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APRESENTAÇÃO
O Congresso de Pesquisa de Ciências Criminais tem por objetivo construir
um novo espaço para a difusão de conhecimento com apresentação de pesquisas
recentes no campo das ciências criminais. Apresentaram propostas
pesquisadores/as, mestres/as e doutores/as vinculado/as ou não a instituições
de ensino e centros de pesquisa, além de bacharéis e estudantes de pós-
graduação em Direito e em demais áreas das Ciências Sociais.
Em 2018, acontece o II CPCRIM buscando ampliar a discussão sobre os
temas de ciências criminais e propiciar um ambiente de construção teórica
conjunta, além de fomentar a ampliação da rede de contatos entre
pesquisadoras e pesquisadores em linhas de pesquisas semelhantes.
A edição atual do CPCRIM está dividida em 12 (doze) Grupos de Trabalho:
1. Dogmática jurídico-penal: teorias contemporâneas; 2. Direito Penal
Econômico; 3. Crime e Pena; 4. Prova Penal e Estado Democrático de Direito; 5.
Pena, prisão e encarceramento; 6. Desafios do Processo Penal Brasileiro; 7.
Segurança Pública e Seletividade; 8. Gênero, sexualidade e relações raciais na
justiça criminal; 9. Justiça juvenil; 10. Democratização do Sistema de Justiça. A
ampliação e alteração dos temas e das ementas de cada Grupo de Trabalho em
relação a primeira edição, onde havia apenas 9 GTS, reflete uma avaliação da
coordenação a partir dos trabalho recebidos anteriormente e do estado atual do
debate acadêmico nas Ciências Criminais, possibilitando que o Congresso
alcance a amplitude dos temas e as principais discussões da atualidade.
Este primeiro documento é uma apresentação dos resumos recebidos e
aprovados para o II CPCRIM, o qual precede os Anais do II Congresso de Pesquisa
de Ciências Criminais - 2018, composto pelos artigos dos pesquisadores e
pesquisadoras que realizarão a apresentação oral.
1
EXPEDIENTE
COORDENAÇÃO GERAL
Profa. Dra. Jacqueline Sinhoretto
Tem graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1995),
mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (2001) e doutorado em
Sociologia pela Universidade de São Paulo (2007). É professora adjunta da
Universidade Federal de São Carlos / Departamento de Sociologia e PPGS. Lidera
o Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCar.
Realizou estágio pós-doutoral na Université de Toulouse - Le Mirail, com bolsa
Hermès da Fondation Maison des Sciences de L'Homme (Paris). Professora
visitante na Université de Toulouse Jean Jaurès, na Cátedra de Estudos sobre
América Latina do IPEAT (2014). Tem experiência em Sociologia da Administração
da justiça e Sociologia da Violência, atuando principalmente nos seguintes temas:
administração institucional de conflitos, acesso à justiça, violência, segurança
pública, sistema de justiça, prisões, controle estatal do crime. É pesquisadora do
INCT Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de
Conflitos. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7743699562476490
Prof. Dr. Silvio de Almeida
Pós-doutor pelo departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Filosofia e
Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP). Mestre em Direito Político e Econômico e Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em
Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
2
de São Paulo (FFLCH-USP). Professor do Curso de Graduação em Direito e
Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito
Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP). Professor de
Filosofia do Direito e Introdução ao Estudo do Direito da Universidade São Judas
Tadeu (SP). Presidente do Instituto Luiz Gama (SP). Advogado em São Paulo.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6325980837929171
COORDENAÇÃO EXECUTIVA
Ms. Allyne Andrade e Silva
Advogada, mestra e doutoranda em Direitos Humanos pela USP. Supervisora de
Educação do Ibccrim. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3782063590023123
Poliana da Silva Ferreira
Mestranda em Direito e Desenvolvimento (FGV Direito SP). Pesquisadora
visitante do Institut pour la recherche interdisciplinaire en sciences juridiques
(JURI), na Université Catholique de Louvain (UCL, 2018). Graduação em Direito
pela Universidade do Estado da Bahia (2016). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa
em Criminologia da UNEB e do Núcleo de Estudos sobre Crime e a Pena – FGV.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0468392946703207
Lorraine Carvalho Silva
Pós-graduanda de Social Innovation Management (Amani Institute). Pós-
graduada em Direito Penal Econômico (FGV Direito SP - 2018). Graduação em
Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015). Participante do
Projeto Audiência de Custódia do Instituto Pro Bono. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1845601867663999
3
4
SUMÁRIO
1 - DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL: TEORIAS CONTEMPORÂNEAS…............. p. 5
2 - DIREITO PENAL ECONÔMICO…………………………................……..........……...p. 18
3 - CRIME E PENA…………………………….....…………...........................……....……...p. 33
4 - PROVA PENAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO………....................p. 50
5 - PENA, PRISÃO E ENCARCERAMENTO………………..............………................p. 61
6 - DESAFIOS DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO…………...……............…...…..p. 99
7 - SEGURANÇA PÚBLICA E SELETIVIDADES……………………...……..............….p. 115
8 - GÊNERO, SEXUALIDADE E RELAÇÕES RACIAIS NA JUSTIÇA CRIMINAL.p. 133
9 - JUSTIÇA JUVENIL………………………………............................….....................p. 163
10 - DEMOCRATIZAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA……………………................p. 187
Os textos presentes neste documento são exatamente os apresentados por
autoras e autores dos trabalhos aprovados. Títulos, grafias de nomes e resumos
foram publicados sem qualquer alteração.
5
GRUPO DE TRABALHO 1:
DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL: TEORIAS CONTEMPORÂNEAS:
Ementa: A dogmática tem se mostrado uma técnica eficiente para garantir
segurança jurídica à aplicação do direito penal. Utilizando-se de embasamento
teórico, a prática se aperfeiçoa e garante ao Direito Penal uma aplicação
uniforme. A política criminal democrática de ultima ratio restringe a aplicação do
direito penal e de seus institutos aos casos mais necessários. Atualmente várias
teorias convivem entre doutrina e jurisprudência e, tanto a parte geral como a
especial do Direito Penal, continuam proporcionando debates científicos que
precisam ser devidamente fundamentados com vistas a aperfeiçoar a ciência
penal. Os trabalhos encaminhados ao GT devem aprofundar o estudo em um dos
institutos da parte geral do direito penal e refletir acerca da prática judicial,
apontando, com fundamentos, as tensões entre a dogmática e a jurisprudência.
Coordenador: Prof. Dr. João Paulo Orsini Martinelli
Graduado pela Universidade de São Paulo (USP), possui Extensão Universitária
em Direito Processual Penal pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). É especialista
em Direito Penal pela Universidade de Salamanca, mestre e doutor em Direito
Penal pela USP e pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra.
Atua como pesquisador visitante na Universidade de Munique e na Universidade
da Califórnia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0279190483460977
6
Trabalhos:
1. UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS INSTITUTOS DA CEGUEIRA DELIBERADA
E DO DOLO EVENTUAL NO DIREITO PENAL ECONÔMICO
Autor: Alani Caroline Osowski Figueiredo
Coautor: Rodrigo Sánchez Rios
Resumo:
A presente pesquisa teve por objetivo demonstrar, por meio do estudo e das
definições dos critérios de imputação subjetiva nos delitos econômicos, se o
conceito de “cegueira deliberada” empregado pelos Tribunais é equivalente ao
dolo eventual do Código penal brasileiro. Discute-se a implantação de tal instituto
– proveniente do sistema Common law, no sistema jurídico-penal brasileiro.
Ressalta-se a importância de estudos sobre referida categoria subjetiva no
âmbito dos delitos econômicos, sobretudo ante à atual conjuntura do país. Por
intermédio da análise das primeiras formas de aplicação da teoria no
ordenamento pátrio, notadamente onde se tornou conhecida na jurisprudência,
no caso Mensalão até recentemente, nas decorrências da Operação Lava Jato.
De pronto, constata-se a incompatibilidade entre os institutos da cegueira
deliberada e do dolo eventual no ordenamento pátrio, pois além de não se
equivalerem, ampliam o conceito de dolo, possibilitando abarcar na seara das
condenações dolosas situações que fato não o são, tratando-se de, no máximo,
condutas culposas, ou até mesmo casos em que, de outro modo, seria possível a
absolvição. No entanto, a jurisprudência brasileira vem aplicando o instituto
diuturnamente, porém sem se ater à critérios específicos, não se
comprometendo com os fundamentos jurídicos de um direito penal liberal. A
importação de conceitos estrangeiros, sem uma reflexão profunda, pode levar à
consequência de uma expansão indevida da aplicação da norma penal. A
7
pesquisa se centra, assim, criticamente, nas incompatibilidades entre os
institutos da cegueira deliberada e do dolo eventual, bem como, sua desvirtuação
promovida pelo Judiciário, afetando os princípios fundamentais que garantem
um sistema punitivo limitado e racional.
2. A IMPUTAÇÃO OBJETIVA NO PROJETO DE LEI DO SENADO 236/12
Autor: Dorcas Marques Almeida
Coautor: Núbio Pinhon Mendes Parreiras
Resumo:
Ao se fazer uma pesquisa jurisprudencial, nota-se que a Teoria da Imputação
Objetiva vem ganhando espaço no ordenamento jurídico nacional. Nesse
segmento, o Projeto de Lei do Senado n° 236 de 2012, que busca instituir o novo
Código Penal, acrescenta a análise da criação ou aumento do risco para fins de
identificação da conduta penalmente relevante e, consequentemente, adota
expressamente a Teoria da Imputação Objetiva. Assim, o presente artigo objetiva
analisar se a referida teoria é efetivamente compatível com os princípios
constitucionais e se contribui para com o aprimoramento de um paradigma
democrático. Marchionatti (2001, p. 96/97) sustenta que “o tipo da teoria da
imputação objetiva possui mais requisitos, possui mais elementos, possui sempre
como elemento normativo o juízo da imputação objetiva, com função normativo-
axiológica” e que, consequentemente, “a juridicização penal dos fatos da vida é
menor à luz da teoria da imputação objetiva do que à luz da teoria finalista. ” Por
sua vez, Luiz Régis Prado e Érika de Carvalho (2005, p. 5) afirmam que “a teoria
finalista pode resolver todos os problemas sugeridos pelas teorias da imputação
objetiva do resultado, e isso sem precisar elencar inúmeros casos concretos -
verídicos ou supostos - e tratar de elaborar um critério para cada um deles ou
8
para cada grupo de hipóteses sugeridas”. Os juristas apresentam opiniões
divergentes, de modo que este trabalho realizou uma pesquisa bibliográfica e
analisou textos doutrinários, pareceres e jurisprudências para dirimir essa
controvérsia. Assim, demonstrar-se-á, inicialmente, como o abandono da teoria
causal e a recepção da teoria finalista da ação provocou alterações em toda a
estruturação da Teoria do Crime. A Teoria do Crime foi inteiramente
reestruturada quando o ordenamento jurídico optou por recepcionar a teoria
finalista da ação, logo a proposta de um novo Código Penal e a consequente
recepção da Teoria da Imputação Objetiva deve ser analisada com
responsabilidade. Em seguida, far-se-á um breve estudo da Imputação Objetiva
e das implicações engendradas pelo incremento do risco. A Imputação Objetiva
é classificada como funcionalista por ser construída com o intuito de atender a
políticas criminais. Porém, qual política criminal deve orientar um Estado
Democrático de Direito? Roxin (2002) sustenta que o Direito Penal deve ser
orientado pela prevenção geral. Jakobs (2007), por sua vez, persegue a
estabilização normativa. Da mesma forma, todos os juristas que se dedicam ao
estudo da Imputação Objetiva trazem soluções diferentes para fundamentar a
construção da imputação. Desse modo, a análise da ocorrência do risco acaba
sendo uma análise subjetiva, que poderá vir a fundamentar qualquer decisão.
Além disso, a sociedade está vivenciando o fenômeno do risco, de modo que as
condutas tendem, de modo geral, a serem tidas como arriscadas. A dogmática
precisa dar previsibilidade as decisões judiciais, todavia a abertura axiológica
engendrada pela análise do risco e dos escopos funcionais gerará sentenças
completamente imprevisíveis e tamanha discricionariedade é incompatível com
o princípio da legalidade. Assim, por fim, denunciar-se-á como a Imputação
Objetiva atribui demasiada discricionariedade ao judiciário e, portanto, aumenta
excessivamente o poder de punir do Estado.
9
3. FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE ESCRAVIDÃO NAS CADEIAS PRODUTIVAS: A
TEORIA DA CEGUEIRA COMO INSTRUMENTO DA TUTELA PENAL
Autor: Gustavo Lelles de Menezes
Coautor: Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges
Resumo:
Muito embora a escravidão tenha sido formalmente abolida pela Lei Áurea em
1888, sua ocorrência persiste. O trabalho escravo adaptou-se às transformações
das relações de capital, trabalho e produção ocorridas ao longo dos últimos
séculos e tomou novas formas.
Tanto é assim, que a maioria das situações de trabalho análogo ao escravo,
detectadas anualmente no Brasil, são provenientes das cadeias produtivas de
modernas atividades econômicas, nas quais figuram em seu ápice empresas
dotadas de enorme poder econômico (GOMES, 2017). O trabalho em cadeias de
produção (sweating system) se desenvolve em uma pirâmide, cuja característica
é a setorização da produção, por meio da terceirização e da subcontratação.
Assim, cria-se uma grande ramificação de empresas, interligadas através da
produção de elementos necessários à elaboração do bem de consumo a ser
criado pela empresa multinacional que figura no ponto mais alto desta pirâmide.
Com efeito, essa multinacional comanda toda a produção, direta ou
indiretamente, seja estabelecendo os prazos, seja especificando as
características dos produtos a serem entregues pelas terceirizadas e
subcontratadas.
Tendo em vista tal posição hierárquica, não raro, desconfia e até mesmo tem
conhecimento dos ilícitos praticados ao longo cadeia produtiva, todavia os
ignora, de modo a se colocar em estado de alienação proposital diante das
situações suspeitas, para que seja beneficiada pelos preços incrivelmente baixos
10
cobrados. Dessa forma, é que o trabalho escravo se torna um elemento a mais
na obtenção do lucro.
Assim, conquanto a produção transcenda os limites da empresa tomadora
principal, a responsabilidade decorrente da prática do crime previsto no artigo
149 do CP, não deveria se restringir ao dirigente da terceirizada ou
subcontratada, mas também a quem comanda a produção e “fecha os olhos”
ante a tal práticas criminosa, por agir com dolo eventual. Todavia, a ramificação
estrutural da produção culmina em facilitar a blindagem da empresa
multinacional e dos seus dirigentes, principalmente contra a responsabilidade
penal.
Dessa forma, as nefastas consequências das formas contemporâneas de trabalho
escravo, estreitamente relacionadas à ordem econômica e concorrencial e
preponderantemente à dignidade da pessoa humana, exigem da dogmática
penal, ferramentas aptas a garantir a efetiva tutela; discussão perfeitamente
relacionada ao eixo do GT 1.
Nesse contexto, insere-se a Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness),
ficção jurídica utilizada para fixar responsabilidade penal, segundo a qual, ante a
probabilidade real de um resultado criminoso, o agente nada faz, conquanto
finge não perceber determinada situação de ilicitude, sendo beneficiado pela
vantagem pretendida. (SILVEIRA, 2013).
Isto posto, o presente trabalho se propõe a averiguar a (im)possibilidade do uso
da teoria da cegueira na aplicação da norma prevista no artigo 149 do CP, com o
fito de coibir, no âmbito empresarial, a exploração econômica do trabalho em
condições análogas a de escravo e garantir tutela penal dos direitos humanos.
Para tanto utilizar-se-á o método dialético com o fito de discutir as diversas
nuances que envolvem o uso da teoria, notadamente as discussões sobre
11
configuração do dolo, de modo a tomar os cuidados para uma aplicação
responsável, condizente com os postulados do Estado Democrático de Direito.
4. A LAVAGEM DE DINHEIRO ENQUANTO DELITO OMISSIVO IMPRÓPRIO: SUAS
IMPUTAÇÕES E SUA PROVA
Autor: Matheus Braga
Resumo:
Propõe-se abordar, a partir do presente artigo, a prática do crime de lavagem de
dinheiro, na sua modalidade “ocultação”, especificamente quando se caracteriza
mediante omissão.
O caminho a ser percorrido pressupõe uma revisitação: a) à teoria do delito,
especificamente no que diz respeito aos problemas ligados à imputação do crime
no plano abstrato, b) à técnica da imputação no plano concreto ou técnica da
acusação e c) à teoria da prova.
A colocação do problema surge com a consideração daqueles crimes praticados
mediante promessa de alguma vantagem (econômica) – corrupção (art. 317, do
Código Penal); homicídio (art. 121, §2, I, do Código Penal) ou mesmo qualquer
outro crime em que pelo menos um dos agentes tenha atuado mediante a
promessa de um pagamento futuro, a depender, ou não, do sucesso da
empreitada criminosa.
Questiona-se, então, se (e em que circunstâncias) seria possível responsabilizar
penalmente aquele sujeito que, segundo o pacto criminoso, assumiu a posição
de credor da vantagem indevida, e omitiu-se, deixando de oficializar (interromper
a ocultação) do ativo auferido de forma oculta/dissimulada.
De outra banda, discute-se acerca da (im)possibilidade do “crédito criminoso”
configurar o objeto material da ocultação. Tal questão, vale dizer, impõe um
12
estudo sobre as técnicas da denúncia (art. 41, o Código de Processo Penal), a fim
de desvelar os requisitos para a aptidão da descrição dos fatos então imputados
à esfera de responsabilidade penal do denunciado.
A título ilustrativo, tomemos o caso de um indivíduo, que, em razão da promessa
de pagamento de R$50.000,00, venha efetivamente a matar um desafeto do
“mandante”. Nesse caso (hipotético), o assassino, segundo o pacto criminoso,
receberia o mencionado valor em até dois dias após o cometimento do crime.
Pode-se adiantar que nos parece um tanto absurdo imaginar que esse “crédito”
poderia equivaler a um ativo obtido mediante um crime, uma vez que eventual
crédito só poderia assumir a condição de “objeto material” do crime de lavagem
se configurar um autêntico crédito, isto é, quando representar, de fato, um
“direito de crédito”.
Nesse particular, objetiva-se discutir a partir de que momento a promessa
criminosa – que absolutamente não pode ser considerada um (direito de) crédito
–, passaria à condição de um ativo? Ainda, se seria possível que, sem qualquer
modificação do mundo exterior, o referido bem/valor passe a integrar o
patrimônio do assassino e ser objeto da ocultação/dissimulação criminosa?
Essas respostas, por óbvio, não podem ser obtidas a partir de uma discussão
meramente filosófica ou lógica, muito menos dos comuns “achismos” que agora
são vistos em diversos artigos (pretensamente) científicos.
A solução se dá pela técnica. A salvação, a segurança jurídica, a sobrevivência do
estado de direito se dá pela técnica. Eis o que, precipuamente, pretende-se
demonstrar com o trabalho.
13
5. O TRATAMENTO DA INSIGNIFICÂNCIA DA LESÃO NO BRASIL: A
INCOMPATIBILIDADE COM A INTERVENÇÃO MÍNIMA
Autor: Núbio Pinhon Mendes Parreiras
Coautora: Dorcas Marques Almeida
Resumo:
O presente trabalho visa analisar a recepção das agências brasileiras de
criminalização primária e secundária à insignificância da lesão ao bem jurídico
como fundamento para exclusão da tipicidade. Para tanto, inicia-se com uma
breve retrospectiva da evolução histórica do conceito de bem jurídico-penal.
Após, passar-se-á a um estudo sobre o conceito do princípio da intervenção
mínima para demonstrar como ele fundamenta a exclusão da tipicidade penal
diante de lesões insignificantes nas Democracias modernas. Com isto, será
possível uma análise da recepção, tanto jurisprudencial – especialmente dos
Tribunais Superiores –, quanto legislativa – como o Projeto de Lei do Senado n°
236 de 2012, que visa uma reforma global do Código Penal vigente – da noção
de insignificância da lesão ao bem jurídico como causa para exclusão da
tipicidade (art. 26). Perceber-se-á que o entendimento que tem aos poucos se
consolidado, tanto da jurisprudência (como no HC 118853/ES do STF, ou nos
107779/RS e HC 92438/PR do STJ), quanto no âmbito legislativo – como no
referido projeto, à exceção da letra b, que não foi incluída no referido dispositivo
legal – tem sido no sentido de exigir cinco condições objetivas para afastar a
tipicidade, sendo: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma
periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do
comportamento, (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada, (e) o agente
com primariedade e bons antecedentes. Assim, constatar-se-á que, quando as
agências brasileiras de criminalização primária e secundária têm recepcionado a
insignificância, ao invés de focar na afetação ao bem jurídico, o têm feito, além
14
de com considerações de Direito Penal de Autor (BUSATO, 2017, p. 62), com
critérios tautológicos que praticamente inviabilizam o reconhecimento, na
prática, do princípio. Tal situação acaba por, naturalmente, desconsiderar a
tipicidade material, a ponto de flertar com o funcionalismo sistêmico de Jakobs
(2016) – na medida em que menospreza o bem jurídico. Ou seja, o objetivo do
trabalho é demonstrar que a recepção jurisprudencial e legal da insignificância
tem sido de forma incompatível com o princípio da intervenção mínima. No que
diz respeito à pertinência ao “Grupo de Trabalho Dogmática jurídico-penal:
teorias contemporâneas”, é importante referida discussão de tal modo que
evidenciará que a jurisprudência e a prática legislativa não têm levado em
consideração os estudos científicos sobre a insignificância e a intervenção
mínima, não nos proporcionando a intentada “segurança jurídica à aplicação do
direito penal”.
6. A (A)TIPICIDADE DA CONDUTA DE ENCOMENDAR DROGAS E O TRATAMENTO
JURISPRUDENCIAL DA RESPONSABILIDADE PENAL DO PRESO PELA APREENSÃO DE
DROGAS NAS REVISTAS DE SEUS VISITANTES
Autora: Patrícia Oliveira de Almeida Coelho e Silva
Resumo:
A proclamada e tão aclamada guerra às drogas não impede que o sistema
prisional conviva com a realidade do tráfico de drogas no interior de suas
unidades, mesmo com a existência de sistemas de monitoramento e de revistas
aos visitantes dos presos. E, ante a uma política que tem por finalidade coibir e
punir a qualquer custo referido tipo de criminalidade, verifica-se na prática
judicial a condenação do preso pelo crime de tráfico de drogas, como suposto
15
destinatário da droga apreendida junto aos seus visitantes, ainda que sua
conduta não se subsuma àquelas descritas no mencionado tipo penal.
O objeto do presente trabalho é estudar a responsabilidade penal do preso,
diante da constante tensão entre a dogmática e a jurisprudência, nas situações
em que há condenação pelo crime de tráfico de drogas, em razão da apreensão
de substâncias ilícitas com algum de seus visitantes, durante as revistas realizadas
pelos agentes do sistema prisional. Destaca-se que são condenados pelo crime
de tráfico sem ter qualquer contato com as drogas apreendidas, presumindo-se
as drogas teria por finalidade a traficância, sem a observância dos limites do
poder punitivo estatal, em especial, do princípio da legalidade.
O crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/06, embora seja um tipo penal misto
alternativo, descrevendo dezoito condutas incriminadoras e ampliando
sobremaneira a possibilidade de punição sob o espectro da traficância, não
abarca a conduta de “encomendar” drogas. Além disso, observa-se a fragilidade
do entendimento de que a conduta ora analisada estaria inserida no núcleo do
tipo consistente em “adquirir” a droga, pois a propriedade das coisas móveis -
incluindo-se a das drogas - não se transfere pelo negócio jurídico, antes da
tradição (artigo 1267 do Código Civil), ou seja, se for apreendida junto ao visitante
na revista realizada na unidade, não houve a aquisição.
Diante do problema acima apresentado, pretende-se analisar a (a)tipicidade da
conduta daquele que está preso e supostamente encomendou drogas ao seu
visitante, as quais foram apreendidas durante a revista na unidade prisional, de
forma a verificar a pertinência dos fundamentos utilizados na prática judicial para
condená-lo. Para tanto, será analisada a doutrina nacional e as decisões dos
tribunais pátrios. Por fim, pretende-se concluir acerca da possibilidade de
considerar (a)típica referida conduta sob o prisma de um Direito Penal de
garantias do cidadão.
16
7. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DE SUPERIORES HIERÁRQUICOS NA
JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS PENAIS INTERNACIONAIS: ANÁLISE DE
APLICABILIDADE NOS DELITOS ECONÔMICOS
Autor: Paulo Roberto Incott Junior
Resumo:
O projeto de pesquisa aqui proposto se debruça sobre o seguinte problema: são
legítimas as importações de teorias relacionadas a responsabilização de
superiores hierárquicos, discutidas na jurisprudência dos tribunais penais
internacionais, para a responsabilização de indivíduos com poder de comando
fora do ambiente militar (ou de aparatos organizados de poder que se estruturam
fora do escopo da licitude)?
O objetivo da pesquisa é revisitar uma discussão que se desenvolve na dogmática
penal da imputação (e também da autoria e participação) já há algum tempo,
tentando, porém, realizar uma análise sob um prisma menos explorado, a saber,
a diferente natureza dos delitos em que esse debate tem sido travado no âmbito
dos tribunais penais internacionais quando comparado ao âmbito em que essas
mesmas teorias vêm sendo propostas como ferramenta de aplicação: o direito
penal econômico. Assim, pretende-se avaliar a aplicabilidade dos pressupostos
utilizados para embasar o resultado a que chegam os tribunais penais
internacionais na hora de aferir a responsabilidade penal de pessoas que ocupam
cargos de comando, para que sejam utilizados como critério de imputação nos
casos em que os delitos não são mais o genocídio, os crimes contra humanidade
ou os crimes de guerra, mas sim a corrupção, o peculato, a lavagem de capitais e
demais delitos atinentes ao direito penal econômico/empresarial.
A hipótese, que se pretende tentar comprovar com a pesquisa, é de que a simples
transposição de construções teóricas elucubradas para lidar com os delitos sob
competência dos tribunais penais internacionais, para serem utilizadas como
17
solução de casos envolvendo delitos “econômicos”, não se sustenta diante de
uma análise metodologicamente coerente, uma vez que busca aplicar a mesma
fórmula para estruturas de atuação cujos pressupostos de funcionamento
diferem em demasia. Há ainda o intento de demonstrar que a aproximação
destas soluções ocorre em virtude do conceito de “organização criminosa”,
desenvolvido em documentos internacionais que versam sobre cooperação em
matéria penal, conceito esse que permite abarcar um rol muito amplo e
heterogêneo de situações.
Com o fim de atingir os objetivos propostos, o método de aproximação ao
problema será assim divido: num primeiro momento, pesquisar a jurisprudência
dos tribunais penais internacionais afim de compreender e relacionar os critérios
de responsabilização criminal de superiores hierárquicos aplicado, buscando seus
pressupostos e requisitos de aplicabilidade. Num segundo momento, analisar a
definição do conceito de “organização criminosa”, com interesse especial em
documentos de cooperação internacional em matéria penal. A seguir, analisar a
correspondência entre os pressupostos pesquisados e a natureza dos delitos
econômicos, selecionando um ou dois casos retirados da jurisprudência nacional,
para demonstração de pertinência ou não da aplicação destes pressupostos para
responsabilização penal de dirigentes de empresa ou pessoas que ocupam
posições de comando nestas.
Cabe ressaltar, por fim, que o tema de pesquisa aventado se enquadra do debate
amplo dos conceitos dogmáticos de autoria e participação, assim como da
discussão acerca dos limites da imputação objetiva, motivo pelo qual se adequam
a ser discutidos no Grupo de Trabalho acima apontado.
18
GRUPO DE TRABALHO 2: DIREITO PENAL ECONÔMICO
Ementa: Tem por eixo temático as fronteiras do direito penal econômico, isto é,
os requisitos e causas de exclusão dos delitos socioeconômicos e suas condições
de punibilidade. Reunirá trabalhos de pesquisa jurídica sobre Teoria da Norma
Penal e Teoria do Delito aplicadas aos crimes econômicos ou empresariais, ou
sobre o conteúdo e alcance dos tipos de injusto socioeconômicos. Serão
selecionados trabalhos que contribuam para o estado do debate em torno do
tema proposto, problematizando-o, apresentando inovação ou testando
soluções conhecidas, preferencialmente a partir da análise dogmática de casos
concretos, precedentes jurisprudenciais ou do direito comparado.
Coordenador Prof. Dr. Frederico Horta
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2013),
mestre em Ciências Penais pela UFMG (2006) especialista em Direito Penal
Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal - 2007) e bacharel
em Direito pela UFMG (2004). Professor Adjunto de Direito e Processo Penal da
Universidade Federal de Minas Gerais, nos cursos de graduação e pós-graduação
em Direito.. É líder do Grupo de Pesquisa Teoria do Delito e Direito Penal
Empresarial (GEPE).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0657217202573863
Coordenador Prof. Dr. Marco Aurélio Florêncio
Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor do Programa de Pós Graduação em
Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Presidente da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/SP. Advogado.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0602263616755302
19
Trabalhos:
1. DA COMPETÊNCIA NOS CRIMES DE SONEGAÇÃO FISCAL COM LESÃO A ENTES
ARRECADATÓRIOS DISTINTOS
Autora: Gabriela Cristina Silveira
Coautora: Priscila Caroline Coelho
Resumo:
Não raramente, o contribuinte, a partir de um mesmo fato, pode sonegar uma
série de tributos, os quais podem ser de competência arrecadatória de entes
federativos distintos. Surge, neste ponto, a problemática de definição de
competência da tramitação de ações penais referentes a crimes contra a ordem
tributária quando o sujeito passivo for um dos Estados da federação e também a
União.
No presente artigo, propõe-se a análise da controvérsia com base em um caso
hipotético, para facilitar o estudo. Suponha-se que o contribuinte X, titular da
empresa Y, a partir de uma determinada operação fraudulenta no âmbito das
atividades da pessoa jurídica, promove a sonegação fiscal de tributos de
competência arrecadatória federal e estadual. Com a constituição dos créditos
tributários em procedimentos administrativos, que tramitaram cada qual no ente
competente, o empresário é denunciado pelo Ministério Público Estadual e
também pelo Parquet Federal, pela prática do delito previsto no art. 1o da Lei n.
8.137/90.
A tendência que se observa nos Tribunais Brasileiros para a definição da
competência é a de que a sonegação de tributo, com vítimas e bens jurídicos
diferentes (fazenda estadual e federal), retira a possibilidade de conexão entre
as ações. Por isto, entende-se justificada a tramitação dos processos em
jurisdições distintas.
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Necessário, porém, averiguar se realmente esta solução se mostra a mais
adequada. Na verdade, o principal questionamento seria o seguinte: não se
estaria diante de crime único, uma vez que a conduta – ou o meio empregado,
descrito em um dos incisos do art. 1o – que deu origem à sonegação fiscal foi a
mesma, ainda que tenha obstado o lançamento de mais de um tributo?
Por outro lado, no que tange à definição da competência, parte da doutrina
defende posição diversa, pois entende-se que na conexão entre delitos de
competência da Justiça Federal e Estadual, a ação penal deverá tramitar na
primeira, inclusive com fundamento na Súmula 122 do Superior Tribunal de
Justiça.
Nesse cenário, dada a complexidade do tema, para a solução do caso, serão
verificadas algumas peculiaridades dos crimes contra a ordem tributária. Adiante,
será estudado se a solução atualmente dada pela jurisprudência, com o cotejo de
casos similares, caracteriza bis in idem, vedado no Direito Penal e, ainda, abre a
possibilidade de serem proferidas decisões conflitantes entre os juízos. Mostra-
se, também, pertinente rever alguns institutos de âmbito processual penal,
especificamente as hipóteses de conexão, para ao final chegar-se à solução
adequada. A pertinência do aprofundamento do tema, dada a certa frequência
que ocorrem situações como a acima exposta, associada à escassez bibliográfica
e jurisprudencial sobre o debate, demonstram a relevância de estudos dessa
natureza para o Direito Penal Econômico. Portanto, estabelecidas as premissas
gerais acima expostas, será analisada, através do método dedutivo, a
competência nos crimes de sonegação fiscal com lesão a entes arrecadatórios
distintos, bem verificar os eventuais desdobramentos da solução constatada.
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2. CRIMINAL COMPLIANCE E OS DESAFIOS DO DIREITO PENAL EMPRESARIAL: OS
PROGRAMAS DE INTEGRIDADE À LUZ DOS PARÂMETROS DE AVALIAÇÃO DO
ARTIGO 42, DO DECRETO 8.420/15
Autor: Gabriel Soares Ribeiro Lopes
Resumo:
O presente artigo tem o objetivo de discutir a aplicação do Direito Penal
Empresarial aos Mecanismos de Autorregulação nas Empresas com a elaboração
de programas de Compliance e a relação com o artigo 42, do Decreto nº
8.420/15, que regulamenta a Lei nº 12.846/13 – dispõe sobre a responsabilidade
administrativa e civil no âmbito das pessoas jurídicas, pela prática de atos contra
a administração pública. O dispositivo citado elenca um rol de parâmetros de
avaliação que devem ser observados pelos Programas de Integridade existentes
nas pessoas jurídicas, para serem avaliadas em um possível Processo
Administrativo de Responsabilização – PAR. O Criminal Compliance como
instrumento preventivo que incentiva a aplicação e a criação de Códigos de Ética,
Disciplina e Conduta das empresas, tem o objetivo de incentivar as denúncias de
possíveis irregularidades presentes dentro da atividade empresarial. Aquele é um
importante meio de evitar a incidência de sanções penais e de resguardar o
tratamento ético das pessoas jurídicas em sua atividade diária, afastando a sua
responsabilização. Pretende-se, portanto, neste artigo, analisar a
compatibilização entre o artigo 42 e os modernos programas de integridade das
empresas, com base na atual teoria do Direito Penal Empresarial.
22
3. RESPONSABILIDADE PENAL DE CONSELHEIROS DE ADMINISTRAÇÃO: A
NECESSÁRIA INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS
Autora: Giovanna Bakaj
Resumo:
Há um cenário de insegurança jurídica no âmbito do Direito Penal Empresarial,
tendo em vista diversas imputações de condutas fundadas na mera ocupação de
uma posição societária, o que viola frontalmente os princípios constitucionais
conformadores do nosso sistema penal, devido à não individualização das
condutas. Especialmente em relação aos Conselheiros de Administração, a
situação se agrava, pois há um limitado número de estudos sobre a imputação
penal a membros desse órgão colegiado no Brasil.
Diante dessa problemática e dos inúmeros desafios advindos da individualização
da conduta na empresa (SILVA SÁNCHEZ, 2016) é que se propõe o presente artigo
com o objetivo de sugerir um caminho para os órgãos de persecução penal
imputarem condutas delitivas a Conselheiros de Administração, bem como
medidas para que os membros do Conselho de Administração possam mitigar os
riscos de responsabilização penal.
Para isso, tratar-se-á de forma breve sobre estruturas organizacionais e de gestão
fundamentais à definição das competências atreladas a cada função da empresa
nos diversos níveis hierárquicos. Em seguida, passar-se-á a tratar dos princípios
empresariais caracterizadores do funcionamento da empresa e da interação dos
indivíduos, dentre os quais o princípio da hierarquia, da divisão de trabalho, da
delegação de funções e da confiança. (MONTANER FERNÁNDEZ, 2008) A partir
dessa análise, será possível definir os deveres atrelados a cada competência e
função.
Dar-se-á prosseguimento ao artigo, analisando-se dois desafios fundamentais à
imputação penal na empresa, dentre os quais a tipicidade objetiva na omissão
23
imprópria (SILVEIRA, 2016) e a distinção entre autoria e participação a partir da
teoria do domínio do fato (GRECO; LEITE; TEIXEIRA; ASSIS, 2014). Por fim,
analisar-se-á a imputação penal aos membros do Conselho de Administração e
sugerir-se-á um caminho a ser seguido pelos órgãos de persecução penal e
medidas de prevenção a serem adotadas pelos membros do órgão colegiado.
O tema insere-se, portanto, no objeto de estudo do Grupo de Trabalho de Direito
Penal Econômico, especificamente na aplicação da Teoria do Delito aos crimes
econômicos ou empresariais. Para o seu desenvolvimento será realizada análise
dogmática de casos concretos e direito comparado.
4. APROXIMAÇÃO A UMA NOVA TEORIA DO TRÁFICO DE INFLUÊNCIA
Autor: Kaíque Rodrigues de Almeida
Resumo:
A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção recomenda que a venda de
um abuso de influência para a obtenção de um benefício público indevido seja
qualificada como o delito de tráfico de influência (artigo 18). Os elementos
“abuso” e “indevido” têm a natureza de elementos normativos do tipo, pois uma
atividade meramente cognitiva não é suficiente para sua compreensão, sendo
necessária a realização de uma valoração. A hipótese defendida é a de que
Convenção também tem como um de seus objetivos proteger o exercício de
“influência legítima”, recomendando a identificação dos limites razoáveis das
relações de influência, pressão e lobby. Porém, o Código Penal do Brasil tipifica o
tráfico de influência como acerto de vantagem a pretexto de influir em ato
praticado por funcionário público no exercício da função (artigo 332). Em que
pese a doutrina nacional majoritária ainda interpretar este tipo como uma
“venda de fumaça”, a realidade do Direito Penal Econômico e do lobby
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empresarial trazem à tona novas discussões sobre a relação de influência entre
Poder Público e agentes privados. O presente artigo esforça-se no sentido de
precisar o injusto penal do tráfico de influência que preserva as relações de
influência legítima.
5. A TIPICIDADE PENAL E A SUBVERSÃO DOS CRIMES CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA:
INDEVIDA UTILIZAÇÃO DA ULTIMA RATIO COMO INSTRUMENTO PARA A
COBRANÇA DE TRIBUTOS
Autor: Leonardo Oliveira Souza
Resumo:
Em apertada síntese, a presente proposta de trabalho objetiva uma reflexão
sobre a flagrante e indevida disseminação na utilização da seara criminal,
notadamente dos crimes contra ordem tributária, como forma de incutir no
sujeito passivo do tributo uma atividade coercitiva/intimidativa, no afã de
compeli-lo a pagar o débito fiscal cobrado, ou parcelá-lo, sob pena de ser
deflagrada Ação Penal em seu desfavor.
Nesse espectro, observa-se que o Estado está criando uma fonte
anômala/subsidiária de arrecadação tributária, sendo o presente trabalho uma
tentativa de verdadeiro contraponto, tendo como cerne a discussão teórica
acerca dos elementos centrais da Teoria do Delito, com relevante destaque para
o conceito material do crime e a consequente necessidade de violação ao bem
jurídico tutelado pela norma penal incriminadora. Seguindo essa esteira de
raciocínio, o trabalho ainda provocará um debate sobre os elementos do fato
típico, com ênfase para a Tipicidade, de modo a propiciar um paralelo entre o
sobredito requisito e a caracterização dos crimes tributários.
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Hoje, o que se vê, é a proliferação de representações fiscais para fins penais, de
forma que se aflora uma absorta presunção de que o ilícito tributário pode ser
automaticamente convertido em ilícito penal, o qual somente se perfaz com a
incidência de elementos muito mais profundos e robustos, sobretudo por se
tratar da ciência da intervenção mínima.
Pior é saber que essa arbitrária ideia, além de estar cada vez mais sedimentada
na atividade administrativa, policial e, principalmente, no âmbito dos grupos de
atuação específicos do Ministério Público (Estadual e Federal), vem tomando
corpo no seio da jurisprudência brasileira, a evidenciar uma manifesta subversão
do Direito Penal Econômico, sobretudo da Lei 8.137/90, concluindo pela
necessidade de uma atividade teórica e prática de contundente resistência a esse
mecanismo de imputações penais levianas, que buscam reverberar o
ultrapassado e combatido “Direito Penal do Medo”, transformando a ultima ratio
do ordenamento jurídico pátrio em indevido instrumento para cobrança de
tributos.
Assim, mostra-se indubitável o caráter efervescente e a pertinência temática que
permeia a proposta de trabalho em comento, pois o crescimento desenfreado
das Ações Penais que têm como objeto os crimes contra ordem tributária está
intrinsecamente ligado a forma inadequada de tipificar esses delitos, violando
veementemente os pilares da teoria do delito, da responsabilidade subjetiva e do
próprio garantismo penal, o qual já vem sofrendo tantos atentados nos últimos
tempos, sufragando, a passos largos, a mais histórica das conquistas da sociedade
brasileira: O Estado Democrático de Direito.
