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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo -‐ SP – 05 a 09/09/2016
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Apropriação de Conteúdos Musicais em Sites de Redes Sociais: Identidade e Capital Afetivo entre Fãs de Rock In Rio1
Rebeca Calil OLIVEIRA2
Beatriz Brandão POLIVANOV3 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ
Resumo
O artigo tem por intuito discutir a questão da construção de identidade de atores sociais através da apropriação de conteúdos musicais nos sites de redes sociais Facebook, Instagram e Twitter. Através da coleta de dados por meio de questionário, entrevistas curtas e observação de perfis de fãs do festival de música Rock in Rio investigamos como os atores sociais performatizam seus selves e se engajam em interações sociais nas redes a partir da apropriação de conteúdos como letras de músicas, videoclipes, fotos de bandas, dentre outros. Propomos o conceito de capital afetivo para entender tais dinâmicas, indo além de explicações que se baseiam no narcisismo e dialogando com a noção de capital social para discutir aproximações entre música, identidade e cibercultura.
Palavras-chave: música; sites de redes sociais; identidade; capital afetivo. 1. Introdução
Os sites de redes sociais (SRSs) têm mudado a forma com que nos relacionamos
com os conteúdos musicais. A maneira com que os atores sociais passaram a consumir e
apropriar-se de fotos, letras de músicas, videoclipes através de suas timelines4 demonstra
uma forma de compor uma apresentação de si nesses ambientes (POLIVANOV, 2014)
marcada em grande maneira por performances de gosto (HENNION, 2002). As postagens
com conteúdos musicais que os atores sociais fazem através de seus perfis podem se dar a
partir de materiais distintos, em diferentes plataformas e com finalidades variadas, por
exemplo: uma foto no Instagram demonstrando estar presente em um show ao vivo pode
estar relacionada à construção de distinção perante os pares ou postar no Twitter o trecho de
uma música que define como o sujeito se sente num determinado momento pode funcionar
como “gatilho” para interação e sociabilidade com outros atores sociais ou ainda publicar
no Facebook um videoclipe tentando através deste lidar com um sentimento pode ser uma
1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Interfaces Comunicacionais, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Estudos de Mídia da UFF, email: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Profa. Dra. do Curso de Estudos de Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF, email: [email protected]. 4 Timeline é o modo como o Facebook apresenta atualmente as publicações dos usuários, em ordem cronológica reversa.
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forma catártica e implícita de expressão de si (POLIVANOV, 2014). Esses são apenas
alguns exemplos das diversas formas de apropriação de conteúdo musical nos SRSs.
Nosso foco5 recai, assim, neste artigo não apenas na forma material como essa
apropriação de conteúdo acontece (isto é, se está em jogo uma imagem ou conteúdo
audiovisual, por exemplo), mas também nos valores simbólicos que os atores sociais têm
buscado nessa apropriação de conteúdo musical, que pode passar desde um processo de
apresentação de si até busca por visibilidade e interação nos SRSs.
Tendo a música nesses sites como nosso objeto de pesquisa e nosso objetivo voltado
para entender como os sujeitos se apropriam dos conteúdos musicais, buscamos refletir
sobre quais seriam os significados dessas apropriações. Nossas questões mais amplas de
pesquisa podem ser sintetizadas do seguinte modo: Como os atores sociais se apropriam de
conteúdos musicais para performatizar seus selves e se conectar com outros atores sociais?
Haveria uma relação entre o tipo de conteúdo apropriado – como notícias, fotos de shows,
letras de música etc. – na busca por uma maior sociabilidade nos SRSs? Como esses
conteúdos apropriados apresentam-se em diferentes sites, como Facebook, Twitter e
Instagram? E, por fim, pode a música ser utilizada na construção de um “capital afetivo”?
