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APRESENT AÇÃO C umprindo sua vocação, a Adusp-S. Sind., traz a público o primeiro número da Revista Adusp. Nossa proposta é apresentar reflexões sobre questões de caráter acadêmico e de conjuntura nacional, importantes para todos, enquanto docentes e cidadãos. Nossa expectativa é mostrar, nestas questões, os ângulos menos explorados ou esquecidos pelas publicações tradicionais, de modo a estimular o posicionamento crítico que deve caracterizar a postura do cientista e do intelectual. Neste sentido, a Revista coloca-se como um fórum de debates e se abre como veículo de divulgação de propostas, de análises, e de experiências de lutas pela educação brasileira e completa democratização do país. Pretende, finalmente, constituir-se no instrumento que integra a dupla vocação de um sindicato de docentes, caracterizado pela vertente sindical e pela vertente acadêmica. A Revista está sob responsabilidade de uma Comissão Editorial autônoma e independente da diretoria da Adusp e consideramos fundamental que ela constitua um elo de comunicação efetiva com os docentes da Universidade de São Paulo. Esperamos que nossa comunidade se engaje conosco na produção e divulgação da Revista Adusp e, sobretudo, na reflexão crítica que ela busca concretizar. A Diretoria

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APRESENTAÇÃO

Cumprindo sua vocação, a Adusp-S. Sind., traz a público oprimeiro número da RReevviissttaa Adusp. Nossa proposta é

apresentar reflexões sobre questões de caráter acadêmico ede conjuntura nacional, importantes para todos, enquanto

docentes e cidadãos. Nossa expectativa é mostrar, nestas questões, osângulos menos explorados ou esquecidos pelas publicações tradicionais,de modo a estimular o posicionamento crítico que deve caracterizar a

postura do cientista e do intelectual. Neste sentido, a Revista coloca-secomo um fórum de debates e se abre como veículo de divulgação de

propostas, de análises, e de experiências de lutas pela educação brasileirae completa democratização do país. Pretende, finalmente, constituir-se

no instrumento que integra a dupla vocação de um sindicato de docentes,caracterizado pela vertente sindical e pela vertente acadêmica. A Revista

está sob responsabilidade de uma Comissão Editorial autônoma eindependente da diretoria da Adusp e consideramos fundamental que

ela constitua um elo de comunicação efetiva com os docentes daUniversidade de São Paulo. Esperamos que nossa comunidade se engaje

conosco na produção e divulgação da RReevviissttaa Adusp e, sobretudo, nareflexão crítica que ela busca concretizar.

A Diretoria

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DIRETORIAOtaviano Helene, Zilda Iokoi, Francisco Miraglia, Lígia C.M. Machado, Luis Carlos deSá Rocha, Décio Crisol Donha, Primavera Borelli, Marcos Nereu Arenales, BeneditoHonório Machado, José Nivaldo Garcia, Evaldo L. Titto.

Comissão EditorialAdilson O. Citelli, Bernardo Kucinski, Heloísa Daruiz Borsari, Jair Borin, José LuizFiorin, Khaled Goubar, Lígia Marcondes Machado, Nilza Nunes da Silva, RobertoMitio Yanaguita.

Editor: Marcos Luiz Cripa vdEditoração eletrônica: Maria Cristina Waligora e Luís Ricardo Câmara.

Revisão: Helen FroudiSecretaria: Alexandra Moretti Carillo e Rogério Yamamoto.

Distribuição: Marcelo Chaves e Walter dos AnjosProjeto Gráfico: Dmag - Artes Gráficas

Capa: Argeu GodoyIlustrações: Osvaldo, Kipper e Maringoni

Fotolitos: Paper ExpressGráfica: Poolprint

Tiragem: 4.000 exemplaresAdusp - S. Sind.

Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 374Cidade Universitária - São Paulo -SP

CEP 05508-900Telefones: (011) 813-5573/818-4465/818-4466

Fax: (011) 814-1715

A RReevviissttaa Adusp é uma publicação trimestral da Associação dos Docentes daUniversidade de São Paulo - S. Sind., destinada aos associados. Os artigos assinados nãorefletem, necessariamente, o pensamento da diretoria da entidade e são deresponsabilidade dos autores. Contribuições serão aceitas desde que os textos inéditos,sejam entregues em disquete, e tenham, no mínimo, dez mil e, no máximo, vinte milcaracteres. Os artigos serão avaliados pela Comissão Editorial que decidirá sobre seuaproveitamento.

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ÍÍNNDDIICCEE6

OO CCOORRAAÇÇÃÃOO DDEE PPRRAAGGAANicolau Sevcenko

10SSAAÚÚDDEE EE EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO

José Aristodemo Pinotti

11RREEVVIISSÃÃOO CCOONNSSTTIITTUUCCIIOONNAALL

Régis Fernandes

13EESSTTAADDOO EE SSOOCCIIEEDDAADDEE

Ladislau Dowbor

18LLIICCEENNCCIIAATTUURRAA

EEMM BBUUSSCCAA DDEE OOUUTTRROOSS CCAAMMIINNHHOOSSVito R. Vanin, M. Regina D. Kawamura e Yassuko Hosoume.

22Entrevista

BBAARRBBOOSSAA LLIIMMAA SSOOBBRRIINNHHOO

27IINNTTEELLEECCTTUUAAIISS,, DDEEMMOOCCRRAACCIIAA EE PPOODDEERR::

AASS EELLIITTEESS AACCAADDÊÊMMIICCAASS NNOO BBRRAASSIILLZilda Márcia Gricoli Iokoi

33OOSS DDEESSAAFFIIOOSS QQUUEE AA UUSSPP PPRREECCIISSAA EENNFFRREENNTTAARR

J.R. Drugowich de Felício

38Reportagem

EESSPPEETTOO DDEE PPAAUUCarlos A. Zanotti

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Foi uma honra ser convidado pelaAdusp para comentar o impacto daseleições presidenciais na Universidade.Numa palavra, ele foi imenso. Dadasas características, qualidades e posi-ções dos candidatos majoritários, a co-

munidade mobilizou-se, viu-se dividida e empenha-da de lado a lado; a campanha foi açodada e no augedo confronto chegou às raias do emocional e do pes-soal. Passado esse momento entretanto, é de se te-mer agora que ele possa deixar um indesejável lastrode ressentimentos, indisposições e melindres, lan-çando uma atmosfera de mal-estar onde antes ha-

viam laços de amizade e coleguismo. Seria o maisperverso dos efeitos, sobretudo em vista das malfa-dadas circunstâncias que vivemos e das graves exi-gências das lutas que nos esperam, pela recomposi-ção da educação, da dignidade do magistério e dapesquisa em ciência e tecnologia neste país. A esserespeito, não creio que qualquer comentário queviesse a fazer, pudesse ser mais expressivo e oportu-no que um velho conto tcheco, que relato a seguir.

“Como todos sabem, Praga possui o mais magní-fico relógio do mundo. Ele fica na praça central, sus-penso no frontão do monumental Prédio da AntigaPrefeitura. Está muito longe de ser apenas um reló-

Dezembro 1994 Revista Adusp

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O CORAÇÃO DE PRAGA

Professor do Departamento de História, Nicolau Sevcenko, transcreve um conto tcheco para analisar a divisão ideológica

ocorrida na USP na última campanha eleitoral.

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gio. Em seu grande mostrador, todo decorado, elenão só marca as horas, minutos e segundos, mastambém o dia do mês e da semana, a posição do sole as fases da lua. Quando marca as horas porém, elese transfigura ganhando uma animação totalmentemágica. Nesse momento, um mundo de miniaturassão postas em movimento, compondo uma dançaalumbrada, ao ritmo harmonioso do mais fantásticorepique de sinos e gongos. É uma autêntica festa decriaturas encantadas que ocorre, arrastando a popu-lação concentrada na praça de um estado de transeboquiaberto até ao clímax da euforia. Há um galoamarelo e rubro que canta um cocorocó em cadên-cia crescente, culminando num longo grito esganiça-do e cômico. Sobo mostrador rodaum carrossel comos doze apóstolos,vestindo roupas eexercendo ativida-des que lembramos vários ofícios eclasses de cida-dãos. Ao lado dorelógio, figuras doteatro popular en-cenam pantomi-mas que fazem ascrianças rirem àsgargalhadas e dei-xam as mulherescoradas. lmagenspavorosas de es-queletos tangemgongos enormescom martelos deferro, fazendoecoar a lembrançade que a hora detodos há de che-gar e que, no mo-mento da morte,todas as distinçõese veleidades se apagam, tornando-se todos os ho-mens iguais.

Um fato ominoso porém ocorreu no início do in-verno de 1577, sob o reino de sua Majestade Impe-rial Rodolfo II Habsburgo, que transferira a capitaldo Sacro Império Romano Germânico de Viena paraPraga. Repentinamente, sem que se soubesse oporquê, o relógio parou no início da tarde. Foi umpandemônio geral. As pessoas ficaram completamen-te aturdidas, num estado de aflição que as fazia sufo-carem e correrem a esmo em todas as direções, aper-tando a garganta e repetindo a mesma notícia intole-rável: ‘o Grande Relógio parou’. Em breve, a notíciase espalhou para as cidades vizinhas e para as provín-

cias, precipitando toda Boêmia num estado de cho-que e angústia. Como todos os relógios e atividadesse ajustavam pelo de Praga, o transtorno foi geral. Oshorários se tornaram desencontrados, as atividadesse embaralharam, o ritmo do trabalho se dissolveu naperplexidade dos artesãos, as mulheres não sabiammais como organizar a vida doméstica, nem sequeros galos tinham mais um padrão com o qual se afi-nassem, deixando os outros animais desorientadostambém. Imediatamente o burgomestre convocou osmelhores relojoeiros da cidade, ordenando-lhes queconsertassem o mecanismo o mais rápido possível.

Vários dias se passaram, para o desespero da po-pulação, sem que os mestres-relojoeiros atinassem

com o problema.Nada se mexia nagrande máquina.Passado um mês,o burgomestre sedeu conta de quejusto porque co-nheciam intima-mente os mecanis-mos do GrandeRelógio, os mes-tres de Praga ha-viam rotinizadosua compreensãodo aparelho, tor-nando-se bloquea-dos para algo iné-dito e estranho asua ciência comoo que acontecera.As mesmas fór-mulas de semprenão resolviammais, era precisoalgo novo para en-frentar um fatonovo. Assim sen-do, convocou osdois mais aptos

mestres-relojoeiros de duas cidades vizinhas, Vitusde Kladno e Vaclav de Plezen, que desconheciam omecanismo, para estudar e resolver o problema. Vie-ram pois ambos a Praga e se puseram a trabalhar in-continenti na grande praça de Týn. Fossem motiva-dos pelo orgulho de verem seus méritos reconheci-dos na capital do Império, fossem por seus métodospouco convencionais para abordar o problema, o fa-to é que após cerca de uma semana cada um apre-sentou sua solução para o caso. Como as propostaseram diferentes entre si o burgomestre resolveu tes-tar uma por vez.

O primeiro a experimentar sua fórmula foi Vitus.A população aguardava, tremendo de ansiedade,

Dezembro 1994Revista Adusp

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aos pés do Prédio Municipal. Feitos os ajustes, elesoltou um grito alto e curto e seus auxiliares aciona-ram o mecanismo. Diante do olhar hipnotizado damultidão, o relógio se moveu. A loucura foi geral.Os piedosos gritavam ‘milagre!’, os céticos caíramde joelhos, os nervosos riam, os simples choravam.A festa, porém, só durou até o momento de o reló-gio marcar as horas. Nesse instante, quando se es-perava toda a parafernália das miniaturas, elas malse moveram, algumas apenas fazendo gestos trunca-dos, o galo não cantou e o carrossel dos apóstolosemperrou no meio. A decepção foi geral e amarga.Ordenou-se, então, que Vaclav testasse a sua solu-ção. Novos rearranjos, peças retiradas, outras re-postas e mais uma vez um grito curto. Assim que osassistentes acionaram o relógio, todas aquelas mi-niaturas que haviam ficado paralisadas em posiçõesbizarras se puseram em movimento com toda suagraça original, o cacarejo do galo nunca esteve maismelodioso nem as pantomimas mais engraçadas. Apopulação foi ao delírio.‘Deus abençoe Vaclav,ele devolveu a mágica aPraga’. Mas logo se viuque agora eram os pon-teiros que não iam bem,o relógio emperrava eatrasava, em contínuasinterrupções irregulares.O mais melancólico des-consolo tomou conta dopovo na praça, nas ruas,pelo interior, em todaBoêmia.

Passados alguns dias,porém, diferentes cor-rentes de opinião começaram a circular. Os de Klad-no se puseram a dizer, ‘afinal, de que valem todosaqueles bonecos e aquela fanfarra de sinos e metais?Aquilo é coisa de crianças e de circo de arrabaldes.Fica até mal na capital do Grande Império. O im-portante mesmo é o relógio, o astrolábio, que assi-nalam o tempo do trabalho, organizam a vida, ga-rantem a produção e provêm a prosperidade do Im-pério. Abaixo as alegorias! Viva o Relógio!” Os dePlsen por sua vez conjecturavam: ‘grande coisa o re-lógio, só serve para nos escravizar e submeter toda avida ao controle. Cada um pode regular o tempo co-mo quiser e tirar dele o melhor proveito para si e pa-ra os seus. Mas para isso é preciso imaginação e paraanimar a imaginação é preciso a fantasia. Por isso,abaixo o relógio, vivam as criaturas do sonho e daluz!’ Em Praga contudo, os ânimos foram ficando in-dispostos contra os de Kladno e de Plsen, pois di-zia-se ‘esses arrogantes querem nos ditar o que fazere como fazer. Nunca deveríamos ter desprestigiadonossos próprios mestres. O destino dos subalternos é

obedecerem calados, com ou sem Grande Relógio.Abaixo as províncias! Viva a Capital!’

Os ânimos se inflamaram. Tanto os de Kladnoquanto os de Plsen e os de Praga pegaram em ar-mas. Cada cidade montou grandes e custosos exér-citos, prometendo esmagar as outras. Estavam aponto de marcharem para a batalha, quando as mu-lheres, revoltadas com a iminente carnificina e des-truição, bloquearam com seus corpos os portõesdas três cidades, exigindo que a questão fosse deci-dida nos tribunais de justiça. ‘Só se for nos de Pra-ga’, gritavam uns. ‘Os juízes têm que ser de Plsen’,exigiam outros. ‘Apenas a justiça de Kladno é im-parcial’, berravam os terceiros. Estavam as coisasneste ponto, com os homens dispostos a passaremas mulheres no fio da espada, quando alguém namultidão das ruas teve uma idéia que se difundiuimediatamente por toda parte. ‘Vamos consultar Si-mon, o mais velho dos monges meditantes do Mos-teiro dos Enclausurados de Písek. Todos sabem que

ele é um homem santo.Ninguém irá discordardo que ele disser.’ As-sim foi feito.

Simon de Písek quisque a contenda fossediscutida na praça cen-tral de Praga, sob o re-lógio. Chegou apoiadoem dois monges jovens,para manter-se em seupasso vacilante e olhoscegos. Ouviu calado asrazões e propostas dastrês partes e mantevedepois um longo silên-

cio. A população permanecia paralisada e de olhosfixos no ancião. Afinal, pediu para ser erguido e sepronunciou. ‘Eu vi o relógio quando moço, poucoantes de me internar no Mosteiro de Písek, mas eletem estado sempre comigo desde então. Eu o vejoainda agora, no fundo escuro dos meus olhos. Masnão o ouço mais!’ Um grito geral de horror partiuda multidão, ‘Oh!’ O monge esperou que se aquie-tassem e continuou. "E preciso ter o relógio de vol-ta. Nós o teremos. Para isso é preciso reunir todosos mestres-relojoeiros do Reino, não importa deonde venham nem que idade tenham. Que façamum conclave e aprendam uns com os outros. E quenão se preocupem com as horas, nem com os pon-teiros, nem com as alegorias, nem mesmo sequercom todo o Grande Relógio. Não é por causa do ti-que-taque dele que a Boêmia se move. A Boêmiapulsa e se vê toda representada nele. Não olhempara o relógio para ver a nação, antes olhem o po-vo e vocês entenderão o relógio. Ele não é o reló-gio de Praga. Ele é o coração da Boêmia."

Dezembro 1994 Revista Adusp

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NNããoo oollhheemm ppaarraa oo rreellóóggiioo ppaarraa

vveerr aa nnaaççããoo,, aanntteess oollhheemm oo ppoovvoo ee

vvooccêêss eenntteennddeerrããoo oo rreellóóggiioo..

EEllee nnããoo éé oo rreellóóggiioo ddee PPrraaggaa..

EEllee éé oo ccoorraaççããoo ddaa BBooêêmmiiaa

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Dezembro 1994Revista Adusp

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DOCENTES DA USP NO

CONGRESSO NACIONAL

Dez docentes ligados à Universidade de São

Paulo disputaram vagasà Câmara Federal na

eleição de 3 de outubro deste ano.

