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Anais do XI Encontro Nacional de Educação Matemática – ISSN 2178–034X Página 1
APRENDIZAGEM MATEMÁTICA: POR UMA GEOGRAFIA DE SUCESSO
Alexandre César Gilsogamo Gomes de Oliveira
Universidade de São Paulo - USP
Resumo:
O presente artigo visa demonstrar e compreender os critérios de escolha de duas escolas
municipais periféricas na cidade de São Paulo, tais unidades, são campos de uma pesquisa
etnográfica que objetiva entender se a questão geográfica é determinante na aquisição do
conhecimento matemático. A opção por ambas parte dos últimos resultados da Prova
Brasil e Prova São Paulo – avaliações governamentais que aferem o aprendizado escolar –
bem como, suas proximidades em relação aos contextos culturais, históricos e sociais.
Palavras-chave: ensino de matemática; avaliação externa; etnografia; periferia; cultura.
1. Introdução
A educação escolar, em seus aspectos pedagógico e administrativo, é composta por
complexas relações entre educadores1 e educandos. O desenvolvimento e a estruturação do
ambiente escolar são delimitados por algumas ações: elaboração de um projeto político-
pedagógico, constituição de uma proposta curricular, idealização das
intervenções/contribuições em sala de aula, formações com o corpo docente e demais
educadores, gestão democrática, participação da comunidade, interação efetiva entre
alunas/alunos e os processos educativos, dentre outras.
De maneira geral, as avaliações nas escolas públicas dividem-se em internas e
externas. As internas são aquelas desenvolvidas pelos educadores envolvidos com os
educandos cotidianamente. Estas avaliações – com características subjetivas e objetivas –
acontecem de acordo com os perfis/conceitos avaliativos de cada profissional e/ou gestores
(coordenação pedagógica e direção). Geralmente apresentam-se como: escritas, orais,
1 O termo educador, neste contexto, não é sinônimo apenas de professor. Na escola todos são educadores:
desde os funcionários da limpeza, cozinha, vigilância, inspetoria e secretaria, bem como, os professores e
gestores.
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trabalhos manuais, pesquisas, expositivas (seminários), individuais, em duplas ou grupos,
diagnósticas, autoavaliações, diárias, mensais e outras. Neste sentido, não existem
formatos pré-estabelecidos. As mesmas são definidas de acordo com os planos de aula
definidos ou em consonância com o projeto pedagógico estabelecido entre os educadores
da unidade escolar.
As denominadas avaliações externas são realizadas “por pessoas que não estão
diretamente ligadas com o objeto de avaliação, nem com os alunos/as, com objetivo de
servir ao diagnóstico de amplas amostras de sujeitos” (SACRISTÁN & GÓMEZ, 1998, p.
318). São instrumentos utilizados por instâncias governamentais que têm por objetivo,
dentre outros, “monitorar” a qualidade de ensino, bem como, avaliar se os investimentos
em educação pública estão sendo aplicados de forma esperada. Segundo Nóvoa:
A avaliação das escolas deve basear-se em dispositivos simples e exequíveis, que
permitam uma regulação no decurso dos projectos, e não apenas um balanço
posterior. É frequente a aplicação descontextualizada de processos e de
instrumentos de avaliação conduzindo a dissonâncias de diversa ordem. Neste
sentido, é importante que a avaliação respeite critérios de pertinência, de
coerência, de eficácia, de eficiência e de oportunidade. (1992, p. 32.)
No entanto, não há consenso entre a eficácia das avaliações externas, enquanto
alguns educadores acreditam que seja um meio de garantir a equidade do aprendizado
escolar, outros apontam que somente o investimento na carreira e formação das educadoras
e educadores é que podem contribuir para se alcançar objetivos qualitativos e, que, apenas
“rankeando” as escolas não trará os benefícios almejados ao processo educacional, ou seja:
A verdade é que tal sistema classificatório é tremendamente vago no sentido de
apontar as falhas no processo. Não aponta as reais dificuldades dos alunos e dos
\professores. Não sugere qualquer encaminhamento, porque discrimina e leciona
antes de mais nada. Apenas reforça a manutenção de uma escola para poucos.
(HOFFMANN, 2001, p.26).
O Ministério da Educação, por meio do Inep2, aplica a Prova Brasil
3, onde são
avaliados os alunos de anos finais de ciclo, ou seja, 5º ano (4ª série) e 9º ano (8ª série) em
2 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
3 A Prova Brasil faz parte do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e avalia duas
competências dos alunos: a de leitura e interpretação de textos (português) e a resolução de problemas
matemáticos (matemática).
