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1 APROVEITAMENTO HIDROAGRÍCOLA DO VALE DO LIS Reabilitação dos açudes do Arrabalde e das Salgadas Pedro Faria Pereira BRITO Engº Agrícola, DGADR, Av. Afonso Costa, 3, 1949-002 Lisboa, +351 218 442 365, [email protected] RESUMO Nos anos 40 e 50 do século XX, o Estado Novo deu prioridade à execução de um plano geral de intervenções na bacia do rio Lis, do qual se deve relevar a Obra do Lis, um aproveitamento hidráulico de fins múltiplos, envolvendo obras de hidráulica fluvial e marítima, novas vias de comunicação, trabalhos de adaptação ao regadio, redes de drenagem agrícola e rega. O Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do Lis, que integra componentes dessa obra na área directamente beneficiada, nomeadamente parte do sistema de defesa contra cheias, redes colectivas de rega e drenagem agrícola e de caminhos, encontra-se em exploração desde 1957. Recentemente, o ex-Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, que antecedeu a Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, organismo do Ministério da Agricultura que tutela os regadios públicos, promoveu obras de reabilitação dos dois principais órgãos de captação para o sistema colectivo de rega – os açudes do Arrabalde e Salgadas. Apresenta-se uma descrição geral das obras originais, das suas funções e enquadramento e das soluções adoptadas no processo de reabilitação. Palavras Chave: Regadio do Lis, Açude Insuflável, Automatização. 1 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO Nos anos 40 e 50 do século XX, o Estado Novo deu prioridade à execução de um plano geral de intervenções na bacia do rio Lis, envolvendo obras de vulto de diferentes ramos da engenharia – a hidráulica fluvial e marítima, a correcção torrencial e conservação do solo, a drenagem e rega das terras baixas do vale e a implantação de novas vias de comunicação. A Obra do Lis constituiu o primeiro aproveitamento hidráulico de fins múltiplos, com um relevante impacte económico, social e no ordenamento da região de Leiria. A obra foi determinada através do Decreto-Lei n.º 35 559, de 28 de Março de 1946, que reconhece a importância da abordagem integrada na resolução dos graves problemas de funcionamento do rio Lis e entrega a responsabilidade da sua execução à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos [Prosistemas (2004)]. Nos campos baixos, anteriormente alagadiços, da área defendida pela Obra do Lis foi delimitado o Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do Lis (AHVL), que beneficia 2145 ha, sistematizados em 2 subperímetros (ver figura 1). Foram posteriormente definidos e equipados os blocos de rega com redes de baixa pressão, cujas principais origens da água são obtidas em açudes no rio Lis e no rio de Fora. No entanto, o facto de se tratar de um regadio a fio-de-água, isto é, sem reservatórios e estritamente dependente das afluências estivais, constituiu sempre um dos principais condicionalismos ao regular funcionamento das campanhas de rega, principalmente nos anos menos pluviosos. Estas condições conduziram à instalação de dezenas de pequenas estruturas de reforço do caudal dos canais de rega em locais onde estes se aproximam de valas de drenagem, ou de secções do rio e de ribeiras ou colectores do sistema de defesa. Nestas condições, em parte ocorrem ao longo do vale sucessivas reutilizações da água captada nos açudes das cabeceiras do Aproveitamento.

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APROVEITAMENTO HIDROAGRÍCOLA DO VALE DO LIS Reabilitação dos açudes do Arrabalde e das Salgadas

Pedro Faria Pereira BRITO Engº Agrícola, DGADR, Av. Afonso Costa, 3, 1949-002 Lisboa, +351 218 442 365, [email protected]

RESUMO

Nos anos 40 e 50 do século XX, o Estado Novo deu prioridade à execução de um plano geral de intervenções na bacia do rio Lis, do qual se deve relevar a Obra do Lis, um aproveitamento hidráulico de fins múltiplos, envolvendo obras de hidráulica fluvial e marítima, novas vias de comunicação, trabalhos de adaptação ao regadio, redes de drenagem agrícola e rega. O Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do Lis, que integra componentes dessa obra na área directamente beneficiada, nomeadamente parte do sistema de defesa contra cheias, redes colectivas de rega e drenagem agrícola e de caminhos, encontra-se em exploração desde 1957.

