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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo SP – 05 a 09/09/2016 1 Apropriação de Conteúdos Musicais em Sites de Redes Sociais: Identidade e Capital Afetivo entre Fãs de Rock In Rio 1 Rebeca Calil OLIVEIRA 2 Beatriz Brandão POLIVANOV 3 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ Resumo O artigo tem por intuito discutir a questão da construção de identidade de atores sociais através da apropriação de conteúdos musicais nos sites de redes sociais Facebook, Instagram e Twitter. Através da coleta de dados por meio de questionário, entrevistas curtas e observação de perfis de fãs do festival de música Rock in Rio investigamos como os atores sociais performatizam seus selves e se engajam em interações sociais nas redes a partir da apropriação de conteúdos como letras de músicas, videoclipes, fotos de bandas, dentre outros. Propomos o conceito de capital afetivo para entender tais dinâmicas, indo além de explicações que se baseiam no narcisismo e dialogando com a noção de capital social para discutir aproximações entre música, identidade e cibercultura. Palavras-chave: música; sites de redes sociais; identidade; capital afetivo. 1. Introdução Os sites de redes sociais (SRSs) têm mudado a forma com que nos relacionamos com os conteúdos musicais. A maneira com que os atores sociais passaram a consumir e apropriar-se de fotos, letras de músicas, videoclipes através de suas timelines 4 demonstra uma forma de compor uma apresentação de si nesses ambientes (POLIVANOV, 2014) marcada em grande maneira por performances de gosto (HENNION, 2002). As postagens com conteúdos musicais que os atores sociais fazem através de seus perfis podem se dar a partir de materiais distintos, em diferentes plataformas e com finalidades variadas, por exemplo: uma foto no Instagram demonstrando estar presente em um show ao vivo pode estar relacionada à construção de distinção perante os pares ou postar no Twitter o trecho de uma música que define como o sujeito se sente num determinado momento pode funcionar como “gatilho” para interação e sociabilidade com outros atores sociais ou ainda publicar no Facebook um videoclipe tentando através deste lidar com um sentimento pode ser uma 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Interfaces Comunicacionais, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Estudos de Mídia da UFF, email: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Profa. Dra. do Curso de Estudos de Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF, email: [email protected]. 4 Timeline é o modo como o Facebook apresenta atualmente as publicações dos usuários, em ordem cronológica reversa.

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Apropriação de Conteúdos Musicais em Sites de Redes Sociais: Identidade e Capital Afetivo entre Fãs de Rock In Rio1

Rebeca Calil OLIVEIRA2

Beatriz Brandão POLIVANOV3 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ

Resumo

O artigo tem por intuito discutir a questão da construção de identidade de atores sociais através da apropriação de conteúdos musicais nos sites de redes sociais Facebook, Instagram e Twitter. Através da coleta de dados por meio de questionário, entrevistas curtas e observação de perfis de fãs do festival de música Rock in Rio investigamos como os atores sociais performatizam seus selves e se engajam em interações sociais nas redes a partir da apropriação de conteúdos como letras de músicas, videoclipes, fotos de bandas, dentre outros. Propomos o conceito de capital afetivo para entender tais dinâmicas, indo além de explicações que se baseiam no narcisismo e dialogando com a noção de capital social para discutir aproximações entre música, identidade e cibercultura.

Palavras-chave: música; sites de redes sociais; identidade; capital afetivo. 1. Introdução

Os sites de redes sociais (SRSs) têm mudado a forma com que nos relacionamos

com os conteúdos musicais. A maneira com que os atores sociais passaram a consumir e

apropriar-se de fotos, letras de músicas, videoclipes através de suas timelines4 demonstra

uma forma de compor uma apresentação de si nesses ambientes (POLIVANOV, 2014)

marcada em grande maneira por performances de gosto (HENNION, 2002). As postagens

com conteúdos musicais que os atores sociais fazem através de seus perfis podem se dar a

partir de materiais distintos, em diferentes plataformas e com finalidades variadas, por

exemplo: uma foto no Instagram demonstrando estar presente em um show ao vivo pode

estar relacionada à construção de distinção perante os pares ou postar no Twitter o trecho de

uma música que define como o sujeito se sente num determinado momento pode funcionar

como “gatilho” para interação e sociabilidade com outros atores sociais ou ainda publicar

no Facebook um videoclipe tentando através deste lidar com um sentimento pode ser uma

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Interfaces Comunicacionais, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Estudos de Mídia da UFF, email: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Profa. Dra. do Curso de Estudos de Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF, email: [email protected]. 4 Timeline é o modo como o Facebook apresenta atualmente as publicações dos usuários, em ordem cronológica reversa.