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Matemática e Português. As provas são bienais e servem para a elaboração da nota do
Ideb4, tal processo faz parte do Saeb:
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é uma avaliação externa em
larga escala aplicada a cada dois anos. Seu objetivo é realizar um diagnóstico do
sistema educacional brasileiro e de alguns fatores que possam interferir no
desempenho do aluno, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino que
é ofertado. As informações produzidas visam subsidiar a formulação,
reformulação e o monitoramento das políticas na área educacional nas esferas
municipal, estadual e federal, contribuindo para a melhoria da qualidade,
eqüidade e eficiência do ensino.5
A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME) tem como diretriz a
aplicação da Prova São Paulo. Todos os alunos de todos os anos realizam esta avaliação
anualmente, que é planejada de acordo com os “Cadernos de Apoio e Aprendizagem” –
material didático destinado à utilização em sala de aula. Porém, sua utilização não tem o
caráter da obrigatoriedade e fica condicionada aos planos de aula e projeto pedagógico
previamente acordados.
Avalia os alunos de todos os anos em Língua Portuguesa (juntamente com uma
produção de texto), Matemática e, no último ano (2012), tivemos questões de Ciências.
Existe ainda, a perspectiva de que a partir deste ano (2013) sejam abordadas as disciplinas
de História e Geografia.
A Avaliação é constituída segundo as determinações constantes na Lei nº 14.0636.
Sendo assim definida pela SME:
A Prova São Paulo, é um dos instrumentos que compõe o Sistema de Avaliação
de Aproveitamento Escolar dos Alunos da Rede Municipal de Ensino de São
Paulo, de características de avaliação externa e de larga escala cujos objetivos
são:
I - desenvolver um sistema de avaliação do desempenho escolar dos alunos do
ensino fundamental e médio da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, que
subsidie a Secretaria Municipal de Educação nas tomadas de decisão quanto à
Política Educacional do Município;
II - verificar o desempenho dos alunos nas séries do ensino fundamental e médio,
nos diferentes componentes curriculares, de modo a fornecer ao sistema de
ensino, às equipes técnico-pedagógicas das Coordenadorias de Educação e às
Unidades Educacionais.7
4 O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado pelo Inep/MEC e busca representar a
qualidade da educação a partir da observação de dois aspectos: o fluxo (progressão ao longo dos anos) e o
desenvolvimento dos alunos (aprendizado). 5Sítio do INEP – (http://portal.inep.gov.br).
6Promulgada em 14 de outubro de 2005, onde institui o Sistema de Avaliação de Aproveitamento Escolar dos
alunos da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, sob responsabilidade da Secretaria Municipal De
Educação. 7Portal da Secretaria municipal de Educação de São Paulo (http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br).
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Atualmente os resultados da Prova São Paulo aliados ao questionário
socioeconômico respondido pelos alunos durante a realização da prova servem de base
para o cálculo do Indique8.
No ano subsequente a realização da prova, cada unidade recebe os resultados
referentes ao desempenho de cada aluno (nominalmente), separado por disciplinas. Tais
resultados são contrastados entre a DRE (Diretoria Regional de Educação), em nosso caso
São Miguel Paulista, aos de SME (Secretaria Municipal de Educação), que abrange toda a
cidade de São Paulo.
2. A geografia e o aprendizado matemático
A pesquisa que se inicia propõe uma investigação em duas escolas municipais no
Distrito Jardim Helena9 escolhidas com base no último nos resultados da Prova Brasil
(2011), Prova São Paulo (2012) e por suas classificações no Índice Paulista de
Vulnerabilidade Social10
, ambas se enquadram no Grupo 611
.
