outas palavras, o conjunto de forças políticas, econômicas e sociais, atuando dialeticamente, estabelece uma realidade, um sistema de poder: esta é a constituição real, efetiva do Estado. A constituição jurídica, mera “folha de papel”, limita-se converter esses fatores reais do poder em instituições jurídicas;

■ Concepção jurídica(Kelsen): a Constituição é a lei suprema do Estado. A constituição (e o próprio Direito) é concebida como uma estrutura formal, cujanota seria o caráter normativo, a prescrição de um dever ser, e não o do ser. A ordem jurídica é um sistema escalonado de normas, em cujo topo está a constituição, fundamento de validade de todas as demais normas que o integram;

■ Concepção normativa(Hesse): a constituição jurídica de um Estado é condicionada historicamente pela realidade de seu tempo. Essa é uma evidência que não se pode ignorar. Mas ela não se reduz à mera expressão das circunstâncias concretas de cada época. A constituição tem uma existência própria, autônoma, embora relativa, que advém de sua força normativa, pela qual ordena e conforma o contexto social e político. Existe, assim, entre a norma e a realidade uma tensão permanente, da qual derivam as possibilidades e os limites do direito constitucional.

TIPOLOGIA DAS CONSTITUIÇÕES (Barroso) ■ Quanto à forma: escritas (quando sistematizadas em um texto único); não

escritas (quando contidas em textos esparsos e/ou em costumes e convenções sedimentados ao longo da história);

■ Quanto à origem: promulgadasoudemocráticas (quando contam com a participação popular na sua elaboração, normalmente por meio da eleição de representantes); outorgadas (nos casos em que não há manifestação popular na sua feitura, sendo impostas pelo agente que detém o poder político de fato);

■ Quanto à estabilidade do texto: rígidas (quando o procedimento de modificação da constituição é mais complexo do que aquele estipulado para a criação de legislação infraconstitucional); flexíveis (hipótese em queconstituição pode ser modificada pela atuação do legislador ordinário seguindo o procedimento adotado para a edição de legislação infraconstitucional); semirrígidas (quando parte da constituição – geralmente as normas consideradas materialmente constitucionais – só pode ser alterada mediante um procedimento mais dificultoso, ao passo que o restante pode ser modificado pelo legislador., segundo o processo previsto para a edição de legislação infraconstitucional. Exemplo desta última fórmula foi a Constituição brasileira de 1824);

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■ Quanto à extensão: sintéticas (quando se limitam a traçar as diretrizes gerais da organização e funcionamento do Estado e de sua relação com os cidadãos, em geral com o uso de uma linguagem mais aberta, marcadamente principiológica); analíticas (quando desenvolvem em maior extensão o conteúdo dos princípios que adotam, resultando em um aumento do seu texto);

■ Quanto ao conteúdo: materiais (designam as normas constitucionais escritas ou costumeiras, inseridas ou não num documento escrito, que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Neste caso, constituição só se refere à matéria essencialmente constitucional; as demais, mesmo que integrem uma constituição escrita, não seriam constitucionais); formais (são os documentos escritos e solenes oriundos da manifestação constituinte originária);

■ Quanto à essência: normativas (seriam as constituições perfeitamente adaptadas ao fato social. Além de juridicamente válidas, estariam em total consonância com o processo político. No dizer de Loewenstein, o texto constitucional normativo poderia ser comparado a uma roupa que assenta bem e realmente veste bem); semânticas (diversamente das anteriores, encontram-se submetidas ao poder político prevalecente. Trata-se de um documento formal criado para beneficiar os detentores do poder de fato, que dispõem de meios para coagir os governados. Se inexistisse constituição formal ou escrita, a vida institucional não sentiria qualquer diferença. Karl Loewenstein compara a carte semântica a uma roupa que não veste bem mas dissimula, esconde, disfarça os seus defeitos); nominais(situam-se entre a constituição normativa e a constituição semântica. Nelas, a dinâmica do processo político não se adapta às suas normas, embora elas conservem, em sua estrutura, um caráter educativo, com vistas ao futuro da sociedade. Seriam constituições prospectivas, isto é, voltadas para um dia serem realizadas na prática. Segundo ainda Loewenstein, é como se fossem uma roupa guardada no armário que será vestida futuramente, quando o corpo nacional tiver nascido).

AS FUNÇÕES CLÁSSICAS DA CONSTITUIÇÃO (Canotilho) ■ Consenso fundamental: uma das principais funções de uma constituição

continua a ser a da revelação normativa do consenso fundamental de uma comunidade política relativamente a princípios, valores e idéias diretrizes que servem de padrões de conduta política e jurídica nessa comunidade [CF, arts. 1º a 4º];

■ Legitimidade a ordem jurídico-constitucional: é a constituição que funda o poder, que regula o exercício do poder e que limita o poder. É a constituição que justifica ou dá legitimação ao “poder de mando”. A consequência prática mais importante desta função é que no estado constitucional não existe qualquer “poder” que, pelos menos, não seja “constituído” pela constituição e por ela juridicamente vinculado;

■ Garantia e proteção: uma das principais funções da constituição é a função garantística. Garantia dos direitos fundamentais. Recorde-se que uma das principais dimensões do constitucionalismo moderno foi a de, através da

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constitucionalização dos direitos e liberdades, subtrair da livre disponibilidade do soberano (rei, estado) a titularidade e exercício de direitos fundamentais;

■ Ordem jurídica fundamental: no sentido de constituir o cume da pirâmide de um sistema normativo que nela encontra fundamento. Assim, a constituição é a norma das normas, pois é ela que fixa o valor, a força e a eficácia das restantes normas do ordenamento jurídico (leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, tratados, etc.).

CONSTITUCIONALISMO GLOBAL - TENDÊNCIA (Canotilho) I – Os pontos de partida do constitucionalismo global: ■ A democracia deve ser considera como tópico dotado de centralidade política

interna e internacional (no plano interno, a democracia é o “governo menos mau” e no plano externo a democracia promove a paz);

■ O princípio da autodeterminação deve ser reinterpretado não apenas no sentido de que os “povos” devem deixar de estar submetidos a quaisquer formas de colonialismo, mas também no sentido de que a legitimação da soberania política pode e deve encontrar suportes sociais e políticos a outros níveis (supranacionais); se ontem a “conquistaTerritorial”, o “interesse nacional” surgiam como categorias quase ontológicas, hoje os fins dos Estados podem devem ser os da construção de “Estados de direito democráticos, sociais e ambientais”, no plano interno, e Estados abertos e internacionalmente “amigos” e “cooperantes” no plano externo;

■ As relações internacionais devem ser cada vez mais relações reguladas em termos de direito e de justiça, convertendo-se o direito internacional numa verdadeira ordem imperativa, à qual não falta um núcleo material duro – o jus cogens internacional – vertebrador quer da “política e relações internacionais” quer da própria construção interna. Para além do jus cogens, o direitoInternacional tende a transformar-se em suporte das relações internacionais através da progressiva elevação dos direitos humanos – na parte em que não integrem já o jus cogens – a padrão jurídico de conduta política, interna e externa. Estas últimas premissas – o jus cogens e os direitos humanos – articuladas com o papel da organização internacional (ONU), fornecerão um enquadramento razoável para o constitucionalismo global.

II – As sugestões do constitucionalismo global: ■ alicerçamento do sistema jurídico-político internacional não apenas no clássico

paradigma das relações horizontais entre estados, mas no novo paradigma centrado nas relações entre Estado/povo (as populações dos próprios estados);

■ emergência de um jus cogens internacional materialmente informado por valores, princípios e regras universais progressivamente plasmados em declarações e documentos internacionais;

■ tendencial elevação da dignidade humana a pressuposto ineliminável de todos os constitucionalismos.

CONSTITUCIONALISMO NACIONAL – PARADIGMA AINDA DOMINANTE (Canotilho)

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■ soberania de cada Estado, conducente, no plano externo, a um sistema de relações horizontais interestatais e, no plano interno, à afirmação de um poder ou supremacia dentro de determinado território e concretamente traduzido no exercício das competências soberanas (legislação, jurisdição e administração);

■ particular centralidade jurídica e política da constituição interna como carta de soberania e de independência de cada Estado perante os outros Estados;

■ aplicação do direito internacional nos termos definidos pela constituição interna, recusando-se, em muitos estados, a aplicação das normas de direito internacional na ordem interna sem a sua “conversão” ou adaptação pelas leis do Estado;

■ consideração das “populações”ou “povos” permanentemente residentes num território como “povo do Estado”que só nele, através dele e com submissão a ele poderão adquirir a “carta de nacionalidade”.

UNIDADE III –O PODER CONSTITUINTE ORIGEM HISTÓRICA DO CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE (Barroso) ■ Em opúsculo clássico, intitulado Qu´est-ce que leTiersÉtat?, escrito no curso do

processo revolucionário francês, Emmanuel Joseph Sieyès apresentou as reivindicações do Terceiro Estado (a rigor da burguesia) em face dos estamentos privilegiados, sobretudo a aristocracia. Após identificar o terceiro estado com a nação, formulou ele a distinção essencial entre poder constituinte e poder constituído.O poder constituinte, incondicionado e permanente, seria a vontade da nação traduzida no propósito de elaborar e impor a vigência de uma constituição, só encontrando limites no direito natural. O poder constituído, por sua vez, receberia sua existência e suas competências do primeiro, sendo por ele juridicamente limitado;

■ O poder constituinte situa-se na confluência entre o Direito e a Política, e sua legitimidade repousa na soberania popular.