Com a noção de capital afetivo buscamos entender como a procura dos atores
sociais em estabelecer com a sua rede um capital social tem também resultados da ordem do
afeto, para além dos valores trabalhados por Recuero (2009). Ou seja, aventamos como
hipótese que muitas das postagens de conteúdos musicais em SRSs têm como objetivo
principal não a disputa por popularidade ou reputação, mas um certo sentido de “mostrar-se
amado / querido”, uma disputa por visibilidade do afeto. Assim, nos afastamos também das
perspectivas de pesquisas que entendem que os atores sociais utilizam os SRSs unicamente
para expor suas vidas, de forma narcísica, buscando apenas um imperativo da visibilidade
indiscriminada ou uma superexposição de si (SIBILIA, 2008).
De modo a responder nossas questões selecionamos dez informantes para a fase
inicial da pesquisa, sendo cinco através do grupo Rock in Rio 20156 no Facebook e outros
cinco, também frequentadores de Rock in Rio, obtidos através do grupo de alunos do curso
5 O presente artigo é fruto do projeto de pesquisa "Conteúdos musicais em sites de redes sociais: sociabilidade e performance de si na (i)materialidade da cultura digital", que faz parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq), do edital 2015/2016 da UFF. 6 Disponível em: https://www.facebook.com/groups/738900552812595/. Acesso em: 28/06/2016. A escolha pelo grupo Rock In Rio 2015 deu-se pelo motivo de o mesmo reunir uma quantidade significativa de pessoas que pertencem a diferentes cenas musicais.
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de Estudos de Mídia da UFF7. Os dez responderam a um roteiro de perguntas elaborado
para a pesquisa, bem como tiveram seus perfis observados no Facebook e Instagram e
Twitter, quando os possuíam, de forma a identificar como as apropriações de conteúdos
musicais aconteciam.
Com o objetivo de entender melhor essas apropriações, o presente artigo está
estruturado do seguinte modo: na primeira parte faremos uma discussão sobre música na
construção de identidade e as performances associadas a esta construção. Na segunda parte
abordaremos conceitos de sociabilidade, capital social e afetivo. Por fim, na terceira parte
iremos trazer os dados empíricos da pesquisa e analisá-los com base na discussão teórica
feita anteriormente. Desse modo, pretendemos trazer contribuições para o campo da
comunicação e sua interface de estudos com a música e sociabilidade, principalmente no
que tange às suas aplicações nos sites de redes sociais.
2. Música, Identidade e Performance
A noção de identidade tornou-se central no período da modernidade, quando passa
por reconfigurações significativas tendo em vista inúmeros fatores históricos, como os
relacionados à esfera da produção e consumo, bem como o surgimento das grandes urbes.
Tem-se o começo da industrialização e urbanização e a revolução industrial nos séculos
XVIII e XIX, que criaram novas perspectivas de lazer e consumo.
Junto a isso, acredita-se que houve um gradual e progressivo declínio de referenciais
e identitários mais fixos8 (HALL, 2006), e uma maior mobilidade social . Potencialmente os
sujeitos podem, na alta modernidade, optar por e trocar de estilos de vida e o consumo seria
a categoria central na definição da identidade desses sujeitos contemporâneos
(FEATHERSTONE, 1997), logo, eles criam e constroem suas identidades com base no que
e como consomem. Assim, o consumo seria um dos fatores primordiais para a construção
da sua identidade, como argumentam também Douglas e Isherwood (2004), e os sujeitos
livres construiriam a sua personalidade e a exporiam para o mundo através da esfera do
consumo.
A partir dos argumentos expostos acima e dos trabalhos de autores como De Nora
(2000), entendemos que o consumo de música é um dos elementos mais acionados pelos
sujeitos nesse processo de construção de identidade. Tal fator não se dá, claro, apenas no 7 Disponível em: https://www.facebook.com/groups/342894799055747/. Acesso em: 01/03/3016. 8 Neste caso, fazemos alusão a referenciais mais tradicionais, como por exemplo, a religião e cultura patriarcal que, com a sociedade da alta modernidade, vêm sendo cada vez mais problematizados.