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forma catártica e implícita de expressão de si (POLIVANOV, 2014). Esses são apenas

alguns exemplos das diversas formas de apropriação de conteúdo musical nos SRSs.

Nosso foco5 recai, assim, neste artigo não apenas na forma material como essa

apropriação de conteúdo acontece (isto é, se está em jogo uma imagem ou conteúdo

audiovisual, por exemplo), mas também nos valores simbólicos que os atores sociais têm

buscado nessa apropriação de conteúdo musical, que pode passar desde um processo de

apresentação de si até busca por visibilidade e interação nos SRSs.

Tendo a música nesses sites como nosso objeto de pesquisa e nosso objetivo voltado

para entender como os sujeitos se apropriam dos conteúdos musicais, buscamos refletir

sobre quais seriam os significados dessas apropriações. Nossas questões mais amplas de

pesquisa podem ser sintetizadas do seguinte modo: Como os atores sociais se apropriam de

conteúdos musicais para performatizar seus selves e se conectar com outros atores sociais?

Haveria uma relação entre o tipo de conteúdo apropriado – como notícias, fotos de shows,

letras de música etc. – na busca por uma maior sociabilidade nos SRSs? Como esses

conteúdos apropriados apresentam-se em diferentes sites, como Facebook, Twitter e

Instagram? E, por fim, pode a música ser utilizada na construção de um “capital afetivo”?

Com a noção de capital afetivo buscamos entender como a procura dos atores

sociais em estabelecer com a sua rede um capital social tem também resultados da ordem do

afeto, para além dos valores trabalhados por Recuero (2009). Ou seja, aventamos como

hipótese que muitas das postagens de conteúdos musicais em SRSs têm como objetivo

principal não a disputa por popularidade ou reputação, mas um certo sentido de “mostrar-se

amado / querido”, uma disputa por visibilidade do afeto. Assim, nos afastamos também das

perspectivas de pesquisas que entendem que os atores sociais utilizam os SRSs unicamente

para expor suas vidas, de forma narcísica, buscando apenas um imperativo da visibilidade

indiscriminada ou uma superexposição de si (SIBILIA, 2008).

De modo a responder nossas questões selecionamos dez informantes para a fase

inicial da pesquisa, sendo cinco através do grupo Rock in Rio 20156 no Facebook e outros

cinco, também frequentadores de Rock in Rio, obtidos através do grupo de alunos do curso

5 O presente artigo é fruto do projeto de pesquisa "Conteúdos musicais em sites de redes sociais: sociabilidade e performance de si na (i)materialidade da cultura digital", que faz parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq), do edital 2015/2016 da UFF. 6 Disponível em: https://www.facebook.com/groups/738900552812595/. Acesso em: 28/06/2016. A escolha pelo grupo Rock In Rio 2015 deu-se pelo motivo de o mesmo reunir uma quantidade significativa de pessoas que pertencem a diferentes cenas musicais.

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de Estudos de Mídia da UFF7. Os dez responderam a um roteiro de perguntas elaborado

para a pesquisa, bem como tiveram seus perfis observados no Facebook e Instagram e

Twitter, quando os possuíam, de forma a identificar como as apropriações de conteúdos

musicais aconteciam.

Com o objetivo de entender melhor essas apropriações, o presente artigo está

estruturado do seguinte modo: na primeira parte faremos uma discussão sobre música na

construção de identidade e as performances associadas a esta construção. Na segunda parte

abordaremos conceitos de sociabilidade, capital social e afetivo. Por fim, na terceira parte

iremos trazer os dados empíricos da pesquisa e analisá-los com base na discussão teórica

feita anteriormente. Desse modo, pretendemos trazer contribuições para o campo da

comunicação e sua interface de estudos com a música e sociabilidade, principalmente no

que tange às suas aplicações nos sites de redes sociais.

