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Palavras-Chave: Aprendizagem Cooperativa, Coopera- ção, Deficiência Mental, Trissomia 21, Currículos Fun- cionais. Resumo Apesar dos avanços teóricos e metodológicos, no sen- tido de proporcionar à população escolar, um atendi- mento adequado, ainda se identifica um longo caminho a percorrer. Desde a busca do melhor modelo de atendi- mento aos alunos com necessidades educativas especiais, até à melhor forma de dar resposta a todos os alunos sem excepção, a escola vive um tempo de mudança, em que precisa de encontrar formas de intervir mais con- sentâneas com as suas necessidades. Uma forma de intervenção que seja promissora de responder nestas duas frentes é, obviamente, bem acolhida. Apesar de reconhecido o seu valor, a aprendizagem coo- perativa não tem ainda o impacto desejado na forma como as escolas se organizam para responder às necessi- dades de uma população escolar cada vez mais hetero- génea. Com este artigo pretende-se apresentar um meio de valorização da singularidade humana pelo que ela é de individual e, pelo que ela é capaz de representar de evolução e de valorização para toda a comunidade. A escola contemporânea sente necessidade (e obrigação) de voltar a valorizar a consciência colectiva, a vinculação e a proximidade entre os indivíduos. Dentro da realidade das necessidades educativas especiais que representam a deficiência mental e a Trissomia 21, imagine-se colocar os alunos com e sem necessidades educativas especiais a tra- balharem juntos, cooperativamente, com a intervenção mediadora do professor. Este artigo visa abrir os hori- zontes dos agentes educativos em relação a esta forma de aprender que é apresentada pela investigação e pela lite- ratura como um instrumento de aprendizagem capaz de fomentar essa aproximação, bem como o sucesso de todos e de cada um. Evolução do conceito de deficiência mental – um sinal de valorização da diferença pela sociedade, nomeadamente pela escola? A deficiência mental tem sido alvo de estudo de diver- sos especialistas e, de acordo com as suas áreas de estudo, diferentes definições lhe têm sido atribuídas. Não é por isso de estranhar que as primeiras definições se centrem mais em aspectos biológicos do atraso, uma vez que foram os médicos os primeiros a trabalhar com esta população. Os termos atraso mental, défice cognitivo e deficiência mental usam-se para identificação de um défice de rendimento e de capacidade de demonstrar uma conduta social e intelectual apropriada para a idade. Contudo, a forma de definir deficiência mental não é algo que apenas afecte o aspecto teórico da problemática, mas tem interferência directa no processo de identificação e intervenção nesta população. Como observa Reis & Peixoto (1999), «[u]ma diferença subtil entre duas definições pode determinar que se ponha a uma criança a etiqueta de atraso mental» (p. 19). Nesta breve abordagem à deficiência mental faz-se ape- nas revisão das definições mais comuns na investigação recente. Nas sucessivas revisões do conceito e da classificação de deficiência mental, é relativizado o QI como indicador da deficiência mental, aceitando-se que «[o] QI como dado quantitativo em nada traduz a qualidade de orga- nização intelectual dum indivíduo, conhecimento esse que se revela determinante na compreensão da deficiên- Aprendizagem Cooperativa na Deficiência Mental (Trissomia 21) Maria Isabel Santo de Miranda Cunha Luísa Maria Nogueira Santos Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti [email protected] [email protected] 27

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Palavras-Chave: Aprendizagem Cooperativa, Coopera-ção, Deficiência Mental, Trissomia 21, Currículos Fun-cionais.

Resumo

Apesar dos avanços teóricos e metodológicos, no sen-tido de proporcionar à população escolar, um atendi-mento adequado, ainda se identifica um longo caminhoa percorrer. Desde a busca do melhor modelo de atendi-mento aos alunos com necessidades educativas especiais,até à melhor forma de dar resposta a todos os alunossem excepção, a escola vive um tempo de mudança, emque precisa de encontrar formas de intervir mais con-sentâneas com as suas necessidades. Uma forma deintervenção que seja promissora de responder nestasduas frentes é, obviamente, bem acolhida.Apesar de reconhecido o seu valor, a aprendizagem coo-perativa não tem ainda o impacto desejado na formacomo as escolas se organizam para responder às necessi-dades de uma população escolar cada vez mais hetero-génea. Com este artigo pretende-se apresentar ummeio de valorização da singularidade humana pelo queela é de individual e, pelo que ela é capaz de representarde evolução e de valorização para toda a comunidade.

A escola contemporânea sente necessidade (e obrigação)de voltar a valorizar a consciência colectiva, a vinculaçãoe a proximidade entre os indivíduos. Dentro da realidadedas necessidades educativas especiais que representam adeficiência mental e a Trissomia 21, imagine-se colocar osalunos com e sem necessidades educativas especiais a tra-balharem juntos, cooperativamente, com a intervençãomediadora do professor. Este artigo visa abrir os hori-zontes dos agentes educativos em relação a esta forma deaprender que é apresentada pela investigação e pela lite-

ratura como um instrumento de aprendizagem capaz defomentar essa aproximação, bem como o sucesso detodos e de cada um.

Evolução do conceito de deficiênciamental – um sinal de valorização da diferença pela sociedade, nomeadamente pela escola?

A deficiência mental tem sido alvo de estudo de diver-sos especialistas e, de acordo com as suas áreas de estudo,diferentes definições lhe têm sido atribuídas. Não é porisso de estranhar que as primeiras definições se centremmais em aspectos biológicos do atraso, uma vez queforam os médicos os primeiros a trabalhar com estapopulação.Os termos atraso mental, défice cognitivo e deficiência mentalusam-se para identificação de um défice de rendimentoe de capacidade de demonstrar uma conduta social eintelectual apropriada para a idade. Contudo, a forma dedefinir deficiência mental não é algo que apenas afecte oaspecto teórico da problemática, mas tem interferênciadirecta no processo de identificação e intervenção nestapopulação. Como observa Reis & Peixoto (1999),«[u]ma diferença subtil entre duas definições podedeterminar que se ponha a uma criança a etiqueta deatraso mental» (p. 19). Nesta breve abordagem à deficiência mental faz-se ape-nas revisão das definições mais comuns na investigaçãorecente. Nas sucessivas revisões do conceito e da classificação dedeficiência mental, é relativizado o QI como indicadorda deficiência mental, aceitando-se que «[o] QI comodado quantitativo em nada traduz a qualidade de orga-nização intelectual dum indivíduo, conhecimento esseque se revela determinante na compreensão da deficiên-

Aprendizagem Cooperativa na Deficiência Mental(Trissomia 21)

Maria Isabel Santo de Miranda CunhaLuísa Maria Nogueira Santos Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti

[email protected] [email protected]

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cia mental», (Ajuriaguerra, 1974, cit. Morato, 1995: 21).Por outro lado, tem-se também presente a ideia de quena aplicação dos instrumentos para avaliação da inte-ligência devem ser considerados factores que podemlimitar o seu rendimento.O QI revela-se assim uma visão muito limitada ao per-mitir a homogeneização do perfil cognitivo de pessoascom diferenças funcionais significativas, apesar de poderser igual o valor do seu QI Passam então a ser incluídas, para além das medidasintelectuais – funcionamento intelectual expresso atra-vés do QI, – as medidas sociais, designadas medidas deconduta adaptativa – que se prendem com o grau de efi-cácia do indivíduo em realizar os padrões de indepen-dência pessoal e de responsabilidade social esperadosde alguém do seu grupo de idade, origem sociocultural einserção cultural. A sequência de definições passa a ser reflexo doesforço em melhor compreender a deficiência mentale a vontade de implementar uma terminologia maisprecisa.Em 1992, a aamr redefine a deficiência mental, enfa-tizando as limitações relacionadas com o comporta-mento adaptativo: «a deficiência mental refere-se alimitações substanciais no funcionamento intelectualgeral abaixo da média, coexistindo com limitaçõesrelacionadas com duas ou mais das seguintes áreasde comportamento adaptativo: comunicação; tomarconta de si; vida doméstica; capacidades sociais; usodos recursos da comunidade; auto-determinação; saúdee segurança; funcionamento académico, lazer e traba-lho. A deficiência intelectual manifesta-se antes dos18 anos» (aamr, 1992, cit. Claudino, 1997: 27).A aamr (1992) introduz um aspecto inovador, afas-tando-se das definições de carácter globalista e salva-guardando a diversidade intra e interindividual daspessoas com deficiência mental. Esta deixa de ser vistacomo uma condição pessoal que implica incompetência