PROCESSOS CONSTITUINTES (Barroso) ■ A revolução: a revolução está na origem do constitucionalismo moderno

(Americana, Francesa, Portuguesa). Golpes de Estados (países latino-americanos);

■ A criação de um novo Estado: normalmente pela emancipação em relação a um poder externo dominante (Brasil, India, Paquistão, Angola, Moçambique, etc.);

■ Derrota na guerra: foi o fator de reconstitucionalização de diversos países (Constituição de Weimar, de 1919, após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. A derrota na Segunda Guerra Mundial levou à elaboração de novas constituições nos três grandes derrotados: Alemanha, Japão e Itália);

■ Transição política pacífica: dominou a elaboração constitucional no último quarto do século XX. A experiência da Espanha, após a morte de Franco , em 1975, é considerada o exemplo paradigmático de transição de um Estado autoritário para uma democracia constitucional. A Constituição espanhola em vigor é de dezembro de 1978. Na América Latina, o Brasil foi o modelo de

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transição bem-sucedida, numa travessia pacífica entre o ocaso do regime militar e a Constituição de 5 de outubro de 1988;

■ Tratado-constituição: Em 29 de outubro de 2004, foi assinado em Roma, por representantes de vinte e cinco Estados europeus, o “Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa”. Movido pela ambição de instituir algo próximo a um “Estado europeu”, o propósito do tratado é criar uma nova União Europeia, que venha a suceder juridicamente a Comunidade Europeia, criada pela Tratado de Roma, de 25 de março de 1957, e a União Europeia, criada pelo Tratado de Maatricht, de 7 de fevereiro de 1992.

TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE (Canotilho) O que é o poder constituinte? ■ O poder constituinte se revela sempre como uma questão de “poder”, de “força”

ou de “autoridade” política que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar, garantir ou eliminar uma constituição.

■ Poder constituinte originário (faz a constituição) e derivado (reforma a constituição).

Quem é o titular do Poder Constituinte? ■ É o povo. Poder constituinte significa, assim, o poder constituinte do povo. ■ Conceito pluralístico de povo: o povo, nas democracias atuais, concebe-se como

uma “grandeza pluralística” (P. Häberle), ou seja, como uma pluralidade de forças culturais, sociais e políticas tais como partidos políticos, grupos, igrejas, associações, personalidades, decisivamente influenciadoras da formação de “opiniões”, “vontades” “correntes” ou “sensibilidades” políticas nos momentos pré-constituintes e nos procedmientos constituintes.

Conceitos redutores de povo: ■ povo ativo: minorias ativistas autoproclamadas em representantes do povo e

agindo por “consentimento tácito” deste; ■ corpo eleitoral: o povo plural também não se identifica ainda com o corpo

eleitoral ou o povo participante nos sufrágios tal como é definido pelas leis eleitorais e pela constituição.

■ povo majoritário: o povo pluralístico diferencia-se do povo majoritário. Em termos mais rigorosos: o povo majoritário pertence ao povo pluralístico mas não o esgota. O fato de as decisões políticas serem, na generalidade dos casos, tomadas por maioria e valerem como decisão do povo, não deve fazer esquecer-nos que as minorias que votaram contra, se abstiveram ou não compareceram ao sufrágio continuam a ser povo.

Conclusão: só o povo real – concebido como comunidade aberta de sujeitos constituintes [conceito pluralístico] que entre si “contratualizam”, “pactuam” e consentem o modo de governo da cidade – tem o poder de disposição e conformação da ordem político-social.

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Titular e portador do Poder Constituinte (Manoel Gonçalves)

■ O titular do poder constituinte é, na concepção hoje hegemônica, o povo. ■ O povo é, porém, o titular passivo desse poder. Quem exerce (ativa)

efetivamente o poder é um representante do povo (seja um homem ou um grupo).

■ Esse poder representativo é quem efetivamente estabelece em nome do povo a Constituição.

NATUREZA E LIMITES DO PODER CONSTITUINTE (Barroso) É fora de dúvida que o poder constituinte é um fato político, uma força material e social, que não está subordinado ao Direito positivo preexistente. Não se trata, porém, de um poder ilimitado ou incondicionado. Pelo contrário, seu exercício e sua obra são pautados tanto pela realidade fática como pelo Direito, âmbito no qual a dogmática pós-positivista situa os valores civilizatórios, os direitos humanos e a justiça. Condicionamentos pré-constituintes: Os condicionamentos jurídicos estarão desde o primeiro momento, envolvendo aspectos como o ato convocatório, o processo de escolha dos integrantes da assembleia ou convenção e, por vezes, até mesmo o procedimento de deliberação a ser adotado. Exemplos:

■ A convocação da assembleia constituinte que elaborou a Constituição Federal de 1988 se deu por via de emenda constitucional à Carta de 1967-1969. Com efeito, a Emenda Constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985, previu como seriam escolhidos os constituintes, quem instalaria a assembleia constituinte e em que data, chegando a dispor, até mesmo, acerca da forma e do quórum de deliberação a ser adotado;

■ A Assembleia Constituinte que aprovou a Constituição de 1891 já encontrou a República proclamada e a Federação instituída pelo Governo Provisório;

■ Após a revolução de 30, o Governo Provisório dela originário editou decreto estabelecendo que a nova Constituição – que só viriaser promulgada em 1934 – teria de manter a República e a Federação, sendo-lhe vedado, ademais, restringir direitos dos Municípios e dos cidadãos;

■ Após a destituição de Getúlio Vargas, a Lei Constitucional n. 15, de 26 de novembro de 1945, impôs uma restrição aos poderes “ilimitados” outorgados ao Congresso Nacional para elaborar a nova Constituição: não poderia ele contestar a legitimidade da eleição presidencial que se realizariaem 2 de dezembro de 1945.

Condicionamentos constituintes: ■ Se a teoria democrática do poder constituinte se assenta na sua legitimidade,

não há como imaginá-lo como um poder ilimitado. O poder constituinte estará sempre condicionado pelos valores sociais e políticos que levaram à

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sua deflagração e pela ideia de Direito que traz em si. Não se trata de um poder exercido em um vácuo histórico, nem existe norma constitucional autônoma em relação à realidade... Ele está fora e acima do Direito posto preexistente, mas é limitado pela cosmovisão da sociedade – suas concepções sobre ética, dignidade humana, justiça, igualdade, liberdade – e pelas instituições jurídicas necessárias à sua positivação;

■ Uma última limitação que a doutrina passou a reconhecer de maneira praticamente unânime nos últimos tempos decorre dos princípios do direito internacional e, especialmente, dos direitos humanos. A face virtuosa da globalização é a difusão desses valores comuns, o desenvolvimento de uma ética universal;

Condicionamentos pós-constituintes ■ O mais decisivo condicionamento pós-constituinte advém da necessidade de

ratificação do texto aprovado pela assembleia ou convenção, circunstância que, por si só, já impõe aos delegados a preocupação de maior sintonia com o colégio eleitoral que será encarregado da deliberação final.

Conclusão: o poder constituinte é um fato essencialmente político, mas condicionado por circunstâncias históricas, políticas e jurídicas. PROCESSO CONSTITUINTE (Barroso) O processo constituinte normalmente percorrerá as seguintes etapas: convocação da assembleia, a escolha dos constituintes, os trabalhos de elaboração, a deliberação final e a entrada em vigor do texto aprovado. Três questões merecem ser destacadas nessa matéria: (i) o caráter exclusivo ou não da assembleia constituinte; (ii) a existência de anteprojetos preliminares; (iii) o referendum constitucional.

(i) O caráter exclusivo ou não da assembleia constituinte A Constituição americana foi elaborada por uma convenção reunida exclusivamente para o propósito de rever os Artigos da Confederação. Na assembleia constituinte francesa, os delegados seguiram a proposta de Robespierre que os tornava inelegíveis para a primeira legislatura ordinária. Da separação clara entre poder constituinte e poder constituído deve resultar a consequência de que, assim como o Parlamento não deve exercer competências constituintes originárias, também não deve o constituinte desempenhar funções legislativas ordinárias. Essa separação, muito nítida no modelo americano, nem sempre foi seguida na experiência europeia. E, por influência desta, tampouco no Brasil. A Assembleia Constituinte e Legislativa convocada pelo imperador D. Pedro I, em 3.6.1822, exerceu atividade legislativa cumulada com os trabalhos constituintes, até ser dissolvida em 12.11.1823. A Constituição Republicana de 1891 inaugurou a fórmula de se converter a Assembleia Constituinte em Poder Legislativo ordinário, dividido em Câmara dos Deputados e Senado Federal. Tal modelo veio a ser repetir em relação às Constituições

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de 1934, 1946 e 1988. A Constituição de 1967 foi aprovada pelo Congresso Nacional que já se encontrava em exercício. Conclusão: Idealmente, a fórmula da constituinte exclusiva, sem poderes legislativos, a ser dissolvida após a conclusão do seu trabalho, afigura-se mais capaz de libertar a Constituição dos interesses da política ordinária ou, quanto menos, minimizar seu caráter imediatista.