Apenas quatro delesforam eleitos: dois pelo

PMDB, um pelo PSDB eoutro pelo PPR. JoséAristodemo Pinotti,

professor da Faculdadede Medicina, e Régis

Fernandes de Oliveira,da Faculdade de Direito,

relatam suasexpectativas quanto ao

futuro do Congresso e doBrasil. Wagner Rossi e

Delfim Netto nãoatenderam ao convite da

RReevviissttaa Adusp.

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OC o n g r e s s ocumprirá seupapel e passaráa ser relevantepara o país, namedida que ca-

da deputado o fizer individual-mente de forma patriótica.

O deputado federal deve par-ticipar das deliberações sobre osprincipais problemas do país, dis-cutindo, de modo intenso, crítico,combativo e transparente, pro-postas estratégicas que definam odestino de seu povo e da nação,levando-a ao desenvolvimento.Para isso, o político deve ser, an-tes de tudo, experiente e descom-promissado, objetivando sempreo interesse nacional. Tenho dedi-cado minha vida à saúde e à edu-cação e nestas áreas concentrareia minha contribuição temática.

Desenvolvimento significa en-contrar soluções próprias para osnossos problemas que são parti-culares. No caso brasileiro, oproblema do desenvolvimentodeve ser a qualidade de vida dopovo, usando-se a economia co-mo um instrumento e não umfim em si só.

Sem saúde, tudo perde o sen-tido, pois ela é o bem maior doser humano. Entretanto, se exis-tem hoje poucos consensos na-cionais, um deles é que a nossasaúde está caótica.

As causas mais imediatas des-sa tragédia são o desfinancia-mento do Sistema pelo GovernoFederal e a recentralização doseu gerenciamento. A crise tendea se agravar com a implantaçãode um programa de estabilizaçãoeconômica, monetarista, semqualquer componente de desen-

volvimento partilhado ou de polí-ticas compensatórias competen-tes na área social.

O Governo Federal desfi-nanciou a saúde e, através daInstrução Normativa 01/91,recentralizou o gerenciamen-to e os seus recursos. Faltoucompetência a nível de todasas instâncias governamentaispara reverter essa situação.

Por outro lado, o Ministério

da Saúde não tem recursos pró-prios. Eles vêm da PrevidênciaSocial. Quanto aos valores utili-zados pelo Ministério da Saúde,um aspecto é inegável: diminui-ram assustadoramente. Em 1987,eram de 80 dólares “per capi-ta”/ano; em 1993, de 30 dólares eem 1994, pelas informações queo próprio Ministério tem dado,estão em torno de 20 dólares“per capita”. Portanto, de umterço a um quinto do que eram,enquanto os problemas de saúdeaumentaram com a fome e o de-semprego. Para se ter um parâ-metro, basta dizer que os paísesdesenvolvidos colocam de 1.200a 1.500 dólares por habitan-te/ano ou de 13 a 15% dos seusorçamentos (que são significati-vos) e com tendência a aumen-tar, enquanto no Brasil estamoscolocando de 2 a 3% do nosso,com tendência a diminuir. É evi-dente que não há sistema que re-sista a tal nível de desrespeito ede seu desfinanciamento.

A solução só existirá se hou-ver vontade política e competên-cia. O primeiro passo é garantir,através do Congresso, um orça-mento de, no mínimo, dez porcento para a saúde, o que é infe-rior aos 10% da educação, masque multiplicará desde logo, porquatro, os gastos do GovernoFederal em saúde. É fundamen-tal, também, que se respeite aConstituição, descentralizando oseu gerenciamento nos moldesda municipalização de São Pau-lo, que deu certo. É preciso quese remunere dignamente, respei-te, estimule, treine e valorize osmédicos e demais trabalhadoresda Saúde.

Dezembro 1994 Revista Adusp

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SAÚDE E EDUCAÇÃO

José Aristodemo Pinotti

AA eedduuccaaççããoo ppúúbblliiccaa

bbrraassiilleeiirraa éé aarrccaaiiccaa

ee eelliittiissttaa.. PPrroommoovvee aa

rreeppeettêênncciiaa ee aa

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Finalmente, é preciso hierar-quizar, de forma totalmente in-versa, as prioridades, colocandoem primeiro lugar, os hospitaispúblicos e filantrópicos e depois,os privados lucrativos. Estes últi-mos deverão receber recursos su-ficientes para pagar as suas açõesde saúde, sem prejuízo e até comcerto lucro, mas deverão ser con-tinuamente controlados e avalia-dos. Isso só será possível, repito,se a gestão for descentralizada.Com essas medidas, poderemos,em curto espaço de tempo, reco-locar a saúde nos trilhos.

A educação pública brasileiraé arcaica e elitista. Promove a re-petência e a evasão escolar, con-seqüências maiores do analfabe-tismo e da criança de rua. O ves-tibular reforça esse processo, pri-vilegiando aqueles que podempagar cursinhos e freqüentar auniversidade pública no períododiurno.

É preciso, também, acabarcom a terceirização do vestibular,levando prioritariamente emconsideração na seleção de alu-nos a vocação, a inteligência, acriatividade e a performance du-rante sua vida escolar.

Educação é a maior arma dademocracia, para corrigir os des-níveis sociais. Para isso, ela temque dar mais para quem tem me-nos em casa, a fim de dar oportu-nidades iguais a todos.

Brevemente, o povo teráconsciência de que saúde e edu-cação não são um favor, mas umdireito que lhe está sendo rouba-do, crucificará politicamente osusurpadores e incompetentes eexigirá o óbvio: que os recursosarrecadados para essas áreas se-jam utilizados com competênciae que os congressistas cumpramo seu dever, garantindo a obe-diência à Constituição para ofe-recer cidadania plena para todosos brasileiros.

José A. Pinotti é professor da Fa-culdade de Medicina-USP e depu-tado federal eleito pelo PMDB.

Dezembro 1994Revista Adusp

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REVISÃO CONSTITUCIONAL

Régis Fernandes

Estado que se dizdemocrático eque tem por obje-tivos fundamen-tais a construçãode uma sociedade

livre, justa e solidária, além debuscar a erradicação da pobrezae da marginalização e, por fim,reduzir as desigualdades sociais,é fundamental a existência deum Congresso livre.

Há dois pontos importantes:órgãos de elaboração de ordena-mento normativo e órgão de res-tauração quando for ele lesado.Os primeiros são o Legislativo eo Executivo; o segundo, o Judi-ciário.

O figurino do Estado brasilei-ro já exauriu sua força. O Estadoindutor da economia e produtorde riquezas faliu em face de suaimpotência e incompetência naprestação de serviços públicos.

Diante de tal realidade, aexaustão do modelo de Estado eda insuficiência dos governantesem resolver os mais primáriosproblemas do povo, há necessi-dade do surgimento de nova or-dem jurídica, com novos atoressociais a discutir qual o Estadoque queremos.

Daí a fundamental importân-cia do novo Congresso no con-texto da nossa realidade.

A revisão é possível por órgãoredacional com competência de-limitada em emenda constitucio-nal, para redigir texto sobre ma-téria fixada pelo Congresso. Se-tenta membros indicados peloCongresso, pelo STF e pelo Pre-sidente da República redigirãoas propostas que depois, serãoaprovadas ou não. Em caso posi-

tivo, é emenda, em caso negativoseria submetida a plebiscito.

Passo inicial é o da revisãoconstitucional. A Constituiçãoestá em descompasso com a rea-lidade. Não mais atende aos an-seios da população brasileira.Há, pois, pontos fundamentaisque devem ser revistos. Em pri-meiro lugar, é imprescindível areforma tributária. O texto podeser esvaziado, permanecendo,antes e tão somente, os princí-pios garantidores do indivíduoem face do Estado: o da anterio-ridade, o da legalidade. O mais,pode ser partilhado pelas pes-soas jurídicas de direito públicoatravés de lei complementar. Ostributos devem ser apenas cinco:exportação, importação, IPTU eITR, ao lado do imposto sobremovimentação financeira e ope-rações econômicas. O segundoponto, é o da reforma previden-ciária. Nenhum país do mundoagüenta previdência como a nos-sa. Poderia ela ser pública e pri-vada, aumentando as idades e o

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tempo de serviço, asseguradosdireitos individuais e adquiridos.O terceiro item é a diminuiçãodo tamanho do Estado no domí-nio econômico. Como disse an-tes, o modelo de Estado produ-tor está falido, seja por incompe-tência, pela corrupção ou pelaglobalização da ordem econômi-ca. O certo é que está falido.Daí, tem que haver clara defini-ção dos serviços afetos ao Esta-do, tais como segurança, saúde,educação e justiça. O mais serialivre aos particulares, mas comintermediação do Estado, de vezque não se pode deixar sem pro-teção os indivíduos, especial-mente numa sociedade desigualcomo a nossa. Apenaspaulatinamente é quepoderia ocorrer a al-teração. O brasileiro écarente da ordemeconômica atual. Nãopode ficar à mercêdos ricos. O Estadotem que intervir, evi-tando os abusos eco-nômicos e induzindoa política fiscal e mo-netária.

Quarto lugar, é aalteração da propor-cionalidade do voto.Cada indivíduo é umvoto. Deve haver re-dução no número deparlamentares. Podeser extinto o Senado.Deve haver sançãopara o parlamentarque não cumpre seu mandatocom correção, não só no aspectoético, mas dos deveres de com-parecimento.

Quinto ponto que me pareceessencial é a revisão do PoderJudiciário. O STF deve ser trans-formado em Corte Constitucio-nal, tendo seus juízes nove anosde mandato. As Cortes Superio-res devem ficar como órgãos deunificação da jurisprudência esubida dos autos em caráter ex-cepcional (quase um “certiora-ri”). Deve a Justiça ser munici-

palizada. Poderá haver juízes lei-gos, sem remuneração, para de-cisão sobre matéria de fato. Im-prescindível a efetiva autonomiafinanceira do Judiciário.

Problema que me parece im-portante é que o orçamento vol-te a ser peça tipicamente do exe-cutivo, contendo o programa degoverno. Caso haja aprovação, oLegislativo dá-lhe vigência e aela adere. Caso o rejeite, o Exe-cutivo promulga-o como lei eaplica o orçamento, ficando, en-tão, sob sua inteira responsabili-dade o cumprimento de peça or-çamentária, sob pena de crimedo Presidente.

É fundamental, ademais, que

sejam atualizadas as leis, a fim deque tenham plena eficácia. Asleis devem ceder à realidade enão mostrar-se indiferentes a ela,como se a ela não se dirigissem.A linguagem utilizada pelo legis-lador deve ser de fácil entendi-mento da população, sujeita à leie seu destinatário básico.

Como conseguir a maioria,para aprovação de tais propos-tas, é o problema que surge.

As forças eleitorais compuse-ram-se em torno de partidos, re-presentados por siglas. Estas,

nem sempre, contém conteúdoideológico. Ao menos, encon-tram-se esparsas e rarefeitas, al-bergando os mais variados inte-resses.

Entretanto, delineia-se, comodecorrência das eleições, a com-posição do PSDB, PFL e PTB. Atal bloco partidário, fatalmenteirão juntar-se outros parlamenta-res, advindos das mais diferenteslegendas. Alguns por fisiologis-mo; outros por encamparemidéias adequadas; outros, por fim,com autonomia de comporta-mento, chamados independentes.

Da tal mescla de interessesem jogo pode resultar a maiorianecessária para a aprovação de

projetos de interessedo governo.

Não aceitaria, deforma alguma, qual-quer solução que en-volvesse redução degarantias da popula-ção, pela rigidez daalteração constitucio-nal. O texto contémcláusulas patreas e,pois, intocáveis, dian-te dos interesses rele-vantes albergados nosistema. Logo, em ho-menagem à simplifi-cação das regras, nãopodemos sacrificar osprincípios.

O governo, emconseqüência, paramanutenção do PlanoReal, para enxuga-

mento do Estado, para obtençãodas alterações imprescindíveispara sua modernização, deve fa-zer composições partidárias quenão descaracterizem a ideologiareinante no partido, mantendo asocial democracia em plena vida,mas, sendo pragmática, para seatingir os padrões de primeiromundo reclamados pela socieda-de brasileira.

Régis Fernandes é professor da Fa-culdade de Direito-USP e deputa-do federal eleito pelo PSDB.

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OO mmooddeelloo ddee

EEssttaaddoo pprroodduuttoorr

eessttáá ffaalliiddoo,,

sseejjaa ppoorr iinnccoommppeettêênncciiaa,,

ppeellaa ccoorrrruuppççããoo

oouu ppeellaa gglloobbaalliizzaaççããoo

ddaa oorrddeemm eeccoonnôômmiiccaa..

OO cceerrttoo éé qquuee eessttáá ffaalliiddoo..

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ESTADO E SOCIEDADE

Ladislau Dowbor

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Estamos acostumados a ver a questãodo Estado a partir do enfoque da di-visão dos poderes, buscando porexemplo novas formas de controle doJudiciário, ou a partir da forma deorganização dos partidos e do siste-

ma eleitoral, como no caso das propostas de votodistrital misto e outras. Outras propostas, enfim, emvez de buscar soluções, visam “encolher” o proble-ma, minimizando o Estado. O fato é que o Estado,grande ou pequeno, tem de funcionar. O enfoqueaqui proposto é que se torna necessário melhorar asformas como o Estado se vincula com a sociedade, eenfrentar certos problemas estruturais que o paíssempre adiou.

Uma discussão realista do Estado no Brasil, e doseu funcionamento con-creto, tem de partir detrês questões essenciais: aconcentração da renda, atransformação estruturaldo emprego, e a centrali-zação do poder.

Concentração da renda

Todos estamos fami-liarizados com a injustiçasocial que representa aconcentração de renda ede riqueza. O que lem-bramos menos é o im-pacto desta concentraçãosobre o funcionamento doEstado.

De um lado, temos,evidentemente, a perdade cidadania. Os dadosrecentes do IBGE, infor-mando-nos que 52% dostrabalhadores recebemmenos de dois salários mí-nimos, são, neste sentido, estarrecedores. Sabemosque abaixo de um mínimo de recursos para sobrevi-ver, falar em cidadania constitui um mero exercícioretórico. Muitos, e sobretudo visitantes estrangeiros,se espantam com a docilidade com a qual os pobresaceitam o seu esmagamento, mesmo sendo a amplamaioria da população. A realidade é que a caracte-rística principal da pobreza crítica é o silêncio. Oproblema de alguns dentistas brasileiros em Portugalcausa mais comoção nacional do que o drama da mi-séria. Não me parece exagero considerar que algoem torno de dois terços da população brasileira po-de neste sentido ser considerada alijada de sua cida-dania. Como democracia não consiste apenas no di-reito ao voto, mas na possibilidade real de participa-

ção e controle no que está sendo feito com os recur-sos públicos, assistimos, na realidade, a uma repro-dução das antigas democracias censitárias, em quevotava e podia ser votado quem tinha dinheiro. Nãovamos nos iludir que nestas condições, com dois ter-ços de cidadãos marginalizados, teremos um gover-no moderno, qualquer que seja o sistema adotadoou o detalhamento preventivo da constituição.

Uma segunda conseqüência, talvez de maior pe-so ainda, resulta da concentração de renda nos gru-pos mais ricos do país, em particular no 1% de fa-mílias mais ricas. Este grupo de famílias recebe econtrola quase um quinto de toda a produção que asociedade desenvolve anualmente. Em contraparti-da, os 75 milhões de pessoas que representam 50%da massa laboriosa do país, recebem apenas cerca

de 12% da produção so-cial. Não é, mais uma vez,o aspecto da injustiça quequeremos focar aqui. In-teressa-nos o fato de quepara se apropriar, dia trásdia, de uma imensa parce-la de produto social, osmuito ricos precisam deuma ampla estrutura depoder, que se materializaem pirâmides de relaçõesinter-empresariais, emequipes de advogados, emsistemas de relações compolíticos (os “meus” sena-dores, os “meus” deputa-dos, os “meus” diretores-gerais etc.), em redes deinfluência e corrupçãodas empreiteiras, em con-trole de meios de comuni-cação, em relações privi-legiadas com segmentosde Judiciário e outros.

Esta situação é agrava-da pelo fato destas estruturas de apropriação de ren-da estarem, por sua vez, apoiadas numa extremaconcentração da riqueza acumulada, sob a forma delatifúndios, bancos, fábricas, terrenos, habitações,contas no país e no exterior etc., propriedades cujograu de concentração é muito pouco estudado noBrasil. Aqui temos de trabalhar com indícios — sa-bemos que uns poucos milhares são proprietários demais da metade da área de estabelecimentos rurais,que a estrutura bancária é extremamente concentra-da e assim por diante — sem dispor do mapa real dequem é dono do que no país. Ainda assim, é eviden-te que a concentração da propriedade no país é es-candalosa.