e passa a ser entendida como um conjunto de limitaçõesque condicionam a forma como o indivíduo se adapta aomeio. São, então, especificados padrões e intensidade deapoios necessários, dando enfoque não às pessoas e àssuas dificuldades mas aos tipos e quantidade de apoiosque necessitam para funcionar no dia-a-dia. Apresentaos seguintes níveis de apoio: intermitente (apoio apenasquando necessário, episódico), limitado (apoio duranteum período de tempo determinado, para realizar umatarefa específica), moderado (apoio regular em algunsambientes e sem prazo determinado) e difusivo (apoioconstante de alta intensidade, em vários ambientes, maisintrusivo que os anteriores).O dsm-iv-tr (2002), 4.ª edição revista do Manual deDiagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, refere-se atrês critérios de classificação: especifica que as caracte-rísticas essenciais da deficiência mental são o funciona-mento intelectual global inferior à média, este definidocomo um QI de 70 ou inferior (aproximadamente doisdesvios-padrão abaixo da média), acompanhado porlimitações no funcionamento adaptativo em pelo menosduas das áreas referidas na definição da aamr de 1992 eque tem início antes dos 18 anos.

Trissomia 21 – principal causa de defi-ciência mental

Considera-se importante o enquadramento teóricodesta síndrome, uma vez que esta é a principal causagenética de deficiência mental e, por outro lado, a defi-ciência mental tem sido considerada uma das caracterís-ticas mais constantes da Trissomia 21.No contexto histórico da deficiência mental, a Trisso-mia 21 manteve um estatuto mítico pela estigmatizaçãodas suas diferenças próprias e esteve envolta de um con-ceito de inferioridade.

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O termo Mongolismo, usado pela primeira vez comoum tipo de deficiência por Chambers (1844), encontra --se ligado a uma teoria de degenerescência racial. Lang-don Down (1866) revela-se um forte promotor damesma designação, interpretando os sinais típicos dofenótipo como estigmas de degenerescência. Relacionaos traços morfológicos típicos com a etnia mongol, con-siderada inferior na classificação da escala de desenvol-vimento humano: «[a] very large number of congenitalidiots are typical Mongols. So marked is this, that whenplaced side by side, it is difficult to believe that the spe-cimens compared are not children of the same parents.The number of idiots who arranged themselves aroundthe Mongolian type is so great, and they have such aclose resemblance to one another in mental power, thatI shall describe an idiot member of this racial division,selected from the large number that have fallen undermy observation» (Down, 1866, in Rynders, 1986, cit.Morato, 1995: 30). A designação Síndrome de Downsurge por referência ao trabalho deste autor.Embora as designações Síndrome de Down e Mongo-lismo se refiram à mesma anormalidade genética, a uti-lização da designação Trissomia 21 é a mais objectiva ehumanamente mais isenta de conotações míticas pré --deterministas e especulativas, como opina Morato(1995). As várias definições de Trissomia 21 tendem a ser muitosemelhantes, pelo que se optou por apresentar apenasuma. Morato (1992) refere-se a «uma alteração da orga-nização genética e cromossómica do par 21, pela pre-sença total ou parcial de um cromossoma (autossoma)extra nas células do organismo ou por alterações de umcromossoma do par 21, por permuta de partes com outrocromossoma de outro par de cromossoma» (p. 23). Emsuma, a Trissomia 21 é resultante de um processo irre-gular de divisão celular.

Caracterização da população com Trissomia 21

A forma mais frequente de descrever o desenvolvi-mento cognitivo na criança e no jovem com Trissomia21 é pelo atraso em comparação com a criança e o jovemditos normais. As investigações desenvolvidas no campo do desenvol-vimento cognitivo desta população têm posto a ênfasenos aspectos que diferem a organização e a estruturaçãodo desenvolvimento atípico. Entre as várias perspectivassobre o assunto, «a perspectiva mais comum sobre odesenvolvimento da criança e do jovem com Trissomia21 não é compreendê-la como diferente, mas sim apenascomo lenta e atrasada mas normal, ou seja, similar noquadro de referência comparativo com a criança semTrissomia 21» (Touwen, 1990, cit. Morato, 1995: 33).Contudo, alguns autores realçam a carga genética dosportadores de Trissomia 21 e apontam para uma especi-ficidade própria no modo como se processa o desenvol-vimento. Vinagreiro & Peixoto (2000) opinam: «[n]ãocompartilhamos, pois, a ideia de que a criança trissómica21 é lenta no seu sentido rigoroso. Admitimos, isso sim,de que existe uma maior viscosidade inter-estádios. Estepensamento tem legitimidade quando o trissómico 21 écomparado entre si e não quando é tomado como pontode referência a uma criança normal. Desta apreciação,peculiar, podemos inferir que a sua diferença lhe pro-porciona um modo próprio de procedimento em todasas acções» (pp. 48-49). Para os mesmos autores, o determinismo genético e ainteligência não devem ser tomados, em caso algum, nosentido estático, mas muito menos no caso desta popula-ção. Consideram que estes indivíduos aprendem a serinteligentes à medida que dominam o mundo que osrodeia e que procuram fazê-lo seu. O cérebro da criançae do jovem com Trissomia 21 está sempre a amadurecer eo interesse pelo conhecimento é grande, embora não sai-bam como o adquirir.

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Contudo, há que ter em conta as limitações decorrentesdo seu défice cognitivo que fazem com que, mesmotendo as mesmas possibilidades das outras pessoas paraa aquisição de capacidades perceptivomotoras, o trissó-mico 21 pode encontrar problemas na estruturação des-ses dados, de forma a que adquiram para ele a mesmasignificação que têm para a maioria dos membros dasociedade (Bautista, 1993).De uma forma geral, a criança e o jovem com défice cog-nitivo revelam dificuldades de abstracção, transferênciae generalização. Movem-se por imagens (concreto) enão por conceitos (abstracto), permanecendo maistempo que a criança e o jovem ditos normais no pensa-mento concreto. Apesar dos progressos registados nestapopulação, o raciocínio operatório não é compreendidopelo trissómicos, por exigir um complicado equilíbrio deabstracção, estacionando geralmente o seu raciocíniopara tarefas abstractas numa faixa que corresponde àevolução dos 7 ou 8 anos de crianças não trissómicas.Na área da linguagem, a criança e o jovem com Trisso-mia 21 apresentam dificuldades ao nível da fala, daexpressão, da compreensão, da síntese e da organizaçãodo pensamento. Schwartzman (1999) aponta a lingua-gem como a área onde a criança com Trissomia 21demonstra maiores atrasos (cit, Voivodic, 2004). Alguns dos trissómicos 21 dispõem de uma boa memó-ria de fixação, conseguida à base de hábitos; contudo,regra geral, possuem escassa memória de evocação, oque, por si só, dificulta a evocação do vocabulário e favo-rece a existência de falhas na construção gramatical dalinguagem. O facto da criança com Trissomia 21 nãoacumular informação na memória auditiva afecta, naopinião de Perera (1999), a produção e o processamentoda linguagem (cit, Voivodic, 2004). Contudo, apesardestes défices revelam maior competência ao nível damemória visual.É habitual ver a criança e o jovem com Trissomia 21alhear-se das tarefas, apesar do interesse em aprender.