8Segundo a Secretaria Municipal de Educação (http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br): O Índice de Qualidade
da Educação (Indique) foi criado para medir o desempenho das escolas da Rede Municipal de Ensino,
levando em conta as diversas dimensões que determinam seus resultados, buscando um retrato real e justo de
cada unidade. Não se trata de buscar uma média – excludente quando se fala em educação – nem de fazer um ranking. da Educação (Indique) foi criado para medir o desempenho das escolas da Rede Municipal de Ensino, levando em conta as diversas dimensões que determinam seus resultados, buscando um retrato real e justo de cada unidade. Não se trata de buscar uma média – excludente quando se fala em educação – nem de fazer um ranking. 9Jardim Helena é um distrito situado no extremo leste do município brasileiro de São Paulo. A história do
Jardim Helena teve início com a exploração pelos portugueses no início do século XVII, com a doação de
sesmarias. Consta que entre o período de 1610 e 1611, o Bandeirante Domingos de Góes virou "sesmeiro"
das terras da região do "boi sentado" que estão localizadas nas proximidades do Rio Tietê. Elas foram
passadas para o controle dos padres carmelitas em 1621. Nesse período foi construído uma capela
denominada Nossa Senhora da Biacica (esse nome vem do tupi "imbeicica" ou "cipó resistente", facilmente
encontrado no rio Tietê), capela essa que é considerada como um marco da colonização da região. A parte
oeste do distrito teve como núcleo inicial a chamada Capela dos Índios, uma igreja construída no século XVI
para o aldeamento de indígenas da região. (Prefeitura de São Paulo – prefeitura.sp.gov.br). 10
O Sistema de indicadores que compõem o Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) foi criado a
partir da solicitação, em 2000, da Assembleia Legislativa do Estado à Fundação Seade, para a construção de
indicadores que expressassem o grau de desenvolvimento social e econômico dos 645 municípios do Estado
de São Paulo. A partir desse sistema de indicadores, a Assembleia Legislativa passou a dispor de novos
subsídios para a reflexão a respeito dos elementos que induzem diferentes desempenhos econômicos e sociais
dos municípios paulistas. 11
Grupo 6 – Vulnerabilidade Muito Alta (Segunda pior renda, baixo nível de escolaridade, chefes jovens,
presença significativa de crianças). É uma comunidade bastante carente em seus aspectos sociais, ou seja,
ruas não pavimentadas, saneamento básico precário, casas (muitas construídas em madeira e em região de
ocupação) a margem de um córrego (afluente do rio Tietê) totalmente poluído, escassez de áreas de lazer (a
quadra da escola talvez seja a única.
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Distrito é uma denominação recente na geografia paulistana, os antigos bairros
foram reagrupados em 96 distritos. O Distrito Jardim Helena é uma formação que abarcou
regiões que antes pertenciam aos bairros São Miguel Paulista e Itaim Paulista.
No quadro abaixo podemos visualizar a sua localização – extremo leste paulistano –
e verificar algumas características fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE):
Área 9,1 km²
População 153.634 habitantes
Densidade 168,83 habitantentes/ km²
Renda média R$ 584,04 por habitante
IDH12
0,751 (91º lugar entre os 96 distritos da capital)
DISTRITO JARDIM HELENA
As escolas (EMEF Prof. Flávio Augusto Rosa e EMEF Capistrano de Abreu) estão
localizadas em uma região chamada Vila Itaim e estão muito próximas em relação às suas
posições geográficas (aproximadamente três quadras). Tais unidades educacionais foram as
escolhidas para o trabalho de campo da presente pesquisa e apresentaram as seguintes
características em relação aos dados das últimas avaliações externas realizadas:
12
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três
dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde.
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PROVA BRASIL – IDEB13
EMEF PROF. FLÁVIO AUGUSTO ROSA
2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Crescimento 12% 0% 3%
Ideb 3.3 3.7 3.7 3.6
Meta 3.3 3.4 3.7 4.1 4.5 4.8 5.0 5.3
EMEF CAPISTRANO DE ABREU
13
Dados obtidos junto ao Inep/MEC em relação à última aplicação da Prova Brasil em 2011
(http://inep.gov.br).
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2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Crescimento 10% 5% 5%
Ideb 4.1 3.7 3.9 4.1
Meta 4.1 4.3 4.6 5.0 5.3 5.6 5.8 6.0
PROVA SÃO PAULO14
EMEF PROF. FLÁVIO AUGUSTO ROSA
14
Resultados disponíveis no sítio da Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo
(http://portalsme.sp.gov.br).
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EMEF CAPISTRANO DE ABREU
Parte-se destes dados “quantitativos” por acreditar em uma mensuração mais
efetiva, porém, o conceito de avaliação é amplo e complexo. Com base nessas escolhas de
escolas o trabalho de investigação inicia-se: até que ponto a localização geográfica
influencia no aprendizado (matemático), em caso afirmativo, quais aspectos escolares e
não-escolares estão no caminho?
3. Primeiras questões…
Nasci e moro na região há quatro décadas, vivenciei várias escolas, fui gestor em
algumas e atualmente leciono na Emef Raimundo Correia. Recentemente, entrevistei
alguns alunos que obtiveram classificação “adequado” em matemática nos anos de 2010 e
2011 na Prova São Paulo15
(os resultados de 2012 ainda não estão disponíveis), os quais
também tiveram bom desempenho em Português e Ciências – fato que deve se levar em
conta durante o processo que se começa. Mediante as respostas apontadas por estes alunos,
elencamos algumas hipóteses:
- Estes alunos avaliaram a escola como ideal, seja para adquirirem conhecimentos
(matemáticos e outros) que os ajudarão em suas vidas, seja como um ambiente favorável
nas relações pessoais.16
Diante desta interpretação feita por “bons” alunos, é possível
afirmar que todos veem a instituição que estudam dessa mesma forma? Como será que os
15
É importante ressaltar que somente na Prova São Paulo é que temos acesso às notas individuais dos alunos.
