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APRESENT AÇÃO E conomistas de várias partes do mundo vêm alardeando há tempos que o Brasil é a “bola da vez”, na crise econômica que chacoalha o planeta de tempos em tempos e já atingiu o México, a Tailândia, a Coréia, o Japão e, mais recentemente, a Rússia. O que poucos conseguiam prever é que a mais recente dessas crises veio tangenciar o país às vésperas da realização da eleição presidencial, quando, até então, era dada como certa a reeleição de Fernando Henrique Cardoso já no primeiro turno. As oscilações das bolsas de valores nos principais mercados financeiros pode fazer oscilar também a intenção de voto do brasileiro. O impacto foi tão ameaçador para o país e para a reeleição do presidente que o governo optou por atacar a crise em doses homeopáticas. Evita, assim, baixar um “pacote econômico” que poderia assustar investidores e eleitores. Para analisar a influência das pesquisas no comportamento dos eleitores, esta edição traz matéria com diretores de vários institutos debatendo essa questão. Ainda dentro do tema eleição, publicamos os compromissos de Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva para o ensino superior e uma entrevista com Carlos Chagas, jornalista e comentarista político da TV Manchete em Brasília. Para ele, esta é uma das piores eleições presidenciais, desde 1955, em termos de opção de nomes à presidência. De um lado, FHC e o empobrecimento do país. De outro, Lula sem propostas econômicas factíveis. Para completar a cena descrita por Chagas, apresentam-se ainda ao eleitor os candidatos Ciro Gomes, “que caiu de pára-quedas na eleição”, e Enéas com a idéia fixa de construir a bomba atômica brasileira. No segundo bloco da revista, para escrever sobre o tema universidade, convidamos os professores Osvaldo Coggiola, Soraya Smaili e Francisco Miraglia. Renato Vargas, representante discente na Câmara Curricular do Conselho de Pós-graduação da USP, analisa a implantação do mestrado profissionalizante na universidade.

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APRESENTAÇÃO

Economistas de várias partes do mundo vêmalardeando há tempos que o Brasil é a “bola da

vez”, na crise econômica que chacoalha oplaneta de tempos em tempos e já atingiu o

México, a Tailândia, a Coréia, o Japão e, mais recentemente, aRússia. O que poucos conseguiam prever é que a mais recente

dessas crises veio tangenciar o país às vésperas da realização daeleição presidencial, quando, até então, era dada como certa a

reeleição de Fernando Henrique Cardoso já no primeiro turno. Asoscilações das bolsas de valores nos principais mercados

financeiros pode fazer oscilar também a intenção de voto dobrasileiro. O impacto foi tão ameaçador para o país e para a

reeleição do presidente que o governo optou por atacar a crise emdoses homeopáticas. Evita, assim, baixar um “pacote econômico”

que poderia assustar investidores e eleitores. Para analisar ainfluência das pesquisas no comportamento dos eleitores, esta

edição traz matéria com diretores de vários institutos debatendoessa questão. Ainda dentro do tema eleição, publicamos os

compromissos de Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silvapara o ensino superior e uma entrevista com Carlos Chagas,

jornalista e comentarista político da TV Manchete em Brasília.Para ele, esta é uma das piores eleições presidenciais, desde 1955,em termos de opção de nomes à presidência. De um lado, FHC e

o empobrecimento do país. De outro, Lula sem propostaseconômicas factíveis. Para completar a cena descrita por Chagas,apresentam-se ainda ao eleitor os candidatos Ciro Gomes, “que

caiu de pára-quedas na eleição”, e Enéas com a idéia fixa deconstruir a bomba atômica brasileira. No segundo bloco da

revista, para escrever sobre o tema universidade, convidamos osprofessores Osvaldo Coggiola, Soraya Smaili e Francisco Miraglia.

Renato Vargas, representante discente na Câmara Curricular doConselho de Pós-graduação da USP, analisa a implantação do

mestrado profissionalizante na universidade.

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DIRETORIAJair Borin, Osvaldo Coggiola, Marcos N. Magalhães, Iraci Palheta,

Ildo Luís Sauer, Lighia B. Horodynski-Matsushigue, José Moura Gonçalves Filho, Paulo Y. Kageyama, Antonio César Fagundes, Jairo Kenupp Bastos, Ires Dias

Comissão EditorialAdilson O. Citelli, Bernardo Kucinski, Fernando Leite Perrone,

Francisco Gorgônio da Nóbrega, Khaled Goubar, Nelson Achcar, Norberto Luiz Guarinello e Zilda M. Gricoli Iokoi

Editor: Marcos Luiz Cripa vdAssistente de redação: Almir RicardiEditor de arte: Luís Ricardo Câmara

Assistente de produção: Rogério YamamotoCapa: Dmag

Revisão: Thelma Regina MateusSecretaria: Alexandra Moretti Carillo e Aparecida de Fátima dos Reis Paiva

Distribuição: Marcelo Chaves e Walter dos AnjosIlustrações: Osvaldo Pavanelli (pp. 6 e 30), Dmag (p. 8) e

Luís Ricardo Câmara (p. 34 e p.45, a partir de um original de Cabrera Moreno) Fotolitos: Bureau Bandeirante

Gráfica: ChestermanTiragem: 5.500 exemplares

Adusp - S. Sind.Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 374

CEP 05508-900 - Cidade Universitária - São Paulo -SPInternet: http://www.adusp.org.brE-mail: [email protected]

Telefones: (011) 813-5573/818-4465/818-4466Fax: (011) 814-1715

A RReevviissttaa Adusp é uma publicação trimestral da Associação dos Docentes da Universidadede São Paulo - S. Sind., destinada aos associados. Os artigos assinados não refletem,necessariamente, o pensamento da diretoria da entidade e são de responsabilidade dosautores. Contribuições serão aceitas desde que os textos, inéditos, sejam entregues emdisquete e tenham, no mínimo, dez mil e, no máximo, vinte mil caracteres. Os artigos serãoavaliados pela Comissão Editorial que decidirá sobre seu aproveitamento.

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ÍÍNNDDIICCEE

6AA IINNFFLLUUÊÊNNCCIIAA DDAASS PPEESSQQUUIISSAASS NNAA EELLEEIIÇÇÃÃOO

Carlos Alberto Zanotti

11EELLEEIIÇÇÕÕEESS 9988

EEMMBBAATTEE DDEE PPRROOJJEETTOOSS PPAARRAA OO EENNSSIINNOO SSUUPPEERRIIOORR

12OOSS DDEESSAAFFIIOOSS DDOO EENNSSIINNOO SSUUPPEERRIIOORR

Fernando Henrique Cardoso

18MMUUDDAARR AA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO PPAARRAA MMUUDDAARR OO BBRRAASSIILL

Luiz Inácio Lula da Silva

23EENNTTRREEVVIISSTTAA

Carlos Chagas

30DDEESSMMEENNTTIIRR EE DDEESSMMIITTIIFFIICCAARR ÉÉ PPRREECCIISSOO,,

PPRRIIVVAATTIIZZAARR NNÃÃOO ÉÉ PPRREECCIISSOOSoraya Smaili e Francisco Miraglia

34AA CCRRIISSEE UUNNIIVVEERRSSIITTÁÁRRIIAA NNOO BBRRAASSIILL

Osvaldo Coggiola

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UUMMAA QQUUEESSTTÃÃOO QQUUEE PPEERRMMAANNEECCEERenato Vargas

45IIMMPPOOSSTTUURRAASS AALLEEAATTÓÓRRIIAASS

Denilson Soares Cordeiro

47NNOOTTAASS DDAA AACCAADDEEMMIIAA

50CCAARRTTAA

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E le ições 98

A INFLUÊNCIA DAS PESQUISAS NA ELEIÇÃO

Carlos Alberto Zanotti

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Acada nova eleição,sempre que são di-vulgadas as sonda-gens eleitorais, umainjeção de ânimo to-ma conta de alguns

comitês partidários enquanto queo baixo astral instala-se em outros.Os que estão no topo da lista pas-sam a contar com generosas doa-ções financeiras, enquanto que osúltimos colocados experimentam,por antecipação, o amargo saborda derrota e observam, impoten-tes, que os aliados já começam aabandonar o barco. É este o poderdas pesquisas? Por que há tantachiadeira em relação às suas divul-gações? Elas fazem mal à demo-cracia ou à liberdade de escolha?Deveriam ser proibidas?

No meio político, há uma máxi-ma recorrente segundo a qual "aspesquisas só são verdadeiras quan-do estou em primeiro lugar". O ca-careco Enéas, por exemplo, jamaisacreditou nelas: "São todas mani-puladas". O argumento faz partedo jogo político, e é visto apenascomo mais um ingrediente na ava-lanche de cinismo e demagogiaque desfilam o tempo todo diantedas câmeras de TV. Mas com umdado todos concordam: se as pes-quisas não produzem diretamentenenhum mal ao processo político,elas ajudam a construir um cená-rio que torna quase inevitável a vi-tória de um determinado candida-to, geralmente o mais identificadocom os interesses oligárquicos quesempre dominaram o cenário polí-tico brasileiro.

"Há um endeusamento injustifi-cado das pesquisas, como se elas

de fato antecipassem em váriosmeses o resultado das eleições", re-clama o sociólogo Francisco Joséde Toledo, da agência Toledo &Associados, que já trabalhou paracandidatos tão diferentes quantoJânio Quadros, Leonel Brizola ePaulo Maluf. "A pesquisa ofereceum conhecimento volátil, que podeser modificado a qualquer instan-te. Só fatos concretos mudam osrumos e os resultados de uma elei-ção", pondera o pesquisador.

Um fato bastante concreto -To-ledo concorda- são os cerca deR$ 50 milhões esperados, a títulode doação, à campanha pela ree-leição do presidente FernandoHenrique Cardoso. O valor equi-vale a um investimento da ordemde 50 centavos para cada um dos106 milhões de eleitores aptos avotar no próximo dia 4 de outubro.Deles, pelo menos 37% estariamno grupo de eleitores considerados"volúveis", segundo classificação doDatafolha, o instituto de pesquisasdo jornal "Folha de S.Paulo". Os"volúveis" a que o instituto se refe-re seriam os eleitores que oscilamentre as duas principais candidatu-ras: a de FHC e a do ex-sindicalistaLula, em sua terceira tentativa dechegar ao Palácio do Planalto.Uma outra característica do eleito-rado brasileiro, segundo apurou oInstituto Brasileiro de Pesquisas eOpinião Pública (Ibope), é sua nãoidentificação partidária: 51% delesafirmam não gostar de nenhumpartido político.

Essa particularidade não tornao eleitorado brasileiro nem maisnem menos vulnerável à influênciadas pesquisas. É por isso que o di-

retor do Datafolha, sociólogoMauro Francisco Paulino, formadopela Universidade de São Paulo,não vê pecado na divulgação depesquisas eleitorais durante o an-dar da carruagem. "Quando con-correu à Prefeitura de São Paulo,Luiza Erundina esteve boa partedo tempo atrás do primeiro colo-cado", recorda-se. "Se a divulgaçãode seus baixos índices iniciais ser-visse para tirar votos dela, Erundi-na não teria revertido o jogo e go-vernado a cidade por quatro anos".

"É claro que a divulgação daspesquisas interfere no resultadodas eleições, mas não necessaria-mente para pegar votos de indeci-sos em benefício de quem está àfrente", afirma o sociólogo GustavoVenturi, coordenador do Núcleo deOpinião Pública da Fundação Per-seu Abramo, órgão que faz as pes-quisas para a coligação União doPovo, que tem Lula como candida-to à Presidência. "Este é apenas umdado a mais para ajudar o eleitor apensar e decidir seu voto", afirmaVenturi, para quem a divulgaçãodos resultados é, neste sentido, umbenefício à democracia.

Venturi disse que, em pesquisasque já realizou, chegou a constatarque apenas 20% dos eleitores afir-maram ter mudado seu voto de-pois de terem tomado uma decisãoinicial a favor de uma determinadacandidatura. E que destes, apenas25%, ou seja 5% do total dos elei-tores inscritos, admitiram que vo-taram para eleger o vencedor nassondagens eleitorais divulgadas pe-los meios de comunicação. Os de-mais 75% daquele 1/5 -segundo osociólogo da Fundação Perseu

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Abramo- usaram o resultado dapesquisa para praticar o exercíciodo voto útil. "Alguns votaram paracandidatos ideologicamente próxi-mos aos seus, e outros, para fazercom que a eleição acabasse já noprimeiro turno".

Francisco Toledo acredita que,no máximo, 4% de eleitores agemno estilo maria-vai-com-as-outrasquando tomam sua decisão de votona presença dos resultados daspesquisas eleitorais. "Não chega aser uma coisa preocupante, poiseste tipo de comportamento fazparte do processo democrático",afirma. "Em tempos anteriores,Lula e Antonio Ermírio de Moraessaíram na frente e acabaram der-rotados", recorda o sociólogo ao ci-tar o esforço inútil do presidentedo Grupo Votorantin para vencerOrestes Quércia na corrida ao Pa-lácio dos Bandeirantes.

Estudioso do tema e autor devários textos científicos sobre o as-sunto, o professor Venício Arturde Lima, coordenador do Núcleode Estudos sobre Mídia e Política(Nemp), da Universidade de Bra-sília (UnB), afirma que há duasvertentes que se contrapõem aoavaliar o comportamento do elei-tor diante da divulgação das pes-quisas. "Uma corrente afirma queo eleitor tende a votar em quemestá na frente e a outra jura que oeleitor, solidário com o perdedor,tende a dar seu voto para quemestá atrás", diz.

O professor da UnB lembraque o tema ganhou contornos le-gais durante as eleições de 1989.Na época, acolhendo uma repre-sentação dos órgãos de imprensa,

o Supremo Tribunal Federal(STF) considerou inconstitucionala proibição da divulgação dos re-sultados dessas consultas. A teseaceita pelo Supremo foi de que odado deve ser entendido como in-formação noticiosa de interessepúblico, estando livre de censura,prática proibida pela então recém-promulgada Constituição Brasilei-ra no capítulo referente à liberda-de de imprensa.

"Sem conhecer as pesquisas, oeleitor fica muito mais restrito emsua liberdade para exercer um vo-to consciente", afirma Venturi, daFundação Perseu Abramo. "O elei-tor decide o voto a partir das infor-mações de que dispõe, e as pesqui-sas são uma informação a mais àdisposição dele", completa Pauli-no, do Datafolha. "Na verdade, aspesquisas têm tanta influência noconjunto da campanha quanto ohorário eleitoral gratuito, o noti-ciário geral da televisão ou o viceescolhido para a chapa", arremata.

Repercussões

Se as pesquisas são diretamenteinofensivas e, por vezes, até dese-jáveis em relação ao eleitor, o mes-mo não se pode dizer do estragoque elas fazem no conjunto dacampanha. Não por sua divulga-ção, mas simplesmente por existi-rem e apontarem, para os grandesfinanciadores de campanhas, quaisos candidatos com mais chances devitória. "As elites brasileiras sãopragmáticas e atuam no sentido dedefenderem somente os seus inte-resses diretos e imediatos. Dãomuito dinheiro para quem está à

frente e um pouquinho para os queestão atrás. Mas duvido que, quan-do estava na frente, Lula tenha re-cebido alguma vez uma chuva dedoações", afirma Venturi.

Não é de estranhar, portanto,que dois dos grandes institutos depesquisas do país, o Ibope e o VoxPopuli, estejam trabalhando paraassociações patronais de grandeporte. O primeiro faz levantamen-tos para a poderosa ConfederaçãoNacional da Indústria (CNI) e osegundo, para a Confederação Na-cional dos Transportes (CNT), se-gundo informou o diretor da Tole-do & Associados. Francisco Joséde Toledo lembra ainda que as pes-quisas feitas em época de campa-nha não apenas indicam posiçõesde candidaturas, mas oferecem ar-

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gumentos que os candidatos preci-sam usar para melhorar suas posi-ções. "Se isso estiver acontecendo,temos um problema ético extrema-mente grave, pois a CNI e a CNTtêm características para-governa-mentais", critica o pesquisador.

Nos jornais impressos, as pes-quisas funcionam também paradeterminar os espaços editoriaisque serão destinados aos candida-tos durante as coberturas das cam-panhas: quem está na frente temmais espaço e os nanicos raramen-te saem do pé de página. O crité-rio está documentado -onde é ti-midamente admitido por jornalis-tas- em uma dissertação de mes-trado, desenvolvida na ECA-USP,intitulada "As prévias eleitorais noespetáculo noticioso", que acom-

panhou a campanha de 1992 àPrefeitura de São Paulo. "Esse éum critério que alguns jornaisusam, porque teriam que adotaralgum critério", consola-se Ventu-ri, acrescentando que "de qualquermaneira, é um critério danoso,pois reforça o status quo".

"O maior problema nem sem-pre é a quantidade de espaço, masa qualidade do espaço destinadoaos candidatos. Na semana de 15 a21 de agosto, por exemplo, acredi-to que Lula tenha tido mais espaçoque o Fernando Henrique, só queum espaço totalmente negativo emfunção do vultoso cheque de R$ 10mil depositado na conta dele",brinca indignado Venturi.

Venício Lima vai mais à frente:"O que muitas vezes se esquece éque os meios de comunicação exer-cem um papel central na formaçãodas opiniões no mundo contempo-râneo". Segundo ele, a pesquisanão é algo que poderia ser tratadoisoladamente. Ela contribuiria ape-nas em parte para com a constru-ção de um cenário que torna prati-camente inevitável um determina-do resultado. O pesquisador admi-te que é difícil provar, mas existeuma bem montada estrutura sim-bólica por trás das notícias divulga-das nos meios de comunicação.

Exemplo claro, na opinião dopesquisador, seria o título dado noalto da capa da revista "Época", docomplexo de comunicação adminis-trado por Roberto Marinho, data-da de 17 de agosto último. Dizia otexto, referindo-se à radiografia dacampanha eleitoral: "FernandoHenrique Cardoso no ataque, Lulana defensiva". É deste tipo de suti-

leza, só possível com malabarismolingüístico, que Venício Lima recla-ma. Ele promete costurar estas re-flexões em um novo texto científi-co, que circulará depois de encerra-do o processo eleitoral deste ano, apartir de uma pesquisa que estácoordenando junto a jornais im-pressos e noticiários de televisão.

Dois pesos

Menos sutil que o título da revis-ta "Época" foi o tratamento que ojornal "O Estado de Minas", de BeloHorizonte, deu à divulgação de umapesquisa eleitoral feita pelo Ibopeentre os dias 6 e 9 de agosto naque-le Estado. A reportagem circuloucomo matéria principal da ediçãode 14 daquele mês, com a seguintemanchete: "Itamar cai 2 pontos napesquisa". Problema: embora o jor-nal não tenha informado a margemde erro, dificilmente algum institutotrabalharia com índices inferiores a2%. Ou seja: Itamar não teria de fa-to "caído", mas simplesmente apre-sentado uma "oscilação amostral"no jargão dos especialistas.

Tudo bem se o pecado perma-necesse por ali. No entanto, logoabaixo da "queda virtual" do ex-presidente, agora candidato ao go-verno de Minas, o jornal estampououtro título: "Números dão vitóriaa FHC no 1º turno", em reporta-gem que registrava também umaqueda percentual de 2 pontos paraFernando Henrique Cardoso e umavanço de 1 ponto para Lula em re-lação à pesquisa anterior. Proble-mas como estes foram apontadosem cerca de 30% das notícias refe-rentes às pesquisas eleitorais inves-

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tigadas em 1992 na dissertação de-fendida na ECA, o que caracterizaum certo "despreparo do jornalista"no tratamento com números amos-trais, segundo Gustavo Venturi, àépoca diretor do Datafolha.

Mais que a falta de habilidadejornalística em mexer com núme-ros, Venício Lima observa um pro-blema que mereceria -a seu ver- serresolvido para coibir problemas re-lativos às pesquisas. "Há institutosque trabalham para veículos de co-municação e candidatos ao mesmotempo, como fez o Ibope na cam-panha do Collor e no suporte aosnoticiários da Rede Globo, o que éno mínimo suspeito", queixa-se oprofessor da UnB. Para ele, a legis-lação atual, que considera crime adivulgação de dados fraudulentos enão passíveis de comprovação, é in-suficiente para dar conta da com-plexidade do tema.

No caso do "Estado de Minas",mais um detalhe nada desprezível,e que colabora na construção docenário a que se refere Venício, pô-de ser observado na edição do jor-nal. Na página 3, onde os textoscompletos foram publicados, haviaapenas uma enorme foto de FHC,não como candidato, mas comopresidente (como se isto fosse pos-sível) recepcionando, no Palácio doAlvorada, os dois estudantes brasi-leiros premiados na Olimpíada deMatemática de Taiwan. Aqui, ne-nhuma sutileza foi sequer ensaiada.