Por fim, cumpre ressaltar que o trabalho cientifico ora proposto adotará como
base o método de abordagem hipotético-dedutivo, utilizando, de modo auxiliar,
os métodos comparativo e histórico. Noutro turno, a principal fonte de pesquisa
será a bibliográfica, especialmente as legislações pertinentes, jurisprudências,
26
artigos científicos e obras literárias que abordam, da forma mais especifica
possível, a matéria em comento.
6. A POLÍTICA CRIMINAL DO PODER JUDICIÁRIO E A CONFORMAÇÃO DE
ELEMENTOS DOGMÁTICOS DO DIREITO PENAL ECONÔMICO
Autora: Paula Nunes Mamede Rosa
Coautora: Ludmila Carvalho Gaspar de Barros Bello
Resumo:
A proposta de trabalho envolve analisar o protagonismo assumido pelo Poder
Judiciário no combate à corrupção no Brasil, tornando-se verdadeiro produtor de
política criminal – em seu sentido mais moderno, de conjunto de princípios e
recomendações para reforma, transformação e aplicação da legislação criminal
(BATISTA, 2007) – e, com isso, conformando diversos elementos dogmáticos
relacionados aos Direito Penal Econômico.
A pesquisa visa, assim, a analisar o papel do Poder Judiciário no atual contexto de
enfrentamento à criminalidade econômica, identificando-se os efeitos das
orientações de política criminal emanadas dele e o impacto dos precedentes na
conformação do Direito Penal. Esse recorte justifica-se principalmente pelo
alcance das decisões não apenas nos casos concretos já submetidos a ele, mas
também nas futuras decisões e, assim, na aplicação do Direito como um todo, em
sua forma mais dinâmica e sentida na realidade social.
Com efeito, a partir do momento em que o Poder Judiciário passa a protagonizar
o movimento de combate à criminalidade econômica, no momento em que
aplica a lei penal, fazendo direito no caso concreto, já embute nessa aplicação as
suas próprias orientações de política criminal, ditando não apenas o que é a lei
27
no caso concreto, mas criando lei de acordo com a política adotada por si. Dai
exsurge a relevância de se analisar esse papel do Poder Judiciário.
Para tanto, selecionou-se, partindo da prática profissional, algumas inovações
protagonizadas pelo Poder Judiciário, especificamente os elementos
configuradores do crime de corrupção passiva, o uso da teoria da cegueira
deliberada na lavagem de dinheiro, a aplicação da teoria do domínio do fato para
ampliação da responsabilidade penal e o recurso à condução coercitiva para
realização de interrogatórios de acusados e investigados. Para o estudo que se
propõe são utilizadas decisões paradigmáticas, a título exemplificativo e
ilustrativo das discussões trazidas, não se propondo a um estudo empírico
quantitativo ou qualitativo.
Após a análise dessas orientações de política criminal por parte do Poder
Judiciário, que tem como ponto de partida referidas decisões paradigmáticas,
pode-se concluir que os magistrados acabam ocupando um espaço deixado vazio
por uma História de ausência de sistematização e racionalização de política
criminal e de modelo de intervenção estatal.
Nesse vácuo, recorre-se à atividade de mera responsabilização penal dos
indivíduos, protagonizada de tempos em tempos pelo Poder Judiciário, mas que
não alcançam o nível preventivo e de fato eficaz para os fins almejados. Confirma-
se, assim, mais uma vez o recurso ao Direito Penal, na insuficiência de iniciativas
de outras naturezas, tecendo-se as críticas pertinentes à produção judicial, por
meio das contribuições doutrinárias, que ainda são a maior fonte de limitação à
expansão do poder punitivo vislumbrada.
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7. A INFLUÊNCIA DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE NA CEGUEIRA DELIBERADA
DOS DIRIGENTES EMPRESARIAIS
Autor: Pedro Augusto Amaral Dassan
Resumo:
Em um conturbado contexto dogmático jurídico-penal de uma criminalidade
econômica, cada vez mais a jurisprudência brasileira vem lançando mão de
teorias do direito anglo-saxão para fundamentar a imputação de fatos típicos a
dirigentes empresariais, diante das dificuldades que se encontra no
ordenamento jurídico erigido a partir de um direito penal tradicional iluminista.
Nessa óptica que vem à luz a teoria da cegueira deliberada (Willful Blindness),
segundo a qual o agente, de modo deliberado, se coloca em situação de
ignorância acerca de um fato ilícito para evitar responsabilidades jurídicas. Essa
conjuntura ganha contornos mais sensíveis no ambiente empresarial, em
especial no que diz respeito à omissão e/ou atuação de dirigentes empresariais
em relação a atos de seus subordinados e/ou clientes. A importação de referido
instituto exige cautela diante de sua construção original sob um paradigma de
um sistema de common law, alheio à sistemática da civil law romano-germânica
brasileira. Essa realidade é agravada pelas dificuldades que a dogmática encontra
logo na base da discussão sobre a caracterização do elemento subjetivo do tipo,
notadamente em relação ao dolo eventual, sobre o qual recai a análise acerca da
subjetividade do agente em sua “autocolocação dolosa” em ignorância no plano
de tomadas de decisões no cotidiano das atividades da empresa. Em paralelo,
verifica-se uma cada vez mais acentuada ascensão de programas de Compliance
no âmbito das empresas com vistas à prevenção de atividades ilícitas e
consequentes responsabilizações jurídicas, sejam elas administrativas, civis ou
mesmo penais pelas empresas. Neste sentido, dentro de uma realidade em que
se prima pela responsabilização penal das pessoas físicas, no caso, os sócios,
29
administradores ou dirigentes das empresas, é necessário se averiguar qual o
papel que tais programas de integridade podem desempenhar na estrutura de
imputação penal a referidas pessoas, nomeadamente no que concerne à
influência no elemento cognitivo do tipo subjetivo. Assim, dois vieses são
importantes: primeiramente sob o ponto de vista do dirigente da empresa, no
sentido de um programa de Compliance lhe fornecer maior segurança em suas
tomadas de decisões e, ainda, sob o ponto de vista judicial, em fornecer ao
aplicador da lei maior suporte probatório acerca do (des)conhecimento pelos
dirigentes dos elementos circunstanciais que compõem a situação fática em que
se atribui um delito. O presente trabalho, portanto, se propõe a realizar uma
análise global e perfunctória da influência dos programas de Compliance na
cegueira deliberada no contexto das tomadas de decisões dos dirigentes no
ambiente empresarial e suas implicações no direito penal.
8. PREMISSAS DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO COMPLIANCE OFFICER
Autora: Renata Pereira Mayrink
Coautor: Henrique Viana Pereira
Resumo:
O crescente desenvolvimento econômico e tecnológico vivenciado na
modernidade tardia foi acompanhado pelo surgimento de novos riscos sociais,
gerando um aumento no sentimento de insegurança (BECK, 2011, p. 23). Apesar
de haver outros meios de proteção social, distintos dos meios próprios do Direito
Penal, menos lesivos para os cidadãos, e, com frequência, mais eficazes (MIR
PUIG, 2003, p. 109), a sociedade encontrou a solução para o controle dos novos
perigos sociais, principalmente, no Direito Penal. A partir dessa premissa surge a
expressão Direito Penal da Sociedade de Risco (SILVEIRA, 2006, p. 97).
30
Para sanar os riscos modernos, tem-se verificado atualmente uma expansão e
antecipação da tutela penal, principalmente em direção aos crimes cometidos no
âmbito econômico (SILVEIRA, 2006, p. 91). Nesse contexto, os compliance
programs se tornaram importante instrumento utilizado pelas pessoas jurídicas
para prevenção de delitos. São programas destinados a assegurar a observância
da norma penal por parte dos protagonistas da atividade empresária (NEIRA,
2016, p. 469). Esses programas também visam demonstrar incentivos para que a
pessoa atue conforme a lei. Nesse sentido, os agentes decidem se vão cumprir as
normas comparando os custos e benefícios esperados pelo compliance (BECKER,
2008, p. 42).
A responsabilidade penal que recai sob os diretores das pessoas jurídicas,
originariamente responsáveis por conter eventuais riscos gerados com a
atividade da organização, é, por meio da implementação de programas de boas
práticas empresariais, delegada aos compliance officers. Esses agentes assumem,
contratualmente, a responsabilidade de impedir a ocorrência de infrações no
âmbito empresarial, apropriando a função de garante (PLANAS, 2016, p. 247).
A partir do momento que pessoas físicas se encarregam do papel de supervisão,
vigilância e controle das políticas de boa governança, torna-se necessária a
delimitação dos pressupostos e alcance da responsabilidade penal desses
profissionais, sob pena de insegurança jurídica (PLANAS, 2016, p. 246).
Assim, como o Direito Penal clássico rompeu barreiras e abriu espaço para uma
nova feição, denominada Direito Penal Econômico, há premissas imprescindíveis
para justificar a responsabilidade penal do compliance officer. Nesse contexto,
identifica-se a pertinência temática dessas premissas com o Direito Penal
Econômico. O pano de fundo são as garantias fundamentais, no contexto de um
Direito Penal garantista, preocupado com a dignidade da pessoa humana e com
31
a racionalidade na intervenção penal. Apesar do expansionismo penal, deve-se
preocupar com os riscos de uma resposta simbólica à sociedade do risco.
Objetiva-se, portanto, através do artigo científico que será apresentado,
estabelecer as premissas necessárias à responsabilização criminal do compliance
officer, o que será feito através do desenvolvimento de um estudo acerca dos
elementos subjetivos dos tipos penais e do princípio da culpabilidade, de modo a
se evitar a possibilidade de uma responsabilidade penal objetiva do agente
encarregado dos programas de conformidade nas pessoas jurídicas.
9. A POLÍTICA CRIMINAL INTERNACIONAL SOBRE A CORRUPÇÃO NO AMBIENTE
PRIVADO E OS REFLEXOS NA DOGMÁTICA JURÍDICO PENAL
Autor: Thaís Regina Santos Saad
Coautor: Fernando Andrade Fernandes
Coautora: Geisa Mariah Bomfim Felício
Resumo:
Em uma era de tendência globalizadora incomparável, a preocupação
internacional com a corrupção, é clara (PEREZ; SANCHÉZ, 2011, p. 23). A luta
contra a corrupção reflete-se em instrumentos jurídicos supranacionais que
buscam promover a inserção gradativa - no ordenamento jurídico de seus
signatários - da figura penal da corrupção privada. O presente artigo tem como
objetivo uma análise político-criminal dos mecanismos internacionais de previsão
da criminalização do delito de corrupção no ambiente privado. Referidos
instrumentos visam uma equiparação ou harmonização das respostas
sancionadoras proporcionadas pelas leis internas e por sua vez, facilitar a
cooperação internacional entre os Estados, bem como promover mecanismos
preventivos eficazes. A pesquisa parte de uma análise dos documentos
32
internacionais que preveem a criminalização de condutas relacionadas à
corrupção privada, focando na verificação de como ela foi contemplada em
alguns ordenamentos jurídicos de mesmo entorno cultural que o brasileiro,
especialmente o espanhol e o português. Registre-se, inicialmente, a ausência de
um consenso quanto ao recurso à intervenção penal em relação ao crime de
corrupção privada e mais ainda em relação ao objeto das respectivas normas:
bem jurídico. Destarte, intenta-se, desde uma perspectiva crítica, verificar a
regulamentação penal já existente no Ordenamento Jurídico brasileiro que pode
ser aplicada a esta modalidade de crimes, e eventual necessidade e legitimidade
de alterações legislativas visando adequar à legislação nacional à política criminal
internacional. Analisar-se-á a hipótese de ser a tutela da lealdade na concorrência
o modelo que mais se coaduna com os objetivos formulados pelos instrumentos
internacionais, e se ele se revela compatível com o Ordenamento Jurídico
brasileiro. Não obstante a danosidade dos comportamentos corruptos e a ânsia
em combatê-los, principalmente no contexto atual, questiona-se a existência da
necessidade concreta de se socorrer do Direito Penal. Embora, admita-se a
legitimidade dos interesses defendidos, questiona-se: é necessária a intervenção
penal nestes casos? A criminalização desta conduta, não contraria a própria razão
subsidiária do Direito Penal?
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GRUPO DE TRABALHO 3: CRIME E PENA
Ementa: O GT Crime e Pena tem por objetivo principal discutir os critérios
criminológicos e dogmáticos da criminalização de condutas e da seletividade do
Sistema de Justiça Criminal. O enfoque central do referido grupo será analisar
como a seletividade penal atua no momento de definição legislativa dos crimes
e das penas, bem como na aplicação do direito pelo Sistema de Justiça Criminal
desde a polícia, passando pelo Ministério Público, o Poder Judiciário, o sistema
penitenciário e de penas alternativas. Os trabalhos apresentados devem ser
baseados em pelo menos uma dessas perspectivas
Coordenador Prof. Dr. Humberto Fabretti
Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
(2006). Mestre (2008) e Doutor (2013) em Direito Político e Econômico pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Criminologia, Direito Penal
e Direito Processual Penal na Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Avaliador da Revista Brasileira
de Direito - IMED e da Revista do Direito Público - UEL. Membro do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais. Membro da Associação Penal de Direito
Internacional (AIDP). Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7771852893427682
Coordenadora Ms. Ana Míria Carinhanha
Doutoranda em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense.
Mestre em Criminologia pela Université Catholique de Louvain, Bacharel em
Direito pela Universidade do Estado da Bahia, Bacharel Interdisciplinar em Artes
com foco em políticas e gestão da cultura pela Universidade Federal da Bahia.
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Pesquisadora do GPCrim (Grupo de pesquisa em Criminologia) e do Anastácia
Bantu (UFF). Lattes: http://lattes.cnpq.br/3337247700188498
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Trabalhos:
1. MEDIDA DE SEGURANÇA: UMA ANÁLISE DO DISCURSO LEGISLATIVO SOBRE O
AUTOR DE ATO INFRACIONAL ACOMETIDO DE SOFRIMENTO PSÍQUICO
Autor: Alana Katiúscia Schütz da Silva
Resumo:
Desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, numerosos Projetos de
Lei foram criados visando à aplicação da medida de segurança àqueles
adolescentes que tenham sido diagnosticados com algum sofrimento psíquico e
o aumento do prazo de internação a estes infracionalizados, de modo que tais
propostas nunca se concretizaram. O presente trabalho buscou responder “de
que maneira se articula o discurso legislativo sobre o sofrimento mental e a
resposta estatal ao ato infracional?”, analisando como o legislador vê o
adolescente autor de ato infracional acometido de sofrimento psíquico nas
propostas de inclusão da Medida de Segurança entre os anos de 2007 e 2016. O
método usado na pesquisa foi predominantemente o indutivo na análise de leis
e projetos legislativos. No presente trabalho foi feita a análise dos discursos
legislativos sobre o autor de ato infracional acometido de sofrimento psíquico,
contextualizando também a internação compulsória como medida jurídica para
manter adolescentes em conflito com a lei institucionalizados mesmo com a
vigência da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei n. 10.216/2001). Concluiu-se que o
“tratamento” proposto pelos legisladores nada mais é que uma medida de
segurança mascarada, mantendo esses adolescentes à mercê do descaso e sem
solução efetiva, de modo que os discursos usados se inclinam para uma punição.
O trabalho encontra sua relevância social ao dispor de atenção científica sobre
um problema que promove discussões objetivamente incompatíveis com um
Estado Democrático de Direito. Discussões tão atuais quanto a da PEC 171,
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aprovada no ano de 2015, e os princípios que regem o Estatuto da Criança e do
Adolescente, além de propor cuidados para os adolescentes acometidos de
sofrimento psíquico a serem estudados no presente trabalho, que, como fins em
si mesmos, nunca deixam de ser tão importantes quanto qualquer ser social.
Dessa forma, a presente pesquisa se mostra pertinente à temática do Grupo de
Trabalho (GT) 3 sobre “Crime e Pena”, pois a institucionalização do
infracionalizado acometido de sofrimento psíquico faz com que o legislativo
caminhe em direção ao paradigma dos chamados perigosos, visto que o
encarceramento é maior que o investimento em políticas sociais e na erradicação
do punitivismo estatal àqueles que não são considerados culpados. Essa
tendência de psiquiatrização, principalmente da juventude pobre, é a justificativa
para mascarar como uma “doença mental” certos processos sociais que
discriminam a pobreza.
2. CRIMES EM "HASHTAGS": A COBERTURA JORNALÍSTICA DO PERFIL
INSTITUCIONAL DO TJDFT EM CASOS DE GRANDE REPERCUSSÃO
Autora: Carolina Costa Ferreira
Coautora: Luiza Guimarães Moreira
Resumo:
O uso de redes sociais para promover a interação de instituições públicas,
especialmente de órgãos do sistema de justiça criminal, em redes sociais como
Facebook ou Twitter. Porém, quais são os limites destas comunicações? Quais
são os limites entre o direito à informação, de todos os cidadãos, a respeito do
julgamento de um determinado crime, e os direitos individuais das pessoas que
estão sendo processadas e, também, das vítimas dos crimes?
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A partir destas questões, o trabalho pretende analisar a cobertura jornalística do
perfil institucional do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no
Twitter (@TJDFT_Noticias) de dois casos de grande repercussão no Distrito
Federal: um caso de latrocínio de um homem que buscaria seu filho na escola e
foi morto por um adolescente, em fevereiro de 2016, objeto de cobertura nas
redes sociais por meio do uso da hashtag #crimenaportadaescola, e o feminicídio
praticado contra a estudante da Universidade de Brasília Louise Ribeiro
(#casoLouise). O perfil institucional do Tribunal realizou uma cobertura ao vivo
das audiências de instrução e julgamento nos dois casos, e do júri, no primeiro
caso, dando informações sigilosas sobre os processos em muitos dos tweets.
Diante dessa realidade que se faz cada vez mais presente no sistema de justiça
criminal, o trabalho analisará a pertinência de tais coberturas sob a perspectiva
da chamada Criminologia Midiática, discutida por Eugenio Zaffaroni, das teorias
da comunicação a respeito do uso das redes sociais e dos princípios processuais
penais previstos em nossa Constituição.
3. LEI MARIA DA PENHA E A INEFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE
URGÊNCIA: O RECRUDESCIMENTO PENAL COMO SOLUÇÃO
Autora: Elaine Amancio
Resumo:
O presente artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre a violência
doméstica, a ineficácia das medidas protetivas e do endurecimento da pena. A
pesquisa bibliográfica mostrou que mesmo com as medidas protetivas, aplicáveis
após a Lei Maria da Penha, as mulheres permanecem vítimas constantes e
primordiais nas relações (PIRES, 2011, p. 125). A violência doméstica contra a
mulher ocorre diariamente e é um problema social que precisa ser sanado.
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A Lei Maria da Penha representa enorme avanço no campo dos direitos
fundamentais, expressa o necessário respeito aos direitos humanos das mulheres
e tipifica as condutas delitivas. De acordo com a Lei Maria da Penha, violência
doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no
gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial.
Uma das grandes inovações da Lei Maria da Penha para o combate à violência
doméstica foi a criação das medidas protetivas de urgência (SANTOS; SANTOS,
2013, p. 15). Tratam-se de ordens judiciais para fazer cessar a violência contra a
mulher, seja para dar a ela o direito de acolhimento nas redes assistenciais, seja
para obrigar o agressor a deixar de praticar determinadas condutas, sob pena de
prisão. A partir de 04 de abril de 2018, entrou em vigor uma lei que criminaliza
especificamente o descumprimento das medidas protetivas de urgência: a Lei nº
13.641/2018. Agora, além das sanções de natureza civil (multa), administrativa
(força policial) e processual (prisão preventiva), existe uma figura criminal
específica que garante a punição do agressor com pena de prisão.
Esta nova norma inseriu na Lei Maria da Penha o artigo 24-A, que prevê pena de
detenção de três meses a dois anos, sem exclusão da aplicação de outras sanções
cabíveis, para quem descumprir decisão judicial que impõe medidas protetivas
previstas na Lei Maria da Penha, ou seja, o agressor, mesmo autuado em
flagrante por esse delito, poderá, de outro lado, ver sua prisão preventiva
decretada nos autos do processo que apura a violência doméstica anteriormente
praticada.
Trata-se de crime próprio, só podendo ser cometido por aqueles que estão
obrigados a respeitar as medidas protetivas decretadas. A Lei 13.641/2018,
criando o tipo penal de descumprimento de medidas protetivas, praticamente
dobrará o volume de ações nos juizados (AMARAL, 2018). Lembrando que o
39
endurecimento da legislação penal como meio de garantir a ordem pública não
passa de uma grande ilusão, pois que, na prática, sempre se mostrou ineficaz.
4. A LESS ELEGIBILITY E A SUA PRESENÇA VELADA NO SISTEMA POLÍTICO-
CRIMINAL BRASILEIRO COMO FORMA DE SELETIVIDADE SOCIAL
Autora: Fernanda Pascoal Valle Bueno de Castilho
Coautora: Flávia Chaves Nascimento Brandão Penna
Coautor: Rauali Kind Mascarenhas
Resumo:
Nos primórdios da execução penal o preso era visto como objeto e não como
sujeito de direitos e, muito embora o status de pessoa presa tenha evoluído para
compreensão de um ser dotado de direitos e deveres, a concepção de que as
pessoas privadas de liberdade devem suportar um sofrimento maior do que os
que se encontram em liberdade jamais foi abandonada (ROIG, 2017).
Tal concepção fundamenta-se, em parte, no princípio da less elegibility.
Originalmente, referido princípio estava voltado para as condições de trabalho
dos miseráveis no interior das casas de trabalho (workhouses), cujo objetivo era
forçá-los a aceitar qualquer trabalho que lhes fosse oferecido. Para isso, a vida
nestes locais deveria ser pior que um trabalhador livre do mais baixo estrato
social podia obter (MELOSSI; PAVARINI, 2014).
No entanto, com a ascensão da burguesia e a sua premente necessidade de
trabalhadores e de manutenção no poder, referido princípio foi desvirtuado para
ser aplicado às pessoas presas, justificando, assim, a exploração da mão de obra
barata, além de legitimar o controle social. A less elegibility, portanto, passa a ser
fundamento de domínio de uma minoria detentora do poder econômico e que,
sob justificativa de segurança, faz de tudo para manter os indesejados afastados.
40
Sob tal perspectiva, analisar-se-á se a less elegibility, teoricamente há muito
tempo abandonada, exerce influência nas escolhas político-criminais e nas
práticas judiciárias brasileiras e como ela se manifesta. Será analisada igualmente
a sua repercussão na execução penal e no pior tratamento dispensado ao preso.
Para tanto, serão estudados alguns dispositivos legais constantes na Lei de
Execução Penal em cotejo com os tratados internacionais de direitos humanos
dos quais o pais é signatário e com a Constituiçao da Republica, utilizando-se dos
métodos técnico-jurídico, histórico, comparativo e análise de dados.
Ao final, pretende-se concluir que o princípio da less elegibility nunca foi de fato
abandonado, estando presente, ainda que de forma velada, no nosso sistema
político-criminal, legitimando o controle e seletividade sociais. Igualmente
verifica a sua presença nas decisões emandas pelos órgãos judiciais, que, na
maior parte das vezes, consideram os presos meros objetos, fazendo vistas
grossas às diversas violações aos seus direitos fundamentais, pois, do contrário,
a intimidação não suritiria o efeito desejado. Diante destas almejadas conclusões
– a seletividade do sistema político-criminal-, verifica-se que o trabalho se
circunscreve à delimitação temática exigida pelo GT 3.
5. CAMORRA NAPOLITANA, CRIMES AMBIENTAIS E CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
EM RAZÃO DA MOVIMENTAÇÃO DE RESÍDUOS TÓXICOS
Autor: Jeferson Brito Gonçalves
Coautor: Anderson Real Soares
Resumo:
A ação da Camorra foi objeto de análise de diversos pensadores e de diversas
manifestações artísticas, através de livros, filmes, documentários, debates
jurídicos em matéria administrativa, civil e penal, por tratar-se uma organização
41
criminosa de alta complexidade e com atuação em diversos setores da sociedade
europeia.
No entanto, a proposição desse debate vai além da atuação nesses três ramos do
direito (administrativo, civil e penal), mas se faz necessário analisar os impactos
ambientais da atuação do grupo no tráfico de resíduos, que por sua vez, causou
um efeito devastador à população local, sendo em contrapartida, o lixo, uma
espécie de “ouro sujo” da organização, considerando o alto valor agregado que
os resíduos conferiam às lideranças.
Tal “fluxo de caixa” e a aberta negociação da Camorra com os exportadores dos
resíduos permitiram uma complexa captação e descarte, porém, a ilegalidade do
ato (atuação à revelia das licenças ambientais conferidas pelas autoridades
públicas) e o local do descarte trouxeram impactos que em muito superou a
esfera de violação pura e simples de legislação ambiental italiana. Ou seja,
estamos falando de impactos ambientais que transcendem a violação de uma
legislação de proteção ambiental, ao contrário, os resultados de uma conduta
dessa magnitude, pode por certo, configurar crime contra a humanidade se
adequarmos o caso ao amplo conceito defendido pela comunidade internacional
que se debruçam sobre o Meio Ambiente, como objeto de proteção do Poder
Público em todas as esferas, devendo ser defendido e preservado para as
presentes e futuras gerações.
O problema que envolve o tráfico de resíduos tóxicos, como um catalizador de
recursos econômicos em favor da Camorra foi em certo ponto tratado com
naturalidade e aceito pelas autoridades, de certa forma, por resolver uma
questão problemática na Europa no que tange a falta de aterro sanitário para o
depósito de lixo com certo grau de contaminação, no Velho Continente.
O aterramento de incontáveis barris de resíduos tóxicos na Região de Nápoles
trouxe como consequência para a população a disseminação de câncer e uma
42
degradação ambiental praticamente irreparável, repercutindo no solo, na água,
no ar, ao ponto de tornar o lugar inabitável.
6. ANÁLISE CRIMINOLÓGICA: A TUTELA DO USUÁRIO DE DROGAS NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Autora: Juliana Bastos França David
Resumo:
O presente artigo tem por objeto analisar a forma na qual se dá a tutela do
usuário de Drogas no ordenamento jurídico brasileiro, tendo por escopo estudar
os aspectos do uso e do vício em substâncias psicoativas bem como verificar a
incompatibilidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal com a
Constituição vigente.
7. A REINCIDÊNCIA CRIMINAL E O ETIQUETAMENTO PARA A DECRETAÇÃO DA
PRISÃO PREVENTIVA
Autora: Lisandra Moreira Martins
Coautor: Isael José Santana
Resumo:
Tratando-se de uma medida excepcional e de cunho cautelar, a prisão preventiva
deve atender rigorosamente os requisitos legais previstos no Código de Processo
Penal (art. 311 e seguintes). Como é sabido, para que essa espécie de prisão seja
decretada são necessários alguns requisitos, quais sejam: o fumus commissi
delicti e o periculum libertatis, ou seja, a probabilidade da ocorrência de um
delito e o perigo que decorre do estado de liberdade do investigado ou
denunciado – risco para ordem pública, ordem econômica, conveniência da
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instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (artigo 312 do
Código de Processo Penal). Além desses requisitos, o artigo 313 do CPP dispõe
sobre as infrações que admitem a medida, destacando-se o inciso II, o qual
preceitua que será admitida a decretação da prisão preventiva se o sujeito tiver
sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado,
ressalvado o disposto no inciso I do caput do artigo 64 do Código Penal.
Mencionado inciso traz a possibilidade de prisão preventiva ao réu reincidente
em crime doloso, não importando se o novo crime é punido com reclusão ou
detenção ou tenha pena igual ou inferior a quatro anos. Desse dispositivo, tem-
se que a Lei 12.403/2011, a qual teve como um dos fundamentos uma forma para
reduzir a utilização da prisão, nada alterou a respeito da prisão preventiva
envolvendo reincidentes, mantendo a linha anterior e a regra automática. Nesse
ponto é que recai a presente proposta, uma vez que o fato de o sujeito ser
reincidente e preso preventivamente pelo único fato dessa condição vem
dividindo opiniões e ensejando decisões divergentes nos Tribunais Superiores.
Desta forma, a presente proposta tem por escopo analisar a prisão preventiva
decretada ao sujeito reincidente com a justificativa única (explícita ou implícita)
desse status, com o viés do estudo da Criminologia Crítica, tangentemente do
direito penal do autor e do etiquetamento penal. Por meio do método dedutivo-
indutivo com pesquisa bibliográfica, análise de doutrina, legislação e recentes
decisões dos tribunais superiores a respeito, serão apresentadas a
fundamentação legislativa e teórica da necessidade da decretação da prisão
preventiva, principalmente voltada ao reincidente, e as nuances em torno da
seletividade penal. Como conclusão inicial, ver-se-á que a condição de
reincidente traz consequências e responsabilidades gravosas unicamente ao réu,
esquecendo-se que o Estado falha ao tomar para si a punição e não cumprir a
44
promessa da ressocialização, na maioria dos casos, formando-se um círculo
vicioso de crime-prisão-reincidência.
8. VANDALISMO E OS INDESEJÁVEIS: A LEI ANTIVANDALISMO DE PORTO
ALEGRE/RS SOB A PERSPECTIVA DA CRIMINOLOGIA CULTURAL
Autor: Pedro Henrique Farina Soares
Resumo:
Em 09 de março, foi sancionado pelo prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan
Jr. a Lei Complementar nº 832/2018, intitulada de “Lei Antivandalismo”, além de
ampliar o rol de poderes e punições da Guarda Municipal, prevê, conforme artigo
13, multas de até R$ 400.000,00 para quem “embaraçar ou impedir, por qualquer
meio, o livre trânsito de pedestres ou veículos nos logradouros públicos”.
Modifica também incisos do artigo 20 da Lei Complementar 12/1975 para
ampliar a restrição de manifestações populares, no sentido de haver indicação
do local, do horário e do roteiro para serem previamente aprovadas pelo
Município de Porto Alegre, sob pena de não ocorrerem. A Lei ainda estipula
punição para pichadores, depredadores e para quem urinar e/ou defecar em via
pública.
Em análise de pedido de liminar de ADIN (nº 70077010890) para suspensão da
lei junto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o desembargador Arminio
José Abreu Lima da Rosa a indeferiu, alegando dentre outros argumentos que “as
guardas municipais, portanto, podem e devem atuar na defesa da segurança
pública, da preservação da incolumidade pública e do patrimônio, sem previa
anuência, autorização ou interveniência de qualquer outro órgão público”. O
artigo 5º, inciso XVI, da CF, apenas prescreve que é necessário aviso prévio à
autoridade competente não existindo qualquer menção à aprovação.
45
A conceituação de inimigo impõe caráter político-valorativo. O Estado, enquanto
mantenedor da segurança estipula quais serão aqueles indivíduos que devem ser
neutralizados e excluídos da comunidade em prol da ordem e do progresso
econômico. Zaffaroni (2011) sustenta que essa construção do inimigo age como
uma maneira de controlar o avanço dos direitos e conquistas sociais daqueles
que sempre viveram na marginalidade.
O crescente avanço de empreendedores morais (BECKER, 2009) no campo da
gestão dos indesejáveis (CASARA, 2017) desde a criação legislativa e políticas
implantadas pelo executivo até a maneira com que o Sistema Criminal de Justiça
se impõe, possibilita que determinados nichos da sociedade estejam assumindo
a condição de delinquentes, seja por uma violência concreta ou simbólica.
Sob essa perspectiva, a presente pesquisa tem por objetivo analisar as questões
criminológicas das condutas tipificadas como infratoras na referida lei, sob o viés
da criminologia cultural, não adentrando no mérito da constitucionalidade da Lei.
Para tanto, se utilizará da perspectiva de Khaled Jr. (2018), com grande
sustentáculo em autores como Ferrel, Hayward e Young, que compreende que a
criminalização do outro é um processo complexo de interação no qual a
Criminologia Cultural possui um papel importante na confrontação da hegemonia
do Estado sobre o “reino da imagem”, eis que volta os seus estudos para
turbulência social ante a implementação de políticas de exclusão.
A partir do exposto, o trabalho se desenvolverá com a adoção de procedimento
de pesquisa bibliográfico e da decisão de indeferimento da liminar da ADIN nº
70077010890, através do método dedutivo, de abordagem qualitativa e
interdisciplinar.
46
9. A SELETIVIDADE NOS CRIMES PATRIMONIAIS: UMA PROPOSTA PARA A
INICIATIVA DA AÇÃO PENAL
Autor: Renan Azevedo Leonessa Ferreira
Resumo:
Esta pesquisa se pauta no Grupo de Trabalho 3 (Crime e Pena), tendo como
escopo a apresentação oral consistente em análise e soluções à seletividade no
âmbito dos crimes patrimoniais. Em razão de um marcante encarceramento em
razão de crimes patrimoniais, é de extrema valia uma análise da ideologia por
trás da elaboração dos tipos penais referentes ao patrimônio. De se ressaltar a
predominância da conceituação jurídica, a qual visa à tutela exclusiva da relação
social entre o titular e seu bem, gerando forte abstração normativa. Embora
presentes outras vertentes, notadamente a econômica, o conceito jurídico de
patrimônio prevalece em nosso ordenamento, o que se reflete na dificuldade de
aplicação do princípio da insignificância.
Essa opção do legislador não é aleatória: demonstra a pré-seleção dos indivíduos
atingidos pela norma penal. Realmente, verifica-se a tendência de que os delitos
patrimoniais sejam praticados por indivíduos menos favorecidos contra classes
sociais mais abastadas. Com vistas à manutenção das relações capitalistas, o
legislador voltou-se à gestão da pobreza. Esse raciocínio é respaldado pela
desproporção entre penas cominadas a delitos patrimoniais e contra a vida.
Contudo, nossa Constituição de 1988 deslegitima a hipervalorização do
patrimônio conferida pelo legislador penal. Ora, ao estabelecer a dignidade da
pessoa humana como elemento fundamental, bem como com a marcante
limitação da propriedade por sua função social, o constituinte posicionou a
liberdade individual acima do patrimônio. Há reflexos imediatos sobre o bem
jurídico patrimônio, o qual, por excelência, é disponível em razão de sua
fungibilidade e quantificação pecuniária. Portanto, no ordenamento
47
constitucional, cuja autonomia individual é valorizada, deve o patrimônio
fomentar o livre desenvolvimento do indivíduo.
Dentre diversos elementos incoerentes na tutela dos crimes patrimoniais,
destaca-se a iniciativa da ação penal em hipóteses sem violência ou ameaça. Esta
consiste, majoritariamente, em pública incondicionada. Sob esse prisma vigoram
a obrigatoriedade e indisponibilidade, o que se revela em descompasso com a
disponibilidade do patrimônio. Destarte, esta apresentação visa a propor a
transposição da iniciativa da ação penal no âmbito dos crimes patrimoniais a seu
titular, conferindo-se a natureza privada. Afinal, se não houver interesse do
sujeito passivo na persecução penal de um interesse particular, não há que se
promover a ação penal.
No mais, a fim de se viabilizar uma igualdade material a todas as vítimas, propõe-
se o instituto da ação penal pública condicionada à pobreza. Em se tratando de
vítima que tenha a capacidade de arcar com as despesas da ação, esta será de
iniciativa privada. Do contrário, proceder-se-á à representação ao Ministério
Público. De mais a mais, não se pode olvidar a incidência de todos os institutos
inerentes à ação privada, tais como a possibilidade de retratação e perdão do
ofendido a qualquer momento do processo.
Sendo assim, com uma busca pela adequação do conceito do bem jurídico
patrimônio, bem como pela redução do encarceramento em massa, esse tema
mostra-se pertinente à temática do grupo de trabalho escolhido.
10. A CRIMINOLOGIA NO CONTEXTO DO DARWINISMO SOCIAL
Autor: Renato Matsui Pisciotta
Resumo:
O início da era contemporânea assistiu ao desenvolvimento de diversas formas
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de determinismo biológico. Durante o século XIX, por exemplo, foi muito popular
a frenologia, teoria criada pelo alemão Franz Joseph Gall, que pretendia entender
o caráter e as propensões criminosas de uma pessoa através da análise do
formato do seu crânio. À medida que avança o Oitocentos, o entusiasmo pela
Biologia cresce. As descobertas de Pasteur no ramo da microbiologia conduzem
às campanhas de higienização, chegando, por vias nem sempre diretas, à noção
de Medicina Social. Para esta, a sociedade seria como um corpo, que adoece e
padece de males. Esta percepção engendrou, entre outros, um viés
preconceituoso que associou o pobre, o desvalido, aos males sociais, àquilo que
deveria ser varrido pela higienização. O direito penal foi por vezes utilizado para
cumprir esta função.
A forma de determinismo biológico com maiores consequências jurídicas foi o
darwinismo social. Charles Darwin formula sua teoria da evolução das espécies
que tem grande impacto sobre a forma como o Homem se via diante do universo.
Uma das formas mais difundidas do darwinismo foi aquela proposta por Francis
Galton, que utilizou amplamente a ideia de evolução para as sociedades
humanas. É Galton que fala da “sobrevivência do mais forte” e que vai pregar que
apenas os “melhores” devem existir. É o criador da eugenia e fundamentou
teorias racistas.
Passa a existir, no imaginário das elites europeias, norte-americanas e brasileiras,
a noção de que existe o indivíduo evoluído e o “degenerado”. Este último seria o
primitivo, aquele que não evoluiu. A função do Direito, para muitos, passa a ser
livrar a sociedade deste tipo. É neste sentido que veio o que se convencionou
chamar, na época, de Nova Escola Penal. São os famigerados Lombroso, Ferri e
Garofalo.
No Brasil estas concepções chegam a partir da Faculdade de Direito de Recife,
em fins do século XIX. A Faculdade de Direito de São Paulo não tarda a aderir,
49
embora com menor entusiasmo. Existem inúmeras políticas públicas e
instituições jurídicas do início do século XX que caminharam nesta direção. A
eugenia estava prevista na Constituição Federal de 1934, por exemplo.
O tema está relacionado ao GT na medida em que explicita a formação do
pensamento criminológico das elites jurídico-políticas do país. Ainda hoje, em
nome de um Direito mais humanista, combatemos noções como higienização
social e racismo na distribuição social da punibilidade. O quadro atual é fruto de
uma História que precisa ser revisitada.
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GRUPO DE TRABALHO 4:
PROVA PENAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Ementa: A prova penal tem passado por profunda revisão ao longo dos últimos
anos. Os conceitos de prova ilícita, cooperação jurídica internacional, standards
de prova e cadeia de custódia encontram profícuo debate na doutrina e na
jurisprudência. O grupo de trabalho busca analisar a prova neste contexto.
Coordenadora profa. Dra. Orly kibrit
Doutora e mestra em Direito Político e Econômico pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Assessora criminal na Procuradoria Regional da
República da 3ª Região. Professora convidada dos cursos de Pós-Graduação Lato
Sensu em direito penal e processo penal da Universidade Presbiteriana
Mackenzie e do Centro Universitário Toledo Prudente. Professora no Complexo
Educacional Damásio de Jesus.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4010006120401746
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Trabalhos:
1. A PRODUÇÃO DE PROVAS DE OFÍCIO PELO JUIZ NO PROCESSO PENAL
BRASILEIRO
Autor: Bernado Simões Coelho
Resumo:
O trabalho se insere no grupo de trabalho 4, Prova Penal e Estado Democrático
de Direito, destinando-se a analisar a produção de provas de ofício pelo juiz e
suas consequências para o devido processo legal constitucional.
O estudo se propõe a pesquisar a produção de provas, de ofício, pelo juiz,
autorizada pelo artigo 156, I, do Código de Processo Penal Brasileiro.
O trabalho busca demonstrar a inconstitucionalidade da autorização legislativa,
eis que a mesma contraria o princípio da Imparcialidade do Juiz, insculpido no o
artigo 8º, 1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da
Costa Rica) e, por consequência, introduzida em nossa legislação como norma de
força constitucional, através do §2 do artigo 5º da Constituição da República.
Inicialmente, será apresentado um estudo a respeito do princípio da verdade real
e das concepções contemporâneas de verdade, com a demonstração de que as
concepções contemporâneas de verdade não admitem a utilização do princípio
como fundamento de validade de qualquer norma jurídica.
Partiremos, então, para uma demonstração de que a busca pela verdade real e a
iniciativa probatória do juiz se circunscrevem em uma forma ultrapassada de
condução do processo penal, profundamente marcada pelo modelo inquisitório
de processo, abandonado pela Constituição de 1988.