O importante para nós é que, a partir de um cer-

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OOss ddaaddooss rreecceenntteess ddoo IIBBGGEE,,

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sseennttiiddoo eessttaarrrreecceeddoorreess,, ee ssaabbeemmooss

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cciiddaaddaanniiaa ccoonnssttiittuuii uumm mmeerroo

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to nível de concentração da renda e da riqueza, asdiversas pirâmides de poder econômico tornam-sepredominantes em termos de influência sobre o po-der político. Em outros termos, quando quem man-da efetivamente nos “seus” deputados ou nos “seus”diretores do Banco Central e outros são persona-gens do poder econômico, que nunca foram eleitos,processa-se um esvaziamento dos espaços formais derepresentação. Este esvaziamento pode ser exempli-ficado na relativa tranqüilidade com a qual se apro-vou uma lei da Reforma Agrária, boas leis ambien-tais, um bom Código de Proteção ao Consumidor eoutras tantas leis que teoricamente limitam os pode-res da oligarquia econômica, aprovadas simplesmen-te porque se sabe perfeitamente que não existe o po-der político de implementação.

O resultado prático é perda de governabilidade.Primeiro, porque o poder real de decisão dos gover-nantes torna-se extremamente limitado, na medidaem que se debatem num inextrincável emaranhadode apropriações privadas do espaço público. Segun-do, porque o deputado, ao se familiarizar com a es-trutura do poder, constata, rapidamente, que a suareeleição não depende da fidelidade aos seus com-promissos eleitorais e, sim, de um bom relaciona-mento com os que “fazem” deputados: em outrostermos, que a continuidade da sua carreira políticase garante melhor com fidelidade “para cima”, doque com sólida representação dos interesses dos “debaixo”. Terceiro, porque a população sente esta per-da de governabilidade que caracteriza as esferas deadministração pública, generalizando-se uma atitu-de de descrença e, cada vez mais, de cinismo frenteàs eleições, nomeações, intenções, declarações em-poladas de “doa a quem doer” e outras manifesta-ções de impotência institucional.

Muito se falou no despreparo da população bra-sileira, que “não sabe” votar, e elege corruptos nolugar de “legítimos representantes”. Na realidade, apopulação em geral tem suficiente intuição do fun-cionamento real do poder, para saber que pode sermais proveitoso, por exemplo, um município elegerum prefeito corrupto mas que está próximo dos po-derosos, do que uma pessoa digna que represente assuas aspirações mas não tem as vinculações necessá-rias para chegar aos recursos. A implicação é muitograve: quando se deixa de votar em quem nos poderepresentar, para votar em quem está vinculado comos de cima — “pelo menos ele vai conseguir algumacoisa, nem que seja algumas ambulâncias”— é todoo sistema democrático que se vê pervertido, na me-dida em que o processo de representação é substituí-do por um processo de cooptação, em que se votanão para ter um poder político mais representativo,mas para chegar mais perto do poder real.

Quando há um esvaziamento das estruturas for-mais de poder, em proveito de estruturas extrema-mente concentradas de poder econômico, não há de-mocracia que funcione. A extrema pobreza, como aextrema riqueza, constituem fenômenos patológicospara uma sociedade.

A dinâmica do emprego

A dinâmica do emprego está mudando no mun-do inteiro. Estamos acostumados com o conceitoconjuntural do desemprego, que se manifesta quan-do a economia está passando por um momento re-cessivo. O problema agora, é que o ritmo de inova-ção tecnológica atinge um nível em que o própriocrescimento econômico, independentemente dequalquer recessão, gera desemprego. É o que hoje

as Nações Unidas chamamde ‘jobless growth’, ou cres-cimento sem geração de em-pregos (Informe sobre el De-sarrollo Humano 1993,PNUD, New York 1993, p. 3 esegs.). A evolução neste sen-tido foi particularmente ace-lerada no Brasil, por umaconjugação perversa das ten-dências rurais e urbanas: decerta maneira, sofremos oduplo impacto negativo damodernidade tecnológica edo atraso institucional.

Na área rural, vivemos,nas décadas de 60 a 80, umfortíssimo êxodo de popula-ções agrícolas, que nos trans-formou, no espaço de umageração praticamente de país

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rural em país urbano. Em termos de ordem de gran-deza, dois terços da nossa população viviam no cam-po nos anos 1950, enquanto hoje os três quartos vi-vem nas cidades, invertendo completamente a situa-ção. Esta urbanização acelerada, tardia e caóticatem o seu preço.

No conjunto, a realidade é que a maior partedas terras agrícolas do país são utilizadas como re-serva de valor, por proprietários que preferem imo-bilizar grandes áreas e esperar que se valorizempor efeito de investimentos públicos e privados deterceiros, do que correr os riscos e enfrentar os es-forços de atividades produtivas. Manter esta situa-ção quando milhões de agricultores querem culti-var e são impedidos por falta de terra — somos se-guramente o único país do mundo onde uma pes-soa que quer trabalhar a terra é tratada como “in-vasor” — enquanto dezenas de milhões passam fo-me, mostra o grau de absurdo que pode atingir aausência de processos democráticos de decisão nointeresse da sociedade.

Conjugam-se aqui três processos. Por um lado,vemos a expansão da monocultura, que utiliza pou-ca mão de obra ou a utiliza de forma sazonal, desar-ticulando, inclusive, a formação de empregos está-veis. Por outro, a tecnificação generalizada nasgrandes propriedades leva a substituição do homempela máquina. Finalmente, a monopolização do soloagrícola como reserva de valor fechou ao trabalha-dor rural expulso das grandes propriedades a alter-nativa de criar pequenas e médias propriedades ru-rais. Esta grande oportunidade perdida, de se gerarum forte tecido agrícola de produção alimentar, le-vou a população rural às periferias urbanas, geran-do o acelerado e caótico processo de urbanizaçãodas últimas décadas.

Se, nas últimas décadas, assistimos à absurda ex-pulsão dos trabalhadores do campo, na década pre-sente estamos assistindo à acelerada tecnificaçãoda indústria, em particular com as novas tecnolo-gias de produção, e dos servi-ços, que estão sofrendo oimenso impacto da informáti-ca. Os dois processos conju-gados estão levando à redu-ção da capacidade urbana deoferta de empregos, no qua-dro do já mencionado cresci-mento sem empregos. É ca-racterístico, por exemplo, ocaso do Bradesco, que passoude cerca de 150 mil para me-nos de 70 mil funcionáriosnos últimos anos.

Assim, em termos de em-prego, enfrentamos simulta-neamente os lados negativos

do atraso e do progresso, a política retrógrada domonopólio de terras improdutivas e o efeito moder-no do desemprego que hoje afeta os países mais de-senvolvidos, e a população pobre do país, expulsaontem do campo é hoje excluída do emprego urba-no, criando a situação explosiva que hoje conhece-mos.

Na sociedade moderna, a vinculação dominantedo cidadão com a sociedade se dá através do em-prego. Uma pessoa sem terra para trabalhar nocampo, ou sem emprego na cidade, está simples-mente perdida. O fato de termos desenraizado umaimensa massa de trabalhadores do campo, para ago-ra excluí-los do emprego urbano, além do dramaeconômico e social que cria, leva a uma perda gene-ralizada de cidadania e uma desorganização políticaprofunda. É interessante a posição assumida pelaigreja protestante na Europa, em artigo de primeirapágina do Le Monde: assumindo-se como dado es-trutural o fato que o emprego nas empresas não po-derá mais absorver o conjunto da população traba-lhadora, torna-se necessário voltar a pensar as for-mas de organização comunitária. Numa sociedadeem que os setores empresarial e público não assegu-ram mais a vinculação de todos, a cidadania efetivanão pode mais ficar tão dependente deste tipo devínculo.

A centralização do poder

O terceiro aspecto do problema da perda de go-vernabilidade que queremos focar aqui está ligado àcentralização do nosso aparelho político administra-tivo e à correspondente hierarquia de decisões.

Muito se fala da dimensão do Estado e do mila-groso poder racionalizador que representaria a pri-vatização. As dimensões reais da participação do Es-tado na economia, nos países que são diariamenteapresentados como exemplos nos nossos programasde propaganda eleitoral, são as seguintes:

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Participação percentual dos gastos do Governo no PIB ou no PNB dos países industrializados, 1880-1985

Ano Alemanha EUA França Japão Suécia Reino Unido

1880 10 8 15 11 6 10

1929 31 10 19 19 8 24

1960 32 28 35 18 31 32

1985 47 37 52 33 65 48

Fonte: World Bank, World Development Report 1991, Washington

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É importante dizer que se trata de dados doBanco Mundial, perfeitamente confiáveis. Consta-tamos a forte progressão global da participação doEstado, particularmente na fase mais recente, ape-sar de todos os discursos em contrário, inclusivenos Estados Unidos e na Inglaterra. Em termos deordem de grandeza, nos países desenvolvidos o go-verno administra hoje a metade do produto social.Por mais que queiramos, o Estado não derreteráao sol: precisamos encontrar as formas de fazê-lofuncionar.

A urbanização no Brasil foi tão rápida, que aindanão acordamos para as suas implicações mais am-plas em termos de estrutura do Estado. A realidadeé que, como no caso de outros países de urbanizaçãotardia, continuamos com um sistema centralizado dedecisões como se o país ainda fosse um mar de po-pulação rural dispersa, com capacidade de governoapenas ao nível central, na “Capital”.

Uma ilustração simples do absurdo a que istoleva está no salário-edu-cação: ao realizarmos, háalguns anos atrás, umaconsultoria para o Minis-tério da Educação, cons-tatamos que a construçãoou não de algumas salasde aula num municípiodistante era decidida poruma pequena equipe nogabinete do Ministro, de-pois de um trâmite envol-vendo uma dezena deinstituições e levandocerca de 8 meses, sendoque as pessoas encarre-gadas de decidir, em ge-ral, nem conheciam omunicípio interessado, podendo apenas pronun-ciar-se sobre a coerência interna dos papéis. Trata-se de um exemplo entre mil, que implica o seguin-te: temos de rever em profundidade a hierarquiade decisões do país.

Em termos práticos, isto significa rever o controledo uso dos recursos públicos. No Brasil, os municí-pios controlam algo como 10 a 13% dos recursos pú-blicos do país. Na Costa Rica, vemos uma situaçãoainda pior, mas num país muito pequeno, com umaparticipação que mal chega aos 5%. Na Suécia, o go-verno central maneja apenas 28% dos recursos pú-blicos, enquanto os governos locais, e particularmen-te os municípios, detêm 72%. Em termos gerais, ospaíses desenvolvidos manejam entre 40 e 60% dosrecursos públicos ao nível local.

Ora, quando 80% da população do país vivem emespaços urbanos, que, em geral, dispõem de técnicostão bons quanto os de Brasília, com a vantagem de

conhecerem a realidade sobre a qual tomam deci-sões, além de poderem contar com as sugestões econtrole da população interessada, deixa de ter sen-tido a centralização dos recursos. Na realidade, aprópria urbanização criou uma nova geração de pro-blemas dramáticos de saúde, educação, habitação,transportes, saneamento básico, e outros que exigemmilhares de pequenos projetos de melhoria de quali-dade de vida que simplesmente não podem, sob pe-na de um absurdo administrativo total, dependeremde ritmos, burocracias e regateamentos políticos deBrasília. Imaginem uma multinacional em que 90%das decisões da sua rede mundial de atividades de-pendessem de decisões da presidência da empresaem Detroit.

As multinacionais já ultrapassaram esta fase cen-tralizadora, orientando-se para a redução do lequede níveis hierárquicos, autonomia de ação das uni-dades, coordenação flexível em redes interempresa-riais. Na área do Estado, continuamos com uma es-

trutura de governo típicado século XIX, ou, seja-mos generosos, da segun-da metade do século XX,quando os problemas queenfrentamos já são os deuma economia moderna,exigindo respostas flexí-veis e participativas.

O impacto da descen-tralização dos recursospúblicos e da autoridadesobre o seu uso não semanifesta apenas atravésda maior racionalidadeadministrativa. Nos paísesque estão evoluindo dademocracia representati-

va para a democracia participativa, com ampla des-centralização dos recursos e do poder de decisão, ocidadão participa de reuniões no seu bairro porqueali se decide onde ficará a escola, que tipo de arbo-rização haverá nas ruas e assim por diante. E as reu-niões são decisivas para o uso final dos recursos.Entre nós, o cidadão vai numa reunião política paraaplaudir um candidato num comício.

Em outros termos, a distribuição da renda, a cria-ção de novas dinâmicas de emprego e a revisão dahierarquia de decisões fazem parte do mesmo pro-cesso estruturador da comunidade, visando devolvera essa massa atomizada e desarticulada de indiví-duos que constituem o grosso da nossa população, oseu caráter de sociedade organizada e recuperar agovernabilidade do país.

Ladislau Dowbor, é professor titular da PUC-SP e con-sultor da Organização das Nações Unidas.

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NNooss ppaaíísseess qquuee eessttããoo eevvoolluuiinnddoo

ddaa ddeemmooccrraacciiaa rreepprreesseennttaattiivvaa

ppaarraa aa ddeemmooccrraacciiaa ppaarrttiicciippaattiivvaa,,

ccoomm aammppllaa ddeesscceennttrraalliizzaaççããoo ddooss

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cciiddaaddããoo ppaarrttiicciippaa ddee rreeuunniiõõeess

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LICENCIATURAEM BUSCA DE OUTROS CAMINHOS

Vito R. Vanin, M. Regina D. Kawamura e Yassuko Hosoume

O número de pessoas que procuram os cursos de Licenciatura na USP vem diminuindona mesma proporção da queda de prestígio e de salário dos professores de I e II Graus.A falta de uma política educacional séria por parte dos governos federal e estadual está

levando estes cursos ao esvaziamento. Quem perde é a própria sociedade, que nãoconsegue profissionais em número suficiente ou então que tem a sua disposição

educadores cada vez menos preparados.

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Diferentes con-cepções de uni-versidade têmpelo menos umponto em co-mum: a univer-

sidade tem um compromisso fun-damental com a formação deprofissionais para atuarem juntoà sociedade nas mais diversasáreas, inclusive professores parao ensino de primeiro e segundograus. Essa última responsabili-dade leva aos Cursos de Licen-ciatura.

No que diz respeito à área deCiências Exatas, embora as Li-cenciaturas correspondentes jáexistam há muito tempo, o nú-mero de profissionais formadosa cada ano pela USP é muito re-duzido, fato que se verifica tam-bém nas áreas de Humanas eBiológicas. E esses Cursos fo-ram se esvaziando, muito prova-velmente na mesma medida dadiminuição de prestígio social doprofessor. Na mesma medidatambém em que vem sendo re-duzido seu salário.

Como os Cursos de Licencia-tura continuam, assim mesmo,sendo oferecidos, parece que ter-mina aí a sua (nossa) responsabi-lidade Há quem confie que,quando houver uma efetiva prio-rização e valorização da educa-ção pela vontade política do po-der público, tudo voltará a sercomo antes. Restaria esperar pe-la recomposição do estatuto e donível de renda do professor, tare-fa que, certamente, compete aoutras instâncias.

É imprescindível restabelecersalários condignos para os pro-fessores, tornando-se obrigaçãoda universidade manifestar-seclaramente a esse respeito, umavez que os órgãos responsáveispela pressão e intervenção porsalários que valorizem essa pro-fissão, Secretarias de Educação,Conselho Estadual de Educa-ção, Ministério da Educação,não vêm atuando, assim como oextinto Conselho Federal de

Educação nunca atuou.Esperando que a crise da

educação seja resolvida porquem de dever, entretanto, dei-xamos para um segundo plano aquestão da formação de profes-sores. Apesar do esforço de al-guns, a universidade vem, poucoa pouco, perdendo o compassocom as Licenciaturas. Os profes-sores que formamos estão cadavez menos preparados para osdesafios da escola de hoje, semum instrumental atualizado paraenfrentar as expectativas e a rea-lidade dos tempos atuais.

É preciso uma ação efetivana concepção e construção deoutras estratégias de formação,se não quisermos nos transfor-mar em cúmplices da situaçãovigente. É nesse espaço de ela-boração e proposição que a uni-versidade sabe contribuir e podevir a desempenhar um papel im-portante.

Uma universidade que querser de primeiro mundo não po-de, ao mesmo tempo, dar as cos-tas ao mundo a que pertence.

Seria um bom começo promover,internamente à universidade, aesperada priorização da educa-ção, por meio de medidas con-cretas que contribuam para a va-lorização do ensino, dos cursosde Licenciatura e dos licencian-dos, hoje desprestigiados.

Vários aspectos da formaçãode professores devem ser reto-mados. Mesmo que, num pri-meiro momento, não seja possí-vel ampliar o número de profis-sionais formados, diretamentedependente da situação externa,é preciso sair em busca da mu-dança de qualidade. Não da ex-celência elitista, numa volta aostempos de antigamente, da esco-la para poucos, mas em conso-nância com a sociedade e suasdemandas deste final de século.É preciso reverter o descompas-so entre a formação propiciada ea necessária, introduzir as altera-ções exigidas pela convivência daEscola com meios de comunica-ção persuasivos e atraentes, emsua maioria não isentos e poucasvezes educativos. Repensar a

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educação não em abstrato, masem cada situação específica econcreta. Mudar concepções,abrir novos espaços.