2. Música, Identidade e Performance

A noção de identidade tornou-se central no período da modernidade, quando passa

por reconfigurações significativas tendo em vista inúmeros fatores históricos, como os

relacionados à esfera da produção e consumo, bem como o surgimento das grandes urbes.

Tem-se o começo da industrialização e urbanização e a revolução industrial nos séculos

XVIII e XIX, que criaram novas perspectivas de lazer e consumo.

Junto a isso, acredita-se que houve um gradual e progressivo declínio de referenciais

e identitários mais fixos8 (HALL, 2006), e uma maior mobilidade social . Potencialmente os

sujeitos podem, na alta modernidade, optar por e trocar de estilos de vida e o consumo seria

a categoria central na definição da identidade desses sujeitos contemporâneos

(FEATHERSTONE, 1997), logo, eles criam e constroem suas identidades com base no que

e como consomem. Assim, o consumo seria um dos fatores primordiais para a construção

da sua identidade, como argumentam também Douglas e Isherwood (2004), e os sujeitos

livres construiriam a sua personalidade e a exporiam para o mundo através da esfera do

consumo.

A partir dos argumentos expostos acima e dos trabalhos de autores como De Nora

(2000), entendemos que o consumo de música é um dos elementos mais acionados pelos

sujeitos nesse processo de construção de identidade. Tal fator não se dá, claro, apenas no 7 Disponível em: https://www.facebook.com/groups/342894799055747/. Acesso em: 01/03/3016. 8 Neste caso, fazemos alusão a referenciais mais tradicionais, como por exemplo, a religião e cultura patriarcal que, com a sociedade da alta modernidade, vêm sendo cada vez mais problematizados.

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contexto da alta modernidade, sendo historicamente um forte componente das identidades

sociais de grupos e indivíduos e até mesmo instrumento de dominação cultural. Como

exemplo podemos citar as missões jesuíticas na América - entre os séculos VXI e VXIII -

cujo intuito era catequizar os índios e ensiná-los práticas religiosas, o que muitas das vezes

era feito através da música, tendo em vista que as artes e dança eram um dos poucos fatores

que faziam os índios se interessarem pelos ensinamentos dos padres jesuítas9. Isso nos leva

à questão da música como importante elemento de identidade cultural, que nos habilita a

documentar a nossa própria história e acompanhar as modificações pelas quais passam as

culturas.

Assim, a música faz parte da construção de identidades sociais e culturais.

Analisando a construção da identidade por outro viés, nos atentamos ao conceito de “neo-

tribos” proposto por Maffesoli (2006). Segundo o autor as mesmas são construídas,

diferentemente das tribos tradicionais, de forma voluntária e são marcadas pela efemeridade

e atravessadas pelos estilos de vida. Identificamo-nos com aqueles que pertencem a

determinadas (neo)tribos e passamos a querer pertencer a este grupo, sendo a música um

dos principais elementos para esta conexão ocorrer.

Vale ainda ressaltar que, apesar de muitos sujeitos terem, na alta modernidade, a

liberdade de escolher a qual grupo gostaria de pertencer, ainda há códigos culturais que

devemos saber usar e nos apropriar para fazer efetivamente parte daquele meio. Por

exemplo, a cultura punk – que surgiu no final da década de 1970 - é um movimento

marcado por ideologias baseado em moda, comportamento e música (O’HARA, 2005).

Para fazer parte desta tribo, é necessário ter o conhecimento e um certo domínio de seus

códigos, seja na forma com que se vai agir perante a sociedade, o tipo de roupa e corte de

cabelo que se terá e as músicas que se vai ouvir, dentre outros fatores.

A partir do momento que entendemos que os sujeitos, ao tentarem fazer parte de

uma tribo, buscam dominar códigos culturais necessários para construírem sua identidade,

vemos a necessidade de discutir – ainda que brevemente – sobre o conceito de performance.