Também colabora com a cons-trução do cenário eleitoral o pró-prio uso das "fontes oficiais" para aprodução de reportagens por parteda imprensa em geral. Diariamen-te, um ou outro ministro aparece

dando depoimentos em emissorasde rádio, TV e jornais impressos.Mesmo que não queiram, a exposi-ção pública destas personalidadesinfluencia o jogo eleitoral, especial-mente quando existem candidatu-ras à reeleição. Não foi à toa queos pastores da TV Record critica-ram o apresentador Carlos Massa,o "Ratinho", que levou o ministroda Saúde ao seu programa. Nele, oeconomista José Serra conclamavaas mulheres brasileiras a se apre-sentarem para os exames gratuitospara detecção de câncer de colo deútero. "Tão logo concluamos acampanha (leia-se, depois das elei-ções), vamos iniciar os tratamentosgratuitamente na rede pública desaúde", prometeu enquanto eraefusivamente aplaudido.

"Essa legislação eleitoral favo-rece demais a quem está no po-der", queixa-se Venício Lima, "e es-se é o grande problema que esta-mos enfrentando nestas eleições".O protesto também sai da boca deToledo: "Essa é a eleição onde tu-do pode, mas só para o presiden-te", descreve. Depois de ter chama-do os aposentados brasileiros devagabundos, ter ignorado a tempode evitar o flagelo da seca no Nor-deste e ter permitido que o desem-prego atingisse um em cada 5 che-fes de família, FHC chegou ao fun-do do poço nas pesquisas, ficandotecnicamente empatado com Lulana casa dos 30% durante a primei-ra quinzena de junho. A canetapresidencial, a partir de então, fun-cionou como uma alavanca para osíndices que o colocaram logo de-pois como favorito a uma vitória jáno primeiro turno.

Em 1º de julho, uma série defestividades marcou o quarto ani-versário do plano de estabilizaçãomonetária criado por FHC, comfarta cobertura pela imprensa. Lo-go em seguida, a custo de R$ 326milhões, começavam a circular asnovas moedas de Real - os "santi-nhos" mais caros de todas as cam-panhas eleitorais brasileiras, comoalguns jornalistas chegaram a des-crevê-las. Depois veio o leilão dascompanhias estatais de telecomuni-cações, com cobertura amplamentefavorável da imprensa. E até a in-dústria automobilística acabou be-neficiada: ganhou uma redução deimposto para desovar seus esto-ques, enquanto que os consórciosforam incentivados com uma inusi-tada "prestação balão" a ser pagacom o 13º salário dos adquirentes.

Ações como estas e sua intensadivulgação na mídia, especialmen-te em forma de noticiário, condu-zem muito mais a opinião públicado que a simples divulgação daspesquisas eleitorais, segundo os es-pecialistas do ramo. Caso ocorra, aatuação irresponsável de jornalis-tas e seus patrões estaria situadana vala comum das questões éticase da falta de compromisso com osvalores que deveriam reger o papelda imprensa. No outro extremo, sejogadas para o plano da ingenuida-de, as ações da imprensa soariamcomo o pedido de desculpas que oinsosso personagem de um progra-ma infantil choraminga após esbo-fetear seus coadjuvantes: "Foi semquerer, querendo".

Carlos Alberto Zanotti é jornalista eprofessor da PUC-Campinas.

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EMBATE DE PROJETOS PARA O ENSINO SUPERIOR

A prioridade do governo Fernando Henrique Cardoso, paraa área da educação nos últimos quatro anos, foi o ensino

fundamental. Neste período, professores e funcionários dasuniversidades federais permaneceram três anos e meio sem

qualquer reajuste salarial e deflagraram uma greve de104 dias. Também neste período travou-se, no CongressoNacional, um grande embate entre o Plano Nacional deEducação (PNE) apresentado pelo governo federal e umoutro encaminhado pela sociedade civil. Avesso ao debate

com os sindicatos, as novas medidas do governo FHC em relação ao ensino superior foram encaminhadas ouimplantadas sem consulta aos principais interessados:docentes e estudantes. Com o propósito de socializar as

propostas dos dois principais candidatos à eleiçãopresidencial deste ano, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, estamos publicando nas

próximas páginas as propostas de cada um deles para oensino superior. Fernando Henrique tem a vantagem

(ou desvantagem) de apresentar resultados, enquanto Lula firma seu protocolo de intenções.

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Adefinição clara da prioridade na educa-ção fundamental não impediu o gover-no Fernando Henrique de dedicarenorme esforço e atenção ao ensino su-perior. Sem dúvida, os problemas nestaárea são bastante mais complexos do

que nos demais níveis de ensino e, por isso mesmo, osresultados tendem a aparecer a mais longo prazo.Além disso, são notórias as dificuldades em organizarconsensos sobre estes temas, devido à multiplicidadede agentes sociais e de visões distintas sobre o papeldas universidades.

Tais dificuldades podem ser ilustradas pelos pro-blemas que apareceram na implementação de doiselementos da política do governo: a avaliação dos cur-sos de graduação e a redefinição do marco legal paraa plena autonomia financeira e administrativa dasuniversidades federais. No primeiro caso, foi possívelsuperar todas as resistências e completar com êxito aimplementação da política de avaliação. No segundo,os avanços ainda vão depender da plena conscientiza-ção da sociedade e da própria universidade, quanto àimportância da reforma, vital para a sobrevivência eaprimoramento do sistema.

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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

OS DESAFIOS DO

ENSINO SUPERIOR Div

ulga

ção

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Não obstante essas dificuldades, o governo Fer-nando Henrique formulou e implementou um con-junto articulado de medidas, que terão impacto deci-sivo na melhoria do sistema de ensino superior dopaís. Essas políticas podem ser agrupadas em algu-mas linhas básicas de atuação que guardam total coe-rência com o diagnóstico e com as propostas formu-ladas, há quatro anos, no Programa de GovernoMãos à Obra, Brasil:

Em relação ao conjunto do sistema de ensino supe-rior: redefinição dos mecanismos de credenciamento eexpansão; criação da avaliação dos cursos na gradua-ção e aprimoramento da avaliação na pós-graduação;e expansão e seletividade da pós-graduação.

Em relação ao sistema público federal: transparên-cia e eficiência no uso de recursos públicos; fortaleci-mento e melhoria da graduação; ênfase no papel docorpo docente na gestão das instituições; melhoria daqualificação do corpo docente; e definição de políti-cas de remuneração associadas ao mérito, à dedica-ção e à avaliação dos professores.

Expansão do sistema

O Brasil possuía, em 1994, um sistema de ensinosuperior mais ou menos adequado, em termos de ta-manho, às dimensões do nosso sistema educacional.O número de vagas existentes correspondia a apenas1,2 vezes o número de concluintes do ensino médio.Entretanto, em relação à população, o sistema era econtinua pequeno, se comparado a outros países lati-no-americanos.

O problema não estava na falta de vagas, mas naescassez de alunos habilitados, face à baixa eficiênciado ensino fundamental, que se traduzia em um núme-ro limitado de alunos concluintes do ensino médio.Não é de estranhar que a matrícula no ensino supe-rior tenha se mantido, por muitos anos, praticamenteinalterada. Entre 1983 e 1993, o total de alunos nosistema passou de 1,4 milhão para 1,5 milhão.

A situação da demanda já está mudando e tudo in-dica que continuará se acentuando em conseqüênciadas políticas de melhoria da qualidade da educaçãobásica. A matrícula do ensino médio apresentou umaexpansão significativa e deverá acelerar-se ainda

mais, o que impunha a necessidade de preparar a ex-pansão do sistema.

Por outro lado, o credenciamento, baseado ape-nas na análise das condições prévias ao funcionamen-to da instituição e no reconhecimento de cursos semprazo determinado, aliado à falta de avaliação poste-rior, levou a um modelo rígido, sem competição e debaixa qualidade.

A primeira providência do governo foi a aprova-ção da Lei 9.131/95, que criou o Conselho Nacionalde Educação e redefiniu as bases do credenciamentode novas instituições, com o objetivo de promover aexpansão com qualidade para fazer frente à nova de-manda por ensino superior.

O novo sistema está baseado na flexibilidade, com-petitividade e avaliação. O aspecto mais importanteda Lei 9.131/95 foi estabelecer a necessidade do re-credenciamento periódico das instituições, baseadana avaliação do desempenho dos cursos e das institui-ções de ensino superior.

Além disso, a partir da Lei de Diretrizes e Basesda Educação, foi publicado o Decreto 2.306/97, queampliou a diversificação institucional do sistema e suaorganização, criando as novas figuras jurídicas dosCentros Universitários e das Faculdades Integradas.

O novo decreto possibilitou a expansão do siste-ma, conferindo mais liberdade para a criação de no-vos cursos por instituições não universitárias que sedestaquem pela qualidade do ensino, sem a obriga-ção de investir em pesquisa e pós-graduação, pré-re-quisitos indispensáveis apenas para se transforma-rem em universidades. Estabeleceu, também, a pos-sibilidade do setor privado organizar-se em formasjurídicas alternativas, integrando às instituições di-reitos e obrigações sociais adequados à sua naturezajurídica, sem prejuízo da qualidade do ensino e deoutras atribuições.

Além disso, o decreto garante aos alunos o direitode se informarem sobre as condições e o desempenhodas instituições de ensino superior, agora obrigadas apublicar anualmente um catálogo geral com as infor-mações pertinentes à qualidade do ensino, situaçãodos cursos, composição e regime de trabalho do corpodocente e as condições detalhadas de sua infra-estru-tura, como laboratórios, bibliotecas, salas de aula etc.

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Devemos atingir neste ano de 1998 a cifra de,aproximadamente, 2,1 milhões de alunos no ensinosuperior, registrando-se um aumento de 424 mil ma-trículas em relação a 1994, das quais 63 mil do siste-ma público federal, sem aumento no quadro de pro-fessores e funcionários. Portanto, a matrícula no ensi-no superior cresceu em termos absolutos, nestes últi-mos quatro anos, mais do que nos 14 anos anteriores(1980 a 1994), quando havia se expandido em apenas284 mil alunos.

Avaliação

A avaliação tradicional da pós-graduação no Bra-sil é um dos principais fatores explicativos do êxitoque tem tido este nível de ensino. A graduação, con-tudo, carecia de um sistema objetivo e abrangente deavaliação, que proporcionasse tanto critérios a seremincorporados no processo de reconhecimento de cur-sos e recredenciamento das instituições, quanto in-formações transparentes e objetivas para o conjuntoda sociedade.

Implantado em 1996, o Exame Nacional de Cursosjá avaliou 10 áreas de graduação (Direito, Administra-ção, Engenharia Civil, Engenharia Química, Engenha-ria Mecânica, Medicina Veterinária, Odontologia, Le-tras, Matemática e Jornalismo) e tem mostrado resul-tados muito favoráveis quanto à qualidade das univer-sidades públicas. O sistema de avaliação da graduaçãotem no Exame sua parte mais visível, mas, hoje, já con-templa um complexo sistema de indicadores, à seme-lhança do que acontece na pós-graduação.

Além disso, o MEC vem promovendo uma avalia-ção in loco das condições de oferta dos cursos de gra-duação pelas instituições (especialmente das mal ava-liadas no Exame), por comitês de especialistas que jávisitaram mais de 700 cursos.

A avaliação institucional foi convertida em umamodalidade integrada ao sistema de avaliação doMEC, que vem incentivando sua implantação nas ins-tituições de ensino superior, adequando seu procedi-mento e acompanhando sua implementação com oapoio de especialistas nesta modalidade. A avaliaçãocompõe o conjunto de indicadores a ser consideradono processo de recredenciamento das instituições.

Apesar de tradicional e respeitado, o sistema deavaliação da pós-graduação havia perdido, com otempo, seu poder de discriminação. Uma proporçãomuito elevada dos cursos detinha conceitos A e B enão era possível identificar quais os programas querealmente possuíam nível de excelência comparávelinternacionalmente. Todo o sistema de avaliação dapós-graduação foi objeto de um exame por especialis-tas internacionais, o que serviu de estímulo para umaimportante reformulação, com a participação ativa dacomunidade acadêmica brasileira.

Recursos públicos

Não há dúvida que as Instituições Federais de En-sino Superior (IFES) constituem o núcleo do sistemauniversitário brasileiro, juntamente com algumas uni-versidades estaduais. Nelas concentra-se a pesquisa,a pós-graduação, o desenvolvimento de tecnologiasimportantes para o país e o ensino de graduação demelhor qualidade. Por essas razões, a sociedade bra-sileira não pode prescindir do sistema universitáriopúblico para o seu desenvolvimento e quer ver am-pliada a sua contribuição para o progresso econômi-co e social do país.

Entretanto, são conhecidos também os problemasde eficiência e custos desse sistema. As relações alu-no/professor e aluno/funcionário precisam ser amplia-das, até atingirem os padrões dos melhores sistemasinternacionais, sem que isso acarrete perda de quali-dade: esta deve ser a resposta do ensino superior àsdemandas que se anunciam para os próximos anos.

A origem desses problemas pode ser encontradatanto em fatores externos quanto internos às universi-dades, dentre os quais destaca-se o fato de estaremprofessores e funcionários submetidos ao Regime Ju-rídico Único. Ademais, as taxas de evasão nas univer-sidades públicas também são muito elevadas, o queresulta em turmas muito reduzidas, especialmentenos anos finais dos cursos.

Para reverter este quadro, será necessário um es-forço de parte das universidades públicas para absor-ver um número maior de alunos oriundos de outrasinstituições para preencher essas vagas e ampliar, as-sim, sua contribuição à sociedade. Além do mais, será

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necessário aumentar a oferta de vagas e o número deturmas, especialmente nos cursos noturnos. Estes sãoexemplos de fatores internos às universidades quecontribuem para os indicadores mencionados.

Na busca de maior eficiência, transparência e res-ponsabilidade social por parte das instituições federaisde ensino superior, os avanços alcançados nos últimostrês anos e meio foram muito significativos, ainda quemuitos deles tenham provocado natural reação ao al-terar práticas administrativas tradicionais.

Deixaram de ser importantes as práticas de gerarsaldos financeiros que podiam ser aplicados no mer-cado, criando uma receita inflacionária para as ins-tituições, o que era, inclusive, estimulado pelo pró-prio MEC. O enquadramento de todas as institui-ções do Ministério da Educação no SIAPE (SistemaIntegrado de Administração de Pessoal), desde ou-tubro de 1997, tornou mais transparente a adminis-tração de pessoal, antes totalmente fora de contro-le. Basta assinalar que a despesa mensal do MECcom pessoal reduziu-se de R$ 410 milhões paraR$ 390 milhões apenas pelo enquadramento de to-das as entidades nesse sistema que abrange toda aadministração federal.

Como conseqüência, reduziram-se drasticamenteos chamados recursos próprios das instituições fede-rais. Em contrapartida, o governo aumentou significa-tivamente a contribuição de recursos oriundos do Te-souro para o custeio das universidades federais, com-pensando a perda de recursos de aplicações financei-ras, comuns no período de alta inflação. Em valoresconstantes, a preços de 1997, o volume de recursosorçamentários cresceu de R$ 419 milhões em 1994para R$ 641 milhões em 1997.

Estes dados demonstram claramente o compro-misso do governo com seu sistema de ensino supe-rior. Compromisso que também leva em conta ummaior controle dos gastos e uma maior transparên-cia na distribuição dos recursos entre as instituições,segundo uma matriz discutida e aprovada pelos rei-tores. Este maior controle, junto com a estabilidadeda economia, cria as condições para estimar preci-samente os custos de cada instituição, elemento in-dispensável para definir a autonomia administrativae financeira.

Melhoria da graduação

É inegável que, na evolução das universidades fe-derais nas últimas décadas, nem sempre a graduaçãorecebeu a prioridade necessária, contando com baixosinvestimentos em laboratórios e poucos estímulos pa-ra que os professores mais qualificados dedicassemparte de seu tempo aos cursos de graduação. Tratava-se de uma grave distorção, que comprometia uma dasfunções mais nobres da universidade pública, ou seja,a formação básica dos futuros profissionais do país.

Desde o início do governo Fernando Henrique, oMinistério da Educação tem procurado enfrentar essadifícil questão, outorgando prioridade à graduação.Além dos recursos para custeio, o governo assegurouinvestimentos em recursos didáticos para os progra-mas de graduação.

Foram investidas somas importantes em bibliote-cas e na construção de infra-estrutura de redes de in-formação. Em 1997, foram aplicados R$ 77,4 milhõesde recursos do MEC em programas de investimentosnas universidades federais, sendo R$ 8,7 em livros pa-ra bibliotecas de graduação e R$ 26,7 em informatiza-ção. Para 1998, estão previstos R$ 49 milhões apenasnestes dois itens.

Desde 1995, o MEC vem trabalhando junto com asuniversidades na montagem do maior programa, atéhoje, de investimento em laboratórios de graduação.Encontra-se em fase final o processo de licitação in-ternacional para a aquisição de US$ 300 milhões emequipamentos para laboratórios de graduação e hos-pitais universitários. Estão sendo adquiridos cerca de70 mil equipamentos de 1.700 itens diversos.

Ainda na área da graduação, o MEC realizou umenorme esforço no sentido de tornar realidade o esti-pulado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, queprevê a definição das Diretrizes Gerais dos Currículosde Graduação. Um amplo programa de debates foidesenvolvido durante o primeiro semestre de 1998,envolvendo universidades e entidades acadêmicas eprofissionais. Foram recebidas mais de 800 sugestões,que estão sendo analisadas para posterior envio aoConselho Nacional de Educação.

Os objetivos são a melhoria na oferta de cursos, aampliação e a integração entre as várias áreas do co-

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nhecimento, a flexibilização curricular, o com-bate à evasão escolar e a ampliação do espaçode decisão dos alunos na definição de seu currí-culo acadêmico.

O corpo docente na gestão das IFES

A necessidade de avançar na democratizaçãoe na valorização dos princípios acadêmicos degestão das universidades levou o Ministério daEducação a ressaltar o papel do corpo docente nacondução dos destinos da universidade pública.

Para tanto, o governo Fernando Henrique re-viu a legislação herdada do período autoritário,aprovando novos mecanismos legais, como a Lei9.192, que define o processo de escolha dos diri-gentes universitários e a composição dos órgãoscolegiados. Ao reduzir-se as listas a três nomes,em vez de seis, aumentou-se o poder de indicaçãopor parte da universidade, reservando aos docen-tes um peso não inferior a 70% em qualquer dasetapas do processo de elaboração das listas.

Dessa forma, introduziu-se a prática da vota-ção uninominal, evitando-se a votação em chapas,que excluía a maioria da comunidade acadêmica,tornando o processo mais transparente e demo-crático. Por outro lado, na Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação, princípios semelhantes foramintroduzidos na composição dos órgãos colegiados.

Nos últimos anos, acentuou-se a tendência da apo-sentadoria dos professores. O receio de que a refor-ma da Previdência afetasse direitos adquiridos levoumuitos docentes, ainda na faixa dos 45 a 55 anos, a so-licitar sua aposentadoria. Isto significou uma perdaimportante para as universidades federais pois, emmuitos casos, o Estado havia investido pesadamentena formação desses professores e o sistema público seviu, assim, privado de sua contribuição, justamente nomomento da plenitude de sua maturidade intelectual.

É certo que, em grande parte, o sistema de ensinosuperior não foi prejudicado, pois muitos professoresforam contratados por instituições privadas, o quecontribuiu para a melhoria do perfil de qualificaçãodo seu corpo docente.

Na área das instituições federais, de outro lado, es-

se processo foi em grande parte compensado ao indu-zir uma renovação que apresenta também aspectospositivos: em quase todos os concursos novos, temprevalecido a exigência, como titulação mínima, donível de doutorado.

Nos três anos e quatro meses – que vão de janeirode 1995 a abril de 1998 – foi autorizada a realizaçãode 8.871 concursos para preenchimento de cargos dedocentes nas Instituições Federais de Ensino Superior(IFES), o que significou uma renovação de 21% so-bre o total de professores efetivos.

Por outro lado, observa-se, no quadro Evoluçãopercentual da titulação dos Docentes efetivos dasIFES, que a proporção de doutores no total do qua-dro de docentes efetivos das IFES cresceu de 22% pa-ra 29% em apenas 3 anos – de 1994 a 1997 – manten-do-se inalterada a proporção de mestres.

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Gratificação de estímulo à docência

Como parte da filosofia de priorizar o ensino degraduação e de corrigir distorções salariais, o Minis-tério da Educação propôs a criação de um Progra-ma de Incentivo à Docência, que consistia na con-cessão de bolsas para os professores dedicados aoensino da graduação. Esta proposta acabou sendorejeitada, no contexto do movimento de paralisaçãoque afetou as universidades federais. Impôs-se, as-sim, encontrar outra solução para corrigir a defasa-gem salarial, especialmente dos professores titula-res em início de carreira, e que também sinalizassea prioridade conferida ao ensino de graduação e àavaliação de desempenho.