Para isso será necessário, além de um estudo sobre o Princípio da Verdade Real
no Direito, demonstrar a evolução, ao longo do tempo, das teorias
processualistas, bem como os avanços nas doutrinas garantistas do direito penal,
52
e a inadequação da produção de provas de ofício, por parte do juiz, a esse
contexto. A metodologia utilizada será a metodologia bibliográfica, com análise
de textos e de jurisprudência brasileira.
Será feito um estudo, através, principalmente, da obra do filósofo Hans-Georg
Gadamer sobre a concepção de verdade na filosofia contemporânea, e a maneira
como a renovação do conceito influencia diretamente na Teoria Geral do
Processo e na evolução dos ordenamentos jurídicos.
Também será exposta a evolução das teorias processuais, partindo das teorias
fazzalarianas até algumas noções mais contemporâneas, como a obra dos
autores Rosemiro Pereira Leal e José Alfredo de Oliveira Baracho.
Será então trabalhada a relação entre o sistema inquisitorial de processo penal,
o princípio da verdade real e a produção de provas de ofício pelo juiz,
especialmente da maneira que são tais institutos tratados nas obras de Felipe
Martins Pinto, Ada Pellegrini Grinover, Aury Lopes Júnior e Alexandre Morais da
Rosa.
E, ao fim, serão apresentadas as principais conclusões do trabalho:
a) a inconstitucionalidade do artigo 156, I, do Código de Processo Penal, eis que
o mesmo fere o princípio da imparcialidade do juiz, que por sua vez é parte
fundamental do devido processo legal e está inscrito no Pacto San José da Costa
Rica.
b) A iniciativa probatória, de ofício, por parte do juiz, se circunscreve no atrasado
modelo inquisitorial de processo penal, e fundamenta-se no ultrapassado
princípio da busca pela verdade real, não podendo ser, nos dias de hoje,
fundamento de validade da norma processual ou de decisão judicial.
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2. O “BIG DATA” E A PROVA NO PROCESSO PENAL – A GRANDE QUANTIDADE DE
DADOS PRODUZIDOS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS PELA CHAMADAS FORÇAS-
TAREFAS E A DEFESA TÉCNICA
Autora: Carla Silene Cardoso Lisboa Gomes
Coautor: Eduardo Bruno Avellar Milhomens
Resumo:
O objetivo da pesquisa é analisar a massiva produção de provas por parte dos
órgãos de persecução penal, nas hoje tão comuns “mega-operações”, e como
esta grande quantidade de dados “BIG DATA” se transformam em um problema
para a Defesa, tendo em vista a dificuldade material e técnica, de se analisar todo
o acervo probatório.
Questões técnicas envolvidas: A cadeia de custodia de prova, o problema do
elemento probatório oculto “Unclouded and Disclosed” e a dificuldade material
do acusado de analisar e defender.
Metodologia de pesquisa: pesquisa processual, doutrinária, bibliográfica e
jurisprudencial, principalmente no direito comparado.
Apontamentos centrais: O Brasil viu expandir exponencialmente nos últimos
anos, as grandes operações de persecução penal realizadas pelas chamadas
“Força-tarefa”, que são a união de diversos setores do aparato estatal de
controle, objetivando atacar a criminalidade organizada. A grande quantidade de
elementos produzidos por essas operações, sem uma organização e uma cadeia
de custodia da prova bem definida, acabam por sofrerem um filtro pouco
democrático, e, debilitando a defesa técnica, fazendo com que não tenhamos
uma paridade de armas no processo probatório.
Principais conclusões: Sem a capacidade de analisar e gerir a grande quantidade
de dados, a defesa técnica encontra-se em posição desfavorável, já que ficará
submetida ao desejo e filtro dos próprios órgãos de persecução penal, que
54
poderão literalmente enterrar elementos pró-defesa e destacar aquilo que lhe
interessa. Sem a capacidade material de pessoal e recursos dos entes estatais, a
defesa se encontra impossibilitada de rebater ou mesmo refutar aquilo que foi
produzido durante o procedimento investigatório preliminar.
Pertinência temática ao GT 4: Desafios a defesa técnica em analisar grande
quantidade de elementos probatórios – a necessidade de uma melhor gerencia
na cadeia de custodia da prova, com o objetivo de limitar o poder do Estado. A
necessária paridade de armas quanto a produção de prova no processo penal
moderno.
3. A (I)LICITUDE DA PROVA PRODUZIDA A PARTIR DA BUSCA E APREENSÃO
REALIZADAS POR GUARDAS CIVIS MUNICIPAIS: LIMITES CONSTITUCIONAIS E
PROCESSUAIS
Autor: Josué Justino do Rio
Coautor: André Luiz Pipino
Resumo:
A presente pesquisa tem por objetivo investigar a licitude da prova produzida
mediante a busca e apreensão realizadas por guardas civis municipais, em razão
das atribuições que lhes foram conferidas pela Constituição Federal e
regulamentada pela Lei n. 13.022/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral dos
Guardas Municipais. A discussão parte do pressuposto de que o papel de polícia
ostensiva é atribuição das forças policiais, por expressa previsão constitucional.
O tema se mostra relevante na medida em que na maioria dos municípios do
interior, ao argumento da necessidade de garantir a segurança dos munícipes e
do número insuficiente de policiais militares, tem investido na compra de
equipamentos e aumentado o efetivo dos guardas civis municipais, atribuindo-
55
lhes a responsabilidade pela manutenção da segurança pública, típico de polícia
ostensiva. Esse fenômeno da municipalização da segurança pública tem trazido
algumas consequências de ordem processual, tendo em vista que os guardas civis
municipais têm realizado prisões em flagrante, busca pessoal, domiciliar, em
veículos, etc. No que se refere à prisão em flagrante, não há óbice, desde que
respeitados os limites estabelecidos pela legislação processual, visto que
qualquer do povo pode realizá-la. O problema, em sua grande maioria, decorre
da execução de busca pessoal, domiciliar ou em veículos, por exemplo,
porquanto o procedimento não encontra amparo na Carta Constitucional e na
legislação processual. As discussões têm sido intensas e levadas aos tribunais,
que tem reconhecido, em alguns casos, a nulidade das provas colhidas por meio
de busca e apreensão realizadas por guardas civis municipais durante
abordagens, posto que estariam extrapolando os limites fixados pela
Constituição, pelo Código de Processo Penal e pela Lei n. 13.022/2014. O
dedutivo se mostrou o método adequado para a investigação, assim como
reflexões doutrinárias e análise documental, especialmente de decisões
proferidas pelos Tribunais Superiores e Estaduais. Conclui-se que a prova advinda
de busca e apreensão realizadas por guardas civis municipais quando de
abordagem característica de atuação de polícia ostensiva, é considera ilícita, na
medida em que estão usurpando a competência de ação típica de segurança
pública, de viés preventivo, o que, por expressa previsão constitucional, é
exclusiva das forças policiais. Essa atividade, além de ofender a Constituição
Federal, mais precisamente o art. 144, §8º, também está em desconformidade
com o a Lei n. 13.022/2014, que prescreve ser a função dos guardas civis
municipais de “proteção municipal preventiva”, ressalvadas as competências da
União, dos Estados e do Distrito Federal.
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4. O RECONHECIMENTO DE PESSOA COMO MEIO DE PROVA E O ENTENDIMENTO
DO STJ – A FORMA AINDA É GARANTIA NO PROCESSO PENAL?
Autor: Leonardo Mariozi Russi
Resumo:
No Sistema do Livre Convencimento Motivado, ou da Persuasão Racional, o
Magistrado deve examinar e valorar as provas produzidas nos autos, expondo
democraticamente as razões de fato e de direito que influenciaram sua
convicção. É bem verdade que o sistema em questão confere liberdade ao
Magistrado para considerar as provas. Não se pode, entretanto, confundi-lo com
o antigo sistema da Convicção Íntima (preceito ainda vigente no julgamento em
plenário do Júri), eis que, neste, a Liberdade é Ilimitada. Sobre o assunto, é
sempre imprescindível a lição de GIACOMOLLI: - “O magistrado é livre no sentido
de que pode escolher essa ou aquela prova, dizer qual lhe convenceu e porque
há provas a serem descartadas, mas a liberdade não pode servir para justificar
‘escamotages’ para negativar as regras estabelecidas”.2 O emprego do termo
“Livre Convencimento” se dá no sentido de superar o Sistema da Prova Tarifada
(que, por sua vez, superou o sistema da convicção íntima). No Sistema da Prova
Tarifada, a lei valorava previamente as provas trazidas ao processo. Neste
contexto, o número e a natureza das provas prevaleciam sobre o seu efetivo
conteúdo, retirando toda autonomia do Juiz, de modo que seu convencimento
não era livre. Pois bem, se de um lado é dada ao Magistrado a liberdade da
persuasão racional, no sentido de não poder ser coagido na sua capacidade de
entendimento e determinação, por outro, lhe é exigido que, ao fundamentar as
razões do seu decidir, ainda nas palavras de GIACOMOLLI, emita “um juízo de
valor no que tange à proposição dos meios de prova, aos meios de busca da
prova, à idoneidade dos elementos de prova, à credibilidade das fontes e, por
fim, avaliar o resultado probatório” . Assim, considerando que o “ritual judiciário
57
está constituído, essencialmente, por discursos e, no sistema acusatório, forma
é garantia”, para usar as palavras de LOPES JÚNIOR, o Magistrado tem a liberdade
de formar sua convicção nas provas que lhe são apresentadas (e, infelizmente,
naquelas que diretamente produz, malgrado o Dispositivo Acusatório adotado
pela CRFB/88), mas também é sua incumbência verificar a legalidade da prova.
Isso se explica na medida em que o sistema acusatório decorre de regras
processuais gerais – Sistema do Common Law – em que “remedies precede
rights”, como leciona COUTINHO.5 A forma traçada pelo legislador processual
penal é muito mais do que uma instrumentalidade para atingir um objetivo: é ela
o limite aos abusos inevitáveis e inerentes ao poder de punir do Estado.6 E neste
ponto, a menção à legalidade da prova se faz com a consciência de que a prova
ilegal é um gênero, composto pelas espécies prova ilícita e prova ilegítima, sendo
aquela resultado da violação de um direito material, e esta decorrência do
desrespeito de regra procedimental7 . Diante do que dispõe o inciso LVI da
Constituição da República, assim como o art. 157, primeira parte, do Código de
Processo Penal, é juridicamente certo que a prova ilícita é inadmissível, devendo
ser desentranhada do processo. Por outro lado, existe relevante divisão
doutrinária sobre o tratamento dispensado à prova ilegítima. Parte da doutrina
entende que a prova ilegítima submete-se ao sistema de nulidades. Outra parte
leciona que tal prova também é inadmissível, mormente depois de a Lei
11.690/08 ter dado nova redação ao art. 157 do Código de Processo Penal, eis
que o dispositivo diz serem inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do
processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais. Explica-se. Quando o art. 157 diz considerar-se
inadmissível a prova obtida em violação a norma legal, não distingue se a norma
legal é material ou processual. 8 Não se pode olvidar que, para ter o Magistrado
a capacidade de realizar o juízo de admissibilidade da prova de modo isento, é
58
absolutamente indispensável que a gestão da prova seja função conferida às
partes, circunstância que caracteriza um processo penal realmente Acusatório. A
gestão da prova é a espinha dorsal do processo penal, como ensina Jacinto
Nelson de Miranda Coutinho em sua obra: “Daí que a gestão da prova caracteriza,
sobremaneira, o princípio unificador e, assim, o sistema adotado.” 9 No processo
acusatório – teoricamente introduzido pela Constituição da República, que prevê
a competência do Ministério Público para a promoção da ação penal pública em
seu art. 129, inciso I – a gestão da prova deveria ser incumbência das partes. Mas,
a bem da verdade, bem ensina COUTINHO quando diz que “todos os sistemas
processuais penais conhecidos mundo afora são mistos” 10 . COUTINHO
acrescente que o processo penal brasileiro, de fato, é de princípio inquisitivo.
“Sistemas regidos pelo princípio inquisitivo, têm agregados a si elementos
provenientes do sistema acusatório, como vai suceder com o sistema processual
penal brasileiro em vigor e que tem por base o CPP de 1941; ou em sendo regidos
pelo princípio dispositivo, têm agregados a si elementos provenientes do sistema
inquisitório, como vai suceder com o sistema processual penal norteamericano.”
11 Assim, não se pode esperar encontrar um sistema acusatório absolutamente
puro nos dias atuais – mesmo porque não possuem cada um deles bases
filosóficas rígidas, sendo antes reflexos de opções políticas12 – mormente numa
sociedade como a brasileira, marcada pela “sensação de insegurança decorrente
deste modelo de ‘sociedade de risco’, certamente acentuada pela atuação da
mídia” 13, em que a demanda pelo recrudescimento no tratamento à
criminalidade é assunto frequentemente tratado de forma muito leviana. Por
coerência, de uma ótica constitucional, pode-se dizer que o Brasil tem um
ordenamento processual penal Acusatório, ao qual se agregam elementos
inquisitórios pré-constituição e pós-constituição (o que é muito preocupante). Na
prática, entretanto, não nos parece de todo inadequado sustentar que nosso
59
processo penal é de viés Inquisitório, apresentando intervenções de elementos
Acusatórios, por ousadia não totalmente efetivada da Constituição Federal (o que
preocupa ainda mais). De qualquer modo, o fato é que a coerência com o modelo
constitucional exige do Magistrado um necessário distanciamento da produção
probatória, de modo que lhe seja reconhecida a imprescindível isenção para
proceder à admissibilidade da prova. Esse rigoroso juízo de admissibilidade da
prova pelo Magistrado deve se dar para garantir que, no processo penal, “campo
por excelência de restrição de direitos e liberdades fundamentais pessoais, se
evitem restrições inadmissíveis, inaceitáveis, e juridicamente censuráveis na
atividade de persecução criminal”.14 Isso também deve se dar em razão de ser –
e dever continuar sendo – o processo penal um instrumento neutro, no qual as
possíveis conclusões (condenação ou absolvição) são axiologicamente
equivalentes. O processo penal constitui elemento neutro da jurisdição, cuja
finalidade consiste tanto em atuar o poder de penar e a função punitiva como
também em declarar de forma ordinária (pela sentença) ou restabelecer
pontualmente a liberdade (através do HC).15 No entanto, vê-se hoje em dia, na
prática da advocacia, um lamento não mais velado de muitos juízes, que parecem
penitenciar-se ao proferirem sentenças de cunho absolutório, como se
dissessem: - “embora tenha tentado, não encontrei meios de condenar o réu”.
Essa “mentalidade inquisitória”, tão bem investigada pelo Observatório presidido
pelo Professor Marco Aurélio Nunes da Silveira, e que vem organizando
congressos e reunindo brilhantes textos sobre o tema, contamina Juízes,
Desembargadores e Ministros. Não é, portanto, despropositada a “perigosa
mania dos Tribunais de flexibilizar as formas processuais através da relativização
das nulidades (e consequente enfraquecimento das garantias do devido
processo)”, fenômeno tão bem identificado e criticado por Aury Lopes Júnior.16
A presente pesquisa, portanto, parte da premissa de que possuímos, no Brasil,
60
uma Constituição que deu preferência a uma “estrutura democrática sobre a qual
há que existir e se desenvolver o processo penal” 17. Assim sendo, não nos basta
qualquer processo. Deve ele ser lido sob o paradigma Constitucional. Pois bem,
dadas as premissas, o objetivo do presente texto é investigar a coerência de
decisões como as proferidas pelo STJ, no sentido de entender que “as
irregularidades relativas ao reconhecimento pessoal do acusado não ensejam
nulidade, uma vez que as formalidades previstas no art. 226 do CPP são meras
recomendações legais”. Essa tendência jurisprudencial foi publicada na edição n.
69 do periódico Jurisprudência em Teses, do próprio Superior Tribunal de Justiça.
5. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA NO TRIBUNAL DO JURI
Autora: Renata Tavares da Costa
Resumo:
A proposta é averiguar os efeitos da ICD ( Investigação Criminal Defensiva) feita
pela Defensoria Pública no Tribunal do Júri da Comarca de Duque de Caxias
objetivando reunir elementos de convicção lícitos e relevantes para a Defesa.
A pesquisa será qualitativa e basaeada nos 5 processos onde houve
procedimento investigativo instaurado pela Defensoria Pública e analisará os
aspectos relevantes deste procedimento para fins de efetivar o mandamento
interamericano relacionado à diligencia da Defesa.
61
GRUPO DE TRABALHO 5:
PENA, PRISÃO E ENCARCERAMENTO
Ementa: O GT Pena, prisão e encarceramento têm por objetivo principal discutir
os fundamentos da pena e a necessária revisão da adequação e das finalidades
da pena privativa de liberdade, sob uma ótica garantista. Estudos empíricos sobre
o perfil, a vivência e as dinâmicas da população encarcerada também serão
contemplados, a exemplo de estudos sobre o encarceramento de mulheres e de
negros. Trabalhos sobre gestão de políticas prisionais, facções no interior das
prisões também serão debatidos, bem como trabalhos sobre alternativas para a
pena privativa de liberdade. Os resumos apresentados devem ser baseados em
pelo menos uma dessas perspectivas
Coordenador Prof. Dr. Edson Luz Knippel
Doutor, Mestre e Graduado em Direito pela PUC/SP. Professor da Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1085942840322127
Coordenador Ms. Rogério Cury
Advogado, sócio do Cury e Cury sociedade de Advogados. Mestre em Direito.
Cursou Direito Penal e Direito Processual Penal Alemão, Europeu e Transnacional
na George-August-Universitat, na Alemanha. Professor na Faculdade de Direito
da Universidade Mackenzie. Autor e coautor de diversas obras jurídicas. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4021017117088129
62
Trabalhos:
1. MONITORAMENTO ELETRÔNICO: HUMANIZAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL OU
AMPLIAÇÃO MODERNA DO ESTIGMA?
Autor: Adriano Luiz Oliveira
Resumo:
Pretende-se, por meio deste artigo, provocar uma reflexão a respeito do
esquecimento dos postulados do Direito Penal, em especial no que diz respeito à
Execução Penal, em decorrência das exigências sociais por mais segurança e
controle. Tais discursos são produzidos no contexto de uma política neoliberal
que procura ofuscar a desigualdade social, dando relevo à marginalidade urbana
como problema central, como o único a ser resolvido e a qualquer custo. Nessa
linha, abandonam-se as teorias humanistas e a crença na ressocialização em prol
da criminologia da vida cotidiana. A crítica que se propõe articular está ligada ao
processo de agravamento no cumprimento da execução da pena ocorrida com o
advento da Lei n.º 12.258/10, que alterou a Lei de Execuções Penais,
introduzindo a possibilidade do monitoramento eletrônico de presos. A avaliação
se dará sob o ponto de vista da estigmatização que a medida pode provocar no
apenado que, anteriormente à referida lei, poderia sair sem qualquer vigilância
ou equipamento que revelasse sua condição de apenado. O marco teórico é
fundado na criminologia crítica, buscando ressaltar que as funções mais
evidentes do Direito Penal na modernidade são a simbólica e a excludente.
Procura-se articular um diálogo com a filosofia e a biopolítica, em especial com
Agamben e Foucault, na tentativa de compreender melhor a influência do atual
momento vivido pela sociedade na construção destas ideologias, que
abandonam o indivíduo em prol da eficiência e do controle.
63
2. MASS INCARCERATION E HYPERINCARCERATION: A REALIDADE BRASILEIRA
ENTRE O SENSO COMUM E A PESQUISA CRIMINOLÓGICA
Autora: Barbara Siqueira Furtado
Coautor: Theuan Carvalho Gomes da Silva
Resumo:
O termo “mass incarceration”, reintroduzido nos debates penalógicos dos
Estados Unidos no final dos anos 90, ganhou célebre releitura de David Garland
em sua famosa conferência “Mass incarceration: social causes and
consequences” na Universidade de Nova York (NYU) em 2000 (WACQUANT,
2015). Segundo Garland (2001, p.2), a denominação viria a descrever um
fenômeno novo sem paralelos no mundo penitenciário. Essa distinção se apoiaria
em duas especificidades: primeiro, a discrepância do agigantamento da
população carcerária e das taxas de aprisionamento, quando em contraste a
modelos penais historicamente comparáveis; e segundo, a concentração dos
efeitos sociais do encarceramento em grupos populacionais específicos,
direcionada, sobretudo, pela falência das políticas de Welfare e pelo
recrudescimento da legislação penal com relação às drogas, reflexo da política
tough on crimes. Em diálogo com as questões estudadas por Garland, Löic
Wacquant (2015) propõe ajustes terminológicos e conceituais ao “mass
incarceration” ou “mass imprisonment”, passando a adotar o uso da expressão
“hyperincarceration”. Esse aperfeiçoamento da nomenclatura teria, assim, a
intenção de desvelar sentidos camuflados pela opacidade da linguagem, pondo
em evidência a distinção entre o encarceramento - desmedido mas direcionado
- e os fenômenos de massa, como a mídia, que atingem pessoas,
indistintamente. Sua abordagem, portanto, não desconsidera o fim das políticas
do Welfare State, nem a influência de demais fatores conjunturais, mas põe em
evidência a seletividade de atuação do sistema de justiça criminal, o qual se
64
moveria guiado, majoritariamente, por questões de classe social, raça e local de
origem, em expressão de uma outra face do mesmo projeto de expansão de
Estado neoliberal. Desde a conferência de Garland na NYU, o Brasil viu sua
população carcerária crescer inacreditáveis 312,22%, atingindo a maior taxa de
aprisionamento de sua história: 352,6 para cada 100 mil habitantes (INFOPEN,
2017). À contramão dos debates e iniciativas internacionais pelo
desencarceramento, seguimos expandindo nossas prisões, tanto em suas
dimensões efetivas quanto simbólicas, cerceando liberdades e usando
arbitrariamente dispositivos de orientação, a princípio, garantista. O discurso
criminalizante irresponsável de setores midiáticos, associado à
instrumentalização da justiça penal para fins políticos, tem, cada vez mais,
robustecido a crença da população média em instituições prisionais falidas,
cristalizando, assim, um desejo de dilatação indistinta do cárcere, concebido
como símbolo de luta contra impunidade. Nesse sentido, o reforço do ideal da
prisão como justiça e de sua atual difusão igualitária, tende, à semelhança da
crítica wacquantiana, a ocultar a essência seletiva do sistema penal, que
permanece comprometido com a segregação - e por que não neutralização - de
grupos sociais determinados. Em síntese, a reflexão proposta visa a debater a
questão carcerária brasileira, a partir da aplicabilidade dos aportes teóricos
fornecidos por Garland e Wacquant, destacando em que medida o uso do
sistema penal como panaceia para os problemas sociais se legitimaria pelo senso
comum da prisão como sinônimo de justiça. Com efeito, para que se alcance a
referida análise, o método da revisão bibliográfica se apresenta como ferramenta
adequada, ressalvando, que não há pretensão de se esgotar, completamente, a
matéria.
65
3. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E HUMANIZAÇÃO DA JUSTIÇA - RESULTADOS INICIAIS
Autora: Bartira Macedo de Miranda
Coautora: Franciele Silva Cardoso
Coautora: Brenda Mendes de Castro
Resumo:
A pena privativa de liberdade é a sanção mais rigorosa do nosso ordenamento,
devendo ser aplicada apenas em ultima ratio. No entanto, vivemos em uma
sociedade que crê que somente a prisão retribui adequadamente o crime e trata
o encarcerado como um indivíduo praticamente sem direitos, negando-se, assim,
cotidianamente, a ouvir sua voz.
Essa mentalidade resultou em presídios cada vez mais abarrotados e precários,
diminuindo as possibilidades de ressocialização, uma das mais complexas e,
nesse contexto, sacrificada função da pena no Direito Penal contemporâneo.
Ademais, após a prisão em flagrante, o contato magistrado/preso era bastante
superficial, com a comunicação das prisões prevista no art. 306 do Código de
Processo Penal resumindo-se à simples entrega do Auto de Prisão em Flagrante
ao juiz, um mero fazer burocrático, portanto.
Implantadas no Brasil pelo Conselho Nacional de Justiça em 2015, as audiências
de custódia são uma tentativa de amenizar esses problemas, mas recebe severas
críticas desde então. Assim, a presente pesquisa buscou analisar seus resultados,
buscando maior efetividade na solução dos problemas apresentados.
Para isso, foi utilizado o método indutivo, baseando-se nas estatísticas obtidas
até o presente momento, compreendendo não apenas procedimentos
empíricos, mas também lógicos e indutivos, com enfoque não só processual
como criminológico.
Durante o trabalho, verificou-se que as audiências vêm se mostrando um
instrumento importante no controle de prisões ilegais e desnecessárias, mas que
66
a distância entre magistrado e custodiado ainda é imensa – e isso se reflete
principalmente na vasta fronteira linguística e semântica que os separa,
prejudicando uma eficiente comunicação.
Além disso, a carência de infraestrutura é uma realidade palpável, o que põe em
risco tendências importantes – como o aumento das liberdades provisórias. Mas
ainda há muito o que ser melhorado, vez que o encarceramento ainda é a regra
e as denúncias de maus tratos são tímidas.
Muitos dos desafios a serem enfrentados apresentam solução relativamente
simples – como investimento em infraestrutura e capacitação de magistrados.
Outros, todavia, são o reflexo da cultura punitivista que tem o encarceramento
como regra, e o que foge disso considera impunidade.
No mais, a aprovação da Proposta de Lei 6.606 é de extrema importância para
trazer mais segurança jurídica ao instituto, contudo seu texto deve ser
aprimorado, uma vez que propostas como a flexibilização do prazo de realização
da Audiência de Custódia e a possibilidade de sua realização por
videoconferência minariam completamente a efetividade prática do instituto,
que se transformaria em um verdadeiro natimorto.
As audiências estão se mostrando uma viável arma no combate à cultura do
encarceramento, após anos estagnados no status quo. Dessa forma, não pode
ter negada a sua importância, devendo ser aliada a outras medidas no mesmo
sentido – investimento em segurança pública, por exemplo.
Por último, ressalta-se que se deve ter a consciência de que toda grande
transformação começa gradativamente e os obstáculos que enfrenta não são
motivo para desânimo. Devem servir como verdadeiro combustível na busca por
um Processo Penal mais consciente dos direitos de seus tutelados e – quem sabe
– um pouco mais humano.
67
4. O TRABALHO PENAL NO CONTEXTO DE CRISE ESTRUTURAL: POTENCIALIDADES
FRENTE À PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS
Autora: Camilla Marcondes Massaro
Resumo:
As transformações iniciadas na década de 1970 trazem consigo a reestruturação
do processo produtivo e, consequentemente a alteração das formas de trabalho.
Nesse quadro, as condições de trabalho se tornam cada vez mais precárias, além
do aumento do desemprego. A passagem do Estado Social ao Estado Penal
contribui para um processo de criminalização tanto dos movimentos sociais
quanto das parcelas mais pauperizadas da sociedade para as quais, a única
política pública que parece funcionar é a do encarceramento em massa. O Brasil
aparece como o 3º país com a maior população carcerária do mundo e, a
chamada “crise penitenciária” que eclodiu no raiar de 2017 traz à tona duas
questões essências: a manutenção da política de encarceramento em massa –
com a construção de mais unidades prisionais e o aumento da força das
propostas de privatização dos presídios como meio de solucionar tal crise. Tal
proposta faz parte da ofensiva do capital que tem nas privatizações um aumento
de suas fontes de lucro no contexto de crise estrutural. Contraditoriamente, em
momento de desemprego em massa e de alto índice de precarização do trabalho,
a privatização dos presídios potencializa a superexploração do trabalho penal
pois tem como fundamento a oferta de trabalho no interior das unidades
prisionais não só para atividades internas, mas também por empresas e indústrias
de diversos ramos da produção, que se utilizam da ideia da responsabilidade
social e do discurso de que o trabalho contribui para a ressocialização dos
chamados criminosos, para alocarem essa força de trabalho. A partir de pesquisa
realizada em Centros de Ressocialização Femininos no Estado de São Paulo, o
objetivo da presente comunicação é discutir o aumento exponencial do trabalho
68
penal como tendência em potencial no contexto de crise estrutural buscando
compreender de forma aprofundada os sentidos da apropriação desta força de
trabalho pelas empresas que oferecem postos de trabalho nas unidades
prisionais de regime fechado não só para a minimização dos custos de produção
e, consequentemente, maximização dos lucros, mas também como meio de
precarização ainda maior da classe trabalhadora, dentro e fora dos presídios.
5. RESPONSABILIDADE POLÍTICO-CRIMINAL: ANÁLISE DA POLÍTICA DE EXPANSÃO
PRISIONAL NO ESPÍRITO SANTO DE 2011 A 2016
Autora: Carolina Assis Castilholi
Resumo:
A pesquisa teve como objetivo geral analisar a política de expansão do sistema
carcerário no Espírito Santo no período de 2011 a 2016 a fim de verificar se ela
se desenvolveu em consonância com a concepção de responsabilidade político-
criminal. O presente estudo utilizou a tipologia descritiva, de abordagem
qualitativa. Os procedimentos de coleta utilizados foram o levantamento
bibliográfico e documental. Foram dados primários utilizados na pesquisa a
legislação em matéria criminal editada no período de 2011 a 2016, os planos
nacionais de política criminal e penitenciária elaborados pelo Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) em 2011 e 2016, as resoluções
editadas pelo CNPCP entre 2011 e 2016, os planos de desenvolvimento ES 2025
e 2030 e os planos plurianuais capixabas 2008-2011, 2012-2015 e 2016-2019.
Dentre os dados secundários utilizados se destacam os disponibilizados pelo
Ministério da Justiça por meio do Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias (INFOPEN). Os dados foram então analisados por meio de
categorização formulada com base nos conceitos de Subirats de “atores”,
69
“recursos, “marcos institucionais” e “produtos das etapas de formulação de
políticas públicas”, de modo a possibilitar a subseqüente análise das relações
entre os componentes das referidas categorias. O referencial teórico abordou o
encarceramento em massa e a expansão contínua do sistema prisional bem como
a desvinculação entre encarceramento e estatísticas criminais, visto o caráter
político-cultural da tomada de decisão nessa seara. Abordou-se ainda a
consideração da política penitenciária enquanto política pública, bem como a
tutela da responsabilidade dos gestores públicos no ordenamento brasileiro. Por
fim, o estudo debruçou-se sobre as propostas de estudos de impacto legislativo
e a proposta de lei de responsabilidade político-criminal. Em seguida, teceu-se
um panorama da conjuntura histórica e presente do sistema prisional em âmbito
nacional e estadual, a que se seguiu a análise dos planos e atos formais de
implementação da política de expansão do sistema carcerário no período de
análise (2011-2016), por meio do marco teórico de análise de políticas públicas
de Subirats. Diante dos resultados da análise, traçou-se uma proposta de agenda
descarcerizadora para o Espírito Santo, com vistas a atender a um paradigma de
responsabilidade político-criminal.
6. MASCULINIDADE CRIMINOSA E VIOLÊNCIA MASCULINA: APONTAMENTOS PARA
UM ESTUDO SOBRE IDENTIDADE DE GÊNERO NO INSTITUTO PENAL DE CAMPO
GRANDE (IPCG)
Autor: Daniel Attianesi
Resumo:
O barulho dos portões se fechando atrás de você é a minha primeira lembrança
sobre o começo do campo no “instituto”. Ao olhar, para frente ou para trás, me
vi rodeado por uma fileira de grades. Era o primeiro passo ao adentrar o Instituto
70
Penal de Campo Grande (IPCG). O IPCG é reconhecido como um espaço
carcerário de excelência em Mato Grosso do Sul. Já no nome, podemos notar
certo tom higienizante, depois confirmado pela pesquisa de campo. No instituto,
raramente ouviremos as palavras cadeia, prisão ou presídio para referir-se à
instituição. Apesar dessa particularidade, para o recém-chegado não importa
essa valoração. Ao chegar ali, me senti, claramente, preso.
O IPCG é um dos 48 estabelecimentos penais do estado do Mato Grosso do Sul,
administrados pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário
(AGEPEN), com uma população atual de 1.376 detentos dos aproximadamente
14.000 detentos do estado. Isso equivale a 9,8% de toda a polução carcerária do
estado em apenas um estabelecimento. Não era de surpreender que, apesar de
sua “excelência”, o IPCG se encontra superlotado. O Instituto comporta 400
vagas e, atualmente, conta uma população 275% acima da sua capacidade
máxima.
Nesse espaço que, diferentemente, da frieza com que Goffman (2015) trata as
“instituições totais”, o IPCG não se mostra nada frio e rígido. O universo
institucional presente no instituto penal se mostra sempre em mudança com
variações quase que diárias de temperamento e ambientação. Os sujeitos se
encontram emaranhados em diversas relações de poderes, que tencionam
práticas e agenciamentos internos. A partir do trabalho etnográfico, com idas
semanais ao estabelecimento penal, busquei, por meio da observação
participante, com foco nos detalhes do cotidiano dessas vidas que por ali passam,
as tessituras que constituem a identidade de gênero dos homens que ali estão,
bem como seus agenciamentos em torno de diversas formas de construções da
masculinidade.
A imersão em um campo como um presídio costuma ser composta por dúvidas e
inseguranças de todas as ordens. Atrai e amedronta mergulhar no universo
71
prisional, ao mesmo tempo em que se existe um fascínio, há também um desejo
de um seguro distanciamento, afinal os sujeitos que ali estão, como diria Foucault
(2012), conformam os corpos que ainda não são dóceis e disciplinados. Ao longo
do trabalho de campo no instituto penal, houve uma atenção metodológica
rigorosa. N entanto, a percepção mais presente é a de que os manuais de
metodologia em ciências sociais pouco têm a nos dizer sobre a questão de
segurança em uma “instituição total”. A opção metodológica foi por visitas
regulares ao IPCG, tentando sempre permanecer a maior parte do tempo dentro
do estabelecimento penal, isso não sem resistência dos responsáveis pela
segurança do instituto. Houve uma intensa negociação para facilitar a minha
presença lá. Não foi exatamente como eu queria, nem exatamente com a direção
queria. No entanto, conseguimos um consenso. Esse consenso me permitiu uma
relação continuada, com as visitas semanais, durante seis meses: de outubro de
2017 a abril de 2018. Foram realizadas observações, conversas informais como
agentes penitenciários, entrevistas semiestruturadas com os mesmos agentes,
bem como entrevistas semiestruturadas com 8 detentos.
Apesar das dificuldades do campo, algo que é recorrente nas fases iniciais das
pesquisas de campo, a investigação foi possível. Estudos dentro e sobre
estabelecimentos penais existem nas ciências sociais há muitos anos, Marcelo
Campos e Marcos Alvarez (2017) mostram que nos últimos 10 anos (2000-2016),
foram encontrados 196 artigos apenas em revistas com classificação Qualis A1
sobre a temática. Renato Lima (2008) mostra que no banco de teses e
dissertações da CAPES foram encontrados 2044 trabalhos com a palavra
“violência” e 612 com a palavra “prisão”. A partir dessa produção imensa, a
minha pesquisa, a particularidade da minha pesquisa recai sobre a aproximação
das questões de criminalidade e violência com as questões de gênero e
72
masculinidade ao pensar a constituição do homem criminoso em um espaço de
privação de liberdade.
Ao aproximarmos as questões de gênero e violência, o que parece mais comum
em termos de produção no campo das ciências sociais e dos estudos de gênero,
em particular, são as pesquisas que envolvem violência contra mulher. Há uma
ênfase na “vulnerabilidade feminina” o que faz com esses elementos – bastante
justos – pois a violência contra a mulher é muito recorrente no Brasil, quase que
pautem a área quando se aproxima gênero e violência.
Além disso, é preciso apontar a presença de diversos órgãos e campanhas pelo
fim da violência contra as mulheres, como a Campanha UNA-SE Pelo Fim da
Violência contra as Mulheres, lançada pela Organização das Nações Unidas, que
proclamou o dia 25 de cada mês como um Dia Laranja, dia em que, em todo o
mundo, agências da Organização das Nações Unidas e organizações da sociedade
civil deveriam promover atividades para dar mais visibilidade às questões que
envolvem a prevenção e a eliminação da violência contra as mulheres.
Com três volumes específicos para a questão da mulher em um dos maiores
conjuntos de estudos e pesquisas de violência do país, o Mapa da Violência foi
organizado por Júlio Jacobo Waiselfisz (2013). Todo esse conjunto de dados me
causou a dúvida: a percepção de vulnerabilidade da mulher seria construída a
partir de uma oposição linear a uma flagrante invulnerabilidade do homem?
Estaríamos, pois, diante de diversas categorias universalmente dicotômicas?
Masculinidade e feminilidade, força e fragilidade, passiva e ativo, os binômios
sempre em oposição. A mulher é construída como tal e o homem já “nasce”
feito?
As reflexões expostas aqui – que estarão melhor apresentadas no corpo do
paper, bem como no texto final da dissertação – procuram fugir um pouco dos
olhares mais recorrentes sobre o tema e tentam problematizar o outro polo da
73
dicotomia. Como dito acima, tenho me debruçado sobre uma costura não muito
fácil, qual seja, a de tecer os fios que conduzem a construção dos homens e de
suas masculinidades, especialmente, atentando para a construção da identidade
de gênero do homem “criminoso” e causador da violência.
A partir das estatísticas do sistema penal brasileiro (a última disponível em
dezembro de 2014), podemos observar que o Brasil possui 584.758 detentos,
94,2% desses são do sexo. Com relação aos dados de Mato Grosso do Sul, a
mesma pesquisa mostra que o número de detentos é de 13.335. Desses, 90,5%
são do sexo masculino e 9,5% do sexo feminino. Ao observar esses dados,
comecei a perceber a possível existência de algumas relações entre o homem
como vítima e o homem como “criminoso”. Com base na inferência estatística,
percebe-se que a maior parte dos crimes ocorre entre indivíduos pertencentes
ao mesmo gênero. Pretendo utilizar essas inferências para pensar, de forma mais
ampla, a relação entre a violência e gênero.
É importante frisar, no entanto, que as inquietações sobre a questão da violência
associada às masculinidades não buscam apagar – ou deixar em segundo plano –
a importância das questões de violência entre os gêneros (especialmente a
violência doméstica), como, por exemplo, o feminicídio, Bonatti (2008) tão em
voga atualmente. Com isso esclarecido, procuro deixar claro que o recorte desse
trabalho pretende se afastar da vasta gama de estudos que destacam o caráter
exógeno da violência de gênero – em outra direção, minha pesquisa busca lançar
luz sobre a perspectiva endógena da violência de gênero, sobretudo a partir dos
discursos sobre masculinidades dentro do Instituto Penal de Campo Grande.
Com isso posto, o questionamento que norteia o artigo, bem como a pesquisa
maior da qual esta comunicação é uma parte, é: como se dá a construção da
identidade de gênero do homem criminoso em uma instituição de privação de
liberdade? Nesse sentido, o artigo persegue a ideia da constituição de uma
74
“violência masculina” enquanto parte da identidade (Cunha, 2009), que os
interlocutores buscam visibilizar, a partir de uma narrativa que tem como parte
central uma “masculinidade criminosa”, capaz de tornarem-se inteligíveis (Butler,
2003) como homens no chamado “mundo do crime”.
7. ENCARCERAMENTO E REALISMO DE ESQUERDA: EM BUSCA DE REINTEGRAÇÃO
DO APENADO
Autora: Érica Babini Machado
Coautora: Raissa Lustosa Coelho Ramos
Resumo:
A discussão do presente trabalho inicia-se ante o fenômeno de encarceramento
em massa do Brasil e suas implicações no aumento da criminalidade e da
reincidência, especialmente devido à estrutura de tutela penal que se consolidou
a partir do controle de classes e da política criminal do “Law & Order”. Sabe-se
que o capitalismo contemporâneo criou um paradoxo em que, ao mesmo tempo
em que se pede o menor intervencionismo estatal em virtude do liberalismo
econômico, também se exige que o Estado se torne mais controlador e punitivo.