Eles revelam-se menos concentrados e com grande pro-pensão para o cansaço e a fadiga. Embora com o tempoa sua capacidade de concentração evolua satisfatoria-mente, o cansaço e a fadiga aparecem rapidamente,importunando o seu esforço e fragilizando a sua energia.Necessitam de mais tempo para dirigir a atenção. Têmdificuldade em inibir ou reter as respostas, ficando adever-se a este factor uma menor qualidade das respos-tas e uma maior frequência de erro.O desenvolvimento destas crianças e destes jovensdepende fortemente de ajudas específicas. Daí que sejafundamental um atendimento ajustado à sua realidadee, neste âmbito, devem ser desenvolvidas estratégiasespecíficas que se adeqúem às suas necessidades e quelhe ofereçam condições que contribuam de forma signi-ficativa para minimizar o impacto da deficiência no pro-cesso do seu desenvolvimento.

Atendimento actual (ou ideal?) daescola à população com défice cognitivo

A História revela-nos que nem sempre foi uma priori-dade a actuação devida face a indivíduos que, por qualquermotivo, revelam uma particular diferença em relação ànormalidade. A forma de encarar a pessoa com deficiên-cia mental e o atendimento a ela prestado tem variado aolongo dos tempos, tal como variam as normas e as condu-tas que regem a sociedade. Tempos houve em que estadiferença era tida como algo penalizador, numa visão deinferioridade e despromoção, associada a actos de feitiça-ria e bruxaria; assim se justifica, por si só, a separação e asegregação desta população da restante comunidade.Apesar da controvérsia sobre o princípio da inclusão dascrianças com necessidades educativas especiais na escolaregular, este começa a receber uma atenção especial e,em Salamanca, em Junho de 1994, 300 participantes,

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em representação de 92 governos e 25 organizaçõesinternacionais reúnem-se na «Conferência Mundialsobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qua-lidade». A Conferência adopta a Declaração de Sala-manca sobre os Princípios, a Política e a Prática na áreadas Necessidades Educativas Especiais e um Enquadra-mento de Acção, reafirmando o compromisso para como princípio da Educação para Todos. «O princípio fundamental das escolas inclusivas con-siste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre quepossível, independentemente das dificuldades e dasdiferenças que apresente. Estas escolas devem reconhe-cer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos,adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendiza-gem, de modo a garantir um bom nível de educação paratodos, através de currículos adequados, de uma boaorganização escolar, de estratégias pedagógicas, de utili-zação de recursos e de uma cooperação com as respecti-vas comunidades» (unesco, 1994: 11-12).Postula-se, assim, que a escola se deve adequar aos alu-nos com necessidades educativas especiais através depedagogias capazes de ir ao encontro das suas necessi-dades e de oferecer-lhes as melhores oportunidades deprogressão. Segundo o mesmo documento, deve serdesenvolvida uma gestão mais flexível, redimensio-nando os recursos pedagógicos, diversificando as ofer-tas educativas, e apoiando os alunos com dificuldades.«É imperativo que haja uma mudança na perspectivasocial [nomeadamente na educativa], pois, por tempo jádemasiado longo, as pessoas com deficiência têm sidomarcadas por uma sociedade incapacitante que acentuamais os seus limites do que as suas capacidades»(unesco, 1994: 6-7).No dsm-iv-tr (2002) é feita uma referência que vaitambém no sentido de não observar necessariamente adeficiência mental como uma deficiência vitalícia: «[a]Deficiência Mental não é necessariamente uma pertur-bação que dure toda a vida. Os sujeitos cuja Deficiência

Mental Ligeira se manifestou cedo na vida pelos fra-cassos nas capacidades de aprendizagem escolar, comtreino apropriado e oportunidades adequadas, podemdesenvolver boas competências adaptativas noutrosdomínios e podem, a partir de um certo momento, dei-xar de apresentar o grau de deficiência requerido para odiagnóstico de Deficiência Mental» (apa, 2002: 47).Estudos comprovam que, em particular, o QI dos indi-víduos com Trissomia 21 tem demonstrado aumentossignificativos nas últimas décadas (Voivodic, 2004).Este facto evidencia que deve ser dada a devida impor-tância aos factores ambientais e às interacções (de qua-lidade) com o meio, já que estas crianças reagem deforma satisfatória às suas interpelações. É sabido quemuito se pode fazer para melhorar o futuro destas crian-ças e que o resultado de uma intervenção adequada àssuas características individuais e que objectivem a maxi-mização do seu potencial e da sua independência superamuitas vezes as expectativas iniciais. Para Vinagreiro &Peixoto (2000), «se existe algum milagre para o desen-volvimento global da criança portadora de Síndrome deDown, este chama-se Educação» (p. 11).Esta população precisa de uma aprendizagem sistemá-tica, programada em sequência e apresentada de formacompatível com o seu desenvolvimento – os conheci-mentos básicos antecedem os mais complexos, sendo apassagem de uns para os outros o mais lenta possível,tendo em conta a sua capacidade e não querendo intro-duzir vários assuntos duma só vez.Como é através dos sentidos, sobretudo do visual, que acriança e o jovem trissómicos 21 melhor dominam e seapropriam do mundo, devem ser-lhe facultadas expe-riências visuais enriquecedoras. Começando por algumasque envolvam coisas que já perteçam ao seu quotidiano,eles descobrem, de forma mais natural, outros mundos,incluindo o escolar.Dada a sua fraca capacidade de abstracção, deve evitar --se o ensino teórico e de mera representação de objec-

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tos, colocando a criança numa relação directa com osmesmos. Torna-se também fundamental enquadrar asaprendizagens nos meios em que realmente se vão con-cretizar: não se deve aprender a comprar, fingindo, antescomprando de verdade e de preferência na loja em quetem oportunidade de realizar as suas compras. Para queas aprendizagens possam ser utilizadas em situaçõesanálogas, é necessário repetir muitas vezes determinadatarefa, combinando objectos e situações, e trabalhar atéao ponto que garanta a retenção dos conhecimentospela criança ou pelo jovem.Para contornar a fadiga e a falta de concentração quedificultam a sua dedicação às tarefas, é preciso que osexercícios propostos sejam repetidos sempre de formaorganizada e sistemática. Dado que por vezes revelam comportamentos inade-quados, consideram-se úteis os procedimentos básicosde modificação de comportamento, recompensando oscomportamentos adequados e ignorando os inapropria-dos. «O princípio básico do condicionante operante,como proposto por Skinner, é o de que o comporta-mento da criança é determinado pelo modo pelo qual oambiente responde a ela. O comportamento recompen-sado se repetirá. Os comportamentos que não recebemreforço positivo desaparecerão gradativamente doreportório da criança» (Kirk & Gallagher, 1996: 171).A discrepância entre as idades mental e cronológicapode ser responsável por essa ausência de aceitaçãosocial, uma vez que provoca um maior contraste entre ascapacidades de interacção social entre os alunos. Muitasvezes, as crianças com défice cognitivo são vistas apenasde acordo com a sua idade mental, sendo assim coloca-das fora dos grupos da sua faixa etária. No entanto, ésabido que é através da interacção com os pares damesma idade e participando nas mesmas actividades queelas aprendem os comportamentos, valores e atitudesapropriados à sua idade. É, portanto, necessário desen-volver nelas as capacidades de linguagem, interacção e

comunicação, para que a sua inserção de manifeste maisproveitosa.

Currículos funcionais – uma alternativacurricular para a população com déficecognitivo

O processo educativo sempre envolveu a tomada dedecisões sobre o que ensinar e como ensinar. Contudo,estas decisões assumem contornos bem específicosquando se referem a crianças e jovens com deficiênciamental. Na perspectiva funcional do currículo, os programaseducativos procuram proporcionar um funcionamentoo mais autónomo e sociabilizado possível, com resulta-dos úteis para a vida em sociedade, deixando de parte asactividades não dignificantes e desarticuladas da idadecronológica dos alunos que até aos anos 70 preenchiamos seus currículos. Tratavam-se de programas simplistase redutores, vazios de conteúdo e descontextualizados,que apenas contribuíam para a infantilização, depen-dência e passividade dos alunos. Eram incapazes de pro-porcionar a esta população um funcionamento autónomoe sociabilizado, dado que os seus contornos claramentenada tinham de funcionais.Na década de 80, foram realizados nos Estados Unidosestudos com a finalidade de verificarem a eficácia dosprogramas aplicados a jovens com deficiência mental nainserção social e profissional pós-escolar. Da constataçãode que os programas aplicados a esta população não serevelavam eficazes, dado o elevado número de jovens eadultos sem emprego e sem condições de vida digna, nas-cem os currículos funcionais (Costa et. al., 1996). A cria-ção destes currículos vai ao encontro da preocupação demelhorar as condições de vida da pessoa com deficiênciae de promover a sua inserção social e profissional.