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contexto da alta modernidade, sendo historicamente um forte componente das identidades
sociais de grupos e indivíduos e até mesmo instrumento de dominação cultural. Como
exemplo podemos citar as missões jesuíticas na América - entre os séculos VXI e VXIII -
cujo intuito era catequizar os índios e ensiná-los práticas religiosas, o que muitas das vezes
era feito através da música, tendo em vista que as artes e dança eram um dos poucos fatores
que faziam os índios se interessarem pelos ensinamentos dos padres jesuítas9. Isso nos leva
à questão da música como importante elemento de identidade cultural, que nos habilita a
documentar a nossa própria história e acompanhar as modificações pelas quais passam as
culturas.
Assim, a música faz parte da construção de identidades sociais e culturais.
Analisando a construção da identidade por outro viés, nos atentamos ao conceito de “neo-
tribos” proposto por Maffesoli (2006). Segundo o autor as mesmas são construídas,
diferentemente das tribos tradicionais, de forma voluntária e são marcadas pela efemeridade
e atravessadas pelos estilos de vida. Identificamo-nos com aqueles que pertencem a
determinadas (neo)tribos e passamos a querer pertencer a este grupo, sendo a música um
dos principais elementos para esta conexão ocorrer.
Vale ainda ressaltar que, apesar de muitos sujeitos terem, na alta modernidade, a
liberdade de escolher a qual grupo gostaria de pertencer, ainda há códigos culturais que
devemos saber usar e nos apropriar para fazer efetivamente parte daquele meio. Por
exemplo, a cultura punk – que surgiu no final da década de 1970 - é um movimento
marcado por ideologias baseado em moda, comportamento e música (O’HARA, 2005).
Para fazer parte desta tribo, é necessário ter o conhecimento e um certo domínio de seus
códigos, seja na forma com que se vai agir perante a sociedade, o tipo de roupa e corte de
cabelo que se terá e as músicas que se vai ouvir, dentre outros fatores.
A partir do momento que entendemos que os sujeitos, ao tentarem fazer parte de
uma tribo, buscam dominar códigos culturais necessários para construírem sua identidade,
vemos a necessidade de discutir – ainda que brevemente – sobre o conceito de performance.
Partimos do entendimento de performance como qualquer atividade de um ator
social em uma certa ocasião, que visa influenciar o modo como outros atores irão criar uma
impressão dele/a (GOFFMAN, 2009). Concebemos, assim, que todo evento que praticamos
pode ser entendido como performático, e que para realizarmos tal performance, restauramos
9 Ver, por exemplo: SWEET, David. Misioneros Jesuitas y Índios "Recalcitrantes" en la Amazonia Colonial. IN: PORTILLA, Miguel et al (orgs). De palabra y obra en el nuevo mundo. Volume 1: Antropología y etnología. Siglo XXI de España Editores, 1992.
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um comportamento já vivenciado. Ou seja, nenhuma performance seria inteiramente nova,
pois buscamos em experiências já executadas o exemplo para uma nova ação
(SCHECHNER, 2006).
Tal entendimento da ideia de performance se dá não apenas para ambientes off-line,
estudados por tais autores, mas também, argumentamos, em ambientes online, com suas
dinâmicas específicas que buscamos investigar. O ambiente online nos permitiria,
potencialmente, criar e construir o nosso self da forma que desejamos e criar novos modos
de interação e práticas sociais. Contudo, se por um lado, essa construção poderia se dar de
modo mais livre e mais vinculada a uma ideia de “role-playing”, de “brincar” com
diferentes papéis, também somos interpelados, principalmente em ambientes não anônimos
(ZHAO, GRASMUCK E MARTIN, 2008) como Facebook, por exemplo, a nos mostrar “tal
como somos”, seguindo idealmente uma ideia de “coerência expressiva” (PEREIRA DE SÁ
E POLIVANOV, 2012) entre nossos selves on e off-line. E tal processo envolve não apenas
“performar” nossos gostos musicais nos SRSs em suposta consonância com como eles
aparecem off-line, como também está relacionado a uma ideia de manter, reforçar e dar
visibilidade a laços sociais nesses ambientes. Desse modo, iremos agora discutir sobre os
conceitos de capital social e afetivo.