Recentemente, o ex-Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, que antecedeu a Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, organismo do Ministério da Agricultura que tutela os regadios públicos, promoveu obras de reabilitação dos dois principais órgãos de captação para o sistema colectivo de rega – os açudes do Arrabalde e Salgadas.

Apresenta-se uma descrição geral das obras originais, das suas funções e enquadramento e das soluções adoptadas no processo de reabilitação.

Palavras Chave: Regadio do Lis, Açude Insuflável, Automatização.

1 ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

Nos anos 40 e 50 do século XX, o Estado Novo deu prioridade à execução de um plano geral de intervenções na bacia do rio Lis, envolvendo obras de vulto de diferentes ramos da engenharia – a hidráulica fluvial e marítima, a correcção torrencial e conservação do solo, a drenagem e rega das terras baixas do vale e a implantação de novas vias de comunicação.

A Obra do Lis constituiu o primeiro aproveitamento hidráulico de fins múltiplos, com um relevante impacte económico, social e no ordenamento da região de Leiria. A obra foi determinada através do Decreto-Lei n.º 35 559, de 28 de Março de 1946, que reconhece a importância da abordagem integrada na resolução dos graves problemas de funcionamento do rio Lis e entrega a responsabilidade da sua execução à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos [Prosistemas (2004)].

Nos campos baixos, anteriormente alagadiços, da área defendida pela Obra do Lis foi delimitado o Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do Lis (AHVL), que beneficia 2145 ha, sistematizados em 2 subperímetros (ver figura 1).

Foram posteriormente definidos e equipados os blocos de rega com redes de baixa pressão, cujas principais origens da água são obtidas em açudes no rio Lis e no rio de Fora. No entanto, o facto de se tratar de um regadio a fio-de-água, isto é, sem reservatórios e estritamente dependente das afluências estivais, constituiu sempre um dos principais condicionalismos ao regular funcionamento das campanhas de rega, principalmente nos anos menos pluviosos.

Estas condições conduziram à instalação de dezenas de pequenas estruturas de reforço do caudal dos canais de rega em locais onde estes se aproximam de valas de drenagem, ou de secções do rio e de ribeiras ou colectores do sistema de defesa. Nestas condições, em parte ocorrem ao longo do vale sucessivas reutilizações da água captada nos açudes das cabeceiras do Aproveitamento.

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Figura 1 – Localização do Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do Lis.

Volvidos cinquenta anos de exploração, os organismos que antecederam a Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), iniciaram os estudos com vista à reabilitação das principais infraestruturas dos sistemas colectivos de rega e de drenagem, ajustando a concepção original às actuais condições técnicas e de exploração, com introdução de novas soluções tecnológicas.

Em 2001, no âmbito das acções de reabilitação de regadios colectivos dos programas comunitários PAMAF e AGRIS, o ex-Instituto de Hidráulica Engenharia Rural e Ambiente promoveu a substituição dos dois principais açudes. 2 AÇUDE DO ARRABALDE

2.1 Sistema anterior à reabilitação

O Açude do Arrabalde constitui um dos órgãos de regularização dos volumes afluentes ao AHVL (volume no NPA=34x103 m3). Está implantado na secção do rio Lis defronte do estádio de Leiria, dentro do perímetro urbano desta cidade. De referir que à época da construção da Obra do Lis, esta era a zona de grandes quintas do arrabalde da cidade, que hoje está quase totalmente urbanizada.

Neste açude têm origem os Canais I e II do sistema de rega, que dominam a quase totalidade do dos solos beneficiados do subperímetro 2 (ver figura 2).

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Figura 2 – Blocos de Rega do subperímetro 2

Este açude integrava-se numa obra de arte constituída pelo degrau que faz a transição do 1º troço regularizado do rio, com secção simples (trapezoidal), para o 2.º troço de secção composta [Prosistemas (2004)].