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A abordagem que se faz neste artigo à perspectiva fun-cional do currículo encontra-se estruturada com baseem critérios fundamentais para a selecção de actividadespara um currículo funcional apontados por Lou Brown(1986), autor de algumas das principais obras sobreperspectiva funcional em educação de alunos com defi-ciência mental (Brown, 1986, cit. Costa et al., 1996).Assim, para que uma actividade seja seleccionada paraum currículo funcional é preciso que se trate de umaactividade funcional adequada à idade cronológica doaluno. Para Lou Brown, actividade funcional é aquelaque, se não for realizada pelo aluno com deficiência, teráde ser realizada por outra pessoa. A abordagem funcio-nal do currículo aposta apenas em actividades que têm aver, na medida do possível, com a idade cronológica doaluno e que contribuem para a dignificação e a elevaçãodo seu status pessoal e social.A noção da funcionalidade implica a noção de utilidadede alguma coisa para uma pessoa em concreto. O currí-culo funcional revela-se, assim, como um projecto devida, um processo que se pretende individual e diferen-ciado curricularmente. O processo de selecção dos con-teúdos de aprendizagem são norteados pela expectativade poderem contribuir activamente para que a vidaactual e futura do aluno possa decorrer nos diversosambientes em que se insere – casa, comunidade, traba-lho e recreação-lazer. Como estes alunos levam mais tempo a aprender, apre-sentam dificuldades em memorizar e, consequentemente,em adquirir novos conhecimentos, as aprendizagensdevem ser objecto de uma prévia e cuidada programação,de forma a identificar as competências necessárias paradominar a aprendizagem decorrente das actividades apropor. Torna-se fundamental que estas contenham itenssusceptíveis de ser aprendidos num tempo razoável e quesejam praticados com frequência, por necessidade do dia --a-dia, pelo que só uma criteriosa selecção de conteúdosevita que se perca tempo com actividades inúteis.

As actividades que se revelem mais complexas e, cumu-lativamente, de extrema importância, devem ser decom-postas em formas mais simples de atingir os mesmosobjectivos, utilizando diferentes estratégias que as tor-nem mais acessíveis. Em último caso, deve-se preparar o aluno para, numcontexto específico, recorrer à colaboração de outraspessoas. «[E]stá presente o conceito de «participaçãoparcial», admitindo-se que é preferível que a criança ouo jovem realizem a tarefa, mesmo que necessitem deajuda para alguns dos passos a dar, ou que estes tenhamde ser realizados de modo diverso do habitual» (Costa etal., 1996: 63).Já foi referido neste projecto que estas crianças têm maisdificuldade em realizar as operações de abstracção,generalização e de transferência. Assim, revela-se essen-cial para o sucesso da implementação de um currículofuncional que, sempre que possível, as aprendizagensdecorram nos contextos e nas condições em que poste-riormente essas competências irão ser exercidas.O papel da família na implementação dum currículo fun-cional é determinante. Ninguém como a família paraconhecer profundamente os seus filhos, as suas necessida-des, expectativas e desejos. Espera-se, em particular, que oenvolvimento dos pais na definição e operacionalização deum currículo funcional faça com que estes desenvolvamconfiança em relação à possibilidade do seu filho frequen-tar espaços menos protegidos e consigam ter expectativasmais altas, o que também é um factor positivo na prepara-ção do aluno para a transição para a vida adulta.Como projecto de vida que pretende ser, o currículofuncional procura ainda alargar os espaços/ambientesem que a vida do aluno se desenrola; a segregação a quemuitos destes alunos se encontram sujeitos no seu dia --a-dia, leva-os a ter um número muito limitado de expe-riências, em constante contacto com as mesmas pessoas,desenvolvendo poucas actividades e interagindo pouco– ou mesmo nada – com os seus pares sem deficiência.

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Para facilitar a socialização e a integração, tem um papelprimordial na perspectiva funcional do currículo otreino da comunicação oral e de competências sociais,tais como a iniciativa para interagir, as repostas às inte-racções, os comportamentos sociais pessoais, os com-portamentos específicos de várias situações escolares,públicas, familiares e até laborais.

Exploração de uma nova forma de atendimento: a cooperação entre alunos

Como facto social que é, a educação operacionaliza-seem modos de ensino que tendem a ser consistentes como sistema de valores que rege a sociedade em cadamomento da história. Nas sociedades pré-modernas, aeducação e a formação decorriam da experiência aolongo da vida. A ausência de tecnologia condicionava acirculação de informação; a oralidade e o relaciona-mento presencial favoreciam a promoção da reciproci-dade e a cooperação: era valorizado o grupo e o outro,gerando-se sentimentos de generosidade e altruísmo.Com o desenvolvimento da industrialização e do mer-cado, a sociedade vê enfraquecidas as relações sociais,que tendem a adequar-se à filosofia do capitalismo libe-ral e da competitividade. No período designado pormodernidade, «a consciência colectiva perde muito doseu papel vinculador e o indivíduo ganha uma maiorautonomia e liberdade individual» (Aron, 1991, cit.Bessa & Fontaine, 2002: 21). Em particular, a escola vêem si reflectido o enfraquecimento da importância davida em grupo. A reciprocidade e a proximidade de rela-ções são postas de lado.A forma como é estruturado o espaço físico e social dasala de aula fornece ao professor o papel central, favore-cendo as interacções aluno-professor e inibindo as inte-

racções aluno-aluno. Ao professor, detentor do domíniode um saber (que é o mesmo para todos) e de um poder(socialmente valorizado e reconhecido), cabe a missãode transmitir com fidelidade o texto normativo, corri-gindo os desvios em relação às normas gerais de com-portamento e conhecimento. «A docilidade, passividadee obediência são recompensadas, enquanto a criativi-dade, a espontaneidade, a iniciativa e a autodetermina-ção são punidas e destruídas, replicando-se nas escolasentre alunos e professores, as mesmas relações de hie-rarquia e subordinação que se encontram nas empresas»(Bessa & Fontaine, 2002: 23).Na situação escolar habitual, o professor dirige-se aogrande grupo que é a turma. Cada aluno apreende amensagem individualmente, concretizando-se umaaprendizagem individualizada, que delega aos alunos aresolução dos seus problemas de aprendizagem. Estadelegação de responsabilidade, na opinião de Freitas &Freitas (2002), é muitas vezes a responsável pelo insu-cesso escolar: incapazes de compreender o que está a serestudado, sem qualquer outro suporte a não serem elespróprios, os alunos perdem a motivação e convivem comdúvidas sobre a sua capacidade de aprender, o que fazbaixar a auto-estima, que é considerada por muitosinvestigadores como um dos ingredientes mais impor-tante para o sucesso.Estas concepções de ensino afiguram-se completamentedesadequadas perante os valores que regem a sociedadecontemporânea. Para que a escola conceda aos indiví-duos a capacidade de agirem colectiva e democratica-mente, é preciso que ela deixe de ser a escola criada àimagem industrial. Ela precisa de ser capaz de promovere desenvolver indivíduos-cidadãos, no respeito e valori-zação da singularidade da pessoa humana e das suasexperiências, e numa perspectiva democrática. Os alunos que, por qualquer motivo, parecem tirarmenos partido das ofertas habituais da escola, são aten-didos na nova escola de forma diferente: o enfoque deixa