(ii) A existência de anteprojetos preliminares A elaboração de anteprojetos de constituição ou documentos constitucionais prévios é relativamente recorrente na experiência brasileira, embora menos comum na experiência europeia. No caso da Constituição portuguesa de 1976, e da espanhola de 1978, houve projetos apresentados pelos diferentes partidos políticos, mas não um anteprojeto oficial. A primeira Constituição republicana brasileira teve anteprojeto elaborado por uma Comissão Especial e revisto pelos Ministros do Governo Provisório, estando à frente Rui Barbosa. O mesmo se passou com a Constituição de 1934, que teve anteprojeto apresentado pela Comissão do Itamarati. A Carta de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, foi elaborada por Francisco Campos, Ministro da Justiça nomeado pouco dias antes da instauração do novo governo, instituído pelo golpe do Estado Novo. A Constituição de 1946 não contou com anteprojeto. Para a elaboração da Constituição de 1967, Castelo Branco constituiu uma Comissão, cujo trabalho foi desconsiderado em favor do projeto elaborado por Carlos Medeiros Silva, Ministro da Justiça. Antes mesmo da convocação da Assembleia Constituinte que viria a elaborar a Constituição de 1988, foi constituída uma Comissão de notáveis, conhecida como Comissão Afonso Arinos, que elaborou um anteprojeto de grande mérito. Razões associadas à conjuntura política levaram ao seu abandono pelo governo do Presidente Sarney. Como consequência, a constituinte trabalhou sem um projeto base, o que trouxe ao processo grandes dificuldades operacionais.

(iii) Referendum constitucional Não faz parte da tradição brasileira a submissão dos textos constitucionais aprovados à ulterior ratificação, por via de referendo popular. Entre nós, sempre prevaleceu a tese da representação, em que a assembleia constituinte é soberana e sua manifestação equipara-se à vontade final do povo. A exigência de ratificação deita suas origens no constitucionalismo americano e foi utilizada diversas vezes ao longo da acidentada experiência constitucional francesa. O modelo de ratificação do texto aprovado pela assembleia ou pela convenção não é imune à malversação. Por vezes, dá ensejo à manipulação das massas em favor de projetos autoritários, como no caso de Napoleão, ou pervertidos, como no de Hitler.

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UNIDADE IV–A REFORMA E REVISÃO CONSTITUCIONAL (BARROSO) GENERALIDADES As constituições não podem ser imutáveis. Os documentos constitucionais precisam ser dotados de se adaptarem à evolução histórica, às mudanças sociais e às novas demandas sociais. Se perder a sintonia com seu tempo, a Constituição já não poderá cumprir a sua função normativa e, fatalmente, cederá caminho para os fatores reais de poder. Por outro lado, as Constituições não podem ser volúveis. Os textos constitucionais não podem estar ao sabor das circunstâncias, fragilizados diante de qualquer reação à sua pretensão normativa e disponíveis para ser apropriados pelas maiorias ocasionais. O estudo do poder de reforma da Constituição é pautado pela tensão permanente que se estabelece entre permanência e mudança. O equilíbrio entre essas duas demandas do constitucionalismo moderno – estabilidade e adaptabilidade – tem sido buscado por meio de dois elementos: (i) a previsão expressa da possibilidade de emenda ao texto constitucional; (ii) o estabelecimento de um procedimento específico para a emenda, mais complexo que o exigido para aprovação da legislação ordinária (rigidez constitucional). A rigidez constitucional funda-se sobre a premissa de que a Constituição é uma lei superior, expressão de uma vontade que não se confunde com as deliberações ordinárias do Parlamento. É por seu intermédio que se procede à separação clara entre política constitucional e política legislativa. A QUESTÃO TERMINOLÓGICA ■ Poder constituinte originário: é o poder que concentra a energia inicial pela

qual se cria ou se reconstrói um Estado, com a instituição de uma nova ordem jurídica, superadora da ideia de Direito preexistente;

■ Poder constituinte derivado: expressa o poder, normalmente atribuído ao Parlamento, de reformar o texto constitucional. Trata-se de uma competência regulada pela Constituição;

■ Reforma constitucional: designa modificações, supressões ou acréscimos ao texto constitucional [por meio de emenda], mediante o procedimento específico disciplinado na Constituição;

■ Revisão constitucional: é a designação de reformas extensas ou profundas da Constituição. Ilustra o conceito a revisão que foi prevista – mas não efetivamente concretizada – no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, aprovado junto com a Constituição de 1988;

■ Poder constituinte decorrente: expressão que na terminologia do direito constitucional brasileiro designa a competência dos Estados membros da Federação para elaborarem sua própria Constituição. No regime da Constituição

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de 1988, competência semelhante é desempenhada pelo Distrito Federal e pelos Municípios ao editarem suas leis orgânicas.

NATUREZA JURÍDICA E LIMITES O poder reformador é um poder de direito, regido pela Constituição. Sua função é a de permitir a adaptação do texto constitucional a novos ambientes políticos e sociais, preservando-lhe a força normativa e impedindo que seja derrotado pela realidade. Ao fazê-lo, no entanto, deverá assegurar a continuidade e a identidade da Constituição. Os limites impostos ao poder de reforma ou revisão da constituição costumam ser sistematizados pela doutrina em temporais, circunstanciais, formais e materiais. LIMITES TEMPORAIS E CIRCUNSTANCIAIS Limites temporais: têm por objetivo conferir estabilidade ao texto constitucional per um período mínimo ou resguardar determinada situação jurídica por um prazo prefixado. A Constituição americana, de 1787, impedia a aprovação de qualquer ato do Congresso abolindo a escravidão até o ano de 1808 (art. 1º, seção 9). A Constituição francesa, de 1791 proibia qualquer tipo de reforma dentro de um período de quatro anos de sua aprovação (art. 3º). A Constituição portuguesa, de 1976, previu que a primeira revisão de seu texto somente poderia dar-se na segunda legislatura (quatro anos). No Brasil, a Constituição Imperial, de 1824, continha limitação temporal expressa em relação à sua reforma, que somente poderia ser feita depois de “passados quatros anos”.

Limites circunstanciais: impedem a reforma da Constituição em momentos de anormalidade institucional, decorrentes de situações atípicas ou de crise. No Brasil, desde 1934 se prevê como limitação ao poder de reforma a vigência do estado do estado de sítio. Na Constituição de 1988, três são as situações impeditivas (art. 60, §1º): além do estado de sítio, foram incluídas as hipóteses de intervenção federal e estado de defesa.

LIMITES FORMAIS Da rigidez constitucional resulta a existência de um procedimento específico para reforma do texto constitucional, que há de ser mais complexo do que o adotado para a aprovação da legislação ordinária. Esse perecimento envolverá, normalmente, regras diferenciadasem relação à iniciativa, ao quórum de votação das propostas de emenda e às instâncias de deliberação. A inobservância dos limites formais impostos pela Constituição sujeita aos atos emanados do poder de reforma a um juízo de inconstitucionalidade. Sob a Constituição em vigor, são os seguintes os requisitos formais de aprovação de emendas constitucionais:

a) Iniciativa: a reforma do texto constitucional depende da iniciativa (i) de 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; (ii) do Presidente da República; ou (iii) de mais da metade das Assembleias Legislativas (art. 60, I, II, II);

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b) Quórum de aprovação: 3/5 dos votos dos membros de cada Casa do Congresso;

c) Procedimento:discussão e votação em cada Casa, em dois turnos (art. 60, § 2º).

LIMITES MATERIAIS (AS CLÁUSULAS PÉTREAS) A constituição possui um núcleo de decisões políticas e de valores fundamentais que justificam a sua criação. Essa identidade original é protegida pela existência de limites materiais ao poder de reforma, geralmente previstos de modo expresso. São as denominadas cláusulas de intangibilidade ou cláusulas pétreas, nas quais são inscritas as matérias que ficam de fora do alcance do poder constituinte derivado. Foi, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial, como reação aos modelos totalitários do nazismo e do fascismo, que a inclusão de limites materiais expressos nos textos constitucionais se generalizou. Nessa linha, a Constituição italiana, de 1948, estabeleceu que a forma republicana de governo não poderia ser objeto de revisão. A grande referência para o constitucionalismo contemporâneo em tema de limitação material ao poder de reforma foi, contudo, a Lei Fundamental de Bonn, de 1949. Nela se previu, no art. 79.3, a vedação às modificações constitucionais que afetassem a Federação, a cooperação dos Estados-membros na legislação, a proteção da dignidade humana e o Estado democrático e social. Dois argumentos em defesa da legitimidade das cláusulas pétreas

a) A identidade constitucional: toda Constituição contém uma identidade, baseada numa ideia de Direito e em certos valores. Se estes forem alterados, estar-se-á diante de uma nova Constituição, e não de uma mudança constitucional. Por exemplo: não é possível, por mera reforma constitucional, passar de um Estado liberal capitalista pra uma economia planificada, com apropriação coletiva dos meios de produção. Ou, em determinados países, voltar a um regime de Estado unitário, sem autonomia para os Estados-membros; ou restabelecer a monarquia, substituindo o voto período no Chefe de Estado pela sucessão hereditária.

b) A defesa da democracia: As cláusulas pétreas são a expressão radical de autovinculação ou pré-compromisso, por via do qual a soberania popular limita o seu poder no futuro para proteger a democracia contra o efeito destrutivo das paixões, dos interesses e das tentações. Funcionam, assim, como a reserva moral mínima de um sistema constitucional.

A questão da dupla revisão Via pela qual se altera ou elimina cláusula pétrea, com a subsequente aprovação de reforma em matérias anteriormente protegidas por ela. Isto é: no momento 1 é revista a cláusula pétrea; no momento 2 reveem-se disposições antes intocáveis.