A obra de arte era no seu conjunto constituída por: o Um degrau com 2,35m de altura, executado com soleira descarregadora rectangular, sem

contracção, com perfil de lâmina aderente, definido por muros de suporte e soleira em betão simples;

o Um tanque de dissipação de energia com taludes e rasto em betão; o Uma estrutura integrada no degrau e bacia de dissipação, com função de “escada de

peixes”; o A concordância da secção a montante (trapezoidal) para a secção rectangular; executada

em betão; o A concordância da bacia para o canal de fuga que liga à secção menor do rio a jusante,

incluindo rampas para acesso a ambas as margens, executada em betão; o Uma série de 10 prumos de ferro, implantados com uma equidistância de 1,5m, para permitir

a montagem do açude; os prumos articuláveis mantinham-se rebatidos para a soleira do rio durante o Inverno e no início de cada campanha de rega eram erguidos e fixados contrafortes de forma a permitirem o encaixe de pequenas vigotas de madeira, que preenchendo os 11 vãos, originavam o represamento até à cota máxima de 27,25m.

Durante 54 anos, procedeu-se à montagem e desmontagem anual deste açude de vigotas, operações que envolviam graves riscos de acidentes, dadas as deficientes condições de segurança em que os trabalhos eram executados (ver figura 3).

A regulação das válvulas murais das tomadas de água era feita de forma manual, exigindo a mobilização diária de um cantoneiro para o local em horários fora da norma – regulação inicial do dia às 4h00 e encerramento/redução às 22h00.

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Figura 3 – Trabalhos de montagem do açude do Arrabalde inicial, realizados no início de cada campanha de rega

2.2 Açude Reabilitado

2.2.1 Objectivos

A reabilitação teve como objectivo principal a construção de um novo açude e tomadas de água com funcionamento automatizado em função das necessidades das culturas e dos caudais afluentes.

A operação das comportas é feita por intermédio de um autómato, no qual se controla a cota de água na represa a montante, com vista à alimentação das tomadas dos dois canais de rega e a prevenção de acidentes. De facto, caso ocorram precipitações extemporâneas na bacia hidrográfica dominada e o caudal afluente e a cota de água no rio cresçam a uma taxa superior à estabelecida no sistema, o autómato provoca a abertura das comportas para prevenir a inundação das áreas urbanizadas adjacentes. Este processo de abertura das comportas realiza-se de forma lenta para evitar a produção de uma súbita onda de cheia no troço a jusante, minimizando efeitos destrutivos e riscos para a segurança de eventuais utilizadores do leito do rio.

Adicionalmente, o sistema permite a operação das válvulas das tomadas de alimentação dos canais, a qual é feita no modo manual ou programado. No modo automático, a regulação das válvulas motorizadas cumpre um plano horário que é revisto regularmente pelo operador no sistema central, de forma a enquadrar a disponibilidade com procura de água pelos agricultores.

Deve-se ainda relevar a importância do açude para a cidade, ao criar um espelho de água com extensão razoável, elemento que foi obviamente considerado no projecto de requalificação e valorização do rio Lis, recentemente executado no âmbito do Programa “Polis em Leiria”.

2.2.2 Descrição sumária da obra do açude

Os trabalhos de reabilitação desenvolveram-se no período de 2000-2001. Obrigaram à demolição e reconstrução das paredes e da soleira do rio, com construção de um pilar central para divisão da secção em dois vãos e instalação de duas comportas. Esta intervenção realizou-se em ambas as margens, com cravação de cortinas de estacas-prancha no tardoz dos encontros, para garantir a estabilidade da obra e dos terrenos envolventes, durante a demolição da soleira e das paredes existentes.

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Figura 4 – Cortes do Açude do Arrabalde antes e depois da reabilitação, conforme desenhos da Hidroprojecto (1999).

As comportas instaladas são do tipo basculante, cujo eixo de rotação funciona na aresta do lado inferior dos tabuleiros, junto ao talvegue do rio (cota 24,60). O vão obturado por cada comporta é de 7,75m x 2,50m (largura x altura) e o pilar central ocupa uma largura de 1,0 m.

Os órgãos de manobra das comportas são constituídos por um servo-motor montado na vertical e instalado no interior do poço de cada margem (ver figura 4).

A percolação na fundação foi controlada através da instalação de duas cortinas de estacas-prancha em secções imediatamente a montante e a jusante da obra.