A solução da questão salarial, entretanto, não ésimples. Os professores das instituições federais de

ensino se enquadram no Regime Jurídico Úni-co que prevê, entre outras coisas, o princípio daisonomia salarial, independentemente da insti-tuição, da área do conhecimento e da regiãoonde atuam.

Ocorre que, apesar da isonomia, são grandesas diferenças salariais que hoje existem dentrodo sistema. A remuneração média de um profes-sor doutor em regime de dedicação exclusiva,em algumas universidades, chega a ser duas ve-zes maior que em outras. Estas diferenças nãoestão relacionadas à qualidade da instituição ouà sua relevância social.

A solução encontrada foi propor a Gratifica-ção de Estímulo à Docência, já aprovada peloCongresso, que pode significar reajustes entre20% e 50% nos salários, e que beneficia sobretu-do os professores em início de carreira. O reajus-te será maior para os professores mais titulados,os que se dedicam mais à universidade e os queforem mais bem avaliados em sua produção aca-dêmica e seu desempenho docente. Trata-se deum projeto inovador que haverá de melhorar aqualidade da universidade pública e estimulá-la aaumentar sua atividade docente.

Autonomia universitária

A solução definitiva dos mais importantes proble-mas que afetam hoje as universidades federais de-pende da ampliação da autonomia universitária, tan-to do ponto de vista orçamentário quanto de pessoal.Com a autonomia, as universidades passariam a rece-ber verbas globais em função dos serviços que pres-tam à sociedade (número de alunos, relevância daspesquisas e da extensão). Desta forma, poderiam de-finir seu próprio orçamento, suas carreiras e seus sa-lários, bem como remanejar seu pessoal de acordocom suas necessidades. Em relação à aposentadoria,seria proposta a criação de um fundo de pensão deforma a não onerar o orçamento das IFES com o pa-gamento desses benefícios.

Encontra-se em discussão no Congresso Nacionalproposta de Emenda Constitucional, encaminhadapelo governo acerca desses pontos.

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AUniversidade terá um papel fundamen-tal na discussão, elaboração e imple-mentação de um novo projeto nacionalde desenvolvimento. Este projeto de-mandará à Universidade contribuiçõespara as políticas industrial e agrícola,

geração de emprego e renda, formação e qualificaçãoprofissional, apoio e difusão tecnológica para micro,pequenas e médias empresas e para a realização dareforma agrária, além da colaboração no desenvolvi-mento de políticas públicas e de ações culturais.

A autonomia universitária será um valor funda-mental no governo da União do Povo. É ela que ga-rante a absoluta liberdade na criação e disseminaçãodo saber. Cabe à Universidade desenvolver um pensa-mento crítico sem constrangimentos políticos e/ouideológicos. A Universidade terá assegurada as condi-ções materiais para definir suas propostas científicas epedagógicas e suas necessidades administrativas. Onovo governo organizará uma ampla e democráticaconsulta para definir mecanismos de avaliação inter-na e externa das universidades.

A Universidade pública, sendo responsável pelaquase totalidade da produção científica nacional, teráum papel importante na discussão e implementaçãode uma política de desenvolvimento científico e tecno-lógico. Para tanto, as atividades de pós-graduação se-rão ampliadas, bem como os recursos a ela destinados.

Carta compromisso com a educação

Como já disse anteriormente na Carta Compro-misso à Nação brasileira, que li no ato de lançamentode minha candidatura à presidência da República, emBrasília, dia 6 de julho deste ano, “as elites não foramcapazes de arrancar o Brasil da miséria, de apagar oanalfabetismo das páginas da nossa história, de asse-gurar uma alimentação adequada e de criar condiçõespara que todos vivam com saúde”.

Já tive oportunidade de apresentar anteriormenteminhas propostas para a agricultura, saúde e para a ge-ração de mais e melhores empregos. Venho agora deta-lhar como pretendo cumprir meu compromisso de erra-dicar o analfabetismo dos lares brasileiros, de transfor-

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Ele ições 98

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

MUDAR A EDUCAÇÃO

PARA MUDAR O BRASIL Div

ulga

ção

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mar em realidade o sonho de colocar todas as nossascrianças numa escola de qualidade e de garantir um sis-tema público de ensino médio e superior de excelência.

Antes de mais nada quero dizer que nós, da coliga-ção de partidos que compõem a União do Povo MudaBrasil, sentimos orgulho de poder dizer que somosherdeiros de dois dos maiores educadores que estepaís já conheceu – Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Eque nossa proposta “Mudar a educação para mudar oBrasil” é tributária de suas idéias básicas, segundo asquais a educação é, ao mesmo tempo, uma força li-bertadora e civilizatória.

É por meio da educação que se formam homens emulheres livres e conscientes, capazes de intervir efe-tivamente na construção de uma sociedade justa e de-mocrática. Nenhum país rompeu a barreira do atrasoe do subdesenvolvimento sem um vigoroso esforço deescolarização. Meu governo fará da educação um di-reito inalienável da cidadania e um dever do Estado.Investiremos numa educação de qualidade, visandoatender às necessidades da grande maioria da socie-dade, a partir de três princípios:

– democratizar o acesso e a garantia de permanência;– democratizar a gestão escolar;– articular os valores culturais locais e regionais

com a ciência e a cultura universalmente produzidas.Meu governo vai universalizar o ensino fundamen-

tal público e gratuito, expandindo o acesso e a perma-nência no ensino médio e ampliando as oportunida-des de acesso ao ensino superior.

Para que esses objetivos sejam atingidos, é neces-sário aumentar progressivamente os gastos com aeducação, de modo que venham a alcançar o dobrodos recursos atualmente investidos na área nas trêsesferas de governo. O Brasil gasta menos de 4% doPIB na educação, incluindo gastos com capital. Consi-derando o imenso atraso escolar, o alto índice deanalfabetismo e a insuficiência da sua rede física, seránecessário pelo menos dobrar esse investimento paracolocar em ordem o ensino brasileiro.

Investimento, sim. Os gastos com a educação têm-se revelado um investimento de alta rentabilidade, nocaso brasileiro. As estimativas disponíveis apontampara taxas de retorno de 15% a 25% nos vários níveisde ensino e nas diferentes regiões do país. Isso signifi-

ca que o investimento em educação básica paga-se emum período de cinco a sete anos.

As elites brasileiras insistem em tratar a educaçãocomo um custo e não como um investimento. Com isso,têm conseguido manter parcela importante do nossopovo no mais absoluto obscurantismo e ignorância. Es-sa foi a maneira que encontraram para garantir sua for-ma perversa de dominação econômica, social e política.

É por isso que temos ainda cerca de 2,7 milhões decrianças, entre 7 e 14 anos, fora da escola. E 17 milhõesde analfabetos, de 10 anos ou mais, além das 25 mi-lhões de pessoas que, pela má qualidade do ensino quereceberam, podem ser consideradas semi-analfabetas.

Apesar de contar com cerca de 90% de matrículaspara crianças de 7 a 14 anos, dados do IBGE mos-tram que mais da metade abandona a escola ou é víti-ma da repetência. O sucateamento da escola atinge afigura do professor, submetido a baixos salários, semcondições de trabalho e com reduzidas oportunidadesde formação permanente.

É preciso transformar a escola – hoje distante dacomunidade – em um espaço privilegiado, onde ascrianças aprendam, os pais participem ativamente desua gestão e a comunidade usufrua de suas instala-ções para atividades culturais e esportivas.

Professores e funcionários bem remunerados dis-porão de salas adequadas, laboratórios e bibliotecaspara realizar seu trabalho pedagógico, assim como dotempo necessário para sua formação em serviço.

Com isso, a passagem pela escola deixará de ser umaformalidade. Ela dará aos estudantes autonomia e po-der criativo para que possam aprender a aprender. Co-mo observou Einstein, o valor da educação está no trei-namento da mente para conceber coisas novas e não nacapacidade de repetir o que aprenderam na escola.

Como o papel dos educadores nesse processo é in-substituível, é necessário implantar uma política de valo-rização dos trabalhadores da educação. Para isso, o go-verno da União do Povo definirá democraticamente car-reiras profissionais que garantam a formação permanen-te em serviço. Além disso, proporá um piso salarial paraos funcionários da educação dos Estados e municípios,para corrigir as atuais distorções de termos professoresganhando até mesmo menos do que um salário mínimo.

Esses elementos são fundamentais para que se vá

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implantando, gradativamente, a escola de tempo inte-gral no país, com as especificidades que cada uma dasdistintas regiões do país requer. Ancorado nesses prin-cípios, quero desde já estabelecer alguns compromissoscom o povo brasileiro, no que diz respeito à educação.

Assumo o compromisso de ampliar o acesso à edu-cação pública em todos os níveis de ensino.

Queremos dar ao jovem de hoje a mesma chancede estudar numa escola pública de qualidade que ti-veram no passado Antonio Candido, Florestan Fer-nandes e tantos outros homens e mulheres notáveisdeste país. Só assim será possível garantir uma maiorigualdade de oportunidades, base da mobilidade so-cial de uma nação efetivamente democrática, inde-pendentemente de que sejam filhos de pobres ou dericos, de índios, amarelos, brancos ou negros.

Assumo o compromisso de garantir, em parceriacom os governos estaduais e municipais, a efetiva per-manência da criança em tempo integral numa escolade qualidade, que lhe permita além de aprender, teruma assistência médica e odontológica adequada etambém tomar o seu café da manhã, almoçar e jantartodos os dias do ano.

Assumo o compromisso de estender o Programada Bolsa-Escola, já adotado em governos dos partidosda União do Povo, a todo o país. A permanência dosestudantes na escola exige não apenas a transforma-ção qualitativa desta, mas também a criação de condi-ções econômicas para que as famílias possam efetiva-mente manter seus filhos na escola, fora do mercadode trabalho, até os 16 anos, como prevê a nossa Cons-tituição Federal.

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COMPROMIS

• Reconhecimento das univer-sidades públicas como instituiçõesestratégicas para o desenvolvi-mento econômico e social do país;

• Ampliação da rede públicado ensino superior;

• Garantia dos princípios consti-tucionais da gratuidade do ensinosuperior público, da indissociabili-dade entre ensino, pesquisa e exten-são e da autonomia universitária;

• Respeito à escolha da comu-nidade universitária na nomeaçãodos reitores e dirigentes das insti-tuições federais de ensino superior.

Metas prioritárias

• Revisão das carreiras e dapolítica salarial de professores efuncionários;

• Expansão de vagas na redepública: 80% em 4 anos, especial-mente no curso noturno, com am-

pliação do quadro de pessoal e dainfra-estrutura, obedecendo crité-rios de distribuição regional;

• Ampliação do Programa deCrédito Educativo, financiadocom recursos não provenientes dareceita de impostos. Serão atribuí-das bolsas aos estudantes de me-nor renda de universidades cre-denciadas em função do sistemade avaliação de qualidade. Consti-tuição de um conselho gestor paraacompanhamento, supervisão eavaliação do programa. Obrigato-riedade e prazos de ressarcimen-to, após a conclusão do curso,condicionados à situação econô-mica do beneficiário.

• Revisão do Exame Nacionalde Cursos (Provão), adotando-seum sistema nacional de avaliaçãoinstitucional pelas comunidadesinterna e externa à universidade,objetivando a melhoria constante

do ensino, pesquisa e extensão;• Implementação da autono-

mia universitária nos termos doart. 207 da Constituição;

• Ampliação do Programa Naci-onal de Capacitação Docente e im-plementação de programa para fun-cionários técnico-administrativos;

• Aumento de pelo menos100% dos recursos para a pós-gra-duação ao longo dos 4 anos;

• Democratização do acessoàs universidades públicas, con-jugando o aumento de vagas epropostas de outros mecanis-mos de ingresso;

• Política de assistência estu-dantil, através de programas dealimentação, moradia e assistênciaà saúde;

• Estabelecimento e implanta-ção a curto prazo de normas de fis-calização do poder público em rela-ção ao setor privado da educação.

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Assumo o compromisso de garantir os princípiosconstitucionais da gratuidade do ensino superiorpúblico, da autonomia universitária e da indissocia-bilidade entre ensino, pesquisa e extensão. No meugoverno, as universidades públicas serão reconheci-das como instituições estratégicas para o desenvol-vimento econômico e social do país. Elas terão umpapel fundamental na discussão, elaboração e im-plementação de um novo projeto nacional de de-senvolvimento.

Como já disse por ocasião da apresentação donosso programa de Ciência e Tecnologia, na 50ªReunião da Sociedade Brasileira para o Progressoda Ciência, que se realizou em julho, em Natal, auniversidade pública terá um papel fundamental nadiscussão e implementação de uma política de de-

senvolvimento científico e tecnológico, pois ela é ho-je a responsável pela quase totalidade da produçãocientífica nacional.

A autonomia universitária será um valor fundamen-tal no governo da União do Povo. É ela que garante aabsoluta liberdade na criação e disseminação do saber.Cabe à Universidade desenvolver um pensamento crí-tico, sem constrangimentos políticos e/ou ideológicos.

No meu governo, a Universidade terá asseguradaas condições materiais necessárias para definir suaspropostas científicas e pedagógicas e suas necessida-des administrativas. Implantaremos uma ampla e de-mocrática consulta para definir mecanismos de ava-liação interna e externa das universidades. Para tanto,as atividades de pós-graduação serão ampliadas, bemcomo os recursos a ela destinados.

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SOS BÁSICOS

Ensino de graduação

De um total de 1.735.334 estu-dantes de ensino superior, cercade 700 mil estudam em universi-dades públicas a um custo médiode R$ 7 mil por aluno-ano. O go-verno da União do Povo amplia-rá para 1.200.000, em quatroanos, as vagas públicas. Aumen-tando a eficiência através da me-lhoria das condições de trabalho,é possível baixar o custo médiopara R$ 4.500 por aluno-ano.

Ao final de quatro anos, esta-rão sendo investidos R$ 5,65 bi-lhões no ensino de graduação.

Ensino de pós-graduação

O atendimento atual em nívelde pós-graduação é de cerca de42 mil alunos. O governo daUnião do Povo aumentará para

100 mil o número de estudantesde pós-graduação, a fim de de-mocratizar o acesso e ampliar asbases do desenvolvimento cientí-fico e tecnológico do país.

Os gastos ao final de quatroanos serão de R$ 750 milhões.

Financiamento da educação

Os gastos totais com educaçãono Brasil são, hoje, da ordem deR$ 31 bilhões em todos os níveisde governo, cabendo aos estadose municípios arcar com 70% des-sa despesa. A proposta da Uniãodo Povo soma R$ 65,45 bilhões, oque representa mais do que o do-bro dos gastos atuais a seremcompartilhados pela União, esta-dos e municípios.

Essa proposta está baseadanas necessidades reais em cadanível de ensino e em valores com-

paráveis internacionalmente. Asmetas deverão ser atingidas emquatro anos, período em que se-rão implementadas políticas eco-nômicas que provocarão cresci-mento com geração de emprego erenda, ao mesmo tempo em que areforma tributária permitirámaior arrecadação e, em conse-qüência, um financiamento sólidoe sustentado do Estado. Outrasfontes de financiamento serãobuscadas, particularmente para oensino técnico e profissionalizan-te, cabendo ao Banco Nacionalde Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES) um papel rele-vante nessa direção.

O governo da União do Povoserá marcado pelo estabeleci-mento de novas prioridades. Aeducação é uma delas e, por essarazão, carreará grande parte dosrecursos orçamentários.

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O meu governo respeitará aescolha da comunidade uni-versitária na nomeação dosreitores e dirigentes dasinstituições federais deensino superior.

Assumo o compro-misso de ampliar a re-de pública do ensinosuperior, expandindo asvagas na rede pública,especialmente no cursonoturno, com ampliaçãodo quadro de pessoal e dainfra-estrutura, obedecendocritérios de distribuição regional.

Assumo o compromisso de implan-tar, a curto prazo, normas de fiscalização dopoder público em relação ao setor privado da educa-ção. Não permitiremos o funcionamento dessas fábri-cas de diplomas, que apenas iludem aqueles que que-rem aprender.

Assumo o compromisso de ampliar o Programa deCrédito Educativo, especialmente para os estudantesdas instituições privadas de ensino, estabelecendo pra-zos de ressarcimento condicionados à situação econô-mica do beneficiário, após a conclusão do curso. Am-pliaremos as bolsas de estudo para incentivar a dedi-cação integral dos estudantes e sua iniciação científica.

Assumo o compromisso de aumentar os recursospúblicos federais para ampliar o atendimento das cre-ches. Dada a impossibilidade de uma universalizaçãoimediata desses serviços, serão implantados convêniosenvolvendo os municípios e as empresas privadas, vi-sando assegurar o cumprimento da legislação que ga-rante o direito às trabalhadoras de deixarem seus fi-lhos nas creches.

Meu governo mobilizará recursos materiais e hu-manos, envolvendo toda a sociedade por meio de umgrande movimento visando a superação do analfabe-tismo e a abertura de novos horizontes culturais paraos jovens e adultos analfabetos. Será construída umarede envolvendo diferentes instituições públicas e pri-vadas, assim como educadores devidamente prepara-dos para oferecer a esse setor da sociedade o acesso à

leitura e às várias manifesta-ções da cultura.

O governo da União doPovo dará especial aten-

ção à manutenção emelhoria do ensinotécnico federal, ga-rantindo uma articula-ção entre educaçãocientífica e a sólida

formação humanística.Assumo o compro-

misso de reorganizar osConselhos Nacional, esta-

duais e municipais de educa-ção com funções deliberativas,

normativas e fiscalizadoras do siste-ma de ensino.

No meu governo, vamos criar Fóruns nacional,estaduais e municipais de educação para definir di-retrizes, acompanhar e avaliar as políticas e planosde educação.

O governo da União do Povo tratará a Educaçãoespecial como modalidade de educação regular, bus-cando gradativamente dar à rede escolar a capacita-ção física, pedagógica e na área de saúde para acolhertodos os estudantes.

Finalmente, quero reafirmar os compromissos queassumi na minha carta aos agricultores e trabalhado-res rurais, de garantir o ensino básico e recuperar oensino técnico para os jovens do campo. Meu governovai implantar um sistema de bolsas que permita aosjovens das famílias rurais mais pobres dedicarem-seintegralmente aos estudos. Estimularemos as escolasrurais a adaptarem sua estrutura curricular às condi-ções locais e cuidaremos para que tenham instalaçõese equipamentos adequados, da mesma qualidade dosque serão proporcionados às escolas urbanas.

Repito, mais uma vez, que não consolidaremos ademocracia brasileira sem garantir a igualdade deoportunidades no acesso à educação, porta de entra-da para a cidadania. E não se pode implantar demo-craticamente qualquer política pública sem o necessá-rio respaldo dos setores majoritários da sociedadeque por ela serão afetados.

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Entrev is ta

Carlos Chagaspor Marcos Cripa

ELEITOR ESTÁ SEM OPÇÃO DE VOTO À PRESIDÊNCIA

Formado em Direito, o jornalista Carlos Chagas exerceu durante um ano e meio a função de promotornuma pequena cidade do interior do Rio de Janeiro. Lá, por libertar um trabalhador que roubara cincobifes para alimentar a família, sofreu vários tipos de pressão. Começava ali, talvez, a compreensão do

poder que as elites exercem sobre a sociedade. Nesta entrevista, concedida na segunda quinzena de agosto (início da crise econômica mundial), o comentarista político e diretor de jornalismo

da TV Manchete de Brasília afirma que o eleitor está sem opção de voto à presidência da República.Para Carlos Chagas, Fernando Henrique empobreceu o país e não mudará os rumos de seu governo

num eventual segundo mandato. “Esse negócio de que ele vai criar 7,5 milhões de empregos e empregar dinheiro no social é lorota eleitoral”. Quanto ao Lula, diz ele, ainda está devendo

uma proposta econômica factível. No que diz respeito às privatizações, Chagas é enfático na defesa do patrimônio brasileiro. “Mexer na siderurgia, na produção, geração e distribuição de energia,

e agora nas telecomunicações e nos transportes, é alienar a soberania nacional”, diz.

Fotos: Juan Pratginestós

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Adusp - Faça uma análise doatual momento eleitoral, compa-rando-o com as duas últimas elei-ções para presidente, em 89 e 94.