Limites materiais implícitos (tácitos ou imanentes)

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Na medida em que os limites materiais expressam a identidade da constituição, sua natureza é declaratória e não constitutiva. Por essa razão, a presença de cláusulas pétreas no texto não exclui a possibilidade de se reconhecer a existência de limites implícitos. Há quatro categorias de limites materiais implícitos:

(1) Os direitos fundamentais, que no caso brasileiro já se encontram, ao menos em parte, protegidos por disposição expressa (CF, art. 60, § 4º, II, IV);

(2) O titular do poder constituinte originário, haja vista que a soberania popular é pressuposto do regime constitucional democrático e, como tal, inderrogável;

(3) O titular do poder constituinte reformador, que não pode renunciar à sua competência nem, menos ainda, delegá-la;

(4) O procedimento que disciplina o poder de reforma, pois este, como um poder delegado pelo constituinte originário, não pode alterar as condições da própria delegação. Cláusulas pétreas e hierarquia

As cláusulas pétreas atribuem a determinados conteúdos da constituição uma super-rigidez, impedindo sua supressão. Diante disso, há quem sustente que as normas constitucionais por cláusulas pétreas têm hierarquia superior às demais. No entanto, hierarquia, em Direito, designa o fato de uma norma colher o seu fundamento de validade em outra, sendo invalida se contravier a norma matriz. Ora bem: não é isso que se passa na situação aqui descrita. Pelo princípio da unidade da constituição, inexiste hierarquia entre normas constitucionais originárias, que jamais poderão ser declaradas inconstitucionais umas em face das outras [o fenômeno das normas constitucionais inconstitucionais]. A proteção especial dada às normas amparadas por cláusulas pétreas sobrelevam seu status político ou sua carga valorativa, com importantes repercussões hermenêuticas, mas não lhes atribui superioridade jurídica.

Os limites materiais na Constituição Federal de 1988 (Art. 60, § 4º)

I – A forma federativa do Estado: para que seja inválida por vulneração desse limite material, uma emenda precisará afetar o núcleo essencial do princípio federativo, esvaziando o ente estatal de competências substantivas, privando-o de autonomia ou impedindo sua participação na formação da vontade federal; II – O voto direito, secreto, universal e periódico: esta é a única limitação material expressa que não é apresentada com o teor de uma cláusula geral principiológica, mas sim como uma regra, uma prescrição objetiva. Por metonímia, o que se deve ler é que os elementos essenciais do Estado democrático são intangíveis; III – A separação de poderes: o seu conteúdo nuclear é que as funções estatais devem ser dividas e atribuídas a órgãos diversos e devem existir mecanismos de controle recíproco entre eles, de modo a proteger os indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto; IV – Os direitos e garantias individuais: o STF já adotou a posição de que existem direitos protegidos pela cláusula do inciso IV do § 4º do art. 60 que não se encontram expressos no elenco do art. 5º da CF.

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Ademais, diversos autores sustentam que o poder constituinte empregou a espécie pelo gênero, de modo que a proteção deve cair sobre todos os direitos fundamentais, e não apenas sobre os individuais. A questão do direito adquirido Como visto, a Constituição trata como cláusula pétrea os direitos e garantias individuais, categoria na qual se incluem os bens jurídicos protegidos pelo art. 5º, XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Por essa razão, encontra-se protegido tanto em face do legislador ordinário como do poder constituinte reformador. Assim, a Constituição estabelece que a lei e a emenda constitucional não podem retroagir para prejudicar o direito adquirido. O direito adquirido pode ser mais bem compreendido se extremado de duas outras categorias que lhe são vizinhas, conforme o seguinte esquema:

a) expectativa de direito: o fato aquisitivo teve início, mas não se completou; b) direito adquirido: o fato aquisitivo já se completou, mas o efeito previsto na

norma ainda não se produziu; c) direito consumado: fato aquisitivo já se completou e o efeito previsto na

norma já se produziu integralmente. UNIDADE V – AS NORMAS CONSTITUCIONAIS (BARROSO) 1 - NORMAS JURÍDICAS

Normas jurídicassão prescrições, mandamentos, determinações que, idealmente, destinam-se a introduzir a ordem e a justiça na vida social. Características das normas jurídicas:

a) Imperatividade - traduz-se no caráter obrigatório da norma e no consequente dever jurídico,imposto a seus destinatários, de se submeterem a ela;

b) Garantia - importa na existência de mecanismos institucionais e jurídicos aptos a assegurar o cumprimento da norma ou a impor consequências em razão do seu descumprimento.

Classificação das normas jurídicas: a) Q u a n t o à h i e r a rq u i a : n o r m a s c o n s t i t u c i o n a i s e n o r m a s

infraconstitucionais. • As normas infraconstitucionaisprimárias têm fundamento de

validade diretamente na constituição, possuindo aptidão para inovar na ordem jurídica (CF, art. 59).

• As normas infraconstitucionais secundárias destinam-se a regulamentar ou especificar aspectos da lei (regulamento, resolução, portaria, regimento interno, decreto, etc.);

b) Quanto ao grau de imperatividade: normas de ordem pública e normas de ordem privada.

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• As normas jurídicas de ordem privada admitem que a autonomia da vontade das partes possa afastar sua incidência. Por esse motivo, dizem-se, também, normas dispositivas ou supletivas.

• As normas jurídicas de ordem pública são instituídas em razão do interesse público ou social, inclusive o de proteger as pessoas que se encontram no polo mais fraco de uma relação jurídica. Por assim ser, não estão sujeitas a afastamento por convenção das partes envolvidas. Dizem-se, por isso mesmo, normas cogentes ou mandatórias;

c) Quanto à natureza do comando:normas preceptivas, normas proibitivas e normas permissivas.

• As normas preceptivas contêm comandos prescrevendo determinada ação positiva, um ato comissivo, um fazer. E.g.: o voto obrigatório (CF, art. 14, § 1º, I);

• As normas proibitivas são as que vedam determinada ação, fazer alguma coisa. E.g.: é vedado ao Poder Público criar distinções entre brasileiros (CF, art. 19, III);

• As normas permissivas atribuem direitos e faculdades aos particulares ou poderes e competências aos agentes públicos, sem a imposição de um dever de atuar. E.g.: os maiores de 16 anos e menores de 18 podem votar se assim desejarem (CF, art. 14, § 1º, e);

d) Quanto à estrutura do enunciado normativo: normas de conduta e normas de organização.

• As normas de conduta são aquelas destinadas a reger diretamente o comportamento das pessoas. Prescrevem um dever-ser geralmente por meio de uma estrutura binária: preveem um fato e a ele atribuem um efeito jurídico. E.g.: é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (CF, art. 5º, IV);

• As normas de organização, em lugar de disciplinarem condutas, as normas de organização, também chamadas normas de estrutura, instituem órgão, atribuem competências, definem procedimentos. Tais normas exercem a importante função de definir quem tem legitimidade para criar as normas de conduta e de que forma isso deve ser feito. Por exemplo, são poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (CF, art. 2º); o Poder Legislativo será exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (CF, art. 44); o Supremo Tribunal Federal compõem-se de onze Ministros (CF, art. 101).

Dispositivo, texto e norma a) Dispositivo jurídico: é um fragmento de legislação, uma parcela de um

documento normativo. Pode ser o caput de um artigo, um inciso, um parágrafo;

b) Texto jurídico: é a “folha de papel”, é o código linguístico ainda por ser interpretado;

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c) Norma jurídica: é o resultado da interpretação do texto jurídico. É o significado ou sentido de um texto jurídico.

• Textos jurídicos são fontes do Direito, obra do legislador, enquanto as normas jurídicas são produto da atuação judicial.

• Não se interpreta normas, mas se as aplica; não se aplicam textos, mas se os interpreta.

• Em suma: o que em verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos resultam as normas. Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto normativo (Eros Grau).

• A partir de um texto pode-se extrair diversas normas: • Texto: “A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo nela

penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial” (CF, art. 5º, XI);

• N1: o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, da moradia de qualquer pessoa, mesmo que seja um simples “barraco”;

• N2: o direito fundamental à inviolabilidade do local onde o indivíduo exerce sua profissão como escritório e o consultório.

• Justamente por ser possível, em muitos casos, extrair diversas normas de um mesmo dispositivo, admite-se a figura da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, utilizada pelo STF. Essa técnica consiste na pronúncia de invalidade de uma das normas que podia ser deduzida de terminado texto, o qual permanece inalterado em sua forma.

2 – NORMAS CONSTITUCIONAIS A constituição como norma jurídica Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica. Desse reconhecimento de caráter jurídico às normas constitucionais resultam as seguintes consequências:

a) a constituição tem aplicabilidade direta e imediata às situações que contempla, inclusive e notadamente as referentes à proteção e promoção dos direitos fundamentais. Isso significa que as normas constitucionais passam a ter um papel decisivo na postulação de direitos e na fundamentação de decisões judiciais;

b) a constituição funciona como parâmetro de validade de todas as demais normas jurídicas do sistema, que não deverão ser aplicadas quando forem com ela incompatíveis. A maior parte das democracias ocidentais possui supremas cortes ou tribunais constitucionais que exercem o poder de declarar leis e atos normativos inconstitucionais;

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c) os valores e fins previsto na constituição devem orientar o intérprete e o aplicador do Direitono momento de terminar o sentido e o alcance de todas normas infraconstitucionais, pautando a argumentação jurídica a ser desenvolvida.

Características das normas constitucionais

a) sua posição no sistema: desfrutam elas de superioridade jurídica em relação a todas as demais normas. A supremacia constitucional é o postulado sobre o qual se assenta todo o constitucionalismo contemporâneo;

b) textura aberta da linguagem: o texto constitucional se utiliza, com abundância maior do que outros documentos legislativos, de cláusulas gerais, que são categorias normativas pelas quais se transfere para o intérprete, com especial intensidade, parte do papel de criação do Direito, à luz do problema a ser resolvido;

c) no tocante ao conteúdo: as normas constitucionais, essencialmente, são normas de organização, são normas que outorgam direitos fundamentaise são normas programáticas;

d) sua dimensão política:a constituição faz a travessia entre o fato político e a ordem jurídica, entre o poder constituinte e o poder constituído, estando na interface entre dois mundos diversos, porém intercomunicantes. Conceitos e deias como Estado democrático de direito, soberania popular e separação de Poderes sempre envolverão valorações políticas.