Como consequência, o Brasil tem importado cada vez mais o modelo norte-
americano, conduzindo o controle de criminalidade de forma ostensiva, com
soluções de curto prazo, midiáticas e assistemáticas (LEMGRUBER, 2001), que
não têm impacto na questão da violência urbana. Nesse sentido, O cárcere
brasileiro, além de não contribuir para a ressocialização do condenado, tem se
mostrado ineficaz para o Poder Público, na medida em que sua utilização
descabida tem não só onerado os cofres públicos, como também gerado o estado
de coisa inconstitucional, declarado pelo próprio STF. Ante essa questão, é
preciso discutir, do ponto de vista filosófico, o próprio conceito de
75
ressocialização, que funciona como fundamento da pena. Para tanto, lança-se luz
à questão com a proposta de Alessandro Baratta (2007) em que abandona aquela
tese idealista de que a “prisão produz efeitos úteis”, para pragmaticamente
adotar a perspectiva de reintegração do sentenciado, de modo que “apesar da
pena”, deve-se buscar tornar menos precária a condição de vida no cárcere. Isto
é, partindo do pressuposto de que o melhor cárcere é a não prisão, mas ante o
constrangimento de sua existência, deve-se buscar menos cárcere e “realização
dos direitos dos apenados à educação, ao trabalho e à assistência social”; com
abertura da prisão à sociedade. A partir dessa questão, em confluência com a
proposta da criminologia realista de Roger Matthews (2014), especialmente com
a ótica de trabalhar na redução do Estado punitivo, mas por meio dele, em suas
palavras: “contra e por meio do Estado”, as autoras buscam discutir mecanismos
de intervencionismo efetivo na realidade social. A questão se apresenta porque
a criminologia crítica ao apontar as inúmeras falácias do sistema de justiça de
justiça criminal, não produziu impactos públicos com suas propostas
(MATTHEWS, 2014) como o próprio desencarceramento; e ante essa limitação,
a proposta realista é intervir concretamente na realidade social (MATTHEWS,
2009). A partir desse marco teórico, as autoras buscam refletir sobre mecanismos
de redução de dor e como exemplo propõem discutir mecanismos de incentivo
fiscal para empresas particulares contratarem mão de obra de pessoas egressas
do sistema prisional como forma de combate à reincidência e integração da
pessoa à sociedade.
76
8. O DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS ENCARCERADAS
Autor: Érick Vanderlei Micheletti Felicio
Coautor: Marcelo Lamy
Resumo:
Trata-se de estudo de revisão e descritivo do descaso ao direito à saúde e ao
saneamento básico nos estabelecimentos carcerários. Explicita o estado de
coisas inconstitucional e identifica as principais causas pelas quais as políticas não
alteraram o nefasto quadro da saúde prisional. O norte crítico da investigação
fundou-se na amplitude proposta para o direito à saúde dos prisioneiros no
âmbito global. Em 2015, as “Regras Mínimas para Tratamento de Presos”
(elaboradas em 1955, no “1.º Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção
do Crime e Tratamento de Delinquentes”) foram atualizadas e denominadas
“Regras de Mandela”. Tal atualização forneceu orientações para se compreender
a aludida amplitude internacional almejada para o direito à saúde do preso. Essa
é a referência da qual partiu a presente análise. Dados fornecidos pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2015) revelaram um crescimento da
população carcerária brasileira de 83 vezes em 70 anos. Segundo o diagnóstico
elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em 2014 o Brasil possuía a
quarta população carcerária mundial (com 563.526 presos), atrás apenas dos
Estados Unidos (2.228.424), da China (1.701.344) e da Rússia (676.400). Se
computadas as prisões domiciliares, o Brasil assumiria a terceira posição,
contando 711.463 pessoas encarceradas. Mais de 40% desse total representam
presos sem condenação definitiva. A população carcerária é atingida e exposta a
doenças como AIDS, tuberculose, pneumonias, dermatoses, transtornos mentais,
hepatites, traumas, diarreias infecciosas, hipertensão arterial, diabetes e sarnas,
às epidemias de piolho, pulga e carrapato. Muitos presos vivem despidos entre
fezes e urina, em celas desprovidas de colchões, de água potável e da adequada
77
ventilação. A saúde prisional é uma preocupação normativa nacional assegurada
no artigo 14 da Lei n.º 7.210/1984. A Constituição de 1988 e a Lei n.º 8.080/1990
não trataram especificamente da saúde no cárcere, mas asseguram a saúde
como direito de todos e dever do Estado, o qual, portanto, deve desenvolver
políticas dirigidas à redução dos riscos de doenças e de outros agravos, provendo
condições indispensáveis ao pleno exercício desse direito fundamental. Em 2003,
o Estado brasileiro elaborou a “Política de Atenção à Saúde da População
Penitenciária”. Essa política tornou-se algo programático, sem a superação
efetiva da inadequação de recursos humanos e materiais. Faltam equipes de
saúde, remédios, além de transportes para que os presos tenham o atendimento
- fora da unidade prisional - em tempo hábil. Foi substituída pela “Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no
Sistema Prisional”. Em 2016, o CNJ lançou o programa “Saúde Prisional”. Essas
ações não alteraram a realidade violadora da dignidade humana, enfim, a
situação de afronta aos princípios de Direito Sanitário e à garantia de seu objeto
no âmbito carcerário, evidenciando efeitos da seletividade e do sistema penal
subterrâneo (ZAFFARONI, 2002). Do ponto metodológico, buscou-se a
abordagem crítica de dados governamentais e a sistematização de argumentos
verificados em selecionados estudos científicos e obras pertinentes ao tema.
9. MEDIAÇÃO PENAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA: UMA POLÍTICA PÚBLICA
ADEQUADA PARA O DESENCARCERAMENTO EM MASSA
Autora: Glicéria Martins Cleter
Coautora: Michele Cristie Pereira
Resumo:
O presente trabalho tem por escopo, apresentar o Instituto da Mediação Penal e
78
da Justiça Restaurativa e demonstrar a importância destes, frente a um
aculturamento do sistema punitivista (Sistema Retributivo) do Estado, de que a
pena é a melhor forma de punir o ofensor e de prevenir a violência. Para tanto se
buscou realizar uma reflexão sobre a origem da pena, o delito, e o cárcere, e o
que isso ao longo dos anos contribuiu para o aumento da violência e para o
encarceramento em massa. O grande número de presos no Brasil tem
aumentado a cada ano, e a construção de presídios não tem sido satisfatória
frente a esse aumento exarcebado de pessoas em cárcere, e a violência e a
insegurança jurídica têm causado medo à população. Dessa forma, o presente
texto procura mostrar a origem do Processo Penal brasileiro, e sua função dentro
da atual Carta Magna (Constituição de 1988), fundada em um Estado
Democrático de Direito; e assim esclarece sobre as múltiplas possibilidades de
sua aplicação dentro da Teoria dos Jogos e da Mediação, para promover uma
interatividade na busca das soluções do conflito-crime por meio da cooperação,
e do diálogo entre os envolvidos. Buscou-se demonstrar os projetos que já estão
sendo desenvolvidos dentro do Poder Judiciário no Brasil com a adoção da
Mediação Penal e da Justiça Restaurativa, com a participação dos cidadãos, e de
vários órgãos do Poder Público; e também incentivar a criação de programas
colaborativos (vítima x ofensor x comunidade) que oportunizem aos ofensores
repararem o dano causado às vítimas e à sociedade, por meio do trabalho digno
e qualificador. Buscou-se ainda, clarificar que a Mediação Penal ao ser utilizada
pelo Sistema Jurídico Brasileiro, como instrumento da Justiça Restaurativa é
plenamente eficaz para fomentar o arrependimento do preso, possibilitar a res
(socialização), e contribuir para sua transformação de valores, criando mais
chances do mesmo, não voltar a delinqüir ao sair do encarceramento e retornar
ao convívio social. Por fim, buscou-se demonstrar que a Mediação Penal como
uma nova Política Pública é uma alternativa adequada para desafogar os
79
presídios brasileiros (para o desencarceramento em massa), e adotada
conjuntamente com a Justiça Restaurativa (Sistema Restaurativo) é um caminho
para a res (socialização) do preso, para a transformação dos conflitos e
pacificação social.
10. ATÉ QUE PONTO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE “VALE A PENA” O MITO DO
(DES)CONTROLE SOCIAL POR MEIO DA PUNIÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Autor: Jardel Sabino de Deus
Coautor: Thiago Fabres de Carvalho
Resumo:
Não é dos dias atuais que a punição por meio do encarceramento vem sendo
utilizada como mecanismo de controle das massas sociais. A história das relações
sociais nos demonstra que o homem é um ser competitivo por sua própria
natureza. Não raras as oportunidades esse mesmo homem, enquanto um ser
social, reclama a necessidade de docilização de seus corpos por parte daqueles
sujeitos detentores do poder.
Para tanto, não somente os homens que detinham o poder figuravam como
atores principais dotados do papel disciplinador, mas sobretudo valiam-se das
mais diversas instituições com a finalidade de atingir seu objetivo de
“adestramento” social dos indivíduos e das massas, passando, assim as igrejas, as
escolas, os quarteis, os ambientes fabris e os manicômios a protagonizarem este
papel.
Com o advento da consolidação das formas de produção do capitalismo e com o
consequente aprofundamento das desigualdades sociais trazidas a reboque, os
sistemas penais emergem como novo instrumento, com a promessa de controle
80
social sobre àqueles sujeitos alijados naturalmente do processo de concentração
do capital.
O sistema penal, com a incumbência institucional histórica de produção das
normas penais vigentes, parte de práticas notadamente punitivas
compreendidas como manifestações da disciplina, do castigo e da expiação do
mal causado, tendo como pressuposto a retenção dos indesejáveis, por vezes
chamados de inimigos, a pretexto de promoção do (des)controle social.
Nesse contexto, propõe-se analisar o papel do (direito)sistema penal como
ferramenta de controle social, o que, já se adianta, partirmos de uma hipótese
negativa, daqueles considerados não desejáveis para o convívio social. Para
tanto, desenvolver-se-á uma análise das possíveis origens da disciplina na
sociedade, bem como do desenvolvimento de suas abordagens mais atuais de
controle e dominação, partindo de uma das molas propulsoras do poder punitivo
na atualidade, a tão difundida pena privativa de liberdade, compreendida à luz
da seletividade econômico racial brasileira no processo de criminalização por
parte das classes dominantes sobre as comunidades consideradas
marginalizadas.
O referencial teórico deste estudo consiste numa abordagem interdisciplinar à
luz da sociologia jurídica e da criminologia crítica, vez que, para além do aspecto
criminológico pretende-se formular a análise dos amplos e latentes problemas
apresentados sob o viés sociológico do histórico problema da segregação racial e
alijante da pobreza, experimentados na atual sociedade capitalista.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratória realizada por meio de
uma abordagem teórica que visa compreender o fenômeno em tela, utilizando-
se, também, a necessária revisão bibliográfica de obras de autores que se voltam
ao estudo da questão, tais como: Antoine Garapon e Frédéric Gros (2002),
Massimo Pavarini (1983), Michel Foucault (1987), Loïc Wacquant (2001; 2003;
81
2008), Eugênio Zaffaroni (2003; 2011) e Thiago Fabres de Carvalho (2014) que
fornecerão os subsídios necessários à compreensão do problema da segregação
punitiva e racial por meio da utilização da pena privativa de liberdade.
11. CRIMINOLOGIA CRÍTICA, FEMINISMOS SUBALTERNOS E O CONTROLE SOCIAL
DAS MULHERES NEGRAS
Autora: Jéssica Santiago Cury
Coautor: Paulo César Corrêa Borges
Resumo:
O presente trabalho tem como escopo principal propor releituras da criminologia
crítica, abarcando seus principais conceitos e discursos, bem como analisando a
construção da perspectiva de gênero dentro dessa ciência. Posteriormente,
procura introduzir um diálogo entre as práticas e representações da criminologia
com os feminismos subalternos. Tem-se por Feminismo Subalterno o termo
usado para identificar e caracterizar o feminismo terceiro-mundista ou pós–
colonial, o qual propõe uma crítica a colonialidade de gênero. Sua subalternação
remete ao processo paradoxal que constitui na construção do feminismo dos
outros só é possível quando eles se subalternizam em relação ao próprio
feminismo moderno (BALLESTRIN, 2017). Assim, por meio dessa intersecção,
procura abrir espaço para construção dentro do âmbito criminológico discursos
que abrangem as questões de gênero, raça e classe, saindo da esfera genérica e
homogênea, nos quais submetem os discursos da criminologia crítica quanto a
criminalidade feminina. Para isso, buscará incialmente estudar o surgimento da
Criminologia Crítica, quais são os seus fundamentos e como foi realizada a sua
construção, expondo seus principais conceitos. Em um segundo momento, será
analisado como foi realizada a elaboração das questões de gênero dentro do
82
âmbito dessa ciência. A partir disso, foi verificado como a criminologia crítica se
posiciona quanto à essa questão de forma universal e genérica, deixando lacunas
quando se atrela essa perspectiva com as de raça e classe. Assim, em um terceiro
momento, como forma de suprir omissões, será estudado os feminismos
subalternos (terceiro mundista ou decolonais) como meio de se pensar novas
formas de tratar gênero e raça dentro da criminologia. A justificativa do objetivo
central dessa pesquisa, baseia-se pelo fato que hoje, conforme o DEPEN
(Departamento Penitenciário Nacional), o perfil das mulheres presas no Brasil, é
composto por 62% de mulheres negras. Diante desse quadro, se fez cada vez
mais urgente um debate crítico quanto a criminalização das mulheres e suas
particularidades, principalmente no que concerne à questão da raça, pois os
corpos negros, em especial, das mulheres, sempre foram criminalizados de forma
sistemática pelas agências informais e formais de controle social. Ademais, é
necessário que, a criminologia crítica assuma o racismo como categoria
substantiva na estruturação do sistema penal, como pressuposto de
intelegibilidade do aparato de controle (FLAUZINA, 2006), e por isso que os
corpos das mulheres negras sofrem de forma mais intensa a criminalização. E,
por entender que, a criminologia é uma ciência munida com um instrumental
teórico capaz de compreender as mazelas da atuação do sistema penal, que este
trabalho propõe um diálogo entre ela e os feminismos subalternos, como forma
de compreender a complexa relação entre raça, gênero e criminalidade. A
realização dessa pesquisa se dará por meio de um recorte bibliográfico e literário
de obras que abarcam essa temática. Para a construção do campo documental,
foram necessárias leituras de criminólogos como Alessandro Baratta, Vera Regina
de Andrade, Eugenio Zaffaroni e de feministas como Maria Lugones, Luciana
Ballestrin e Rita Segato, entre outros.
83
12. A ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NO SISTEMA CARCERÁRIO
BRASILEIRO
Autora: Jordana Maria Ferreira de Lima
Coautora: Adriene Domingues Costa
Resumo:
Neste escrito, coloca-se em perspectiva o trabalho do Conselho Nacional de
Justiça nos temas: execução penal e sistema penitenciário brasileiros. A atuação
do CNJ tem início em 2006 com a edição da Resolução nº 19/2006 e passa a se
intensificar com a criação, pela Lei n. 12.106 de 2 de dezembro de 2009, do
Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do
Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), inserido na estrutura
do Conselho. De lá para cá, perceptível que as políticas implementadas tiveram
aptidão para abarcar as duas pontas que importam no sistema carcerário:
entrada e saída de pessoas, chegando mesmo a prever ações para a reinserção
do egresso no mercado de trabalho. Será demonstrado que, em razão da
mudança bienal de gestão no Conselho, as políticas judiciárias sofrem
considerável descontinuidade, tendo em conta que cada presidente possui sua
própria agenda, por vezes, ignorando todo o recurso financeiro e humano
empenhado em determinado programa. Este estudo analisa as medidas
propostas pelo Conselho na seara executiva penal, no intento de identificar
resultados, em especial, aqueles que advieram dos mutirões carcerários e
audiências de custódia, traçando um panorama da atuação do CNJ no que diz
respeito a políticas judiciárias do cárcere e os câmbios de gestão no Conselho.
84
13. PRISÕES PROVISÓRIAS NO ESTADO DO PIAUÍ: LITIGÂNCIA ESTRATÉGICA E
ENFRENTAMENTO À CULTURA PUNITIVA
Autor: Lucas Araujo Alves Pereira
Coautora: Savina Priscila Rodrigues Pessoa
Resumo:
Apontamentos Centrais - O presente trabalho parte de uma constatação feita a
partir da análise dos números do sistema carcerário, pois acordo com os dados
mais recentes, o Piauí aparece em segundo lugar na relação dos Estados com o
maior percentual de presos provisórios (63,28%), atrás apenas do estado do
Amazonas (65,77%). Dessa forma, o contexto de produção deste trabalho é
construído mediante a execução de um projeto de litigância estratégica que se
desafia a enfrentar o problema posto, protagonizado pela Associação de
Assessoria Técnica em Direitos Humanos – Coletivo Antônia Flor (PI). Assim, a
atuação têm se orientado por dois eixos centrais de enfrentamento ao problema,
o primeiro de tensionamento acerca do funcionamento das instituições do
Estado, especialmente o poder judiciário, quanto à manutenção e
aprofundamento das prisões provisórias, o segundo a partir do enfrentamento à
cultura punitiva que alimenta a atuação dos juristas e a formação dos estudantes
de Direito.
Problema: Diante do exposto, o presente trabalho pretende responder, a partir
dos diagnósticos já realizados no contexto de execução do projeto, quais
elementos contribuem o Estado do Piauí ser o segundo do país em quantidade
de presos provisórios?
Questões Teóricas Envolvidas e Aspectos Metodológicos: A discussão aqui
empreendida se deu como revisão de literatura para discutir estatísticas oficiais
sobre encarceramento em massa fornecidas pelo Grupo de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário do Piauí (GMF) e outros órgãos da
85
administração penitenciária. A discussão aqui empreendida se deu como revisão
de literatura para discutir estatísticas oficiais sobre encarceramento em massa. A
base teórica do projeto conta com referenciais da criminologia crítica e
constitucionalismo que fundamenta o pressuposto de estrutura simbólica da
realidade que viola garantias constitucionais com base em Zaffaroni (1988),
Bourdieu (1989), Foucault (1987), Baratta (1982), Rosenfeld (2003) e Habermas
(1997), seguindo o itinerário analítico teórico de fazer o diagnóstico com a
perspectiva da criminologia crítica e discutir saídas com a teoria constitucional.
Foucault (1987) identifica que o sujeito no mundo do trabalho do pós revolução
industrial é manipulável e manipulado pela sociedade disciplinar. O autor
percebe o fato em dois registros distintos; um corpo dócil e útil, com uma espécie
de teoria geral do adestramento que tem seu centro na ideia de docilidade do
corpo que une os aspectos de corpo analisável e manipulável por meio da
disciplina.
Principais Conclusões: O elevado número de presos provisórios no Estado do
Piauí é produzido a partir da atuação das agencias penais sob uma seletividade
classista, racial e de gênero consubstanciados na implementação de políticas,
institutos e ferramentas penais precarizados e que não representam os fins para
os quais foram criados inicialmente. Assim, são completamente legitimados ou
deslocados pela atuação dos juristas imbuídos de uma cultura punitiva subjetiva,
atravessada essencialmente pelo preconceito de classe e pelo racismo.
86
14. OS LIMITES DA PENALIDADE NEOLIBERAL: ENCARCERAMENTO EM MASSA E
INCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL
Autor: Luiz Phelipe Dal Santo
Resumo:
Com base na teoria de Loïc Wacquant (2003), o neoliberalismo tem sido a
principal categoria explicativa relacionada à expansão do sistema penal e ao
endurecimento das penas, notados a partir dos anos 1970, nos Estados Unidos,
e da década seguinte, em diversos países na Europa. Embora inicialmente
formulada para lidar com as transformações no sistema de justiça criminal
estadunidense, a “penalidade neoliberal” é frequentemente incorporada ao
discurso de criminólogos brasileiros (Flauzina, 2006; Batista; Abramovay, 2010;
Batista, 2012a; 2012b; Carvalho, 2013) – e não só deles (Wacquant, 2003b;
Iturralde, 2010; Müller, 2012) – na tentativa de compreender o encarceramento
em massa no Brasil – e na América do Sul, de modo geral. No entanto, as
transformações político-econômicas e sociais verificadas em um considerável
período do século XXI no país sul-americano são aparentemente ignoradas na
literatura criminológica nacional contemporânea. Em um contexto global, alguns
autores já questionam a pertinência da teoria em questão (Matthews, 2005;
Tonry, 2007; Nelken, 2009; Cheliotis; Xenakis, 2010; Downes, 2011; O’Malley,
2015; Sozzo, 2017; Dal Santo, 2018). Não por outra razão, por meio de (i) revisão
bibliográfica sobre a teoria da penalidade neoliberal, bem como sobre a ascensão
e a eventual superação do modelo neoliberal no Brasil (Antunes, 2005; 2006;
Martins, 2011; Pochmann, 2012; Sader, 2013), e de (ii) análise da variação de
indicadores socioeconômicos – como o IDH, o Índice de GINI e a taxa de
desemprego – e do investimento público em distintos setores, o presente artigo
identifica limitações para a “importação” da teoria da penalidade neoliberal
87
enquanto teoria capaz de explicar integralmente a contínua expansão do sistema
penal brasileiro, mesmo em tempos de inclusão social.
15. REMIÇÃO PELA LEITURA: EXPERIÊNCIAS E ATIVIDADES DE PESQUISA DE
EXTENSÃO DESENVOLVIDAS NO PRESÍDIO FEMININO SANTA LUZIA
Autor: Hugo Leonardo Rodrigues Santos
Coautora: Mayara Stéffany da Silva Araújo
Resumo:
A referente pesquisa resulta de Projeto de Extensão universitário que iniciou no
ano de 2017 e continua sendo desenvolvido este ano, tendo como objetivo
principal analisar e auxiliar o desenvolvimento do Projeto Lêberdade no Presídio
Feminino Santa Luzia, localizado em Maceió/AL, sendo este um projeto da
Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social, que proporciona a
remição da pena de mulheres condenadas por meio da leitura. Devido ao
aumento vertiginoso do encarceramento feminino nos últimos anos, totalizando
396 mulheres encarceradas em Alagoas, conforme dados fornecidos pelo
relatório do INFOPEN, faz-se necessário a implantação de programas e medidas
que visem reduzir a reincidência destas mulheres na prática das condutas ilícitas,
com o intuito de alcançar a ressocialização e a reintegração social, bem como
programas que atentem para as peculiaridades de gênero, tendo em vista que,
segundo entendimento de Elaine Pimentel e Hugo Leonardo (2016), as mulheres
encarceradas são as mais excluídas entre os excluídos do conjunto mais amplo
de presos brasileiros. Sendo assim, mostra-se a necessidade de revisão da
adequação e da finalidade da pena privativa de liberdade, sob a ótica de uma
gestão de políticas prisionais mais eficientes no âmbito feminino. Considerando
a crítica foucaultiana acerca da incompetência do sistema prisional em cumprir
88
sua função ressocializadora, o referido projeto de pesquisa tem como objetivo
primário estimular à leitura dentro do estabelecimento prisional, afim de obter
resultados positivos que transpassem os efeitos da remição, contribuindo
diretamente com uma das finalidades da pena: à ressocialização. O objetivo
secundário consiste na análise da resolução 44 do Conselho Nacional de Justiça,
que implantou a remição por meio da leitura, bem como verificar como ocorreu
a implantação do Projeto Lêberdade em Alagoas e as referidas regras locais
relativas a implementação, bem como averiguar os efeitos práticos que o
Lêberdade produz no campo do sistema prisional. Deste modo, iniciativas de
pesquisa sobre encarceramento com ênfase na perspectiva de gênero desperta
nas reeducandas o interesse em repensar sobre a sua condição de mulher, de
reeducanda e de pessoas que sonham com um futuro oportuno e positivo fora
do sistema prisional. De forma contínua e satisfatória, os pesquisadores
comparecem ao Presídio Santa Luzia para desenvolver oficinas de qualificação e
incentivo à leitura e produção textual, sendo estes momentos de muito
aprendizado, por possibilitar uma troca mútua de saberes entre os pesquisadores
e as reeducandas, proporcionando, assim, uma avaliação positiva desta pesquisa
por diferentes perspectivas. Para alcançar os objetivos, utiliza-se o método de
pesquisa empírico e etnográfico, de rumos adaptáveis, em que se faz uso de
observação participante e interações entre os pesquisadores e a população
pesquisada, bem como os referenciais teóricos que consistem em obras de
Criminologia, Processo Penal e Política Criminal vinculadas a encarceramento e
ressocialização. De tal forma, frente aos resultados já obtidos, compreende-se
que a real efetividade da função ressocializadora da pena é mais eficiente quando
há medidas socioeducativas e programas que permitam o contato entre as
reeducandas e o mundo exterior.
89
16. O ENCARCERAMENTO EM MASSA NO BRASIL SOB UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS
DE PUNIÇÃO NA ORDEM NEOLIBERAL
Autora: Kamila Moriyama Nascimento
Coautor: Humberto Barrionuevo Fabretti
Resumo:
De acordo com Garland (2008), a partir da década de 1970, desenvolveu-se nas
sociedades contemporâneas uma nova forma de entender e agir em relação ao
crime e a punição. Nesse sentido, as profundas transformações que ocorreram
no campo do controle do crime foram resultado de processos sociais, políticos,
econômicos e culturais, bem como de rearranjos estruturais e institucionais, os
quais tiveram como fatores principais a nova organização social na pós-
modernidade e a nova ordem econômica – marcada pelo neoconservadorismo e
neoliberalismo. Tais tendências foram identificadas principalmente nos Estados
Unidos e na Grã-Bretanha, entretanto, é possível considerar que também
estiveram presentes em outros países ocidentais, como o Brasil.
No entanto, as mudanças nas concepções e práticas de controle do crime e de
punição a partir da ordem neoliberal geraram políticas de segurança, repressão
e exclusão social de grupos sociais específicos por meio do encarceramento em
massa. Diante do acelerado crescimento da população carcerária brasileira desde
o final do século XX, perdurando ainda esse quadro calamitoso até os dias atuais,
o presente trabalho tem por objetivo analisar o processo de encarceramento em
massa no Brasil a partir da concepção neoliberal das políticas de punição
adotadas pelos Estados Unidos. Portanto, mostra-se pertinente tal abordagem
do fenômeno encarceramento em massa para o Grupo de Trabalho Pena, prisão
e encarceramento.
Nesse sentido, verifica as transformações no debate entre crime e punição,
principalmente quanto às concepções do neoliberalismo e do controle social do
90
crime na pós-modernidade, bem como analisa o programa policial “tolerância
zero” da cidade de Nova Iorque. Ademais, tenta compreender a influência das
políticas de punição norte-americana no Brasil, como também analisa a Lei de
Crimes Hediondos e a Lei de Drogas. Por meio da análise do perfil do Sistema
Penitenciário Brasileiro e da sua população encarcerada, foi possível constatar a
seletividade penal através do encarceramento em massa dos jovens brasileiros
negros e pobres, como uma forma de excluí-los da sociedade. Dessa forma,
depreende-se que o fenômeno do encarceramento em massa no Brasil só
intensificou a desigualdade social e os problemas sociais do país, mostrando ser
um meio de eliminar as pessoas consideradas indesejáveis.
Por fim, a presente pesquisa será realizada por meio de revisão de literatura com
análises de autores internacionais e nacionais, como Garland (2008), Wacquant
(2001), Belli (2000) e Shecaira (2009), que contribuíram para a compreensão do
presente objeto de estudo, bem como de análise legislativa em relação à Lei de
Crimes Hediondos e à Lei de Drogas. Ademais, contará com análises quantitativas
acerca do perfil do Sistema Penitenciário Brasileiro e das pessoas presas no Brasil.
17. O GRANDE ENCARCERAMENTO EM ALAGOAS E AS VIDAS MATÁVEIS NO
SISTEMA CARCERÁRIO ENTRE 2006 E 2017
Autor: Manoel Alves da Silva Junior
Coautor: Gabriel Villela Barletta
Coautor: Roberto Barbosa de Moura
Resumo:
O presente trabalho visa analisar, a partir da realidade alagoana, o fenômeno do
encarceramento em massa (GARLAND, 2008) sob a ótica de como isso reverbera
nas mortes das presas e presos dentro do sistema penitenciário, bem como quais
91
são os micropoderes que atravessam esta relação mortífera, de tal sorte que
parte, em um primeiro plano, de pesquisa documental extraída do setor de
Estatística da Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social - SERIS, pesquisa
qualitativa de análise dos processos judiciais que envolvem os mortos no sistema
penitenciário e por fim análise do perfil de quem está morrendo nos cárceres
através dos prontuários. Assim, constata-se que a Evolução Carcerária de 2011 -
2018 sob o regime fechado, provisórios, internados e condenados, em janeiro de
2011 (SERIS, 2017-A) era de 2.090 (dois mil e noventa) presas e presos, já em
março de 2018 (SERIS, 2018) a cifra totaliza 4.603 (quatro mil, seiscentos e três
presos e presas, totalizando um crescimento de 120% em 7 (sete) anos em que,
deste montante, 3.072 encarcerados estão sob regime provisório, ou seja, não
há execução de pena para 66,7% dos custodiados nos presídios alagoanos, bem
como perpassa por um excedente de 880 encarcerados, no qual totaliza 23,6%
acima da capacidade do sistema penitenciário. Ao mesmo tempo, a pesquisa
documental da mesma fonte relata que entre 2006 e 2017 (SERIS, 2017)
houveram 185 mortes no sistema prisional alagoano, sendo 84 mortes naturais
e 101 mortes violentas. Fundamentalmente, faz-se o recorte de três institutos
que circunscrevem este quadro: 1) o fenômeno do grande encarceramento em
Alagoas; 2) a relação dos agentes penitenciários com os presos, a quantidade de
agentes para cada preso e a forma de controle que a baixa quantidade de agentes
impacta dentro do sistema; 3) os inquéritos das mortes no sistema prisional,
relatando suas causas. Neste sentido, o interesse desta pesquisa é sobrepor estas
categorias para buscar entender, a partir do fenômeno do superencarceramento,
de que forma os sujeitos morrem no sistema prisional. Por fim, através de uma
leitura criminológica crítica marginal (ZAFFARONI, 1991), utilizando o aparato
conceitual de Achille Mbembe (2011), a Necropolítica, este trabalho é uma
tentativa de demonstrar que estas relações estão circunscritas a um poder de
92
morte (FOUCAULT, 2010) através de morte real e cultural, incidindo sobre um
território que gera desvalorização do espaço e das vidas, tornando certos grupos
e indivíduos autorizados a matarem determinado grupo.
18. O SISTEMA PRISIONAL ENQUANTO PROBLEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA:
ANÁLISE DA SITUAÇÃO DO ESTADO DO RS
Autora: Mariana Py Muniz Cappelari
Resumo:
O Estado do RS sofreu com um aumento significativo da população carcerária nos
últimos três anos. Nesse sentido, diante o déficit de vagas que já apresentava,
tornou-se frequente a detenção de presos e de presas em carceragens de
Delegacias de Polícia, o que tinha se erradicado há muito; em viaturas; ônibus
cela; corrimãos e até em uma lixeira. Por outro lado, a Cadeia Pública de Porto
Alegre, antigo Presídio Central de Porto Alegre, sofre com uma interdição que
data de 1995 e uma medida cautelar deferida pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, desde dezembro de 2013, a qual reconhece uma série de
violações de Direitos Humanos e exige, entre outras medidas, a redução drástica
de uma população carcerária que só tende a crescer e se avolumar, quanto mais
quando se verifica o aporte de verba pública para a construção de um Centro de
Triagem e de uma Penitenciária no interior do mesmo terreno que já abarca a
Cadeia Pública, a qual já opera muito acima da sua capacidade, com uma
população que gira em torno de mais de 5.000 presos em detrimento de menos
de 2.000 vagas, e, já considerada o pior presídio do país, por CPI do Sistema
Prisional da Câmara Federal em 2009. Nesse contexto, o trabalho objetiva
analisar a atual e real situação carcerária do Estado do RS, por meio da Cadeia
Pública de Porto Alegre, pois entendemos servir de raio-x do sistema como um
93
todo, a fim de identificar a política de gestão prisional empreendida pelo Governo
Estadual e a vinculação dessas com discursos populistas e punitivistas, os quais
reforçam o encarceramento enquanto única possibilidade de contenção da
criminalidade, mas que, ao não apresentar condições minimamente dignas de
execução penal, violam os direitos mais comezinhos, inclusive de terceiros, como
dos familiares, e retroalimentam a economia do crime, dando vazão, assim, a
continuidade do círculo de violência, o que afeta sobremaneira a segurança
pública. Para tanto, se fará o cotejo entre dados extraídos de documentos, que
remontam a descrição da realidade atual do sistema carcerário gaúcho, os quais
serão analisados e relacionados à doutrina vigente, a qual trabalha com o
encarceramento, a gestão prisional e segurança pública. Pretendemos, assim,
demonstrar que a centralidade da pena de prisão ainda permanece enquanto
discurso potente a amparar políticas criminais populistas e punitivas; e, assim,
também caminham ao lado das sempre existentes violações de Direitos Humanos
no contexto prisional brasileiro e gaúcho, as quais fortalecem a economia do
crime, diante o comando exercido pelas facções no interior do sistema prisional,
apresentando-se um grave quadro em termos de segurança pública, o qual
exigiria o direcionamento de uma gestão prisional a qual atentasse para políticas
de desencarceramento e de alternativas penais; de definição de diretrizes
mínimas de gestão e de priorização de políticas ao egresso do sistema prisional.
O colapso é sempre premente no âmbito prisional, mas a realidade do contexto
gaúcho não nos fornece perspectivas otimistas, restando ao pesquisador e a
pesquisadora questionar como forma de tencionar mudanças estruturais que
possam intervir minimamente em termos de redução de danos.
94
19. O ENCARCERAMENTO PELO ENCARCERAMENTO: RESPOSTAS SOCIAIS
Autor: Paulo José Angelo Andrade
Coautora: Michelle Martins Papini Mota
Resumo:
As temáticas acerca da pena, da prisão e do encarceramento são diversas e se
encontram em evidência no contexto da sociedade, do universo acadêmico e
jurídico. Em um mundo culturalmente globalizado a doutrina jurídica e as
relações sociais contribuem para a padronização de estereótipos influenciados
por interesses econômicos que determinam padrões e condutas sociais.
As ideias e padrões contribuem para os paradigmas da concentração de poder
político, social e econômico de determinados grupos sociais, nesta perspectiva o
presente analisa as reconfigurações do sistema prisional, sob a ótica da pena e
encarceramento, após a intervenção policial na Casa de Detenção do Carandiru,
na cidade de São Paulo em outubro de 1992. Até o início de 2017, o qual foi
marcado por trágicas rebeliões, e conflitos entre forças policias e facções
criminosas dentro e fora do Cárcere. Elenca elementos fáticos, doutrinários e da
legislação protetiva e emendas à Constituição Federal brasileira de 1988, com
vistas a verificar a extensão das medidas tomadas pelo Estado na proteção e
garantia dos direitos dos detentos e da sociedade, em um ciclo que se
retroalimenta transformando os autores, detentos e sociedade, em vítimas de
violência.
Busca-se analisar a preservação de garantias individuais, com destaque, dos
ensinamentos de Jean-Jacques Rousseau e, no âmbito do Direito, para a obra de
Cesare Beccaria e de Michel Focault. A pesquisa objetivou verificar o entrelace
entre a pena, prisão, encarceramento, encarcerado e a concentração de poder
econômico, a exclusão de segmentos sociais em tratamento não igualitário,
negando o Estado Direitos Fundamentais que não se efetivam como direito
95
universal. Partindo deste ponto, passa-se a analisar fundamentos e a finalidade
da pena privativa de liberdade, sob uma ótica garantista, propostas de sua
readequação. Neste contexto, a sociedade assimila a tolerância à violência e
repressão, os submetidos às penas se insurgem e outros usufruem das benesses
econômicas do processo massivo de encarceramento, por fim, reafirmam a
relação de poder econômico, da sociedade e políticas de governo no campo
prisional. Sendo grande desafio da pós-modernidade o de romper o paradigma
do encarceramento pelo encarceramento. Por fim, visa o presente trabalho
reflexionar acerca do direito e da sociedade na contemporaneidade no contexto
da pena e do encarceramento. Como procedimento metodológico utiliza-se do
bibliográfico-investigativo.
20. 30 ANOS DE MODIFICAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - PENA,
PRISÃO E ENCARCERAMENTO
Autor: Rogerio Barros Sganzerla
Resumo:
De que forma o Poder Legislativo pretendeu modificar a Constituição de 1988
sobre as penas de prisão? Esta pergunta se justifica na importância de entender
que tipo de propostas estão sendo feitas com o fim de modificar as regulações
sobre penas de prisão. Durante os 30 anos de vigência da Constituição, o Brasil
se tornou o país com 3ª maior população carcerária do mundo. Além das políticas
públicas elaboradas pelo Poder Executivo no intuito de conter a crescente crise
nas prisões e de encarceramento em massa, é necessário entender que de forma
o Poder Legislativo vem propondo alternativas para esse problema,
especialmente na Constituição. Nesse sentido, este aprofunda uma pesquisa
realizada pela FGV Direito Rio, através do projeto Congresso em Números, que
96
investigou 3.460 Propostas de Emenda à Constituição (PEC) apresentadas entre
05/10/1988 e 31/12/2017, em razão do tipo de modificação pretendida no
ordenamento jurídico (criação, alteração ou revogação), em cada artigo, inciso,
parágrafo ou alínea da Constituição Federal de 1988. Até o momento, foram
analisadas 1.000 PECs, sendo 11 delas pretendendo modificar os incisos XLV a
LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. O planilhamento total estará
concluído até 31/05/2018. Até o dia 29/06/2018 (data de envio do resumo
expandido) e 29/08/2018 (II CPCRIM), todas as análises quantitativas estarão
finalizadas em virtude do prazo interno do projeto Congresso em Números para
divulgação do Relatório da Pesquisa “30 anos de Modificações na Constituição
Federal de 1988”, previsto para junho de 2018. Neste artigo, a pretensão é
entender aprofundar este relatório e analisar qualitativamente as intenções de
modificação (ampliação ou restrição de direitos), as justificativas, bem como
diversas outras informações disponíveis sobre a discussão envolvendo a prisão e
a pena, especialmente as previstas entre os incisos XLV e LXXVIII do artigo 5º da
Constituição Federal de 1988. O objetivo, ao final desta análise, é identificar os
artigos que são objetos de mais tentativas de modificação, assim como entender
os impactos pretendidos pelas Propostas de Emenda à Constituição no
ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, a análise conterá ainda
questionamentos sobre os fundamentos e finalidades destas modificações
acerca do problema central: a crise prisional e o encarceramento em massa no
Brasil.
97
21. A INEFICÁCIA DO ENCARCERAMENTO FRENTE AO ESTADO ANÔMICO DE
MERTON E O ENFRAQUECIMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Autor: Victor Corrêa de Oliveira Filho
Resumo:
O presente trabalho busca desenvolver o estudo das teorias do encarceramento,
bem como provar através de minucioso estudo da teoria da anomia que núcleos
alternativos da sociedade vêm se apresentando mais fortes do que o próprio
estado democrático de direito, fazendo assim com que a aplicação de medidas
de ressocialização no sistema carcerário não ocasione efeito algum. O Brasil
adota a teoria unificadora ou mista quanto às funções da pena, dando destaque
para a função preventiva especial positiva e preventiva geral. No entanto,
percebe-se que os anseios sociais voltam-se mais intensos às funções retributivas
e à prevenção Especial, como forma de neutralização do delinquente.
Atualmente, busca-se de forma incansável dentre os estudiosos do Direito Penal
encontrar uma solução para dar eficácia à ressocialização do delinquente.
Contudo, não se tem encontrado alternativas plausíveis, dentre alguns motivos,
o enfraquecimento do estado democrático de Direito e o consequente
fortalecimento de núcleos anômicos espalhados por toda a sociedade. Segundo
Merton, Anomia consiste no desequilíbrio entre dois fatores da sociedade, a
crença nos objetivos culturais e o acesso aos meios institucionalizados. Este
desequilíbrio faz nascer o delinquente designado como inovação, consistindo no
individuo que acredita nos objetivos culturais, porém, não nos meios
institucionalizados, fazendo assim com que este busque a delinquência como
meio para atingir os objetivos culturais. Este trabalho, vem provar que o
problema da ressocialização está voltado para o enfraquecimento do estado
democrático de direito, que dá espaço ao crime organizado, inclusive a ponto de
comandar o próprio sistema penitenciário. Ademais, deixa de lado a idéia de que
98
a ressocialização é ineficaz pelo modelo de pena adotado no Brasil. Utiliza-se do
método dedutivo e é desenvolvido por meio da leitura, análise e registros em
doutrinas, artigos e revistas publicadas, para compreender e analisar as questões
doutrinarias inerentes às funções das penas e das teorias da anomia, e a
conseqüente relação com a ineficácia do encarceramento, desenvolvendo,
portanto, o tipo de pesquisa exploratória.