A Prova Brasil apresenta o resultado dividido em turmas. 16
Em uma escala de 0 a 10, os alunos entrevistados atribuíram conceitos 8 a 9 à escola e aos educadores.
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alunos classificados como “maus” avaliam sua escola? Será que os educadores se
relacionam com os alunos de diferentes perfis da mesma maneira? A escola não é
uniforme, feita somente de alunos considerados “ideais”, há uma heterogeneidade que
precisa ser absorvida por todos. De fato, para Hall (2011, p.17):
A sociedade não é, como os sociólogos pensaram algumas vezes, um todo
unificado e bem delimitado, uma totalidade, produzindo-se através de mudanças
evolucionárias a partir de si mesma, como o desenvolvimento de uma flor a
partir do seu bulbo. Ela esta constantemente sendo “descentrada” ou deslocada
por forças fora de si mesma.
- Todos os estudantes responderam que possuem o hábito de ler.17
Será que
podemos considerar que a leitura é um fator preponderante no rendimento escolar em
matemática? Em caso afirmativo, de que maneira os educadores (matemáticos) podem
mediar ações que contribuam neste sentido? Há a necessidade de estreitar a relação
educador/educando, o professor pode ser o impulsionador de transformações, para tanto, é
primordial que conheça melhor seus alunos. Nesta perspectiva:
A intenção maior é a de propiciar uma transformação da relação que os
professores e professoras têm com o desconhecimento sobre quem são seus
educandos, o que conhecem e como conhecem sobre eles de modo a propiciar
um outro discurso, outra forma de ver e de ser dos formadores, assim como criar
oportunidades para a nossa transformação como educadores. (DOMITE,
2011, p.8).
- Os adolescentes relataram que seus responsáveis acompanham de perto o seu
desenvolvimento escolar e que tal fato influencia diretamente em seus aproveitamentos.18
Quais são as concepções e conceitos presentes na relação família-escola dos alunos que
não “aprendem” matemática? Será que suas rotinas diárias permitem tal acompanhamento?
A escola tem se ocupado destas questões?
- Em suas análises, os “bons” alunos possuem atitudes em sala de aula que
favorecem o aprendizado matemático.19
Quais motivos fazem com que os “outros”
estudantes não tenham tais comportamentos? Será que uma proposta curricular matemática
17
O questionário foi aplicado logo após o recesso de julho e todos afirmaram que leram livros (inclusive
disseram os títulos), revistas e histórias em quadrinhos neste período de férias. 18
Verificar os cadernos (diariamente), perguntar sobre as atividades desenvolvidas, auxiliar nos trabalhos
escolares e custeios de cursos externos, são algumas das iniciativas citadas. 19
Estes fatores são: esforço pessoal, “prestar atenção” nas aulas, “tirar” as dúvidas e não “bagunçar”.
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que reconheça a diversidade cultural presente na escola favoreceria uma mudança deste
contexto? Neste sentido, Cevasco (2003, p.110) propõe: “em educação, o esforço deve ser
o de promover um “letramento cultural”: abrir a possibilidade para que todos detenham o
poder de interpretar e de usar criativamente signos e formas de organização da cultura”.
O sociólogo Pierre Bourdieu (1977) sugere que cada indivíduo vive em um
processo dialético com o espaço social do qual participa, determinando e sendo
determinado por ele, construindo – consciente e inconscientemente – um conjunto de
disposições a fazer chamado “habitus”. Segundo Nogueira & Nogueira:
Bourdieu realça essa dimensão flexível do habitus, o que ele chama de relação
dialética ou não mecânica do habitus com a situação, antes de mais nada, como
forma de recaída no objetivismo. (Bourdieu) insiste que o habitus seria fruto da
incorporação da estrutura social e da posição social de origem no interior do
próprio sujeito. (2009, p. 25).
Assim, a eficiência das escolas e de alguns de seus alunos nos exames pode estar
ligada não somente a bons índices socio-econômicos, como as escolas comparadas aqui
deixam revelar, mas a disposições culturais adquiridas durante a trajetória desses
indivíduos. Quer-se compreender também como as escolas, e não somente seus alunos,
reagem a toda a estrutura avaliativa submetida pelo governo.