Partimos do entendimento de performance como qualquer atividade de um ator

social em uma certa ocasião, que visa influenciar o modo como outros atores irão criar uma

impressão dele/a (GOFFMAN, 2009). Concebemos, assim, que todo evento que praticamos

pode ser entendido como performático, e que para realizarmos tal performance, restauramos

9 Ver, por exemplo: SWEET, David. Misioneros Jesuitas y Índios "Recalcitrantes" en la Amazonia Colonial. IN: PORTILLA, Miguel et al (orgs). De palabra y obra en el nuevo mundo. Volume 1: Antropología y etnología. Siglo XXI de España Editores, 1992.

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um comportamento já vivenciado. Ou seja, nenhuma performance seria inteiramente nova,

pois buscamos em experiências já executadas o exemplo para uma nova ação

(SCHECHNER, 2006).

Tal entendimento da ideia de performance se dá não apenas para ambientes off-line,

estudados por tais autores, mas também, argumentamos, em ambientes online, com suas

dinâmicas específicas que buscamos investigar. O ambiente online nos permitiria,

potencialmente, criar e construir o nosso self da forma que desejamos e criar novos modos

de interação e práticas sociais. Contudo, se por um lado, essa construção poderia se dar de

modo mais livre e mais vinculada a uma ideia de “role-playing”, de “brincar” com

diferentes papéis, também somos interpelados, principalmente em ambientes não anônimos

(ZHAO, GRASMUCK E MARTIN, 2008) como Facebook, por exemplo, a nos mostrar “tal

como somos”, seguindo idealmente uma ideia de “coerência expressiva” (PEREIRA DE SÁ

E POLIVANOV, 2012) entre nossos selves on e off-line. E tal processo envolve não apenas

“performar” nossos gostos musicais nos SRSs em suposta consonância com como eles

aparecem off-line, como também está relacionado a uma ideia de manter, reforçar e dar

visibilidade a laços sociais nesses ambientes. Desse modo, iremos agora discutir sobre os

conceitos de capital social e afetivo.

3. Capital Social e Afetivo O capital social já foi abordado e elucidado por diversos autores com diferentes

conceitos. Para Putnam (2000), o capital social é atribuido às conexões entre os indivíduos,

que estão baseadas em regras de reciprocidade e confiança. O conceito de Putnam nos

remete a uma categoria do capital social proposta por Coleman (1988), o capital social

cognitivo. Para ele tal forma de capital social seria produzido a partir do conhecimento de

um grupo de pessoas, onde as informações podem ser "usadas" pelo grupo quando houver

interesse.

Já para Bourdieu (1985), o conceito de capital social estaria relacionado a recursos

atuais ligados a uma rede de laços já estabelecidos, ou seja, para Bourdieu este capital é

formado a partir de relações sociais já institucionalizadas, formando assim uma rede

durável de relações. O conceito de Bourdieu nos leva à definição de capital social relacional

proposta por Coleman (1988), na qual este capital seria construído por uma soma de

relações e laços que seria capaz de conectar indivíduos de uma determinada rede,

popularmente conhecido como o "quem conhece quem".

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Já para Recuero (2005), o capital social está relacionado ao “conteúdo embutido nas

interações que constituem os laços sociais, que pode ser acumulado, aprofundando um

determinado laço e aumentando o sentimento de grupo" (2005, p. 3). Para a autora (2009),

a construção de capital social está relacionada a quatro valores, são eles: visibilidade,

popularidade, reputação e autoridade.

A visibilidade é um valor que fala por si só, ser visível. Diversos autores já

questionaram o fato do "poder" que os SRSs trouxeram para os atores sociais tornarem-se

mais visíveis e expor as suas intimidades (SIBILIA, 2008) resultando na superexposição

dos sujeitos relacionadas às sociedades de espetáculo (DEBORD, 2003). Olhando por um

viés mais positivo, a visibilidade atrelada aos SRSs trouxe também uma maior

potencialidade de sociabilidade entres os atores sociais, além de resultar em muitos casos

em uma visibilidade social maior para os mesmos. Isso está relacionado também a uma

pluralidade maior de informações circulando em rede e até um suporte social quando

solicitado. Por exemplo, é fácil vermos nos SRSs atores sociais publicando em suas

timelines pedidos de ajuda sobre temas variados que vão de empréstimos de bens pessoais

até ajuda em trabalhos ou dicas de atividades para fazer no final de semana.