3. Capital Social e Afetivo O capital social já foi abordado e elucidado por diversos autores com diferentes
conceitos. Para Putnam (2000), o capital social é atribuido às conexões entre os indivíduos,
que estão baseadas em regras de reciprocidade e confiança. O conceito de Putnam nos
remete a uma categoria do capital social proposta por Coleman (1988), o capital social
cognitivo. Para ele tal forma de capital social seria produzido a partir do conhecimento de
um grupo de pessoas, onde as informações podem ser "usadas" pelo grupo quando houver
interesse.
Já para Bourdieu (1985), o conceito de capital social estaria relacionado a recursos
atuais ligados a uma rede de laços já estabelecidos, ou seja, para Bourdieu este capital é
formado a partir de relações sociais já institucionalizadas, formando assim uma rede
durável de relações. O conceito de Bourdieu nos leva à definição de capital social relacional
proposta por Coleman (1988), na qual este capital seria construído por uma soma de
relações e laços que seria capaz de conectar indivíduos de uma determinada rede,
popularmente conhecido como o "quem conhece quem".
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Já para Recuero (2005), o capital social está relacionado ao “conteúdo embutido nas
interações que constituem os laços sociais, que pode ser acumulado, aprofundando um
determinado laço e aumentando o sentimento de grupo" (2005, p. 3). Para a autora (2009),
a construção de capital social está relacionada a quatro valores, são eles: visibilidade,
popularidade, reputação e autoridade.
A visibilidade é um valor que fala por si só, ser visível. Diversos autores já
questionaram o fato do "poder" que os SRSs trouxeram para os atores sociais tornarem-se
mais visíveis e expor as suas intimidades (SIBILIA, 2008) resultando na superexposição
dos sujeitos relacionadas às sociedades de espetáculo (DEBORD, 2003). Olhando por um
viés mais positivo, a visibilidade atrelada aos SRSs trouxe também uma maior
potencialidade de sociabilidade entres os atores sociais, além de resultar em muitos casos
em uma visibilidade social maior para os mesmos. Isso está relacionado também a uma
pluralidade maior de informações circulando em rede e até um suporte social quando
solicitado. Por exemplo, é fácil vermos nos SRSs atores sociais publicando em suas
timelines pedidos de ajuda sobre temas variados que vão de empréstimos de bens pessoais
até ajuda em trabalhos ou dicas de atividades para fazer no final de semana.
A popularidade é um valor diretamente relacionado à audiência. Com a atual
conjuntura dos SRSs a audiência, em tese, é mais facilmente mediada na rede e também
mensurada. Por exemplo, a quantidade de likes (curtidas) que um ator social recebe em uma
postagem pode ser um indicador da quantidade de audiência que ele “recebeu” por aquele
conteúdo. Outra forma de avaliar se tal ator social é popular seria a “força” que ele tem em
ser um nó centralizador de conexões para outros atores sociais. Basicamente a popularidade
é o valor relativo à posição de um ator dentro da sua rede social.
Já a reputação seria a percepção de si que o ator social deseja passar para os outros,
ou seja, a imagem que ele pretende que os outros atores tenham dele. Para Recuero (2009),
a construção de tal reputação depende de três elementos: o "eu", o "outro" e a relação entre
ambos. Os SRSs têm auxiliado muito na construção dessa reputação uma vez que permitem
um maior controle do que está sendo publicado, ou seja, um maior domínio das impressões
emitidas e transmitidas (GOFFMAN, 2009). Diferentemente da popularidade, a reputação
não é somente uma questão numérica ou de alcance, mas sim qualitativa, uma vez que ela é
relacionada com as impressões que os demais atores constroem de um sujeito.