Figura 5 – Açude do Arrabalde reabilitado em plena carga: efeito dos arejadores montados na soleira do descarregador para evitar sub-

pressões na face jusante das comportas. Relativamente às tomadas de água dos canais de rega I e II, substituíram-se as anteriores

válvulas murais de operação manual, por válvulas de borboleta motorizadas e automatizadas, conforme

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a descrição apresentada no ponto 4.2. O Quadro 1 apresenta as características principais das tomadas de água do Arrabalde e dos troços de restituição às condutas dos canais pré-existentes.

Quadro 1 - Características principais das tomadas do açude do Arrabalde Tomada Localização Condutas de

ligação Válvulas Caudal máximo

(l/s) Área Benef

(ha) Canal I 1 Margem Dta. do rio PEAD Ø 800 PN 6 Borboleta Ø 600 360 295,0 ha Canal II 2 Margem Esq.ª do rio PEAD Ø 900 PN 6 Borboleta Ø 900 660 428,7 ha

1 O canal I tem instaladas 3 estruturas de reforço do caudal: no Açude e estação elevatória do Plátano (rio Lis, Regueira

de Pontes), no Açude da vala do Carvão (junto à confluência no rio Lis, Ortigosa) e na Estação elevatória do Lagoeiro

(sifão da vala do Lagoeiro sob a ribª das Várzeas, Ortigosa). 2 O canal II tem instaladas 4 estruturas de reforço do caudal: no Açude e estação elevatória das Necessidades (rio Lis,

Barreiros), estação elevatória do Tacanho (vala Real, Barreiros), Açude e grupo motobomba móvel do Plátano (rio Lis,

Amor), estação elevatória da Ruivaqueira (vala Real, Amor).

3. AÇUDE DAS SALGADAS

3.1 Sistema anterior à reabilitação

Este açude está implantado na secção menor do rio Lis, no limite das Freguesias da Carreira, e Monte Real, imediatamente a jusante da confluência do Colector da Carreira/Monte Redondo. Tem como funções principais o armazenamento dos volumes afluentes do rio Lis e do referido Colector (volume no NPA 50x103 m3), e a elevação da cota de água para permitir a sua derivação para o canal de rega VII e, a partir desse, para o canal VIII e colector do Boco, dominando 370 ha de solos do regadio (ver figura 6).

No espelho de água criado pelo açude, está instalada a Pista de Pesca de Monte Real/ Carreira, na qual a Freguesia da Carreira promove regularmente torneios e convívios.

Figura 6 – Blocos de rega do subperímetro 1

Na figura 7, é apresentado um corte do açude inicial e na figura 8, uma vista do açude a partir da secção do rio a jusante, na posição de Inverno, isto é com a secção de vazão do rio livre.

A estrutura hidráulica, que foi projectada pela empresa NERPIC-SOREFAME, pode-se descrever da seguinte forma:

o Uma secção estrangulada do leito menor do rio Lis, de perfil rectangular definida por muros de suporte e soleira de betão armado;

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o Quatro superfícies empenadas de concordância entre a secção rectangular e a secção trapezoidal normal do leito regularizado, para jusante e para montante em betão;

o Dois pilares para apoio de duas chumaceiras dos balanceiros da comporta; o Uma bacia de dissipação de energia obtida por rebaixamento do leito a jusante da secção

estrangulada, revestida em betão; o O tabuleiro da comporta articulado segundo um eixo fixo na soleira de secção estrangulada;

o tabuleiro da comporta era preso junto ao bordo superior por dois tirantes, que por sua vez eram suspensos nos dois balanceiros apoiados no topo dos pilares; estes balanceiros suspendiam na outra extremidade (de montante) um contrapeso com uma carga variável (depósito cilíndrico abastecido de água, com capacidade para 30m3).

Figura 7 – Corte esquemático do Açude das Salgadas anterior à reabilitação

(conforme desenho da Nerpic-Sorefame de 1951)

A regulação do açude era feita enchendo ou esvaziando o depósito de água: o O fecho do açude era obtido com o enchimento do depósito, que provocava o movimento do

tabuleiro, elevando crista do açude até à cota de água pretendida (no máximo 6,74m), permitindo a derivação de água para a tomada do canal VII, inserida no talude da margem esquerda do rio.

o Para a abertura do açude procedia-se ao esvaziamento do depósito, que levava ao rebatimento do tabuleiro até que assentando na soleira do rio, deixava a secção de vazão completamente livre.

o O enchimento do depósito era feito por bomba manual, instalada num poço lateral; existia também um sistema de válvula que originava o escoamento da água do depósito sempre caudal no rio atingisse 10 m3/s.