Pela técnica da pesquisa bibliográfico-documental, é possível realizar a
interpretação do referido instituto penal, com o auxílio de teorias e opiniões de
juristas sobre o assunto, para ao final concluir se a problemática do
encarceramento esta ligada diretamente ao sistema adotado pela política
penitenciaria brasileira ou se é uma questão inerente ao enfraquecimento do
estado democrático de direito em contraste com o fortalecimento de núcleos
anomicos na sociedade.
99
GRUPO DE TRABALHO 6:
DESAFIOS DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Ementa: Trabalhos que versem sobre a reforma do Código de Processo Penal,
formas consensuais de solução do conflito penal, investigação defensiva, meios
extraordinários de investigação, criminalidade organizada e processo penal,
cooperação internacional em matéria penal, interessam a este Grupo de
Trabalho, seja em estudos sobre os institutos do direito nacional, seja em estudos
comparados.
Coordenador Prof. Dr. Antônio Pedro Melchior
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UFRJ); Membro da Associação Latino Americana de Direito Penal e Criminologia
(ALPEC) - Seção Brasileira; Membro da Associação Internacional de Direito Penal
(AIDP- Brasil); Membro da Associação Brasileira de Direito Processual Penal
(ABDPro); Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós
Graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Membro fundador do
Fórum Permanente de Direito e Psicanálise da Escola da Magistratura do Estado
do Rio de Janeiro; Membro da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB/RJ). Lattes: http://lattes.cnpq.br/6865616601789018
Coordenadora Ms. Flávia Rahal
Advogada, Mestre em Processo Penal pela Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, Professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São
Paulo, Diretora do Innocence Project Brasil e Vice-Presidente do Conselho do
IDDD. Linkedin: https://www.linkedin.com/in/flaviarahal
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Trabalhos:
1. LEGITIMIDADE NEGOCIAL NO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA: LIMITES
DE ATUAÇÃO DO MAGISTRADO, MEMBROS DO MP E TERCEIROS INTERESSADOS
Autor: Alfredo Falcao Junior
Coautora: Amanda Vitória de Araújo Oliveira
Resumo:
Objetivos de pesquisa.
O modelo de colaboração premiada brasileiro é um modelo próprio ou se
aproxima do modelo consensual norte-americano? Quais as vantagens de cada
um? Quais seriam os elementos de validade necessários para um acordo, de fato,
ser um incentivo legal para o investigado colaborar? O modelo legal brasileiro
atenderia esse padrão de validade mínimo a título de incentivo?
Questões teóricas.
A despeito dos poucos estudos sociológicos nacionais sobre quais tipos de crimes
estão ligados à necessidade da técnica de colaboração, é possível dizer que, de
um modo geral, a técnica é útil para elucidar crimes cometidos por pessoas com
significativo poder econômico e que é necessária uma mínima autonomia
gerencial para que o MP ofereça propostas atrativas para o colaborador. Daí
serem importantes estudos da criminologia e da processualística a respeito dos
desafios modernos do processo penal.
Metodologia.
É imprescindível revisar a doutrina especializada sobre o tema, seja a nacional ou
estrangeira. Ainda sim, a análise de jurisprudência é fundamental, para
demonstrar as divergências a respeito do papel do judiciário para rever os
acordos de colaboração. No caso da jurisprudência nacional, a reflexão será
101
centrada no Supremo Tribunal Federal (STF); na jurisprudência estrangeira, serão
analisadas decisões que a doutrina do respectivo país toma como paradigma.
Apontamentos centrais e principais conclusões.
A aplicação da Colaboração Premiada, segundo as prescrições do art. 4º da Lei nº
12.850/2013, tem causado dúvidas a respeito dos poderes de homologação
judicial do acordo. A insegurança jurídica se relaciona aos limites do que pode ser
negociado entre Ministério Público (MP) e colaborador e, de outro lado, qual o
poder de revisão que o judiciário detém no exame de homologação do negócio.
Uma postura centralista por parte da Justiça pode resultar no desinteresse em
colaborar, uma vez que o colaborador apenas terá certeza da premiação quando
o juiz homologar o acordo. Se, porém, a postura decisiva for de delegação
negocial, o acordo pode resultar na flexibilização de garantias constitucionais
como a presunção de inocência, inafastabilidade do controle jurisdicional e
outras.
A pesquisa tem um “insight” inicial de que a colaboração premiada no Brasil
pode seguir um modelo de aplicação próprio, haja vista a realidade particular do
país. O importante é que o modelo seja deveras um instrumento importante de
elucidação de crimes, sem que, em contrapartida, seja uma carta para abusos
estatais.
Pertinência Temática ao GT escolhido.
É lugar comum que investigações complexas reclamam técnicas sofisticadas de
coleta de provas, pois, de outra, não haveria eficiência na persecução penal.
Contudo, é preciso raciocinar que a técnica da colaboração não pode ser usada
de modo indiscriminado. A tentativa de equilíbrio entre eficiência e garantias
fundamentais e de algo que ofereça segurança jurídica ao teor dos acordos
depende de melhor estudar os tipos de crime que reclamam o uso dessa técnica
e, ademais, é preciso pensar o papel do judiciário como fiel da balança entre o
102
abuso de poder investigatório e a realidade nacional que exige forma eficiente
de persecução.
2. A JUSTIÇA RESTAURATIVA APLICADA AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER
Autora: Bruna Fernanda de Oliveira
Resumo:
Diante do atual cenário brasileiro, a violência doméstica e familiar contra a
mulher é crescente e faz parte da realidade social. A Lei 11.340/2006
denominada “Lei Maria da Penha” foi criada a fim de coibir e prevenir a violência
contra a mulher, tendo em vista os dispositivos constantes na Constituição
Federativa Brasileira, bem como os tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
No âmbito do processo penal, diversas alterações foram realizadas com a
finalidade de fortalecer a punição para essa espécie de violência. Não obstante,
nos últimos anos, surge a Justiça Restaurativa e sua aplicação no âmbito da
violência doméstica e familiar começa a ser estudada. Os principais argumentos
na não punição do culpado, no aumento do temor das vítimas, quando reunidas
com o agressor, além de que tal aplicação é inviável juridicamente, uma vez que
só é possível vencer a violência contra a mulher por meio da aplicação de sanções
penais e não por mecanismos despenalizadores. Por outro lado, é nítido que
esses argumentos não merecem prosperar, pois a “simples punição” do agressor
não está sendo eficaz para a solução dos casos da violência doméstica e familiar
contra a mulher. Isso porque, a pena para a lesão corporal prevista artigo 129,
§9º do Código Penal, é de detenção de 03 (três) meses a 03 (três) anos e, na
maioria dos casos, a lesão é leve e o réu não é reincidente, razão pela qual se
aplica a pena mínima em regime inicial aberto, vedada a possibilidade de
103
conversão da pena em restritivas de direito, porém é aplicada a suspensão
condicional da pena. Não obstante, sendo a suspensão condicional da pena um
direito subjetivo do sentenciado e, diante da falta de casa de albergado, o regime
aberto acaba sendo mais vantajoso. Portanto, é evidente que essa “punição” não
resolve e não atribui efetividade à Lei Maria da Penha, pois as estatísticas são
claras ao evidenciar o aumento da violência e os níveis de reincidência. Destarte,
por meio do método hipotético-dedutivo, este artigo demonstra que a Justiça
restaurativa deve ser utilizada nos casos de violência doméstica e familiar,
notadamente diante da Resolução 2002/12 da ONU e Resolução nº 225 do CNJ.
O Poder Judiciário deve buscar mecanismos para que a interferência estatal na
vida privada seja efetiva, razão pela qual se constituiu um verdadeiro desafio para
o processo penal brasileiro. A Justiça Restaurativa visa fortalecer e empoderar as
vítimas de violência, reequilibrar os relacionamentos, evidenciar qual o tipo e
nível de violência enfrentada, haja vista a abordagem sem buscar culpados, bem
como possibilita mudanças que, muitas vezes, a pessoa não consegue alcançar
sozinha. Destarte, não tem a finalidade de substituir a Justiça tradicional nem de
fomentar a impunidade, uma vez que pode ser utilizada de forma complementar
e em qualquer fase processual. O fato é que as sanções existentes, porém a
realidade muda pouco.
3. DA AUSENCIA DO DIREITO AO RECURSO NAS DECISOES CONDENATORIAS EM
SEGUNDO GRAU
Autor: Eduardo Bruno Avellar Milhomens
Coautora: Nadia de Castro Alves
Resumo:
O objetivo da pesquisa é analisar as condenações que ocorrem somente em
104
segundo grau e a incidência da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça,
impossibilitando o direito a um recurso que reexamine a matéria, ferindo a
garantia da ampla defesa.
Questões técnicas envolvidas: Direito ao Recurso, Ampla Defesa, Decisão do
Tribunal Constitucional Português, Distinção entre Duplo Grau de Jurisdição e o
Direito ao Recurso.
Metodologia de pesquisa: pesquisa doutrinária, bibliográfica e jurisprudencial,
inclusive no direito comparado, baseando-se em acórdão proferido pelo Tribunal
Constitucional Português.
Apontamentos centrais: Não há na legislação pátria, recurso com objetivo de
trazer a rediscussão do mérito pelas instâncias recursais superiores. Entende-se
que ocorrendo condenação pelo Tribunal, deve-se afastar a vedação da referida
Súmula para satisfazer o direito fundamental ao recurso e à ampla defesa. Nesse
sentido, proibir que o Superior Tribunal de Justiça faça uma nova análise das
provas utilizadas em segundo grau para condenar o réu, viola frontalmente o
exercício à ampla defesa.
Principais conclusões: A superação da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça
no caso de condenação em segundo grau para reestabelecer a garantia do Direito
ao Recurso inerente ao Princípio Constitucional da Ampla Defesa.
Pertinência temática ao GT 6: Desafios do Processo Penal Brasileiro – a reforma
do Código de Processo Penal no tocante aos recursos. A reforma do Código Penal
Brasileiro no tocante à diminuição e limitação de recursos e a sua problemática.
105
4. DIREITO PROCESSUAL PENAL DO INIMIGO: A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
FIXADA A PARTIR DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JURI
Autora: Flávia Chaves Nascimento Brandão Penna
Coautora: Fernanda Pascoal Valle Bueno de Castilho
Coautor: Alexandre Luís Alves de Oliveira
Resumo:
O Estado brasileiro constitucionalizou o Princípio da Presunção de Inocência,
pormenorizando a previsão contida nos tratados internacionais de que é
signatário, afirmando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”.
Em que pese a clareza da disposição, o Supremo Tribunal Federal tem mantido
entendimento pela constitucionalidade da execução antecipada da condenação
proferida em segunda instância, mesmo que pendente julgamento de recursos
aos Tribunais Superiores.
Não fosse suficientemente grave a decisão, tem ela repercutido na Justiça de
base. Seguindo a mesma fundamentação adotada para execução da pena fixada
em segunda instância, de impossibilidade de rediscussão probatória, verifica-se
a determinação da precoce execução da decisão proferida pelo Tribunal do Júri,
diante da soberania de seus veredictos e da estreita via recursal que lhe pertine.
A fim de evitar discussões como as se apresentam, acerca da
inconstitucionalidade da decretação da prisão-pena antes do trânsito em julgado
da decisão condenatória, têm se apresentado projetos de Lei e de Emenda
Constitucional a fim de tornar formalmente lícita referida medida.
Exemplos disto são os Projetos de Lei n.402/2015, n.147/2018 e n.166/2018,
bem como a Proposta de Emenda à Constituição n.140/2018, que buscam desde
a alteração do significado do “trânsito em julgado” até a deformação do próprio
106
princípio da Presunção de Inocência, em afronta ao que dispõe o sistema
constitucional brasileiro acerca das cláusulas pétreas.
Pretende-se a discussão acerca da grave situação em que se encontra o sistema
processual garantista, diante do punitivismo dos Poderes Judiciário e Legislativo,
que, sob pretexto de atendimento a supostas necessidades sociais, cerceia
liberdades individuais e considera culpado o réu até mesmo a partir da primeira
instância, a despeito do que prevê o ordenamento jurídico brasileiro.
O trabalho objetiva, assim, analisar a (in)constitucionalidade das reformas
legislativas supracitadas - razão de sua inclusão entre os “Desafios do Processo
Penal Brasileiro” - bem como da jurisprudência pátria, especialmente a partir de
decisões paradigmáticas sobre o tema, como o Habeas Corpus n.126.292/SP, a
respeito do trânsito em julgado em segunda instância; HC n. 118.770/SP e, a
título de análise de caso, a Ação Penal n.0686.16.003948-9, da comarca de
Teófilo Otoni/MG, referentes à execução provisória da sentença condenatória
proferida pelo Tribunal do Júri, tudo isto a partir da consolidada doutrina
constitucional e processual penal.
5. A INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER PARA O PROCESSAMENTO DOS CRIMES DE FEMINICÍDIO – UM
ESTUDO DA LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA PARANAENSES
Autora: Juliana Bertholdi
Coautor: Khalil Vieira Proença Aquim
Resumo:
A previsão constitucional de que a instrução e julgamento dos crimes dolosos
contra vida são de competência absoluta do Tribunal do Júri, insculpida no art.
5º, XXXVIII, “d”, da Constituição da República, vem sendo constantemente
107
mitigada no Estado do Paraná sob o argumento de que resolução do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, em combinação com o Código de Organização e
Divisão Judiciária (Lei Estadual nº 14.277 de 2003 atualizada pela Lei nº 18.787,
de 23 de maio de 2016) levariam à prevalência da competência dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar para instrução dos gravosos delitos de feminicídio,
sendo os autos posteriormente remetidos apenas para realização do plenário.
A rica discussão constitucional e processual, que gerou significativas digressões
na melhor doutrina, parece ter perdido espaço na jurisprudência paranaense
para o pacífico e prejudicial entendimento pela competência do Juizado
Especializado, sendo fulcral que a advocacia se posicione profissional e
academicamente na discussão do tema.
Assim, o presente trabalho tem por escopo analisar a constitucionalidade e a
legalidade do processamento do crime de feminicídio pelos Juizados
Especializados, à luz da Organização Judiciária Paranaense e da melhor doutrina,
que entende ser a competência do Tribunal do Júri firmada em razão da matéria,
o que implica a impossibilidade de se reconhecer validade às decisões proferidas
por outros órgãos jurisdicionais (PACELLI, 2015).
No recorte paranaense, faz coro à Constituição Federal e ao artigo 74, §1º do
Código de Processo Penal, a Lei de Organização Judiciária do Estado do Paraná, a
qual dispõe em seu art. 50, §1º que a competência do Tribunal do Júri é absoluta,
inclusive para a instrução e processamento dos autos.
Impende rememorar que no ano de 2016 dezenas de processos envolvendo o
crime de feminicídio acabaram anulados no Distrito Federal, em prejuízo às
vítimas e ao erário público, justamente com o fundamento de incompetência de
Juizados Especializados para mitigar a competência constitucional do Júri.
Nesse sentido já se manifestaram, na esfera regional, o Tribunal de Justiça do
Estado do Maranhão, do Distrito Federal e Territórios e do Estado do Pará. Mais
108
do que isso, o próprio Superior Tribunal de Justiça já exarou decisão consoante,
anulando processo realizado pelo Juizado de Violência Doméstica nos autos de
Habeas Corpus n° 121.214/DF.
Assim, a supressão de competência, além de negar aos réus instrução em juízo
especializado (SARLET, 2011), ainda gera indiscutível prejuízo à proteção dos
interesses tutelados pela Maria da Penha: buscando a proteção de atendimento
especializado à mulher agredida, são submetidas estas vítimas a rito simplificado
que não lhes garante a mesma justiça e proteção que o Tribunal do Júri (NUCCI,
2008).
Conclui-se, portanto, que a competência do Tribunal do Júri possui recorte
constitucional (STRECK, 2001), não podendo ser mitigado por lei
hierarquicamente inferior, como é o caso do Estado do Paraná. Deste modo, toda
decisão em matéria de Júri proferida por Juízo diverso – e, portanto,
incompetente - é absolutamente nula, incluindo-se, por certo, as decisões
proferidas pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher.
6. LIMITES DE ATUAÇÃO E RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO NA INVESTIGAÇÃO
DEFENSIVA CRIMINAL
Autor: Júlio César Faria Zini
Coautora: Ana Luiza Rodarte Bueno
Resumo:
O projeto de reforma do Código de Processo Penal (PL 8.045/10) traz em seu
artigo 13 o instituto da investigação defensiva, que tem como pretensão a busca
pela paridade de armas (LOPES JR, 2014, p. 64) no processo penal e possui como
base os princípios constitucionais da igualdade (CR/88, Art. 5º, caput), do devido
109
processo legal (CR/88, Art. 5º, LIV), do contraditório e da ampla defesa (CR/88,
Art. 5º, LV).
Com essa inovação legislativa, a investigação defensiva, que até então era um
instituto estranho ao ordenamento jurídico brasileiro, passa a ser matéria de
importante discussão pela doutrina nacional. Assim, o objetivo dessa pesquisa é
fazer uma análise crítica em torno desse instituto, delimitando as possibilidades
e limites de atuação e responsabilização do advogado, bem como o modo de
exercer a investigação.
A metodologia será jurídico-interpretativa e comparativa, tomando como ponto
de partida (I) a experiência italiana de investigação defensiva, (II) os princípios
processuais penais garantidos constitucionalmente, bem como (III) a forma de
responsabilização e de limites de atuação do contador (Lei nº 9.613/1998) e do
detetive (Lei nº 13.432/17).
O referido artigo 13 do PL 8.045/10, que trata da investigação defensiva, viola o
princípio da legalidade quando é omisso em especificar os limites e formas de
atuação do advogado, bem como de sua responsabilização penal, civil ou
disciplinar.
Em relação à atuação do advogado, seria necessário que houvesse na lei a relação
das ações cabíveis na investigação defensiva, estabelecendo também qual seria
a limitação desses atos. Além disso, o próprio PL 8.045/10 também deveria
estabelecer diretrizes para o exercício desse tipo de investigação, pois apesar de
se tratar de uma atividade privada (BULHÕES, 2018), envolve diversos interesses
públicos, sendo imprescindível que o texto legal estabeleça um direcionamento
para a atuação do advogado.
Outra questão de importância é referente ao modo como esses atos
investigativos podem ser exercidos. Neste ponto, discute-se a falta de poder de
polícia pelo advogado e os problemas decorrentes disso, uma vez que sem um
110
poder coercitivo a investigação poderá se tornar inócua, pois haverá uma
submissão do advogado em relação à Polícia Judiciária. Assim, defende-se a
instituição do poder de polícia para o advogado/defensor, dentro de limites
muito bem determinados à luz da constituição (MACHADO, 2009, p. 137).
Por fim, também tem caráter essencial a delimitação das hipóteses de
responsabilização do advogado no exercício da investigação defensiva. O
advogado como profissional possui deveres, como o de sigilo, que devem ser por
ele observados. Neste sentido, é necessário determinar quais serão seus deveres
específicos como investigador e as condutas a serem por ele tomadas em caso
de colisão de deveres, tudo visando o respeito aos direitos de todos os envolvidos
na investigação e sua responsabilização ou não nas diversas esferas (disciplinar,
civil e penal).
Assim, conclui-se que o instituto da investigação defensiva trará benefícios ao ser
recepcionado no ordenamento jurídico brasileiro se for devidamente detalhado
legalmente, estabelecendo para o advogado e seu cliente uma possibilidade de
atuação segura no exercício da ampla defesa, sobretudo da defesa efetiva.
7. PRECISAMOS FALAR SOBRE WHISTLEBOWING
Autor: Rodolfo Macedo do Prado
Resumo:
Especialmente desde a Roma Antiga, tem-se relatos de enriquecimento ilícito,
utilização da máquina pública para interesses privados, evoluções patrimoniais
não condizentes com salários, troca de favores, entre outras formas menores de
corrupção. Na mesma época, surgem os primeiros mecanismos de combate à
corrupção, como a obrigatoriedade de livros fiscais, criação de conselhos ou
tribunais para o controle da administração pública e agentes.
111
Um dos grandes instrumentos modernos de combate à corrupção pública e
privada está previsto na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, bem
como na Convenção Interamericana contra a Corrupção, qual seja, o
whistleblowing (em tradução livre, o ato de “assoprar o apito”), que é um
mecanismo semelhante - porém mais amplo e mais eficaz - à colaboração
premiada, sendo previsto em legislações escritas desde o Século VII. Amplamente
utilizado como técnica de combate à corrupção, já auxiliou na recuperação do
equivalente a dezenas de bilhões de reais desviados por esquemas criminosos e
esteve presente em casos emblemáticos como a Revolução Americana, que levou
à independência dos EUA em 1776, passando pelo Wikileaks e pelo escândalo da
Enron. No Brasil, porém, ainda não há legislação expressa acerca do assunto. A
Lei Anticorrupção apenas tangencia o tema e as duas tentativas de se discipliná-
lo no Congresso Nacional acabaram frustradas.
O whistleblower (aquele que “sopra o apito”), também chamado de "informante
de boa-fé" ou "cidadão de boa-fé" pelos Projetos de Lei já rechaçados, é um
terceiro que denuncia às autoridades ou superior hierárquicos competentes a
ocorrência de algum ilícito, embora não necessariamente participe ou tenha
participado daquele determinado esquema criminoso. Caso provada a conduta
ilícita - e havendo consequência financeira - o denunciante pode, inclusive,
receber uma recompensa baseada no montante efetivamente recuperado.
Porém, a operacionalização não é simples. É necessário um sistema para que haja
proteção aos denunciantes, desde o ponto de vista trabalhista até à vida. Há
muito o que se aproveitar ao passo que há também precauções a serem tomadas
quando da importação da técnica para o Brasil.
Ao passo que a “Operação Lava Jato” trouxe à tona a larga utilização da
colaboração premiada para desvendar esquemas de corrupção no âmbito
público, o whistleblowing pode ser colocado como o “futuro” da delação, uma
112
vez que não necessita a participação de um agente que tenha cometido ilícito e
se aplica à esfera pública e privada.
O problema central do trabalho é entender como o whistleblowing está presente
nos ordenamentos brasileiro, dos EUA e da Europa, através do método indutivo,
de pesquisa comparada, explicitar a necessidade do porquê precisamos falar
sobre o whistleblowing, a identificação do momento atual e futuro da técnica no
Brasil, sua diferenciação à colaboração premiada, seus requisitos de aplicação e
os resultados que os países que utilizam o mecanismo já experimentam, que é o
grande objetivo. A hipótese é que será inevitável a importação do
whistbleblowing para o Brasil, mas que, tendo em vista o que o mundo já
experimenta há séculos, o sistema pode ser aprimorado e reprogramado para o
processo penal aqui vigente.
8. ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL: UM CASO DE DIREITO PENAL DAS
CONSEQUÊNCIAS LEVADO ÀS ÚLTIMAS CONSEQUÊNCIAS
Autor: Victor Cezar Rodrigues da Silva Costa
Coautor: Leo Maciel Junqueira Ribeiro
Resumo:
A principal característica da política criminal contemporânea é a sua orientação
pelas consequências, o que significa a busca pela aplicação da pena sem qualquer
preocupação com o devido processo constitucional, a idoneidade da legislação
penal ou a fundamentação legítima da culpa (HASSEMER, 2003, p. 149).
Nesse contexto, o “núcleo duro no direito penal liberal” se transforma no
direito penal das consequências, que recebe institutos que lhe eram
tradicionalmente extrínsecos. Como exemplo dessa estrutura destaca-se a
transação penal, pois possui como objeto infrações de baixíssimo potencial
113
ofensivo, além de dispensar o processo para imposição imediata de pena e
transformar essa imposição em ato que não é jurisdicional (COUTINHO, 2003, p.
355).
Seguindo essa clara tendência utilitário-economicista, diversos dispositivos
normativos brasileiros buscam importar do direito anglo-saxão o instituto do
“plea bargaining”, visando a confissão do investigado pelas imputações que lhe
foram feitas, em troca da aplicação imediata de uma pena reduzida (RAKOFF,
2014). Vale ressaltar que no direito anglo-saxão esse instituto é duramente
criticado, visto que possui problemas estruturais e sistêmicos que prejudicam os
valores fundamentais do sistema criminal (SCHULOFER, 1992, p. 1979).
Apesar das severas críticas, busca-se importar o “plea bargaining” por meio do
art. 283 do Projeto de Lei (PL) nº 8.045/2010 (Reforma do Código de Processo
Penal), que possibilita a composição do acordo de não persecução penal antes
do recebimento da denúncia. Outro dispositivo de destaque foi a Resolução nº
181/2017, do Concelho Nacional do Ministério Público (CNMP), que prevê a
possibilidade do acordo de não persecução penal a delitos cuja pena mínima seja
inferior a quatro anos. Nesse caso específico da Resolução nº 181/2017 do
CNMP, destaca-se a evidente violação ao princípio da legalidade, visto que
compete privativamente à União legislar sobre matéria de Direito Penal e
Processo Penal (TOLEDO, 1994, p. 21-22).
Tendo como referência a proposta de artigo feita pelo PL nº 8.045/2010 e a
Resolução nº 181/2017 do CNMP, a presente pesquisa busca analisar esse
instituto sob a perspectiva constitucional, discutindo seus problemas estruturais
e sistêmicos e verificando sua compatibilidade com o ordenamento jurídico-
constitucional brasileiro, visto que a vinculação à Constituição Federal é fonte
inafastável de legitimidade da jurisdição no âmbito penal (FERRAJOLI, 2012, p.
237).
114
Com esse objetivo, discutem-se questões teóricas como o direito penal das
consequências, o papel das instituições de justiça, a impossibilidade do livre
consentimento na fase de investigação preliminar, os princípios constitucionais
da ampla defesa, do contraditório, do devido processo constitucional e da
culpabilidade. A metodologia empregada será jurídico-interpretativa e
comparativa, buscando referências no direito anglo-saxão e sobretudo nos
princípios constitucionais de direito e processo penal do ordenamento jurídico
brasileiro.
Os apontamentos centrais e as principais conclusões do trabalho podem ser
sintetizados como a consideração de que o acordo de não persecução penal, da
forma como está disposto no PL nº 8.045/2010 e na Resolução nº 181/2017 do
CNMP, é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro e com os princípios
constitucionais que o norteiam.
115
GRUPO DE TRABALHO 7:
SEGURANÇA PÚBLICA E SELETIVIDADES
Ementa: Este Grupo de Trabalho receberá e debaterá pesquisas sobre segurança
pública, como debates sobre políticas públicas, práticas institucionais, resultados
da atuação policial. Serão valorizados trabalhos que busquem investigar práticas,
concepções e resultados da segurança pública em face de marcadores sociais de
diferença (gênero, relações raciais, grupos etários, grupos de renda, territórios).
Estudos sobre prevenção ao delito na segurança pública, modelos de
policiamento, educação policial, relações entre segurança, justiça criminal e
encarceramento estão no foco das discussões.
Coordenadora Dra. Giane Silvestre
Socióloga, mestra e doutora em sociologia pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Pesquisadora de Pós-doutorado do Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3990594434455024
Coordenadora Profa. Dra. Maria Gorete de Jesus Marques
Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV/USP). Doutora em
Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia da
Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Mestre em Sociologia pela Universidade
de São Paulo (USP). Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito
da USP. Licenciada e Graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH/USP). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3277182968137071
116
Trabalhos:
1. OS DISCURSOS SOBRE A POLÍTICA DE DROGAS NO JULGAMENTO DO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 635.659
Autora: Ana Carolina de Paula Silva
Resumo:
A atual política de drogas, de caráter bélico e matriz racista, foi formulada, de
acordo com o discurso implícito subjacente à criminalização das drogas, com a
finalidade de exercer um controle oficial sobre certos grupos sociais
marginalizados, notadamente os negros no Brasil, os quais foram relacionados ao
uso da maconha, então chamado fumo de angola, no início do século passado,
para suprimi-los do espaço público, embora no discurso oficial a política tenha
sido difundida como um meio de promoção da saúde e do bem-estar sociais.
Quase um século desde a opção do Estado Brasileiro pela criminalização das
drogas, o quadro pintado pela aplicação da atual política pública, sobretudo na
conformação delineada pela Lei nº 11.343/2006, desenha-se com a ineficácia da
medida na prevenção do uso de drogas, com o encarceramento da população
jovem, pobre e negra, grupo no qual tem se destacado as mulheres pobres, cujas
taxas de encarceramento têm crescido em número muito superior às dos
homens.
Além disso, ao contrário do que esperavam alguns criminólogos e juristas durante
a vacatio legis, a atual legislação não tem impedido o encarceramento de
usuários de drogas, que tiveram a conduta despenalizada, mas não
descriminalizada pela lei de drogas. Muitas são as prisões fundamentadas em
pequena quantidade de drogas, que não afastaria a possibilidade de porte para
uso, mas que tem ocasionado a prisão e a consequente condenação dessas
pessoas de acordo com suas circunstâncias pessoais, expressando a seletividade
117
na aplicação da política, mas sobretudo em decorrência dos testemunhos
policiais.
Foi em um desses casos, enquadrado no panorama geral acima expresso, que a
Defensoria Pública do Estado de São Paulo interpôs o Recurso Extraordinário
635.659, que questiona perante o Supremo Tribunal Federal a
constitucionalidade do artigo 28, caput e parágrafo 1º da Lei de Drogas, que
criminaliza o porte de drogas e o respectivo plantio para uso pessoal. Assim,
chama-se a Corte a discutir a compatibilização entre a política pública e os
direitos humanos.
Dentre os onze ministros, somente três deles já proferiram votos, tendo o
recurso sido submetido à sistemática da repercussão geral, diante da notável
repercussão da matéria. A análise dos votos dos ministros que se manifestaram
até o momento compreende verdadeira análise do discurso que explicita a
concepção de cada um dos ministros acerca do modo de aplicação da política
criminal de drogas, sua eficácia ou desajuste e o modo como interpretam o papel
da Corte na eventual alteração da política.
Ante o exposto, através do método de pesquisa bibliográfico, por meio da análise
de livros e artigos científicos, o objetivo central do presente artigo científico será
analisar os votos já prolatados, as concepções que expressam acerca da atual
política de drogas, a relação de suas visões com estudos criminológicos sobre esta
política e as proposições que fizeram em seus votos, relacionadas principalmente
com a fixação de critérios objetivos para distinguir tráfico e consumo de drogas.
118
2. O DISCURSO LEI E ORDEM E A REPRESSÃO AOS MOVIMENTOS SOCIAIS E
ATIVISTAS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
Autora: Ana Carolina de Sá Juzo
Coautora: Mariana Pinto Zoccal
Resumo:
Os aportes do discurso de Lei e Ordem, movimento de política criminal
estadunidense, tornaram-se a base argumentativa da política de segurança
pública brasileira, que cotidianamente se torna mais repressiva e expansiva do
Direito Penal. Este movimento surge nos anos oitenta, depositando toda a
expectativa da segurança pública no recrudescimento da pena.
Partindo dos preceitos existentes na “teoria da janela quebrada”, entendia-se
que quaisquer desvios mantidos impunes representariam um espaço para uma
expansão imensurável da criminalidade. Assim, ainda que se tratasse de um
delito insignificante, o desviante deveria ser punido exemplarmente para que a
função intimidadora da pena se fizesse notável.
Após mais de três décadas, tal discurso de recrudescimento penal ainda
compreende a política de segurança pública adotada pelo governo norte
americano, e nos últimos anos, também pelo Brasil. Desde a esfera municipal até
a federal, o governo brasileiro encontra no discurso de Lei e Ordem uma forma
de angariar votos e de manter os poderes políticos e de controle social.
Este movimento é sustentado por um aparato policialesco repressivo, em que o
Estado usa da força para reprimir condutas praticadas por determinados
indivíduos, que são tratados diferentemente, em uma verdadeira aplicação de
um direito penal do inimigo.
O uso de uma repressão totalitária, sob o pretexto de frear a criminalidade e
alcançar a paz social é antigo e tem por objetivos precípuos a contenção de
119
insurgências populares e a manutenção do injusto panorama de exclusão social
vigente.
Foi o que aconteceu com as rebeliões de escravos, as quais ao invés de
manifestações políticas sempre foram chamadas de fatos criminosos. A mesma
justificativa também ocorreu na ocupação das favelas no Rio de Janeiro, com o
anseio de ocupar, controlar e marginalizar ainda mais tais comunidades, calando
ativistas e moradores que fossem contra a ocupação policial.
No mesmo sentido, os ideais da Lei e Ordem vêm sendo utilizados para legitimar
a marginalização de condutas, recrudescer penas, estigmatizar líderes de
movimentos sociais e taxá-los como os principais causadores da insegurança,
impedindo a mobilização de atos que contrariem os interesses de classes
hegemônicas.
Os movimentos sociais que reivindicam pautas críticas e com um viés contrário
ao adotado pela política de segurança pública atual passam a figurar como
vítimas de um processo de criminalização, que é gestado em âmbito dos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário.
Tal processo é comumente verificado em face de ativistas de direitos humanos,
os quais, ao denunciarem à política segurança pública adotada, passam a
representar uma ameaça ao movimento de Lei e Ordem, devendo ser
neutralizados e combatidos.
Partindo destas premissas, o presente trabalho pretende analisar e apontar como
o discurso de Lei e Ordem, que embora represente um exorbitante gasto público
e não disponha de resultados que demonstrem a queda nos índices de
criminalidade, pode se mostrar eficaz ao reproduzir violências, violar direitos
humanos, marginalizar condutas e criminalizar movimentos sociais, fazendo uso
de um método seletivo e discriminatório de manutenção de poder.
120
3. ORDEM PÚBLICA NA FRONTEIRA: UMA LEITURA DA ATUAÇÃO DA POLÍCIA
MILITAR NA REGIÃO DO OIAPOQUE
Autor: Alexandre Marcondys Ribeiro Portilho
Coautora: Eliane Superti
Resumo:
Este estudo tem por locus o espaço fronteiriço situado no Município de
Oiapoque, norte do Estado do Amapá, fronteira com o departamento francês das
Guianas, considerando acordos recentes celebrados entre o Brasil e a França no
sentido de autorizar a entrada de pessoas em ambos os territórios seguindo
algumas regras. O objeto da pesquisa é a violência produzida pela atuação da
força policial militar levando em consideração o trânsito de nacionais e
estrangeiros.
O objetivo geral da pesquisa é analisar os elementos que compõem a atuação da
Polícia Militar no Município de Oiapoque evidenciando uma possível
institucionalização da violência. Constituem objetivos específicos do trabalho: i.
Analisar o funcionamento da atividade fim exercida pela corporação militar,
levando em consideração o Procedimento Operacional Padrão –POP, da força; ii.
Levantar relatos de violência praticados por policiais militares no uso de suas
funções, tendo como referência os anos de 2011 a 2016; iii. Analisar a opinião
dos moradores da cidade de Oiapoque acerca da atividade policial militar.
A respeito da metodologia a ser adota durante a pesquisa, considerando o duplo
viés de análise do objeto, há necessidade do emprego de fases distintas na coleta
de dados e produção escrita: quanto aos dados da força policial militar, serão
requeridos ao Comando do 12º Batalhão de Polícia Militar as informações acerca
do quantitativo de homens disponíveis na região, progressão de permanência e
“baixa” para a capital do estado, esquema regular da escala de trabalho e canais
de atendimento à população; será realizado o levantamento dos documentos
121
que regulam a atividade policial e os relatórios apresentados aos órgãos de
controle, em especial aos departamentos do Governo Federal que mantém
programas na região a exemplo da Estratégia Nacional de Fronteira (ENAFRON)
e Programa Calha Norte, ambos do Ministério da Defesa.
Ainda a respeito da visão dos policiais, serão aplicados instrumento de
verificação, por meio de entrevistas aos comandantes de companhia e
responsáveis pelas guarnições acerca das percepções sobre suas atividades, em
especial àquelas que exigem além do pronto atendimento, uma tomada de
decisão rápida. A respeito do levantamento de dados sociais, será realizada
análise da bibliografia sobre as questões sociais na fronteira Amapá/Guiana
Francesa, verificação do trato com a percepção dos moradores parte do
levantamento junto à Corregedoria Policial Militar e Ministério Público, os
procedimentos de verificação da conduta dos militares no atendimento à
população e análise dos eventos noticiados na mídia local sobre violência
praticada por militares estaduais.
4. MEDO DO CRIME E A EROSÃO DO MODELO LIBERAL DE DIREITO PENAL: A
DERIVA A UM DIREITO PENAL SECURITÁRIO
Autor: Eduardo Bolsoni Riboli
Resumo:
A pesquisa tem por escopo a análise aprofundada do fenômeno do medo do
crime, a sua transposição à esfera jurídica e as suas repercussões na política
criminal e no Direito Penal. Demonstrar-se-á como o medo do crime adentra as
esferas política e jurídica – através do fenômeno da Ouroboros discursiva do
medo do crime e do populismo penal – e as principais distorções provocadas pelo
medo nas estruturas do modelo liberal de direito penal, mormente na função do
122
direito penal e nas finalidades da pena. Verificar-se-á que o medo do crime
modifica o paradigma liberal através da aposta em um direito penal securitário
(e simbólico) como resposta aos medos sociais e aos anseios da população por
segurança.
Embora o sentimento de medo do crime possa ser constatado em diversas
sociedades, podemos afirmar que no Brasil ainda se trata de um fenômeno não
muito bem compreendido. É inegável a importância da contribuição de autores
como Batista (2003), Pastana (2005), Wermuth (2010, 2011), Andrade (2010,
2012), Borges (2011) e Rauter (2017) ao estudo do tema, porém é comum que,
ao versar sobre esta temática, diversos pesquisadores tendam a realizar uma
limitada relação do medo do crime ao capitalismo e aos meios de comunicação,
também com alguma analogia à cultura do medo cunhada por Glassner (2003)
em referência a outras matérias não diretamente relacionadas à criminologia ou
ao direito penal. Ao reduzirmos o problema a tais prismas, esquecemos a
complexidade e a multiface do medo do crime. Pese embora contribuam para o
surgimento e a intensificação de algumas variáveis do medo do crime, o
capitalismo e a mídia não são os elementos fundamentais que dão origem a este
fenômeno, consoante bem observado por Lee (2007, p. 190-192). Propomos,
portanto, a necessária perscrutação do medo do crime, a partir de uma
perspectiva psicológica (JACKSON, 2006, 2005) em que emoção e cognição
operam em conjunto, mediante diferentes variáveis individuais, contextuais e
discursivas, para o surgimento ou intensificação deste fenômeno (FARRALL;
JACKSON; GRAY, 2009; HALE, 1996; SKOGAN, 1993, 1999).
O medo do crime molda, em não raros casos, a legislação penal, o entendimento
jurisprudencial e a política criminal brasileira, distorcendo e até mesmo
eliminando direitos e garantias fundamentais daqueles que são alvo da
persecução penal, com tendência a propagar a seletividade do direito penal.
123
Devido à complexidade do tema, a investigação reclama uma abordagem multi e
interdisciplinar para estabelecer a sua base teórica, a partir da Criminologia até
chegar às suas influências na aplicação do Direito, valendo-se, para tanto, de
estudos teóricos e empíricos também de áreas como a Psicologia, a Medicina, a
Sociologia, a Geografia e a Arquitetura. Examinar-se-ão, também, os principais
exemplos legislativos penais e os julgados – brasileiros e europeus – que sofreram
algum tipo de influência do medo do crime em sua fundamentação, com especial
destaque para, porém não se limitando a, os casos relativos aos últimos 10 anos.
Trata-se de uma pesquisa básica, exploratória, descritiva e explicativa, efetuada
a partir de fontes bibliográficas e documentais.