Carlos Chagas - Ousaria repetirque a história só se repete como far-sa; quer dizer, a eleição atual nãotem nada a ver com 89 e nada a vercom 94. É completamente diferente.Na questão econômica, está aí a cri-se asiática que ninguém sabe quaisserão os efeitos a curtíssimo prazo;efeitos que poderão levar de roldãonão só o Fernando Henrique ou oLula, mas todo o processo eleitoral.Todo processo político pode, de re-pente, levar um tombo. Não estouprenunciando ditadura, não é isso,apenas o imponderável que podenascer dessa crise. A economia podeestourar de uma hora para outra.Nesse lado econômico, portanto, éoutra eleição muito diferente daque-la de 89, quando o país convivia comuma inflação de 80% ao mês e nãohavia uma sombra no horizonte, co-mo se tem hoje. No lado político, éoutra eleição também, porque nun-ca houve reeleição. É a primeira vezque um presidente no exercício dopoder vai se lançar candidato. Esta-va vendo uma entrevista que ele(FHC) deu para a Revista Mancheteem 1981, quando era suplente de se-nador. Ele concede uma longa en-trevista, na qual faz uma considera-ção muito importante. FernandoHenrique diz que: "conquistar o po-der é um ato de competência". Ago-ra, ele disse, sem jamais imaginar areeleição: "manter o poder tem queser um ato de mudança de tudo, umato de alteração de costumes. Só as-sim alguém se mantém no poder".Quer dizer, inovando, renovando.

Não sei se ele usou o termo "fazendouma revolução". Ele justifica a per-manência no poder por conta demudanças drásticas, mudanças pro-fundas. Pergunto: isso que ele estáfazendo são mudanças drásticas, sãomudanças profundas? Tem uma fra-se do Getúlio Vargas, um pouco an-tes da crise de 54, numa entrevista aO Globo, que diz que as leis do mer-cado livre não são leis porque sãoucasses, não são do mercado masapenas de um grupo restrito que do-mina, e também não são livres. Elevai ainda mais adiante e diz que, noBrasil, fracassou a experiência da leido mercado livre, que tentaram im-plantar depois da guerra, porque oobjetivo era aumentar as exporta-ções e essas não aumentaram de jei-to nenhum. A importação era sem-pre maior. E havia um segundo ob-jetivo que é qualquer coisa igual aessas que por aí estão falando, ou se-ja, que a globalização vai gerar au-mento de exportações. Veja que no-vidade, então, não tem nenhuma. Is-so que se chama hoje de globaliza-ção já se falava com outro nome,com outro rótulo, na época de Getú-lio; já se falava disso no tempo dosdescobridores portugueses, quandoencontraram o caminho das Índias.O mundo estava globalizado naque-la época. Trocava-se mercadorias,especiarias, madeiras etc. Será que omundo já não estava globalizadoquando a primeira tribo de troglodi-tas viu que tinha outra tribo do ou-tro lado do morro e fez um sinal defumaça? Quem garante que, daqui acem anos, não vamos estar trazendominério de ferro de Marte? É aí queo mundo vai estar globalizado? Oudaqui a mil anos, quando possivel-

mente vamos estar trazendo plasmade Andrômeda. Isso é muito relati-vo. Esse conceito é muito sacana.

Adusp - O sr. fala da possibili-dade de o Brasil levar um tombona questão econômica em funçãoda crise asiática. O país está ma-duro para enfrentar um problemadessa natureza?

Carlos Chagas - Está. Por issoeu fiz essa volta toda para falar doGetúlio e da manutenção do poder.O país enfrenta as crises, é intrínse-co do modelo, é estrutural esse re-sultado. Essa globalização não dei-xa outra opção, nós sempre impor-tamos mais do que exportamos e te-mos um déficit público sempre am-pliando-se cada vez mais. Semprepagaremos juros mais altos para ob-ter maiores investimentos. Esse é omodelo e o resultado a gente já sa-be qual é. Tomara que essa crisenão exploda a economia mas, qual-quer dia desses, isso vai ocorrerporque não tem outra saída.

Adusp - Nesse contexto, comoo sr. avalia as candidaturas deFernando Henrique, Lula e CiroGomes?

Carlos Chagas - O FernandoHenrique está numa situação queele tem que fugir para frente. Nãopode mais recuar, apesar de o Eucli-des Scalco (coordenador da campa-nha do presidente) ter dito que o se-gundo mandato servirá para resga-tar a imagem antiga do presidente:um homem de centro-esquerda. Euvejo a candidatura do FernandoHenrique sem a menor possibilida-de de trazer mudanças no segundomandato. Esse negócio de dizer que

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ele vai criar 7,5 milhões de empre-gos e vai empregar dinheiro no so-cial é tudo lorota eleitoral. É evi-dente que ele sabe, e a equipe eco-nômica também, que vai continuaressa estória de livre competição, es-se negócio de dizer sempre: "vamospreparar o trabalhador para a livrecompetição". Mas que livre compe-tição se o trabalhador vive entre aguilhotina e o pescoço? O resultadodessa competição nós já sabemosqual é. Por outro lado, o que o Lulaapresenta de diferente? Que diag-nóstico pouco menos periférico elejá fez da realidade? Ficam lá aque-les teóricos do PT... e não sei quê...Eles não traduziram isso ainda nopapel. O que o Lula quer? Quercriar emprego... vai criar milhões deemprego... como? De que jeito? Vaiparar com as importações? Como éque você vai aumentar as exporta-ções? Como é que você vai tratar osjuros? A dívida externa? Ele tinhaque ter um elenco de umas dez res-postas econômicas e mostrar: "olha,eu pretendo isso, isso e isso". Se vaidar certo ou não, ninguém sabe.Acho que o Lula está devendo ain-da alguma coisa de mais concreto. Eprecisa parar com essa besteira napropaganda eleitoral de trocar abandeira vermelha, que sempre foiuma bandeira de luta, pela bandeirabranca da rendição.

Adusp - O sr. acredita quetransformaram a campanha doPT em algo light?

Carlos Chagas - Tiveram essa in-tenção. Não trocaram a bandeiravermelha pela branca por maldade,para arrebentar com o Lula. Não foinada disso, foi irresponsabilidade.

Todo marqueteiro é assim, ele nãotem nenhuma relação com a realida-de, ele não conhece o passado, nãoconhece a história, ele tem as idéiasgeniais dele. Veja que os marquetei-ros estão todos quebrando a cara.Os do FHC fazem tudo, menos colo-car o Fernando Henrique nesse pro-grama de propaganda gratuita.Aquele tempo que ele tem, deveriaser usado, pela lógica, para mostraro que está ruim e o que vai ser me-

lhorado. Mas não, colocam o Pelé, aDona Ruth, mil firulas, técnica tele-visiva fantástica, um negócio maravi-lhoso para o show do Faustão. Temoutros piores ainda, como aquelepartido que inventou a rima: "quemé contra burguês, vota dezesseis", ouo doutor Enéas que vai jogar a bom-ba atômica. Não apareceu uma op-ção como a gente viu aparecer em89, não estou emitindo juízo de valornem certo nem errado, quando sur-giu o Collor. Ele foi uma opção paraos conservadores, para a direita, masapareceu arrumadinho e empacota-

do como uma opção. Em 94, não hádúvida alguma, a opção era o Fer-nando Henrique. Este ano não exis-te opção.

Adusp - O Ciro Gomes tentouser esta opção?

Carlos Chagas - Ele, na verdade,não foi trabalhado como deveria.Caiu de pára-quedas do governo doCeará, que deixou para ser ministroda Fazenda. Aí brigou com o pes-soal do Fernando Henrique e de-pois sumiu, desapareceu do país.Ou seja, ele não se tornou um nomenacional. De repente, cai de pára-quedas para ser candidato a presi-dente da república. Ele ainda éperspectiva de opção, mas talvezpara daqui a quatro anos. Infeliz-mente, essas eleições são as maispobres que eu tenho visto. Votei naeleição de 1955, quando o Juscelino(Kubitscheck) foi eleito. Naquelaocasião, tínhamos o Juscelino, oJuarez Távora, o Ademar de Barrose ainda o Plínio Salgado. Quer di-zer, pão para todos os gostos na pa-daria. Depois, na década de 60, tive-mos uma polarização: o Jânio Qua-dros, que era a opção, e o generalLott, candidato do Juscelino. Aí se-guiram-se as "opções" fardadas.

Adusp - Que país pode surgirdas urnas com as candidaturasque aí estão?

Carlos Chagas - Vai continuarsendo o país do Fernando Henrique.É óbvio que se não houver uma mu-dança, se não houver um cataclismo,um inusitado qualquer, o presidenteestá reeleito. Eu me pergunto se elevai conseguir, por mais quatro anos,passar a imagem de que está mudan-

É evidente que ele(FHC) sabe, e a equipe

econômica também, quevai continuar essa estóriade livre competição, essenegócio de dizer sempre:

“vamos preparar otrabalhador para a livrecompetição”. Mas quelivre competição se o

trabalhador vive entre aguilhotina e o pescoço?

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do o país, de que está melhorando, eque por causa da modernidade temde ser assim. Não, o país está empo-brecendo, a economia está empo-brecendo, a indústria está sucateada.Quem tem emprego, come a cestabásica, come frango, mas quem nãotem pede: "me dá esse ossinho aíquando acabar". Os excluídos já sãotrinta milhões, os desempregados, sóem São Paulo, são um milhão e qua-trocentos mil. Gente que já traba-lhou e não trabalha mais. Eles(membros do governo) não estão fa-zendo isso por maldade, não têm umDr. Silvana maquinando coisas terrí-veis no porão. Eles acham que estãocertos, só que estão acabando com opaís, com a soberania e o patrimôniodo país. Recentemente, privatizaramas telecomunicações, receberamR$ 22 bilhões num pacote fechado,celebraram aquilo como a maior coi-sa do mundo. Só que, desses R$ 22bilhões, só entrariam em cash, oumelhor, títulos que o banco podetrocar, R$ 7 bilhões. O resto foi alongo prazo. A equipe econômica

disse que serviria para abater a dívi-da econômica e não sei mais o quê.Bom, no mês de agosto, com o inícioda crise na Rússia, até ontem (27/8)já tinha saído do Brasil US$ 7,5 bi-lhões. Entregamos as telecomunica-ções, a Embratel principalmente, e odinheiro que recebemos já foi embo-ra como fuga de capital especulativo.

Adusp - Recentemente, o sr.disse, ironicamente, que só falta-va privatizar as Forças Armadas,o Pantanal e a Amazônia.

Carlos Chagas - Muita coisa po-dia mesmo ser privatizada sem pro-blemas. O bondinho do Corcovado,no Rio de Janeiro, ou hotéis que oEstado tinha, por exemplo. Agora,mexer na siderurgia, na produção,na geração e distribuição de energia,e nas telecomunicações e nos trans-portes, é não só alienar parte do pa-trimônio do povo, mas alienar a so-berania nacional. A Petrobrás e osCorreios, muita gente não está lem-brando, estão para ser privatizados.Depois que privatizarem a Petrobrás

e os Correios, só restará a Amazô-nia, o Pantanal, as Forças Armadas.Digo isso como brincadeira, ironia,mas é bom lembrar que quem, háalgum tempo, admitisse a privatiza-ção da Petrobrás, seria preso comoboateiro. A Petrobrás era intocável.Hoje, o que mais se fala é que a Pe-trobrás é a bola da vez. Na Argenti-na, privatizou-se as telecomunica-ções, compradas 50% pela estatalespanhola e 50% pela estatal france-sa. Quer dizer, a França e a Espanhaparam a Argentina a hora que elasquiserem. Aqui no Brasil parece quecolocaram uns intermediários paranão ficar tão claro.

Adusp - A candidatura do Lu-la, tendo Brizola de vice, não seopõe a tudo isso? Se não é a novaopção como o sr. disse anterior-mente, pelo menos se opõe a essaonda de privatização.

Carlos Chagas - O Lula pareceque está amedrontado, o Brizolamenos; o Lula está tomando a glo-balização e as privatizações comouma verdade absoluta. O Lula temmedo de dizer que vai rever as priva-tizações. Logo que lançaram a can-didatura dupla, o Brizola disse: "va-mos reexaminar, fazer uma audito-ria e rever", referindo-se às privatiza-ções. O Brizola teve de engolir o quedissera porque o PT obrigou-o a nãose meter naquilo. Acho impossível oLula reverter qualquer coisa porqueestá com medo. É claro que o Brizo-la tem uma posição que já é históri-ca sobre isso e se pudesse influiria.

Adusp - Neste momento, o Má-rio Covas (SP), o Eduardo Azeredo(MG) e o Marcelo Alencar (RJ), to-

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Muita coisa podia mesmo serprivatizada sem problemas.

O bondinho do Corcovado, noRio de Janeiro, ou hotéis que o

Estado tinha, por exemplo.Agora, mexer na siderurgia, na produção, na geração e distribuição de energia, e nas telecomunicações

e nos transportes, é não sóalienar parte do patrimônio

do povo, mas alienar a soberania nacional.

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dos tucanos, estão com suas reelei-ções ameaçadas. Por que o Fernan-do Henrique não transfere prestígioaos governadores destes estados?

Carlos Chagas - Os tucanos pa-recem que são unidos, mas na ver-dade é cada um por si. O EduardoAzeredo se queixa que não foi aju-dado pelo governo federal, o Covaspassou os dois primeiros anos degoverno dando caneladas e com oMarcelo deve ser a mesma coisa noRio. O governo federal não secomporta partidariamente. Nesteponto, FHC lembra muito o JânioQuadros, partido não é com ele.

Adusp - Fernando Henriquenão é homem de partido ou a coli-gação que ele fez não permite queele seja ligado ao partido?

Carlos Chagas - Ele não quer, háuma fogueira das vaidades dentrodo partido e ele não vai estar acen-dendo a vela de outros companhei-ros. Ele é muito personalista e, poroutro lado, precisou fazer essa fren-te de partidos que o apóia. Ele ado-ra quando o PFL dá um safanãonum tucano qualquer. Ele não vai aopalanque de uma porção de tucanos,mas isso não é defeito porque noBrasil ninguém é homem de partido.

Adusp - Isso também vale parao PT?

Carlos Chagas - O PT é dife-rente, ainda procura cultivar umespírito partidário. Porém, é umhorror. Abriga, no mínimo, 13 alasno seu interior.

Adusp - Quem manda no go-verno, FHC ou ACM?

Carlos Chagas - É o Fernando

Henrique. O ACM manda no vare-jo, uma nomeação aqui, outra ali;quem define as linhas do governo,não há dúvida nenhuma, é o próprioFernando Henrique. Ele é tão esper-to que, para cada interlocutor, temuma conversa. Muitas das coisas quenós conversamos aqui, não com essetom, eu já conversei com o presiden-te, e ele diz: "você tem razão, é issomesmo, vamos pensar". Entra umcara da extrema direita e ele concor-da com tudo... e só faz o que quer.

Adusp - No futuro, quando forfeita a releitura deste governo, se-rá possível atribuir a responsabi-lidade do que tiver acontecido àcoligação PSDB/PFL?

Carlos Chagas - Não, trata-se deuma coligação fisiológica. Qual é ogrande projeto ou campanha popu-lar que essa coligação levantou?Nenhuma. Sua excelência vai ter deassumir a responsabilidade total doque tiver acontecido neste período.

Adusp - A população se mostraapática, sem poder de reação. Issoestá se dando por culpa dos políti-cos, da própria sociedade ou dasmudanças na ordem político-eco-nômica mundial?

Carlos Chagas - Ninguém éculpado; a verdade é que, maisuma vez, a elite está ganhando deuma forma absoluta. Depois daqueda do muro de Berlim, a partirdo fim da existência de uma bipo-larização, ela está reinando de for-ma absoluta. Os representantes daelite impõem coisas, agora em1998, que não ousariam pensar em1950 e 1960, a exemplo da extin-ção dos direitos sociais. Vejamos,

no Brasil, a jornada de trabalho de8 horas, uma grande conquista dotrabalhador: qual é o trabalhadorque trabalha 8 horas hoje? Sóaquele que o patrão não quer queele faça hora-extra; professor,operário e outros, se puderem,trabalham mais. O salário mínimo,que era para sustentar minima-mente um trabalhador, hoje é deR$ 130,00, que não sustenta nin-guém. A aposentadoria e a pen-são, que foram criadas a partir darevolução de 30, estão cada vezmais desvinculadas do salário. Es-ses direitos, assim como a prote-ção ao trabalho do menor e dagestante, estão sendo desfeitos poremendas constitucionais diretasou pela prática. Isso está aconte-cendo porque prevalece no mundointeiro a mentalidade de que nãohá mais adversário. A elite da No-va Roma está absoluta. Então, vo-tar pra quê?

Adusp - A elite conseguiu im-plantar um projeto que gera aco-modação e medo no trabalhador?

Carlos Chagas - Um projetoque humilha a força de trabalho,enfraquece as corporações e infil-tra. Basta dizer que, outro dia, vie-ram aqui em Brasília o Medeiros eo Paulinho (Força Sindical) parahipotecar solidariedade a quem es-tá fazendo isso tudo ao trabalha-dor. Dá para entender? Apesardisso tudo, ainda estão apoiando.Fazem isso porque estão com me-do de que venha coisa pior. Então,aceitam o contrato temporário detrabalho, que é uma excrescência.É a inversão total dos direitos; osdireitos estão saindo pelo ralo.

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Adusp - O sr. diz que não existenada de novo no campo político noBrasil e que a realidade é extre-mamente opressora aos trabalha-dores. Como, então, enfrentar estasituação? Existe algum caminho?

Carlos Chagas - Não se podeimaginar que tudo está perdido.Como tudo no mundo tem a antíte-se e a síntese, estamos passando umperíodo bravo, de sufoco, mas é evi-dente que alguma coisa vai surgirdisso. Jamais será a Terceira Via, doTony Blair, ou a social-democracia,já que a máscara caiu no mundo in-teiro. Alguma coisa surgirá, não dealgum formulador, mas do que estáacontecendo na prática já. Vai acon-tecer alguma coisa que possa darformatação ideológica a esse vazio.

Adusp - Faça uma avaliação doCongresso Nacional nos últimosquatro anos. É preciso não esque-cer que o presidente aprovou pra-ticamente todos os projetos de in-teresse do executivo.

Carlos Chagas - Devemos lem-brar que o Congresso também apro-vou o confisco da caderneta de pou-pança, quando o Collor assumiu apresidência. O Congresso aprovoutodas as medidas provisórias doCollor, que eram aquele horror. OCongresso aprova qualquer coisadesde que o poder executivo saibamanobrar. Infelizmente é daquelaforma do é dando que se recebe.Quanto custou a aprovação daemenda da reeleição? Em dinheiro,muita coisa, mas tem mais: em favo-res, nomeações e ajeitamento de si-tuações de amigos. Teve denúnciasaí aos montes, algumas até concre-tas, que evidentemente não deram

em nada porque a maioria é parla-mentar. O Congresso aprova qual-quer coisa se a pessoa souber levá-lo. Não pode bater de frente nemdizer que está contra, mas quemtem o Diário Oficial na mão tem tu-do para fazer, se souber fazer.

Adusp - Como a população, naoutra ponta, pode virar essa mesa?

Carlos Chagas - De vez emquando, o mundo anda prá frente,Graças a Deus! De vez em quando,alguns episódios pouco diferentesda rotina ganham as ruas. E de re-pente, ninguém sabe como, mobili-za a sociedade momentaneamente.A sociedade já tem atuado, como namorte do Getúlio, em 54. Estavam amídia toda e as elites contra, e o ho-mem dá um tiro no peito. De repen-te, a massa vai para a rua, milhõesde pessoa na cidade gritando "Getú-lio... Getúlio". Aquela manifestaçãoserviu para evitar o golpe que já es-

tava na agulha e que só veio dezanos depois. Veja que a sociedade,de vez em quando, se mobiliza econsegue algum resultado. O mes-mo se deu no episódio das "Diretasjá" e no Impeachment do Collor.Uma denúncia aqui, outra ali, e derepente o povo na rua exigindo umaposição dos parlamentares. O Con-gresso, nos grandes momentos, ja-mais foi contra a sociedade, pois elesabe que se for, está arrebentado.

Adusp - O sr. vislumbra algu-ma possibilidade de explosão so-cial em função do quadro de de-semprego no país?

Carlos Chagas - Não de formaorganizada, não há organização ne-nhuma para ela, porém nós semprevivemos de inusitados e pode vir uminusitado qualquer. Pode vir algumacoisa que determine o povo na rua,em cima do Congresso e mude issotudo. Mas isso não virá sozinho, a si-tuação está mais grave em outras re-giões como na África, na Ásia e naRússia. Tenho a impressão de quevamos ficar a reboque dessa história.

Adusp - Qual o papel e comotem se comportado a mídia nesseprocesso todo, inclusive em relaçãoao presidente Fernando Henrique?