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de ser posto neles e nos atributos que parecem impedirque progridam e, passa a estar na busca de estratégiaspara colmatar as dificuldades detectadas nas actividadesescolares. A escola reorganiza-se de forma a forneceressa ajuda adicional sem que haja a divisão da populaçãoescolar em «tipos». Evita-se que os alunos com dificul-dades sejam ensinados de modos diferentes ou mesmopor professores diferentes. Em vez da tradicional procura de técnicas especializadasque possam ser usadas para melhorar as dificuldades deaprendizagem dos alunos individualmente, Ainscow(1996) crê que a tónica deve ser posta na procura demodos de criar condições que possam facilitar e apoiar aaprendizagem de todos os alunos. A este respeito, o autorcita Hart (1992), que sugere que as necessidades educati-vas não são especiais por mérito próprio, antes por propor-cionarem informação preciosa em relação à organização dasala de aula e às novas possibilidades de aperfeiçoamentoque, de outro modo, poderiam passar despercebidas.Para conseguir dar respostas mais cabais às necessidadesindividuais de cada aluno, os professores são convidadosa, entre outras estratégias, planificar para a classe comoum todo e fazer melhor uso da fonte de ajuda de tiponão profissional que são os próprios alunos. Ainscow (1997) vai mais longe «[p]ara além de realizaruma planificação que abranja todas as crianças, concluí-mos que é útil que os professores sejam estimulados autilizar de forma mais eficiente os recursos naturais quepodem apoiar a aprendizagem dos alunos. Refiro-me,de forma particular, a um conjunto de recursos que estãodisponíveis em todas as salas de aula e que, no entanto,pouco têm sido utulizados: os próprios alunos. Em cadaclasse os alunos representam uma fonte rica de expe-riências, de inspiração, de desafio e de apoio que, se forutilizada, pode insuflar uma imensa energia adicional àstarefas e actividades em curso» (1997: 16).A gestão das actividades da sala de aula é beneficiadacom a utilização de técnicas de trabalho de parceria

entre alunos. Estas parcerias possibilitam a diversidadede actividades, a ajuda entre alunos com diferentescapacidades e um atendimento mais individualizado eadequado a cada necessidade.Partindo do conhecimento que a aprendizagem estrutu-rada com base em actividades que envolvam outras pes-soas proporciona um maior número de estímulosintelectuais e fomenta a confiança, Costa (2000) apre-senta o «poder inter-pares» como «um meio impor-tante para ajudar todas as crianças a ter sucesso naaprendizagem» (p. 187).O uso do habitualmente designado ensino cooperativoé «uma poderosa estratégia de melhoria da prática nasala de aula» (Ainscow, 1996: 52) já que os alunos,espontaneamente ou como tutores que beneficiam damediação do professor, são muitas vezes mais eficazes doque os adultos na promoção de certas formas de ajuda,sejam elas de suporte social ou instrucional. Mas paraque a capacidade dos alunos se ajudarem se manifeste damelhor forma, é necessário que o professor lidere o pro-cesso, encoraje e coopere com os alunos.Porém, um número considerável de docentes resiste àutilização de grupos nas suas aulas. Pensam que, se porum lado, num grupo há sempre a possibilidade de haverquem trabalhe e quem se aproveite desse trabalho, poroutro, os grupos propiciam a existência de maior pertur-bação e indisciplina, nem sempre acompanhadas demaior produtividade.Revela-se, por isso, importante fazer a distinção entre asdiferentes formas de utilizar o grupo como estratégia detrabalho. Trabalho cooperativo nada tem a ver com o vulgotrabalho de grupo, não se resume a juntar alguns alunos edistribuir-lhes uma tarefa para resolver. O verdadeiro tra-balho cooperativo, aquele que é organizado estrategica-mente para que os resultados sejam os melhores possíveis,impõe que se definam com rigor um conjunto de regras ese ensine os alunos a respeitá-las e a cumpri-Ias. Para osucesso desta estratégia é determinante que os professores

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recebam formação adequada para que se sintam motivadosa ensinar e a trabalhar no sentido da cooperação.

Métodos de aprendizagem cooperativa

Passa-se a abordar uma parte da grande variedade demétodos de aprendizagem cooperativa. Vão desde osmuito prescritivos e concretos até aos muito conceptua-lizados e flexíveis. «Toda esta diversidade pode ser vistacomo uma fonte de poder em termos de flexibilidade eenriquecimento mútuo das diversas perspectivas, tendotodas as abordagens mais semelhanças do que diferen-ças» (Davidson, 1994, cit. Freitas & Freitas, 2002: 46).A ordem de apresentação é aleatória.

Learning Together

Os alunos são distribuídos por grupos heterogéneos de4/5 elementos, a quem são distribuídas fichas de traba-lho. Cada grupo elabora em conjunto a respectiva fichade trabalho e, no final, entrega uma única ficha pela qualo grupo será avaliado. A avaliação efectua-se com baseno produto do grupo, não estando presente o princípiotão caro a Robert Slavin da contribuição individual, emque os resultados do grupo são calculados a partir dasoma dos resultados obtidos pelos seus elementos(Bessa & Fontaine, 2002).

Jigsaw

Neste modelo, original de Elliot Aronson, o processode aprendizagem é estruturado de modo a que a com-petitividade individual seja incompatível com osucesso. O sucesso é resultado da colaboração entre os

alunos, que trazem para o grupo uma contribuiçãoúnica de conhecimento, tornando muito evidente osentido da interdependência. Esta, porém, reside naestrutura da tarefa uma vez que todos os elementosdependem dos colegas do grupo para poderem domi-nar o conjunto das matérias. Poder-se-ia pensar que,não estando prevista nenhuma recompensa com baseno produto do grupo, este facto influenciaria negativa-mente a cooperação entre os mesmos; segundo Kagan(1985) tal não acontece: a forte interdependência daestrutura de tarefa assegura a cooperação (cit. Bessa &Fontaine, 2002).A aplicação deste método inicia-se com a distribuição devários cartões que contêm informação específica acercade um determinado tema. A distribuição é feita pelo pro-fessor de forma a possibilitar que alunos com diferentesperfis possam ter acesso ao mesmo cartão. Cada ele-mento do grupo recebe um cartão diferente, que estánumerado de acordo com a sequência do tópico. A quan-tidade de informação e de cartões deve ser adequada àidade dos alunos, à dificuldade dos assuntos e ao grau defamiliaridade dos alunos com o método. Assim se consti-tuem grupos heterogéneos de 5/6 alunos.Posteriormente, o grupo divide-se e cada um dos seusmembros reúne-se noutro grupo, formado pelos ele-mentos dos vários grupos a quem foi atribuída a mesmatarefa de especialização. São formados os denominadosgrupos de especialistas, que analisam a informação dos car-tões, procedendo a uma exploração focalizada que lhespermita adquirir o domínio do tema atribuído e as com-petências necessárias para compreender essa informa-ção. Todos devem sentir-se capazes de transmitir essainformação aos elementos do seu grupo-base, o homegroup, quando a ele voltar.Já no grupo-base, todos os alunos devem analisar o assuntono seu conjunto, colocar questões e sintetizar as ideiasprincipais, após ouvirem os relatos individuais. O trabalhorealizado com as novas informações permite a interac-

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ção, a discussão com os colegas, tanto no plano cognitivocomo no social. Ter que explicar aos outros membros dogrupo as informações recolhidas, expor as posições a quese chegou e procurar realizar a integração do materialrecolhido e reflectido, são tarefas que contribuem deforma muito decisiva para a reorganização das ideias epara a restruturação do conhecimento. Este método deaprendizagem baseia-se, claramente, em abordagenscognitivistas da aprendizagem.A cada grupo cabe um líder que auxilia na organização efuncionamento do grupo, nomeadamente evitando ouresolvendo conflitos e servindo como modelador decomportamentos sociais e académicos. Este líder, aquem cabe também a função de estabelecer a ligaçãogrupo-docente, é escolhido pelo professor, pelo menosno início do uso desta metodologia. O anúncio do nomedo líder deve ser acompanhado por uma breve explica-ção e valorização do seu papel.