A popularidade é um valor diretamente relacionado à audiência. Com a atual

conjuntura dos SRSs a audiência, em tese, é mais facilmente mediada na rede e também

mensurada. Por exemplo, a quantidade de likes (curtidas) que um ator social recebe em uma

postagem pode ser um indicador da quantidade de audiência que ele “recebeu” por aquele

conteúdo. Outra forma de avaliar se tal ator social é popular seria a “força” que ele tem em

ser um nó centralizador de conexões para outros atores sociais. Basicamente a popularidade

é o valor relativo à posição de um ator dentro da sua rede social.

Já a reputação seria a percepção de si que o ator social deseja passar para os outros,

ou seja, a imagem que ele pretende que os outros atores tenham dele. Para Recuero (2009),

a construção de tal reputação depende de três elementos: o "eu", o "outro" e a relação entre

ambos. Os SRSs têm auxiliado muito na construção dessa reputação uma vez que permitem

um maior controle do que está sendo publicado, ou seja, um maior domínio das impressões

emitidas e transmitidas (GOFFMAN, 2009). Diferentemente da popularidade, a reputação

não é somente uma questão numérica ou de alcance, mas sim qualitativa, uma vez que ela é

relacionada com as impressões que os demais atores constroem de um sujeito.

O último valor, a autoridade, refere-se ao poder de influência que um ator social tem

perante a sua rede de sociabilidade. Não é simplesmente a posição que ele ocupa dentro do

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nó, tornando-o visível, e nem apenas a percepção que se tem dele, porque a autoridade é

medida a partir da influência. Mesmo que a percepção do outro seja negativa em relação ao

ator social posto em questão, o que será avaliado é a capacidade de ele gerar conteúdo,

comentários e até avaliações, sendo reconhecido por uma gama de sujeitos como alguém

que tem autoridade para discutir certo assunto, influenciando outros com suas opiniões.

Como já dito anteriormente, esses quatro valores trazidos por Recuero fazem parte

da construção de capital social. Porém, acreditamos que os atores sociais têm se apropriado

de outros valores nos SRSs para construir uma nova forma de capital, que estaria ligado

diretamente ao afeto. Observamos durante a nossa coleta de dados uma necessidade dos

atores sociais, através das postagens que faziam, de sentirem-se “amados” e queridos e

também uma busca por outros atores sociais que compartilham do mesmo sentimento e

pensamento que nós sobre um determinado assunto. Chamaremos isso aqui de capital

afetivo.

A ideia de capital afetivo guarda ressonâncias, mas ao mesmo tempo se afasta do

conceito de capital social, já explicitado por Recuero (2005; 2009). Aproxima-se por

acreditarmos que os atores sociais ainda buscam, através da comunhão de recursos

individuais, um outro conjunto de recursos que pode ser usufruído por todos os membros de

um grupo. Porém, afasta-se no sentido em que traz um outro valor que não está relacionado

necessariamente à popularidade, visibilidade, reputação ou autoridade, mas vincula-se

diretamente ao compartilhamento de afetos, conforme mostra a fala abaixo de uma de

nossas informantes: Música pra mim é coisa se fosse uma parte do meu estilo de vida (...) então pra mim é importante quando eu posto alguma coisa sobre música, é importante as pessoas que eu conheço conhecerem o que eu gosto também, então eu consigo compartilhar com quem gosta do mesmo gosto e também com quem não tem esse mesmo gosto saber o que eu consumo (INFORMANTE H, 2016)

Através do relato da informante H, percebemos que o valor visibilidade de Recuero

aparece como um fator importante. A preocupação em demonstrar o que ela consome, gosta

e usa como referencial para o seu dia a dia é um fator determinante nas suas postagens nos

SRSs. Porém, percebemos que ainda é mais importante conseguir demonstrar e

compartilhar com aqueles com quem mantêm laços sociais o que é consumido e assim se

conectar a outros atores sociais que compartilham (ou não) do mesmo gosto e sentimento

por tal estilo musical. O capital afetivo seria gerado a partir do momento em que esta

“necessidade” ou vontade de compartilhar com outras pessoas um sentimento ou gosto

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torna-se um motivo determinante para publicar algo nos SRSs e é correspondido a partir de

curtidas10, comentários e compartilhamentos que corroboram para a ampliação do afeto

dentre aqueles sujeitos. Desse modo, iremos agora fazer a discussão sobre os dados obtidos

com a pesquisa, buscando entender especificamente como se dá a apropriação dos

conteúdos musicais em diferentes SRSs dentre os nossos informantes.