Carlos Chagas - No tempo dosmilitares, a mídia viu o mundo divi-dido entre mocinhos e bandidos. Osbandidos eram eles, que censura-vam, processavam e até matavam, eos mocinhos éramos nós, que sofría-mos censura etc. Agora, esses queestão aí, os globalizantes, são muitomais inteligentes, eles colocaram emprática uma estratégia que anulaqualquer tipo de oposição. Even-

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No tempo dos militares a mídia viu o mundo

dividido entre mocinhos e bandidos. Os bandidos

eram eles, quecensuravam, processavam

e até matavam, e osmocinhos éramos nós,que sofríamos censura

etc. Agora, esses que estãoaí, os globalizantes, sãomuito mais inteligentes,

eles colocaram em práticauma estratégia que anulaqualquer tipo de oposição.

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tualmente, gritamos aqui ou ali. Re-pare que Estadão, Folha e Jornal doBrasil fazem editoriais e mais edito-riais pedindo a entrada de capitaisestrangeiros nas telecomunicações,nisso e naquilo, mas não falam daentrada de capital estrangeiro na mí-dia. A Constituição proíbe estrangei-ros de serem proprietários de em-presas jornalísticas e nenhum deleslevantou essa discussão. Trata-se dereserva de mercado. As empresasque vão bem, como Estadão, Globo,Folha, Editora Abril, RBS (RioGrande do Sul) e o Silvio Santos, ogoverno cooptou oferecendo benes-ses, oferecendo favores. Olha a iro-nia: na ditadura do Estado Novo, ogoverno cooptou os jornais estabele-cendo um monopólio de importaçãode papel, ou seja, comprando porcem e vendendo por cinqüenta paraos jornais. A chantagem é a mesma,quer dizer, oferece grandes negóciospara a mídia que vai bem. Agora, damídia que vai mal, que tem dívidas,como Jornal do Brasil, Manchete eoutros, eles cobram a dívida. Entãoo que acontece? Eles têm a unani-midade. Aqui e ali coloca-se aindauma lasquinha, depois passa-se al-guns dias sem criticar. Eles não es-tão perseguindo como os militares,não estão perseguindo pessoalmen-te as pessoas, mas você sabe quetem um espaço limitado, senão pre-judica a sua empresa. Se se colocaruma linha de oposição política naTV, no rádio ou na revista, a empre-sa vai sofrer, vai deixar de ter publi-cidade. Eles são muito mais inteli-gentes que os militares. Quando seimaginaria que a Folha, que brigano varejo, iria se acoplar tanto nes-se modelo como está acoplada?

Adusp - Como se dá a relação daimprensa com o poder? A impres-são que passa é que as pautas sãooriginárias do Palácio do Planalto?

Carlos Chagas - É o que estáacontecendo na campanha, quediariamente enche o seu fax de me-tros e metros de informação e notí-cia. O comitê do Fernando Henri-que não está fazendo nada a maisou a menos que copiar o sistema decomunicação social do Palácio, queé eficiente, que alimenta os meiosde comunicação. Não se reinventaa roda, a imprensa tem que dar no-tícia e isso é notícia. A oposiçãoproduz notícia com o mesmo nível?Não, infelizmente não. O comitêdo Lula, de uma semana para cá,está fazendo isso. E nesse momen-to se pode contrabalançar.

Adusp - Mas essa coberturanão é a do jornalismo de assesso-ria de imprensa? As redações es-perando os candidatos emitirem osseus releases? Cadê a reportagem?

Carlos Chagas - Talvez eu te-nha me expressado mal. Nós pro-curamos e encontramos fatos,ocorre que, no lado da campanhado Fernando Henrique, vamosatrás de uma imagem ou uma falae encontramos. Se se vai no Lula,até pouco tempo atrás ele dava pa-tada nos repórteres: "não vou falar,não quero falar". Não fazemos umjornalismo oficial, noticiamos osfatos que acontecem.

Adusp - O sr. atuou como se-cretário de imprensa do governomilitar de Costa e Silva. Gostariade saber se foi discriminado peloscolegas ao deixar o cargo? E mais:

arrepende-se de ter assumidoaquela função?

Carlos Chagas - Eu era editorpolítico de O Globo e o governo mechamou dizendo que ia acabar como AI-5. Por causa disso, estava mu-dando alguns auxiliares e gostariaque eu fosse para lá, para noticiar asreuniões que fazia com os juristaspara elaborar um ante-projeto deConstituição e reabrir o CongressoNacional. Fui e não me arrependo.Fui para executar este trabalho mas,na realidade, os fatos foram com-pletamente diferentes: o Costa e Sil-va caiu doente (teve um derrame ce-rebral) quando faltava uma semanapara completar a onda, ou seja,abrir o Congresso e acabar com oAI-5. Aí o vice-presidente, que pen-sava como ele e deveria ter assumi-do, foi preso. Assumiu a junta mili-tar e eu pedi minha demissão. Volteipara O Globo mais sujo do que paude galinheiro. Fui para ser um se-cretário de imprensa que iria dar anotícia de uma possível abertura,mas acabei sendo aquele que deu anotícia da doença do presidente eda tomada do governo pelos milita-res. Voltei para O Globo e fiqueisendo visto como assessor da ditadu-ra. Então, só tive uma saída: escre-ver uma série de 22 páginas de jor-nal, que saiu no O Globo e no Esta-dão, sobre aquilo que eu tinha visto.Aquela série me fez ficar de bem no-vamente com a profissão e com oscolegas. Contei tudo o que tinhaacontecido, a sacanagem no gover-no, aqueles que queriam abrir, aque-les que não queriam abrir, as brigasentre os generais. (As reportagensrenderam a Carlos Chagas o PrêmioEsso de Jornalismo, em 1970).

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Já há alguns anos, os governos conservadoresfalam mal, repetida e incansavelmente, dosistema público universitário no Brasil. Entreoutras coisas, a universidade pública é rotula-da de perdulária, ineficiente e até mesmo deincompetente. Muitos são os clamores para a

reformulação do sistema e para a necessidade de tor-ná-lo “moderno”. Durante o governo FHC, conserva-dor como os anteriores, a cantilena não mudou: pro-pala ser a universidade pública um serviço ineficienteque precisa ser reformulado, pela privatização, paratornar-se maravilhoso. O herdeiro dos descalabros da

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DESMENTIR E DESMITIFICAR É PRECISO,PRIVATIZAR NÃO É PRECISO

Soraya SmailiFrancisco Miraglia

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infindável lista de ministros da Educação do PFL, ho-je seu aliado mais intransigente, quer fazer crer à opi-nião pública, nacional e internacional, que porqueempresários não lucram com os serviços básicos, estesserviços não funcionam. Quem acredita?

De todo modo, o discurso da ineficiência tem servi-do como pretexto para o arrocho de salários e verbas,tendo a comunidade acadêmica vivido, nos últimosquatro anos, uma das maiores reduções orçamentáriasque se tem notícia. Tática conhecida: o discurso daineficiência acoberta a intenção da destruição.

Surpreendentemente, o molde utilizado comoexemplo pelos nossos governantes continua sendo osistema norte-americano (muito embora o francês, on-de FHC diz ter trabalhado, fosse mais apropriado).Entre muitas inverdades – alguém acredita que o go-verno não saiba realmente como é? – afirmam que onosso sistema está errado porque depende essencial-mente de dinheiro público, enquanto o sistema norte-americano utiliza, principalmente, dinheiro privadopara a manutenção de suas universidades e para a pro-moção da pesquisa e do desenvolvimento científico etecnológico. Esta linha de pensamento certamentetornou-se muito mais forte quando muitos membrosda comunidade acadêmica passaram a preconizá-la,como uma espécie de “canto da sereia”. Recentemen-te, em uma reportagem encomendada pela revista“Nature” (vol 392: 648, 1998), de grande circulação eimpacto na comunidade científica, um professor daUSP tenta mostrar à comunidade científica internacio-nal que o Brasil, assim como o restante da AméricaLatina, poderá se desenvolver e crescer num futuromuito próximo. Isso se a universidade pública (localonde a maior parte das pesquisas ocorre) aproveitareste momento para buscar outras formas de financia-mento e se os seus docentes buscarem outras formasde ganhar a vida, que não dependa do setor público.Neste mesmo artigo, ele defende a venda de serviçoscomo prioridade e a obtenção de salários através deconsultorias, ou mesmo da utilização do conhecimentocientífico para a abertura de negócios privados e de in-teresse pessoal. Não é surpreendente que este discur-so esteja tão bem articulado com o estrangulamentodo orçamento e salários, criando um ambiente perfei-to para a desobrigação governamental.

No entanto, quando conhecemos o sistema norte-americano mais de perto, podemos perceber quemuitas das coisas que são propaladas e veiculadascomo soluções são, na verdade, convenientementedistorcidas. Especialmente se levarmos em conta omomento de desespero e desorientação que vive oprofessor universitário e o cientista brasileiro, dianteda falta de interesse político e econômico no nossosistema. Em realidade, se analisado corretamente,chegamos a pensar que os nossos dirigentes e cole-gas acadêmicos, que distorcem as imagens, tentamfabricar a idéia de um enorme mito equivocado eopressor. Este grande mito se construiu com peque-nas afirmações ou, porque não dizer?, pequenos mi-tos repetidos e popularizados no nosso cotidiano aolongo do tempo e que gostaríamos de analisar maisdetalhadamente:

Mito Nº 1:“O governo americano não aplica grandes proporçõesem educação, pois o sistema é praticamente privado”.

Esta afirmação é completamente falsa. O governoamericano gasta muito dinheiro em educação e pes-quisa. O sistema é bastante diversificado e, de manei-ra geral, a maior parte do ensino é de responsabilida-de dos Estados e Municípios. Mesmo assim, o gover-no federal aplica 30 bilhões de dólares anuais. Todosos Estados americanos têm o seu sistema estadualuniversitário, que conta com um grande número deuniversidades, escolas técnicas e institutos de pesqui-sa. Apenas no Sistema de Ensino de Maryland, o dé-cimo terceiro no país, há 13 instituições públicas quegastam anualmente 1,7 bilhões de dólares, cerca de1/3 dos gastos do governo federal brasileiro com suas52 instituições. Só para ter uma idéia, em uma destas– a Universidade Federal de São Paulo (antiga EscolaPaulista de Medicina) – o governo federal repassou airrisória quantia de 23,6 milhões para despesas duran-te o ano de 1997 e destinou, para o ano de 1998, umvalor ainda menor: 23,51 milhões. Como se não bas-tasse, os repasses feitos nos últimos quatro anos des-consideraram sistematicamente a inflação do período,que foi de mais de 40% (utilizando-se qualquer umdos índices existentes).

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Mito Nº 2:“O setor privado financia a maior parte das pesquisas”.

O setor privado norte-americano certamente in-veste bastante em pesquisas e tem tradição neste tipode financiamento. Ao contrário da indústria brasilei-ra, que não financia pesquisas a menos que agênciaspúblicas de financiamento, como Fapesp e Finep,criem programas de interação, onde quem entra como maior investimento e demanda é o erário público.Mais um exemplo da velha falcatrua de privatizar oslucros e socializar as perdas, tradição da classe diri-gente no Brasil.

No sistema norte-americano, o setor privado chegaa investir 40% do total aplicado em pesquisa e desen-volvimento. Este total corresponde a 3,5% do PIBamericano, que é de 7,1 trilhões de dólares. O governonorte-americano chega a aplicar mais de 50% dos gas-tos totais com pesquisa em desenvolvimento em todasas áreas. Somente na área de ciências biomédicas eciências da saúde, através de seu Instituto Nacional deSaúde (National Institutes of Health), gasta 13,1 bi-lhões de dólares anuais (corrigidos anualmente em cer-ca de 3% de acordo com a inflação local). Dentre estes13,1 bilhões, 7,4 bilhões destinam-se ao financiamentode pesquisa em diferentes universidades em todo opaís, 1,12 bilhão para pesquisa dentro de seus institutose o restante destina-se ao pagamento de estudantes epós-doutorandos em treinamento. Estes valores não in-cluem os gastos com salários e não mencionam os gas-tos na área de humanas e exatas, especialmente nas en-genharias, onde gastos vultuosos são realizados anual-mente. No Brasil, os orçamentos das agências de finan-ciamento de pesquisa não totalizam 1 bilhão de reais,aplicados em todas as áreas do conhecimento. Adicio-nalmente, em nível federal, os investimentos vêm sen-do drasticamente reduzidos, chegando à cifra inacredi-tável de 10% de redução para o ano de 98.

Importante citar também que a pesquisa básicanorte-americana é financiada, quase que exclusiva-mente, pelo dinheiro público. Há alguns anos, discu-tia-se no Congresso Americano uma redução nesteitem de despesa orçamentária. Presidentes e executi-vos de alta linha (CEO’s), de algumas das maioresmultinacionais do planeta, assinavam matéria paga no

Washington Post fazendo a defesa das universidades eda pesquisa financiada pelo dinheiro público. Afirma-vam que, sem o investimento público de larga escala,estava ameaçado o “american way of life”. E argumen-tavam: a necessidade de lucro a curto prazo invabilizao investimento estratégico necessário para a produçãode conhecimento das leis naturais, sem o qual é im-possível o desenvolvimento tecnológico. A direção po-lítica do capitalismo pode ser tudo, mas não é intelec-tualmente raquítica. Ao contrário dos seus propagan-distas nestes Estados Unidos do Brasil.

Mito Nº 3:“Nos EUA, os investimentos em pesquisa destinam-seprincipalmente à pesquisa aplicada”.

Somente como exemplo, tomamos a carta de in-tenções do Instituto Nacional de Saúde (NIH, Bethes-da, USA) para o ano de 98. Lá, encontramos as áreas aserem priorizadas durante o ano: neurobiologia, gené-tica, neurociência, biologia molecular. Todas áreas bá-sicas do conhecimento em biologia e medicina. As ca-beças pensantes do NIH sabem que o desenvolvimentodestas áreas básicas serão de suprema importância pa-ra a compreensão da patogênese de diferentes doençase para o desenvolvimento da terapêutica.

Neste mesmo documento, chama a atenção que aárea de maior investimento e maior prioridade tratade “Novas Estratégias de Prevenção de Doenças”, oque denota mais uma diferença fundamental com osistema brasileiro, que não tem tradição e não priori-za a prevenção de doenças.

Mito Nº 4:“Os professores universitários e pesquisadores norte-americanos não têm salários e vivem de consultoriase prestação de serviços ou projetos”.

Dados da Universidade de Maryland, instituiçãopública estadual, indicam os seguintes salários mé-dios, correspondentes a dez meses do ano de 1998:

Instrutor: US$ 36.400Professor Assistente: US$ 43.000Professor Associado: US$ 50.300Professor Titular: US$ 78.000

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Durante os dois meses de verão, os professores po-dem optar por continuar trabalhando e, portanto,acrescentando seus salários. Estas cifras são típicas,pois as instituições preferem não perder pessoal sim-plesmente por diferenças salariais nominais e não in-cluem o valor recebido por consultorias. As médiasacima são provenientes de listagem nominal publica-da oficialmente pela Universidade de Maryland.

O salário anual do pessoal técnico-administrativovaria entre US$ 25.000 e US$ 51.000, dependendo docargo ocupado.

Enquanto isso, nas universidades federais brasilei-ras, um titular com dedicação exclusiva pode ganhar50 mil reais; um adjunto (com doutorado ou livre-do-cência), no último nível da carreira, pode chegar aganhar um máximo de 35 mil reais e um assistentechega a apenas 29 mil (contando décimo terceiro sa-lário e algumas gratificações também). Já sabemosque, sem a dedicação exclusiva, estes valores decres-cem de 30 a 60%!

Mito Nº 5:“Nos EUA, os professores das universidades e ospesquisadores dos institutos de pesquisa não têmestabilidade”.

Apenas no estado de Maryland, as universidadestêm 9.362 professores e instrutores com “tenures”, oque é equivalente à estabilidade dos servidores noBrasil. Apenas uma das unidades do Instituto Nacio-nal de Saúde (NIH) conta com 14.000 servidores fe-derais, entre técnicos e investigadores que trabalhampor cerca de 30 anos com estabilidade.

Estes foram alguns exemplos de análise crítica deafirmações que costumamos ouvir de pontífices. As-sim como a natureza da sociedade americana temraízes na sua história, a história social brasileira ge-rou especificidades que nos são próprias. A cópia pu-ra e simples de políticas é, portanto, sem sentido.Mas esta obviedade não parece constranger aquelesque, interessados na destruição do sistema público,recomendam um arremedo, nem remotamente pare-cido com o original. Por que será que não recomen-dam tratamento penal para sonegadores de impos-tos? Ou escala progressiva para o imposto de renda?

Ou a publicação anual de todos os proventos que ca-da servidor público recebe do erário público (inclusi-ve dos governantes)? Estes, e muitos mais, são proce-dimentos estabelecidos nos EUA!

É importante frisar que a indústria no Brasil nãoirá, a médio prazo, aplicar soma significativa de di-nheiro em desenvolvimento tecnológico. Os grandesprodutores de ciência aplicada têm os seus países se-de como foco principal de investimento. Pretendem,isto sim, que brasileiros paguem, como valor agrega-do e gerando lucro, a pesquisa que fizeram nos seuslaboratórios nos EUA, na Europa e no Japão (porexemplo, a industria farmacêutica). A última coisaque lhes interessa é desenvolver competidores brasi-leiros. Uma proposta ilusória e enganosa, que nãotem respaldo algum na evolução da conjuntura queestamos atravessando. A conclusão é simples: a edu-cação, a pesquisa e o desenvolvimento tecnológicodevem ser financiados pelo dinheiro público, em insti-tuições públicas. Ou então a nossa dívida social nãoirá, jamais, deixar de crescer.

Não deixa de ser irônico descobrir que os exem-plos mais comumente utilizados para nos oprimir, en-quanto professores e pesquisadores, possam ser tãofacilmente refutados. Provavelmente terminaríamosmuito mais surpreendidos se estas mesmas considera-ções fossem feitas utilizando-se, como base, paísescom mais larga tradição em investimentos sociais eem educação pública, como a França e a Inglaterra.

Na realidade, ao pensarmos nos países chamados“desenvolvidos”, uma diretriz fica clara: não existe de-senvolvimento e autonomia sem investimento maciçoem educação e pesquisa em todos os níveis. Desta for-ma, é inaceitável que um professor e/ou um pesquisa-dor não tenha um salário que o habilite a viver comdignidade, sem ter que ficar pensando em como vendera alma. Não precisamos copiar nenhum sistema, preci-samos apenas aplicar o óbvio. Este mesmo óbvio queos nossos governantes fazem de conta que não vêem.

Soraya S. Smaili é Professora Adjunta do Departamen-to de Farmacologia - UNIFESP-EPM e PesquisadoraVisitante do National Institute of Health. Francisco Mi-raglia é Professor Associado do Instituto de Matemáticae Estatística - USP e Professor Convidado da Universi-dade de Maryland.

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A CRISE UNIVERSITÁRIA NO BRASIL

Osvaldo Coggiola

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Aprivatização da uni-versidade e a des-truição do ensino su-perior público nãosão um processo es-pecificamente brasi-

leiro, mas mundial, determinadopela crise estrutural do capital esuas conseqüências básicas nesseplano: a) A tendência do capitalpara a destruição, cada vez maior,do potencial produtivo da socieda-de; b) A necessidade, para o capi-tal, de reintegrar na sua órbita, co-mo campo de investimento lucrati-vo, as atividades sociais que fugi-ram daquela, em primeiro lugar aeducação, incluída a superior. Acomparação desfavorável do Brasile da América Latina com os países“organizados” (ou “desenvolvi-dos”) só é válida em termos peda-gógicos ou propagandísticos, parademonstrar o modo especialmenteperverso que aquela tendênciamundial adota na periferia capita-lista, e não como “exceção à nor-ma”. Neste contexto, é lícito apon-tar que 80% da pesquisa, do orabadalado “modelo” das universida-des privadas dos EUA são finan-ciados por verbas públicas atravésde bolsas de pesquisa.

A explosividade da crise univer-sitária em nível internacional estádeterminada pela massificação doensino universitário depois da Se-gunda Guerra Mundial. Os EUAanteciparam o processo na “déca-da dourada” de 1920, passando de250 mil estudantes universitários,em 1900, para um milhão e meioem 1940 (na pós-graduação, as ci-fras respectivas são de 5.800 e 100mil): uma sextuplicação. No país

havia 3 milhões de estudantes uni-versitários em 1958 e 10 milhõesem 1974: um crescimento muitosuperior ao demográfico. O pró-prio ensino secundário cresceu de2,5 para 4,8 milhões somente nosanos 20 (um crescimento de 32% a51% dos jovens em idade escolar).