Group Investigation

O Group Investigation, método desenvolvido por ShlomoSharan na Universidade de Tel Aviv, em Israel, é, na opi-nião de Aronson & Patnoe (1997) e Slavin (1996), omais complexo de todos métodos de aprendizagem coo-perativa, ao combinar tarefas individuais realizadas porpares e em grupo e ao oferecer recompensas ao grupo,com base nas realizações de cada indivíduo (cit. Bessa &Fontaine, 2002).O docente coloca a turma perante uma temática, umatarefa complexa que pode ser abordada de diferentesformas. Depois dos alunos decidirem o que vão abor-dar, como o vão fazer e qual o objectivo final, o traba-lho é distribuído pelos seus elementos, que vãotrabalhar individualmente. A integração, o resumo e aapresentação de resultados são da responsabilidade docolectivo.

Um comité formado por representantes de cada um dosgrupos agenda as apresentações, determina a sua dura-ção e garante os recursos necessários. A avaliação conta com a participação do grupo e dos res-tantes elementos da turma, e tem um carácter mutidi-mensional e holístico, onde são tidos em consideraçãoquer os elementos cognitivos da aprendizagem, queroutros elementos como a motivação e o envolvimentodos elementos. No Group Investigation, encontramos uma estrutura coo-perativa quer em relação à tarefa quer em relação àrecompensa, uma vez que só é possível obter-se o pro-duto final do trabalho do grupo através do somatóriodos subtemas distribuídos a cada um dos elementos, e aatribuição duma recompensa ao grupo é feita com basenos desempenhos individuais.Student Team LearningNa lista dos vários métodos de aprendizagem em equi-pas de estudantes, Students Teams, desenvolvidos e inves-tigados na Johns Hopkins University, encontramos osstad – Student Teams Achievement Divisions; o tgt – TeamGames Tournament; o Jigsaw lI, um método desenvolvido apartir do modelo original; o tai – Team Accelerat lnstruc-tion; e, finalmente, o circ – Cooperative Integrated Readingand Composition. De todas estas variantes, as mais referen-ciadas são as stad e o tgt, pelo que se passa a analisarapenas estes métodos. Os alunos têm a responsabilidade de se assegurarem deque os seus colegas de equipa aprenderam as matérias,não podendo nenhum acabar o estudo sem que todostenham aprendido totalmente o assunto. Nesta organi-zação da classe, só quando todos os membros do grupoaprenderem o que foi estipulado o trabalho do grupo secompleta. As duas principais variantes, as stad e o tgt, diferen-ciam-se pela utilização de quizzes (testes de resoluçãorápida, normalmente de estrutura de escolha Verda-deiro e Falso, que permitem ao professor, com facilidade

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e rapidez, verificar se a matéria foi correctamente assi-milada) nas stad e de jogos académicos no tgt.Nas stad, o professor começa por formar grupos de 4/5elementos, que devem ser representativos da variedadeda turma em todos os aspectos, ou seja, devem ser obti-dos por um corte transversal da turma.Apresentada a matéria, as equipas trabalham sobre ela,realizando fichas, discutindo problemas e comparandorespostas numa prática rápida e de feedback imediato,onde os alunos se auxiliam de forma a prepararem-separa o momento de avaliação. Os membros devem dar oseu melhor pela equipa e a equipa deve dar o seu melhorpara ajudar os seus membros. Desta forma é introdu-zido um factor de responsabilização individual e depressão intragrupal, no sentido da melhoria sistemáticado desempenho e da obtenção do sucesso através dainterajuda.Findos os períodos de trabalho em equipa, os alunos res-pondem, individualmente e sem qualquer ajuda dosmembros da equipa, a um teste de conhecimento sobreos assuntos tratados. São verificados os progressos dosresultados individuais e é atribuída a cada aluno uma pon-tuação de melhoria. Cada elemento pode contribuir de igualforma para o sucesso do seu grupo, independentementede ser um bom ou mau aluno, uma vez que se pretendeavaliar os progressos em relação ao seu desempenho pas-sado, ao seu nível de realização anterior. Assim, a con-tribuição de cada um é independente da dos outros e donível de competências em que se encontram, sendoapenas dependente da sua aprendizagem individual.Pontuando acima de um determinado critério pré --estabelecido, a equipa ganha recompensas. Não hálugar para a competição uma vez que todos podemobter as mesmas recompensas. Inicialmente desenvolvido por David DeVries e porKeith Edwards e tendo sido o primeiro método deaprendizagem cooperativa criado na Johns HopkinsUniversity, o tgt só difere do método anterior num

momento: a seguir ao trabalho em equipa vêm jogos/torneios e não fichas de avaliação individual/questio-nários. Os torneios ocorrem, geralmente, no fim de uma semanaou da unidade. No primeiro torneio, os jogos realizam-seem mesas com três elementos, um de cada equipa. Osalunos são distribuídos pelas várias mesas do torneio deforma a garantir que os destacados para cada uma delaspossuam um grau de mestria muito semelhante, porforma a que a competição seja justa e possam contribuir,em igualdade, para os pontos da sua equipa. Apesar destaregra estar presente como critério na distribuição dosalunos, ela não é explicitamente divulgada. Assim, tere-mos grupos iniciais heterogéneos e, nas mesas, gruposhomogéneos.Os jogos realizados em cada mesa são compostos porperguntas simples acerca de aspectos relevantes da maté-ria leccionada. Após cada torneio e em função do desem-penho evidenciado, o nível de competências dos alunos éreavaliado, pelo que o melhor classificado em cada mesapassa a competir numa mesa ocupada por estudantes deum nível superior; o segundo classificado permanece namesma mesa; e o terceiro classificado passa para a mesacom resultados imediatamente inferiores. Há ainda a preocupação de, no desenrolar dos torneios,os alunos rodarem pelas várias mesas do mesmo nível, porforma a não competirem sempre com os mesmos colegas.

Benefícios da aprendizagem cooperativa

Embora datem do início do séc. xx os primeiros estudosacerca das estruturas cooperativas, só a partir da décadade 70 a aprendizagem cooperativa começa a afirmar-secomo forma alternativa, capaz de dar resposta a algumasdas manifestas insuficiências da forma de ensino domi-nante. Se é verdade que os métodos cooperativos de

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ensino-aprendizagem introduzem melhorias ao nível daqualidade da aprendizagem, não o é menos o seu impactonos resultados escolares e, em determinadas variáveissociocognitivas particularmente ligadas ao contextoescolar.Os efeitos da utilização destes métodos mostram umamaior eficácia da aprendizagem cooperativa em termosde promoção da aprendizagem, da realização escolar e damelhoria de resultados. Slavin (1991) vai mesmo maislonge ao afirmar que, de uma forma geral, o sucesso daaprendizagem cooperativa em comparação com outrasestruturas de aprendizagem se verifica em relação a todosos tipos de estudantes, independentemente do sexo, daetnia e da competência académica e em todos os níveis deensino, independentemente de as escolas se situarem emzonas rurais ou urbanas (cit. Bessa & Fontaine, 2002).A importância do elemento atitude na aquisição deconhecimentos parece empiricamente justificada. Con-tudo, verifica-se, efectivamente, que as atitudes seencontram positivamente relacionada com o trabalhoescolar: uma atitude positiva acerca de um determinadodomínio escolar conduz o indivíduo a um maior inte-resse e a um maior investimento; enquanto que, umaatitude negativa leva ao desinteresse pelas actividades,chegando mesmo ao seu evitamento. Por autoconceito designe-se a totalidade dos sentimen-tos e pensamentos que os indivíduos formulam acerca desi próprios. Embora não seja possível vê-lo, o autocon-ceito é considerado um aspecto fundamental para a com-preensão e a explicação do comportamento humano,nomeadamente nas relações que mantém com o meioenvolvente. O autoconceito dos alunos encontra-se tam-bém influenciado pelo meio: se colocado entre pares decompetência superior em determinado domínio, o alunotende a possuir um autoconceito inferior; o autoconceitoaumenta se o aluno for colocado num contexto em que ageneralidade dos seus pares detém um nível de compe-tências inferior ao seu.