4. Discussão sobre os Dados da Pesquisa: Estudo com Fãs de Rock in Rio

Escolhemos fazer um recorte de pesquisa com frequentadores do festival Rock in

Rio 2015, buscando sujeitos que são fãs de música (e do festival), mas não necessariamente

de um gênero musical específico, tendo em vista que o evento abarca artistas de diferentes

estilos, que vão desde o pop ao heavy metal, e não tínhamos como propósito focar em uma

cena particular. O grupo homônimo no Facebook, que até julho de 2016 continha quase 25

mil membros e tem como em como propósito a troca de informações e de opiniões sobre o

festival, serviu, assim, como ponto inicial para a nossa pesquisa, onde selecionamos os

primeiros informantes, focando posteriormente em seus perfis individuais.

Após um processo de captação de possíveis informantes, obtivemos os cinco

informantes que responderam o roteiro de perguntas11 que elaboramos entre 17 de

dezembro de 2015 a 07 de janeiro de 2016, para que pudéssemos obter dados sobre sua

utilização de SRS, suas razões e processo de apropriação de conteúdos musicais nessas

plataformas.

Fizemos também a coleta das postagens de conteúdos musicais de cada informante

em suas timelines no Facebook dos dias 10 de dezembro de 2015 a 12 de fevereiro de 2016,

com um total de 10 posts para cada informante, totalizando portanto 50 postagens. É

importante destacarmos que realizamos a observação e coleta das suas postagens no site

antes de entrarmos em contato para a aplicação do questionário, de modo que os

informantes não soubessem que estavam sendo observados12.

Após averiguarmos quantos informantes haviam respondido o roteiro de perguntas,

vimos a necessidade de obtermos mais dados através de novos informantes, bem como 10 Aqui é importante destacarmos as novas “reações” que o Facebook criou este ano de modo a trazer mais especificidades nas interações do que apenas uma “curtida”, que teria múltiplos significados. As novas reações são: amar um conteúdo (botão de coração), rir (emoticon de risada), se impressionar (emoticon “Uau”), ficar triste (emoticon triste) e se irritar com algo (botão “Grr”). A apropriação dessa “ferramenta” no site será foco de pesquisas futuras. 11 Disponível em: https://goo.gl/sHN8vi. 12 Posteriormente contatamos os informantes e pedimos a sua autorização para a coleta das postagens, que foi consentida por todos.

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alterar o método de coleta de dados, passando do questionário online a entrevistas curtas

presenciais, de modo a entender melhor certas nuances das respostas dadas. Por isso,

decidimos aplicar o mesmo roteiro de perguntas utilizado com os informantes alcançados

através do grupo Rock in Rio 2015 para novos informantes através da realização de

entrevistas presenciais. Com o propósito de conseguir rapidamente novos informantes, a

pesquisadora de iniciação científica Rebeca anunciou a procura no grupo Estudos de Mídia

- UFF, de alunos de seu curso, tendo alcançado quinze respostas. Dessas apenas cinco

estavam dentro dos critérios estabelecidos para a pesquisa: ter participado ou assistido a

edição do Rock in Rio 2015, possuir perfil ativo no Facebook, ter disponibilidade para

participar da entrevista e não possuir nenhum tipo de laço forte com a entrevistadora, o que

poderia afetar os resultados. As entrevistas presenciais foram feitas, assim, com cinco

pessoas, sendo todas foram gravadas com consentimento. Nos dias 16 e 17 de janeiro

fizemos a coleta das postagens de cada novo informante em suas timelines no Facebook.

Tomando como base a primeira experiência com os informantes do grupo Rock in Rio,

foram coletadas dez postagens para cada informante, totalizando assim, 50 postagens

novamente. No total tivemos, portanto, 10 informantes e 100 postagens coletadas.