O último valor, a autoridade, refere-se ao poder de influência que um ator social tem
perante a sua rede de sociabilidade. Não é simplesmente a posição que ele ocupa dentro do
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nó, tornando-o visível, e nem apenas a percepção que se tem dele, porque a autoridade é
medida a partir da influência. Mesmo que a percepção do outro seja negativa em relação ao
ator social posto em questão, o que será avaliado é a capacidade de ele gerar conteúdo,
comentários e até avaliações, sendo reconhecido por uma gama de sujeitos como alguém
que tem autoridade para discutir certo assunto, influenciando outros com suas opiniões.
Como já dito anteriormente, esses quatro valores trazidos por Recuero fazem parte
da construção de capital social. Porém, acreditamos que os atores sociais têm se apropriado
de outros valores nos SRSs para construir uma nova forma de capital, que estaria ligado
diretamente ao afeto. Observamos durante a nossa coleta de dados uma necessidade dos
atores sociais, através das postagens que faziam, de sentirem-se “amados” e queridos e
também uma busca por outros atores sociais que compartilham do mesmo sentimento e
pensamento que nós sobre um determinado assunto. Chamaremos isso aqui de capital
afetivo.
A ideia de capital afetivo guarda ressonâncias, mas ao mesmo tempo se afasta do
conceito de capital social, já explicitado por Recuero (2005; 2009). Aproxima-se por
acreditarmos que os atores sociais ainda buscam, através da comunhão de recursos
individuais, um outro conjunto de recursos que pode ser usufruído por todos os membros de
um grupo. Porém, afasta-se no sentido em que traz um outro valor que não está relacionado
necessariamente à popularidade, visibilidade, reputação ou autoridade, mas vincula-se
diretamente ao compartilhamento de afetos, conforme mostra a fala abaixo de uma de
nossas informantes: Música pra mim é coisa se fosse uma parte do meu estilo de vida (...) então pra mim é importante quando eu posto alguma coisa sobre música, é importante as pessoas que eu conheço conhecerem o que eu gosto também, então eu consigo compartilhar com quem gosta do mesmo gosto e também com quem não tem esse mesmo gosto saber o que eu consumo (INFORMANTE H, 2016)
Através do relato da informante H, percebemos que o valor visibilidade de Recuero
aparece como um fator importante. A preocupação em demonstrar o que ela consome, gosta
e usa como referencial para o seu dia a dia é um fator determinante nas suas postagens nos
SRSs. Porém, percebemos que ainda é mais importante conseguir demonstrar e
compartilhar com aqueles com quem mantêm laços sociais o que é consumido e assim se
conectar a outros atores sociais que compartilham (ou não) do mesmo gosto e sentimento
por tal estilo musical. O capital afetivo seria gerado a partir do momento em que esta
“necessidade” ou vontade de compartilhar com outras pessoas um sentimento ou gosto
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torna-se um motivo determinante para publicar algo nos SRSs e é correspondido a partir de
curtidas10, comentários e compartilhamentos que corroboram para a ampliação do afeto
dentre aqueles sujeitos. Desse modo, iremos agora fazer a discussão sobre os dados obtidos
com a pesquisa, buscando entender especificamente como se dá a apropriação dos
conteúdos musicais em diferentes SRSs dentre os nossos informantes.
4. Discussão sobre os Dados da Pesquisa: Estudo com Fãs de Rock in Rio
Escolhemos fazer um recorte de pesquisa com frequentadores do festival Rock in
Rio 2015, buscando sujeitos que são fãs de música (e do festival), mas não necessariamente
de um gênero musical específico, tendo em vista que o evento abarca artistas de diferentes
estilos, que vão desde o pop ao heavy metal, e não tínhamos como propósito focar em uma
cena particular. O grupo homônimo no Facebook, que até julho de 2016 continha quase 25
mil membros e tem como em como propósito a troca de informações e de opiniões sobre o
festival, serviu, assim, como ponto inicial para a nossa pesquisa, onde selecionamos os
primeiros informantes, focando posteriormente em seus perfis individuais.