Classificação das normas constitucionais quanto ao seu conteúdo (Barroso)

Conceito contemporâneo de constituição: uma constituição, ao instituir o Estado, (a) organiza o exercício do poder político, (b) define os direitos fundamentais dos indivíduos e (c) estabelece determinados princípios e traça fins públicos a serem alcançados.

a) normas constitucionais de organização: têm por objeto estruturar e disciplinar o exercício do poder político. Exemplos: estabelecem a forma de governo, a forma de Estado e o regime político (CF, art.1º); definem as competências dos órgãos constitucionais(CF, art. 49); criam órgãos públicos (CF, art. 44);

b) normas constitucionais definidoras de direitos: são as que tipicamente geram direitos subjetivos, investindo o jurisdicionado no poder de exigir do Estado – ou de outro eventual destinatário da norma – prestações positivas ou negativas, que proporcionem o desfrute dos bens jurídicos nelas consagrados. Exemplos: direitos individuais (CF, art. 5º); direitos políticos (CF, arts. 12 a 17); direitos sociais (CF, art. 6º e Título VIII); direitos difusos (CF, arts. 216; 225);

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c) normas constitucionais instituidoras de tarefas ou programas [programáticas]: traçam fins sociais a serem alcançados pela atuação futura dos poderes públicos. Por sua natureza, não geram direitos subjetivos na sua versão positiva, mas geram-nos em sua feição negativa. São dessa categoria as regras que preconizam a redução das desigualdades regionais e sociais (CF, art. 170, II), o apoio à cultura (CF, art. 215), o fomento às práticas desportivas (CF, art. 217), o incentivo à pesquisa (CF, art. 218); ■ já se sustenta a operatividade positiva de tais normas, no caso

de repercutirem sobre direitos fundamentais, como por exemplo os que se referem ao mínimo existencial (a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acessos à justiça – Ana Paula de Barcellos).

Classificação das normas constitucionais quanto à eficácia jurídica Nos primórdios da República, Ruy Barbosa reproduziu e adaptou a doutrina norte-americana na matéria, dividindo as normas constitucionais em autoaplicáveis (self executing) e não autoaplicáveis (non self executing); No final da década de 60, José Afonso da Silva publicou a primeira edição de seu clássico Aplicabilidade das normas constitucionais no qual propõe uma classificação tricotômica das normas constitucionais no tocante à sua eficácia e aplicabilidade da seguinte forma:

a) normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata: são as que receberam do constituinte normatividade suficiente à sua incidência imediata e independem de providência normativa ulterior para sua aplicação (CF, arts. 21, 25 a 28, 29, 30, 145, 153, 155 e 156);

b) normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata: são aquelas que receberam, igualmente, normatividade suficiente para reger os interesses de que cogitam, mas preveem meios normativos (leis, conceitos genéricos etc.) que lhes podem reduzir a eficácia e aplicabilidade (CF, art. 5º, VIII, VI, XIII);

c) normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida: são as que não receberam do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legislador ordinário a tarefa de complementar a regulamentação das matérias nelas traçadas em princípio ou esquema (CF, art. 32, § 4º; art. 37, XI; art. 146).

■ Estas normas, ao contrário do que ocorria com as ditas não autoaplicáveis, não são completamente desprovidas de normatividade. Elas são capazes de surtir uma série de efeitos: (i) revogar as normas infraconstitucionais anteriores com elas incompatíveis, (ii) constituir parâmetro para a declaração da inconstitucionalidade por ação e por omissão e (iii) fornecer

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conteúdo material para a interpretação das demais normas que compõem o sistema constitucional.

Princípios e regras: as diferentes funções das normas constitucionais O reconhecimento da distinção qualitativa entre essas duas categorias e a atribuição de normatividade aos princípios são elementos essenciais do pensamento jurídico contemporâneo. As duas obras precursoras – Levando os direitos a sério [Ronald Dworkin] e Teoria dos direitos fundamentais [Robert Alexy] deflagraram uma verdadeira explosão de estudos sobre o tema, no Brasil e alhures. Exemplos de regras constitucionais: a idade mínima para alguém se candidatar a Presidente da República é de 35 anos (art. 14, § 3º, VI, a); ao completar 70 o servidor público será aposentado compulsoriamente (art. 40, § 1º, II); nenhum benefício da seguridade social poderá ser ciado sem indicação da fonte de custeio (art. 195, § 5º). Exemplos de princípios constitucionais: eles poderão ser explícitos, como os da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da moralidade (art. 37, caput) ou da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV); ou implícitos, decorrentes do sistema ou de alguma norma específica, como os da razoabilidade, da proteção da confiança ou da solidariedade. Critérios para estabelecer a distinção entre regras e princípios:

a) Conteúdo: o vocábulo “princípio” identifica as normas que expressam decisões políticas fundamentais – República, Estado democrático de direito, Federação – valores a serem observados em razão de sua dimensão ética – dignidade humana, segurança jurídica, razoabilidade – ou fins públicos a serem realizados – desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza, busca do pleno emprego. Como consequência de tais conteúdos, os princípios podem referir-se tanto a direitos individuais como a interesses coletivos. As “regras jurídicas”, ao revés, são comandos objetivos, prescrições que expressam diretamente um preceito, uma proibição ou uma permissão. Elas não remetem a valores ou fins públicos porque são a concretização destes, de acordo com a vontade do constituinte ou do legislador, que não transferiram ao intérprete - como no caso dos princípios – a avaliação das condutas aptas a realiza-los;

b) Estrutura normativa: princípios normalmente apontam para estados ideais a serem buscados, sem que o relato da norma descreva de maneira objetiva a conduta ser seguida. Há muitas formas de respeitar ou fomentar o respeito à dignidade humana, de exercer com razoabilidade o poder discricionário ou de promover o direito à saúde. Já com as regras se passa de modo diferente: são elas normas descritivas de comportamentos, havendo menor grau de ingerência do intérprete na atribuição de sentidos aos seus termos e na identificação de suas hipóteses de aplicação. Em suma: os princípios são normas predominantemente finalísticas, e regras são normas predominantemente descritivas;

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c) Modo de aplicação: constitui o principal critério de distinção entre regra e princípio. Regras se aplicam na modalidade tudo ou nada – ocorrendo o fato descrito em seu relato ela deverá incidir, produzindo o efeito previsto. Exemplos: implementada a idade de 70 anos, o servidor público passa para a inatividade; adquirido o bem imóvel, o imposto de transmissão é devido. Se não for aplicada à sua hipótese de incidência, a norma estará sendo violada. Não há maior margem para elaboração teórica ou valoração por parte do intérprete, ao qual caberá aplicar a regra mediante subsunção: enquadra-se o fato na norma e deduz-se uma conclusão objetiva. Por isso se diz que as regras são mandados ou comandos definitivos: uma regra somente deixará de ser aplicada se outra regra a excepcionar ou se for inválida. Já os princípios indicam uma direção, um valor, um fim. Ocorre que, em uma ordem jurídica pluralista, a constituição abriga princípios que apontam em direções diversas, gerando tensões e eventuais colisões entre eles. Como os princípios constitucionais têm o mesmo valor jurídico, o mesmo status hierárquico,a prevalência de um sobre o outro não pode ser determinada em abstrato; somente à luz dos elementos do caso concreto será possível atribuir maior importância a um do que a outro. Ao contrário das regras, portanto, princípios não são aplicados na modalidade tudo ou nada, mas de acordo com a dimensão do peso que assumem na situação específica. Caberá ao intérprete proceder à ponderaçãodos princípios e fatos relevantes, e não a uma subsunção do fato a uma determinada. Por isso se diz que princípios são mandados de otimização: devem ser realizados na maior intensidade possível, à vista dos demais elementos jurídicos e fáticos presentes na hipótese.

A conquista da efetividade das normas constitucionais no direito brasileiro

A classificação das normas constitucionais quanto à sua eficácia demonstra que todas elas possuem, em maior ou menor intensidade, eficácia jurídica e que são aplicáveis nos limites de seu teor objetivo. Por opção metodológica ou por acreditar estar a matéria fora do plano jurídico, a doutrina não deu atenção especial a um problema diverso e vital: o de saber se os efeitos potenciais da norma se produzem de fato. Tradicionalmente, a doutrina analisa os atos jurídicos em geral, e os atos normativos em particular, em três planos distintos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Cabe destacar um quarto plano, que por longo tempo fora negligenciado: o da efetividade ou eficácia social da norma. A ideia de efetividade expressa o cumprimento da norma, o fato real de ela ser aplicada e observada, de uma conduta humana se verificar na conformidade seu conteúdo. Efetividade, em suma, significa a realização do Direito, o desemprenho concreto de sua função social. Ela simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. A doutrina da efetividade consolidou-se no Brasil como um mecanismo eficiente de enfrentamento da insinceridade normativa e de superação da supremacia política exercida fora e acima da constituição.

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UNIDADE VI – A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL(BARROSO)

1. -PONTO DE PARTIDA:o texto é o limite da interpretação. A interpretação jamais poderá romper os vínculos substantivos com o objeto interpretado.