O açude, à data da sua construção, oferecia boas condições de montagem e operação, possuindo até um sistema de segurança para abertura automática em situações críticas de chuvadas e cheias extemporâneas.

No entanto, considerou-se necessária a sua substituição dada a idade e consequente estado de degradação, com diversas deficiências de reparação inviável. Por outro lado, ocorriam importantes perdas de água por dificuldade de vedação da comporta, as quais eram gravosas nos períodos críticos da campanha de rega, exigindo à gestão do regadio o accionamento de meios alternativos de recarga

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do canal, que resultavam em encargos acrescidos – foram instalados num anexo à estação elevatória de drenagem das Salgadas 3 grupos electrobomba que faziam esse reforço.

Figura 8 – Vista do açude das Salgadas anterior à reabilitação; aspecto do escoamento normal do rio no Inverno.

3.2 Açude reabilitado

Tal como no açude do Arrabalde, o funcionamento do novo açude é totalmente automático, controlando quer os níveis de inundação quer os níveis exigidos para que a derivação de caudais de rega se processe de acordo com as necessidades.

Na nova concepção, a água é represada por uma “barragem insuflável”, inovadora no nosso país tal como a anterior estrutura o foi na sua época de construção.

A câmara de ar, dimensionada para suportar uma pressão interna de 0,35 bar, é conseguida por uma peça de dois panos, de borracha sintética reforçada com tela, colados por vulcanização longitudinal num dos lados e, no outro lado, entalados em duas barras de aço, com dois frisos, a inferior ancorada no betão e a segunda de aperto, o que garante quer a selagem da câmara quer a respectiva fixação.

A fixação da barragem insuflável é feita numa soleira em betão com perfil trapezoidal, que está fundada em oito estacas de betão com ∅ 60 cm e profundidades entre 18 e 24 m. A largura do rasto é de 7,0 m e a largura da boca é de 13,5 m; a altura total da barragem em funcionamento é de 3,25 m.

O enchimento da câmara é feito a partir de um compressor (bomba de ar) dotado de um filtro. O esvaziamento realiza-se por acção do peso da água sobre a câmara quando se abre a electroválvula.

Quando o açude está em carga, a pressão atingida no interior da câmara insuflável varia entre 280 e 300 mbar. O caudal afluente é então descarregado numa lâmina arejada devido à saliência na junta vulcanizada da câmara insuflável, a qual funciona como deflector (ver figura 9).

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Figura 9 – Açude das Salgadas (após a reabilitação): em plena carga para abastecimento do canal VII

Numa situação de não funcionamento, a câmara está vazia e a tela de borracha completamente

aderida ao fundo e espaldas, deixando a secção trapezoidal totalmente livre para o escoamento do caudal afluente (ver figura 10).

Figura 10 – Açude das Salgadas (após a reabilitação): no Inverno a tela fica aderida à secção menor do rio

No início e no final da campanha de rega é feita uma comunicação aos serviços florestais, para

que acompanhem as operações de encerramento e abertura do açude e alertem eventuais utilizadores do rio.

Sempre que possível, recorre-se ao modo de operação automático, com o qual se garante que o enchimento da barragem é feito de forma lenta (cerca de 3 a 4 horas) para não introduzir alterações bruscas no escoamento do rio. Também aquando do encerramento da campanha se adopta o modo automático de esvaziamento da barragem insuflável. Assim, a operação manual da válvula do circuito de ar só deve ocorrer em situações muito particulares e devidamente vigiadas, nomeadamente aquando dos trabalhos de revisão e manutenção do açude.