No contexto nacional, Fontaine (1991) mostrou existiruma correlação positiva entre os resultados escolares e oautoconceito, sendo esta relação mais estreita quando éconsiderado especificamente o autoconceito académico(cit. Bessa & Fontaine, 2002).Na utilização de modos cooperativos de aprendizagem,os alunos tendem a sentir-se mais valorizados. Para talcontribuem os sentimentos de união partilhados emgrupo, o facto do sucesso individual estar perfeitamentecorrelacionado com o sucesso colectivo e, por conse-quência, o aluno sentir-se reconhecido e valorizadopelas suas competências. Albert Bandura, num artigo de 1977, define pela primeiravez a auto-eficácia como «a convicção que é possível ser --se bem sucedido na execução do comportamento neces-sário à produção de determinado resultado» e distingue asexpectativas de auto-eficácia de um outro tipo de expec-tativas, a que chama expectativas de resultados, definindoestas, como «a estimativa pessoal de que um determinadocomportamento levará a um certo resultado» (Bandura,1977, cit. Bessa & Fontaine, 2002: 108-109).Para Bandura, a auto-eficácia avalia se o indivíduo écapaz de lidar com as situações com que se depara. Daí anecessidade da distinção anterior: o conhecimento darelação entre comportamento e resultado não é sufi-ciente para motivar o indivíduo para a acção; este,mesmo entendendo que determinada conduta permitea obtenção de determinado resultado, pode não tomarem consideração essa informação. Um aluno até podesaber e aceitar que compreenderia melhor determinadamatéria se colocasse uma questão ao professor, mas ofacto de ter de se expor, admitindo que ainda nãodomina a matéria, pode inibi-lo de exibir essa acção.Os indivíduos com menores percepções de eficácia,quando confrontados com dificuldades, tendem a redu-zir os esforços ou até mesmo a desistir. Uma vez que, aaquisição de conhecimentos e o desenvolvimento decompetências se alcançam com esforço, persistência e

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até algum sacrifício, a aprendizagem pode ficar em riscose a percepção de auto-eficácia do indivíduo se encon-trar melindrada.Em contextos de aprendizagem cooperativa, os efeitos daauto-eficácia, apesar de teoricamente previsíveis, nãoforam ainda devidamente testados empiricamente. Crê --se que, ao partilharem-se as dificuldades com os pares,se diluem as diferenças individuais e se desencadeia umamaior motivação para a continuidade do esforço reque-rido pelo acto de aprender. Também «[o]bservar osoutros em desempenhos de eficácia pode elevar as expec-tativas de eficácia dos observadores que, ao identifica-rem-se como o modelo, julguem que também possuem ascapacidades necessárias para produzir desempenhossemelhantes» (Bessa & Fontaine, 2002: 112).Elliott & Dweck (1988) procuraram conhecer osmotivos que levam algumas pessoas a sentirem a suaintegridade ameaçada, quando confrontadas com ofracasso, e o que faz com que outras, na mesma situa-ção, se sintam motivadas para superar essas dificulda-des. Para tal, compararam diferentes objectivos derealização com diferentes padrões de orientação (cit.Bessa & Fontaine, 2002). Concluiram que os alunosque adoptam padrões de desistência e se orientampara o fracasso tendem a prosseguir objectivos centrados nosresultados. As dificuldades da realização fazem com querespondam de forma desadequada à situação: evitam osdesafios, escolhendo apenas as tarefas que sabem deantemão que são propensas a sucesso, prejudicandoassim o seu progresso escolar. O esforço é entendidocomo ameaçador por estes alunos, uma vez que, se nãoconduzir ao sucesso, constituirá prova da sua baixacapacidade. Por este motivo, tendem a esconder as suasdificuldades e não procuram a ajuda dos outros, sejameles os pares ou o professor. Por outro lado, os que são orientados pelo padrão dedesenvolvimento para a mestria procuram realizar objec-tivos centrados na aprendizagem. Independentemente dos

resultados finais, dedicam maior concentração e esforçoà realização da tarefa, entendem a situação como desa-fiadora e como uma oportunidade para o desenvolvi-mento das suas capacidades. O fracasso é visto apenascomo indicador da qualidade e adequabilidade dasestratégias adoptadas. Quando confrontados com oinsucesso, procuram desenvolver estratégias que lhespermitam vencer os obstáculos.Quando se fala em intervenção no domínio da motiva-ção para a realização, fala-se também no papel dos elo-gios. Os elogios a traços ou capacidades particularesconduzem os indivíduos a adoptarem objectivos de rea-lização centrados nos resultados e a exibirem padrõesmotivacionais mais débeis, sobretudo quando confron-tados com o fracasso. Por seu turno, elogios ao esforço eà persistência tendem a conduzir os indivíduos a adop-tarem objectivos de realização centrados na aprendiza-gem, com consequências ao nível da persistência, daatenção e da busca de estratégias adequadas.Os contextos cooperativos de aprendizagem procurampromover a orientação para objectivos de realizaçãocentrados na aprendizagem, uma vez que valoriza oesforço e a interacção entre pares, e associa o sucessoindividual a critérios de desenvolvimento intra-indivi-duais, de inter-ajuda e de sucesso geral. Assim, os indi-víduos tendem a exibir padrões de motivação para arealização mais adequados.

Da teoria à prática: as expectativas criadaspela investigação e pela literatura

São largamente reconhecidos pela literatura actual ocontacto e o convívio, no plano formal e informal, entrealunos com e sem dificuldades, entre alunos com e semdeficiências, como meios insubstituíveis de normaliza-ção dos comportamentos.

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Os benefícios desta interacção não ficam apenas do ladoda criança com deficiência, que recebe da outra umsuporte social (através da amizade, do apoio e da parti-lha de actividades nos diversos locais da comunidadelocal) e instrucional (no apoio à aprendizagem por imi-tação ou no desenvolvimento da aprendizagem coope-rativa). Também a criança que assegura a ajuda, ao lidarcom uma criança que é diferente, tem a oportunidade dedesenvolver maior capacidade, afectiva e cognitiva-mente construída, de aceitação da diferença. «A expe-riência da integração serve, também, para enriquecermosos outros alunos desenvolvendo neles sentimentos decompreensão, responsabilidade, paciência, respeito, capa-cidade para saber aceitar pessoas diferentes», como refe-rem Vinagreiro & Peixoto (2000: 62).A aprendizagem cooperativa apresenta-se, desta forma,como uma forma alternativa de ensino-aprendizagemque proporciona a interdependência, a reciprocidade e ahipótese de aprender e experienciar na escola os valoresda cidadania democrática. Para aguçar a curiosidade dequem lê este artigo, considere-se a situação verídica aseguir descrita, que poderia ser a fase exploratória dumprojecto de investigação.Escolheu-se uma turma de uma escola regular do centrodo país que acolhe no seu seio o João, um menino comTrissomia 21. O João é um rapaz simpático, educado esempre bem disposto, que tem 12 anos de idade e fre-quenta o 6.º ano de escolaridade. Habitualmente nãosegue as discussões da turma. Só está atento ao que lheagrada. Participa apenas nas actividades que mais gosta esó quando directamente solicitado. Para terminar astarefas precisa de muita ajuda. Tem um vocabuláriomuito pobre e limitado. Ao nível de leitura e escrita, nãolê, não escreve nem reconhece nenhuma letra. Há factores que podem ser vistos como elementos faci-litadores e promotores do sucesso da sua inclusão noensino regular: o João tem na sua turma os colegas da suaterra que o acompanham desde o primeiro ciclo e que