Na França, o número de univer-sitários passou de 150 mil estudan-tes em 1956 para 605 mil em 1967,sendo criado, então, um ministérioexclusivo para as universidades. Ascifras da ex-URSS são muito maisespantosas que as dos EUA e Eu-ropa. Na América Latina, tambémem 1950, havia 75 universidadescom 270 mil alunos (2% dos jovensna idade universitária) e 25 milprofessores. Em 1988, havia 450universidades e 2.000 instituiçõesde ensino superior, com mais de 6milhões de alunos para as primei-ras (um milhão e meio somente noBrasil, que tinha apenas 100 milem 1960) e 500 mil professores:entre 10% e 15% dos jovens emidade correspondente (porcenta-gem muito inferior à dos EUA,Europa e Japão). Na “década per-dida” (1980-90), as universidadescresceram 5% anualmente, apesardo retrocesso econômico.

Paralelamente, se desenvolve oque Ernest Mandel, em O Capita-lismo Tardio, denominou a “consti-tuição da pesquisa (produção deconhecimentos) em um ramo inde-pendente da produção”. As inver-sões em ciência e tecnologia cres-ceram 15 vezes nos EUA entre1947 e 1967, enquanto o PIB sócresceu 3 vezes. Na América Lati-na, o processo foi desigual, dadoque 50 das 450 universidades con-

centram 80% da pesquisa (no Bra-sil, as três universidades públicaspaulistas concentram quase 60%da pesquisa). Na universidade, foideslocada a figura do “professor”pela do “pesquisador que dá au-las” (ultimamente, na medida daexacerbação da desigualdade, a úl-tima está sendo substituída pelo“gerente de recursos econômicos ehumanos” que, às vezes, dá aulas).

Proletarização

As razões do processo descritose encontram, parcialmente, na ne-cessidade de qualificação da mão-de-obra de um capitalismo em ex-pansão (1945-1970) e, também, nasconcessões feitas pelo capital paraevitar desenvolvimentos revolucio-nários no pós-guerra ou, o que é omesmo, na pressão dos trabalhado-res e da população explorada(sendo este, um fator decisivo nasúltimas décadas de contração eco-nômica). Classes e camadas so-ciais, antigamente marginalizadasda universidade, passaram a teracesso a ela.

As conseqüências do processouniversitário, e educacional em ge-ral, são múltiplas. Por um lado, aproletarização do professorado(que deixa de ser um setor de “eli-te”), o que o leva a adotar os mé-todos de organização e luta dostrabalhadores em geral: na França,se constitui a central FEN (Fede-ração da Educação Nacional) quecompete com as centrais sindicais;surge a CTERA na Argentina e opoderoso sindicalismo educacionalno Brasil e no México, assim comoas centrais continentais e mundiais

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(CEA, CMOPE etc.). Surge em to-das as partes um inédito sindicalis-mo universitário e o setor profes-soral em geral passa do “associa-cionismo” (de características a-classistas e corporativas) para osindicalismo de classe em todos osníveis do sistema educacional. NoBrasil, a Andes surge com o sindi-calismo combativo da década de70, transformando-se em sindicatonacional a partir de 1988, sendoprecedida pela “metamorfose sin-dical” das associações do professo-rado brasileiro de 1º e 2º graus .

Privatização

É no quadro da crise que aquestão da privatização assumeformas brutais: a educação - a edu-cação superior em especial - deveser transformada em um “negócio”para um capital em crise, desespe-rado por novos campos de explora-ção lucrativa, assim como acontececom a previdência, a saúde etc.(este é o fundo de classe que se es-conde por trás das argumentaçõesoficiais relativas ao equilíbrio dascontas do Estado). A PEC (Pro-posta de Emenda Constitucional)370 mereceu um comentário ina-pelável da Andifes: “A redação doparágrafo primeiro não garanteque as universidades permaneçamcomo pessoas jurídicas de direitopúblico, permitindo que a legisla-ção infra-constitucional possa tor-ná-las pessoa jurídica de direitoprivado, regidas pela legislação or-dinária civil”.

A privatização assume diversasformas, desde o argumento cínicoda “captação de recursos externos”,

que caracteriza a “privatizaçãobranca” das maiores universidadespúblicas, até a privatização por de-creto nos elos mais fracos da cor-rente (Tocantins, Bahia). Trata-sede uma tendência internacional, co-mo revela o seguinte comentário ànova Lei de Ensino Superior, re-centemente aprovada na Argentina,realizado pelo jornal Prensa Obrera:“É uma lei de confiscação do salá-rio, de tornar a educação paga e dedestruição da universidade pública.Porque o ‘financiamento externo’só servirá a cátedras e departamen-tos isolados, deixando a grandemaioria das atividades sem saída.Não existe no projeto nenhum con-ceito pedagógico, só adequação aosrequerimentos de um capitalismoem crise, que tem que arrasar comas conquistas educativas da popula-ção para defender seu lucro”.

No Brasil, a mesma tendênciatoma a forma institucional do Pro-nex, que pretende instaurar as “i-lhas de excelência” (capitalista) eo salve-se-quem-puder para o res-tante, para o qual irão institucio-nalizar a autonomia financeira pa-ra as Universidades, para que elaspossam, “livremente”, trabalhar eser transformadas em empresas.Essa é a transformação global quea burguesia quer para a Universi-dade: cortam verbas, selecionamas que irão receber as migalhas,mudam seus cursos e pesquisasem função das necessidades docapital (as “parcerias”) e privati-zam seus espaços para que as em-presas lucrem mais.

Daí a necessidade de alterar oartigo 207 da Constituição Federal,que rege a autonomia universitária

e as responsabilidades da Uniãojunto às Instituições Federais deEnsino Superior (IFES). Com aPEC-370, abre-se a possibilidadede acabar com a autonomia univer-sitária, pois as alterações propostaspodem abrir brechas jurídicas quepossibilitariam o início do processode privatização das universidadespúblicas, desresponsabilizando pro-gressivamente o Estado brasileirodo financiamento público das IFESe dando total liberdade às institui-ções particulares de ensino supe-rior de tornarem-se verdadeiras“fábricas de diplomas”.

A argumentação em favor dadesqualificação dos curriculi (in-clusive o das Escolas Técnicas),em função das “novas tecnolo-gias”, foi já apresentada de manei-ra cínica e ideológica (isto é, atra-vés de uma inversão da realidade),em documento da Fiesp de 1990:“A carência de pesquisa básica eaplicada, a escassez de mão-de-obra especializada e a rápida ob-solescência das inovações torna-ram os investimentos em setoresde alta tecnologia os mais arrisca-dos em um país de industrializa-ção recente como o Brasil. Umaênfase maior em tecnologia deponta deverá ocorrer quando opaís estiver apto a investir maiorparcela de recursos na formaçãode capital humano e P&D”.

Mais direta e menos diplomati-camente, o mestre analfabeto por-tenho de nosso diplomado “prínci-pe” tupiniquim justificava assim,recentemente, as mudanças curri-culares e a privatização geral doensino na Argentina: “Quem temmais futuro no mercado de traba-

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lho, um menino que temo primário e o secundá-rio, mas que não sabetrabalhar num computa-dor, ou um analfabetoque maneja um compu-tador? Vamos para ummundo da tecnologia,do saber” (Carlos Me-nem). É isso que elesquerem: analfabetoscom computador...

Decomposição capitalista

Através da privatização, é umprocesso de desqualificação geraldos diplomas universitários o quese pretende, em nome das “novastecnologias”. Um dos ideólogos da“cyber-educação” afirma isto demodo messiânico: “Já se passaram2.500 anos desde a época de Sócra-tes, Platão e Aristóteles. Desde en-tão, criamos naves espaciais, bio-tecnologia, engenharia genética, la-sers, radioastronomia, matemáticasnão-lineares, teoria do caos, satéli-tes, supercomputadores, TV intera-tiva e inteligência artificial. Chama-mos isso de progresso. Mas o queacontece na educação? Dois milê-nios e meio depois, ainda pomosalunos em uma sala de aula comuma autoridade que lhes ensinapor períodos determinados de tem-po. Avançamos muito pouco desdeo paradigma educacional usado porSócrates e seus discípulos”.

A universidade “sem paredes,sem salas de aulas e sem... profes-sores” com que sonha, já não émais uma universidade. E tambémnão o são os “entes” favorecidospelas recentes políticas do CNE

com o label institucional de uni-versidade. Sobre os quais a Vejacomenta que “alguns dos cérebrosmais brilhantes, muitos dos cien-tistas mais prolíficos, gente quedevotou décadas à busca do co-nhecimento e ao ensino de gera-ções, estão abandonando a univer-sidade pública e batendo às portasde escolas particulares -as mesmasque até dez anos atrás, em tom dechacota e desprezo, eram chama-das de “caça-níqueis”, “arapucas”e “pagou-passou”.

O toque cínico vem por contados comentários dos responsáveisda política governamental: “Nocurto prazo, será o caos. As facul-dades públicas estão se desestrutu-rando e as particulares ainda nãoconseguem oferecer uma alternati-va à altura”, sentencia a professoraEunice Durham, aposentada pelaUSP, consultora do Ministério daEducação. “Essa migração des-monta grupos de pesquisa armadosao longo de décadas e tira lideran-ças importantes do cenário”, acres-centa Abílio Baeta Neves, secretá-rio de ensino superior do MEC.

A tendência geral é: privatiza-ção do ensino superior, cortes nos

orçamentos públicos depesquisa (em especial depesquisa básica), desva-lorização dos diplomas,desqualificação do traba-lho universitário. NosEUA, certamente, o se-tor privado chega a in-vestir 40% do total apli-cado em pesquisa e de-senvolvimento. Este to-tal corresponde a 3,5%do PIB americano, que é

de 7,1 trilhões de dólares. O gover-no norte-americano chega a apli-car mais de 50% dos gastos totaiscom pesquisa em desenvolvimentoem todas as áreas. Somente naárea de ciências biomédicas e ciên-cias de saúde, através de seu Insti-tuto Nacional de Saúde (NationalInstitute of Health), gasta 13,1 bi-lhões de dólares anuais (corrigidosanualmente em cerca de 3% deacordo com a inflação local). Den-tre estes 13,1 bilhões, 7,4 bilhõesdestinam-se ao financiamento depesquisa em diferentes universida-des em todo o país, 1,12 bilhão pa-ra pesquisa dentro de seus institu-tos e o restante destina-se ao paga-mento de estudantes e pós-douto-rados em treinamento.

Estes valores não incluem osgastos com salários e não mencio-nam os gastos na área de humanase exatas, especialmente nas enge-nharias, onde gastos vultuosos sãorealizados anualmente. Mas isto sedá num sistema que “nasceu” pri-vado, o que significa que a iniciati-va privada e a “captação de recur-sos externos” (no setor privado)foi, historicamente, incapaz demanter um sistema universitário

A tendência geral é: privatização

do ensino superior, cortes

nos orçamentos públicos de

pesquisa (em especial de

pesquisa básica), desvalorização

dos diplomas, desqualificação

do trabalho universitário.

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no país capitalista maisdesenvolvido do planeta.Por outro lado, entre 92e 97, a iniciativa privadanos EUA manteve cons-tante seu investimentoem ciência básica (7 bi-lhões de dólares anuais).No entanto, o investi-mento em pesquisa apli-cada saltou de 26 para32 bilhões e o investi-mento em desenvolvi-mento de novas tecnolo-gias foi de 86 para 114bilhões de dólaresanuais.

O “mercado educacional”

O processo é mais claro na Eu-ropa, onde a escola é definida como“o grande mercado do século XXI”.O volume desse “mercado” está cal-culado em “um trilhão de dólares, (-que é) segundo a OCDE, o montan-te dos gastos anuais dos seus Esta-dos-membros em educação. Esse ‘-mercado’ é muito cobiçado. Quatromilhões de professores, 80 milhõesde alunos, 320 mil estabelecimentosescolares (entre os quais 5.000 uni-versidades e escolas superiores daUnião Européia) estão na mira dosmercadores. Mas serão necessáriosmuitos esforços para concretizar oque seria o desmonte do essencialdo serviço público da educação”.

O instrumento fundamental dapenetração do setor privado naeducação e o “ensino à distância”que permitiria introduzir, de acordocom um documento da ComissãoEuropéia de 1990, “critérios de ren-tabilidade”. Em maio de 1991, se

define que “uma universidade aber-ta é uma empresa industrial, o ensi-no superior à distância é uma novaindústria (que) deve vender seusprodutos no mercado do ensinocontínuo, regido pelas leis da ofertae da procura”. Se trata de introdu-zir mais rapidamente as pessoas nomercado de trabalho, fazendo comque completem a sua formação jácomo trabalhadores (e não comoestudantes universitários, momen-taneamente fora do mercado detrabalho), o que, além de pressio-nar para baixo os salários, desoneraas empresas do financiamento pú-blico (através dos impostos) dasuniversidades, transformando estasnum “negócio”, pois, como diz cla-ramente um informe de 1996 daOCDE, é necessário “um engaja-mento maior dos estudantes no fi-nanciamento da maior parte doscustos da sua educação”. Em outraspalavras, o ensino pago e desquali-ficado (pois carente da interaçãoprofessor-aluno em sala de aula).

Assim, as novas tec-nologias, sob a égide docapital, são postas a ser-viço dos objetivos des-trutivos enumerados aci-ma. Se, na Europa, esseprocesso avança, na peri-feria é arrasador: 580 milestudantes “à distância”na Turquia, 353 mil naIndonésia, 242 mil na Ín-dia, 217 mil na Tailândia,211 mil na Coréia, 530mil na China, que “pro-duz mais de 100 mil gra-duados à distância porano, com mais da meta-de dos 92 mil graduados

em engenharia e tecnologia obten-do seu diploma através dela”. Comum debate crítico nulo e, last butnot least, sem nenhum movimentoestudantil (que, na China, desde1911 até 1989, sempre criou pro-blemas aos poderosos de plantão).

Os cortes na pesquisa básica e aprivatização são duas caras da mes-ma moeda. A redução das verbaspúblicas não expressa cabalmente aprofundidade do processo, pois asverbas remanescentes destinam-secrescentemente a “parcerias” com osetor privado (como na badalada co-laboração Fapesp/Fiesp), em que osetor público entra com os gastos afundo perdido e o setor privado como produto final, e condicionando odirecionamento da pesquisa.

Recentemente, em uma repor-tagem publicada pela revista Natu-re, de grande circulação e impactona comunidade científica, um pro-fessor da USP tentou mostrar à co-munidade científica internacionalque o Brasil, assim como o restante

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Se, na Europa, esse processo avança, na

periferia é arrasador: 580 mil estudantes

“à distância” na Turquia, 353 mil na

Indonésia, 242 mil na Índia, 217 mil na

Tailândia, 211 mil na Coréia, 530 mil na

China, que “produz mais de 100 mil

graduados à distância por ano, com mais

da metade dos 92 mil graduados em

engenharia e tecnologia obtendo seu

diploma através dela”.

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da América Latina, po-derá se desenvolver ecrescer num futuro mui-to próximo. Isto, se auniversidade pública (lo-cal onde a maior partedas pesquisas ocorre)aproveitar este momentopara buscar outras for-mas de financiamento, ese os seus docentes bus-carem outras formas deganhar a vida, que nãodependa do setor públi-co. Neste artigo, ele de-fende a venda de servi-ços como prioridade e a obtençãode salários através de consultorias,ou mesmo da utilização do conhe-cimento científico para a aberturade negócios privados. “Não é sur-preendente que este discurso estejatão bem articulado com o estrangu-lamento do orçamento e salários,criando um ambiente perfeito paraa desobrigação governamental”.

Sucateamento

O sucateamento das universida-des públicas no Brasil se produzdentro deste quadro mundial, co-mandado pelo capital financeiro in-ternacional, do qual o governoFHC é, em última instância, oagente. Isto não poupa sequer a “il-ha de excelência” da USP, que temperdido 800 docentes nos últimoscinco anos (à razão de 150 porano), totalizando atualmente 4.700docentes na ativa. Mas o seu alvofundamental é o sistema federal deensino superior, que agrupa 52 uni-versidades, com 42 mil docentes,450 mil alunos e 1.700 cursos de

pós-graduação, com um orçamentode R$ 6,4 bilhões (sendo que asuniversidades privadas recebem R$1 bilhão em subsídios diretos doEstado, além das mensalidades dosalunos e outras formas de financia-mento; os 6,4 bilhões, por outro la-do, são um “ilusionismo orçamen-tário” do governo, segundo denun-cia da Andes, pois, por exemplo,bem mais de 400 milhões corres-pondem à execução de precatóriosde passivos trabalhistas, que sãoresponsabilidade exclusiva do go-verno, não das universidades).

O crescimento do setor federal(e estadual), durante os anos decrescimento econômico das últimastrês décadas, foi bem inferior ao dosetor privado (generosamente subsi-diado), ao ponto que, em 1964, 80%das vagas eram oferecidas em uni-versidades públicas e 20% nas priva-das. Hoje, essas porcentagens se in-verteram. Nos últimos anos, ao ca-lor da crise, o processo se aceleroubrutalmente, com o crescimento dossubsídios ao setor privado, o arro-cho orçamentário das IFES, a impo-

sição da “autonomia fi-nanceira” às universida-des estaduais e os subsí-dios ao grande capitalque quebraram a sua fon-te orçamentária (as gran-des plantas automotrizesde SP deixaram de pagarICMS por autopartes, as-sim como outros setorespor exportações), a insta-lação de um escritório doBID no MEC e a submis-são a um documento doBanco Mundial (1995)“desaconselhando o estí-

mulo” às universidades públicas, a“privatização branca” das IFES eIEES através de uma verdadeira in-vasão de “fundações” (de direitoprivado), a privatização brutal, purae simples, nos elos mais fracos dacorrente (Tocantins, Bahia) e, final-mente, o desenvolvimento de cursos(pagos) à distância, de Harvard oudo MIT, via Internet.

Reforma educacional

O debate sobre a “reforma uni-versitária”, ora em curso, parte dopressuposto da inadequação daatual estrutura à “realidade”, masfazendo completa abstração dessamesma realidade, que é a de umcapitalismo mundial no seu perío-do de declínio histórico (imperia-lista), padecendo da sua crise eco-nômica mais profunda e coman-dando um processo de destruiçãosistemática das forças produtivassociais. Toda a questão consiste emsaber se a universidade brasileiravai se adaptar a esse processo ouvai resistir a ele organizadamente.

O crescimento do setor federal (e

estadual), durante os anos de

crescimento econômico das últimas três

décadas, foi bem inferior ao do setor

privado (generosamente subsidiado), ao

ponto que, em 1964, 80% das vagas

eram oferecidas em universidades

públicas e 20% nas privadas. Hoje,

essas porcentagens se inverteram.

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Não se pode discutir “reforma” ig-norando que as verbas para educa-ção caíram 19,57% no governoFHC, que foram gastos R$ 45 bi-lhões para pagamento da dívidaexterna, enquanto a educação re-cebeu apenas R$ 9 bilhões.

Tudo com a ingerência diretado FMI e do Banco Mundial que,juntamente com a Unicef e aUnesco, promoveram a Conferên-cia Mundial de Educação em 1990,na Tailândia, onde foram traçadasas metas do imperialismo com re-lação à educação nos países “sub-desenvolvidos”.

O governo FHC batizou como“plano” e “reforma” um conjuntode medidas carentes de qualquerprojeto e coerência interna, alémdo seu reacionarismo. A sua políti-ca, através da emenda constitucio-nal nº 14 e da Lei de Diretrizes eBases (LDB), vem trazendo conse-qüências catastróficas para a jácombalida educação pública. Ga-rantindo formalmente a obrigato-riedade e gratuidade apenas para oensino fundamental (1ª a 8ª sé-ries), a reforma desobriga o gover-no da manutenção dos outros ní-veis de ensino, o que representauma drástica redução de investi-mentos para a educação. Em de-corrência destas medidas, estimulaa privatização do ensino médio esuperior, relegados a último plano.

Outro elemento de arrocho é ochamado processo de avaliação derendimento. O art. 9º da LDB de-fine como uma das incumbênciasdo governo federal “assegurar oprocesso nacional de avaliação derendimento escolar no ensino fun-damental, médio e superior, em

colaboração com os sistemas deensino, objetivando a definição deprioridade e a melhoria da quali-dade de ensino”. Ou seja, em de-corrência das enormes dificuldadesde funcionamento, oriundos da es-cassez de investimentos, bem comoda corrupção que alimenta todasas esferas do Estado, principal-mente os níveis de ensino médio esuperior públicos, cuja oferta não éconsiderada como prioridade dogoverno, serão avaliados da formanegativa e, conseqüentemente, re-ceberão menos verbas.