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6.90 (NPA)

Conduta dos cabos deenergia e comando daválvula do Canal VII

10.05 (Crista do leito maior)

7.50 (Crista do leito menor)8.00

3.653.65

CASETA COM EQUIPAMENTO:• Quadro Geral de Baixa Tensão• Autómatos do Insuflável e da válvula do canal

de rega com ligação remota ao Sistema deTelegestão

• Regulaçâo do insuflável (Filtro, Compressorde Ar e Electroválvula )

10.50caseta de equipamento

Caixa do sensor denível do rio

Conduta dos cabos deenergia, sinal e comando(açude e válvula do canal)

Condutas de ligação à barragem insuflável:• ar filtrado (admissão ou expulsão)• extracção de condensados

Barragem insuflável(posição elevada)

8 estacas de betão

cortina de betão

Conduta DN500 do circuito bypass(caudal ecológico)

conduta da tomada de águado canal VII

AR FILTRADO

régua de fixação da tela àsoleira e taludes

Figura 11 – Planta e corte do Açude das Salgadas após a reabilitação (baseado nos desenhos da Hidroprojecto, 1999).

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A admissão de água ao canal de rega é feita através de uma válvula motorizada. O quadro 2 apresenta as características principais da tomada de água.

A sua operação em modo manual é feita no comando existente na própria caixa da válvula, ou numa botoneira do quadro do autómato na caseta de equipamento. Em modo automático, a válvula é actuada conforme o calendário inserido no sistema de telegestão que se descreve no ponto 4.2.

Quadro 2 - Características principais da tomada do açude das Salgadas Tomada Localização Condutas de

ligação Válvulas Caudal máximo

(l/s) Área Benef

(ha) Canal VII 1 Margem Esqa do rio PEAD Ø 630 PN 6 Borboleta Ø 600 456 370 ha

1 Neste valor incluem-se as áreas directamente abastecidas pelo canal VII, mas também as do canal VIII e do colector

do Boco; em toda esta área apenas se mantém a possibilidade de 1 reforço do caudal na Estação Elevatória das

Salgadas (vala da Boiça, Monte Real); no período de Junho-Setembro as afluências próprias do colector do Boco (ribeiras

da Granja e dos Moinhos da Barosa), são quase nulas, ficando o abastecimento das redes de rega exclusivamente

dependente da transferência de caudais do açude das Salgadas. 4 AUTOMATIZAÇÃO DOS AÇUDES E TOMADAS DE ÁGUA

4.1 Aspectos da gestão dos açudes e canais

Antes da reabilitação, a possibilidade de operação dos açudes ao longo da campanha de rega era muito reduzida. O açude do Arrabalde não possuía qualquer sistema automático de protecção contra inundações provocadas precipitações extemporâneas que ocorressem na bacia do Lis no período da campanha de rega, pelo que eventuais cheias inundariam solos urbanos, através da soleira do descarregador lateral implantado na margem direita do rio. O próprio açude das Salgadas, apresentava avarias no sistema de segurança que fora inicialmente instalado para permitir a rápida abertura da comporta em situações de cheia.

No que respeita ao funcionamento dos canais, havia que acompanhar a evolução das afluências na represa e os consumos de água, regulando manualmente, ao longo do dia, a abertura das comportas murais de cada tomada.

No período de rega é imperioso proceder ao encerramento ou redução do caudal admitido ao sistema durante a noite, para evitar perdas excessivas no final dos canais, sob pena de se esgotar a pequena reserva obtida nas represas dos açudes.

O facto de se tratar de sistemas de distribuição primários com extensões razoáveis, como é o caso dos canais I e II, impõe um prazo razoável para o processo de enchimento/transporte da água desde a tomada inicial até à primeira estação elevatória de recarga. Para esse efeito, e para que o regante disponha de um horário mínimo de rega de 16h/dia, o cantoneiro responsável pela gestão da água de cada canal era destacado para proceder à regulação da tomada com o encerramento no final de cada dia às 22h00 e reabertura às 4h00, isto é, fora do horário normal de trabalho.

No período crítico da campanha de rega (Junho-Julho), em termos de consumos e disponibilidades de água, é necessário restringir os horários de rega e os caudais fornecidos nas tomadas de água durante o fim-de-semana, pretendendo-se dessa forma repor o pleno armazenamento da represa em cada 2ª feira.