2. –CONCEITOS BÁSICOS: ■ Hermenêutica jurídica: é um domínio teórico, especulativo,

voltado para a identificação, desenvolvimento e sistematização dos princípios de interpretação do Direito;

■ Interpretação jurídica: consiste na atividade de revelar ou atribuir sentido a textos ou outros elementos normativos (como princípios implícitos e costumes);

■ Aplicaçãojurídica: é o momento final do processo interpretativo em que a norma jurídica se transforma em norma de decisão. Na aplicação se dá a conversão da disposição abstrata em uma regra concreta, com a pretensão de conformar a realidade ao Direito, o ser ao dever ser;

■ Realização constitucional: significa a eficácia social das normas constitucionais. Essa realização é uma tarefa de todos os órgãos constitucionais que, na atividade legiferante, administrativa e judicial, aplicam as normas da constituição. Nesta “tarefa realizadora” participam ainda todos os cidadãos que fundamentam na constituição, de forma direta e imediata, os seus direitos e deveres;

■ Mutação constitucional: constitui a revisão informal do compromisso pol í t ico formalmente plasmado na constituiçãosem alteração do texto constitucional. Em termos incisivos: muda o sentido sem mudar o texto;

■ Reforma constitucional: consiste na revisão formal do compromisso político, acompanhada de alteração do próprio texto constitucional.

• O problema que agora se nos põe é o de saber se, através da interpretação da constituição, é legítima a mutação constitucional alcançada.

• Admitem-se alterações do âmbito ou esfera da norma que ainda se podem considerar susceptíveis de serem abrangidas pelo texto da norma, e, outra coisa, é legitimarem-se alterações constitucionais que se t raduzem na exis tência de uma real idade constitucional inconstitucional, ou seja, alterações manifes tamente incompat íve is com otexto constitucional. Uma constituição pode ser flexível sem

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deixar de ser firme. A necessidade de uma permanente adequação dialética entre o texto e a realidade justificará a aceitação de mutações constitucionais que não contrariem os princípios fundamentais da constituição. O reconhecimento destas mutações constitucionais silenciosas é ainda um ato legítimo de interpretação.

3. –INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL SOB PERSPECTIVA TRADICIONAL a) Algumas regras de hermenêutica:

■ Regras de hermenêutica contida na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) – art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece; art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito; art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

■ Princípio da boa-fé objetiva prevista nos arts. 113 e 422 do Código Civil de 2002, que envolve um dever de conduta imposto às partes independentemente de seus estados mentais, ligado à relação contratual em todos os seus aspectos.

■ Brocardos jurídicos: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito; interpretam-se estritamente as disposições cominadoras de pena; não se presumem, na lei, palavras inúteis; ninguém está obrigado ao impossível; quando a lei faculta, ou prescreve um fim, presumem-se autorizados os meios necessários para atingi-lo.

b) Elementos tradicionais de interpretação jurídica (Savigny): ■ Gramatical, literal ou semântico: nos países da tradição

romano-germânica, a principal fonte do Direito são as normas jurídicas escritas. Interpretar é, sobretudo, atribuir sentidoa textos normativos, conectando-os com fatos específicos e com a realidade subjacente. Os conceitos e possibilidades semânticas do texto figuram como ponto de partida e como limite máximo da interpretação. O intérprete não pode ignorar ou torcer o sentido das palavras, sob pena de sobrepor a retórica à legitimidade democrática, à lógica e à segurança jurídica.

■ Histórico ou genético: a análise histórica desempenha um papel secundário, suplementar na revelação de sentido da norma. Apesar de desfrutar de certa reputação nos países do common law, o fato é que na tradição romano-germânica os trabalhos legislativos e a intenção do legislador, sem serem irrelevantes, não são, todavia, decisivos na fixação de sentido das normas jurídicas. À medida que a constituição e as leis se distanciam no

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tempo da conjuntura histórica em que foram promulgadas, a vontade subjetiva do legislador (mens legislatoris) vai sendo substituída por um sentido autônomo e objetivo da norma (mens legis).

■ Sistemático:a ordem jurídica é um sistema e, como tal, deve ser dotada de unidade e harmonia. A constituição é responsável pela unidade do sistema, ao passo que a harmonia é proporcionada pela prevenção ou pela solução de conflitos normativos. Quando uma nova const i tu ição ent ra em vigor as normas in f racons t i tuc iona i s incompa t íve i s com e la f i cam automaticamente revogadas; já as que são compatíveis são revivificadas, passando a viger sob novo fundamento de validade. Os conflitos entre normas infraconstitucionais são resolvidos por três critérios tradicionais: hierárquico, cronológico e da especialização. A colisão de normas constitucionais é solucionada pela técnica da ponderação.

■ Teleológico:o Direito existe para realizar determinados fins sociais ligados à justiça, à segurança jurídica, à dignidade da pessoa humana e ao bem-estar social. Colhe-se na letra expressa do art. 3º da Constituição Federal:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

4. – ESPECIFICIDADE DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL: OS P R I N C Í P I O S I N S T R U M E N TA I S D E I N T E R P R E TA Ç Ã O CONSTITUCIONAL

■ Advertência prévia: os cânones hermenêuticos constitucionais (normalmente conhecidos por princípios de interpretação constitucionais) desempenham uma função retórico-argumentativa, não são normas de conduta (função reguladora). Como princípios instrumentais de interpretação constitucionalconstituempremissas conceituais, metodológicas ou finalísticas que devem anteceder, no processo intelectual do intérprete a solução concreta da questão posta. Nenhum deles encontra-se expresso no texto da Constituição, mas são reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência. a) Princípio da supremacia da constituição

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• Do ponto de vista jurídico este é o principal traço distintivo da constituição: sua posição hierárquica superior às demais normas do sistema;

• Como consequência do princípio da supremacia constitucional, nenhuma lei ou ato normativo poderá subsistir validamente se for incompatível com a constituição. Para assegurar essa superioridade, a ordem jurídica concebeu um conjunto de mecanismos destinados a invalidar e/ou paralisar a eficácia dos atos que contravenham a constituição, conhecidos como controle de constitucionalidade.

b) Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos

• As leis e atos normativos, como os atos do Poder Público em geral, desfrutam de presunção de validade. Isso porque, idealmente, sua atuação se funda na legitimidade democrática dos agentes públicos eleitos, no dever de promoção do interesse público e no respeito aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública (CF, art. 37). Trata-se de presunção iuris tantum, isto é, que admite prova em contrário;

• A presunção de constitucionalidade, portanto, é uma decorrência do princípio da separação dos poderes e funciona como fator de autolimitação da atuação judicial. Em razão disso, não devem juízes e tribunais, como regra, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo quando:

(i) a inconstitucionalidade não patente e inequívoca, existindo tese jurídica razoável para preservação da norma;

(ii) seja possível decidir a questão por outro fundamento, evitando-se a invalidação de ato de outro poder;

(iii)existir interpretação alternativa possível, que permita afirmar a compatibilidade da norma com a constituição.

c) Princípio da interpretação conforme a constituição • Desenvolvido pela doutrina alemã, destina-se à preservação da

v a l i d a d e d e d e t e r m i n a d a s n o r m a s s u s p e i t a s d e inconstitucionalidade, assim como à atribuição de sentido às normas infraconstitucionais, de forma que melhor realizem os mandamentos constitucionais;

• Como técnica de interpretação, o princípio impõe a juízes e tribunais que interpretem a legislação ordinária de modo a realizar, da maneira mais adequada, os valores e fins constitucionais. Um exemplo: a jurisprudência vem reconhecendo direitos previdenciários a parceiros que vivem em união estável homoafetiva. Mesmo na ausência de norma expressa nesse sentido, essa é a inteligência que melhor realiza a vontade

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constitucional, por impedir a discriminação de pessoas em razão de sua orientação sexual;

• Como mecanismo de controle de constitucionalidade, a interpretação conforme a constituição permite que o intérprete preserve a validade de uma lei que, na sua leitura mais óbvia, seria inconstitucional. Nessa hipótese, infirma-se uma das interpretações possíveis, declarando-a inconstitucional e afirma-se outra, que compatibiliza a norma com a constituição. Trata-se de uma atuação “corretiva”, que importa na declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

d) Princípio da unidade da constituição • Este princípio é uma especificação da interpretação sistemática,

impondo ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas constitucionais;

• A constituição é documento dialético, fruto do debate e da composição política. Como consequência, abriga no seu corpo valores e interesses contrapostos. A livre-iniciativa é um princípio que entra em rota de colisão, por exemplo, com a proteção do consumidor ou com restrições ao capital estrangeiro. Desenvolvimento pode confrontar-se com proteção do meio ambiente. Direitos fundamentais interferem entre si, por vezes em casos extremos, como ocorre no choque entre liberdade religiosa e direito à vida ou na hipótese de recusa de certos tratamentos médicos, como transfusões de sangue, sustentada pelos fiéis de determinadas confissões.

• Para a solução das colisões entre normas constitucionais o intérprete deverá promover a concordância prática entre os bens jurídicos tutelados, preservando o máximo possível de cada um, fazendo ponderações, com concessões recíprocas e escolhas.

e) Princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade • Este princípio tem seu fundamento nas ideias de devido processo

legal substantivo e na de justiça; • Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos

fundamentais e do interesse público, por permitir o controle da discricionariedade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema;

• Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade permite ao judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando:

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(i) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado (adequação);

(ii) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso);

(iii)os custos superem os benefícios, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito).

• O princípio pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.

f) Princípio da efetividade • Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da

norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-sernormativo e o ser da realidade social;

• O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não autoaplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador.