Como já foi dito, “o PNE/MECrepresenta uma versão cujo eixono ensino fundamental é o FUN-DEF (Fundo de Manutenção eDesenvolvimento do Ensino Fun-damental e Valorização do Magis-tério), no ensino médio é o Decre-to 2208/97 e, no ensino superior, éa PEC 370/A/96 (que modifica oartigo 207 da Constituição, referi-do à Autonomia Universitária). Éuma construção inconsistente doponto de vista teórico, pois não fi-xa o financiamento para as metaspropostas, não apresenta um diag-nóstico da educação brasileira eapela para a responsabilidade dasociedade na forma do ‘voluntaria-do’ para resolver as questões daeducação. Prevê um acréscimo fi-nanceiro global na base de 0,1%do PIB anual, para alcançar ao fi-nal de 10 anos os 6,5% recomen-dados pela Unesco”.

A ofensiva de FHC

Enquanto entretinha a “opiniãopública” com seus grandiloqüentes“planos”, a política do governo

FHC verificava-se no dia-a-dia.Permitiu-se que o sistema federalficasse com uma lacuna de mais de7.000 docentes definitivos, cujasfunções passaram a ser exercidaspor “professores substitutos”, comsalários simbólicos. Dentro do ”Pa-cote Fiscal” de outubro de 1997(destinado a conter o “contágio”da “crise asiática”), foram retira-dos R$ 450 milhões do sistema fe-deral de fomento à pesquisa (Ca-pes/CNPq), ao mesmo tempo emque se propunham R$ 300 milhõespara as universidades particulares.Nas universidades federais, a dete-rioração salarial chegou ao pontoem que o salário de um professoruniversitário com mestrado, em re-gime de 40 horas de trabalho, é deR$ 589,00, salário inferior ou equi-valente ao de categorias da socie-dade de nível médio, sem nenhu-ma formação universitária.

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Em 1998, o MEC decidiu iralém, lançando três propostas bási-cas: a) o ensino pago (“queiramosou não, a cobrança de mensalidadesou de anuidade está na agenda”,disse o ministro Paulo Renato), emque pese já estar demonstrado queele não cobriria 10% do orçamentouniversitário – se todos pagassem –e que 60% dos alunos das IFES nãoteriam condições de pagar; b) a ins-tauração em nome de uma “auto-nomia financeira” – contida naPEC 370, em tramitação desde1995 – de um verdadeiro salve-se-quem-puder, justificado em que “omodelo de financiamento da uni-versidade (por verbas públicas) estáfalido e não abre possibilidades deexpansão” e defendido pelo Estadode S. Paulo com o delicioso argu-mento de que “a captação de recur-sos fora da administração pública éum caminho a ser experimentado,

desde que se abandonem os pre-conceitos que há na comunidadeacadêmica pública contra os empre-sários. As universidades teriammuito a aprender e a ganhar se ven-cessem esse preconceito”; c) a vin-culação dos salários docentes à pro-dutividade, especificamente horas-aula (como se os docentes não pre-parassem aula, não dessem plantão,não fizessem pesquisa e/ou exten-são), numa aproximação não tantoao regime “horista” das “fábricasde diplomas” particulares e, sim, ao“salário por peças” anterior à legis-lação trabalhista.

O Estadão teorizou cinicamen-te: “parcerias, convênios, flexibili-zação da universidade são os cami-nhos que se abrem”; em outras pa-lavras, virem-se como puderem. Afamosa “avaliação”, reclamada pe-lo governo como “instrumento decontrole do uso das verbas públi-

cas”, tirou definitivamente a suamáscara, revelando-se um instru-mento de chantagem financeira so-bre as universidades e sobre ospróprios docentes.

A greve nas federais

Com 1.175 dias sem reajuste euma deterioração salarial calculadaem 48,65% nesse período, a raivaacumulada dos professores explo-diu da única maneira possível: agreve por tempo indeterminado,reivindicando esse reajuste. Ela foideflagrada quando o MEC – depoisde ignorar a pauta de reivindica-ções há tempos entregue pelo An-des – anunciou o PID (Programa deIncentivo à Docência), prevendoreajustes diferenciados, abaixo dainflação, vinculados à produtividadee excluindo os aposentados e os do-centes de 1º e 2º graus vinculadosàs IFES, ou seja, vinculando de umsó golpe arrocho, flexibilização eexclusão, no que foi qualificado pe-la ADUnB de “ignóbil, indecente,imoral e maquiavélico”.

A essência do PID já foi de-nunciada quando se analisou que,“em nome da flexibilização, postu-la-se para as instituições públicasa eliminação do regime jurídicoúnico, do concurso público e dadedicação exclusiva ao exercícioda docência”. Junto a isso, alémdo PID não contemplar o conjun-to da categoria docente, pois a eleteriam acesso, no máximo, 30%dos especialistas, 50% dos mestrese 60% dos doutores, ficariam tam-bém dele excluídos aqueles queatualmente possuem somente agraduação e os professores apo-

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sentados, muitos dos quais opta-ram por esta condição em virtudedas ameaças de abolição de seusdireitos pelas reformas adminis-trativa e da previdência.

Estavam também sumariamen-te excluídos do PID todos os do-centes que atuam no ensino de pri-meiro e segundo graus, das univer-sidades federais e nos Centros Fe-derais de Educação Tecnológica(CEFETs). Tudo isso dentro deuma estratégia bem ampla do go-verno de destruição da universida-de pública, gratuita, democrática ede qualidade: desta estratégia fa-zem parte, além do arrocho sala-rial, a não renovação dos quadrosatravés de concurso público, a pre-carização do trabalho docente coma crescente contratação de profes-sores substitutos, a política de pri-vatização interna através do estí-mulo à disseminação das funda-ções de direito privado e o corte deverbas para a renovação das biblio-tecas, a manutenção dos laborató-rios e equipamentos e as demaisdespesas das instituições.

Iniciada no final de março, agreve dos docentes federais esten-deu-se por 103 dias, comovendo asociedade brasileira como nenhumoutro movimento de luta no pre-sente ano. Foi a greve mais longada categoria em toda a sua história.Contrariando o desprezo inicial doMEC, ela ganhou rapidamente 49das 52 IFES, conquistando adesãode 100% na maioria delas, radicali-zando-se ao ponto de 19 professo-res iniciarem uma greve de fomeem Brasília, que durou duas sema-nas. O sucesso do movimento foigarantido pelo fato da condução da

greve estar sob a responsabilidadedo Comando Nacional de Greve,com representantes eleitos em as-sembléias de base e apoiado per-manentemente em comandos lo-cais de greve igualmente eleitos.

Recuo e Crise

O recuo do governo no decor-rer da greve foi impressionante.Primeiro, com a rejeição de fatodo PID pelo Congresso Nacional(mediante a supressão do artigo 6ºda Medida Provisória que o ins-taurou), submetido à pressão dagreve. A 24 de abril, o MinistroPaulo Renato anunciou modifica-ções no PID e tornou-o capaz deabranger até 90% dos professoresuniversitários. Isto foi rejeitado,assim como a tentativa, feita noinício de junho, de estender aosprofessores e aposentados sempós-graduação a gratificação atéentão prevista apenas para mes-tres e doutores. Mesmo assim, oComando Geral de Greve dos pro-fessores não aceitou a proposta dogoverno, apoiado na decisão nessesentido de 45 assembléias de base,que reafirmaram a reivindicaçãode aumento salarial homogêneo.Em maio, o MEC-FHC lançou suacartada máxima, a retenção dossalários para quebrar a greve e co-lheu um novo fracasso.

A extensão e a profundidadeda greve fizeram explodir o qua-dro até então restrito e em surdinado debate sobre a reforma univer-sitária que, junto com a própriagreve, ganhou manchetes e pági-nas nobres dos jornais, assim co-mo os principais espaços da TV. A

crise ganhou a própria estruturaadministrativa, com os reitores dasuniversidades pronunciando-secontra a retenção dos salários. Adireita teve como porta-voz o ex-ministro de Collor (e ex-reitor daUSP) José Goldenberg, que pas-sou a denunciar a “irresponsabili-dade cívica” nas universidades:“Não há solução de médio e longoprazos para o problema das uni-versidades federais sem resolver oproblema da autonomia, e é issoque o ministro Paulo Renato deve-ria estar fazendo, em lugar de re-gatear com os grevistas o percen-tual do seu aumento salarial ou re-ter o seu salário.”

A assessora de FHC, EuniceDurham, pôs o grito no céu: “Osistema financeiro das universida-des está podre”. Propôs ”umaemenda constitucional que não sóassegure a autonomia, mas tam-bém garanta, por meio de umasubvinculação de 75% dos recursosdestinados à educação, o financia-mento público das universidades”.E pôs o dedo na ferida ao reconhe-cer que “se fosse possível para ogoverno, hoje, atender às reivindi-cações dos docentes, concedendo oaumento salarial linear, as univer-sidades seriam apaziguadas, a dis-cussão cessaria e nenhuma refor-ma seria feita”. Trocando em miú-dos, que na greve estava em jogomuito mais do que o salário: elapunha em questão toda a políticauniversitária (e, até certo ponto,educacional) do governo FHC.

Osvaldo Coggiola é professor livre-docente do Departamento deHistória da FFLCH-USP e vice-presidente da Adusp.

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Omestrado profissionalizante finalmenteencontra-se em processo de instaura-ção em quatro unidades, com regimen-tos aprovados nas CPGs e prontos paraserem implantados a partir da aprova-ção na Pró-Reitoria de Pós-Graduação.

O conteúdo destes projetos ainda são desconhecidosda comunidade USP devido à falta de discussão e di-vulgação, o que motivou a elaboração deste documen-to como subsídio para seu melhor entendimento. Odocumento foi realizado a partir da experiência do

processo de aprovação do Regimento do MestradoTecnológico, pela CPG da Escola Politécnica da USP,e descreve sucintamente algumas características essen-ciais deste novo curso e as questões que permanecemsem resposta. Evidentemente que, para outras áreasde conhecimento, devem ser agregados alguns tópicosdiferenciados para contemplar suas especificidades.

O processo de discussão do Mestrado Profissiona-lizante proposto na CPG da Poli foi iniciado em16/02/98 e finalizado em 30/03/98; entre extraordiná-rias para este fim específico, e regulamentares, as

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MESTRADO PROFISSIONALIZANTE, UMA QUESTÃO QUE PERMANECE

Renato Vargas

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poucas reuniões realizadas neste espaço de temponão permitiram um aprofundamento nas questões bá-sicas que surgem naturalmente a partir das principaiscaracterísticas desta nova modalidade:

– O mestrado proposto será oferecido exclusiva-mente através de convênios com empresas, sendo opúblico-alvo somente os funcionários designados pe-las empresas, e vetada a possibilidade de execução dedisciplinas deste curso por alunos do mestrado acadê-mico (ora em vigência) e vice-versa.

– Tem público-alvo, finalidades, disciplinas e dis-sertação de mestrado diferentes, mas terá reconheci-mento como curso stricto sensu, mesmo do mestradoacadêmico.

– A ênfase deste curso será na execução de disci-plinas em detrimento da pesquisa.

– A contrapartida pela utilização das instalações eo gerenciamento dos recursos provenientes deste cur-so, que deve ser auto-financiável, não foi definido noâmbito da Escola Politécnica.

A partir destas peculiaridades do Mestrado Profis-sionalizante (sob o nome de mestrado tecnológico naEPUSP), formulamos algumas questões que aindanão receberam respostas:

– Quais as conseqüências desta modalidade demestrado sobre o atual sistema de pós-graduação,mais especificamente com relação à dedicação dosprofessores na docência e orientação de uma novademanda de pós-graduandos, ou, como evitar queprofessores remunerados por esta nova modalidadenão canalizem seus trabalhos preferencialmente pa-ra esta nova fonte de recursos e não abandonem oatual sistema?

– Como atribuir o mesmo caráter de mérito paradois cursos com público, disciplinas, sistema de ava-liação e finalidades diferentes ?

– Se a ênfase é dada às disciplinas e não à pesqui-sa, por que não caráter lato sensu?

– Se o curso será auto-financiável, sem definição(até o momento) de contrapartida para a universida-de que cede horas de professores, instalações de labo-ratórios e salas de aula; impossibilita a participaçãodos alunos de pós-graduação do sistema atual nas dis-ciplinas e não tem ênfase em pesquisa, qual o interes-se de uma universidade na adoção de um curso deste

tipo ou, de outra maneira, para quê e para quem ser-ve esta modalidade de curso?

– A mudança de critérios de oferecimento de mes-trado, através de contratos de exclusividade com em-presas privadas, não está em confronto com o caráterpúblico da Universidade?

– Os trabalhos produzidos (produtos, tecnologias)no mestrado profissionalizante serão de domínio públi-co ou estamos diante de um paradoxo entre o caráterpúblico das pesquisas e a competitividade empresarial?

Estas questões foram colocadas pelos alunos da Es-cola Politécnica da USP em reuniões da CPG, mas nãofoi possível avançar nas suas respostas pela exigüidadedo tempo face à complexidade do tema. Poderia aindaser acrescentado, a estas questões, que o plano de dis-cussão, na verdade, é anterior ao mestrado profissiona-lizante e reside na problemática relação entre universi-dade e empresa, tema polêmico com uma história lon-ga, mas que normalmente se perde na parcialidade dosanalistas e encontra-se muito longe de qualquer equa-cionamento que contemple os objetivos das partes.

Portanto, mais uma vez é colocada a questão doMestrado Profissionalizante, mas observamos que ago-ra discutimos sobre projetos concretos, que são proce-dentes pois respondem a uma demanda que reconheci-damente existe, geram uma alternativa ao sistema depós-graduação que se encontra em dificuldades e pro-movem uma aproximação com o mercado de trabalho.Estas qualidades devem ser analisadas, assim como o“purismo acadêmico”, que faz parte das críticas de di-versos segmentos à universidade e, muitas vezes, impe-de sua maior integração na sociedade, também mereceuma reavaliação. Entretanto, para saneamento de pro-blemas existentes e no interesse de atender novas de-mandas, não podemos aceitar passivamente qualquer“solução”, pois é evidente que ela tem uma ideologia etraz consigo respostas apenas para uma parte interes-sada. Por isto, não podemos nos eximir da participaçãona discussão das propostas alternativas que vão apare-cendo e devemos estar atentos e bem informados paramelhor tratamento desta questão.

Renato Vargas é representante discente na Câmara Cur-ricular do Conselho de Pós-graduação e integrante dacomissão instituída pela reitoria para analisar o tema“Mestrado Profissionalizante”.

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IMPOSTURAS ALEATÓRIAS

Em abril deste ano, a Revista Adusp reproduziu poemas do

cineasta cubano Tomás Gutiérrez Alea,

publicados originalmente em 1949.

O livro Reflejos, edição do autor,

foi trazido ao Brasil, e

posteriormente devolvido a Cuba,

por Paulo Henrique Martinez. Para

apresentar os poemas de Alea, que

estavam perdidos em um sebo

cubano, Paulo Henrique escreveu o

artigo "Reflexos Cuba-Brasil, uma

crônica de realismo mágico". Baseado

nesta apresentação, o mestrando pelo

Departamento de Filosofia da USP,

Denilson Soares Cordeiro, redigiu uma

crônica em que ele imagina uma espécie de

conversa (quase) epistolar, muito ao sabor

daquilo que ele afirma se convencionou

chamar de "realismo mágico"

ou fantástico na literatura

latino-americana.

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Nunca fui dado a pen-sar muito sobre ci-nema ou poesia,embora a cultura naqual me formei te-nha alguma tradição

nestes assuntos. Estivera duranteo último mês no Brasil, participan-do de um congresso estudantil.Acomodei-me, de acordo commeus parcos recursos, em um ho-telzinho no chamado centro velhode São Paulo. Dali não podia vermuito mais do que um caco da ci-dade, o que vinha a confirmar aspalavras de um compositor baianoque diz que aqui (lá) tudo pareceque é construção quando já é ruí-na. Voltei à minha Cuba. E ia maisou menos por esta vereda a exalta-ção de minhas lembranças quan-do, já em casa, recebi um misterio-so embrulho.

Na minha ausência, alguém dei-xara sob meus cuidados um livroque deveria ser entregue a um talRaúl Rodriguez, de quem, no en-

tanto, jamais ouvira falar. Entreatônito e curioso, folheei a peque-na brochura que atendia pelo enig-mático nome de Reflejos: poemaslírico-metafísicos de Tomás Gutiér-rez Alea; preparação da edição bi-língüe, introdução e notas por Pau-lo Henrique Martinez, São Paulo,1998. Daí foi um passo à conclu-são: quanto mais procurava com-preender o que acontecia, mais di-ficuldades pareciam se somar coma original. Do autor dos poemas sósabia que era cubano e, senão meengano, cineasta; quanto ao orga-nizador, procurava revirar minhamemória brasileira em busca de al-guma reminiscência. Doce ilusão:nada surgia. O volume trazia umadedicatória: "Para o amigo Raulito,con afecto y simpatia, Paulo Marti-nez. 15/maio/98".

Saí do meu quarto e fui procu-rar meu tio, Pino Zito, que recebe-ra a "encomenda" na minha ausên-cia. Chego repentino e dou de caracom a compenetração dele debru-çado sobre outro livro. Indagado, aresposta é tão distraída quanto si-bilina: a chanchada brasileira, deAfrânio Catani. Como a multipli-cação dos reflexos em um espelhoquando diante de um outro, oenigma se expandia. Meu tio con-tou que uma certa Ana apareceracom o dia, encantara-o com a do-çura de sua voz falando sobre oslugares onde passara, deixara o li-vro e partira com a noite, segurade que a entrega era tão certaquanto a ternura que ainda inundaos olhos daquele velho. Pelo quedisse, o casarão deste Centro Ha-vana não poderia conhecer alum-bramento maior.

As veleidades literárias de tio Pi-no Zito subtraíram-me por instan-tes da investigação. Voltei ao meuquarto, puxei uma cadeira e, da ja-nela, dei para observar os passan-tes. Inconsolado, impunha a cadatranseunte um desmascaramentodo que ele provavelmente poucodesejara ser, buscava expurgar otormento ante o desconhecido dis-tribuindo e amplificando imperfei-ções a torto e a direito. Do outrolado da rua, pude notar um homemde uns trinta anos que parecia sa-tisfeito, olhava a rua como se o sol,a brisa e a música destes recônditosda velha capital cubana pudessemlhe servir de alimento; do alto dasjanelas do Hotel Habana Libre, eleprestava especial atenção nos livrosque jaziam expostos na calçada. Afumaça dos chevrolets e uma certapoeira do tempo anuviaram minhavista e não pude me impedir deperder a atenção. Paulatinamente,fui baixando a cabeça e deitei o vo-lume no chão. Acordei já noite altaem minha cama e, não sei porquemotivos, recordava-me claramenteque, em sonho, comia tranqüila-mente morangos com chocolate noKopélia, enquanto lia os tais miste-riosos poemas. Jamais pude encon-trar o "real" destinatário daquelelivro; o acaso(?) atribuíra-lhe mi-nha estante e algum tempo depois,confesso surpreso, também a mi-nha satisfação se viu sua tributária.E é por estas e outras que deixo,tal como o próprio livro me che-gou, uma palavra de gratidão ao"deus dará", perdida, ao léu, nestastitubeantes linhas, a quem organi-zou e remeteu a obra até o meu re-gozijo: Gracias, Paulo!

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“¿ Por qué persistes, incesante espejo?

¿ Por qué duplicas, misterioso hermano,

El menor movimiento de mi mano?

¿ Por qué en la sombra el súbito reflejo?”

((JJoorrggee LLuuííss BBoorrggeess,, AAll eessppeejjoo,,

iinn:: LLaa rroossaa pprrooffuunnddaa,, OO..EE..,, pp.. 110099))

“Nadie me diga que miento

Que lo prefiro de veras.”

((JJoosséé MMaarrttíí,, VVeerrssooss sseenncciillllooss,,

OO..EE..,, vv.. 22,, pp..551199))

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Setembro 1998RReevviissttaa Adusp

FFrraauuddee nnaa AAlleemmaannhhaaUm ano após a divulgação de

um escândalo científico que

teve sua origem no Max Del-

brück Centre for Molecular

Medicine em Berlim, apenas

duas publicações foram publi-

camente apontadas como não

confiáveis (uma no Procee-

dings of the National Academy

of Sciences USA e outro no

EMBO Journal). No entanto,

uma pesquisadora que admi-

tiu ter falsificado dados,

apontou quatro trabalhos:

dois na Blood, um no J. of Ex-

perimental Medicine e outro

no EMBO J (Nature, 29 de

maio de 97). Há pressão dos

co-autores dos demais traba-

lhos, que temem a repercus-

são das retratações em suas

carreiras acadêmicas. Em sete

casos, F. Herrmann, um dos

acusados de fraude e chefe do

laboratório, recusou a suges-

tão dos editores de denunciar

trabalhos já publicados. O

pesquisador alega que não

estava consciente de que es-

tava havendo falsificação de

resultados em seu laborató-

rio. As revistas científicas têm

procedimentos distintos para

a retratação de artigos: para

algumas, basta o consenti-

mento do autor correspon-

dente e, para outras, todos os

co-autores devem concordar.