5. CRIMES SEXUAIS EM REGIÕES DE FRONTEIRA: O CASO FRANCO-BRASILEIRO
Autor: Felipe Salorran Trindade Tourinho
Resumo:
O hodierno trabalho apresenta um estudo específico que trata dos crimes contra
a dignidade sexual mais frequentes em regiões de fronteira. Para tanto,
trabalhamos com a fronteira franco-brasileira, localizada no extremo norte do
Brasil, compreendendo o município de Oiapoque (estado do Amapá) e a Guiana
Francesa, departamento ultramarino da França, localizado na costa atlântica da
América do Sul. O interesse pela região de fronteira veio das constantes
ocorrências de conflitos nesses locais, envolvendo, dentre outros, comércio ilegal
e, em grande escala, atentados sexuais. Como problemas, questionamos que,
mesmo no caso de crimes de ação penal sendo incondicionada, presentes no
Título VI do Código Penal, quais justificativas ainda bloqueiam a ação das pessoas
a representarem nos casos frequentemente existentes, aumentando, dessa
forma, a cifra oculta e o índice de criminalidade contra uma parcela da população
124
direta (vítima) e outra indiretamente (familiares e próximos)? E de que forma
outras ferramentas estatais podem ser mais eficientes ao alcance da população,
extirpando a espécie de assentimento que existe entre jovens, visando garantir o
que dispõe nossa legislação penal? Em vista de fomentar o debate apresentado,
apresentamos como suporte teórico-metodológico pesquisa bibliográfica e de
campo, pautada esta na observação direta, de natureza qualitativa, cujo emprego
para a compreensão de fenômenos caracterizados por um alto grau de
complexidade interna é fundamental, e nas discussões de OLIVEIRA (2011);
BELLENZANI, R; BLESSA, C; PAIVA, V. (2008); SANTOS (1993), que tratam das
relações de fronteiras, explanando também, representações sociais e a entrada
e saída de brasileiros e estrangeiros em/de ambos os lados; BITENCOURT (2017),
FERRI (2014), SANTOS (2014), GOMES (2017), que contribuem com os apanhados
em linhas jurídico-criminais, assim como o trato com o mote da violência social e
do poder, nessa ordem, além ainda da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITO
HUMANOS (1948). Com base nos resultados parciais, constatamos a deterioração
jurídica e social de parcela de um povo distinguido, hoje, mais ainda, como
partícipe de uma possível “descriminalização” do que tipificam alguns artigos do
Código. As ferramentas que existem para que as denúncias sejam feitas ainda
não suprem na totalidade a carência de mecanismos de que a população
necessita, assim como falta maior contribuição da mesma população no intuito
de inibir e/ou erradicar essa prática.
125
6. CRIMINOLOGIA E MOVIMENTOS SOCIAIS: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
NAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA E DE DIREITOS HUMANOS DOS CONSELHOS
NACIONAIS
Autor: Fernando L. C. Antunes
Resumo:
Este trabalho analisa, com estratégias metodológicas empíricas e qualitativas, a
participação dos movimentos sociais e de entidades da sociedade civil na 1ª
Conferência Nacional de Segurança Pública (1ª Conseg), no Conselho Nacional de
Segurança Pública (CONASP) e no Conselho Nacional de Direitos Humanos
(CNDH), no período de 2009 a 2016, que consistem em experiências e espaços
públicos de formulação de políticas de segurança e de direitos humanos no Brasil.
Trata-se de um estudo interdisciplinar, que articula referencias nas áreas jurídica,
na ciência política e na sociologia, e considera prioritariamente: a) as
criminologias críticas, o paradigma da reação social e as problematizações acerca
da seletividade dos processos de criminalização e das tendências de políticas
criminais, bem como as transformações nas políticas nacionais de segurança
pública; b) as teorias democráticas participativas e deliberativas e a construção
da ação coletiva e política na sociedade civil; c) o surgimento de arranjos ou
experiências e espaços de participação social nas políticas públicas brasileiras,
como são exemplos os Conselhos, as Conferências nacionais, as instituições
participativas de segurança públicas (IPs) e as redes sociais de governança
democrática formadas nesses processos; d) a configuração, atuação,
institucionalização e os principais elementos da participação política dos
movimentos sociais e da sociedade civil. Inicialmente a pesquisa aborda os
resultados e a atuação desses grupos no processo participativo da 1ª Conseg em
2009. Em seguida, investiga os desdobramentos da reestruturação democrática
do CONASP, como resultado da 1ª Conseg, em 2009, e da reformulação do CNDH,
126
promovida pela Lei nº 12.986, de 2 de junho de 2014. As fontes documentais e
empíricas consistem nas atas das reuniões, nos atos normativos desses
Conselhos nacionais e nos dados obtidos de 26 entrevistas, sendo 15 com
membros do CONASP, e 11 com integrantes do CNDH, de segmentos da
sociedade civil, de profissionais de segurança e de gestores públicos.
Posteriormente, o trabalho efetua uma análise institucional comparada entre o
CONASP e o CNDH, visando aferir potenciais e limitações nos arranjos
participativos e deliberativos criados nesses Conselhos. Essa análise institucional
comparada, associada ao exame das fontes documentais, empíricas e das
entrevistas com membros do CONASP e do CNDH, no período de 2009 a 2016,
permitiram identificar os repertórios de ação, as reivindicações, as redes sociais
formadas e a agenda política dos movimentos sociais e de entidades da
sociedade civil para a questão criminal, o campo da segurança pública e dos
direitos humanos. Ainda que os Conselhos Nacionais examinados careçam de
maior efetividade, de ampliação da autonomia e de aprimoramentos
institucionais para influenciar nas políticas públicas, os movimentos sociais e as
entidades da sociedade civil atuam nesses espaços públicos participativos
problematizando as distorções dos processos de criminalização e da violência
institucional do Estado, contribuindo para democratizar e redimensionar o
conceito, as políticas e as práticas de segurança, em parâmetros de proteção de
direitos e em sintonia com demandas de grupos vulneráveis, como são exemplos
segmentos que desenvolvem ações de promoção e proteção de direitos nas
relações raciais, de gênero, de indígenas, da população em situação de rua, entre
outros.
127
7. O "CHEQUE EM BRANCO" NA SEGURANÇA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO: UM
RELATO SOBRE A BANALIDADE DO MAL
Autor: Yanahê Fendeler Höelz
Resumo:
O objetivo desta proposta de trabalho é apresentar algumas ações destinadas ao
campo da segurança pública do Rio de Janeiro e refletir como elas repercutem
no “mandato policial” (MUNIZ; PROENÇA JUNIOR, 2014). Toma-se como
referencial teórico-metodológico Hannah Arendt, em especial, seu trabalho
sobre o julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém, no qual a autora constatou
a “banalidade do mal”.
Considerado um dos maiores criminosos do regime nazista (1933-1945), Adolf
Eichmann se via como um aplicado funcionário do Estado alemão, cumpridor das
ordens de Hitler (Führer da Alemanha nazista) e obediente ao seu papel na
deportação de judeus para os campos de extermínio nazistas. Hannah Arendt fez
a cobertura do julgamento de Eichmann em Jerusalém, em 1961, para a revista
The New Yorker. O que marca a análise de Arendt é o seu olhar para o acusado.
A autora se esforça para retratar o julgamento a partir da compreensão do
“outro”, sob a perspectiva do “outro”. Ao contrário do que se podia esperar,
Arendt descreve o acusado como um burocrata medíocre, um cumpridor de
ordens, um indivíduo sem qualquer anomalia psicológica, um homem “normal”
que sequer tinha a capacidade de mensurar o mal praticado, um ser imerso e ao
mesmo tempo distante da realidade. O olhar de Arendt sobre aquele julgamento
identificou a banalidade do mal, “o fato de que ele [o mal] só se torna imenso
quando se torna banal e, por isso, compartilhado por muitos” (BRESSER-PEREIRA,
2013). Eichmann simplesmente nunca percebeu o que estava fazendo, constatou
Hannah Arendt (1999).
128
Como a irreflexão de Eichmann, que revela um mal tão banal, se manifesta no
contexto da segurança pública do Rio de Janeiro? De que maneira o mal,
compreendido como uma violência contra um “outro”, é reproduzido neste
campo? Quais são os efeitos das políticas destinadas à segurança pública no
cotidiano dos policiais militares e da população por eles atendida? São esses os
questionamentos que motivam a abordagem deste trabalho, considerando,
ainda, a atual conjuntura de Intervenção Federal, tornando a reflexão atual e
pertinente ao Grupo de Trabalho indicado (GT 7).
Para tanto, o trabalho relembra o relato de Arendt sobre o referido julgamento
e apresenta as três “soluções” implementadas pelo regime nazista a respeito da
“questão judaica”, abrindo espaço para a reflexão das possíveis permanências
dessas medidas, sob roupagem diversa, no cenário carioca. Em seguida, o
trabalho faz um breve panorama sobre políticas destinadas ao campo da
segurança pública (pós/1980), considerando a atual conjuntura de Intervenção
Federal. Por fim, o estudo abre espaço para a discussão sobre as competências
distintas da Polícia Militar e do Exército e como a confusão de significados,
presente nas intervenções políticas na segurança pública, pode afetar o mandato
policial e comprometer as respectivas capacidades das instituições. A reflexão
aponta que esse cenário opaco favorece medidas irrefletidas e que, portanto,
pode banalizar cada vez mais o mal.
129
8. TRÁFICO DE DROGAS: SELETIVIDADE COMO REGRA E JURIDICIDADE COMO
EXCEÇÃO
Autor: Pedro Machado de Melo Romano
Coautor: Bráulio Alves Figueiredo Dias
Resumo:
O presente trabalho visa confrontar a questão da seletividade do sistema de
justiça criminal no que se refere à repressão às drogas, de um lado, e a
dialeticidade do discurso jurídico que permitiria a construção de uma
objetividade necessária à existência do direito e da justiça, do outro. Por uma
metodologia que compare os dados estatísticos coletados na pesquisa do Centro
de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) intitulada, "Audiência
de custódia: um panorama" relacionados aos flagrantes por tráfico de drogas
ocorridos em Belo Horizonte/MG, no período que engloba Setembro de 2015 a
Março de 2016, com a análise de conteúdo da sustentação oral realizada por um
advogado em um caso específico de processo penal em que o acusado por tráfico
de drogas foi sentenciado positivamente, essa temática será desenvolvida. Esse
recurso metodológico comparativo entre as estatísticas e um caso concreto, será
manejado com o objetivo de testar a hipótese de pesquisa de que o tratamento
hierarquizado e seletivo do sistema de justiça criminal na repressão às drogas é
a regra, ao passo que a discussão jurídica em sua dialeticidade supostamente
asseguradora dos direitos e garantias fundamentais do incriminado, é a exceção.
Diante deste desenho metodológico, o marco teórico também descreverá a
dicotomia teórica da relação entre direito e sociedade, representada de um lado
por teorias que deslegitimam a neutralidade jurídica, especificamente as teses
foucaultianas do poder e da função da pena, a sociologia bourdieusiana acerca
do campo jurídico e a teoria criminológica do labeling approach, e do outro a
dialeticidade habermasiana da comunicação e da construção de uma síntese
130
objetiva que seja capaz de reificar subjetivismos e assim constituir a base do
direito e da justiça. Este resumo se adequa melhor à temática do GT 7,
"Segurança Pública e Seletividades", pois este trabalho tem como hipótese de
pesquisa justamente a seletividade penal no combate ao tráfico de drogas, em
dissonância ao discurso jurídico formal de igualdade de todos perante a lei. A
seletividade como regra, e a justiça como exceção, verificadas empiricamente
pelo método comparativo sincrético, qualitativo e quantitativo, se situam no
âmbito de significação do perfil seletivo do sistema quando da repressão às
drogas, em detrimento do discurso jurídico de igualdade.
9. PARA ALÉM DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: ANÁLISE DOS MECANISMOS DE
SILENCIAMENTO DA VIOLÊNCIA POLICIAL A PARTIR DA SELETIVIDADE DO SISTEMA
DE JUSTIÇA CRIMINAL
Autor: Vinicius De Souza Assumpção
Coautora: Camila Ribeiro Hernandes
Resumo:
A realidade histórico-social brasileira é marcada por uma exclusão hiperbólica
ancorada no “preconceito de marca” (NOGUEIRA, 2006), que se utiliza de
diversas ferramentas para a manutenção dos grupos hegemônicos no poder. O
sistema de justiça criminal é exatamente (e apenas) um dos instrumentos de
controle social de grupos etiquetados (MOLINA, 2003, p. 1192-1193; ZAFFARONI,
2014, p. 18; 70-82), construído a partir do desejo de contenção e se manifestando
na gestão diuturna do corpo negro neste país, manejando pessoas, memórias e
identidades, confirmando a existência de um sistema racista, que “é o fiel da
balança que determina a continuidade da vida ou a morte das pessoas”
(FLAUZINA, 2006, p. 12).
131
A análise das estruturas formais do sistema de justiça criminal precisa ser feita a
partir de uma perspectiva decolonial, viabilizando-se o debate crítico e a
discussão sobre a renovação das formas de opressão. O debate sobre as
inaceitáveis taxas de encarceramento, notadamente aquelas atreladas ao que
Zaffaroni designa por “sistema penal cautelar”, típico da América Latina (2015, p.
111) precisa ser feito considerando que a ausência de rupturas nas transições
histórico-sociais brasileiras emana reflexos diretos sobre o Direito Processual
Penal (CASARA; MELCHIOR, 2013, p. 12-20). Nesse contexto, a idealização das
Audiências de Custódia (cf. Nicory, 2017, p. 21) como um instrumento de redução
do encarceramento provisório (GIACOMOLLI, 2017, p. 473; MAISE, 2015, p. 83) e
recuperação de um espaço de humanização da avaliação da legalidade das
prisões em flagrante e possibilidade de controle da violência policial tem se
revelado insuficiente, à medida em que as estruturas formais não são suficientes
para romper com as tradicionais maneira de silenciamento dos abusos
historicamente praticados nesse contexto de abordagem policial-apreciação da
legalidade da prisão-efetivação do cárcere provisório.
Em estudo restrito à cidade de Salvador foi possível observar “o descumprimento
da finalidade da audiência de custódia, entendida como instrumento de possível
reparação de violência sofrida nos momentos que circundam a prisão em
flagrante e de prevenção de novos atos violentos” (ROMÃO, 2017, p. 18). Em
âmbito nacional, Ballestros adverte sobre a preocupação da falta de registros em
relação as ocorrências de violência policial: apenas em 5,27% das audiências de
custódia realizadas até 14 de julho de 2016 no Brasil contaram com alegações
dessa natureza (2016, p. 29). É indispensável compreender os mecanismos que
têm permitido a perpetuação das violências institucionais que atingem os
mesmos grupos historicamente vulnerabilizados, sendo possível apresentar
como hipótese que o não enfrentamento do racismo como de maneira um
132
problema que demanda políticas públicas transversais (e, portanto, também de
justiça criminal) (CARNEIRO, 2011), tem como consequência natural a não
consecução dos objetivos declarados das medidas alternativas ao cárcere
reiteradamente propostas nos últimos anos.
133
GRUPO DE TRABALHO 8:
GÊNERO, SEXUALIDADE E RELAÇÕES RACIAIS NA JUSTIÇA CRIMINAL
Ementa: O tema das diferenças e desigualdades no exercício dos direitos e na
vivência da violência tem ganhado cada vez mais espaço nos estudos sobre
direito e justiça criminal. Este GT visa debater movimentos por conquistas de
direitos, o papel do direito e da justiça penal no enfrentamento das
desigualdades estruturais, as desigualdades vivenciadas pelos sujeitos
subalternizados no acesso à justiça e aos direitos. Serão também aceitos
trabalhos sobre políticas de enfrentamento à violência, machismo, homofobia e
racismo, quer analisem políticas públicas, decisões judiciais ou ativismo por
direitos.
Coordenadora Profa. Dra. Ana Paula Portella
Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal de Pernambuco (2014), mestra
em Saúde Pública (2008), pelo Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz,
Recife-PE. e possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas (1984). Atualmente realiza pesquisa de pós-doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE. É pesquisadora do Núcleo de Estudos
sobre Políticas Públicas de Segurança da UFPE, consultora autônoma para o
desenvolvimento e monitoramento de projetos e políticas públicas nas áreas de
gênero, direitos sexuais e reprodutivos, violência contra as mulheres e segurança
pública. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5980874439920183
Coordenadora Profa. Dra. Thaís Janaina Wenczenovicz
Docente adjunta/pesquisador sênior da Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul/UERGS. Professora Titular no Programa de Pós-Graduação em
134
Educação/UERGS. Professora Colaboradora no Programa de Pós-graduação
Stricto Sensu em Educação da Universidade Estadual do Paraná- UNIOESTE.
Professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direitos Fundamentais/UNOESC. Avaliadora do INEP - BNI ENADE/MEC. Membro
do Comitê Internacional Global Alliance on Media and Gender (GAMAG) -
UNESCO. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq/UERGS Direitos Humanos e Justiça:
perspectivas decoloniais. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1843525898014532
Coordenadora Prof. Dra Thula Pires
Professora-adjunta de Direito Constitucional do Departamento de Direito da
PUC-Rio. Coordenadora do NIREMA (Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e
Memória Afrodescendente. Coordenadora Geral do Projeto Cartas do Cárcere
(ONSP/PNUD). Lattes: http://lattes.cnpq.br/7917887243582797
135
Trabalhos:
1. A POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS E AS
OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL
Autora: Ana Clara Toscano Aranha Pereira
Resumo:
O presente artigo objetiva discutir, a relação entre o tráfico de mulheres, a
realidade econômica e social das mulheres na sociedade contemporânea e as
graves violações dos Direitos Humanos e Fundamentais das mulheres,
considerando o contexto da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas do Brasil e, a legislação nacional e internacional acerca do tema. O
problema central enfrentado é a verificação se o aparato jurídico brasileiro e
internacional, as políticas de prevenção e enfrentamento, o desempenho de
autoridades policiais, a atuação do judiciário nacional e dos Sistemas
Internacional e Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, as
recomendações dos Comitês Internacionais e os estudos e pesquisas acerca do
tráfico de mulheres, conseguiram ser eficazes em conter e combater o tráfico
interno e internacional de pessoas. Analisando o aparato jurídico brasileiro e
internacional, as políticas de prevenção e enfrentamento e dos estudos acerca
do tráfico de mulheres, questiona-se o fato de que apesar de positivas,
transformadoras e garantidoras de direitos que essas legislações e políticas
sejam, se elas por si só garantiriam o enfrentamento efetivo e,
consequentemente, a eliminação efetiva do tráfico de mulheres, atividade essa
violadora dos direitos humanos e fundamentais das mulheres. Por fim,
questiona-se também, se a opressão de gênero e a violação dos Direitos
Humanos das Mulheres são alicerces na preservação do tráfico de pessoa como
o terceiro maior mercado do crime organizado do mundo.
136
2. A LEI N. 13.641/2018 E A CRIMINALIZAÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DAS
MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA PREVISTAS PELA LEI MARIA DA PENHA: UMA
ANÁLISE CRÍTICA
Autora: Ana Paula Bimbato de Araújo Braga
Coautora: Marina Carvalho Marcelli Ruzzi
Resumo:
A aprovação da Lei nº 13.641/2018, que criminalizou o descumprimento das
medidas protetivas de urgência previstas na Lei n. 11.340/2006 (“Maria da
Penha”) foi celebrada por movimentos sociais como instrumento capaz de
reforçar seu cumprimento, bem como capaz de reconhecer a violência presente
neste ato. Entretanto, convém explorar de que maneira o direito penal oferece
resposta adequada à conquista de direitos das mulheres.
O presente artigo busca analisar criticamente o dispositivo, cuja metodologia é a
revisão bibliográfica pautada em teorias da criminologia crítica e feminista, sob a
ótica do direito penal mínimo e da violência de gênero. Assim, verifica-se que a
proposta está alinhada com o recorte previsto pelo GT-8.
Os embates entre a criminologia crítica e a feminista já foram abordados pela
literatura jurídica nacional. Acusadas de insistir em um sistema penal punitivista,
as feministas sofreram ataques por parte da criminologia crítica, especialmente
diante de um quadro de inegável encarceramento em massa, que seria
incompatível com a criação de mais tipos penais (CAMPOS; CARVALHO, 2011).
O já existente tipo previsto no art. 359 do CP, da desobediência de decisão judicial
sobre perda ou suspensão de direito, com pena prevista igual à do crime em tela,
poderia sugerir que a criação do novo tipo seria desnecessário e com pitadas de
populismo penal, especialmente diante do levante feminista experimentado nos
137
últimos anos. Assim, a criminalização se apresentaria como uma resposta
simplista, mas esperada pela sociedade para a solução de um grave problema
social (MONTENEGRO, 2015). Ademais, o descumprimento da medida protetiva
de urgência já admite a previsão de encarceramento através da prisão preventiva
(art. 20, Lei 11.340/2006), resultado que não será obtido com a condenação pelo
novo tipo criado.
Na contramão, porém, vislumbram-se motivos para reconhecer a importância do
dispositivo, ainda mais quando se adentra nas particularidades da violência de
gênero. Quanto a este ponto, a Lei Maria da Penha deve ser interpretada
conforme “os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições
peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar” (art. 4º).
Seria incompatível não analisar a lei de forma comprometida.
O reconhecimento que o Estado confere ao instituto das medidas protetivas, que
nesse momento se tornam um bem jurídico tutelado pelo direito penal, está em
conformidade com os compromissos assumidos com a Convenção Belém do
Pará. Assim, a tipificação do descumprimento das medidas protetivas viria ao
reforço do chamado direito penal simbólico, como uma manifestação da
sociedade em repúdio a condutas que colocam a mulher em risco de sofrer novas
violências (ANJOS, 2006).
Por fim, com a edição da Lei 13.641/2018, está encerrada qualquer discussão
acadêmica ou jurisprudencial acerca da atipicidade da conduta de
descumprimento das medidas protetivas de urgência1, ou a qual tipo penal
pertenceria (artigo 3302 ou 3593 do CP). A Lei também pacifica o entendimento
de que o crime estará caracterizado independentemente da natureza da medida
protetiva descumprida ser cível ou criminal (art. 24-A, §1º), trazendo maior
segurança jurídica ao ordenamento brasileiro.
138
3. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Autor: Cláudio Daniel de Souza
Coautora: Laís Gorski
Coautora: Tamires de Oliveira Garcia
Resumo:
O presente escrito apresenta uma análise sobre a violência de gênero no
contexto brasileiro, em especial no âmbito doméstico, e sua forma de tratamento
por meio da legislação. Feito isso, propõe-se um debate sobre a possibilidade de
enfrentamento a essa endêmica forma de violência por meio de experiências de
Justiça Restaurativa. Para isso, é realizada uma revisão bibliográfica que engloba
os temas e análise documental como forma de enriquecer o estudo, por meio da
articulação com recentes pesquisas desenvolvidas junto ao sistema de justiça.
Tem-se por objetivo i) explorar diferentes formas de administração e resolução
dos conflitos envolvendo a violência doméstica não somente a partir da
perspectiva da punição do agressor; e ii) compreender outras propostas de
enfrentamento ao histórico problema social que cerca a temática. É nesse
sentido que além de apresentar o panorama teórico em torno do
desenvolvimento da legislação sobre violência doméstica no país, que culminou
na promulgação da Lei Maria da Penha e das questões pertinentes sobre Justiça
Restaurativa, essa investigação propõe reflexões de um cenário jurídico para
além do tratamento criminal dado a cada caso específico, problematizando como
a arquitetura de um sistema estruturado a partir de uma lei que já completou
mais de dez anos em vigor pode transpor as lacunas deixadas pelo punitivismo e
abarcar a garantia dos direitos de mulheres violadas. O estudo indica que as
lógicas adotadas pelo estado tratam de maneira limitada o fenômeno da
violência de gênero, não conseguindo romper com o ciclo de quebra da dignidade
da pessoa humana. Além disso, a partir da análise de experiências e dados, é
139
possível concluir por uma necessária reformulação dos mecanismos de resolução
da questão, conclusão em que a aplicabilidade do instituto da Justiça Restaurativa
pode ser vista como uma também possível solução digna, consensual e humana.
A proposta está voltada aos debates do grupo de trabalho de número 8 em
função do claro recorte de gênero no escopo do estudo, bem como a partir da
análise de um instituto específico como forma de composição de conflitos, tendo
a Justiça Restaurativa tomado cada vez mais espaço na agenda de políticas na
seara penal.
4. DA SUBVERSÃO DOS CORPOS À VITIMIZAÇÃO DE PESSOAS TRANS NO BRASIL
Autora: Erika Aparecida Pretes
Resumo:
Desenvolveremos, a partir da vitimologia e dos estudos de gênero, uma análise
crítica sobre os padrões de violência contra pessoas trans levando em
consideração a contingência e a historicidade das normas de gênero e do
controle dos corpos. Buscamos romper com a análise que culpabiliza as pessoas
trans, e levando em consideração os significados que são atribuídos ao gênero
nessa sociedade, questionando os processos sociais por meio dos quais as
pessoas trans deixam de ser consideradas sujeitos de direitos, bem como os
processos que naturalizam sua vulnerabilidade a se tornarem vítimas (vitimização
primária). E ainda, quais são os processos institucionais que permitem a
banalização de suas demandas e a impunidade de seus agressores (vitimização
secundária). Os estudos sobre as pessoas em situação de violência, também
denominadas vítimas (nomenclatura preferida pelas mais tradicionais teorias das
ciências penais), ganham crescente relevância na contemporaneidade, apesar de
não ser um problema tão recente nos estudos de criminologia, ora que se pode
140
encontrar pesquisas sobre as vítimas desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Pode-se afirmar que, ao longo das últimas décadas, os debates emergentes
realizados pelos movimentos sociais a respeito das violações de direitos humanos
em razão da raça, do sexo e da classe contribuíram para a modificação da
percepção das vítimas de crimes nos Sistemas Penais. Estes movimentos
evidenciaram como certas relações de poder eram fundamentais para
determinar a vulnerabilidade das mulheres, dos negros e dos pobres à
vitimização. Contudo, percebe-se que as ciências penais, em especial a
criminologia, embora aberta aos debates de determinados setores sociais, ainda
se mantêm distante das discussões realizadas pelos teóricos que lidam com as
questões sexuais e de gênero. Nesse sentido, ignora as discussões mais
aprofundadas sobre como a sexualidade e a identidade de gênero são fatores
que podem influenciar no grau de vulnerabilidade de algumas pessoas a se
tornarem vítimas de crimes específicos. Para tanto, temos como marco teórico a
obra do Michel Foucault, em especial os trabalhos em que o filósofo se dedicou
a questionar a naturalidade do sexo. Em sociedades como as nossas em que a
sexualidade e também o gênero atuam como dispositivos de poder, todas as
configurações que não alinhem sexo-gênero-sexualidade são vistas como
anormais ou abjetas. Nesse sentido, esta proposta de comunicação oral se insere
na área do GT8: Gênero, Sexualidade e Relações Raciais na Justiça Criminal, pois
busca evidenciar o gênero como um dispositivo de poder de uma ordem
normativa que impõe uma série de proibições, hierarquizações e violências em
desfavor das identidades de gênero consideradas desviantes, no sistema de
justiça criminal.
141
5. ENCARCERAMENTO FEMININO POR TRÁFICO DE DROGAS NO BRASIL: A
ESTRATÉGIA NEOLIBERAL DE EXCLUSÃO E EXTERMÍNIO DAS MULHERES À
MARGEM DO SISTEMA CAPITALISTA
Autora: Franciele Silva Cardoso
Coautora: Bartira Macedo de Miranda
Coautora: Priscylla Kethellen Viana
Resumo:
Este trabalho dedica-se a identificar a origem do recente fenômeno que levou ao
aumento exponencial do encarceramento de mulheres, principalmente pobres e
negras, por tráfico de drogas no Brasil. Busca-se analisar como o projeto
capitalista neoliberal mantém os espaços de poder e de acesso à cidadania
(trabalho, habitação, saúde, escola etc.) estruturalmente desiguais em relação a
diversos marcadores sociais, tornando a prisão um destino predeterminado de
grupos historicamente excluídos da integração social.
Para possibilitar a análise, utilizou-se como marco teórico a perspectiva feminista
interseccional de Angela Y. Davis, Heleith Saffioti, Kimberle Crenshaw e Sueli
Carneiro; os estudos sobre raça no Brasil de Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg;
as análises sobre proibicionismo empreendidas por Juliana Borges, Carl Hart e
Luís Carlos Valois; a produção acadêmica sobre neoliberalismo de Loïc Wacquant
e os estudos criminológicos de Rosa del Olmo e Juarez Cirino dos Santos. Como
metodologia recorreu-se a revisão bibliográfica, análise de dados e estatísticas
oficiais.
Historicamente, as conquistas de direitos pelas mulheres nos últimos anos não
atingiram a todas de forma igualitária. As que possuem mais privilégios possuem
mais direitos. Assim, mulheres da classe trabalhadora, pobres, periféricas,
negras, indígenas, transexuais, lésbicas, estrangeiras, idosas e deficientes, entre
142
outros grupos desprivilegiados, têm restringidas suas possibilidades de
oportunidades e de acesso às posições de poder e de cidadania.
Atualmente, o tráfico de drogas é o principal mercado ilícito do mundo,
interligado ao tráfico de armas e de pessoas. No Brasil, a Lei nº 11.434 de 2006,
a “Lei de Drogas”, é consequência da “ideologia da diferenciação” que contribui
para a seleção das pessoas mais vulneráveis nas redes de tráfico de drogas, as
quais serão filtradas pela polícia, julgadas rigorosamente pelos juízes e destinadas
a cumprir longas penas nas prisões.
Quanto mais marginalizada a mulher, mais chances de que ela esteja
desempregada, inserida no mercado informal de trabalho ou, até mesmo,
trabalhando no mercado ilegal, como no caso das que enxergam na rede do
tráfico de drogas uma oportunidade de conciliação entre os dois tipos de
trabalho, produtivo e reprodutivo. Essas mulheres, em sua maioria, têm por
característica o fato de serem facilmente substituíveis na hierarquia deste
mercado quando presas.
Nessa situação, a opção feita pelos Estados Unidos em acabar com as drogas nos
países produtores, expõe sua incapacidade de combatê-las em seu próprio
território. E se, apesar disso, eles continuam a perpetuar esta guerra é por terem
outro alvo, que não são as drogas, mas a classe trabalhadora e a juventude latino-
americana, a população negra e os imigrantes.
Por todo o exposto, esta produção mostra-se pertinente ao tema do GT escolhido
para sua submissão, já que pretende aprofundar-se nas questões relativas às
relações entre desigualdades e violência, com o intuito de identificar as raízes do
problema apontado. Desta forma, visa contribuir com a construção de
alternativas para a superação da política de encarceramento em massa do Estado
brasileiro, fomentada pelo imperialismo norte-americano.
143
6. DIREITO PENAL E DECOLONIALIDADE: REPENSANDO A CRIMINOLOGIA CRÍTICA E
O ABOLICIONISMO PENAL
Autor: Isaac Porto dos Santos
Coautora: Lívia Miranda Müller Drumond Casseres
Resumo:
O objetivo do presente trabalho é o de enxergar o direito penal como uma
consequência da colonialidade. Com isso, quer-se pensar, de um lado, que o
sistema jurídico-penal no Brasil é fruto de um processo violento de colonização.
De outro, quer-se verificar, também, como a própria criminologia crítica e o
abolicionismo penal podem fazer perpetuar elementos importantes dessa
colonialidade.
De antemão, é preciso dizer que, assim como Thula Pires entende em recente
artigo (PIRES, 2017), não se pretende, aqui, listar uma série de limitações e
incapacidades de ambos os ramos criminológicos e inviabilizar as possibilidades
de diálogo.
Antes, quer-se realizar um recentramento epistemológico, a fim de possibilitar
uma construção conjunta entre a criminologia e os saberes produzidos por
mulheres, negros/as, LGBTI+ e demais grupos subalternizados.
Assim, pretende-se se dar uma perspectiva decolonial aos estudos
criminológicos, entendendo que a conquista colonial engendra uma cultura
punitiva que continua viva em nossa sociedade. A decolonialidade, aqui, será
entendida nos termos de Ochy Curiel, para quem tal posicionamento significa
uma capacidade de reconhecer a dependência de processos culturais e políticos
resultados do capitalismo, da modernidade ocidental, da colonização europeia e
de seus processos de racialização e sexualização das relações sociais, da
heterossexualidade obrigatória e da legitimação do pensamento único. (CURIEL,
2011).
144
A perspectiva decolonial, portanto, permite pensar o direito penal e os órgãos da
justiça criminal para além do argumento da seletividade penal, tendo em vista
que, como a colonialidade é integralmente impregnada, de maneira imbricada,
pelos códigos da raça, do gênero, da classe e da sexualidade, não é possível se
falar em direito penal sem enxergá-lo como um resultado, justamente, das
tensões de raça, gênero, classe e sexualidade.
Por outro lado, a metodologia decolonial também requer que se pense não
somente nos efeitos do direito penal para negros/as, mulheres, LGBTI+ e para a
classe trabalhadora, mas, também, em como o direito penal perpetua privilégios
e vantagens historicamente usufruídos por homens, brancos, heterossexuais e
proprietários (PIRES, 2017).
Com isso, pergunta-se: ao não abordarem o privilégio branco, masculino,
heterossexual e proprietário, estariam a criminologia crítica e o abolicionismo
penal fazendo perpetuar, ainda que inconscientemente, um sistema de
dominação colonizador? Teriam a criminologia crítica e o abolicionismo penal
repetido algumas fórmulas euronorcêntricas à realidade brasileira?
Obviamente, não se pretende deslegitimar nenhum dos campos criminológicos,
nem deixar de reconhecer a sua importância para a discussão de grupos
subalternizados no campo da criminologia. De fato, entender que o sistema penal
recai sobre os mais pobres, bem como enxergar as relações entre o direito penal
e o capitalismo, foram passos essenciais para a discussão criminológica
progressista.
No entanto, entender o direito penal desde uma perspectiva decolonial pode
permitir maiores possibilidades de diálogo entre a criminologia crítica, o
abolicionismo penal e os movimentos negros, feministas e LGBTI+, a partir de
conversas horizontalizadas e desierarquizadas,
145
7. VIOLÊNCIA CONTRA MULHER E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO NA
SOCIEDADE
Autor: Isael José Santana
Coautora: Jéssica Lima Zanardo
Resumo:
O fenômeno da violência doméstica praticada contra a mulher é um tema
absolutamente arcaico, que se faz presente desde muito cedo nas sociedades e
continua existente, de forma cada vez mais preocupante na realidade social. A
violência contra mulheres, de acordo com os ensinamentos de Claudia Piori
(2007 – pág.16): [...] “é qualquer conduta de discriminação, agressão ou coerção,
ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que lhe cause dano, morte,
constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social,
político ou econômico ou perda patrimonial. [...] É uma manifestação de relações
de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, que conduziram à
dominação e à discriminação pelos homens e impedem o pleno avanço das
mulheres”.Nesse sentido, tendo em vista o alto índice de violência registrado em
Paranaíba – MS, elaborou-se um projeto de extensão na Universidade Estadual
de Mato Grosso do Sul – Unidade Universitária de Paranaíba denominado de
“Crimes de violência doméstica: prevenção sob a perspectiva da Justiça
Restaurativa”, o qual encontra-se em andamento e objetiva a prevenção e
informação a respeito dos crimes de violência doméstica praticados contra a
mulher.Além disso, em parceria com o curso de Psicologia da Universidade
Federal do MS, são produzidos encontros com as vítimas de violência com o
objetivo de informar e auxiliar na conscientização no que tange à garantia dos
seus direitos (objetivos e subjetivos) e no que diz respeito ao exercício dos
mesmos.No entanto, sob um olhar criminológico, levando em consideração a
cultura enraizada de opressão e submissão da figura feminina regida por um
146
sistema patriarcal,percebe-se a necessidade de trabalhar não só com a vítima,
mas também com os ofensores. Nesse aspecto, a Ciência da Criminologia, de
acordo com Edwin Sutherland, (1996 – pág. 25) é o “conjunto de conhecimentos
que estudam o fenômeno e as causas da criminalidade, a personalidade do
delinquente e sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo”. Diante desta
perspectiva, elucida-se também a recuperação e conscientização do ofensor por
meio da Justiça Restaurativa, de modo a proporcionar espaços de reflexão para
os autores da violência buscando estratégias que resolvam não apenas a punição,
mas a reparação ampla do crime.Assim, contando com equipes profissionais da
área, como psicólogos, juízes, professores, assistentes sociais e com o apoio do
Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, serão proporcionados espaços de
reflexão sobre questões de gênero, igualdade de direitos e assuntos afins para os
ofensores, uma vez que o procedimento da Justiça Restaurativa visa a
possibilidade de reparação de danos, de atendimento das necessidades da vítima
e da responsabilização do ofensor, na intenção de pacificar as relações sociais.
Além disso, a aplicação desta técnica busca também oportunizar o diálogo, bem
como o reconhecimento e conscientização dos atos praticados pelo ofensor. É
importante ressaltar que o Poder Judiciário do MS fornecerá cursos de
capacitação para profissionais que atuarão na figura de facilitador restaurativo,
visando à aplicação adequada da técnica e traçando a utilização da Justiça
Restaurativa como método alternativo e complementar à Justiça Tradicional.
147
8. VIOLÊNCIA SIMBÓLICA DE GÊNERO: UMA ANÁLISE DE SUAS RAÍZES HISTÓRICO-
CULTURAIS E SUA MANIFESTAÇÃO EM DECISÕES JUDICIAIS
Autor: Leonardo Abido
Resumo:
No presente estudo, analisa-se a violência de gênero ocorrente no âmbito
brasileiro, mais especificamente acerca do instituto da violência simbólica de
gênero. Através de um breve aporte histórico da violência de gênero e utilizando-
se o método de pesquisa hipotético-dedutivo, procura-se responder ao problema
de pesquisa: Há ou não, e de que maneira se manifesta, a violência simbólica de
gênero em decisões judiciais? Como forma de agregar exemplos ao trabalho e
facilitar a visualização das formas que a violência de gênero se manifesta na
sociedade contemporânea, traz-se decisões judiciais em que haveria
demonstração de preconceitos relacionados a uma violência simbólica de
gênero.
Assim, o presente trabalho estrutura-se em três partes. Inicialmente, procurou-
se estabelecer algumas definições básicas e conceituais acerca da violência de
uma maneira geral. Neste aspecto, analisou-se de uma forma ampla,
abrangendo-se as diversas formas e manifestações da violência, principalmente
visando romper a ideia de que a violência precisa ser necessariamente física para
ser considerada existente. Posteriormente, realizou-se uma análise histórica de
como a violência de gênero se instalou no Brasil, dando-se ênfase especialmente
a questão do patriarcalismo como uma das principais causas da violência de
gênero. Ainda foi realizada uma conceituação da violência de gênero, tomando-
se por base principal o conceito de violência de gênero talhado por Heleieth
Saffioti, ampliando-se o espectro de verificação da ocorrência dessa violência
para além das identidades tradicionais de gênero, abrangendo-se também as
chamadas identidades alternativas de gênero. Por fim, trouxe-se a questão da
148
violência simbólica. Primeiramente em uma abordagem ampla, utilizando-se
principalmente do conceito construído pelo sociólogo Pierre Bourdieu e, após,
tratando-se essencialmente como a violência simbólica se manifesta em relação
ao gênero. Como forma de exemplificação, trouxe-se alguns exemplos de
decisões judiciais a fim de demonstrar como essa forma de violência se manifesta
de diferentes formas em todos os nichos da sociedade.
Em conclusão, vislumbra-se que a violência simbólica de gênero é um fenômeno
que se manifesta cotidianamente na sociedade, estando presente nos mais
diversos setores da sociedade. Propôs-se também em conclusão, a adoção de
medidas para evitar casos de violência simbólica de gênero, como a
implementação de políticas públicas que visem tal fim. Tais políticas, contudo,
esbarram no conservadorismo ainda latente na sociedade, que não enxerga as
problematizações relativas ao gênero como algo realmente preocupante e que
mereça atenção dos poderes públicos.
9. A CRIMINALIZAÇÃO E A PRECARIZAÇÃO DA VIDA DAS COMUNIDADES
QUILOMBOLAS DE CONTENTE E BARRO VERMELHO NA CONSTRUÇÃO DA
FERROVIA TRANSNORDESTINA: RACISMO INSTITUCIONAL COMO INSTRUMENTO
DE DOMINAÇÃO DESENVOLVIMENTISTA
Autor: Lucas Araujo Alves Pereira
Resumo:
A presente proposta trata-se de um recorte de uma pesquisa em andamento,
que estuda os mecanismos de controle social das comunidades quilombolas
Contente e Barro Vermelho, localizadas no munícipio de Paulistana-PI. Este
fenômeno ocorre no processo de construção da Ferrovia Transnordestina, que
149
criminaliza e precariza a vida das referidas comunidades quilombolas em
questão.
Pois no ano de 2013, as mencionadas comunidades ocuparam o canteiro de
obras da Construtora Odebrecht (responsável por construir a ferrovia), o que
evidenciou um processo de criminalização da resisistência destes povos
tradicionais, pois essa mobilização por direitos fez com que os representantes do
empreendimento registrassem a ocorrência de um crime junto ao distrito policial
local, o que ocasionou a abertura de procedimento investigativo para apurar o
caso (SOUSA et al, 2013).
Dessa maneira, esse processo de resistência é uma reação à sequência de
violações aos direitos humanos destas comunidades quilombolas, que podem ser
verificadas por diversos impactos causados pela construção da ferrovia (SOUSA
et al, 2015, p. 88).