UNIDADE VII –A TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (EDILSOM FARIAS)

1. Os direitos fundamentais: o seu significado Os direitos fundamentais significam um sinal de progresso moral da humanidade, apesar das dificuldades enfrentadas nesta área (N. Bobbio aponta como dificuldade para o avanço moral da humanidade o fato de o homem ser um animal violento, passional e enganador). Entre nós, os direitos fundamentais estão vivenciando o seu melhor momento na história do constitucionalismo pátrio, tanto do ponto de vista teórico quanto prático.

2. Ambiguidade terminológica ■Direitos humanos: expressão empregada para designar os direitos dos cidadãos assegurados em tratados e demais documentos internacionais;

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■Direitos fundamentais: locução reservada para o contexto nacional, ou seja, para designar os direitos humanos positivados numa Constituição.

3. Conceito de direitos humanos ■Podem ser entendidos como constituídos pelas posições subjetivas e pelas instituições jurídicas que em cada momento histórico procuram garantir os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da fraternidade ou da solidariedade (PÉREZ LUÑO E EDILSOM FARIAS)

4. Conceito de direitos fundamentais ■São direitos que concernem ao homem como tal, “não ao homem enquanto participa de relações jurídicas particulares com outros homens, como por exemplo, as relações contratuais”.

5. Pluralidade de abordagens a) Perspectiva filosófica - natureza e fundamento dos direitos

fundamentais: são eles superiores ou anteriores ao estado (concepção jusnaturalista); são eles criados e conformados pelo estado (concepção positivista); são eles históricos frutos de consenso sobre valores compartilhados pela sociedade (concepção intersubjetiva).

b) Perspectiva internacional ■Declaração dos direitos humanos de 1948 (ONU); ■Pacto de Direitos Civis e Políticos e Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); ■Pacto de San José da Costa Rica (1969). ■InternationalHumanRights Law.

c) Perspectiva constitucional ■Positivação dos direitos humanos na Constituição; ■Estudada no âmbito do direito constitucional; ■Atualmente os currículos dos cursos jurídicos no País têm dado mais atenção aos estudos de direito constitucional e notadamente aos direitos fundamentais.

6. Multifuncionalidade dos direitos fundamentais a) Função de defesa ou de liberdade; b) Função de prestação social;

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c) Função de participação política; d) Função de proteção contra terceiros; e) Função de não discriminação; f) Função educativa, conscientizadora e apelativa.

7. Classificação dos direitos fundamentais a) Direitos individuais e coletivos (art. 5º); b) Direitos sociais (arts. 6º a 11 e arts. 193 a 217); c) Direitos de nacionalidade (art. 12); d) Direitos políticos (12 a 17); e) Direito ao meio ambiente (art. 225); f) Direitos de grupos vulneráveis: crianças e adolescentes (art. 227 a

229); idosos(230); índios (arts. 231 a 232). 8. O regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais

a) Aplicação imediata (art. 5º, § 1º); b) Cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV); c) Abertura do sistema de direitos fundamentais (art. 5º, § § 2º e 3º); d) Proteção jurídica sem lacunas (art. 5º, XXXV); e) Reserva de lei (proteção contra o executivo); f) Incolumidade do núcleo essencial (proteção contra o legislador). Quais direitos fundamentais são cláusulas pétreas?

• Direitos e garantias fundamentais (Título II); • Direitos individuais e coletivos (Capítulo I, Título II, art. 5º, I a

LXXVIII); • Direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV).

Posição do Ingo Sarlet – Interpretação sistemática 1. Já no preâmbulo da Constituição Federal encontramos referência

expressa no sentido de que a garantia dos direitos individuais e sociais constitui objetivo permanente do Estado brasileiro;

2. Não há como negligenciar o fato de que nossa Constituição consagra a ideia de que constituímos um Estado democrático e social de Direito, o que transparece claramente em boa parte dos princípios fundamentais, especialmente no art. 1º, I a II e art. 3º, I, III e IV);

a. Poder-se-á argumentar que a expressa previsão de um extenso rol de direitos sociais no título dos direitos fundamentais seria, na verdade, destituída de sentido, caso o constituinte, ao mesmo tempo, tivesse outorgado a estes direitos, proteção jurídica diminuída;

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3. Todos os direitos fundamentais em nossa Constituição (mesmo os que não integram o Título II) são, na verdade e em última análise, direitos de titularidade individual, ainda que sejam de expressão coletiva. É o indivíduo que tem assegurado o direito de voto, assim como é o indivíduo que tem direito à saúde, assistência social, aposentadoria, etc. Até mesmo o direito a um meio ambiente saudável e equilibrado (art. 225 da CF), em que pese seu habitual enquadramento entre os direitos da terceira dimensão, pode ser reconduzido a uma dimensão individual, pois mesmo um dano ambiental que venha a atingir um grupo dificilmente quantificável e delimitável de pessoas (indivíduos), gera um direito à reparação para cada prejudicado. Conclusão: os direitos e garantias individuais referidos no art. 60, § 4º, IV, da nossa Lei Fundamental incluem, portanto, os direitos sociais e os direitos da nacionalidade e da cidadania (direitos políticos).

Posição do Luís Roberto Barroso – Direitos fundamentais materiais baseados no princípio da dignidade da pessoa humana.

• A dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) é princípio que integra a identidade política e jurídica da Constituição e, como consequência, não ser objeto de emenda tendente à sua abolição, por estar protegido por uma limitação material implícita ao poder de reforma. Pois bem: é a partir do núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana que se irradiam todos os direitos materialmente fundamentais, que devem receber proteção máxima, independentemente de sua posição formal, da geração a que pertencem e do tipo de prestação a que dão ensejo;

• Com base em tal premissa, não são apenas os direitos individuais que constituírem cláusulas pétreas, mas também as demais categorias de direitos constitucionais, na medida em que sejam dotados de fundamentalidade material;

• Tome-se o exemplo dos direitos sociais. A doutrina contemporânea desenvolveu o conceito de mínimo existencial, que expressa o conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele patamar, o mandamento constitucional estará sendo desrespeitado;

• Em suma, não apenas os direitos individuais, mas também os direitos fundamentais materiais como um todo estão protegidos em face do constituinte reformador ou de segundo grau. Alguns exemplos: o direito social à educação fundamental gratuita (CF, art. 208, I), o direito político à não alteração das regras do

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processo eleitoral a menos de um ano do pleito (CF, art. 16) ou o direito difuso de acesso à água potável ou ao ar respirável (CF, art. 225).

UNIDADE VIII –O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 1. Conceito de inconstitucionalidade(Gilmar Mendes)

O conceito de inconstitucionalidade traduz, essencialmente, a ideia de inconformidade com a constituição. Assim, inconstitucional será o ato que incorrer em sanção (nulidade ou anulabilidade) por desconformidade com a constituição. 2. Meios e institutos de defesa da Constituição (Canotilho)

a) A vinculação constitucional dos poderes públicos: a constituição como lei fundamental do Estado implica a sua observância e validade em relação a todos os poderes públicos em geral;

b) A separação e interdependência dos poderes: os esquemas de responsabilidades e controle entre os vários órgãos transformam-se em relevantes fatores de observância da constituição;

c) As cláusulas pétreas: a constituição garante a sua estabilidade e conservação contra alterações aniquiladoras do seu núcleo essencial por meio de cláusulas pétreas e de um processo “agravado” de reforma constitucional. Não se trata de inviabilizar as adaptações e mudanças necessárias, mas opor-se as rupturas e eliminação do próprio ordenamento constitucional;

d) O controle judicial de constitucionalidade dos atos normativos: assegura, de forma positiva, a dinamização da força normativa da constituição e garante, de forma negativa, a constituição ao reagir através de sanções contra a sua violação. Além disso, o controle judicial operou um desenvolvimento da própria constituição a ponto de se poder afirmar que ela foi “reinventada pela jurisdição constitucional”.

3. Tipos de inconstitucionalidade a) Inconstitucionalidade formal: apresenta vícios formais que afetam o

ato normativo independentemente de seu conteúdo, referindo-se, essencialmente, aos pressupostos e procedimentos relativos à sua formação (processo legislativo – CF, arts. 59 a 69); também constitui inconstitucionalidade formal a inobservância da regra de competênciapara edição um ato (inconstitucionalidade

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orgânica). Se, por exemplo, a Assembleia Legislativa de um Estado da Federação editar uma lei em matéria de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, incorrerá em inconstitucionalidade por violação da competência da União nesses assuntos (CF, art. 149);

• outra hipótese de inconstitucionalidade formal: há matérias que são reservadas pela Constituição para serem tratadas por via de uma espécie normativa específica. Somente lei complementar pode dispor acerca de normas gerais de direito tributário (art. 146, III). Se uma lei ordinária contiver disposição acerca desse tema será formalmente inconstitucional;

b) Inconstitucionalidade material:apresenta vícios materiais que dizem respeito ao próprio conteúdo do ato, uma vez que conflitam com os princípios e regras estabelecidos na constituição. Confronto com uma regra constitucional – e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI). Colisão com um princípio constitucional, como no casode lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade, em desarmonia com o mandamento da isonomia (CF, art. 5º, caput, e art. 3º, IV).

• O reconhecimento da inconstitucionalidade de um ato normativo, seja em decorrência de desvio formal ou material, produz a mesma consequência jurídica: a invalidade da norma, cuja tendência será ter sua eficácia paralisada. Há uma única situação em que o caráter formal ou material da inconstitucionalidade acarretará efeitos diversos: quando a incompatibilidade se der entrenova Constituição (ou emendaconstitucional) e norma infraconstitucional preexistente.