4. Uma perspectiva etnográfica
A pesquisa que se propõe possui características etnográficas, isto é, pretende-se
perceber, ao longo de 2013, todos os aspectos “escondidos” que constituem as
especificidades de cada espaço escolar escolhido. Cabe nos atentar em todos elementos: as
ações administrativas; as mediações pedagógicas que asseguram o processo de ensino e
aprendizagem; as relações com a comunidade local; a integração entre a comunidade
escolar; os colegiados que favorecem o protagonismo juvenil; a percepção de uma gestão
democrática, dentre tantas outras que possam embasar futuras constatações.
A escola é constituída dentro de um contexto histórico que muitas vezes não são
percebidos por todos, mas que justificam ou explicam muitas características intrínsecas. As
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peculiaridades presentes na comunidade influenciam direta e indiretamente na realidade
escolar.
Concebo as escolas como lugares “permeáveis” aos processos culturais e sociais
do entorno. Nesta ótica, a escola deixa de ser uma instituição “relativamente
autônoma”, que se reproduz por si mesma, quase imutável. É, por outro lado, um
ambiente no qual podem ocorrer diversos processos sociais e culturais.
(ROCKWELL, 2005, p. 45).
O objetivo é uma percepção qualitativa dos processos, uma reflexão e análise
amplas do que se pretende, uma abordagem holística dos contextos escolares e não-
escolares, e, sobretudo, apreender e compreender a diversidade das manifestações que se
fazem presentes: “ (…) compreender melhor a manifestação geral de um problema, as
ações, as percepções, os comportamentos e as interações das pessoas (…) relacionadas à
situação específica onde ocorrem ou à problemática determinada à que estão ligadas”
(LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.18).
A metodologia de análise se dará de duas maneiras distintas:
Primeiramente, permearemos as escolas eleitas com a intenção de se “apropriar”
dos processos administrativos e pedagógicos, estas ações se dividirão em: participar das
formações coletivas entre educadores e coordenador pedagógico (Jornada Especial Integral
de Formação – JEIF); presenciar os colegiados escolares (conselho de escola, conselho de
classe, reuniões pedagógicas, grêmio estudantil, associação de pais e mestres e reunião de
responsáveis); visualizar os intervalos dos educandos (refeição, brincadeiras, interações
entre os mesmos); acompanhar as turmas de ciclo II (6º ao 9º ano) nas aulas de
matemática.
A segunda etapa da pesquisa consiste em identificar algumas educandas e
educandos que tiveram desempenho distintos, ou seja, “avançado” e “abaixo do básico” na
Prova São Paulo de 2012, já que é possível conhecermos os resultados individualmente.
Diante destes, acompanhá-los em sua cotidianidade “longe” da escola; conhecer suas
rotinas não-escolares; perceber hábitos, experiências, costumes, tradições, brincadeiras; as
relações responsável-aluno; o processo da educação familiar; interagir com seus
responsáveis; refletir sobre a vida (escolar).
5. Considerações
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O percurso da pesquisa, inicialmente, encontra-se delimitado, todavia, nos cabe
percorrê-lo, entender este “dia após outro” dentro e fora dos muros institucionais. Nos
parece que a questão da cotidianidade será primordial, principalmente, em seus singelos
detalhes que, muitas vezes, é tratado na escola de maneira superficial, ele é aceito e
utilizado “em sua acepção cotidiana e de forma cotidiana, ou seja, é adotado o significado
corrente e natural da palavra e isso é feito de forma espontânea, não reflexiva, como uma
obviedade”. (HELLER, 1977, p.35).
Em que medida, nós, enquanto educadores matemáticos apreendemos estes
delicados viéses que podem ser fundamentais quando idealizamos um ensino (matemático)
de qualidade?
A prática permanente de apropriação por sujeitos individuais, que se reúnem na
escola, como professores e alunos, produz a diversificação, a alteração, a
historização da realidade escolar. Tanto para o “controle” estatal como para
qualquer tentativa de transformação voluntarista, a escola constitui uma
“realidade rebelde” . Sua trama específica, seu vínculo com outros âmbitos
sociais, não são deduzidos de relações universais, mas são produtos de uma
construção social. (EZPELETA & ROCKWELL, p.72).
Com efeito, entendo que devemos realmente conhecer as educandas e educandos,
seus hábitos, suas perspectivas, suas experiências: o entorno. Posto, acredito que devemos
(re) pensar o ensino da matemática holisticamente, melhor, refletir sobre onde a escola
encontra-se inserida geograficamente aliado aos contextos histórico, social e cultural.
6. Referências
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CEVASCO, M. E. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo: Boitempo, 2003.
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