É nesse quadro, com inten-ções e expectativas dessa nature-za, que vem sendo implantada,há dois anos, um novo curso deLicenciatura em Física. É essaexperiência, suas lições e nossoaprendizado, o que queremos re-latar.

Os cursos de Licenciatura eBacharelado em Física tradicio-nalmente tinham um núcleo bási-co de disciplinas em comum, comingresso único pelo Vestibular.Só a partir do terceiro ou quartoano do curso os alunos que que-riam completar a Licenciaturapassavam a ter disciplinas dife-rentes, algumasoferecidas pelaFaculdade deEducação e ou-tras pelo próprioInstituto de Físi-ca. A partir de1993, contudo,num processo dereformulação eadequação dosCursos de Gra-d u a ç ã o d oIFUSP, efetuou-se a separaçãoda Licenciaturae do Bacharela-do desde o início dos cursos, comingressos por carreiras diferen-tes, da forma como já ocorria,por exemplo, com os cursos deMatemática.

Essa separação foi bastantepolêmica dentro do Instituto deFísica. Visões diferentes do queconstitui formar um professordeterminaram o núcleo dos con-flitos. Para alguns daqueles quedefenderam a manutenção dosistema anterior, o conhecimentofísico básico, “clássico”, é único enão diferenciável, independenteda futura opção do aluno entrepesquisa ou ensino: ao conheci-mento da Física deve ser acres-centado o do ensino de Física.

A nova proposta para a Licen-ciatura, ao contrário, parte justa-mente da premissa de que é ne-cessário formar um professormais instrumentalizado, tanto noque se refere ao conteúdo da Fí-sica que ensinará quanto nas es-tratégias de ensino que utilizará.No Curso de Licenciatura, essesdois aspectos devem ser tratadosde forma integrada, assim comoocorrerão na prática do futuroprofessor. É preciso que elecompreenda o mundo físico, nãoapenas que se capacite a estudá-lo. Os conhecimentos pedagógi-cos, por seu lado, precisam levarem conta a nova realidade dosalunos e dos meios de comunica-ção, não restringindo-se a apenasalgumas disciplinas específicas de

educação, mas estando presentesdesde o início e ao longo de todoo curso. Cada professor do Cursode Licenciatura precisa buscaressa integração nas aulas que mi-nistra, porque o aprendizado daexperiência vivenciada é indis-pensável, tendemos a reproduziros processos que vivenciamos.Olhando desse ponto de vista,tanto a Física a ser ensinada co-mo a forma pela qual vai ser en-sinada distinguem-se fortementedaquela Física a ser proposta aofuturo pesquisador. Sem ser me-lhor nem pior, pretende apenasser diferente.

Na elaboração da estruturacurricular, o perfil do professor

que se quer formar foi caracteri-zado pelas expectativas em rela-ção ao que deve ser a escola e oensino de primeiro e segundograus. Aqui é necessário equili-brar uma grande dose de utopiae de vontade transformadoracom as condições concretas doensino público atual. Ficar como sonho e a realidade, sem per-der nenhum dos dois pelo cami-nho, é o desafio.

O professor que sonhamosdeve ser capaz de permitir queseus alunos identifiquem o que éa Física, o que estuda, que tipode conhecimento a Ciência pro-picia. E deve, sobretudo, levá-losa perceber que instrumental a fí-sica fornece, que interpretaçãopossibilita fazer dos fenômenos

do Universo emque vivem, quaisdimensões de in-tervenção propi-cia, desde o coti-diano mais ime-diato até as ques-tões cósmicas en-volvidas. Final-mente, deve le-vá-los a redesco-brir a Ciência co-mo expressão dacultura de umaépoca.

O conheci-mento físico em

cada grau de ensino deve, então,ter significado em si mesmo, serestruturado da forma mais com-pleta possível dentro do nível edas condições dadas. Essa pro-posta se choca diretamente como que hoje é quase regra. A ver-tente propedêutica da estruturacurricular tradicional (ou seja, doensino que apenas prepara o alu-no para o ensino do estágio se-guinte), está de tal forma enrai-zada que sempre adiamos enten-dimentos e usos para momentosposteriores. O conhecimentoapresentado no primeiro grau éapenas preparatório para aqueledo segundo grau, que por sua vezprepara o aluno para o terceiro

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ÉÉ nneecceessssáárriioo eeqquuiilliibbrraarr uummaa ggrraannddee ddoossee ddee

uuttooppiiaa ee ddee vvoonnttaaddee ttrraannssffoorrmmaaddoorraa ccoomm aass

ccoonnddiiççõõeess ccoonnccrreettaass ddoo eennssiinnoo ppúúbblliiccoo aattuuaall..

FFiiccaarr ccoomm oo ssoonnhhoo ee aa rreeaalliiddaaddee,, sseemm ppeerrddeerr

nneennhhuumm ddooss ddooiiss ppeelloo ccaammiinnhhoo,, éé oo ddeessaaffiioo..

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grau, de forma que o todo e a fa-ce completa desse conhecimentodificilmente chegam a ser recons-truídos.

Em contraposição ao sonho, arealidade que conhecemos ébem diferente. Restringindo-nosà dimensão do conteúdo, tanto oque hoje é ensinado como o quepode ser aprendido a partir damaioria dos livros didáticos é,em grande parte, desprovido designificado, ficando muito longedo desejado. Também o profes-sor está despreparado para inter-pretar o conhecimento e dar-lhesentido, egresso de cursos ondenão lhe foi permitido pensar so-bre isso. Nas provas, nos traba-lhos e mesmo no vestibular, éoutra a natureza do conhecimen-to exigido. Encontramos essamesma realidade de novo, emuma outra face do mesmo ciclo,no fraco desempenho de muitosdos alunos aprovados no vestibu-lar e ingressantes. Levar em con-ta esses dados implica em plane-jar currículos reais, partindo dosconhecimentos e das habilidadesefetivas dos alunos que ingres-sam no curso.

Aprendemos, em outras cir-cunstâncias, que discursos iguaispodem corresponder a práticastotalmente diferentes. Difícilconcretizar melhor essas propos-tas em tão pouco espaço, semtraduzí-las nas proposições eementas novas para as disciplinasespecíficas, sem discutir as novaspráticas que estão sendo experi-mentadas e os problemas enfren-tados. Aqui só podemos deixarclaro nossa disponibilidade parao tão necessário diálogo.

Estamos aprendendo, na prá-tica, que um currículo novo émuito difícil de ser construído.Requer uma atenção muito espe-cial, um esforço contínuo de mo-bilização. É um projeto de longoprazo, para o qual é indispensá-vel a mobilização de muitos do-centes, dispostos a desenvolvernovas propostas de disciplinas eimplementá-las. Docentes já en-

volvidos em outras tarefas, comoutras prioridades, impostas poroutras esferas. E, por isso, paraconseguir seu empenho na práti-ca, a valorização tem que ir alémdo discurso ou das intenções. Éimprescindível que seja concreta.

Estamos constatando, por ou-tro lado, que há uma grandeinércia da instituição como umtodo, uma resistência natural àmudança. Algumas práticas de-senvolvidas há muito tempo es-tão de tal forma instaladas queparecem naturais. E sendo natu-rais, tornam difícil perceber apossibilidade de mudança.

É preciso muito diálogo, entrenós professores, de nós com osalunos e entre os alunos. É impe-rativo propiciar um contato mui-to próximo entre os docentes queministram disciplinas para o mes-mo conjunto de alunos; é neces-

sário reconstruir na prática asturmas de alunos, mesmo emcursos parcelados. É precisoabrir espaços para a participaçãodos alunos. Rever, ajustar, detec-tar incoerências, voltar atrás, re-tornar, recomeçar.

Os próprios alunos muitas ve-zes surpreendem, quando so-nham demais ou reduzem tudo aum pragmatismo ingênuo. Nofundo, alguns deles têm a mesmavisão limitada da educação daqual foram vítimas. Querem oquadro negro e giz que tiveram.Tardam a despertar da passivida-de à qual foram habituados, doconforto da autoridade de um sa-ber restrito mas “estabelecido”.Alunos e professores, todos cus-tamos a mudar nossas práticas.

Finalmente, um projeto de li-cenciatura mais amplo terá queser necessariamente um projetocomum a várias unidades, permi-tindo estruturas curriculares efe-tivamente integradas. É precisoestabelecer outros canais de co-municação, outra dinâmica deinteração, conteúdos mais articu-lados, sem abrir mão da solidezda formação nem recair em cur-sos excessivamente demorados.Ao saber específico, à formaçãobásica em torno de um núcleocentral e estruturado de conheci-mento (no caso, o conhecimentofísico), deve-se acrescentar umaformação cultural mais abran-gente, sem a qual o próprio co-nhecimento específico perdesentido.

Assim, se o espírito originalde universalidade, caracterizadopela integração dos vários ramosdo conhecimento humano, per-deu-se na dispersão das múlti-plas especializações e profissõesna universidade que temos hoje,torna-se indispensável recuperá-lo no que diz respeito às Licen-ciaturas.

Vito R. Vanin, M. Regina D. Kawa-mura e Yassuko Hosoume são pro-fessores do Instituto de Física daUSP.

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Aos 98 anos deidade, o jorna-lista, escritor epresidente daAssociação Bra-sileira de Im-

prensa (ABI), Barbosa Lima So-brinho, ainda consegue perder osono, preocupado com as crisesda vida política brasileira. O úl-timo desses sobressaltos ocorreu

na madrugada de 25 de novem-bro, quando a Nação se via en-volvida num impasse entre tra-balhadores da Petrobrás e o Go-verno Federal. A tranqüilidadede Barbosa Lima Sobrinho sófoi recobrada ao final daqueledia, às 17h40, quando o presi-dente da Central Única dos Tra-balhadores (CUT), Vicente Pau-lo da Silva, comunicava, de Bra-

sília, que o impasse havia sidosuperado e a greve dos trabalha-dores, que entrava em seu ter-ceiro dia, estava prestes a ser en-cerrada. O presidente da ABIconversou, pelo telefone, com opresidente da CUT e, ao final,feliz, afirmou que Vicentinho é aliderança que representa o senti-mento íntimo do operariadobrasileiro.

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ENTREVISTA

Barbosa Lima Sobrinhopor Marcos Cripa

DEMOCRACIA MARCADA PELA FOME

É APENAS ENSAIO DEMOCRÁTICOFotos: Bruno Veiga / Abril Imagem

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Duas semanas antes, ele foraconvidado para se reunir com oscomandantes das Forças Arma-das que coordenam a intervençãode combate ao narcotráfico noRio de Janeiro. Antecipadamen-te, Barbosa Lima Sobrinho foi in-formado das ações do Exército,Marinha e Aeronáutica nos mor-ros cariocas e recebeu garantiasde que elas se dariam dentro dospreceitos legais. As ações dasForças Armadas não se deramcomo o combinado, mas o presi-dente da ABI não atribui a res-ponsabilidade aos comandantes.Para ele, os soldados não esta-vam preparados para operaçõestípicas das polícias civil e militardo estado do Rio de Janeiro. “Épreciso ser compreensivo e darmais um tempo”, diz ele.

Estes dois fatos, infinitamentedistintos entre si, mostram comoé a rotina deste homem que já foigovernador de Pernambuco, de-putado federal durante três legis-laturas, vive da aposentadoria egarante que está sem tempo paraescrever suas memórias. Além daABI, ele se reúne semanalmente

com os outros imortais na Acade-mia Brasileira de Letras, escreveseu artigo dominical para o Jor-nal do Brasil — já publicou maisde 4.000 — e encontra-se regu-larmente com os amigos nos fi-nais de tarde.

A Revista Adusp foi entrevis-tá-lo na sede da ABI, no Rio deJaneiro, e deparou com ele emuma dessas reuniões. Perguntadose havia algum motivo especialpara aquele encontro, o presi-dente da ABI afirmou que não.“Os amigos vêm aqui para se in-formar e trocar idéias. O quê demais importante ocorre na Na-ção, ficamos sabendo imediata-mente”. O assunto daquele dia, eque tirara o sono de Barbosa Li-ma Sobrinho durante a madru-gada, era o impasse entre petro-leiros e o Governo Federal. Mas,sobrava tempo, também, para aanálise do futuro governo Fer-nando Henrique Cardoso e deoutras questões de interesse na-cional. Alguns dos amigos mos-travam-se preocupados com apostura neoliberal que vem sen-do assumida pelo presidente

eleito. Barbosa Lima Sobrinho,no entanto, opta pela prudênciae prefere esperar para conheceras primeiras medidas que serãoadotadas por FHC.

Cidadão brasileiro que assi-nou o pedido de impeachmentde Fernando Collor — junta-mente com Marcelo Lavenère,da OAB —, Barbosa Lima Sobri-nho espera ver, não por prazermas por justiça, o ex-presidentepreso, a exemplo do que já ocor-re com Paulo Cesar Farias. Acorrupção, afirma o presidenteda ABI, é um dos motivos pelosquais perde o sono. Um outrodesses motivos, dava para vis-lumbrar do 7º andar do prédioda Associação Brasileira de Im-prensa, no cruzamento das ruasMéxico e Araújo Porto Alegre,centro do Rio: um grupo de cin-co homens, com idades entre 25e 40 anos, vasculhava o lixo deuma lanchonete a procura de ali-mentos. Para Barbosa Lima So-brinho, uma democracia perse-guida pela fome não é democra-cia. É um ensaio...apenas umaexperiência.

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CCOONNHHEEÇÇAA OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE BBAARRBBOOSSAA LLIIMMAA SSOOBBRRIINNHHOO

SSOOBBRREE AA VVIIDDAA CCOONNTTEEMMPPOORRÂÂNNEEAA BBRRAASSIILLEEIIRRAA

Problemas do país

Fui companheiro de UlissesGuimarães e a nossa pregaçãosempre foi no sentido de que sepensasse no progresso do Brasil.Acredito que o Fernando Henri-que vai ter de resolver problemasessenciais, tais como o desempre-go, o analfabetismo e a fome.Antigamente, se dizia que noBrasil não havia fome. Hoje, po-rém, sabemos que há uma infini-dade de pessoas morrendo de fo-me. Uma democracia perseguidapela fome não é democracia. Éum ensaio...uma experiência. Nóstemos que agir para que essa rea-lidade desapareça do Brasil.

Brasil

Obviamente que a realidadebrasileira me preocupa muito eeu sinto tudo que vem ocorrendono país, mas eu confio no Brasil,no nosso futuro e acho que, coma reação natural do próprio elei-torado, ao escolher políticos quepossam defender os reais interes-ses do país, vamos caminhar paraa solução dos sérios problemas.Esse é um ponto fundamental epenso que os deputados, senado-res e governadores devem estarengajados nesta tarefa. Posso di-zer que chego aos 98 anos semnunca ter perdido a esperança deque o Brasil melhore.

Governo FHC

Confesso que estou numa si-tuação de expectativa e não te-nho, ainda, um julgamento defi-nitivo em relação aos projetos degoverno do Fernando HenriqueCardoso. A família dele sempretomou atitudes em defesa do pa-trimônio público e ele também.Nós chegamos, inclusive, a traba-lhar juntos na Revista Argumen-to. Eu como diretor e ele colabo-rador. Naquela ocasião preferi-mos fechar a revista porque nãosentíamos segurança o bastantepara dizer tudo que gostaríamosde dizer, já que havia censura.Agora, neste momento, não sei

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avaliar como pode vir a ser umgoverno dele porque os aconteci-mentos políticos tem sofrido mo-dificações, inclusive com aquelasdeclarações dele de flexibilizaçãodo monopólio da Petrobrás. Te-nho certo receio de que haja coi-sas mais profundas. Em todo ca-so, vamos aguardar os fatos, masaguardar exatamente com apreocupação de defender os inte-resses públicos do Brasil, porquenós entendemos que os interes-ses públicos do Brasil estão asso-ciados ao monopólio da Petro-brás.

Oposição a FHC

Eu gostaria que o governoFernando Henrique Cardosoagisse de tal maneira que nãohouvesse necessidade de oposi-ção. Se ele agir dentro das linhasgerais de resolver os problemassociais como a oposição pleiteia,não haverá resistência nem críti-cas a sua atuação. A questão to-da é executar um programa quepossa merecer o apoio popular.Isso é possível e depende somen-te da vontade política do presi-dente eleito.