Apesar da existência de um

número importante de casos

conhecidos de fraude nas

ciências biológicas, a reação

da comunidade vai na direção

de criar mecanismos que ini-

bam esta tendência e facilitem

sua detecção. O caráter expe-

rimental da ciência minimiza

os apelos à autoridade e rea-

firma o primado da confirma-

ção independente para validar

resultados divulgados.Nature, 4 junho 1998

aIInnvveessttiimmeennttoo eemm cciiêênncciiaaO investimento em ciência e

tecnologia nos países inte-

grantes da OCDE varia entre

1,2% e 3,7% do PIB, com

uma média próxima a 2,2%.

(Aplicando-se a mesma regra

para o Brasil, isso corres-

ponderia a cerca de 18 bi-

lhões de reais ao ano; no ca-

so do Estado de São Paulo,

2,2% do PIB é algo perto de

4 bilhões.) A parte governa-

mental desses gastos é de

cerca de 0,7% do PIB (que,

no caso brasileiro, corres-

ponderia a cerca de 6 bilhões

anuais e, no caso paulista, a

2 bilhões), sendo a maior

parte (perto de 0,6%) corres-

pondente apenas à ciência

básica, excluída a parte cor-

respondente à educação. Se-

gundo a mesma fonte, o in-

vestimento básico por artigo

publicado varia entre 7.000

dólares, no caso do Japão, e

30.000, no caso do Reino

Unido. Ainda na mesma fon-

te, o retorno econômico (au-

mento da renda em relação

ao investimento feito) de in-

vestimentos em ciência e

tecnologia varia entre 20% e

50% ! Nada desprezível, não?Science 281, 3/7/98, 49

AIImmppoossttuurraass iinntteelleeccttuuaaiissEm março deste ano, estourouum escândalo a partir da con-fissão de uma técnica de quehavia falsificado resultados napesquisa em que estava envol-vida no Max Planck Institutefor Plant Breeding (Colônia,Alemanha). Mais de 30 traba-lhos foram publicados nosmelhores periódicos científi-cos, com resultados provavel-mente afetados pela falsifica-ção. As publicações datam de1992. A Max Planck Societyiniciou uma série de investiga-ções que envolve a repetiçãodos experimentos descritosnos trabalhos anteriormentepublicados. Os resultados empelo menos seis trabalhos fo-ram comprovados como nãoreproduzíveis. Novas regraspara tratar com casos de frau-de estão sendo aperfeiçoadas,tanto para proteger aquelesque detectam as fraudes comopara a defesa dos acusados.

Nature, 28 maio 1998

aDDeessaaffiiooss ppaarraa aa bbiioollooggiiaa nnaa EEuurrooppaa O cientista Fotis C. Kafatos,

diretor do European Molecu-

lar Biology Laboratory, ex-

pressou na Science, em edito-

rial, sua avaliação dos desa-

fios que a União Européia en-

frentará para manter sua bio-

logia competitiva na era da

sociedade baseada no conhe-

cimento. O primeiro desafio é

a rapidez com que progride a

ciência biológica, fundamental

para a medicina, agricultura,

meio ambiente e indústria no

século que em breve adentra-

remos. Destaca como a biolo-

gia tornou-se “uma ciência

maior”, dependendo agora de

muita interação multidiscipli-

nar, equipamentos caros co-

mo síncrotons, microscópios

ultrapoderosos, “chips” de

DNA, centros de armazena-

gem e referência e bases de

dados globalizadas e interco-

nectadas. Aqui, a agilidade das

conexões entre o laboratório e

a empresa é fundamental. O

segundo desafio é romper

com a falta de flexibilidade e o

conservadorismo nos meios

acadêmicos, que ainda man-

têm estruturas piramidais de

poder e não desenvolveram

adequadamente o sistema de

pós-doutoramento. O tercei-

ro desafio seria uma estagna-

ção no suporte econômico

para as instituições nacionais

ou supranacionais. Alerta pa-

ra o perigo de se assumir que

já “fizemos bastante ciência

básica, vamos agora aplicá-

la”, usando como argumento

iniciativas dos Estados Uni-

dos da América, China e Ja-

pão para aumentar o apoio à

ciência básica.

Science, 29 maio 1998

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MMuullhheerreess nnaa uunniivveerrssiiddaaddee nnaa AAllee--mmaannhhaaO Wissenschaftsrat (espécie

de CNPq) vai recompensar fi-

nanceiramente as universida-

des alemãs que tiverem su-

cesso em recrutar mulheres

para a academia. Esse esfor-

ço acompanha a constatação

de que o meio universitário

alemão é um dos mais “ma-

chistas” do mundo industrial,

com o dobro de doutorados

para o gênero masculino e

apenas 4,5% de mulheres no

topo da hierarquia acadêmi-

ca. Um dos aspectos da nova

política seria a modificação

das exigências para a Habili-

tation, uma qualificação

avançada para garantir com-

petência no ensino e na pes-

quisa. Atualmente, isso exige

muitos anos de associação a

um determinado professor e

a idade média para esta qua-

lificação fica em torno de 40

anos. Competência em pes-

quisa e ensino, ligada à ativi-

dades de pós-doutoramento,

seriam alternativas ao siste-

ma de Habilitation e outras

medidas, como ampliar o sis-

tema de creches, foram tam-

bém recomendadas.Nature, 4 junho 1998

aÉÉttiiccaa ee ppuubblliiccaaççããoo cciieennttííffiiccaa nnooRReeiinnoo UUnniiddooOs britânicos estão exigindo

a criação de um comitê per-

manente com poderes para

investigar quaisquer casos

de fraude ou má conduta

científica. A idéia vai emular

o U.S. Office of Research In-

tegrity e o National Commit-

tee for Scientific Dishonesty

da Dinamarca. Um grupo de

editores de revistas científi-

cas fundou o COPE (Commit-

tee on Publication Ethics),

que descreveu cerca de 22

casos de estudos suspeitos

na área biomédica. Aqui, o

computador tem sido aliado

dos fraudadores, montando

e manipulando imagens. O

editor do British Medical

Journal crê que os casos ca-

talogados seriam apenas a

ponta de um iceberg: foram

relatados por 10 editores e

existem cerca de 20.000 re-

vistas biomédicas...Science, 12 junho 1998

AUUnniivveerrssiiddaaddeess ppaarrttiiccuullaarreessA cidade de Bremen será,

possivelmente, o berço da

primeira universidade parti-

cular no estilo americano a

se instalar na Alemanha. A

iniciativa é a mais audaciosa

de cerca de 10 propostas, cu-

ja finalidade é quebrar a es-

trutura clássica da universi-

dade alemã: direção esta-

dual, abarrotadas de estu-

dantes, com excesso de rigi-

dez e regulamentação buro-

crática e sem dispor de me-

canismos apropriados de

controle de qualidade. Sua

estrutura particular também

não atrai estudantes estran-

geiros devido à língua e es-

trutura de cursos e diplomas

que não seguem o esquema

de outros países. As empre-

sas na Alemanha estão insa-

tisfeitas com o estado da

universidade, que não conse-

gue produzir os profissionais

que elas esperam, e com a

lentidão das reformas e es-

tão apoiando os projetos. O

governo introduziu modifica-

ções no ano passado, no

sentido de conceder mais

autonomia e flexibilidade às

instituições. Pressões políti-

cas ainda não permitiram

que as resoluções inovado-

ras se tornem leis. Por exem-

plo, há partidos que exigem

uma proibição formal de co-

brança de taxas pelas univer-

sidades públicas. A experiên-

cia de Bremen será iniciada

com 1200 estudantes e 100

cientistas e inclui uma parce-

ria com a Rice University de

Houston, Texas. Os cursos

começam na primavera do

ano 2000. Haverá ativo inter-

câmbio entre Houston e o

campus na Alermanha, e a

ênfase será nas ciências na-

turais e tecnologia, pontos

fortes na Rice University. O

MIT seria um segundo par-

ceiro. O inglês será a língua

usada na nova universidade

e o custo anual será de

8.500 dólares. O impacto ini-

cial das novas instituições

será numericamente peque-

no e está sendo atacado por

críticos, por não ter suficien-

te base em pesquisa científi-

ca. Todos concordam, entre-

tanto, que a emergência des-

tas instituições irá contribuir

para catalizar as necessárias

reformas que a universidade

alemã aguarda há 40 anos .Science, 19 junho 1998

aCCrreesscciimmeennttoo ddoo eennssiinnoo ssuuppeerriioorrnnoo BBrraassiill Estudo do MEC mostra que,

em 98, há mais 424.000 ma-

triculados no ensino superior

em comparação com o ano de

94, quando tínhamos 1,6 mi-

lhões de alunos no terceiro

grau com 58,4% nas escolas

particulares. Em 98 temos 2,1

milhões de alunos sendo que

60,7% nas particulares. O mi-

nistro Paulo Renato crê que o

sistema público poderia ab-

sorver um número bem maior

de alunos, aumentando a pro-

porção de alunos por profes-

sor que, em nossa universida-

de pública, é de 8 alunos por

professor contra 16 em Har-

vard. Alterações no vestibular

são também iminentes com a

introdução do Exame Nacio-

nal do Ensino Médio, segundo

o Prof. Paulo Renato.Folha de S.Paulo, 21 julho 1998 e

Isto É, supl. 2/9/98

AIInnvveessttiimmeennttoo eemm cciiêênncciiaassUm interessante levantamen-

to foi apresentado na Science

por Robert M. May, que é o

principal assessor científico

do governo no Reino Unido.

Inicia mostrando que os go-

vernos são universalmente os

principais investidores na

pesquisa básica, já que os re-

sultados não são conhecidos

ou previsíveis. Na compara-

ção, incluiu os países do G7 e

outros 5 (Austrália, Dinamar-

ca, Holanda, Suécia e Suíça).

Os 12 países respondem por

80% dos investimentos glo-

bais em pesquisa e desenvol-

vimento (P&D). A taxa média

de investimento foi de 1,8%

em 1981 e chegou a 2,2% em

1996. Só houve decréscimo

nos gastos feitos pelo Reino

Unido. A Suécia e o Japão ul-

trapassaram os EUA e a Ale-

manha. O decréscimo nos

EUA e Reino Unido refletem

os cortes nos recursos para

uso militar. Sua conclusão re-

gistra o crescimento global

dos recursos destinados à

P&D. A parte pública destes

investimentos segue paralela

com o crescimento do produ-

to nacional bruto. O fim da

guerra fria reduziu os investi-

mentos públicos na área mili-

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Setembro 1998 RReevviissttaa Adusp

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Setembro 1998RReevviissttaa Adusp

tar sem direcioná-los para

objetivos civis em P&D. Em-

presas e entidades filantrópi-

cas são uma presença cres-

cente tanto no apoio à pes-

quisa aplicada como básica.

O incentivo fiscal para empre-

sas resultou, nos países que o

adotaram na última década

(Austrália, Canadá e EUA), em

expressivo crescimento na

participação empresarial em

P&D. Em termos de eficiên-

cia, o Reino Unido lidera ao

produzir o maior número de

trabalhos científicos em fun-

ção do investimento feito na

ciência pura. O Japão é o me-

nos eficiente (quase 5 vezes

menos). O número de traba-

lhos científicos básicos cita-

dos em patentes está cres-

cendo, em todos os setores,

nas patentes americanas,

com o Reino Unido em se-

gundo lugar nas citações. No

entanto, a Inglaterra ocupa o

terceiro lugar depois do Japão

quanto à posse das patentes.Science, 3 julho 1998

a““ SScciieennccee WWaarrss””O termo “Science Wars” foicunhado por sociólogos ejornalistas e descreve o em-bate entre setores das huma-nidades e o estamento dasciências exatas. Há 40 anos,C. P. Snow identificou umaseparação importante entreciência e artes. Agora, o cis-ma principal está entre aciência e as ciências sociais.O livro The Golem: whateveryone should know aboutscience (1993), de Pinch eCollins da Universidade deSouthampton, Reino Unido,tornou-se uma referência im-portante na sociologia daciência. Os autores, filiados à

“escola de Edimburgo”, dis-cutem se não cientistas po-dem fazer uma contribuiçãoválida em seus esforços deestudar a ciência e levantarquestões sobre como ela fun-ciona. O debate radicalizoucom o livro de Gross e Levitt- Higher superstition: theacademic left and its quarrelswith science (1994), no qualos autores, um biólogo e ummatemático, acusam algunscientistas sociais de estaremorganizando um ataque àciência e à razão por meiodos “estudos de ciência” etambém por seu apoio ao fe-minismo exacerbado, etno-centrismo, medicina alterna-tiva e outros fenômenos quedenominam “pós-modernos”.O assunto explodiu para amídia quando o físico AlanSokal publicou, em revista dealta reputação na área(Science Text), um artigo de-liberadamente fabricado quefoi aceito pelos editores. So-kal revelou que seu expe-diente teve o objetivo de criarum impacto suficientementegrande para expor o que eledenomina charlatanismo eimpostura intelectual, quetem comparecido no trabalhode certos membros influentesda comunidade de humani-dades que lidam com a ciên-cia. Sokal observou que, parater seu artigo aceito, ele sim-plesmente citou autores in-fluentes pós- modernos edespejou elogios em suasconcepções. Debates se es-palharam por toda parte,

afetando os programas de

pesquisa denominados de

sociologia da ciência e tecno-

logia. Sokal e um físico bel-

ga, Bricmont, publicaram re-

centemente o livro Impostu-

ras Intelectuais (1998), no

qual atacam a visão que osfilósofos pós-modernos têmda ciência moderna, que se-ria para alguns “simplesmen-te um sistema de crenças co-munal, com uma associaçãotênue com realidade”, quan-do não negam que haja qual-quer realidade objetiva. Sokale Bricmont inclusive debate-ram na USP, recentemente, oconteúdo do livro acimamencionado (abril 1998),aproveitando uma viagem decolaboração científica compesquisadores daqui.

Nature, 22 maio 1998

ACCuurraa ((ffáácciill)) ddoo ccâânncceerr nnaa IIttáálliiaa O Ministério da Saúde italia-

no que, devido à pressão po-

pular, iniciou estudos sobre

um coquetel de drogas caras

combinadas a produtos na-

turais que curaria o câncer,

anunciou este mês que não

mais pagaria pelo custo do

tratamento. A decisão se

apóia no acompanhamento

de 134 pacientes, durante 3

meses de tratamento sem

sucesso. Houve falecimento

de 3/4 dos indivíduos. O tra-

tamento foi criado pelo Dr.

Luigi Di Bella, agora com

mais de 80 anos, e que alega

ter curado milhares nos últi-

mos vinte anos. Políticos

dos partidos de extrema di-

reita são ardorosos defenso-

res do protocolo do Dr. Di

Bella, aparentemente por ra-

zões eleitoreiras.Nature, 6 agosto 1998

aSSiinnddiiccaattoo ddáá lluuccrroo??Nos últimos anos, afirmações

sobre a necessidade de redu-

zir posições de trabalho para

aumentar a produtividade e

baixar custos e preços – favo-

recendo consumidores em de-

trimento de trabalhadores –

tornou-se lugar comum. Co-

mo conseqüência, sindicatos,

com suas reivindicações “cor-

porativas”, eram tidos como

anti-econômicos e anti-so-

ciais (se o peso maior está no

consumidor e não no traba-

lhador). Entretanto, não havia

dados suficientes para susten-

tar aquelas afirmações. Le-

vantamento recente nos EUA

mostrou que as empresas

com trabalhadores sindicali-

zados têm uma produtividade

16% superior à média, en-

quanto empresas com traba-

lhadores não sindicalizados

apresentam produtividade

11% abaixo da média. As em-

presas com trabalhadores sin-

dicalizados e que ainda man-

têm programas de melhoria

de desempenho, com a ativa

participação de trabalhadores

e distribuição de lucros, têm

produtividade 20% acima da

média. Explicação: nessas

empresas, os trabalhadores se

sentem à vontade para aceitar

ou sugerir mudanças sem te-

mer a perda do emprego.Scientific American, agosto, 1998, 21

ABBaattaallhhaa jjuuddiicciiaall ppeellaa eedduuccaaççããooppúúbblliiccaaEm 1970, teve início, em Nova

Jersey, EUA, um processo ju-

dicial fundamentado no fato

de que o financiamento públi-

co favorecia as escolas das re-

giões mais ricas em detrimen-

to das escolas das regiões

mais pobres. Em 1973, a su-

prema corte resolveu regulari-

zar a situação com base em

um imposto sobre a proprie-

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dade. Como o legislativo es-

tadual rejeitou o novo impos-

to, em 1 de julho 1976 a su-

prema corte fechou todas as

escolas públicas do estado.

Como conseqüência da pres-

são surgida imediatamente,

em 8 de julho do mesmo ano

o legislativo aprovou o im-

posto de renda estadual e o

judiciário reabriu as escolas.

Ainda assim, a briga judicial

continuou, sempre com base

em gastos diferentes nas re-

giões ricas e pobres. Base da

argumentação: as escolas das

regiões mais pobres precisam

de mais recursos por aluno

do que as escolas das regiões

mais ricas, pois, só assim,

pode-se garantir as condi-

ções de educação previstas

na constituição estadual. A

batalha judicial continuou

por 28 anos. Finalmente, em

98, houve um acordo: o esta-

do deverá expandir a educa-

ção infantil, gastar cerca de 2

bilhões de dólares para refor-

mar e aumentar as constru-

ções escolares e melhorar o

ensino fundamental. Em tem-

po: os gastos nos distritos

mais pobres, no ano escolar

de 97-98, foi da ordem de

7500 dólares por estudante,

ou seja, cerca de 25 vezes

mais do que o padrão de gas-

to mínimo estabelecido pelo

governo brasileiro dentro do

chamado fundão, enquanto a

renda per capita dos EUA é

cerca de 7 vezes superior à

brasileira.New York Times, 22/5/98,17/5/97, 15/5/97, http://-

www.nytimes.com/

OOss ddoocceenntteess qquuee qquuiisseerreemm eennccaa--

mmiinnhhaarr tteexxttooss ppaarraa aa ccoolluunnaa NNoottaass

ddaa AAccaaddeemmiiaa,, ppooddeemm eennvviiaarr ssuuaass

ccoonnttrriibbuuiiççõõeess ppaarraa oo eennddeerreeççoo eellee--

ttrrôônniiccoo [email protected]

50

Setembro 1998 RReevviissttaa Adusp

Como membro do Conselho Editorial da Revista Adusp, sugeriao senhor editor (Marcos Luiz Cripa) a elaboração de artigo sobreo corte de verbas federais para bolsas de pós-graduação, colocan-do-me à sua disposição para informar os nomes de colegas que,por estarem diretamente ligados ao assunto, poderiam ser convida-dos a informar sobre a política de distribuição de bolsas para o pe-ríodo 1998-1999.

Dias após, atendi ligação telefônica do sr. Gilberto Maringoni e,conforme combinado, passei-lhe os nomes dos colegas e as referên-cias de como os mesmos poderiam ser localizados na Faculdade deSaúde Pública. Durante a nossa conversa, o citado senhor solicitouminha opinião sobre o assunto, mas em nenhum momento avisou-me que estava me entrevistando ou pediu minha autorização paraincluir as minhas declarações no conteúdo do seu texto.

Hoje, com muita preocupação, li a matéria intitulada “Cortandona carne”, publicada no número 14 da Revista Adusp e assinadapelo sr. Gilberto Maringoni. Verifiquei constrangida que o mesmo,além de não considerar a minha contribuição, publicou parte deminhas afirmações colhidas durante a nossa conversa telefônica in-formal, conferindo-me, além disso, a autoria de frases eticamentepesadas como “ilha do atraso” ou “reduto de privilégios” referindo-se ao CNPq.

Constatei ainda que, apesar de ser membro do Conselho Edito-rial, não fui convidada a apreciar o conteúdo do número 14 da Re-vista e nem mesmo a matéria que cita, impropriamente, as minhasdeclarações. Não tomei conhecimento, portanto, da matéria redigi-da pelo sr. Gilberto Maringoni antes de sua publicação.

Diante de tão lamentável ocorrência e considerando a ampla co-bertura desse periódico nos meios acadêmicos, dirijo-me à diretoriada Adusp para expressar a minha indignação, solicitar o meu desli-gamento do Conselho Editorial de sua Revista e solicitar a publica-ção dessa carta.

Certa de que essa Associação saberá preservar sua conduta emdefesa dos princípios democráticos e da ética acadêmica, agradeçocordialmente.

Nilza Nunes da SilvaProfessora Doutora da

Faculdade de Saúde Pública-USP

Carta