Com base nas respostas obtidas nas entrevistas presenciais e através do questionário

online, fizemos uma nova coleta de dados em outros dois SRSs: Twitter e Instagram. Vale

ressaltar que dos dez informantes que possuem perfil no Facebook, oito também possuem

conta pessoal no Instagram e apenas cinco no Twitter. E ainda destacamos a dificuldade que

tivemos em recolher dados no Twitter, pelo fato de o mesma ser um SRS com pouco uso

dentre os informantes e também ser usado mais como uma rede replicadora de conteúdo do

que produtora de fato, conforme ilustra a figura 1 abaixo de tweets da informante H13.

13 De modo a manter o anonimato dos informantes da pesquisa utilizamos recursos de edição de imagem para “borrar” suas fotos de rosto bem como ocultar seus nomes.

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Figura 1 - tweets da informante H.

É importante ressaltar que a coleta de dados no Twitter e Instagram foram feitas

entre os dias 02 e 10 de junho de 2016. Seguindo a mesma lógica da coleta de dados feita

no Facebook, coletamos dez postagens para cada informante, totalizando assim 80

postagens no Instagram e 50 no Twitter e. O intuito é verificar como se apresentam as

dinâmicas de apropriação de conteúdos musicais nos três sites de redes sociais e ainda

categorizá-los por meio de quatro conceitos elaborados por Carrera: a) música dedicada; b)

paráfrase; c) humor e d) autorreferência (CARRERA, 2012).

A música dedicada frequentemente envolve o interesse de divulgar algum desejo,

sentimento ou ações positivas. A dedicação pode acontecer de diversas formas. Geralmente

percebe-se nitidamente quando um conteúdo foi dedicado quando há alguma marcação ou

citação do nome daquele/a que vai receber a “homenagem”, no caso do Facebook e Twitter,

que geralmente vem acompanhado de vídeos ou letras de músicas publicados na timeline ou

no mural. Já no Instagram é comum que a dedicação venha acompanha de apenas uma foto

e uma legenda (como mostra a figura 2). Neste caso, o informante I apropriou-se da música

History da boyband One Direction para fazer a dedicação.

Figura 2 - Exemplo de música dedicada.

Percebemos a partir de tal publicação com música dedicada, um dos estilos de

música que o informante I consome, neste caso o pop, pelo fato de a legenda ser um trecho

da música da banda One Direction. E assim, tal consumo analisado através da postagem é

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capaz de determinar que o gênero pop faz parte da construção de identidade do informante

I. Observamos também, através das nuances performáticas da fotografia, que o gênero pop

pode também ter sido apropriado neste caso para a foto ao remeter a cenário típico de

videoclipes deste gênero, que é a praia. Além disso, destacamos que essa categoria de

“dedicação” ou homenagem diz respeito diretamente ao conceito de capital afetivo que

apresentamos acima.

As dinâmicas de apropriação com paráfrase podem se dar da mesma forma

explicitada acima. Entretanto, a paráfrase ocorre quando o ator social apropria-se do

conteúdo musical adicionando uma interpretação própria ou pessoal, sugerindo um novo

enfoque para o seu sentido. As postagens feitas pelo informante F no Instagram ilustram a

paráfrase musical nas figuras 3 e 4.

Figura 3 - exemplo de paráfrase Figura 4 - exemplo de paráfrase

O informante F na figura 3 faz uma referência à música Imagine de John Lennon ao

brincar com a quantidade de cápsulas do café Nespresso na foto. E na figura 4 faz

referência tanto imagética quanto textual à cantora Adele, ao tentar se colocar na mesma

posição da artista na capa do seu CD Adele 21 e ao remeter, na legenda, à música Rolling in

the Deep da cantora.

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Já o humor, quando acompanhado de conteúdos musicais, costuma ser apresentado

em forma de meme em nossa amostra. Nesses casos, é necessário dominar diversas

referências e linguagens midiáticas para entender a piada ou o conteúdo como um todo,

como mostram as figuras 5 e 6 dos informantes F e J abaixo, retiradas do Twitter.

Figura 5 - Exemplo de humor. Figura 6 - Exemplo de humor.