Aliados do governo

Creio que o Presidente da Re-pública, se quiser, impõe obe-diência a esses partidos, inclusivecom a pressão da opinião públicae apoio do próprio CongressoNacional. Dentre os partidos queo apoiaram, tem um, o PFL, quenós sabemos que é tradicional-mente ligado às forças de direita.Mas, em compensação, noPSDB, de que eu não consigo teruma definição precisa, há pes-soas da estatura do governadoreleito de São Paulo, o Mário Co-vas, que é uma das nossas espe-ranças. Por outro lado, esse mes-mo partido tem o Franco Monto-ro Filho, que é favorável à priva-tização completa de todas as em-presas públicas do Brasil. Daí, anossa confiança em Mário Covas,

que tem deixado a impressão deque não está integralmente afina-do com essa onda privatizante.

Revisão constitucional

Se, de fato, na divisão de ren-da, os impostos que cabem àUnião são insuficientes para

manter os compromissos, há, en-tão, a possibilidade de haver umreajustamento tributário restritoa esta parte. O que causa receioé que, quando se fala em revisãoconstitucional, todos os apetitescontrariados pela Constituiçãode 1988, a qual Ulisses Guima-rães chamava de ConstituiçãoCidadã, venham a querer imporas suas vontades. Se estes inte-resses forem contidos e se seprocurar fazer uma revisão res-trita aos pontos essenciais, creioque ela seja possível de ser reali-zada. O que não podemos deixaracontecer é que essa revisão setransforme numa campanha para

acabar com as conquistas liberaisde 88. Agora, francamente, ain-da não estou convencido de queseja o Brasil ingovernável com aatual constituição. Além domais, um aspecto desfavorável éo fato de o deputado Nélson Jo-bim estar sendo o coordenadordo Fernando Henrique nessa no-va revisão constitucional. Na re-visão passada, uma das primeirasemendas apresentadas por essedeputado foi, exatamente, aca-bar com o artigo constitucionalespecífico que criava a empresabrasileira. Ele queria suprimir is-so para que as empresas estran-geiras fossem consideradas em-presas nacionais e brasileiras. Agrande verdade é que estas em-presas estrangeiras não atendemaos interesses brasileiros. Elasatendem aos interesses dos seusacionistas, dos financistas e deseus países de origem. Por que,então, considerar a Esso ou aAtlantic empresas brasileiras?

Privatização

A privatização pode criar parao Brasil uma situação insustentá-vel. Vamos imaginar que sejamprivatizadas todas as estatais ren-táveis. Isso, sem sombra de dúvi-das, é um desfalque enorme aosrecursos do Estado e não chega areduzir nada dos compromissos edos deveres do Estado. De modoque a gente pode chegar, com es-tas privatizações, a ter uma situa-ção de um Estado falido e quenão pode atender a seus compro-missos porque foi dilapidadoatravés das privatizações. A Ele-trobrás, por exemplo, é um casotípico a ser analisado. Antes deela ser criada, existiam a Light e aBond & Share operando na áreada eletricidade. Nos 60 anos queelas operaram no Brasil, produzi-ram nada mais que 6 ou 7 mil me-gawatts. Na metade do tempo, ouseja, em 30 anos a Eletrobrás de-senvolveu esses 6 ou 7 mil mega-watts para 57 mil, o que mostra autilidade da empresa que traba-

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O que não podemos

deixar acontecer é que

essa revisão se

transforme numa

campanha para acabar

com as conquistas

liberais de 88. Agora,

francamente, ainda

não estou convencido

de que seja o Brasil

ingovernável com a

atual constituição.

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lha para criar o desenvolvimentoeconômico do país. Se formos ve-rificar em outras estatais o queelas produziram até agora para oBrasil, vamos chegar à conclusãoque elas trabalham de acordocom os interesses brasileiros, aexemplo da Telebrás, ao passoque as empresas particulares têmcompromisso com os seus lucros,reinvestindo apenas uma partesecundária. A alegação de que oEstado brasileiro é muito grandee que, portanto, precisa ser maisenxuto, é uma colocação tenden-ciosa daqueles que querem subs-tituir o Estado. Agora, quero sa-ber, vamos substituir o Estadopara melhorar ou para piorar? Setomarmos os exem-plos das empresasque citei anterior-mente, certamentevai ser para piorar.A Inglaterra mar-chou para a privati-zação e eu não sei seela conseguiu resol-ver os seus proble-mas. Recentemente,vi um cientista polí-tico da Argentinaargumentar que aInglaterra está fali-da e tanto isso é ver-dade que o partidoconservador, quepromovia todas as medidas favo-ráveis à privatização, está, hoje,reduzido a uma parcela insignifi-cante do apoio público.

Congresso Nacional

Tudo me leva a esperar que oCongresso a ser empossado noinício de 95 cumpra com os seusdeveres e defenda realmente opovo brasileiro. Se ele vier a semancomunar com os que plei-teiam uma privatização imediatade todas as empresas públicasbrasileiras, naturalmente que eletambém vai se desmoralizar. OBrasil, à época do impeachmentdo Collor e durante a CPI do Or-çamento, entrou numa fase de

esforço e de preocupação com amoralização da coisa pública e,naqueles episódios, o Congressosoube perceber claramente os in-teresses da Nação: impôs o afas-tamento do presidente e cassouvários deputados. Não podemosnos esquecer que o processo demoralização no Brasil deve seruma luta permanente contra acorrupção, contra todos os queestão em funções públicas apenaspara encher seus próprios cofres.

Vida política

Fui governador de Pernambu-co e deputado federal e posso di-zer que, apesar desses cargos que

ocupei, vivo apenas de aposenta-dorias. Fui presidente do Institu-to do Açúcar e do Álcool duranteoito anos e, nesse período, im-plantamos vários processos con-tra a corrupção. Alguns funcio-nários foram afastados e acreditoque o administrador público deveagir dessa forma. Se ele não tiveresse compromisso, acaba se des-moralizando. Há que se reagircontra a corrupção. Essa é a fun-ção principal dos governantes.

Collor de Mello

Evidentemente que vamos fa-lar de suposição, mas a grandeverdade é que, se o ex-presidenteCollor vier a ser absolvido, é si-

nal de que o Brasil, apesar dosesforços, continua preso a forçasdominantes no sentido da cor-rupção e da desmoralização. Te-nho a impressão de que se essaabsolvição, hipotética, vier aocorrer, poderá ter efeitos funes-tos que não podemos desde jácalcular. Não que tenhamos pra-zer na punição dele, mas acha-mos que é necessário o exemplo,é necessária a reação contra osdesmandos que ele praticou.

Intervenção no RJ

Temos que admitir hoje, quehaja um período de acomodação,porque, no passado, quando o

Exército era chama-do a intervir, erasempre numa situa-ção que suspendiaas garantias consti-tucionais ou em es-tados de sítio. Numprimeiro momento,devemos analisarque as forças obe-decem a um oficia-lato que ainda nãoestá treinado para ocumprimento da ta-refa que eles estãoexecutando. É pre-ciso dar um tempopara que as Forças

Armadas venham a agir rigorosa-mente dentro dos limites que opovo deseja. Não é possível cha-mar o Exército para cumprir asfunções policiais de maneiracompleta e perfeita. Como pode-mos imaginar, ele tem que lutarcontra a falta de conhecimentodos deveres que precisa executar.Não vamos pensar que os gene-rais que estão à frente dessa ope-ração concordem com exageros.Naturalmente, eles não concor-dam com isso. Creio que vamosaté ter uma grande satisfação eaplaudir as Forças Armadas por-que eu senti que todos estão sin-ceramente empenhados em exe-cutar uma atividade que a popu-lação possa vir a aplaudir.

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Não podemos nos esquecer que o processo de

moralização no Brasil deve ser uma luta permanente

contra a corrupção, contra todos

os que estão em funções públicas apenas para

encher seus próprios cofres.

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Imprensa brasileira

Agora mesmo, durante a gre-ve dos petroleiros, verificamosque a imprensa seleciona umamaneira de divulgar os fatos. Te-nho sido jornalista até agora egostaria de que toda a imprensaestivesse presente na militânciapara combater toda a corrupçãoe os corruptos sem nunca permi-tir que se formassem boatos que,aparentemente, vêm criar a idéiade que o Estado está do outro la-do, que o Estado está facilitandoo trabalho dos corruptos. Creioque os leitores podem ter uma

idéia precisa do papel da im-prensa no Brasil. Sou presidenteda ABI e não posso dar um pare-cer contrário à atividade da im-prensa. Porém, gostaria que hou-vesse um código de ética que fos-se obedecido por todos os jor-nais do Brasil. A função da im-prensa é extraordinária quandoela cumpre os seus deveres,quando defende os interessespúblicos e quando está ao ladodas causas do povo com militân-cia efetiva e permanente. Nemsempre isso tem acontecido. Jávivemos a fase de Carlos Lacer-da —ex-governador da antiga

Guanabara —, o caso da ÚltimaHora e outros tantos casos seme-lhantes de imprensa que, de cer-ta maneira, se sustentava comverbas públicas. De certa manei-ra a imprensa depende de apoiopúblico e infelizmente as condi-ções econômicas não permitemque os jornais tenham uma circu-lação suficiente para se susten-tar. Obviamente que seria me-lhor que todos tivessem indepen-dência, mas isso depende, afinal,do jornal e do apoio popular —leitores. Agora, não é porquechegamos a esta conclusão, de-vemos permitir falhas que redun-dem em prejuízos para a própriaimprensa e para o país.

Bastidores da eleição

Creio que as informações me-recedoras de confiança do jornaldeveriam ser publicadas imedia-tamente. Tudo serve para escla-recer o eleitorado, concorrendopara que as falhas e os erros se-jam evitados. Não se explica,realmente, a guarda de informa-ções privilegiadas. (Comentáriosobre a publicação de um livro dosjornalistas Gilberto Dimenstein eJosias de Sousa - Folha de S. Pau-lo - sobre os bastidores da cam-panha FHC).

Nacionalismo

Estudei o nacionalismo numabiografia que escrevi de AlbertoTorres. Eu tinha a seguinte preo-cupação: por que todos os paísesatrasados nunca chegavam aoPrimeiro Mundo? Só que o Ja-pão chegou. Foi então que tive oprazer de estudar aquele país eescrevi o livro “Japão, o capitalse faz em Casa” e percebi queaquela era uma maneira de cons-truir uma fortuna, construir re-cursos e superar dificuldades.Entendo que não é com dinheiroestrangeiro que os países se de-senvolvem. Acredito que o capi-tal se faz em casa e o Brasil deveseguir este caminho.

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A função da imprensa é extraordinária quando ela cumpreos seus deveres, quando defende os interesses públicos equando está ao lado das causas do povo com militância

efetiva e permanente.

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“A mais sublime das aventuras é um mergulho napaixão. Seus resultados são imprevisíveis, arealização de um produto é irrelevante, o própriomergulho é a razão de ser dele próprio. O exercício dopensamento deveria ser sempre uma destas aventuras; auniversidade o principal local de sua prática”.

Cristóvam Buarque

Eficiência, mercado eprodutividade são as

palavras de ordem prediletasdos neoliberais encastelados

nas reitorias dasuniversidades brasileiras.

Tudo em nome deinstituições mais enxutas e

ágeis. Para a professoraZilda Márcia Gricoli

Iokoi , do Departamento deHistória da USP, é chegado o

momento de insurgir-secontra esse modelo em nomeda reflexão, da maturação deidéias e do amadurecimento

das pesquisas.

INTELECTUAIS, DEMOCRACIA E PODER: AS ELITES ACADÊMICAS NO BRASIL

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Neoliberalismo, crise de paradigmas,conciliação como fundamento dosprocessos democráticos, burocrati-zação do saber como fim em simesmo, aumento das desigualda-des sociais, perda de valores éticos

e morais ao mesmo tempo em que esses conceitosentram na ordem do dia, confusão entre o públicoe o privado, são problemas que aproximam as uni-versidades brasileiras dos dilemas de Rosamundo,último personagem de Stanislau Ponte Preta, o nos-so querido Sérgio Porto, que conseguiu através deuma crítica política bem humorada agüentar a barrado grande FEBEAPÁ

De origem humilde, Rosamundo “só não se tor-nou um marginal por ter sido ensinado por Tia Zul-mira e não pelo plano de ensino de nosso Brasil”.Distraído, não se submeteu às exigências burocráti-cas dos programas de ensino, às idiossincrasias dosprofessores e às avaliações cada vez mais elabora-das por técnicas eficazes da ciência da computaçãoe dos bancos de dados informatizados.

Não foi aceito nas universidades, mesmo tendoterminado o curso superior. Seu primeiro empregofoi no Ministério do Trabalho, como oficial de gabi-nete do ministro, no período em que o ministro es-teve ausente do gabinete. Depois, fez várias ativida-des, foi até aeromoço , jóquei ou mesmo investiga-dor de polícia. Sabia de tudo um pouco, e era muitodistraído. Tão distraído que confundia produçãocom confusão, criação com enganação e acabousendo consultor do Ministério da Educação paraimplementar o programa nacional de avaliação dedesempenho dos universitários brasileiros. Foi umdeus-nos-acuda! Como Rosamundo poderia avaliara instituição que não o recebeu nem como bedel?Agitaram-se os acadêmicos contra a interferênciaexterna, contra a opinião da sociedade, contra asprestações de contas.

Mesmo tendo sido lembrado aos acadêmicosque, embora andassem pelas universidades, homenscomo Galileu Galilei, Giordano Bruno, Santayana,Caio Prado, Jacob Gorender e o próprio SérgioPorto, eles não foram produtos institucionais e ou-saram levar a aventura do pensamento contra o queestava pré-estabelecido por poderosas instituições.Estes homens não foram recusados por defende-rem uma idéia, mas por defenderem o direito de terqualquer idéia, lutaram na defesa da liberdade depensar, de crer, de descrer, de discordar. Eles ates-tam o caráter conservador do pensamento que seinstitucionaliza contra a criação do novo, ou seja,contra o perigo do que não está domesticado, oumesmo controlado por aqueles que se arvoram emdetentores dos segredos do conhecimento. Foramhomens que a instituição universitária não acolheuno momento em que suas idéias fertilizavam um de-

bate sobre os projetos sociais, sobre o sentido e osaber universitários e sobre a natureza e seu movi-mento .

O quadro de intervenção e controle criados nasuniversidades, tensiona hoje, mais do que nunca,as relações entre o ato criador e livre que a reflexãoexige, e os interesses das estruturas de poder, gi-gantescas, dentro do sistema nacional de ensino su-perior. É preciso deste modo retomar o processode criação das universidades brasileiras uma vezque essa história particular permite um repensarsobre os parâmetros e limites da democracia emnosso país.

O professor Cristóvam Buarque, em sua obra, AAventura da Universidade, procura demonstrar queo conhecimento científico tem se constituído desdeo século XVI em racionalidades de investigações ede cálculos que tiram o sonho do novo, da desco-berta, das possibilidades que não têm um fim ime-diato, mas que podem abrir um universo de novas ericas experiências. Citando o texto de Barnet Liviti-noff, Cristóvam Buarque analisa as conseqüênciaspara a modernidade se os reis católicos tivessemacatado o parecer dos acadêmicos de Salamanca so-bre as justificativas da viagem de Colombo. O geno-vês não teria viajado, e seria outra a história da mo-dernidade. É evidente que do ponto de vista cientí-fico, os universitários acertaram os cálculos sobre odiâmetro da terra que o navegador genovês errara.Entretanto, a existência de um território desconhe-cido só foi revelada, pelo sonho do navegador, quetambém defendia idéias consideradas estranhas pe-lo pensamento hegemônico daquele período.

No caso brasileiro, podemos dizer que menos Sa-lamanca e mais Coimbra. Isto é, as primeiras expe-riências universitárias foram sendo realizadas emmoldes mais livres das interferências das estruturasde poder, uma vez que as elites precisaram importaras genialidades acadêmicas no exterior para quepudessem, aqui, estimular uma geração de jovensradicais, que se dedicavam especialmente ao campoda literatura, das comunicações, das artes, a rom-perem com os esquemas cientificistas da velha Fa-culdade de Medicina, da Escola Politécnica e da Fa-culdade de Direito. Um paradoxo interessante foise realizando. As elites paulistas, interessadas emmodernizar o país e em demonstrar que o podereconômico e o saber acadêmico centravam-se na re-gião sudeste , em 1934 criaram a Universidade deSão Paulo. O projeto matrizava-se pela necessidadede construir um sentido concentrador e hierárquicopermitindo a formação de uma burocracia gerencia-dora, encarregada da formulação de um sistemaque atendesse às necessidades daquele setor social.Entretanto, as áreas novas, estimuladas pela missãofrancesa, passaram a desenvolver, cada vez commaior eficácia, os estudos sociolingüísticos, etnográ-

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ficos, arqueológicos, sociológicos, históricos , des-vendando as relações sociais, os conflitos de classes,a cultura popular , as questões indígenas entre ou-tras. É interessante destacar que os estudos mencio-nados, ao mesmo tempo que permitiam o conheci-mento e o controle sobre os grupos estudados, per-mitiam, também, a preservação da memória socialplural que agia como elo agregador das articulaçõese da organização dos vários grupos identificados emsuas reivindicações de inserção social.