Após um processo de captação de possíveis informantes, obtivemos os cinco
informantes que responderam o roteiro de perguntas11 que elaboramos entre 17 de
dezembro de 2015 a 07 de janeiro de 2016, para que pudéssemos obter dados sobre sua
utilização de SRS, suas razões e processo de apropriação de conteúdos musicais nessas
plataformas.
Fizemos também a coleta das postagens de conteúdos musicais de cada informante
em suas timelines no Facebook dos dias 10 de dezembro de 2015 a 12 de fevereiro de 2016,
com um total de 10 posts para cada informante, totalizando portanto 50 postagens. É
importante destacarmos que realizamos a observação e coleta das suas postagens no site
antes de entrarmos em contato para a aplicação do questionário, de modo que os
informantes não soubessem que estavam sendo observados12.
Após averiguarmos quantos informantes haviam respondido o roteiro de perguntas,
vimos a necessidade de obtermos mais dados através de novos informantes, bem como 10 Aqui é importante destacarmos as novas “reações” que o Facebook criou este ano de modo a trazer mais especificidades nas interações do que apenas uma “curtida”, que teria múltiplos significados. As novas reações são: amar um conteúdo (botão de coração), rir (emoticon de risada), se impressionar (emoticon “Uau”), ficar triste (emoticon triste) e se irritar com algo (botão “Grr”). A apropriação dessa “ferramenta” no site será foco de pesquisas futuras. 11 Disponível em: https://goo.gl/sHN8vi. 12 Posteriormente contatamos os informantes e pedimos a sua autorização para a coleta das postagens, que foi consentida por todos.
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alterar o método de coleta de dados, passando do questionário online a entrevistas curtas
presenciais, de modo a entender melhor certas nuances das respostas dadas. Por isso,
decidimos aplicar o mesmo roteiro de perguntas utilizado com os informantes alcançados
através do grupo Rock in Rio 2015 para novos informantes através da realização de
entrevistas presenciais. Com o propósito de conseguir rapidamente novos informantes, a
pesquisadora de iniciação científica Rebeca anunciou a procura no grupo Estudos de Mídia
- UFF, de alunos de seu curso, tendo alcançado quinze respostas. Dessas apenas cinco
estavam dentro dos critérios estabelecidos para a pesquisa: ter participado ou assistido a
edição do Rock in Rio 2015, possuir perfil ativo no Facebook, ter disponibilidade para
participar da entrevista e não possuir nenhum tipo de laço forte com a entrevistadora, o que
poderia afetar os resultados. As entrevistas presenciais foram feitas, assim, com cinco
pessoas, sendo todas foram gravadas com consentimento. Nos dias 16 e 17 de janeiro
fizemos a coleta das postagens de cada novo informante em suas timelines no Facebook.
Tomando como base a primeira experiência com os informantes do grupo Rock in Rio,
foram coletadas dez postagens para cada informante, totalizando assim, 50 postagens
novamente. No total tivemos, portanto, 10 informantes e 100 postagens coletadas.
Com base nas respostas obtidas nas entrevistas presenciais e através do questionário
online, fizemos uma nova coleta de dados em outros dois SRSs: Twitter e Instagram. Vale
ressaltar que dos dez informantes que possuem perfil no Facebook, oito também possuem
conta pessoal no Instagram e apenas cinco no Twitter. E ainda destacamos a dificuldade que
tivemos em recolher dados no Twitter, pelo fato de o mesma ser um SRS com pouco uso
dentre os informantes e também ser usado mais como uma rede replicadora de conteúdo do
que produtora de fato, conforme ilustra a figura 1 abaixo de tweets da informante H13.