2. Problema de Pesquisa
Diante disso, o problema que deve ser enfrentado no trabalho é saber em que
medida a política de desenvolvimento representada pela construção da ferrovia
transnordestina exerce um controle social de criminalização e precarização da
vida sob as comunidades quilombolas Contente e Barro Vermelho?
3. Aspectos Metodológicos
O levantamento das informações também se dará de maneira a articular o
levantamento documental e bibliográfico relacionado aos referenciais teóricos
centrais, como a noção de criminalização secundária de Zaffaroni (2001),
mecanismos formais e informais de controle social de que tratam Castro (2005)
e Andrade (2012), o debate sobre a Biopolítica de Focault (2002) e Mbemb
(2011), além da categoria de desenvolvimento na perspectiva de Ribeiro (2012)
e a discussão relativa de hierarquia de raças feita por Sueli Carneiro (2005).
4. Questões Teóricas
150
A fundamentação teórica que orienta a pesquisa é feita em dois vieses: a
natureza excludente, colonialista e racista do desenvolvimento, com base em
Ribeiro (1992), Doneles (2003) e Sousa et al (2015); sendo o outro viês a
perspectiva epistemológica que denuncia as várias formas de racismo como
controle social com Foucault (2002) e Achille Mbemb (2012).
Considerando essa concepção, o que se opera são duas dimensões do controle
social, sendo a criminalização realizada no âmbito formal e a precarização da vida
imposta de maneira informal ou difusa (ANDRADE, 2012; CASTRO, 2005).
5. Principais Conclusões do Tabalho
À vista disso, a matriz epistemológica do desenvolvimento se constitui em uma
estrutura ideológica universal, e, portanto, subverter esta ordem direciona as
comunidades quilombolas ao que Barata (1991) chamou de controle social do
desvio, operando, dentre outras maneiras, a partir da criminalização e da
precarização da vida, observados na construção da Ferrovia Transnordestina.
Afere-se então, que a ideia de desenvolvimento econômico imprime uma ordem
social que se materializa na concepção das políticas públicas direcionadas ao
atendimento dessa expectativa hegemônica e produz controle social em razão
de direcionar as formas de viver e produzir.
10. UMA NOVA ABORDAGEM AO COMBATE Á VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Autora: Michelle Martins Papini Mota
Coautor: Paulo José Angelo Andrade
Resumo:
Existem vários tipos e formas de violência contra as mulheres, sendo as temáticas
as mais diversas e abrangentes possíveis. No presente, serão evidenciadas as
representações da violência doméstica passando pela discussão de gênero,
151
sexualidade e atos contra a mulher sob a mirada dos direitos humanos e garantias
fundamentais.
Neste ciclo de violência doméstica contra a mulher há de se ter um olhar nos
partícipes diretos e indiretos, em especial na atuação do Estado, através de sua
força policial, bem como as políticas públicas e as ações afirmativas.
Este elenca elementos da legislação protetiva, disposições do texto da
Constituição Federal brasileira de 1988, fará uma análise da Lei Maria da Penha,
bem como do modelo procedimental adotado pela Polícia Militar no Estado de
Minas Gerais, no atendimento a ocorrências de violência doméstica e a sua
prevenção. A pesquisa visa verificar a extensão do problema, das medidas
tomadas e, realizar ponderações, tudo na direção da garantia dos direitos das
mulheres vítimas de violência doméstica. Busca-se analisar a preservação de
garantias individuais das mulheres, com destaque, ao conceito de gênero
apresentado por Maria Lugones e Anibal Quijano. Objetiva-se, ainda, fazer uma
abordagem histórica do papel da mulher e a sua exclusão, como causa da
violência doméstica. Desta perspectiva, passa-se a verificar dados, acerca dos
direitos às mulheres vítimas de violência no Brasil, bem como analisar o ciclo de
vitimização. Como procedimento metodológico utiliza-se do bibliográfico-
investigativo.
11. EXPLORAÇÃO VS. TRABALHO SEXUAL - PERSPECTIVA CRÍTICA DA LEI BRASILEIRA
DE COMBATE AO TRÁFICO DE PESSOAS
Autora: Micaela Amorim Ferreira
Coautor: Paulo César Corrêa Borges
Resumo:
O Brasil, signatário do Protoloco de Palermo e país-membro da Organização das
152
Nações Unidas, se vincula às disposições ali presentes, principalmente no que
refere à definição de condutas que tipifica o tráfico de pessoas. Entretanto, tal
instrumento, oficialmente conhecido como “Protoloco Adicional à Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e
Crianças”, apesar de enfatizar a proteção às mulheres e crianças e apontar - em
seu art. 3º - a “exploração da prostituição de outrem ou outras formas de
exploração sexual” como um dos principais preceitos a ser combatido, não define
de forma eficiente tais conceitos. Consequentemente, a partir da leitura estrita
do Protocolo, é possível depreender entendimento de que a prostituição, para
ser caracterizada como tráfico, deve incluir um terceiro elemento: o explorador.
No entanto, em razão de lacuna conceitual, as medidas repressivas relacionadas
ao tráfico de mulheres e a prostituição mudam drasticamente de nação para
nação, pois, no caso de uma mulher maior de idade, que decide trabalhar
legalmente e por iniciativa própria em um país onde tal profissão é
regulamentada, a depender da política anti-tráfico adotada pelo país, pode sofrer
repreensão por parte do governo ou não. Obviamente, não há tal dicotomia no
caso de uma menina de 11 anos raptada e prostituída contra sua vontade. A partir
do exposto, o objetivo da presente pesquisa é analisar a anterior disposição do
Código Penal, que determinava que qualquer assistência ao movimento
internacional ou nacional de prostitutas caracterizava tráfico de pessoas, sem
qualquer valoração acerca da violação dos direitos humanos destas,
contradizendo a ampla definição adotada pelo Protocolo de Palermo e gerando
impossibilidade das profissionais do sexo exercerem dignamente sua profissão. E
com base em tal análise, busca-se observar a recente alteração da tipificação do
crime de tráfico de pessoas, realizada pela Lei 13.344 de 2016, colocando a
legislação brasileira em consonância com o instrumento internacional
153
mencionado, conjuntamente com a tratativa estatal interna sobre a questão da
prostituição como profissão legal, questionando se houve avanço em relação a
essa discussão. Essa temática se relaciona com o GT 8 ao debater o movimento
pela conquista de direitos das profissionais do sexo, observando o papel do
direito e da justiça penal no enfrentamento das desigualdades vivenciadas pelas
mulheres vítimas do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual em
oposição aos indivíduos que buscam ser profissionais do sexo de forma livre e
consciente. Para elaboração desse estudo, pressupõe a utilização de intensas
análises bibliográficas de obras que estão direita e indiretamente relacionados ao
tema proposto, em especial autores renomados como Ela Wiecko de Castilho,
Adriana Piscitelli, Kamala Kempadoo, Laura Maria Augustin, entre outros. Além
da análise de fontes legislativas internacionais e nacionais. Para tanto, utiliza-se
o método dedutivo para se chegar à conclusão a partir das premissas
estabelecidas, além do método dialético, permitindo o estudo das normas
jurídicas como fruto de construções culturais.
12. NECROPOLÍTICA e FEMINICÍDIO: A MORTE E AS MORTES DAS MULHERES
Autora: Priscilla Placha Sá
Resumo:
“A Confissão da Leoa”, obra literária de Mia Couto (2012), é a chave para discutir
– no recorte do assassinato de mulheres” – o que pode ser pensado como a
expressão máxima do biopoder sobre a vida das mulheres: a necropolítica
(MBEMBE, 2016). Os assassinatos ao cair da noite e ao nascer do dia das
mulheres numa aldeia moçambicana partilham experiências de uma constituição
– em certa medida – universalizada no registro da expressão “corpo de mulher,
perigo de morte”, como se percebe nos trabalhos de Segato (2005, 2006, 2011)
154
sobre o assassinato de mulheres no México. Fenômeno que também é objeto da
literatura de Jennifer Clement (2015), em “Reze pelas Mulheres Roubadas”, que
conta a saga de mães que transmudam suas filhas em meninos, cortando seus
cabelos e modificando suas roupas, para evitar violências e sequestros numa das
regiões mais terrificantes do México. Assassinato, aqui, é expressão escolhida
deliberadamente a partir da controvertida descrição legal do feminicídio no
marco legislativo brasileiro que designa somente alguns tipos de mortes de
mulheres, como já ocorrera em outros países da América Latina (PASINATO,
2011). O objetivo do presente trabalho é analisar, a partir da categoria do
biopoder (2005) e sua matriz foucaultiana que representa não apenas o deixar
viver, mas o fazer morrer uma razoável quantidade de gente, a manifestação da
necropolítica quanto ao feminino e aos corpos feminizados (SEGATO, 2006). A
inscrição e os registros inclusive no corpo, a partir dos instrumentos utilizados e
da sede das lesões (MENEGHEL e HIRAKATA, 2011) convocam a atenção para esse
modo particular do ápice da biopolítica. Fenômeno que ultrapassa o locus da
esfera doméstica e inscreve-se como prática estrutural (SEGATO, 2006); prática
que torna tanto as ruas quanto as casas espaços perigosos para o viver das
mulheres. Com breves remissões aos trabalhos e à intervenção política de Russel
e Jilford (1992) e Lagarde (2007), o texto será norteado, além da categoria
foucaultiana, pelas proposições de Segato (2005, 2006, 2011) a respeito de uma
comunhão fratriárquica que é a um só tempo discursiva e real. E que autoriza a
continuidade do desígnio letal como o destino único de muitas mulheres. A
metodologia utilizará do aporte teórico de Foucault (2005, 2008) e Segato (2005,
2006, 2011), tangenciando as teorias feministas (Portella e Ratton, 2015; Campo,
2015) e trazendo as categorias anteriormente indicadas para fazer a análise dos
dados registrados em relatórios disponíveis sobre a letalidade de mulheres, em
especial, o Mapa da Violência (INSTITUTO SANGARI / FLACSO), Atlas da Violência
155
(DataSenado) e Anuário de Segurança Pública (Fórum Nacional de Segurança
Pública). Nesses instrumentos é possível verificar tanto um “perfil” da vítima,
quanto das condições em que as mortes ocorreram. As conclusões parciais
parecem indicar um fenômeno mais complexo do que aquele evidenciado por
uma violência circunscrita ao espaço doméstico e nomeada pela lei, associando-
se aos eventos da violência urbana, com memórias de prática de guerra e vertida
na estruturação social em marcos nos quais as práticas necropolíticas ditam
quem está sujeito ao assassínio e quem será o seu algoz.
13. A CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA E O PROCESSO DE
CATEGORIZAÇÃO LINGUISTICO SOCIAL DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA EM INQUÉRITOS POLICIAIS
Autora: Rebeca Lins Simões De Oliveira
Coautora: Isabela Cavalcante Santos
Resumo:
O presente trabalho busca o estreitamento teórico entre o Direito, de natureza
social crítica, e a Linguística Crítica Discursiva. Destina-se à análise de inquéritos
policiais selecionados na Delegacia da Mulher, Recife/Pernambuco em 2017 e
2018, com objetivo é investigar a (des) construção discursiva e ideológica da
imagem da mulher e como a mesma é representada no suporte textual “inquérito
policial” quando é vítima de violência doméstica, Lei 11.340, resultante de
comportamento machista, sexista e/ou misógino por parte do cônjuge. Para
efetivar este trabalho, analisamos os textos numa perspectiva sincrônica e das
relações entre língua, história, cultura, relações de poder e sociedade,
compreendendo o discurso, como um modo de representação social e uma ação
sobre o mundo e sobre o outro. O percurso teórico utilizado será baseado na
156
perspectiva da Análise Crítica do Discurso textualmente orientada a partir de uma
dinâmica que busque identificar os elementos linguístico-discursivos que operam
no processo de interface entre os “macroaspectos” (contexto social) e os
“microaspectos” (linguísticos). Tem como marco teórico Norman Fairclough,
apoiando-se ainda em Arendt, Baratta, Bourdieu, Colares, Foucault e Thompson.
Essa perspectiva teórica ampara nosso estudo devido ao seu aspecto
multidisciplinar e seu direcionamento sobre as relações entre linguagem, poder,
denominação, discriminação e controle. A metodologia empregada quanto à
abordagem dos dados, tipologia, é de cunho bibliográfico e documental e a
metodologia empregada caráter qualitativo - explicativo. Foram cotejadas as
teorias da Análise Crítica do Discurso Jurídico e da Criminologia crítica no que
concerne aos conceitos de Ideologia, Relações de Poder, Legitimação,
Dominação e Representação através dos os modos gerais de operação da
ideologia (Thompson). Investigou-se como as estruturas discursivas utilizadas,
no corpus coletado, utiliza estratégias que externam as vozes hegemônicas da
perspectiva ideológica do machismo. Por essa razão, esse trabalho apresenta
especial pertinência ao GT-8 Gênero, Sexualidade e Relações Raciais na Justiça
Criminal, pois demonstra como o machismo estrutural impacta negativamente a
forma de tratamento promovida pelo sistema penal às vítimas de violência
doméstica, fazendo com que a Justiça Criminal, que deveria atuar no amparo de
mulheres vítimas, na verdade, não as protege de modo efetivo quanto a sua
representação e as expõe ao que denominamos de violência institucional.
157
14. MÚLTIPLAS FACETAS DO ENCARCERAMENTO FEMININO:
SUPERENCARCERAMENTO, ABANDONO E MATERNIDADE
Autor: Taiguara Libano Soares e Souza
Coautora: Betânia de Oliveira Almeida de Andrade
Coautor: Lukas dos Santos Costa
Resumo:
O presente trabalho se insere em um conjunto de pesquisas que visam indagar a
relação de gênero e privação de liberdade. A metodologia incorpora a realização
de pesquisa sociojurídica, com base em indicadores obtidos de órgãos
governamentais e instituições da sociedade civil, pesquisa bibliográfica e
realização de pesquisa quantitativa e qualitativa em uma Unidade Prisional
Feminina do Rio de Janeiro. A partir dos dados obtidos, sinalizamos o aumento
exponencial da população carcerária feminina, a seletividade penal verificada no
encarceramento feminino e, por fim, como a pena de prisão consiste em uma
pena restritiva aos direitos da mulher, mas também dos filhos que necessitam
dos seus cuidados.
Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da
Justiça (Infopen) revelam que enquanto a taxa total de aprisionamento geral
aumentou 119% entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento de mulheres
aumentou 460% no mesmo período. Diante disto, em contraposto à escassa
produção teórica sobre mulheres em privação de liberdade, apresentamos uma
realidade que marca o expressivo aumento da população carcerária feminina. O
que a Criminologia Crítica denomina de “Era do Grande Encarceramento”
(SOOUZA, 2015).
Verificamos uma realidade sistêmica de abandono das mulheres privadas de
liberdade que se manifesta por múltiplas facetas, fato identificado na absoluta
insuficiência de políticas públicas para atender às demandas da mulher
158
encarcerada, com características tão particulares, bem como, no abandono
familiar a esta mulher quando a mesma quebra a expectativa social
(LEMGRUBER, 2015). Há uma grande precariedade quanto ao fornecimento de
remédio, atendimento médico ou produtos de higiene básicos como: absorvente,
papel higiênico e sabonete.
A violência como forma de manutenção do poder é percebida nesta realidade
(BOURDIEU, 2002). A mulher criminosa deixa de ocupar o papel esperado para
ela enquanto sujeito na sociedade, não se adequa a expectativa social, e é julgada
não só pela prática de uma conduta criminosa, mas por ser classificada como
mulher desviante. O contexto de privação de liberdade da mulher representa
mais uma forma de manifestação das relações de poder históricas entre homens
e mulheres (BOURDIEU, 2002). O poder punitivo opera sobre a mulher através
de múltiplas facetas (PANCIERI, 2014, p. 74).
Por fim, como se não bastassem os direitos fundamentais da mulher presa,
ressaltamos o princípio constitucional da intranscendência das penas (art. 5º,
inciso XLV, CRFB/88) aliado ao princípio constitucional da presunção de inocência
(art. 5º, LVII, CRFB/88). Tratamos da transposição do estigma da Mãe para o Filho.
Abordamos como o aprisionamento desta mulher/mãe impõe, por via reflexa,
ofensa a princípios constitucionais no que tange a direitos e garantias
fundamentais da mulher presa, bem como à integridade física e à vida do
nascituro e da criança.
159
15. VIOLÊNCIA EM ESCALA E PRISÃO DE INDÍGENAS: REFELXÕES
CONTEMPORÂNEAS
Autora: Thais Janaina Wenczenovicz
Resumo:
Diversas tem sido as forma de violências exercidas contra as Comunidades
Indígenas na América Latina e Brasil. Para compreender essas violências em
oposição as Comunidades Nativas no Brasil contemporâneo, faz-se necessário
partir de uma análise sistêmica e de longa duração, considerando sua inter-
relação com o poder. Poder utilizado no processo de ocupação e povoamento,
nas disputas por terra, ou nos processos de aldeamento, aculturação e
assimilação.
Respostas simples para problemas complexos, costumam circundar o senso
comum e se difundir com muita velocidade como é o caso das comunidades
nativas, especialmente quando se reconhece o grau de violência aplicado sobre
as centenas de grupos que povoavam a América antes da chegada do
colonizador. Através do ideário de colonialidade se efetivou o genocídio e o
etnocídio o que colocou as comunidades indígenas sobreviventes a total
subalternidade e vulnerabilidade sócio-econômica e cultural.
Sabe-se que a questão da sobrevivência física impõe iniciativas objetivas:
atendimento médico; garantia de território; punições a práticas de genocídio. Já
a sobrevivência cultural apresenta problemas de outro tipo, sendo que o primeiro
é defini-la. Para tanto, objetiva-se, nesse artigo, fazer uma reflexão do que se
entende por "liberdade", "prisão" e violência na conjuntura pós-constituição
federal brasileira de 1988.
Segundo dados do DEPEN/InfoPen, havia, em dezembro de 2010, um total de 748
(setecentos e quarenta e oito) indígenas internos no sistema penitenciário, sendo
56 (cinquenta e seis) mulheres e 692 (seiscentos e noventa e dois) homens. Sabe-
160
se, no entanto, que estes dados são de aproximação, pois o perfil racial da
população carcerária é realizado pelos gestores das unidades por meio do
preenchimento de um questionário padrão a qual não se ouve o apenado. Essa
diferença na coleta dos dados, a exemplo da metodologia seguida pelo PNUD
também minimizam importantes variáveis socioeconômicas dos apenados
indígenas
Enquanto procedimento metodológico utiliza-se do método etnográfico e
bibliográfico-investigativo, acompanhado de documentos jurídicos como a
Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da
Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1989); a Declaração das
Organizações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007); a
Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais
da UNESCO; a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial;
cartas e decretos da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) e a
Constituição do Brasil de 1988. Para a comparação de dados e bases estatísticas
emprega-se os indicadores da Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (CEPAL), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o
relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil/2015 - publicado pelo
Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e dados da Fundação Nacional do índio
(FUNAI) e DEPEN/InfoPen.
161
16. RAÇA E GÊNERO NA CRIMINOLOGIA: A DESUMANIZAÇÃO DAS MULHERES
NEGRAS COMO FERRAMENTA DE UM SISTEMA PENAL GENOCIDA
Autora: Camilla de Magalhães Gomes
Coautora: Nathália Cesário Santos Cecílio
Resumo:
O sistema penal brasileiro, como já apontou a criminologia crítica, possui funções
declaradas que escondem suas funções reais. Tomando, então, a criminologia
crítica, o gênero como categoria de uma análise decolonial e a teoria crítica da
raça como referenciais teóricos, este texto procura pensar que funções reais o
sistema esconde em sua atuação em relação às mulheres negras – cissexuais,
transexuais e travestis - em situação de cárcere ou que tenham sua vida de algum
modo afetada pelo cárcere. De modo mais detalhado: tomando por base a tese
de Flausina da existência de um projeto genocida contra a população negra,
executado por meio do sistema penal, entendemos ser fundamental partir da
afirmação de que a chave da atuação do sistema é a negação da humanidade da
população negra. Quando pensamos, contudo, que, no marco da colonialidade,
gênero e raça se articulam e se constroem mutuamente, colocamos uma outra
pergunta ao sistema: como esse processo de desumanização atua nos marcos de
gênero e raça, como essa atuação do sistema face às mulheres negras promove
processos de desumanização específicos contra elas como parte desse grande
projeto genocida?
Com essa forma de analisar o sistema penal em mente, o artigo propõe realizar
uma primeira aproximação a respeito da atuação deste em face das mulheres
negras. Afinal, se até aqui muito se disse a respeito da seletividade operada
contra e sobre o jovem negro, é preciso reconhecer que uma alteração – ou uma
inclusão, já que se trata muito mais de uma expansão do sistema do que de uma
substituição de atingidos - significativa tem sido promovida no perfil do
162
selecionado, com o significativo aumento do encarceramento de mulheres no
país. Assim, cinco componentes são analisados para buscar algumas respostas às
perguntas feitas: os dados baseados em critérios de raça/cor que não permitem
uma leitura adequada dos números do encarceramento em termos de raça; a
inexistência ou precariedade da garantia de atendimento médico e produtos de
higiene íntima; o controle da sexualidade por meio de limites às visitas íntimas; o
destino de mulheres transexuais, transgêneros e travestis e as revistas vexatórias.
Com tudo isso em mente, discutimos, ao final, que as práticas de desumanização
de gênero e raça nada tem com um desvio do sistema, um excesso diante do
perigo ou apenas uma prática abusiva; são mesmo o seu retrato e o retrato de
suas funções reais não declaradas, que se desenvolvem como controle dos
corpos e que assim podem se desenvolver por sustentar-se em um processo de
desumanização: corpos desumanizados são corpos manipuláveis e violáveis, uma
vez que as investidas contra eles produzidas não são percebidas como violência.
163
GRUPO DE TRABALHO 9:
JUSTIÇA JUVENIL
Ementa: O objetivo deste GT é fomentar o debate a respeito do sistema de justiça
juvenil, das políticas de segurança pública e das instituições de controle em que
os jovens adolescentes sejam o foco. Neste sentido, o GT se abre como um
espaço para discussões teóricas e apresentações de achados empíricos na área
do direito e das ciências sociais. Serão selecionados trabalhos que abordem a
temática da violência juvenil, bem como as respostas das instituições estatais
para os conflitos infracionais e criminais. Serão priorizadas as propostas que
apresentem reflexões sobre questões de raça e gênero, em uma perspectiva
crítica à seletividade do sistema de justiça juvenil e criminal, às demandas
punitivistas e às propostas de redução da maioridade penal.
Coordenadora Dra. Mariana Chies
Doutora em Sociologia (2018) pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Concluiu o Mestrado (2013)
em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS), onde também fez especialização em Ciências Penais (2011). Bacharel
em Ciências Sociais pela UFRGS (2013) e em Direito pela PUCRS (2009). É
Coordenadora-Chefe do Departamento da Infância e Juventude do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0902400941116843
Coordenadora Ana Claudia Cifali
Mestre e Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre em Cultura de Paz,
164
Conflitos, Educação e Direitos Humanos pela Universidade de Granada.
Colaboradora do Programa Interdepartamental de Práticas com Adolescentes em
Conflito com a Lei da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora
do Grupo de Pesquisa em Políticas de Segurança e Administração da Justiça Penal
(GPESC/PUCRS). Coordenadora-Adjunta do Departamento de Infância e
Juventude do IBCCRIM. Advogada. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9865957374821514
165
Trabalhos:
1. DESIGUALDADE NO SISTEMA PENAL JUVENIL: UMA CRÍTICA À SELETIVIDADE DO
SISTEMA DE JUSTIÇA JUVENIL NA PERSPECTIVA DE GÊNERO
Autora: Ana Claudia Souza Valente
Coautor: Antonio Henrique Graciano Suxberger
Resumo:
A massa de mulheres presas tem um perfil semelhante de vulnerabilidade: são
jovens, pobres, negras, trabalhadoras informais e com pouca escolaridade. A
sobrevivência, no entanto, parece ser ainda mais difícil para aquelas com
passagem pela medida socioeducativa de internação na adolescência (DINIZ,
2017, p.06). O objeto de pesquisa está centrado nas adolescentes em conflito
com a lei, pois, em geral, todas as adolescentes que cumprem a medida
socioeducativa de internação sofreram, antes de serem submetidas ao regime de
privação de liberdade, violências de toda ordem (físicas, psíquicas e emocionais),
evidenciando que como as dimensões de gênero repercutem no sistema punitivo
de modo essencialmente seletivo (HERRERA FLORES, 2005, p.24). Será que as
adolescentes, têm todas os mesmos problemas sem distinção e sofrem as
mesmas dominações e situações de exploração? Elege-se como marco teórico a
teoria crítica dos direitos humanos (HERRERA FLORES, 2009), em especial no seu
recorte de gênero, caracterizado pela abordagem “opressões sobrepostas”. A
utilização do aporte crítico permitirá uma análise do desvio e dos processos de
controle do sistema de justiça penal juvenil. O destaque dirige-se ao risco de
vivenciarmos eternamente aquilo que Emílio Garcia Mendéz chama de “crise
implementação” e “crise de interpretação” do Estatuto da Criança e do
Adolescente (GARCIA MÉNDEZ, 2000, p. 01). A raça, a etnia e a classe social, além
das diversas formas de violências cometidas contra as crianças e adolescentes,
166
devem ser objeto de questionamento dos atores jurídicos envolvidos no processo
judicial de responsabilização penal das adolescentes, em especial do julgador
quando da escolha da medida socioeducativa a ser aplicada ao caso concreto,
considerando que a adolescente é um ser humano ainda em desenvolvimento e
que a medida extrema traz consequências irreversíveis. O artigo problematiza a
necessidade de romper com o ciclo vicioso que leva adolescentes em situação de
vulnerabilidade extrema ao cárcere, por meio da negação da opressão e da
regulação vertical social imposta pela visão hegemônica do mundo informada
pelo patriarcalismo (HERRERA FLORES, 2005, p.40). Como hipótese, busca-se
demonstrar que não há desigualdade universal e homogênea, já que as mulheres
sofrem diferencialmente dependendo de sua situação, posição, hierarquia
subordinada no âmbito dos processos de divisão social/sexual/racial do trabalho
(HERRERA FLORES, 2005, p.18). Esse tema possui pertinência temática com o
Grupo de Trabalho n. 9, Justiça Juvenil, por abordar achados empíricos na área
do Direito e das Ciências Sociais na seara do sistema de responsabilização juvenil,
bem assim por permitir a reflexão sobre gênero no campo infracional, temática
pouco discutida entre os operadores do direito e que merece ser melhor
observada no campo jurídico. A metodologia empregada será a revisão
bibliográfica e análise de dados obtidos por meio de pesquisas nos órgãos oficiais
do governo, sites de transparência e pesquisas empíricas divulgadas.
167
2. AS IDEIAS FOUCAULTIANAS E O FENÔMENO DAS REBELIÕES NOS CENTROS
SOCIOEDUCATIVOS AO ADOLESCENTE: A INVISIBILIDADE DO ADOLESCENTE
NEGRO
Autora: Ana Paula Cristina Oliveira Freitas
Coautora: Maria Gabriela Silva Martins da Cunha Marinho
Resumo:
O artigo pretende discutir o fenômeno das rebeliões dentro dos Centros
Socioeducativos ao Adolescente como forma de resistência ao poder do sistema
disciplinar. A discussão será realizada a partir das ideias foucaultianas sobre
resistência, sistema disciplinar e poder, para assim entendermos a relação
existente entre Estado/Sociedade e os adolescentes submetidos à medida
socioeducativa de internação.
O artigo será realizado com um recorte étnico-racial, considerando a
preponderância de adolescentes negros no Sistema Socioeducativo, 59,8%
(SINASE, 2018), e mesmo sendo maioria no Sistema esses adolescentes
permanecem invisíveis para o Sistema de Justiça que não faz apontamentos
quantitativos com relação a raça/cor dos jovens. Essa invisibilidade tem relação
direta com a história da infância no Brasil, que tinha como objetivo a
institucionalização de crianças e adolescentes que pudessem ameaçar o futuro
da nação, em regra essas crianças eram negras, pobres e oriundas de famílias
desestruturadas.
Para FERREIRA (2010), a prática do ato infracional é um movimento de inclusão
e resistência do adolescente negro, pois, desde o período escravocrata, os negros
encontravam diversas formas de oposição ao sistema, sendo a primeira e
principal a fuga. Após anos de luta, os adolescentes ainda precisam resistir ao
sistema determinado a eles, e à falta de oportunidades para alcançar as
demandas sociais impostas pela elite.
168
Considerando o sucesso ou fracasso da primeira forma de resistência, a prática
de ato infracional, o objetivo do artigo é analisar a mesma sob o viés das rebeliões
nos Centros Socioeducativos. – “A rebelião como forma de ser ouvido, de gritar....
Os jovens precisam falar e serem ouvidos.” (BOMBARDI, 2008). Nesta perspectiva
temos as revoltas como forma de se manifestar contra o sistema imposto que
objetiva a mudança do eu no adolescente.
O artigo será elaborado com base em uma revisão bibliográfica e na análise de
artigos jornalísticos que noticiaram as ocorrências das rebeliões, para, assim,
entender se há visibilidade das motivações que levam os adolescentes a se
rebelarem.
3. JUSTIÇA RESTAURATIVA JUVENIL: UMA VIA DE APLICABILIDADE DA
SEGURANÇA CIDADÃ NO CONTEXTO DA VULNERABILIDADE
Autora: Arnelle Rolim Peixoto
Coautora: Arkaitz Pascual Martin
Resumo:
É inegável a discussão sobre o aumento dos adolescentes dentro do sistema
socioeducativo no Brasil. Diante da realidade, o movimento de justiça
restaurativa no âmbito juvenil é de extrema importância para estabelecer
resoluções pacíficas e que possam evitar esse aumento contínuo de adolescentes
dentro dessas instituições. A aplicabilidade da prática restaurativa faz com que
seja possível falar na garantia de uma segurança cidadã, visando uma proteção
efetiva dos direitos humanos, principalmente os direitos da criança e do
adolescente, tanto na resolução do conflito como na prevenção futura de uma
infração. Ante este parâmetro, o objetivo neste artigo é partir do estudo sobre
justiça restaurativa juvenil e do conceito de segurança cidadã para que seja
169
evidenciado que a prática restaurativa é relevante para garantir uma segurança
cidadã principalmente dentro de um contexto de vulnerabilidade que se
encontram os adolescentes no Brasil.
4. APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO CUMPRIMENTO DE MEDIDA
SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO ENTRE ADOLESCENTES EM ATOS DE
INDISCIPLINA
Autor: Eduardo Moureira Gonçalves
Resumo:
Tem por objetivo o presente estudo a compreensão e aplicação da Justiça
Restaurativa nos atos de indisciplinas entre adolescentes em cumprimento
socioeducativa privativa de liberdade, especialmente aquelas praticadas com
grave ameaça ou violência.
A Justiça Restaurativa advém de um movimento de jurista para modernização e
eficiência ao engessado Sistema de Justiça para a Seara Criminal com a inserção
da vítima como uma das protagonistas na apuração do delito e não mais como
um dos elementos de prova para fins de configuração da autoria e materialidade,
geralmente arrolada pelo órgão de acusação.
Desta feita, abre-se um diálogo entre agressor e vitima com a finalidade clara de
composição e esclarecimento sobre o episódio que resulto na violação do texto
da lei, ampliando as percepções de lado a lado, desde identificar dor e
sofrimento, e, até mesmo superar a sensação de injustiça caracterizada pelo
distanciamento de pessoas e maior valorização ao processo e procedimento
penal. “Busca, também, de se possibilitar a qualificação e humanização dos
procedimentos adotados e utilizados cotidianamente pelos profissionais em seus
espaços institucionais.” (OLIVEIRA, 2007)
170
Feita tais considerações, imperioso o recorte para a aplicação deste instituto
(Justiça Restaurativa), para adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa de internação, quando estes se envolvem em atos de indisciplina,
praticando novo ato infracional tendo por vítima outro educando também
inserido no ambiente de socioeducação.
Ato infracional praticado durante o cumprimento de medida de internação dá
ensejo à responsabilização administrativa e judicial, devendo tal situação ser
reduzida a termo, para uma sindicância interna (Comissão de Avaliação
Disciplinar – CAD, dirigido pelo diretor do Centro de Internação) e lavrado Boletim
de Ocorrência para apuração efetiva.
Vale destacar que esta é a única hipótese que pode ser ultrapassada o prazo
limite de três anos de privação de liberdade para adolescentes (art. 45, §1º da Lei
nº 12594/2012), a prática de outro ato infracional durante a execução da medida
de internação.
Assim, temos o seguinte cenário: (i) a vítima, em cumprimento de medida
socioeducativa de internação, que tem seus direitos violados estado sobre a
guarda do Estado, e, de outro (ii) agressor, que, burlando todo um sistema de
segurança, consegue praticar lesão relevante a terceiro, mesmo estando em
processo de proteção integral e educação supervisionada.
Neste cenário, a Justiça Restaurativa com exclusividade pode ser uma das
respostas adequadas ao conflito existente, sem a necessidade do uso das
ferramentas jurídicas tradicionais, bem como a possibilidade de o adolescente
entender as consequências de seus atos para além da responsabilização judicial,
compreender as implicações e reações que acarreta na vida do outro educando,
considerando que a medida imposta aos dois internos tem o caráter de mudar o
“eu” do adolescente.
171
Para tanto, a metodológica escolhida para solução do problema se deu por meio
de levantamento bibliográfico, especialmente das Resoluções Administrativas e
Diretrizes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), e das principais obras
doutrinárias que permeiam a Justiça Restaurativa.
5. A CORRESPONSABILIDADE DO ESTADO EM RELAÇÃO AOS ADOLESCENTES EM
CONFLITO COM A LEI
Autora: Elisa Stroberg Schultz
Coautor: Paulo Fernando Pinheiro
Resumo:
Este trabalho tem por finalidade analisar as ações presentes/ ausentes do Estado
resultantes da corresponsabilidade do Estado em relação aos adolescentes em
conflito com a lei no cometimento do ato infracional. O mesmo encontra-se em
andamento e é objeto da tese de Doutoramento em Ciências Crminais na PUCRS.
Considerou-se dados coletados em pesquisa de graduação e de mestrado, onde
apontou a Juventude, categoria que incorpora uma parte da adolescência com
uma visão negativa dos mesmo apontando a responsabilização em sobrecarga da
família e ausência do Estado dentro do Princípio da Corresponsabilidade em
relação às crianças e adolescentes, no caso, em relação ao adolescente em
conflito com a lei (autores de ato infracional). Trata-se de um contexto que tem
fatores econômicos, sociais, culturais, históricos, antropológicos e políticos junto
a relações de biopoder e biopolitica como determinantes de um contexto
excludente, que acabou desenvolvendo uma sociedade de castas onde impera a
desigualdade social, e é das catas ou classes mais pobres que os adolescentes em
conflito com a lei geralmente são oriundos; e é na faixa da população que mais
sofre com a desigualdade social que geralmente esses adolescentes se
172
encontram. Para tanto traçou-se como procedimento metodológico a pesquisa
qualitativa delineada exploratória, através de um estudo de caso, sendo que o
caso é o Estado, em âmbito federal, estadual e municipal, no locus da cidade de
Ponta Grossa – PR. Para tanto definiu-se como objetivo geral do problema
estabelecer uma relação entre o ato infracional cometido por adolescentes em
conflito com a Lei e a ausência/presença do Estado junto as relações de poder
dinâmicas em nossa sociedade dentro do Princípio da Corresponsabilidade no
acesso aos direitos fundamentais deste adolescente. E como objetivos
específicos Analisar o Princípio da Corresponsabilidade da Família, da Sociedade
e do Estado, focando na atuação do Estado; levantar o aparelhamento do Estado
no locus da pesquisa; Identificar e analisar a atual conjuntura brasileira e apontar
os elementos históricos, sociais, econômicos, culturais e antropológicos para
entender o papel do Estado frente ao problema de pesquisa; e estabelecer uma
relação entre a ausência/presença do Estado com o ato infracional cometido por
adolescentes. Junto a isso, entender como as relações de biopolitica e biopoder
com Foucalt e Aganben se manifestam interferindo na realidade em questão,
além de perpassar um contexto histórico embasado nas história das idéias. Como
base teórica do presente anteprojeto de tese, utilizou-se de referencial
bibliográfico e da pesquisas empíricas já realizadas. Como resultados, os mesmos
ainda são parciais, mas já capazes de identificar que onde existe ausencia ou
inexistencia do Estado através de politicas públicas e instrumentais, existe um
“favorecimento’ para o comentimento do ato infracional.
173
6. COM MAIS GARANTIAS, MAIS PUNIÇÃO UMA PESQUISA SOBRE A INCIDÊNCIA
DA RACIONALIDADE PENAL NA JUSTIÇA JUVENIL FLUMINENSE
Autora: Flora Sartorelli Venâncio de Souza
Resumo:
Com a promulgação do ECA, deixou-se para trás no plano das leis o amplamente
criticado modelo tutelar, para se adotar o modelo de proteção integral. Com isso,
enquanto garantias penais e processuais penais foram asseguradas a jovens,
medidas privativas de liberdade foram reguladas pelos princípios da
excepcionalidade e brevidade, devendo ser preteridas em face de medidas em
meio aberto. Entretanto, contrariamente ao esperado, houve acentuado
aumento de jovens privados de liberdade nos últimos anos, maior ainda do que
as taxas de encarceramento adultas.
Esta pesquisa tem com objetivo compreender esse aumento do encarceramento
juvenil em contexto legislativo progressista, partindo de análise empírica
multimetodológica das práticas judiciais de execução de medias socioeducativas
de internação, tendo como base o caso do Rio de Janeiro. Alguns diagnósticos de
efetividade do ECA, trazidos em pesquisas empíricos sobre práticas judiciais e em
reflexões dogmáticas, interpretam a onda punitiva na justiça juvenil como
consequência da perpetuação da racionalidade tutelar e da visão da medida
como um bem para o adolescente (cf. MENDEZ, 2006). Em outro sentido, outra
interpretação: as práticas da justiça juvenil teriam sido colonizadas pela
racionalidade penal adulta, com a absorção de garantias penais e incidência da
lógica retributiva na responsabilização de jovens (PIRES, 2006; GISI, 2017),
fazendo com que a justiça especializada também experimentasse um
recrudescimento no molde do ocorrido com a justiça criminal. Neste trabalho,
dar-se-á foco à essa segunda perspectiva, com o objetivo especifico de saber se
houve, efetivamente, uma colonização da justiça juvenil por uma racionalidade
174
penal e se seria este o fator de aumento no número de internações nos últimos
anos.
Foram analisados empiricamente autos judiciais, incluindo decisões e pareceres
psicossociais, e acompanhadas audiências de reavaliação de medida, produzindo
dados quantitativos e qualitativos. A Teoria Fundamentada nos Dados, método
predominantemente indutivo, foi a base metodológica elegida de análise e
construção dos resultados.
Olhando para a execução como um todo, conclui-se que ela está exercendo um
papel paradoxal. De um lado, serve como forma de resistência a uma política
criminal mais ampla; de outro, não deixa de exercer seu papel na engrenagem
das políticas de superencarceramento. Verificou-se nas práticas judiciais a
incidência de uma filosofia retributiva, baseada principalmente no princípio da
proporcionalidade. Se este, de um lado, forma barreiras para evitar a internação
por delitos leves, por outro, reforça a obrigação de punir os casos considerados
graves. A gravidade do ato, relacionado com o tempo de medida, é o argumento
e critério central para manter um adolescente internado, junto com outros
argumentos e critérios típicos da justiça criminal adulta. A ideias tutelares se
limitam ao uso, muitas vezes contraditório, de argumentos “ressocializadores”
na manutenção da medida, não encontrando ressonância nas práticas judiciais.
Entretanto, a aproximação da maneira de julgar da justiça juvenil com a justiça
penal não explica por si só o aumento do encarceramento. Ressalte-se que o juízo
de execução estudado também é responsável por uma série de mediadas paras
redução da superpopulação nas unidades
175
7. A GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PRESSUPÕE O
ENFRENTAMENTO AO RACISMO
Autora: Haydée Paixão Fiorino Soula
Resumo:
Neste artigo, pretendemos traçar estratégias de transformação da cultura
punitivista judicial aplicada ao sistema de justiça infanto-juvenil, com o escopo
de construir boas práticas para torná-lo mais acessível e sensível às crianças e
adolescentes.