• Nessa hipótese, sendo a inconstitucionalidade de natureza material, a norma não poderá subsistir. As normas anteriores, incompatíveis com o novo tratamento constitucional da matéria, ficam automaticamente revogadas. Não é o que ocorre, porém, quando a incompatibilidade entre a lei anterior e a norma constitucionalnova é de natureza formal, vale dizer: competência ou a espécie normativa apta a tratar da matéria. Nesse caso a norma preexistente, se for materialmente compatível com o novo ordenamento constitucional, é recepcionada, passando apenas a se submeter, ad futurum, à nova disciplina. Um exemplo ilustra o exposto:

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• O Código Tributário Nacional (CNT) foi promulgado como lei ordinária (Lei n. 5.172, de 25-10-1966), sob o regime da Constituição de 1946. Sobreveio a Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, que passou a prever que o sistema tributário seria regido por leis complementares. Pois bem: o CTN continuou em vigor, naquilo em que materialmente compatível com a emenda, mas passou a desfrutar do status de lei complementar, e, portanto, essa era a espécie normativa requerida para sua alteração.

c) Inconstitucionalidade por ação e por omissão: é possível violar a constituição praticando um ato que ela interditava (violação por via de ação) ou deixando de praticar um ato que ela exigia (violação por via de uma omissão, uma inércia ilegítima). • Da omissão total: a omissão inconstitucional total ou absoluta

estará configurada quando o legislador, tendo o dever jurídico de atuar, abstenha-se inteiramente de fazê-lo, deixando um vazio normativo na matéria. Nesta situação, abrem-se, em tese, três possibilidades de atuação judicial no âmbito da jurisdição constitucional: (i) reconhecer autoaplicabilidade à norma constitucional e fazê-la incidir diretamente; (ii) apenas declarar a existência da omissão, constituindo em mora o órgão competente para saná-la; (iii) não sendo a norma autoaplicável, criar para o caso concreto a regra faltante.

• Da omissão parcial (relativa e parcial propriamente dita). Omissão parcial relativa: quando a lei exclui do seu âmbito de proteção determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-a de um benefício, em violação ao princípio da isonomia. Também aqui há três linhas possíveis de atuação judicial: (a) a declaração da inconstitucionalidade por ação da lei que criou a desequiparação; (b) a declaração de inconstitucionalidade por omissão parcial da lei, com ciência ao órgão legislador para tomar as providências necessárias; (c) a extensão do benefício à categoriadele excluída (Súmula 339: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia”).

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Um caminho possível, em situações como esta, seria a decisão judicial determinar a extensão do benefício à categoria excluída, apartir de um termo futuro. Poderia ser determinada data ou evento, como, por exemplo, o início do exercício financeiro seguinte. Essa fórmula permitiriaa ponderação dos diferentes princípios envolvidos: de um lado, a separação de Poderes, a legalidade (o Legislativo, no intervalo, poderia inclusive prover sobre a questão), o orçamento e, de outro, a supremacia da Constituição e a isonomia (Luis R. Barroso).

Omissão parcial propriamente dita: nesta hipótese, o legislador atua sem afetar o princípio da isonomia, mas de modo insuficiente ou deficiente relativamente à obrigação que lhe era imposta. O exemplo típico no direito constitucional brasileiro tem sido a lei de fixação do salário mínimo, em valor que não satisfaz a exigência constitucional: ser capaz de atender as necessidade vitais básicas de um trabalhador e de sua família como moradia,alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Sucede, que a declaração de inconstitucionalidade por ação da lei instituidora do reajuste período do salário mínimo traria consequências piores do que sua manutenção: ou o vácuo legislativo ou a restauração da lei anterior, fixadora de valor ainda mais baixo. Tal solução há de ser rejeitada. Resta, tão somente, a fórmula da declaração de inconstitucionalidade por omissão parcial da lei, por ter o legislador se desincumbido de modo deficiente do mandado constitucional recebido. Essa é a linha assentada na jurisprudência do STF.

4). Modalidades de controle de constitucionalidade (Canotilho) 1. Quem controla: os sujeitos do controle 1.1. Controle político; 1.2. Controle judicial; 1.2.1. Controle difuso; 1.2.2. Controle concentrado.

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2. Como se controla: o modo de controle 2.1. Controle por via incidental; 2.2. Controle por via principal ou ação direta. 3. Quando se controla: o tempo do controle 3.1. Controle preventivo; 3.2. Controle sucessivo ou repressivo. 4. Quem pede o controle: a legitimidade ativa 4.1. Legitimidade quisque de populo; 4.2. Legitimidade restrita. 5. Os efeitos da decisão 5.1. Efeitos gerais e efeitos particulares; 5.2. Efeitos retroativos e prospectivos; 5.3. Efeitos declarativos e efeitos constitutivos.

1. Quem controla: os sujeitos do controle 1.1.. Controle político: o controle da constitucionalidadedos atos normativos

é feito pelos órgãos políticos (ex.: Parlamento). É o sistema francês. Doutrina da soberania da lei ou doutrina da soberania do Parlamento;

1.2.. Controle judicial: • sistema difuso ou americano: no sistema difuso a competência

para fiscalizar a constitucionalidade das leis é reconhecida a qualquer juiz chamado a fazer a aplicação de uma determinada lei a um caso concreto submetido a apreciação judicial. É a chamada judicial review , ou seja, a faculdade judicial de controle da inconstitucionalidade das leis. Essesistemasurgiu da famosasentençaprolatadapelojuiz Marshall no casoMarbury v. Madison:”the constitution is superior to any ordinary act of the legislature; an act of the legislature repugnant to the constitution is void”;

• sistema concentrado ou austríaco: chama-se sistema concentrado porque a competência para julgar definitivamente acerca da constitucionalidade das leis é reservada a um único órgão, com exclusão de quaisquer outros.

✓ A ideia de um controle concentrado está ligada ao nome Hans Kelsen, que o concebeu pra ser consagrado na Constituição austríaca de 1920 (posteriormente aperfeiçoado na reforma de 1929);

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✓ O sistema concentrado encontrou grande recepção no pós-guerra, estando consagrado na Itália, Alemanha, Turquia, Chipre, Grécia, Espanha e Portugal. Cumpre lembrar ainda a criação de tribunais constitucionais nos países ex-socialistas.

2. Como se controla: o modo de controle 1. Controle por via incidental: no controle por via incidental a

inconstitucionalidade do ato normativo só pode ser invocada no decurso de uma ação submetida à apreciação dos juízes e tribunais. A questão da inconstitucionalidade é levantada, por via de exceção, no decurso de um processo comum (civil, penal, etc.). Este controle anda geralmente associado ao sistema difuso;

2. Controle por via principal: chama-se controle por via principal porque as questões de inconstitucionalidade podem ser levantadas, a título principal, mediante processo constitucional autônomo, junto a um Tribunal (tribunal constitucional, Supremo Tribunal) com competência para julgar da desconformidade dos atos. Neste tipo é consentido a certas e determinadas entidades a competência para impugnar uma norma inconstitucional, independentemente da existência de qualquer controvérsia (CF, art. 103). Este controle é associado ao sistema concentrado.

2. Quando se controla: o tempo do controle 2.1.Controle preventivo: diz-se que o controle é preventivo quando ele é feito

antes da lei entrar em vigor. Está consagrado na Constituição francesa de 1958 (art. 61), exercido pelo ConseilConstitutionnel, ou seja, controle político;

2.2.Controle sucessivo: o controle sucessivo ou a posteriorié aquele em que o controle é feito num momento posterior a entrada em vigor da lei ou ato normativo (controle judicial).

3. Quem pede o controle: a legitimidade ativa 3.1.Legitimidadequisque de populoou universal: se a legitimidade para a

impugnação da constitucionalidade for reconhecida a qualquer pessoa (quisque de populo), diz-se que há uma legitimidade universal;

4.2. Legitimidade restrita: quando a legitimidade é reconhecida só a certas e determinadas entidades, fala-se de legitimidade restrita (CF, art. 103).

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5. Efeitos do controle

5.1.Efeitos gerais: o órgão competente para fiscalizarconstitucionalidade anula o ato com eficácia erga omnes, ou seja, uma vez declarada a inconstitucionalidade, o ato é eliminado do ordenamento jurídico (sistema concentrado);

5.2.Efeitos particulares: o órgão competente para fiscalizar a constitucionalidade anula o ato com eficácia inter partes. Isto é, o ato normativo reconhecido como inconstitucionalé desaplicado no caso concreto submetido à cognição do juiz, mas continuará em vigor até ser anulado, revogado ou suspenso pelos órgãos competentes (CF, art. 52, X – sistema difuso);

5.3.Efeitos retroativos e efeitos prospectivos: existem efeitos prospectivos quando se atribui à decisão de anulação uma eficácia ex nunc, no sentido de que o efeito da invalidade só começa a partir do momento em que seja declarada a inconstitucionalidade; fala-se de efeitos retroativos ou de eficácia extunc, com efeitos retroativos, próprios da nulidade em sentido técnico, quando a eficácia invalidante abrange todos os atos, mesmo os praticados antes da declaração da inconstitucionalidade;

5.4.Efeito declarativo: fala-se em efeito declarativo quando a entidade controlante se limita a declarar a nulidade pré-existente do ato normativo. O ato normativo é absolutamente nulo e, por isso, o juiz ou qualquer outro órgão de controle “limitam-se” a reconhecer declarativamente a sua nulidade. É o regime típico do controle difuso;

5.5.Efeito constitutivo: nos sistemas de controle concentrado a regra geral consiste em atribuir à decisão de inconstitucionalidade um efeito constitutivo. O órgão que decide sobre a inconstitucionalidade anula um ato normativo que até o momento da decisão era considerado como válido e eficaz. É o regime geral do controle concentrado.