13 De modo a manter o anonimato dos informantes da pesquisa utilizamos recursos de edição de imagem para “borrar” suas fotos de rosto bem como ocultar seus nomes.
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Figura 1 - tweets da informante H.
É importante ressaltar que a coleta de dados no Twitter e Instagram foram feitas
entre os dias 02 e 10 de junho de 2016. Seguindo a mesma lógica da coleta de dados feita
no Facebook, coletamos dez postagens para cada informante, totalizando assim 80
postagens no Instagram e 50 no Twitter e. O intuito é verificar como se apresentam as
dinâmicas de apropriação de conteúdos musicais nos três sites de redes sociais e ainda
categorizá-los por meio de quatro conceitos elaborados por Carrera: a) música dedicada; b)
paráfrase; c) humor e d) autorreferência (CARRERA, 2012).
A música dedicada frequentemente envolve o interesse de divulgar algum desejo,
sentimento ou ações positivas. A dedicação pode acontecer de diversas formas. Geralmente
percebe-se nitidamente quando um conteúdo foi dedicado quando há alguma marcação ou
citação do nome daquele/a que vai receber a “homenagem”, no caso do Facebook e Twitter,
que geralmente vem acompanhado de vídeos ou letras de músicas publicados na timeline ou
no mural. Já no Instagram é comum que a dedicação venha acompanha de apenas uma foto
e uma legenda (como mostra a figura 2). Neste caso, o informante I apropriou-se da música
History da boyband One Direction para fazer a dedicação.
Figura 2 - Exemplo de música dedicada.
Percebemos a partir de tal publicação com música dedicada, um dos estilos de
música que o informante I consome, neste caso o pop, pelo fato de a legenda ser um trecho
da música da banda One Direction. E assim, tal consumo analisado através da postagem é
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capaz de determinar que o gênero pop faz parte da construção de identidade do informante
I. Observamos também, através das nuances performáticas da fotografia, que o gênero pop
pode também ter sido apropriado neste caso para a foto ao remeter a cenário típico de
videoclipes deste gênero, que é a praia. Além disso, destacamos que essa categoria de
“dedicação” ou homenagem diz respeito diretamente ao conceito de capital afetivo que
apresentamos acima.
As dinâmicas de apropriação com paráfrase podem se dar da mesma forma
explicitada acima. Entretanto, a paráfrase ocorre quando o ator social apropria-se do
conteúdo musical adicionando uma interpretação própria ou pessoal, sugerindo um novo
enfoque para o seu sentido. As postagens feitas pelo informante F no Instagram ilustram a
paráfrase musical nas figuras 3 e 4.
Figura 3 - exemplo de paráfrase Figura 4 - exemplo de paráfrase
O informante F na figura 3 faz uma referência à música Imagine de John Lennon ao
brincar com a quantidade de cápsulas do café Nespresso na foto. E na figura 4 faz
referência tanto imagética quanto textual à cantora Adele, ao tentar se colocar na mesma
posição da artista na capa do seu CD Adele 21 e ao remeter, na legenda, à música Rolling in
the Deep da cantora.
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Já o humor, quando acompanhado de conteúdos musicais, costuma ser apresentado
em forma de meme em nossa amostra. Nesses casos, é necessário dominar diversas
referências e linguagens midiáticas para entender a piada ou o conteúdo como um todo,
como mostram as figuras 5 e 6 dos informantes F e J abaixo, retiradas do Twitter.
Figura 5 - Exemplo de humor. Figura 6 - Exemplo de humor.