O primeiro percurso da pesquisa foi identificar o histórico de formação,
destacando as principais normativas nacionais e internacionais, cuja abordagem
referente às crianças e adolescentes seja de proteção ou punição. Considerar
crianças e adolescentes sujeitos de direitos é prática recente no país. Durante
todo o período Colonial e Imperial (1500 a 1889) o Estado fora constituído por
uma ordem social escravocrata. Nunca houvera preocupação com a situação de
crianças e adolescentes, principalmente àquelas descendentes de africanos
escravizados no Brasil.
Não obstante toda a normativa nacional no tocante à regulamentação da
garantia de direitos fundamentais à criança e ao adolescente pós-abolição e
fundação da República, muitas violações de direitos humanos ainda são
verificadas na prática.
Dada a complexidade da situação de vulnerabilidade e violência as quais
encontram-se o segmento infanto-juvenil no país nas mais diversas áreas, fruto
de uma herança escravocrata e colonial, e devido a negligência estatal em boa
parte dos casos, premente se faz a mobilização da sociedade civil organizada com
poder de barganha e influência nos órgãos públicos.
176
É premente sensibilizar os integrantes do Sistema de Garantia de Direitos para
que assumam uma postura proativa, sobretudo o Ministério Público e o Poder
Judiciário. O incentivo à Justiça Restaurativa no Sistema Socioeducativo, a
formação de Magistrados para que estabeleçam uma atuação integrada com os
equipamentos públicos e com os órgãos de gestão das políticas de assistência
social, educação e saúde, nos âmbitos municipal e estadual, especialmente no
que se refere à aplicação de medidas protetivas para crianças e adolescentes.
Isto posto, promover uma mudança de interpretação quanto à realidade das
crianças e adolescentes que chegam ao sistema de justiça, em sua maioria
oriundas de um contexto de pobreza e miserabilidade das periferias, marcadas
pelo racismo estruturante das relações sociais, exige que seu direito e garantia
da dignidade da pessoa humana seja um pilar inderrogável, conduzindo à
mudanças hermenêuticas basilares. À luz das problemáticas descritas no texto
visamos à produção de um material teórico e científico que possa server de
inspiração para magistrados e operadores de direito transformadores em todo o
Brasil.
8. O CARÁTER MORALIZANTE DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO E
SUA INCOMPATIBILIDADE COM O SISTEMA GARANTISTA
Autor: Rafael Barros Bernardes da Silveira
Resumo:
O objetivo do presente estudo é revelar – a partir de detalhada pesquisa
bibliográfica e análise normativa e jurisprudencial no campo da justiça juvenil – o
caráter moralizante da medida socioeducativa de internação, destacando que tal
qualidade, para além de indesejada, é inconstitucional, pois ofende pressupostos
basilares do sistema garantista, consagrado em nosso ordenamento jurídico.
177
De início, este estudo analisará o atual estado da sistemática de execução da
medida socioeducativa de internação, em especial atenção às ideias de Rosa
(2007) e Shecaira (2015).
Destacar-se-á que, na prática, a lógica de avaliação quanto ao cumprimento da
medida em questão – que não comporta prazo determinado e deve ser
reavaliada em intervalos periódicos de até seis meses – se dá a partir do
desenvolvimento de eixos definidos no plano individual de atendimento do
adolescente. Tais eixos contemplam diversos atributos e são pensados a partir da
ideia de efetivação de direitos fundamentais e do oferecimento ao adolescente
de oportunidades de vida que não envolvam a prática infracional. É dizer, tratam
da ressocialização do adolescente. Ademais, a medida impõe a adoção de
práticas que contribuam para a reflexão do adolescente sobre o ato infracional,
desaprovando a conduta delinquente e exigindo que este se responsabilize por
seu ato. Assim, para além da privação da liberdade, o indivíduo precisa assumir
que o que fez foi errado – daí seu caráter moralizante.
Não se quer defender que a medida socioeducativa não deva atuar sobre a
efetivação de direitos e garantias fundamentais do adolescente, intervenção tida
como necessária, especialmente diante da condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento e do perfil da clientela habitual do sistema (indivíduos em
especial condição de vulnerabilidade socioeconômica). O problema que se
detecta é que, em síntese, a medida socioeducativa condiciona a liberdade do
adolescente à satisfação destes objetivos de caráter ressocializante e
moralizante. Há que se discutir se tal postura é justificável e se encontra respaldo
em nosso ordenamento jurídico.
Tal análise se dará à luz das ideias do jurista italiano Luigi Ferrajoli (2014) e sua
teoria do garantismo penal. Para isso, serão apresentados delineamentos gerais
do sistema garantista, a partir dos quais se discutirão as características
178
fundamentais do modelo proposto pelo autor, notadamente quanto à
estruturação do Estado (FERRAJOLI, 1997), bem como quanto à configuração de
um sistema punitivo compatível com as diretrizes garantistas (FERRAJOLI, 1999).
Na sequencia, se discutirá a adoção do sistema garantista pelo ordenamento
jurídico brasileiro, no intuito de revelar as disposições normativas que consagram
os princípios fundamentais desse sistema, em especial as presentes no texto da
Constituição de 1988.
Por fim, será discutida a incompatibilidade entre o sistema garantista e a atual
configuração da execução da medida socioeducativa de internação, discussão
que revelará a contradição entre as duas perspectivas, por existir, em concreto,
uma oposição entre: I) um sistema que se funda na defesa irrestrita da separação
entre direito e moral e que se opõe às noções de sanção como medida de
reeducação ou ressocialização; e II) Um modelo que condiciona o
restabelecimento da liberdade ao atendimento de objetivos moralizantes e de
ressocialização.
9. SELETIVIDADE NA JUSTIÇA PENAL JUVENIL: A SUJEIÇÃO CRIMINAL DA
JUVENTUDE NEGRA
Autora: Sara Luz
Coautor: Diego Marques da Silva
Coautora: Erica Babini Lapa do Amaral Machado
Resumo:
O jovem negro passa por um processo de estigmatização social que o coloca em
constante situação de vigilância e perseguição pelos aparatos penais. A evidência
está não apenas no fato de maioria das mortes ocorridas no país serem de jovens
179
negros (FBSP, 2018), mas porque compõem a maior população carcerária do país
(BRASIL, 2016).
Ressalte-se que o quantitativo de mortes no país é provocada por atividade
policial. Estudos nacionais indicam, por exemplo, que o estado do Rio de Janeiro
em 2007 teve o record histórico de 902 vítimas na capital e 1330, no Estado de
casos de "Homicídios Provenientes de Auto de Resistência" (MISSE, 2011). Em
São Paulo, em 2010 foram vítimas de atividade policial 419 pessoas e 286 em
2011, totalizando 905, dos quais, 96% eram jovens negros. Para o período de
2012 e 2013, em Minas Gerais, o quantitativo cai entre dez a vinte vezes
(SINHORETTO, 2015). Em Pernambuco (2018), o número de pessoas mortas, nos
cálculo de mensal de criminalidade violenta letal e intencional – CVLI, entre
agosto de 2017 e janeiro de 2018, varia entre 411 e 448 pessoas.
A partir desses dados, o problema lançado é: as raízes autoritárias nacionais,
fincadas no contexto colonial de escravidão da população negra, podem guiar o
faro policial que resultam na construção da seletividade penal de negros e
recorrentemente pobres? Metodologicamente serão adotados dados de fontes
secundárias (SINHORETTO, 2014).
O pressuposto teórico é que o estigma dirigido tem função não apenas de criar
um discurso de “verdade” que permita o exercício do controle, como de manter
a distância social entre grupos; pois a medida que se macula de negatividade a
identidade social do outro, cria-se uma distância que dificulta ou impede a
empatia entre os indivíduos, tornando-se mais fácil legitimar um discurso que
associa negritude e criminalidade. O estigma é uma marca produzida
socialmente, relacionada a algum atributo considerado negativo que
praticamente desumaniza o seu portador. Essa marca social, relacionada a algum
estereótipo, é vista como uma desvantagem, uma diferença quanto ao que se
considera o normal. (GOFFMAN, 1988). Assim é relevante perceber que
180
além de uma relação de interação de grupos sociais o estigma é claramente uma
relação de poder instrumentalizada para subjugar
Outrossim, outro elemento de interpretação, é que historicamente, a população
negra passa por um processo de desumanização que foi basilar desde o período
da escravidão, quando os negros eram tomados por indivíduos sem alma para
justificar a exploração e abusos, um discurso conformador à lógica econômica e
à manutenção de uma legitimidade hierárquica de dominadores e dominados
(RIBEIRO, 1995).
Finda a escravidão, e com um boom populacional nas cidades, o objeto de receio
das elites passou a ser a pobreza urbana em função disso, novos esforços são
empreendidos num sentido de controle dessa nova demanda, a população
urbana pobre, tida como “degenerada, delinquente”, tornando-se o alvo
preferencial do controle punitivo (ALVAREZ, 2002).
Não é sem razão que as raízes autoritárias nacionais, fincadas no contexto
colonial de escravidão da população negra, podem guiar o faro policial que
resultam na construção da seletividade penal: negros e recorrentemente pobres.
O gesto de suspeitar parte do pressuposto do não confiar, de fazer uma leitura
da subjetividade como indigna de credibilidade. Tal como evidencia Sinhoretto,
(2014, p. 133): “[...] A fundada suspeita é fruto, segundo os interlocutores, da
experiência que o policial adquire nas ruas para identificar um suspeito ao
primeiro olhar e os signos da suspeição”.
Quer dizer: os elementos que indicam que um tipo social – pessoas portadoras
de determinados signos sociais - são indignas e, nesse sentido, representam uma
negatividade (MISSE, 2008), cuja caça é tão naturalizada que não causa suspeição
(FLAUZINA, 2006). O problema é ainda mais delicado quando se trata do sistema
de justiça juvenil, devido a duas questões: a primeira se refere à peculiaridade
dessa fase específica da vida (adolescência) que perpassa a formação de sua
181
identidade e um momento biológico-emocionalmente conturbado; inclusive a
condição peculiar de desenvolvimento justificam a justiça especializada. A
segunda questão volta-se aos juízos de responsabilização, por parte da
magistratura, que, muitas vezes, está voltada à personalidade do indivíduo; dado
o argumento eufemista e confuso da socioeducação (MACHADO, 2014; SAL,
2010; ALVAREZ, SALLA, SCHRITZMEYER, 2010; PAULA, 2015; ALMEIDA, 2016;
CORNELLIUS, 2017).
Note-se que a estruturação classe e raça são formalmente (não há pudor de
ocultação porque naturalizadas) postas pelos entes do sistema de justiça: entre
o faro policial, guiado pelo assujeitamento e a condenação judicial, movida pelas
deficiências sociais, há um funil condenatório dirigido ao adolescente negro e
pobre.
Desde a origem, o sistema menorista no Brasil foi dirigido a determinadas
parcelas populacionais - “menores abandonados e delinquentes” – que, em sua
esmagadora maioria, são jovens pobres e negros, devido à metamorfose da
incorporação da Doutrina da Situação Irregular (ALVAREZ, 1989).
Enfim, ainda que se tenha criado, hodiernamente, uma retórica que remete a um
conceito de infância universal, crianças e adolescentes são construídos
socialmente de maneira desigual, de modo que, o discurso retido ao âmbito do
dever ser concede maior ênfase nos “adolescentes perigosos” (destinatários de
medida socioeducativa) do que “crianças que necessitam de proteção”
(destinatários de medida de proteção) (SHUCH, 2005).
Vale salientar que apesar do Estado de Direito, ainda há resistências para que
determinados grupos acessem e efetivem seus direitos, porquanto têm sua
subjetividade marcada por um estigma social tão dilacerante que sua cidadania
é aviltada. O estigma gera uma perspectiva negativa com relação o
comportamento do individuo estigmatizado e o sistema legal do Estatuto da
182
Criança e do Adolescente em seus espaços de discricionariedade favorece esse
mecanismo (vide por exemplo, arts. 172 do ECA).
Com isso percebe-se que esse processo de perseguição aos negros que ocorre
desde a escravidão até os dias atuais também é praticado pelas policias, em suas
abordagens cotidianas. Os policiais são movidos pela “suspeição” que é um ato
coordenado e dirigido para distinguir em meio de um grupo social aqueles que
se quer punir. O processo de filtragem racial direcionado às periferias brasileiras
busca não uma conduta suspeita, mas sim uma cor.
Aqui atua o racismo permanentemente atualizado, pois os preconceitos são
absorvidos nesse processo de seleção e filtragem, os tipos criminalizados são,
geralmente, os socialmente hostilizados e caracterizam uma exclusão criminal. É
este lugar que ocupa a juventude negra.
10. A DEFESA COMO MEIO DE GARANTIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS FRENTE
AOS PROCESSOS DE CRIMINALIZAÇÃO DA JUVENTUDE NO RIO DE JANEIRO
Autora: Tatiana Lourenco Emmerich de Souza
Resumo:
A criminalização de adolescentes em conflito com a lei é um problema social que
se perpetua ao longo da história brasileira. Desde meados do século XIX, esses
adolescentes, denominados “menores” delinquentes ou abandonados, em sua
maioria advindos das classes mais pobres e vulneráveis da população, em sua
maioria negra, com pouco/nenhum acesso à educação, inseridos em famílias
categorizadas como típicas de “ambientes de marginalização”, considerados
locais de “maus hábitos” onde eram exercitados: uso de drogas, prostituição e
pequenos crimes, são alvo constante da polícia e da justiça.
183
Em pleno século XXI, a conjuntura não se modificou, no que tange aos sujeitos
sobre os quais a norma vigente recai, o processo por meio do qual isso se dá
configura-se como sujeição criminal, conforme atesta Misse (1999).
Dessa maneira, se faz necessário uma reflexão sobre os discursos estigmatizantes
que incidem sobre os adolescentes em conflito, principalmente na cidade do Rio
de Janeiro, locus de pesquisa empírica deste artigo. Também deve ser ressaltada
a política criminal que tem como alicerce a repressão violenta pelo estado, das
camadas mais pobres da população.
A maioria dos adolescentes, internados na comarca do Rio de Janeiro, praticaram
crimes análogos ao de tráfico de drogas e de roubo, segundo a pesquisa do
Conselho Nacional de Justiça (2012). No período que corresponde a Junho de
2017, de acordo com a Coordenação de Medidas Socioeducativa do DEGASE, só
na capital a instituição mantém no total 2.279 adolescentes do sexo masculino,
em cumprimento de medidas privativas de liberdade, seja internação provisória,
internação ou semiliberdade, pelo cometimento de atos infracionais. Desse total,
1.310 jovens cumprem medida socioeducativa de internação nas unidades do
DEGASE, revelando uma prevalência da escolha da privação de liberdade como
medida a ser aplicada pelo Juízo da Infância e Juventude.
Desta maneira, pode-se pensar, que o Estado promove mais políticas de
internação do que programas que aceleram o processo de afirmação de direitos
básicos (educação, saúde, profissionalização, arte, cultura e lazer). Isso sugere
características de um sistema, assistido pelo poder judiciário, que abusa do poder
punitivo estatal ao invés de afastar a punição.
Isso sugere características de um sistema de justiça, assistido pelo poder
judiciário, que abusa do poder punitivo estatal ao invés de afastar a punição,
caracteristicas de um modelo inquisitorial. Neste ponto, o trabalho trouxe o
184
debate sobre a defesa desses adolescentes como garantia de direitos
fundamentais dos mesmos.
A metodologia deste resumo é mista, por se tratar de uma pesquisa teórica –
onde busquei esgotar as referências bibliográficas sobre o tema, tanto na área
do direito quanto da sociologia, bem como, de uma pesquisa quantitativa, onde
utilizei pesquisas realizadas por órgãos do governo federal e do Estado do Rio de
Janeiro, por exemplo, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e DEGASE/RJ, para
ilustrar a atual realidade dos jovens em conflito com a lei que estão inseridos no
sistema socioeducativo.
Dentre os resultados encontrados, destacam-se a participação mitigada da
defesa ao longo do processamento, mais medidas de internação que medidas
alternativas e a presença de um sistema acusatório com características
inquisitoriais.
11. EXPERIÊNCIAS HUMANAS NO TEMPO: CRIMINALIZAÇÃO OU PROTEÇÃO AO
"MENOR DE IDADE" NOS ANOS 20
Autora: Érica Oliveira Fortuna
Resumo:
O objetivo deste artigo é investigar a produção de sentidos que criminalizam o
“menor de idade” na década de 1920, sob a perspectiva de mediação dos veículos
de comunicação. Fixaremos nosso olhar na cobertura jornalística do jornal A
Manhã sobre casos de violência urbana que envolvam jovens e meninos, tanto
acusados quanto vítimas dentro do construto narrativo. Utilizamos como
metodologia a análise de narrativas, com autores que nos ajudem a observar a
história da comunicação atravessada pela criminologia. Nesse sentido, será
necessário nos debruçarmos sob os estudos de Paul Ricoeur (1994) e Fernand
185
Braudel (1992), buscando entender o conceito de temporalidade que nos remete
a história de curta e longa duração. Já por uma perspectiva criminológica,
utilizaremos a “criminalização”, nos moldes oferecidos por Zaffaroni e Nilo
Batista (2003), além do diálogo com Vera Malaguti (2014), Howard Becker (2008)
e Michel Misse (2008). Concentramos nossa análise nas reportagens dos anos de
1926, 1927, 1928 e 1929 do jornal A Manhã. Analisaremos a construção narrativa
do jornalismo que mediou a criminalização do “menor de idade” na década em
que ocorreu o “boom” do jornalismo sensacionalista, de acordo com Marialva
Barbosa (2008). O estudo parte da hipótese que experiências humanas foram
mediadas pela comunicação e colocadas no tempo, criminalizando e
contribuindo para que leis fossem estabelecidas com o aparente objetivo de
proteger o “menor”. Problematizar as matérias do jornal A Manhã, publicadas na
década de 1920 se mostra importante, pois no ano de 1927 fora promulgada a
primeira lei específica que abarcaria a proteção de crianças e adolescentes: o
Código de Menores do Brasil. Acreditamos que o processo cíclico das narrativas
jornalísticas gera uma sensação de medo que auxilia na estigmatização do jovem
“menor de idade” negro e pobre como “bandido”. Dessa forma, há uma
construção de narrativas jornalísticas que reforça sobremaneira esse processo,
“aprisionando” o jovem no ciclo de violência que ocorre em nossa sociedade.
Graves questões sociais não são problematizadas, dando a ver que elas são
discursivamente reduzidas a “problema”, “solução” e suposta “proteção” quando
o assunto é legislação da criança e do adolescente. As reportagens dão pistas do
que a sociedade compreende por violência e quais as suas necessidades que
reverberam em processos de endurecimento de penas. Este gesto de
interpretação se afina a interesses políticos, apontando para a centralidade do
jornalismo sobre as possíveis soluções na contenção de crimes que “afetam” a
cidade. A pertinência temática ao GT Justiça juvenil se mostra evidente, uma vez
186
que o artigo ilumina as complexidades do passado para entender esse construto
de criminalização e seletividade que etiqueta o jovem negro e pobre,
problemática cara ao nosso país.
187
GRUPO DE TRABALHO 10: DEMOCRATIZAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA
Ementa: A transição da ditadura para um regime baseado em uma “Constituição
cidadã” colocou o direito, os direitos e as instituições responsáveis por sua
efetivação no centro dos processos políticos e de mobilização social dos últimos
40 anos. Por outro lado, a persistência de problemas de acesso à justiça civil e de
seletividade da justiça criminal, somados ao crescente protagonismo judicial no
contexto de crise, suscitam questionamentos sobre os projetos de reforma e
democratização da justiça formulados nas últimas décadas. O objetivo deste
Grupo de Trabalho é abarcar pesquisas e debates sobre reformas e políticas
judiciais; acesso à justiça; experiências de democratização da justiça; formas
alternativas de solução de conflitos; seleção, organização e politização das
carreiras jurídicas; e controle social das instituições judiciais.
Coordenador Prof. Dr. Frederico de Almeida
Bacharel em Direito, Mestre e Doutor em Ciência Política pela USP. Professor do
Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Coordenador
do PolCrim - Laboratório de Estudos em Política e Criminologia da UNICAMP e
pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre
Estados Unidos (INCT-INEU). Coordenador-chefe do Departamento de
Monografias do IBCCRIM. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3248067565648091
Coordenadora Ms. Elizabete Pellegrini Garcia
Advogada, mestra e doutoranda em Ciência Política pela UNICAMP. Integrante
do PolCrim - Laboratório de Estudos sobre Política e Criminologia da UNICAMP.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3741722585131108
188
Trabalhos:
1. DEFENSORIA PÚBLICA, ESTADO CAPITALISTA E DISCURSO JURÍDICO-PENAL:
LIMITES A UMA EMANCIPAÇÃO LIBERTÁRIA
Autor: André Vaz Porto Silva
Coautora: Fernanda Cavalcanti Costa
Resumo:
Pensar a democratização do Sistema de Justiça é tarefa que não permite ignorar
a complexidade da articulação de interesses que caracteriza o Estado como uma
relação de forças, atravessado por lutas e contradições da sociedade (O’Donnell,
1978). O sistema de justiça criminal, especificamente definido por Pachukanis
como “terror de classe organizado” (2017, p. 172) exerce a forma mais grave de
constrição sobre os corpos e almas humanas, com especial peso sobre os
vulneráveis, dada a conhecida e comprovada seletividade do sistema penal.
Em um sistema político que tem na forma jurídica um instrumento de dominação
e opressão, a reflexão acerca do papel dos excluídos como agentes
transformadores desse quadro é ao mesmo tempo imprescindível e desafiadora.
Como interferir, como criar e integrar espaços de decisão na sociedade, como
ditar os rumos da própria história são questões que se colocam, sobretudo em
um contexto histórico de ruptura constitucional, que tem sido marcado pela
aniquilação de direitos básicos dos indivíduos.
Os discursos criminológicos que pairam no âmbito do Estado seguem a mesma
lógica dos interesses que o atravessam, se superpõem, conflitam entre si e
podem ser manipulados pelo poder político à medida de suas necessidades. A
materialização de tais discursos – tidos aqui como formadores de uma “teia de
representações ideológicas”, que sustenta a “normatização da repressão e do
controle social” (Neder, 2012, p. 20) – se exerce por construção de diversas
189
agências (Alagia, et al., 2003): midiática, universitária, entre outras. Tem papel
central a atuação dos mais diversos órgãos estatais diretamente ligados à punição
criminal, tais como polícias, Ministério Público e Magistratura.
Contudo, existe um órgão relacionado ao punitivismo, mas estrategicamente
orientado à sua redução: a Defensoria Pública. A seletividade do sistema penal,
evidencia que sua clientela preferencial é composta massivamente por assistidos
desta instituição estatal, conforme atesta o perfil da população carcerária
brasileira acima apresentado.
A ascendência do neoliberalismo no Brasil, coincidente com a
constitucionalização da Defensoria Pública e o período democrático, trouxe
consigo o recrudescimento do punitivismo, com a elevação exponencial das taxas
de encarceramento em um sistema penal já historicamente brutalizado. Chama
atenção, portanto, que a introdução no ordenamento e o processo de
estruturação da agência estatal sob estudo tenham sido paralelos a esse
fenômeno. Nesse sentido, faz-se necessário verificar eventuais descompassos
entre, por um lado, o prestígio constitucional da instituição estatal e, por outro,
as limitações a seu potencial para induzir mudanças efetivas na sociedade,
principalmente no que tange à solidez do discurso jurídico-penal dominante. A
pesquisa busca investigar as razões de fundo dessa contradição sob a
perspectiva, ao início desse resumo assinalada, da insuficiência das lutas travadas
no interior do Estado para fins de uma emancipação efetiva, ainda que veiculadas
por aparelhos destinados especificamente ao exercício da contra-hegemonia.
190
2. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E SISTEMA ACUSATÓRIO: LIMITES E POSSIBILIDADES
A PARTIR DA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DOS ATORES JURÍDICOS NA CIDADE DE
SALVADOR-BA
Autora: Camila Ribeiro Hernandes
Coautor: Lucas Vianna Matos
Coautora: Ana Luisa Leão de Aquino Barreto
Resumo:
A audiência de custódia foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro a
partir da promulgação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas. O instrumento
só seria regulamentado, contudo, no ano de 2015, através da Resolução n. 213
do CNJ, possuindo dois objetivos declarados: diminuir a quantidade de presos
provisórios no país e combater a cultura de violência institucional no interregno
entre o flagrante e o encaminhamento do conduzido à unidade prisional. A partir
dessa perspectiva, cria-se um momento processual, em tese marcado pela
oralidade, qualificando o contraditório e a possibilidade de defesa em torno da
legalidade da prisão em flagrante e da possibilidade/necessidade de prisão
cautelar.
A análise da audiência de custódia em uma perspectiva crítica exige um exercício
epistemológico de desconfiança em relação à potência garantidora de inovações
processuais. Essa postura parte da reconhecida capacidade do poder punitivo em
operar inversões ideológicas em institutos abstratamente limitadores, que, em
última análise, acabam contribuindo para a ampliação das malhas de punitividade
e controle. Nesse contexto, este trabalho apresenta uma análise da atuação dos
atores jurídicos que operacionalizam as audiências de custódia, a partir da
ancoragem empírica do Núcleo de Flagrantes de Salvador-Ba.
191
O trabalho se relaciona com o GT 10 (Democratização do Sistema de Justiça) na
medida em que visa problematizar as tensões entre a perspectiva acusatória e as
interações dos atores jurídicos envolvidos, compreendendo a centralidade
dessas dinâmicas para avaliação das possibilidades e limites do instituto. O artigo
parte de base documental coletada no âmbito de pesquisa realizada pelo
Instituto Baiano de Direito Processual Penal, com coordenação acadêmica dos
autores: 590 decisões proferidas em sede de audiência de custódia dos meses de
janeiro, junho e dezembro de 2016, em autos de prisão em flagrante envolvendo
crimes de tráfico de drogas, roubo e/ou furto. A partir de análise exploratória
foram construídas as variáveis da investigação: presença ou não de cada um dos
atores jurídicos mencionados nas audiências, os pedidos principais formulados
pelas partes, a correlação entre pedidos e decisões, os fundamentos das decisões
e o resultado da audiência em relação à situação prisional do acusado.
Dentre as problemáticas identificadas, a pesquisa evidenciou a realização de
audiências de custódia sem a presença do Ministério Público, tendo sido,
contudo, na ampla maioria dos casos, aplicadas medidas cautelares em desfavor
das pessoas conduzidas. Ademais, o confronto entre o resultado das audiências
de custódia e os pedidos formulados pelo órgão acusatório sugere uma
vinculação constante entre as duas variáveis, ensejando a necessidade de
aprofundamento das reflexões quanto ao efetivo potencial da defesa em
influenciar na decisão proferida ao final do ato.
A partir desse caminho de pesquisa empírica, a investigação propõe uma
abordagem metodológica capaz de complexificar a análise das audiências de
custódia, produzindo resultados quantitativos em torno das questões levantadas,
além de análise qualitativa do conteúdo discursivo das decisões. Dessa forma,
objetiva-se contribuir com o debate acadêmico em torno das possibilidades,
192
desafios e limites do instituto como vetor de democratização do processo penal
brasileiro.
3. APROXIMAÇÕES ENTRE COMPORTAMENTO DECISÓRIO E O PERFIL DO
JULGADOR: UMA ANÁLISE A PARTIR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ
Autora: Maria Eugenia Trombini
Resumo:
Este trabalho busca investigar em que medida o perfil do decisor afeta o
comportamento decisório. A intenção que se coloca é fugir de soluções guiadas
pelos ideais de justiça e de direito que supõem a desinstitucionalização do
Judiciário e diagnosticar o perfil das câmaras criminais do Tribunal de Justiça do
Paraná. Esse objetivo se alinha com a literatura sobre a tomada da decisão judicial
sociológica e com o reconhecimento de que o julgador pode ser tratado com uma
pessoa ordinária, sujeita à ação de variáveis internas, de ordem pessoal, e
externas, contextuais, na hora de decidir. (PRITCHETT, 1940; SPAETH, 1979;
ULMER, 1960; NAGEL, 1961; HART, 1961)
Partindo da teoria realista da tomada da decisão judicial, e observando os habeas
corpus em matéria de tráfico de drogas julgados pelas câmaras criminais do
Tribunal de Justiça do Paraná de 2013 a 2016. A partir da análise jurisprudencial
de decisões sobre um crime de baixo capital social o objetivo específico do
trabalho é investigar como formação e carreira orientam o posicionamento dos
magistrados e como reagem à concessão de liberdade provisória aos acusados
por tráfico. Como a tendência majoritária dos tribunais brasileiros é determinar
que o suposto traficante de drogas permaneça encarcerado no curso da ação
penal, a posição daqueles juízes e juízas que decidem pela liberdade
possivelmente se explica a partir de variáveis não legalistas, considerando que as
193
regras de Direito são as mesmas (Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de
Drogas).
As características sociodemográficas, acadêmicas e de carreira dos indivíduos são
os atributos mobilizados na presente investigação, alinhada à corrente
sociológica do comportamento judicial. A variância nos votos foi discutida com o
auxílio de categorias de decisões e tipos de decisores.
Do total do corpus, 280 ordens foram denegadas, ou 94%, e apenas 19,
correspondente a 6% dos habeas corpus, concedidas. Em menos de metade da
amostra das decisões denegatórias (45,7%) os julgadores se debruçaram sobre a
possibilidade de substituição da prisão por cautelares alternativas (Artigo 319 do
Código de Processo Penal). Apesar do posicionamento do Ministério Público em
favor da concessão da ordem, ou seja, de que o acusado fosse posto em
liberdade, em 26 julgados os desembargadores foram pela manutenção da
prisão, confirmando a reticência dos julgadores prevista na formulação da
pergunta de pesquisa.
A análise da produção decisória demonstra que na maioria dos casos a
quantidade de droga apreendida é baixa e os acusados primários, as
circunstâncias do fato e do réu não parecem ser os aspectos mais relevantes para
a manutenção da prisão. A “garantia da ordem pública”, por outro lado, conceito
carregado de abstração, aparece como um ponto comum entre as decisões
denegatórias, e o principal fundamento para justificar a segregação cautelar.
Os resultados encontrados demonstram que os julgadores recrutados no Estado,
frequentadores das instituições de elite da capital, com carreiras monolíticas
estão mais inclinados a reproduzir a orientação normativa do tribunal do que
colegas de origem regional diversa e trajetórias menos ortodoxas. Juízes
substitutos e mulheres, duas minorias no universo da corte, orientam seu
comportamento segundo a utilidade reputacional, estando mais vulneráveis a
194
sofrer pressão em sua performance e menos inclinados a divergir da tendência
majoritária.
4. A (IN) EFETIVIDADE DO DIREITO DE MANIFESTAÇÃO E O SISTEMA DE JUSTIÇA
CRIMINAL: UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
EM CONFLITOS OCORRIDOS EM PROTESTOS
Autora: Mariana Pinto Zoccal
Resumo:
As manifestações que eclodiram em junho de 2013, a princípio lideradas pelo
Movimento Passe Livre, buscaram romper com a passividade de uma conjuntura
de “inferno urbano” caracterizada pelo sucateamento do ensino e da saúde
pública, o aumento do desemprego, a precariedade do acesso ao lazer e ao
transporte público, bem como reivindicar uma real efetivação do direito à cidade.
A partir de então, uma conjuntura favorável à mobilização de massas instaurou-
se no Brasil, de modo que protestos encampando uma vasta diversidade de
pautas, nos espectros políticos da esquerda e da direita, passaram a ser
comumente observados nas ruas do país.
Ocorre que manifestantes que reivindicam pautas críticas e avessas aos
interesses das classes hegemônicas passaram a figurar como vítimas de um
truculento processo de criminalização orquestrado pelo Estado. Inúmeras
práticas vem sendo implementadas em âmbito dos poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário com o objetivo de cercear o exercício do direito de protesto.
O presente trabalho pretende realizar uma análise de acórdãos e decisões
monocráticas proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em incidentes
posteriores a junho de 2013 ocorridos em manifestações, utilizando-se do
método da análise de discurso, que busca estudar as motivações, atitudes,
195
valores, crenças e ideologias existentes nos textos que, à simples vista, não se
apresentam claramente expostos. Buscar-se-á perceber as contradições entre
determinadas falas oficiais e a realidade política e social que permeia os textos
dos documentos analisados.
Segundo consta no relatório “Nas ruas, nas leis, nos tribunais”, produzido pela
ONG Artigo 19, as principais tipificações penais utilizadas pelo Judiciário para
deter manifestantes são: dano ao patrimônio público e privado, perturbação da
ordem pública, vandalismo, resistência, desacato, desobediência, corrupção de
menores, preparativos para ação incendiária, porte de armas brancas, esbulho
possessório, associação criminosa, dano qualificado e simples na forma tentada,
injúria, incitar a invasão de prédio público e invasão de domicílio, etc.
Tem-se por hipótese de pesquisa o latente afastamento do Judiciário de sua
função precípua de salvaguarda da Constituição, haja vista a sua conivência em
face da prática das “prisões para averiguação” comumente denunciadas por
manifestantes, das arbitrariedades cometidas pelas polícias militares durante a
cobertura de atos de protesto, o acolhimento de denúncias sem o devido lastro
probatório em face de manifestantes, que por sua vez culminam em sentenças
condenatórias e em recursos a serem julgados pelos tribunais do país.
O presente trabalho, em consonância com a temática deste GT, irá dispor sobre
a urgência de tornar o Judiciário um poder de fato democrático, de modo que ele
seja capaz de alocar vozes e demandas de diferentes movimentos, como os
feministas, LGBTs, negros e operários, julgando seus conflitos de forma sensível
e humana.
Deve-se, portanto, alterar o paradigma de exceção vigente, que criminaliza as
vozes e demandas destas minorias, pois são elas que atuam rumo à construção
de um projeto emancipatório de sociedade e que lutam, por meio do exercício
196
do direito de protesto, pela efetivação de princípios como os da equidade e da
liberdade em nossa conjuntura política, social e econômica.
5. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO BRASIL: O PRAGMATISMO DA
JURISPRUDÊNCIA E O DISCURSO DO FUTURO MELHOR
Autor: Mauro Guilherme Messias dos Santos
Resumo:
A pesquisa objetiva reunir os principais argumentos trabalhados na última
década pelos ministros do STF em seus votos acerca da (in)validade da execução
da sentença penal condenatória confirmada em segundo grau, submetendo tais
ponderações ao crivo da doutrina, especialmente da Teoria do Direito, e
analisando qual concepção do direito o STF vem adotando no enfrentamento dos
controvertidos argumentos tangentes à aplicação do princípio da não
culpabilidade. A primeira questão teórica envolvida reside na conceituação do
princípio da presunção de inocência (FERRAJOLI, 1995, p. 539), inclusive o seu
desenvolvimento ao longo da história (LOPES JR., 2016, p. 95), sem olvidar a
abordagem da proteção internacional que lhe é dada (RAMOS, 2014, p. 434), a
sua compreensão como regra probatória e regra de tratamento (LIMA, 2016, p.
20) e as considerações tecidas acerca da exigência, desde a Assembleia Nacional
Constituinte, do trânsito em julgado para a formação da culpa penal. Uma
segunda etapa teórica perpassa a exposição das interpretações conferidas pelo
STF ao princípio do estado de inocência, especialmente na última década,
referenciando os principais argumentos a favor e contrários à execução
antecipada da pena após julgamento em segundo grau, sobretudo a partir do HC
nº 84.078/MG, em 2009, do HC nº 126.292/SP, em fevereiro de 2016, das ADCs
nº 43/DF e 44/DF, em outubro de 2016, da ARE RG nº 964.246/SP, em novembro
197
de 2016, e do recente HC nº 152.752/PR, em abril de 2018. Por fim, como terceira
questão teórica abarcada, o trabalho introduz a crítica da doutrina, sobretudo da
Teoria do Direito, ao teor dos votos proferidos nos julgamentos acima,
investigando especialmente os vícios do pensamento pragmático contido em
muitos deles, promitentes de um futuro melhor, sobretudo aqueles de cunho
político e temente à opinião pública, como preconizado por Posner (2010, p.
280), contrários à visão de Dworkin (2010, p. 105-106) do direito como
integridade. Vale também destacar, em sede de apontamentos centrais, que
vários ministros do STF, desbordando os lindes jurídicos, ao serem acometidos
por apelos de ordem política, têm utilizado argumentos pragmáticos como razão
de decidir (STRECK, 2018, p. 3). Dito isso, apresenta-se a metodologia da presente
pesquisa como teórico-prática (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2009, p. 116), pois
busca, num primeiro momento, promover uma revisão bibliográfica e solidificar
um modelo teórico capaz de explicar determinado fenômeno, a fim de que,
posteriormente, seja viável verificar, na prática, o alcance da sugestão teórica.
Por fim, como principal conclusão do trabalho, tem-se que a maioria dos
ministros do STF, sobretudo a partir do HC nº 126.292/SP, vem adotando uma
concepção pragmática do direito, em decisões que negam à pessoa humana a
garantia constitucional do trânsito em julgado para o afastamento da presunção
de não culpabilidade, com nítidas consequências para o acesso à justiça,
sobretudo às pessoas mais vulneráveis. Daí resulta a pertinência temática ao GT
escolhido: o contexto de crise política vivida no país tem cobrado do STF um
verdadeiro protagonismo judicial, uma atitude pragmática por parte do tribunal,
que, ao ceder a tais apelos, tem limitado o acesso à justiça.
198
6. ATIVISMO JUDICIAL, INQUISITORIEDADE E VIOLAÇÃO AO NÚCLEO ESSENCIAL
DE GARANTIAS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS PENAIS: UMA ANÁLISE DA
ATUAÇÃO DO STF NOS 30 ANOS DA ATUAL CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
Autor: Thiago Allisson Cardoso de Jesus
Coautor: Nereu José Giacomolli
Resumo:
Mentalidade inquisitória, ativismo e mitigação de garantias fundamentais no
processamento criminal pelo STF no contexto dos 30 anos da Constituição
Brasileira, 70 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 10 anos das
grandes reformas processuais penais. Considerando o processamento criminal
como uma faceta da política criminal (FERNANDES, 2001) desenvolvida pelo
Estado Brasileiro, dito democrático de Direito e marcado por um intenso conflito
de ideologias (REALE, 2010) no contexto visto como de redemocratização do país,
analisa-se a efetivação das garantias fundamentais processuais penais, vistas
como medidas de contenção do poder punitivo (BARBOSA, 1995; GIACOMOLLI,
2016; STRECK, 2012) a partir da atuação recente do STF, verificando eventuais
descompassos com a axiologia constitucional e compromissos, alguns declarados
e outros não, com as lógicas e racionalidades fundantes das mentalidades e
sistemas processuais penais inquisitivos, experimentados e fomentadores de
diversas marcas e sofrimentos nos regimes ditatoriais, supostamente
suplantados. Faz uso de metodologia pautada na sociologia reflexiva (BOURDIEU,
2012; FOUCAULT, 2010, 2012), com pesquisa exploratória de abordagem
qualitativa, e das técnicas para pesquisa documental, bibliográfica, análise de
conteúdo e de discurso. O problema de pesquisa gira em torno das relações em
torno das mitigações de garantias fundamentais, elegendo a ampla defesa e o
Estado de Inocência para análise, considerando o legado ditatorial e a
permanente eleição de inimigos públicos (ZAFFARONI, 2011); a espetacularização
199
do processo penal (DEBORD, 2000) e a cultura punitivista contemporânea em
números e dores; e a busca por legitimidade (SCHMITT, 2007) democrática do
Poder Judiciário, que ativista (RAMOS, 2010) reconstrói conceitos jurídicos
processuais penais de historicidade e precisa epistemologia mitigando conteúdos
essenciais de diversas garantias, nesses tempos de descrédito (FGV, 2016),
práticas endêmicas de corrupção e de crise do monopólio estatal do direito de
punir ante a formação de microfocos de poder paraestatal, insurgências da
vingança privada e do fenômeno dos linchamentos (JESUS, 2016). Além da
introdução, divide-se em duas seções e ao final considerações conclusivas com o
fito de contribuir com o debate e com a visibilidade da temática aqui
problematizada, demarcando, sobretudo, a necessidade de rever os
fundamentos epistemológicos da atuação judiciária em ambientes declarados
constitucionalmente como democráticos, realçando a técnica, o compromisso
com a axiologia constitucional de proteção à pessoa em conflito com a lei e a
efetivação de um juízo (e tessitura social) de garantias e racionalidade
humanitária.