são óptimos colaboradores em tudo quanto se relacionacom o bem-estar do seu amigo; a sua família encontra -seaberta a novas experiências, desde que sejam para realproveito do seu educando; e a directora de turma man-tém com o João uma relação muito positiva e saudável.Como se pretendia averiguar os eventuais benefícios dotrabalho cooperativo da turma na implementação de umasituação de aprendizagem em favor do aluno, decidiu-sepropor como tarefa a familiarização do João com a ima-gem do seu próprio nome e a reprodução da mesma. Nãose pretendia que o João aprendesse a escrevê-lo, antes queaprendesse a desenhâ-lo, uma vez que esta foi consideradauma actividade funcional e proporcionadora de um parti-cular prazer pessoal para o João.Para se alcançar este objectivo através da aprendizagemcooperativa, o trabalho dentro da sala de aula foi reorga-nizado: o papel da professora passou a ser o de media-dora do ensino, a quem foi entregue material específicopara ser entregue aos alunos da turma. Durante um mês,foram semanalmente desenvolvidas as actividades pro-postas. Apesar do curto prazo de tempo em que desenrolaramessas actividades, os resultados fizeram sentir-se. A turmamostrou-se exigente para com o João, fazendo com queeste treinasse em primeiro lugar num caderno o dese-nho dos símbolos que compõem o seu nome, para sóentão passar para as folhas disponibilizadas para o efeito.A directora de turma comentou que os alunos procura-vam estratégias de ensino e, quando viam outros aimplementar estratégias que já sabiam não funcionar,sentiam necessidade de os informar do facto e de osorientar na sua intervenção. A turma considerava essaaula diferente e falavam dela com a professora durante oresto da semana. Considerou-se muito positivo o traba-lho desenvolvido, embora a avaliação se baseasse quasesó em factos e dados recolhidos informalmente. De qualquer forma, esta pequena experiência lançoupistas de reflexão, ideias e hipóteses de trabalho. Procu-

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rando tratar a pertinência do tema abordado de formaclara e não necessariamente convencional, a curiosidadeque pauta toda a abordagem pode ser traduzida atravésdo seguinte objectivo: determinar em que medida aturma, trabalhando cooperativamente e em colaboraçãocom o professor, é um meio eficaz de implementação deuma intervenção pedagógica de carácter funcional a umaluno com deficiência mental, nomeadamente comTrissomia 21. Numa expressão mais sucinta, pretende-seque a turma seja tutora do referido aluno.O trabalho desenvolvido entre ambas as partes, turma ealuno, revelar-se-ia mutuamente benéfico. Os alunos daturma teriam a oportunidade de lidar com a diferença e dese formarem como cidadãos, para além de exercitarem oseu pensamento – saber o que ensinar, por que ordemensinar, que tempo dipor para determinada tarefa, ...exige funções intelectuais significativamente desenvol-vidas. O aluno com deficiência mental teria o benefícioóbvio de usufruir de uma situação de aprendizagemdiferente e (espera-se) estimulante, que lhe permitiriaantecipar o desenvolvimento cognitivo devido à interac-ção com pares mais desenvolvidos cognitivamente.Apesar da turma exercer um maior poder e controlosobre a relação e a execução das actividades, crê-se quetal seria benéfico para o aluno com défice cognitivo. Paraque haja trabalho cooperativo nestes contextos, acre-dita-se que é mesmo necessário este maior controlo porparte da turma. O aluno com deficiência mental precisaque sejam desenvolvidas as suas capacidades de memó-ria, atenção, linguagem, comunicação, pensamento,... eesse desenvolvimento é beneficiado pela presença einteracção dos outros. Neste seguimento, acredita-seque seria benéfico, antes da intervenção, dar a conheceràs turmas alguns aspectos fundamentais que regem umaintervenção adequada com pessoas com deficiênciamental.

(Ousada) Antecipação de resultados

A ausência de orientações claras e consistentes ao nívelda literatura e da investigação sobre o uso da aprendiza-gem cooperativa em situações específicas – nomeada-mente em situações em que uma das partes envolvidasrevela particular especificidade, como é a deficiênciamental e a Trissomia 21 – não ajuda assim tanto a ante-cipação de resultados. Contudo, crê-se que uma inter-venção educativa da turma estimula a aprendizagem doaluno com deficiência mental, nomeadamente comTrissomia 21 e que o envolvimento da turma melhoraráa forma como o aluno com deficiência mental, nomea-damente com Trissomia 21, se sente acolhido na escola.É-se da opinião que quando as pessoas se envolvemnuma causa, seja ela de que índole for, se se enamoraremverdadeiramente por ela, a causa está ganha. Crê-se queos alunos nas idades do ensino básico, sobretudo nasidades do segundo ciclo, vão ligar-se a esta causa edemonstrar uma particular sensibilidade pelo tipo detarefa proposta. O envolvimento e o empenhamentosão vistos como ingredientes presentes na intervenção,fazendo com que esta resulte em aprendizagem para oaluno com deficiência mental.Mesmo que o aluno não evidencie a existência de umaconcreta melhoria na forma como se sente acolhido naescola, crê-se que esta interacção entre turma e alunoacentue os laços entre ambos. Mesmo não mostrando, aturma estará bem mais desperta para a realidade da defi-ciência mental. Contudo, com esta antecipação de resultados não sepretende enfatizar o que se espera serem dados favorá-veis. Também se tem a consciência que, embora setenham decretado muitas mudanças para a escola nosentido da valorização da diferença, da interajuda e dacooperação, ela vive ainda envolta de ideais de competi-tividade e de individualidade. Por este facto, aceita-se aideia de poder ocorrer um certo distanciamento e uma

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falta de disponibilidade individual, tanto dos alunoscomo até mesmo dos professores, que farão com que osresultados não sejam tão positivos como anteriormentese apresentaram.As significativas limitações desta abordagem à imple-mentação da aprendizagem cooperativa entre as popu-lações com e sem necessidade educativas especiais, nãopermite apresentar factos, conclusões; contudo, sãoreconhecidos o valor e a pertinência do tema, uma vezque não tem sido valorizado suficientemente o papelque os alunos podem exercer junto dos seus pares comdeficiência mental, e a grande expectativa que se man-tém pela observação efectiva dessa realidade. Este artigo pretende ser uma pequena contribuição parao despertar para o uso desse recurso tão abundante masigualmente tão desvalorizado que é a turma, e dessaestratégia tão defendida em termos de literatura masigualmente tão posta de parte na prática que é a apren-dizagem cooperativa.O uso de grupos na sala de aula não tem que significar,necessariamente, barulho, indisciplina e pouca produti-vidade. O uso de grupos é uma estratégia natural, quecoloca pares em interacção, num clima não competitivo,de fraternidade e ajuda, em que quem explica é capaz deter sentido, momentos antes, a dificuldade que o outrosente agora, e por isso sabe como lidar com ela comsucesso. O professor não se encontra tão próximo doaluno nem partilha momentaneamente estes esforços. Apesar das intervenções estarem programadas para con-tarem com a orientação do professor, seria interessantecolocar questionar em que medida a turma, trabalhandocooperativamente e sem essa orientação, mas apenascolaboração, pode estimular a aprendizagem de umaluno com deficiência mental, nomeadamente comTrissomia 21. Sugere-se que, apresentada a finalidade daintervenção, seja da exclusiva responsabilidade da turmaa formulação e adopção de estratégias. Seria um exce-lente tema para desenvolver na área curricular não dis-

ciplinar que o currículo do ensino básico prevê. Umaárea que deve ser trabalhada no sentido de dar respostaa uma situação problemática escolhida pela turma,denomidada Área de Projecto.Estas são algumas pistas, para uma reflexão, que não sepretende findar aqui, mas que se espera continuar aaprofundar noutros contextos, sejam eles formais ouinformais.Seria bom sinal que este artigo servisse de pista a pro-fessores de ensino regular que se encontram no terrenoe desejam experimentar processos de mudança paramelhoria da qualidade de ensino dos indivíduos comdeficiência mental e, mais em geral, da qualidade de for-mação de todos os alunos. Que não esmoreçam com osobstáculos. Muito menos com a falta de recursos mate-riais. Nada se compara aos recursos humanos, à capaci-dade de envolvência e dedicação de pessoas sensíveis àsdificuldades do próximo.

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Declarações Mundiais Declaração dos Direitos da Criança, 1924Declaração de Salamanca, 1994Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948

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