Antes da reabilitação, a possibilidade de operação dos açudes ao longo da campanha de rega era muito reduzida. Havia sobretudo que acompanhar diariamente a evolução das afluências e do consumo de água, gerindo a abertura manual das comportas nas tomadas iniciais dos canais.

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4.2 Descrição geral do sistema de automatização

Tendo em conta o funcionamento automático dos equipamentos instalados nos açudes, para além da capacidade de resposta às situações naturais que se vão colocando, foi necessário considerar um sistema de telegestão, monitorização e supervisão dos parâmetros de funcionamento, que permita a operação adequada dos açudes, em regime de abandono.

Figura 10 – Écran do programa informático do sistema central de supervisão.

Assim, a Associação de Regantes ficou assim dotada de um sistema de telegestão que controla

quer os níveis de inundação, quer o horário e percentagem de abertura das tomadas de água dos canais de rega que neles têm origem. Concretamente o sistema permite:

o consultar e guardar o histórico dos níveis de água medidos nas secções dos açudes, o definir as cotas de soleira dos açudes ou do regolfo de água normal pretendido, o evitar inundações, através de um programa de abertura automática e controlada das

comportas ou do insuflável, minimizando os prejuízos na passagem das cheias, o regular a abertura dos açudes e das respectivas tomadas de água, estabelecendo a

programação horária para a percentagem de abertura das válvulas, o receber e reconhecer alarmes e alertas de avarias ou outros incidentes (incluindo

intrusão nas instalações) e o alterar, sempre que necessário, os parâmetros de operação.

Os recursos de automatização ampliaram significativamente a capacidade de gestão dos açudes e canais, centralizando decisões e libertando meios humanos para outras tarefas.

O sistema foi inicialmente concebido com unidades locais instaladas junto a cada açude e uma unidade central de comando e supervisão instalada na sede da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Lis. O sistema contempla ainda a transmissão de alarmes via SMS para dois telemóveis de operadores.

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Com a automatização dos açudes, obtiveram-se resultados interessantes: o A instituição de uma programação semanal do funcionamento automático dos canais; o Novas capacidades de implementação de planos de rateio; o Redução de encargos e melhoria nas condições de trabalho, com a minimização das

prestações de trabalho extraordinário; o Redução dos tempos de resposta às solicitações não programadas; o Conhecimento imediato de avarias ou situações anómalas, através de alarmes emitidos

pelo autómato para o computador sistema central na sede e para telemóveis; o Arquivo dos registos históricos de níveis de água no rio.

Em 2004, já em plena exploração dos açudes, tornou-se evidente a necessidade de ampliar as possibilidades de utilização do sistema de telegestão. De facto, com a entrada em funcionamento dos novos modos de operação, verificavam-se solicitações constantes e emergências, muitas vezes fora dos horários normais de serviço (à noite e fim-de-semana). Assim, tornava-se inviável continuar a depender de uma única unidade central instalada em Monte Real, justificando-se a ampliação do sistema.

Actualmente o sistema inclui um computador portátil, devidamente equipado com meios de comunicação com o computador central (placa de ligação à internet G3). Dessa forma, é possível replicar as principais funções do sistema de supervisão em qualquer ponto do vale, ou até na residência do técnico, permanecendo a gestão de históricos e relatórios no computador fixo da sede.

A utilização de sistemas da automação na gestão da rega do AHVL revelou-se importante. Por um lado, sistematizou e racionalizou procedimentos, concentrou responsabilidades e exigiu maior qualificação técnica, mas por outro lado melhorou as condições de trabalho das equipas técnicas de campo, libertou meios para outras tarefas, permitiu uma maior eficiência de distribuição de água ao nível das redes primárias e maior celeridade na resposta às solicitações dos regantes. 5 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Hidroprojecto (1999). “Projectos de Execução da Reabilitação do Açude do Arrabalde e das Salgadas”. Lisboa. Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Lis.

Prosistemas (2004). “Nota Técnica 1 - Estudos de Caracterização do Vale e da Obra do Lis, Evolução Histórica do Vale do Lis“ do “Estudo do Modelo de Gestão da Obra do Lis e da Viabilidade Económica do Aproveitamento Hidroagrícola”. Lisboa. Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica.

Lisboa, 6 de Agosto de 2011