Ao longo dos primeiros trinta anos, o desempe-nho tanto dos grupos de pesquisa, como os de orga-nização de cursos, acervos eaparato institucional, desen-volveram outras experiênciasrumo ao acolhimento de no-vos projetos com objetivos einteresses distintos do projetooriginal da USP. Nesta mesmainstituição, nos meados dosanos cinqüenta, FlorestanFernandes reunia um grupode estudiosos para dar inícioao seminário permanente deestudos sobre O Capital , cujanecessidade motivava os jo-vens pesquisadores na apreen-são do materialismo dialéticoe no desenvolvimento dasoperações intelectuais neces-sárias no entendimento do so-cialismo.

Diferentemente dos proce-dimentos anteriores ao séculoXX, agora, as universidadesaceitavam o futuro da civiliza-ção e passavam a lutar para justificá-lo. Na Europae nos Estados Unidos, o debate ideológico ficou cir-cunscrito aos limites da racionalidade e dos objeti-vos do projeto industrial. Nos vários países euro-peus, foi nas universidades que se desenvolveram osmais importantes centros de produção científica etecnológica, definindo as chamadas áreas “duras” eas áreas “moles”, como as ciências sociais, passa-ram a copiar seus modelos formais através dos quaisseriam distribuídos os benefícios deste avanço. Nospaíses do Oriente, as universidades cresceram, masnão realizaram a crítica radical dos aparatos de po-der que elas mesmas ajudaram a desenvolver, e noterceiro mundo foram utilizadas como instrumentoda balança de pagamentos, pois procuravam reduzira necessidade de importações, também sem criticarseu sentido instrumental.

O crescimento das universidades, no mundo con-temporâneo, tem exigido que elas se transformemem palco dos debates que se realizam em torno dedemandas e processos sociais que não nascem den-

tro dela como instituição. Os estudantes, por exem-plo, rebelam-se em busca de novos valores e pa-drões; entre os professores existem também propos-tas que são formuladas mas não incorporadas nemem currículos e nem em cursos formais. As novasidéias muitas vezes são realizadas fora da institui-ção, mas gravitam em torno dela, estimulando osdebates na comunidade acadêmica.

A crença existente nos estudantes dos anos 60 deque os acadêmicos seriam capazes de constituirem-se na chave da construção da utopia, graças ao de-senvolvimento da ciência e da tecnologia, não se

efetivou. Mesmo considerandoo grande crescimento do co-nhecimento e as proporçõesinimagináveis de respostas for-muladas, as últimas décadasdemonstram como as universi-dades se afastaram dos valoresconcernentes á construção daUTOPIA, consumindo-se emreafirmar os elementos cons-titutivos da segregação e daexclusão social. Podemos en-contrar elementos da mais ra-dical engenharia genética, dassofisticadas operações de im-plantes e transplantes, da ro-bótica, etc., e não encontra-mos os cientistas transforman-do a luta por distribuição so-cial do conhecimento e dosbenefícios da ciência. Um dosfenômenos mais gritantes é afome, seguido das pestes, dacrise educacional, que se es-

praia sobre a população do planeta, sem que essacorporação de mais de sete séculos se manifeste or-ganicamente em favor dos interesses humanitários.

Essa acomodação deve-se especialmente a suarecusa em ser inventiva, permitindo que a inventivi-dade se realizasse desde o início deste século, nosgrandes laboratórios das empresas como a Watt, aEdison, ou as fábricas da Ford . O desequilíbrio en-tre o pensamento novo e a cartorização do saber,esconde mediocridades que devem ser repelidas epromove um excesso de corporativismo atávico eautoprotetor que destrói o sentido mesmo da insti-tuição, promovendo o tédio em lugar do estímulo, acomplacência em lugar da crítica, e o paternalismose interpondo à criatividade e à criação.

Currículos fechados, esquematizados, disputaentre campos do saber que se sobrepõem uns aosoutros, hierarquias rígidas, cultura do xerox, preca-riedade na visão sobre as humanidades tanto dasáreas “duras,” como dentro dos próprios departa-mentos das humanidades. A existência de departa-

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mentos como elo agregador de currículo é algo queprecisa ser rapidamente questionado. É evidenteque a especialização aprofundou o campo específi-co do conhecimento, mas, hoje, a agregação de sa-beres supõem um perfil institucional amplo quepermita o freamento da política de feudos, destrui-dora da inventividade e impedidora da globalizaçãodos processos de conhecer e de criticar as assertivasestagnadoras da aventura do pensamento.

A estrutura departamental tem permitido umprocesso de definição do perfil do profissional, temservido de eixo organizador dos interesses da áreaespecífica e garantido um nível de especificidadeaos processos burocráticos e de controle. Essa es-trutura, entretanto, realiza o corte vertical na con-cepção do conhecimento e abre uma luta intestinana defesa de um conjunto de disciplinas cada vezmais numerosas e super especializadas , fazendo,nos cursos de graduação, recortes que tem impedi-do um processo de formação amplo e sólido paraque o estudante possa, por si só, tomar decisõesquanto a seu perfil. A fragmentação do saber e a su-perficialidade dos estudos desenvolvidos estão es-condidas em jornadas didáticas estafantes, onde oconferencista explana por longas horas, sendo o alu-no um ouvinte disciplinado. O tempo para desen-volver experimentos acompanhados, estudos em bi-bliotecas e mesmo um lazer cultural, não está con-templado na montagem das “grades” curriculares.O espaço para debates públicos, para estudos orien-tados e para a criação do novo desaparece em pra-zos, avaliações quantitativas e sem projetos, na me-diocridade que os burocratas criaram com objetivosexclusivos de controle.

Lamentavelmente, a crítica a esses padrões defechamento desenvolvida e revelada pelo existencia-lismo sartreano e pelo autonomismo lefebvreanonão impediu as chamadas reformas universitárias,que se iniciaram com os protestos estudantis contraa cátedra. Na França a inssureição partiu de Nan-terre, em maio de 1968, estimulando a luta pela li-berdade de ser e o direito as alteridades, episódioque na Polônia denominou-se como Primavera dePraga , atraindo imediatamente a repressão revela-dora da ausência de liberdade nos países socialistas,e que no Brasil acirrou os militares golpistas a edi-tarem o ato institucional nº 5 e o decreto-lei 477.Fechamento do Congresso e introdução da delaçãoe repressão nas universidades, com a inauguraçãodos inquéritos policiais-militares, com a censura aosmeios de comunicação e finalmente com as cassa-ções de acadêmicos e de estudantes, iniciando umperíodo de sombras muito escuras no processo dereflexão crítica e de questionamento a ordem colo-nial ainda sobrevivente na longa duração histórica.Explicitou-se, naquele momento, a impossibilidadede convivência de um projeto de crescimento eco-

nômico e de consumo ao lado da utopia libertáriaque se pautasse, inclusive, nas observações de pre-servação do meio ambiente. As drogas, o tédio e asneuroses serviam para expor as insatisfações dosexistencialistas, ao mesmo tempo em que revelavamo cinismo da modernidade como incorporação so-cial ao mercado. Todos estavam integrados, mas arepressão exigia a integração dentro da ordem. Nãoimportava que as drogas estivessem adentrando nomercado. Tratava-se de circunscrever seu controlepelos donos do poder, uma vez que as oposições econcorrências deveriam estar sendo eliminadas.

A incorporação institucional do protesto, suatransformação em mercadoria e a desagregaçãotanto do conteúdo ideológico das lutas democrati-zantes, como das manifestações com vistas ao rom-pimento de rotinas alienantes foram sendo assilmi-ladas e passaram a gerar um generalizado sentimen-to de frustração, desconforto e de medo do futuro.Vive-se um momento onde o trabalho se choca coma inquietação de quem o faz. Deste modo, as novasformas de gerenciamento e controle disputam coma tradição do fazer acadêmico, que foi sendo rotula-da como utopista. Formam-se dois partidos: um de-les é o dos pragmáticos, que através do discursoqualificam as lutas de resistência ao modelo do sa-ber burocratizado como utópica e aperfeiçoam asestruturas de controle e de coerção sobre o conjun-to da universidade. Eficiência, mercado, produtivi-dade passam a ser as representações dos pragmáti-cos, que procuram, por todos os meios, derrotar ahistória e as tradições. No grupo dos pragmáticos,destacam-se aqueles que resolveram, aparentemen-te, se interpor aos burocratas, mas que, no âmagode seu ser, acabam querendo apenas substituí-los. Odiscurso é o de criar instituições menores, mais en-xutas, que possam representar um espaço de açõesagilizadas, de captação de recursos e de interferên-cias diretas no centro do poder, ou seja, as reitorias.Trata-se, portanto, de um discurso liberal, que acei-ta os limites pragmáticos de lutar no sentido da ma-ré, de não lutar contra a corrente e de se submeteraos pesos e medidas impostos ao conjunto da vidauniversitária.

Contra a corrente, os utopistas reivindicam o seudireito ao tempo da reflexão, da maturação dasidéias, da universalidade da vida universitária, ou co-mo afirmou Lígia Marcondes Machado, no Jornal daAdusp, o direito ao café na cama. Os pragmatistasentretanto, não se detiveram na análise da contradi-ção existente entre a invenção de sistemas de altaprecisão, processos produtivos super acelerados e amanutenção do homem em jornadas de mais de 15horas diárias de trabalho, exatamente como ocorriano final do século passado. Ao invés disso, não reve-lam porque a ciência e a tecnologia não conseguiramlibertar o homem, que permaneceu escravo do traba-

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lho. As crenças produzidas no século XIX, de umprocesso regenerador definido pela evolução tecno-lógica, não só produziram uma expectativa falsa, co-mo submeteram a essa crença todos os anseios de li-beração humana à lógica evolucionista. Em paísescomo os latinos-americanos, onde a dependência tec-nológica persistiu de forma tão intensa, agregou-se aessa submissão a existência de excluídos que nem se-quer constituiram-se em exército de reserva e jápassaram a aparecer como “mão de obra sobrante”,condenada à miséria e a condições de vida inteira-mente desumanas. Deste modo, o tema das políticaspúblicas se colocou como uma das metas substantivasna superação das desigualdades profundas no mo-mento atual. Os governos militares adotaram o con-ceito de políticas sociais com objetivo de instituciona-lizar o controle sobre a distribuição de rendas e, des-te modo, empreender o processo de regulação políti-ca pela noção de produtividade econômica, privile-giando o setor associado aos projetos faraônicosconstruídos com osrecursos da poupan-ça e do FGTS. A dis-cussão sobre as polí-ticas públicas envol-veu as universidadesinicialmente com ob-jetivos corporativos,através da demandapor carreiras e salá-rios. A percepção deglobalidade da exclu-são, entretanto, mo-tivou de modo claroa ampliação das dis-cussões para os mar-cos de referências danecessidade de pla-nos de desenvolvi-mento de ciência etecnologia, de am-pliação da produção de conhecimento e da necessi-dade de extensão de serviços a setores sociais excluí-dos, uma vez que para as empresas e os setores so-ciais privilegiados, a apropriação do saber produzidopelas universidades tem sido direta. Esse processo dereconhecimento da necessidade de expansão dessaspolíticas motivou os chamados utopistas a se oporemde forma radical ao neoliberalismo e à política de re-dução dos compromissos do Estado nas áreas de saú-de, educação, ciência e tecnologia, além de habita-ção, transporte,etc.

A problemática das lutas pelas políticas públicasdeterminou, também, os intelectuais das universi-dades a se constituirem como uma intelligentsia es-pecializada em definir metas, estratégias e planosde desenvolvimento que pudessem ser entendidos

como tecnicamente perfeitos na legitimação dasvantagens comparativas internas às universidades eao projeto dos grupos no poder. Inúmeros foram osministros dos governos militares que saíram dasuniversidades. As articulações desses acadêmicosrespaldavam as políticas governamentais e atraíamrecursos aos programas de desenvolvimento dos se-tores de pós-graduação, promovendo a adesão deestudantes e de professores de forma acrítica. Asreformulações empreendidas foram sendo encami-nhadas em duas direções: fragmentação e atomiza-ção dos grupos e do sentido universalista e especia-lização cada vez mais verticalizada. Os aspectos po-sitivos desse processo realizaram-se de modo efeti-vo no desenvolvimento do conhecimento e da ciên-cia. Os negativos, na submissão à política do favor edos interesses interpessoais e na apropriação priva-da do conhecimento .

A crise dos governos militares não alterou deforma substantiva esse quadro. Em primeiro lugar,

porque o partidopragmático procu-rou capitanear aadesão ao grupoque empreendeu acrítica radical aosgovernos militares;em segundo, por-que a ideologia dacompetência técni-ca os qualificavapara a adesão aosnovos grupos quese constituíram natransição conserva-dora. É interessan-te perceber que, em1986, o projetocriado para ser apli-cado nas universi-dades definia a

constituição de um programa de avaliação, quanti-tativo e produtivista, ao mesmo tempo que, atravésdessa avaliação, seriam definidos recursos e “níveis”para as instituições de ensino superior.

As lutas empreendidas pela sociedade civil aolongo dos anos 1980-90 não se efetivaram devido aoconsenso entre os intelectuais , mas pelo posiciona-mento ético que as classes subalternas conseguiramproduzir nos anos de resistência contra o discricio-narismo dos governos militares. Assim, enquanto asociedade civil assumia suas tarefas históricas, nauniversidade a reforma limitava-se a seus aspectosmais restritivos.

Se tomarmos como referência as articulações deRosamundo no grande FEBEAPÁ tornado ficçãopor Sergio Porto, verificaremos que ele se organi-

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zou nos movimentos sociais e passou a ser cada vezmais respaldado por coletivos e não “acabou noIirajá”. Das oportunidades encontradas ao longo desuas peripécias pelas academias e ministérios, sensi-bilizou-se com as discriminações e exclusões sociaisencontradas. Aconselhado por Tia Zulmira, procu-rou aliados nos de baixo, uma vez que os catedráti-cos perderam as cátedras e não a pose nem o poderde mando pessoal. Aliou-se a grupos reivindicató-rios e fundou associações que mais tarde tornaram-se sindicatos. Organizou estatuintes pelo Brasil afo-ra. Participou de colegiados para a proposição depolíticas públicas e de novas formas de agregaçãode conhecimentos. A organização de setores coleti-vos bem definidos, coerentes, dotados de uma éticaprópria, passou a ser indispensável à constituição dademocracia. Os conflitos se expressaram de formaclara e coerente, permitindo a solução de formaagregada e não como multidões atomizadas de inte-resses individuais.

Desses conflitos, resultaram indentidades declasse, num processo prático e teórico. Exatamentecomo pode definir Antonio Gramsci, o processoprático enraíza-se nas formas de propriedade e dotrabalho, expressa-se no desenvolvimento de costu-mes compartilhados e de uma ética própria, mani-festa-se através de movimentos sociais e culmina emformas de associação gremial. O processo teóricotem raízes e ganha sentido no anterior, identifica-secom a direção intelectual e moral da classe, estandoresponsabilizados por esta tarefa os chamados inte-lectuais orgânicos. Deste modo, as tensões existen-tes entre os diferentes grupos não podem ser enten-didas fora dos marcos em que elas se definiram.

Se tomarmos como parâmetro as questões quetêm envolvido os intelectuais em seus debates públi-cos, poderemos verificar que têm proposto o temada democracia social como radicalização conseqüen-te da idéia de soberania política do povo. Essa idéiafundamental está baseada na noção moderna de di-reito natural, sem a qual estaria definido o retornoao absolutismo. Independente da dose de alienaçãoexistente na entrega da representação a outrem, essarepresentação não estaria definida nos limites dopensamento roussoniano. Os magistrados do povo eo poder de pressão da sociedade civil sobre a socie-dade política podem garantir que a democracia este-ja sendo construída e preservada. No que se refereàs universidades, podemos afirmar que, com as re-presentações estudantis, de servidores docentes enão-docentes, é possível frear a entrega voluntáriado conhecimento e dos vários campos do saber agrupos de controle e coerção cujas dificuldades derepresentação são cada vez maiores. As lutas em-preendidas em defesa das políticas públicas e da uni-versidade em geral englobam-se nos processos deconstituição da soberania popular. Este é o ponto

atual das divergências entre os pragmáticos e utopis-tas. Os primeiros querem elaborar políticas a seremaplicadas sobre Rosamundo e os outros. Os segun-dos querem que Rosamundo e os outros se consti-tuam como sujeitos reais do Estado. Este quadronos coloca desafios a serem superados, mas para osquais não temos senão um tênue quadro tendencial.O governo que ora se constituiu definiu a vitóriados pragmáticos, mas terá que dialogar com os uto-pistas ou retroceder para o Brasil arcaico .