Na figura 5, é necessário termos o conhecimento de que se faz referência à girlband
Fifth Harmony, que recentemente fez um show no Brasil. A banda é autora da música
Worth It e a maioria das suas coreografias são agachadas em posições sexy. Percebemos a
questão da sociabiliadade, uma vez que o informante retweetou o tweet para a sua rede de
contatos no intuito de que tal postagem seja “favoritada” ou comentada por outros atores
sociais. Já na postagem da figura 6, compreendemos o efeito cômico a partir da junção do
GIF e do texto. O GIF faz referência a Nicole Bahls, participante de um reality show no
Brasil, e suas expressões marcantes, junto ao recente anúncio de show da cantora Adele no
Brasil em 2017, que teria preços muito elevados. Aqui podemos remeter ao que Schechner
(2006) chama de “comportamento restaurado” em relação aos atos performáticos, já que o
GIF foi uma ação realizada por Bahls em outro contexto, que foi apropriada para que a
postagem tivesse sentido humorístico junto com o texto usado, que remetia ao universo
musical.
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As postagens com autorreferência, por fim, são aquelas em geral feitas pelos
próprios atores sociais em suas timelines. Neste tipo de categoria, as postagens vêm
acompanhadas de um sentimento de aprovação: o ator social aprova, gosta de um conteúdo
que vê, lê ou ouve e sente a necessidade de mostrá-lo para a sua rede. A forma material com
que esses conteúdos se apresentam são das mais variadas, podendo ser vídeos com
referências pessoais de texto, imagens e utilização também de emojis14 e/ou hashtags15.
Apresenta-se também em formato de notícias e letras de músicas. É nesta forma de
apropriação, bem como na primeira categoria, de “dedicação”, que mais vemos o capital
afetivo se manifestar, como mostram as figuras 7 e 8, retiradas do Facebook.
Figura 7 - Exemplo de autorreferência Figura 8 - Exemplo de autorreferência.
A postagem feita pela informante D no Facebook (fig. 7) deixa explicito o seu gosto
musical pela cantora Rihanna, que pertence à cena musical do pop. Além do gosto musical,
a expressão de um traço identitário, percebemos a grande demonstação de afeto, através do
emoji coração usado no texto. Notamos ainda um aspecto da performance de si da
informante que talvez não tenha sido intencionado: o compartilhamento de um texto em
inglês deixa a entender que ela domina o idioma ou assim quer mostrar à sua rede. Já na
postagem feita pelo informante B (fig. 8) há menos demonstração de afeto, uma vez que ele
só compartilha um vídeo, “dizendo” implicitamente que gosta dos cantores-compositores
14 "Emoji é de origem japonesa, composta pela junção dos elementos e(imagem) e moji (letra), e é considerado um pictograma ou ideograma, ou seja, uma imagem que transmite a ideia de uma palavra ou frase completa". Disponível em: http://www.significados.com.br/emoji/. Acesso em: 14/07/2016. 15 "Consiste de uma palavra-chave antecedida pelo símbolo #, conhecido popularmente no Brasil por "jogo da velha" ou "quadrado"". Disponível em: http://www.significados.com.br/hashtag/. Acesso em: 14/07/2016.
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Nando Reis e Cássia Eller, isto é, através da apropriação do vídeo deixa-se uma inferência
sobre seu gosto musical.
5. Considerações Finais Percebemos com o levantamento e análise de dados que questões como expressão de
afeto e desmonstrações sentimentais, dentre outras ligadas ao humor, por exemplo, a partir
de conteúdos musicais nos SRSs, se dão a partir de materiais distintos, como fotos, vídeos e
notícias. Com isso, argumentamos que ideias que abrangem somente aspectos relacionados
ao narcisismo, no que toca às performances de si nesses sites, deixam de lado discussões
importantes sobre identidade e sociabilidade e os conteúdos específicos que são acionados
pelos atores sociais nessas dinâmicas.
Tendo em vista ainda essa dimensão do afeto propusemos a noção de capital afetivo
para entender as disputas de valores nos SRSs para além dos quatro propostos por Recuero
(2009), relacionados à ideia de capital social, que são visibilidade, popularidade, reputação
e autoridade. Vale ressaltar, no entanto, que as questões levantadas neste artigo não foram
todas respondidas ainda, mas esperamos que o sejam durante o desenvolvimento final da
pesquisa.
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