Na figura 5, é necessário termos o conhecimento de que se faz referência à girlband

Fifth Harmony, que recentemente fez um show no Brasil. A banda é autora da música

Worth It e a maioria das suas coreografias são agachadas em posições sexy. Percebemos a

questão da sociabiliadade, uma vez que o informante retweetou o tweet para a sua rede de

contatos no intuito de que tal postagem seja “favoritada” ou comentada por outros atores

sociais. Já na postagem da figura 6, compreendemos o efeito cômico a partir da junção do

GIF e do texto. O GIF faz referência a Nicole Bahls, participante de um reality show no

Brasil, e suas expressões marcantes, junto ao recente anúncio de show da cantora Adele no

Brasil em 2017, que teria preços muito elevados. Aqui podemos remeter ao que Schechner

(2006) chama de “comportamento restaurado” em relação aos atos performáticos, já que o

GIF foi uma ação realizada por Bahls em outro contexto, que foi apropriada para que a

postagem tivesse sentido humorístico junto com o texto usado, que remetia ao universo

musical.

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As postagens com autorreferência, por fim, são aquelas em geral feitas pelos

próprios atores sociais em suas timelines. Neste tipo de categoria, as postagens vêm

acompanhadas de um sentimento de aprovação: o ator social aprova, gosta de um conteúdo

que vê, lê ou ouve e sente a necessidade de mostrá-lo para a sua rede. A forma material com

que esses conteúdos se apresentam são das mais variadas, podendo ser vídeos com

referências pessoais de texto, imagens e utilização também de emojis14 e/ou hashtags15.

Apresenta-se também em formato de notícias e letras de músicas. É nesta forma de

apropriação, bem como na primeira categoria, de “dedicação”, que mais vemos o capital

afetivo se manifestar, como mostram as figuras 7 e 8, retiradas do Facebook.

Figura 7 - Exemplo de autorreferência Figura 8 - Exemplo de autorreferência.

A postagem feita pela informante D no Facebook (fig. 7) deixa explicito o seu gosto

musical pela cantora Rihanna, que pertence à cena musical do pop. Além do gosto musical,

a expressão de um traço identitário, percebemos a grande demonstação de afeto, através do

emoji coração usado no texto. Notamos ainda um aspecto da performance de si da

informante que talvez não tenha sido intencionado: o compartilhamento de um texto em

inglês deixa a entender que ela domina o idioma ou assim quer mostrar à sua rede. Já na

postagem feita pelo informante B (fig. 8) há menos demonstração de afeto, uma vez que ele

só compartilha um vídeo, “dizendo” implicitamente que gosta dos cantores-compositores

14 "Emoji é de origem japonesa, composta pela junção dos elementos e(imagem) e moji (letra), e é considerado um pictograma ou ideograma, ou seja, uma imagem que transmite a ideia de uma palavra ou frase completa". Disponível em: http://www.significados.com.br/emoji/. Acesso em: 14/07/2016. 15 "Consiste de uma palavra-chave antecedida pelo símbolo #, conhecido popularmente no Brasil por "jogo da velha" ou "quadrado"". Disponível em: http://www.significados.com.br/hashtag/. Acesso em: 14/07/2016.

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Nando Reis e Cássia Eller, isto é, através da apropriação do vídeo deixa-se uma inferência

sobre seu gosto musical.

5. Considerações Finais Percebemos com o levantamento e análise de dados que questões como expressão de

afeto e desmonstrações sentimentais, dentre outras ligadas ao humor, por exemplo, a partir

de conteúdos musicais nos SRSs, se dão a partir de materiais distintos, como fotos, vídeos e

notícias. Com isso, argumentamos que ideias que abrangem somente aspectos relacionados

ao narcisismo, no que toca às performances de si nesses sites, deixam de lado discussões

importantes sobre identidade e sociabilidade e os conteúdos específicos que são acionados

pelos atores sociais nessas dinâmicas.

Tendo em vista ainda essa dimensão do afeto propusemos a noção de capital afetivo

para entender as disputas de valores nos SRSs para além dos quatro propostos por Recuero

(2009), relacionados à ideia de capital social, que são visibilidade, popularidade, reputação

e autoridade. Vale ressaltar, no entanto, que as questões levantadas neste artigo não foram

todas respondidas ainda, mas esperamos que o sejam durante o desenvolvimento final da

pesquisa.

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