Trata-se de um momento ímpar nesta história re-publicana brasileira. A ação dos movimentos sociaispermitiu a constituição de formas de enfrentamentoautônomas das instituições do Estado, da velha de-pendência dos caciques regionais e mesmo das es-tratégias dos partidos políticos de esquerda. Essaação garantiu, de um lado, a certeza da possibilida-de de alteração de quadros e de processos políticosquando a sociedade define intervir em defesa deseus interesses. Por outro, os políticos tradicionaisprecisam incorporar as bandeiras das lutas popula-res e seus temas, se estiverem disputando cargos pú-blicos. Desde a crise do regime militar, a sociedadecivil tem se apresentado à frente das lutas exigindoalterações no encaminhamento de suas questões.Das 'Diretas Já' às CPIs do Congresso Nacional, ocrescimento da consciência popular e a exigência depublicizar a política brasileira exigem das universi-dades total engajamento nestas lutas, uma vez que avitória das demandas populares pode significar a su-peração do patrimonialismo, parte da longa dura-ção braudeliana cuja origem remete ao projeto co-lonial português.

BIBLIOGRAFIA

PONTE PRETA, Stanislaw - Primeiro Festival de Besteira que Assola o País ,-Rio de Janeiro, Sabiá, 1964.-FEBEAPÁ - título utilizado pelo jornalistado Última Hora, para seu livro de crônicas da vida brasileira, que ao lon-go de várias décadas estimulou as análises sobre as elites de esquerda e asdo poder , assim como o desprezo de intelectuais com as coisas do povo.Sérgio Porto, seu nome de batismo escreveu também o segundoFEBEAPÁ, e a obra Rosamundo e os Outros.

PONTE PRETA, Stanislaw - Rosamundo e os Outros, Rio de Janeiro, EditoraSabiá. 1968.

LITIVINOFF, Barnet -1492- The Decline of Medievalism and Rise of ModernAge, N.York,Scribner’s Editors 1991,p.52.

MACHADO,L,M. Café na Cama, in Jornal da Adusp, S.Paulo, nov.1993.O PAEG(1964-66);O PED(1968-1970);o I PND (1970-73); o II PND (1974-79) e

o III PND (1980-85) definiram serem atribuição do governo as políticassociais, ao mesmo tempo em que aplicavam o arrocho salarial e a concen-tração de rendas.

AUGUSTO,M.H. Políticas Públicas, Políticas Sociais e Política de Saúde:algumasquestões para reflexão e debate,in Tempo Social, Rev. Sociologia. USP S.Paulo, 1(2)105-119,2oSemestre,1989.

O Projeto GERES que está ainda sendo implementado nas iniversidades procu-ra estabelecer a existência de centros de excelência e de unidades vulgarizadoras doconhecimento, em lugar de definir um padrão unitário de qualidade , com desenvol-vimento da pesquisa, da capacitação docente e dos projetos regionais de atuação. Es-sa bandeira, defendida pela ANDES Sindicato Nacional, tem evitado a desqualifica-ção acelerada do sistema público superior de ensino.

Zilda Márcia Gricoli Iokoi é professora do Departa-mento de História da USP.

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Em toda parte, asu n i v e r s i d a d e spassam por trans-formações agudasque terminarãoredefinindo o seu

perfil. No Brasil não é diferente.O fato de vivermos em um paíspobre, em desenvolvimento echeio de contradições, só amplia

o conjunto de dificuldades comas quais precisaremos conviver.A Universidade de São Paulo,pelo papel de liderança que as-sumiu no país, tanto na pesquisaquanto no ensino de terceirograu, precisa enfrentar esses de-safios de maneira inteligente ecriativa, ciente da sua importân-cia social e ao mesmo tempo

comprometida com a sua inser-ção no cenário internacional.

O tema é rico e há inúmerasmaneiras de abordá-lo. O cami-nho escolhido para desenvolveresse artigo privilegia uma análisedo quanto pode a administraçãosuperior da universidade facilitar(ou dificultar) a superação de al-guns desses problemas. Dizendo

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Chefe de gabinete do ex-

reitor Roberto Leal da

Silva Lobo, José R.

Drugowich de Felício

conheceu os meandros, os

descaminhos, da

administração no interior

da Universidade de São

Paulo. Muitos,

evidentemente, são os

problemas que ainda

precisam ser resolvidos.

Neste artigo, ele analisa

os desafios que a USP

deve enfrentar para saber

aonde deseja chegar.

OS DESAFIOS QUE A USP PRECISA ENFRENTAR

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de outra forma, em que medidaas decisões centralizadas influemna vida universitária ? Para pre-parar a discussão, examinare-mos, em primeiro lugar, algunsfatos relativamente recentes queterão forte influência sobre o fu-turo da universidade : o estatutode 1988 e a decretação da auto-nomia financeira. Na seqüência,discutiremos a política de pes-soal, a organização da universi-dade, a carreira e as relaçõesdesses tópicos coma descentralizaçãoadministrativa e oorçamento.

O lugar onde ascoisas acontecemnão é a reitoria. Oensino é desenvolvi-do nas unidades, apesquisa é feita noslaboratórios e as2000 teses concluí-das a cada ano sãoorientadas pelosdocentes que estãonos departamentos.Portanto, o coraçãoda universidade ba-te em outro lugar.Perceber esse fatotalvez tenha sidouma das atitudesmais positivas do estatuto de1988 que, embora se mantendoconservador em muitos aspectos,acabou retirando das mãos deum grupo limitado (nos dois sen-tidos) de pessoas, a procuraçãopara opinar sobre todas as coisasna USP.

A criação dos Conselhos Cen-trais (Graduação, Pós-gradua-ção, Pesquisa, Cultura e Exten-são Universitária), com repre-sentantes de todas as unidadesde ensino e pesquisa , significouum avanço concreto sobre o “ve-lho” esquema de gerenciamentoda USP. Os docentes que têm as-sento nos conselhos centrais sãoas lideranças das unidades emcada uma dessas áreas. Eles par-ticipam, efetivamente, das deci-sões sem ter que abandonar os

laboratórios ou deixar de fre-qüentar as bibliotecas. Em ou-tras palavras, continuam noscentros de produção do conheci-mento, em contato com os estu-dantes e com os seus colegas.

O caso da extensão universi-tária é um bom exemplo da mu-dança de mentalidade. Espremi-da entre as cobranças cada vezmais fortes dos resultados origi-nais nas pesquisas e o preconcei-to arraigado de que prestação de

serviços é sinônimo de “comple-mentação de salários”, muitasiniciativas de enorme valor socialforam no passado reprimidas naspróprias unidades. O curioso éque muitas delas têm verdadeiravocação para essa tarefa, como éo caso da Faculdade de SaúdePública, e em menor grau dasEscolas de Enfermagem, deEducação Física além dos cursosde Fonoaudiologia, Fisioterapiae Terapia Ocupacional (da Facul-dade de Medicina). Para se teridéia de onde é possível chegarcom um trabalho de extensãobem feito é preciso visitar o Cen-trinho de Bauru (Hospital deReabilitação de Lesões Lábio-Palatais), nascido da Faculdadede Odontologia daquele campus.

O apoio a inúmeras adminis-

trações municipais, o DisqueTecnologia, o Projeto Nascente,a revitalização dos museus, osFestivais Universitários de Tea-tro são exemplos claros de que acultura e a extensão universitáriareceberam um enorme impulsodepois da aprovação do estatuto.

Para a graduação tambémhouve um benefício palpável.Embora não pudesse resolver so-zinho os conhecidos problemas,a criação do Conselho resgatou a

importância des-sa atividade, nomínimo fora demoda em algu-mas de nossasfaculdades.

Já a pesquisae a pós-gradua-ção se beneficia-ram menos danova ordem nau n i v e r s i d a d e .Com caracterís-ticas que as dife-renciam das ou-tras atividades,tais como oapoio das agên-cias externas defomento e a va-lorização pelosistema de re-

compensa nas promoções e re-contratações, essas atividades játêm o seu esquema consagradohá muito tempo. Mesmo assim, apartir de 92, a pós-graduaçãopassou a viver um saudável pe-ríodo de desregulamentação, hámuito tempo esperado pelos do-centes.

O fato indiscutível é que o es-tatuto de 88 provocou uma ver-dadeira reorganização da univer-sidade cujos efeitos só agora po-dem ser avaliados com seguran-ça. Por isso mesmo, voltaremosao ponto mais adiante.

Depois da greve de 1988, ogovernador Quércia fez questãode excluir das negociações sala-riais com o funcionalismo públi-co, professores e funcionáriosdas universidades estaduais. O

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reajuste de janeiro de 89 só seriaassinado por ele se os reitoresaceitassem gerir o orçamentoglobal das instituições. A conta,todo mundo sabe. Era a médiados recursos liberados nos trêsúltimos anos. Foi assim que sechegou aos conhecidos 8,4%.Contestados inicialmente pelosreitores que tinham outro núme-ro em seu poder, os 8,4% forammantidos em função da reformatributária, aprovada em 88, queentraria em vigor no ano seguin-te. Com ela, o ICM passaria a in-corporar o imposto sobre servi-ços (ICMS) e um aumento decerca de 20% de arrecadação es-tava previsto pelos técnicos daFazenda.

Embora fundamental, doponto de vista de independência,planejamento e gerenciamento,a médio e longo prazos, a auto-nomia trazia consigo uma arma-dilha extremamente perigosa.Da maneira como as coisas eramconduzidas até aquela altura, opagamento das aposentadoriassaía diretamente do orçamentodas autarquias. Nesse caso, amédia feita sobre os anos ante-riores jamais poderia prover osrecursos suficientes para darconta de uma despesa crescente.Para que se tenha uma idéia, sóem 89 e 90 aposentaram-se, naUSP, 33% do total de inativosque ela havia colecionado nos 55anos anteriores. A receita da au-tonomia não tinha remédio paraesse mal e a USP era, sem dúvi-da, a mais atingida por ele. Piorainda, tudo o que se descontados holleriths dos professores efuncionários autárquicos conti-nua indo para o IPESP. O reco-lhimento é para o pagamento depensão (aos dependentes do ser-vidor, depois de sua morte) enão para aposentadoria.

É claro que o problema não ésó da universidade. Isso estáocorrendo com todo o funciona-lismo do estado. Mas, no nossocaso não havia fôlego para sus-tentar a situação em curtíssimo

prazo. Era preciso por o pé nobreque e equilibrar o crescimen-to da folha de inativos com a di-minuição da folha de ativos. Foiassim que surgiu a política derestrição às substituições. Ela

cumpriu o seu papel no momen-to agudo da crise financeira masnão pode, de maneira nenhuma,ser entendida como política delongo prazo. A solução definitivapara o problema só virá com ou-tras medidas, algumas das quaisdiscutiremos a seguir.

Como já vimos, a recessão daera Collor, misturada ao cresci-mento da folha de inativos após adecretação da autonomia, exigiuuma política de pessoal bastanterestritiva na questão das contra-tações. Associado a esses proble-mas, ganhou corpo também osentimento de que a universidadehavia crescido muito, especial-mente nos seus órgãos centrais(Fundusp, Coseas, Prefeituras e

CCE). A informatização da reito-ria e a sua conseqüente ligaçãoon-line a todas as unidades deensino e pesquisa, institutos emuseus, ao invés de conduzir auma redução das pessoas envol-vidas com a administração, aca-bou ampliando aquele grupo. Es-sa visão acabou abrindo a pers-pectiva de reduzir o quadro defuncionários em cerca de 10%,num prazo de dois anos e meio.Mais da metade desse corte sedeu em cima da administraçãocentral, que, em 1985 era com-posta por 2800 funcionários e em1990 havia chegado aos 5800.

Com relação aos docentes,houve, também, uma diminuiçãode 5%, passando a USP a contarcom 4600 docentes equivalentes,número que deve ser comparadocom o mais alto atingido na his-tória, que foi de 4840. Tambémfoi dificultada a passagem para otempo integral, que passou a sermuito procurado depois da reso-lução 3533. Esse foi o motivo pa-ra que os novos claros fossemcriados em regime de turno com-pleto. Ora, se você restringe apossibilidade de alteração de re-gime para quem está dentro, en-tão, os novos admitidos tambémdeverão passar pelo mesmo crivoque os demais. Foi a resposta auma crise aguda. Mas, é claroque essa política não pode sermantida indefinidamente, sobpena de eliminar a competênciaem muitas áreas e atrasar a con-solidação em outras tantas. Auniversidade não pode gastarmetade do seu tempo elaboran-do pedidos, discutindo nos con-selhos, CTAs e congregações, pa-ra, depois, ver aprovada uma va-ga para cada faculdade, indepen-dente do tamanho dela, do nú-mero de aposentados e das suasatribuições.

A verdade é que a USP temhoje um índice superior a 10 pa-ra a relação alunos/professor oque, mesmo ficando um poucoabaixo da média internacional,está longe de nos colocar em si-

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AA uunniivveerrssiiddaaddee nnããoo

ppooddee ggaassttaarr mmeettaaddee

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tuação de constrangimento. Esse índice, para ficar em

poucos exemplos, é cerca de 50%maior do que os das nossas co-ir-mãs Unesp e Unicamp e está for-temente associado ao custo rela-tivamente baixo do aluno queaqui estuda. A situação não é amesma em relação aos funcioná-rios. O índice está por volta de 3alunos por funcionário que émuito parecido com o número daUnesp e um pouco menor do queo da Unicamp, mas émuito alto quandocomparado com índicesinternacionais. Mas aí,também, precisamoster cautela. No Brasil, emesmo no estado deSão Paulo, a tradiçãotem exigido das univer-sidades uma contrapar-tida que é fora do pa-drão de outros países.Excetuando-se a parti-cipação honrosa daFinep nos anos 80, oapoio à pesquisa poraqui se faz comprandoequipamento e dandoauxílios para custeio eviagens. Ignora-se sole-nemente que, na grande maioriadas vezes, é preciso contratar téc-nicos, melhorar instalações, tro-car transformadores, para que apesquisa possa, de fato, ser reali-zada. Isso obriga a universidade acontratar por tempo indetermi-nado uma ou várias pessoas queestão sendo solicitadas por umtempo limitado.

Felizmente, a troca de coman-do na Fapesp já começa a dar re-sultados. Agora já é possível soli-citar, daquela instituição, recur-sos para infra-estrutura. Final-mente, se descobriu que não épecado usar os recursos de umaagência de fomento, que desde89 vem recebendo 1% do ICMSdo estado, para melhorar as con-dições dos laboratórios. Mas, es-se é apenas o primeiro passo. Opróximo, precisa ser dado na di-reção de aceitar contratação de

pessoal, por tempo determinado,dentro dos projetos aprovados.Esses dogmas das agências, comopudemos verificar, estão muitomais relacionados com os proje-tos pessoais de alguns dos seusdirigentes do que com a otimiza-ção descompromissada do apoioao pesquisador.

Voltando ao assunto princi-pal, a USP precisa, acima de tu-do, saber para aonde vai. É pre-ciso estabelecer um quadro de

docentes e funcionários e saber,enfim, de que tamanho ela vaiser. É claro que não se pode sim-plesmente transferir o problemada aposentadoria para as unida-des, mas é perfeitamente possí-vel equacioná-lo em conjuntocom elas. A partir de um acordo,aprovado pelos colegiados com-petentes, pode-se traçar uma po-lítica de recursos humanos, ver-dadeira e transparente, mesmoque isso, infelizmente, não con-cretize os compromissos de cam-panha. Superada essa fase, pode-se transferir o orçamento global(pessoal+custeio) para as unida-des. Elas passarão a gerenciá-lode acordo com as linhas geraisda universidade, subordinadas,porém, às suas congregações.Ninguém melhor do que a unida-de para saber se é imprescindívela reposição de um funcionário

ou se, naquele caso, vale a penatransformar os recursos de pes-soal em custeio. Isso já foi feito,em caráter experimental, na ges-tão anterior. As unidades po-diam, inclusive, reverter a verbapara pessoal quando entendes-sem necessário. Não é bicho-de-sete-cabeças e diminui sensivel-mente a centralização das deci-sões e o conseqüente emperra-mento da máquina burocrática.

Bem, mas quais serão os pa-râmetros para balizaressa descentralização?Os mais globais podemser discutidos peloConselho Universitá-rio, ouvidas as suas co-missões (CAA,COP eCLR). Os conselhoscentrais também de-vem opinar sobre eles.Isso tudo é fácil. O queé difícil e imprescindí-vel é negociar a ques-tão dos inativos com ogoverno. Não há saídatécnica para esse pro-blema.

As atribuições doantigo CEPE e doCTA, sub-comissões do

Conselho Universitário, foramrepassadas aos Conselhos Cen-trais. Com essa medida, cerca de250 pessoas passaram a partici-par da administração da universi-dade, constituindo, inclusive, ocolegiado responsável pela elabo-ração da lista tríplice para as es-colhas do reitor e do vice-reitor.

O problema é que os mem-bros dos conselhos centrais sãoescolhidos pelas próprias comis-sões das unidades e têm mandatode dois anos, quase nunca coinci-dentes com o do diretor. Com is-so, monta-se uma administraçãoesquizofrênica em que o diretortem alguns projetos para a unida-de mas, não pode, muitas vezes,colocá-los em prática porque issoentra em choque com a políticados presidentes das comissões. Écomo se elegêssemos um presi-dente e quiséssemos escolher, em

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AA UUSSPP pprreecciissaa,, aacciimmaa ddee ttuuddoo,, ssaabbeerr

ppaarraa aaoonnddee vvaaii.. ÉÉ pprreecciissoo eessttaabbeelleecceerr

uumm qquuaaddrroo ddee ddoocceenntteess ee

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outras instâncias, os seus minis-tros. Não resta dúvida de que oobjetivo, no fundo, foi preservara unidade que eleja, ou ganhe depresente do reitor, um mau dire-tor. Mas, essa continuada des-confiança não pode servir de ar-gumento para distorcer todo oprincípio que norteia uma elei-ção. Vota-se em um programa detrabalho e não simplesmente emuma pessoa. Ninguém administrasozinho. O dirigente tem que secercar de outras pessoas e isso,também, deve fazer parte da ava-liação que se faz dos candidatos,na hora de votar. No caso dos di-retores, a coisa fica ainda maisfácil do que na eleição de reitor.Por isso, não há justificativa paraque o diretor não possa indicaras pessoas que presidirão as co-missões de pós-graduação, gra-duação, pesquisa e cultura e ex-tensão. A congregação fica com aprerrogativa de homologar ounão os nomes indicados.

Há, porém, um problema comessa prática. É que no sistemaatual, os presidentes das comis-sões têm participação decisiva nosegundo turno das eleições parareitor e vice. Se eles deixassem deser escolhidos pelos seus colegasde comissão, a legitimidade para

representá-los na elaboração dalista tríplice poderia facilmenteser contestada. OK, mas quemdisse que ao eleger um docentepara ocupar a presidência de umacomissão, seja ela qual for, tam-bém se deva delegar a ele a tarefade representar os seus colegas naeleição do reitor ? Esse é umequívoco do estatuto que precisaurgentemente ser revisto. Assimcomo precisa ser rediscutida aparticipação dos demais docentesnesse processo de escolha da lide-rança maior da universidade.

As questões mais polêmicasna universidade, hoje, estão cer-tamente associadas à política depessoal, à descentralização dasdecisões e à carreira. Não há co-mo resolver esses problemas sema participação das unidades edos seus docentes e funcionários.É certo que alguns dos entravessão meramente burocráticos epodem ser superados com boasidéias. Outros, estão ligados aopróprio estatuto da universidadeque, mesmo sendo muito melhordo que os anteriores, precisa seraperfeiçoado. A interface com asociedade, por exemplo, precisaser melhorada. O mesmo se apli-ca às agências de fomento. Acarreira também precisa ser re-

discutida assim como a reservade mercado que atrela poder etitulação de forma muito simplis-ta. Exemplo? Ora, todos sabemque docente que não for titularnão pode ser chefe de departa-mento. OK! É para dar maistempo aos docentes que aindanão atingiram o ponto mais altoda carreira. Certo ? Errado. Elesacabam sendo coordenadores depós-graduação, membros de co-missões, de conselhos, congrega-ções, envolvendo-se, de algumaforma, com tarefas administrati-vas. Acontece que isso é permiti-do e ninguém vê nesse fato umgrande mal. E não há, mesmo,nenhum problema porque sãotarefas que precisam ser feitas.O desaconselhável é que o pro-fessor deixe de realizar o seu tra-balho de pesquisa e orientaçãoem função dessas atribuições pa-ralelas. Mas, isso vale para to-dos, inclusive para os titulares.Então, qual é o problema ?

Bem, como se vê há váriosnós para desatar. Estamos ape-nas começando.

José Roberto Drugowich de Felícioé professor associado da Faculda-de de Filosofia, Ciências e Letrasde Ribeirão Preto.

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Considerado umverdadeiro celei-ro da inteligênciaacadêmica nacio-nal, o campus daUniversidade de

São Paulo vem se transformandono ambiente ideal para a com-provação de uma antiga e nadalisonjeira teoria com origem nasabedoria popular: a de que emcasa de ferreiro, o espeto é depau. Elencadas a partir do que sechamaria cientificamente de em-pirismo vulgar, muitas das coisasque neste ambiente ocorremmais parecem estar desafiandoleis que a Ciência tem, há sécu-los, como verdadeiras.

Para comprovar que, em mui-tos casos, a excelência defendidana universidade não ultrapassa oslimites do quadro-negro, bastatentar sair do campus por voltadas 11 da noite. O interessado vaidescobrir que este é o segundolugar a ter congestionamento deaté 20 minutos, neste horário, emtoda a megalópole paulistana. Oprimeiro seria algum ponto pró-ximo à porta de qualquer boatena Rua Augusta. Mas no campus,em um bairro estritamente resi-dencial, longe do vaivém do cen-tro, dezenas de carros tentandopassar por um único portãozi-nho... Bem, aqui parece ter al-guém tentando, diariamente, de-safiar na prática a lei física se-gundo a qual dois corpos nãoocupam o mesmo espaço ao mes-mo tempo.

O prefeito do campus, prof.Antonio Rodrigues Martins, in-forma que —por medidas de se-gurança — o portão principal é aúnica, das quatro saídas, que fun-

ciona a partir das 20h. Ela é con-trolada por vigilantes, tantoquanto a saída do Jaguaré, ondea Prefeitura de São Paulo estámovimentando grandes máqui-nas para a construção de umaavenida. “Lá tem valetas e nãotem iluminação, o que dá paraimaginar o tipo de acidente quepoderia causar ao nosso usuá-rio”, justifica Martins.

Se não funciona à noite, porfalta de iluminação, durante odia a saída do Jaguaré quebrariao galho, certo? Errado. Com aluz do sol, só abre nos horáriosde pico, entre 16h30 e 18h30.Sempre? Não, só de vez emquando, dependendo da movi-mentação das máquinas. Se dersorte, o motorista consegue sairpor lá. A culpa parece não ser deninguém, mesmo por que a sina-lização externa, indicando a en-trada Jaguaré para o campus, dáuma dica explícita ao motorista:a placa vive parcialmente cobertapor uma lona plástica. Ou seja,informa que a entrada para ocampus é por ali, mas que tam-bém pode não ser.

Para o próximo ano, o prefei-

to Martins promete corrigir essesdefeitos de circulação. Pretendecercar o campus com um murode 2,60 metros de altura e man-ter três saídas sob vigilância con-trolada: a principal, a da Jaguarée outra próxima à Veterinária,dando acesso à Av. Corifeu deAzevedo Marques. No campus jáexistem 2,5 quilômetros de muro;serão construídos outros 3 milmetros e só faltarão mais 1.500para serem levantados em um fu-turo bem próximo.

“Vamos finalmente tomarposse do campus”, anuncia oprof. Martins, na esperança deconter o lento processo de degra-dação que o excesso de visitaçãodescontrolada vem impondo aolugar. Segundo ele, o campustambém é usado como área depassagem por um considerávelnúmero de motoristas. Para se li-vrar de congestionamentos oulongas voltas, os espertinhosusam as avenidas do campus paraatingir o outro lado do bairro.“Só que, aqui dentro, desrespei-tam todas as leis de trânsito”, re-clama o prefeito.

Este visível descontrole do

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ESPETO DE PAU

Na rotina da USP nem tudo é assim tão científico, inteligente ou lógicocomo fazem crer os quadros-negros da casa.

Congestionamento de até 20 minutos para sair do campus.

Fotos: Ronaldo Entler

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ambiente interno já levou, esteano, à ocorrência de três mortesneste lugar não propriamente vo-cacionado a ser campo de bata-lha: uma funcionária do HospitalUniversitário foi assassinada du-rante um assalto; um rapaz quetentava roubar uma motocicletafoi morto por um PM; e um mo-rador da Favela San Remo, vizi-nha do campus, foi espancadoaté à morte e “desovado” no ter-reno da casa.

Domingão — Se, durante asemana, há toda esta ordem deproblemas, é nos sábados, do-mingos e feriados que a coisa ficarealmente impossível de contro-lar. Segundo levantamentos daprefeitura da cidade universitá-ria, nos últimos e ensolaradosmeses cerca de 80 mil pessoas e20 mil veículos transitaram, todosos domingos, pelo local.

“Não há policiamento, área deestacionamento, espaço físico esequer um sanitário para dar con-ta desta situação”, adverte o pre-feito do campus. É no “day-after”que as conseqüências aparecem:mil sacos de lixo são recolhidospelo pessoal da limpeza, vidrosestão quebrados, árvores destruí-das, gramados arrasados... situa-ção que não será admitida a par-tir do ano que vem, quandoUS$ 4 milhões serão investidosna recuperação paisagística daárea.

O prof. Martins admite quefechar o campus à visitação pú-blica pode parecer uma medidaantipática, “mas já é uma ques-tão de preservação do patrimô-nio público”, defende-se.

Além de todos esses proble-mas, a saída dos usuários, peloportão principal, parece indicarque a USP vem querendo dar au-las públicas, nos finais de semana,sobre a mesma lei física diariamen-te testada por seus alunos, funcio-nários e professores às 11 da noite.O congestionamento no portãoprincipal faz a avenida Paulistaparecer travessa secundária depacatas cidades interioranas.

“Já pedimos mais de dez vezespara o pessoal da CET ou do De-tran resolver o problema, masnunca apareceram”, informa oprefeito do campus. Enquanto dolado de dentro longas filas decarros se formam entre 11h30 e13h, as ruas do lado de fora fi-cam praticamente livres pelo pe-queno fluxo de veículos nos finaisde semana.

Bem-Brasil — Já decidido alimitar a visitação de multidõesao campus, o prefeito Martinsrompeu o convênio com a Fun-dação Padre Anchieta para a rea-lização das gravações do progra-ma “Bem Brasil”, que ofereciaespetáculos gratuitos de MPB noAnfiteatro Romano. Propôs em-prestar a área do Velódromo,

que foi considerada inadequadapelos produtores da TV Cultura.Contrariando o desejo de desafo-gar o campus, em meados destesegundo semestre, o Velódromofoi palco da versão uspiana doFree Jazz Festival, que levou 6mil pessoas ao show com rendaparcialmente revertida em bene-fício do Cepeusp.

“Não deu para romper essecontrato, firmado desde o final doano passado, mas eventos desteporte não ocorrerão mais poraqui”, promete o prefeito Martins.

A teoria do “espeto de pau”pode ser observada também nofuncionamento do Cepeusp — oCentro de Práticas Esportivas daUniversidade de São Paulo. Coma finalidade de levar alunos, pro-fessores e funcionários a “mantera forma com muita atividade”, oórgão funciona de domingo a do-mingo, das 6h45 às 21h. Com umconjunto de piscinas, lanchonetee quadras desportivas, o lugar éideal para oferecer lazer, nos diasde descanso, à comunidade uni-versitária e seus dependentes.Certo? Errado. O órgão não abrenos feriados.

“É nestes dias que a gente dáum descanso coletivo para osfuncionários”, justifica-se o dire-tor do órgão, prof. Luzimar Rai-mundo Teixeira.

É ele também o responsávelpelo fechamento da piscina prin-cipal, durante boa parte do ve-rão, para reformas de infra-estru-tura. tubulações. Segundo afir-ma, a obra começou no início doinverno passado, mas demoroubem mais que o previsto. A fer-rugem das tubulações galvaniza-das estava desperdiçando —se-gundo disse— pelo menos 100mil litros diários de água.

O idealizador do projeto ori-ginal da tubulação, ao que tudoindica, fez pós-graduação emconstrução de pirâmides. Quisfazer um monumento à eternida-de. Cercou a tubulação com umacamada superior a um metro (delargura e profundidade) de puro

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concreto, ao longo dos 300 me-tros ao redor da piscina, tornan-do impossível a localização dequalquer furo nos canos. Com areforma, o sistema de alimenta-ção da piscina olímpica foi refei-to com tubos de PVC.

Desperdício — Sempre lutan-do contra a falta de verbas, noano passado a comunidade daUSP assistiu boquiaberta à des-truição de uma ponte, na Aveni-da da Universidade, que custouUS$ 200 mil rateados entre aUniversidade, a Prefeitura deSão Paulo e o Departamento deÁgua e Esgoto do Estado. Comvida útil inferior a um ano, ela foiprojetada por professores da Polie teve como objetivo reduzir asconstantes enchentes não só docampus mas também das áreasexternas.

Explicação do prefeito Mar-tins: a ponte velha era muito bai-xa e não dava vazão suficientepara escoar as águas do córregoPirajussara, provocando enchen-tes a cada dois anos na região.Na época, a Prefeitura de SãoPaulo informou não ter planospara a canalização do Pirajussarae concordou com a obra projeta-da na USP, que ampliaria paraquatro anos o espaço entre gran-des cheias. Logo que terminou aobra, coincidentemente, caiuuma daquelas chuvas que só cai-ria a cada quatro anos. O resulta-do, na versão da Prefeitura docampus, foi a impressão de que aobra não teria servido para nada.

“O benefício que a obra trou-xe naquele período, evitando al-gumas enchentes, foi muito su-perior ao seu custo”, contabilizao prof. Martins. Mais recente-mente, a Prefeitura de São Pau-lo resolveu solucionar o proble-ma e derrubou a ponte nova.Construiu uma ainda mais largae alta em seu lugar, gastandoUS$ 12 milhões no alargamentoe canalização do Pirajussara.“Esta nova obra promete umaenchente só a cada 100 anos”,acredita Martins.

Computador — Diferente-mente do que era de se esperar,o programa de leasing de micro-computadores aos professores dacasa, desenvolvido nos últimosdois anos, acabou se transfor-mando numa verdadeira dor decabeça a alguns docentes. Osequipamentos foram compradosde um fornecedor norte-america-no, sem nenhuma consulta à co-munidade, e acabaram amplian-do a teoria do espeto de pau.

“Muitos dos monitores eramrecondicionados, embora tivessema marca da IBM, e simplesmentenão funcionaram”, reclama o prof.Routo Terada, à época represen-tante docente junto à ComissãoCentral de Informática da USP.

Jair Borin, professor da ECA,foi outro que sentiu na pele oproblema. A CPU que recebeufunciona na corrente de 110volts, que abastece o prédio doCurso de Jornalismo, mas o mo-nitor trabalha com 220. “Puxaruma outra fiação só para isso écoisa impensável”, afirma. Atéhoje, Borin usa o monitor na vol-tagem errada, o que dá uma con-siderável perda de qualidade. “Aimagem fica bastante desfocada”,descreve, incrédulo.

Não combina — Incrédula,também, fica a vereadora petistaTereza Lajolo cada vez que vem àUSP e passa em frente à Acade-mia de Polícia Civil do Estado,instalada junto ao portão princi-

pal, em pleno campus universitá-rio. “É coisa que não combina”,diz inconformada esta ex-militan-te do movimento estudantil, pre-sa na noite de 16 de dezembro de1968, quando o Exército invadiuo Crusp, amparado em uma leinem tão científica assim, o AtoInstitucional Nº 5.

“Na minha época de USP, nãose sabia ao certo o que seria feitonaquele prédio, mas houve mui-to protesto quando ficou confir-mado que instalariam uma uni-dade da polícia debaixo do nossonariz”, relembra Lajolo. A áreafoi doada à Secretaria de Segu-rança Pública em 1961 pelo en-tão reitor Antonio Barros deUlhôa Cintra.

O que também não combinacom o ambiente de excelênciaacadêmica é o acidente no qualse envolveu o aluno Moisés daSilva Santos, do curso de Filoso-fia, na noite de 30 de marçodeste ano. No terceiro andar dobloco D do Crusp, ele chamou oelevador, abriu a porta, deu umpasso no escuro à frente e caiuno fosso. O elevador estava de-sativado, no térreo, e a porta(que havia sido forçada ante-riormente) foi aberta sem ne-nhum esforço naquele momen-to. Moisés mora no bloco F eainda hoje se recupera das gra-ves lesões que sofreu.

Carlos A. Zanotti, jornalista

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Piscina principal do Cepeusp fica fechada durante boa parte do verão.

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PARTICIPE.

DÊ SUA OPINIÃO.

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A Revista Adusp tem como principal objetivo envolver os docentes daUniversidade de São Paulo na análise e discussão de problemasacadêmicos e de conjuntura nacional. Para que isso realmente acon-teça, é muito importante saber o que lhe interessa para leitura. Portan-to, gostaríamos que você respondesse o questionário abaixo, o qualservirá de base para a elaboração das próximas edições.

1) Gostaria que fossem abordados o(s) seguinte(s) temas nos próxi-mos números da Revista Adusp:

2) Gostaria de ler os temas sugeridos editados como:

q artigo q entrevista q reportagem q debate

3) A Revista Adusp deve manter coluna(s) fixa(s)? Qual(is)

4) Qual a sua avaliação desta primeira edição da Revista Adusp?

Solicitamos devolver este questionário através do malote interno da USP.

AduspAduspR e v i s t a