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/ Aproximação entre a infografia e a cultura popular Ricardo Jorge de Lucena Lucas Mestre em Comunicação Social pela UFRJ e Doutorando em Comunicação pela UFPE. Professor do Departamento de Comunicação Social da UFC. o assunto do qual vamos aqui tratar, aparentemente parece não ter vincula- ção com o universo da cultura popular: a infografia. Falaremos sobre ela com mais cuidado adiante: por ora, lembraremos que chama-se tecnicamente de infografia a um tipo particular de tratamento da infor- mação (jornalística, científica ou de outra natureza) que se utiliza tanto de recursos textuais quanto visuais e ainda espaciais (diagramação, relações entre as partes de um esquema etc.), a fim de melhor poder se transmitir algo, que ficaria comprometido, se restrito apenas ao texto ou aos recursos visuais (fotografias, desenhos) (figura 1). Imagem por ressonância magnética ~I$ de 20.000 IRMno mlrldo pefmtem aos médicos ~Inar com preaslo e sem p«igo o Int«ior do capo humano ·oll"~o,an'JJ,:W'Io)",~j9ttro.i tt!~~lil2I.l~p::::IõI:)cIo(DpI to.lm:JlQ.t8a;,)IilO(:8:l!(lJmtQ'91a1 • ,. .~~, r <, •. :r 'J .~-', "f ,~, r- Pnmor\oecl t l t .,. OH111:unor,todo ~wI)( ~~<.~ -'l~"'" Figura 1 É importante lembrar que a expressão "infografia", tradução literal do termo nor- te-americano "infographics", que vem de "informational graphics". não é aceita por ângulo 109, abr./jun., 2007, p. 39-45 alguns autores no campo do jornalismo, ainda que acatada (por exemplo, PELTZER, 1992, p124-5), ou que remeta, em alguns campos do saber, especificamente a produ- ção de imagens de síntese, através de regras lógico-matemáticas, estritamente com o auxílio do computador (BETTETINI, 1993, p65; PLAZA, 1993, p73; VELHO, 2001). Para fins de nossa análise, desconsideraremos essa última acepção; sobre o porquê dessa escolha, falaremos adiante. Por que discutir a infografia no âmbito da cultura popular? Pelo fato de que essa discussão acaba se centrando num contex- to social específico (ligado às tecnologias digitais de comunicação e informação), num momento histórico também específico (a Guerra do Golfo Pérsico, no começo da década de 90). A pesquisadora Irene Ma- chado, por exemplo, lembra que a ausência de informações audiovisuais, no período, sobre o conflito (cujas imagens nas televi- sões, geralmente, mostravam apenas um céu escuro e, vez ou outra, um clarão dos bombardeios), levou os jornais a tentarem "compensar" essa ausência de informação audiovisual com o uso de infografias . Na ausência de informações mais precisas, os jornalistas tentaram traduzir aquilo que na televisão era ruído e pura especulação. Preencheram, assim, o branco da página [de jornal] com desenhos, diagramas, tabelas, mapas, numa tentativa de ativar as imagens e palavras de algo que não se podia alcançar - afinal, não se permite ao jornal publicar o 39

Aproximação entre a infografia e a cultura popular

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Aproximação entre ainfografia e a cultura popularRicardo Jorge de Lucena Lucas

Mestre em Comunicação Social pela UFRJe Doutorando em Comunicação pela UFPE.Professor do Departamento de ComunicaçãoSocial da UFC.

o assunto do qual vamos aqui tratar,aparentemente parece não ter vincula-ção com o universo da cultura popular: ainfografia. Falaremos sobre ela com maiscuidado adiante: por ora, lembraremosque chama-se tecnicamente de infografia aum tipo particular de tratamento da infor-mação (jornalística, científica ou de outranatureza) que se utiliza tanto de recursostextuais quanto visuais e ainda espaciais(diagramação, relações entre as partes deum esquema etc.), a fim de melhor poder setransmitir algo, que ficaria comprometido,se restrito apenas ao texto ou aos recursosvisuais (fotografias, desenhos) (figura 1).

Imagem por ressonância magnética~I$ de 20.000 IRMno mlrldo pefmtemaos médicos ~Inar com preaslo e sem p«igoo Int«ior do capo humano

·oll"~o,an'JJ,:W'Io)",~j9ttro.itt!~~lil2I.l~p::::IõI:)cIo(DpIto.lm:JlQ.t8a;,)IilO(:8:l!(lJmtQ'91a1

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Figura 1

É importante lembrar que a expressão"infografia", tradução literal do termo nor-te-americano "infographics", que vem de"informational graphics". não é aceita por

ângulo 109, abr./jun., 2007, p. 39-45

alguns autores no campo do jornalismo,ainda que acatada (por exemplo, PELTZER,1992, p124-5), ou que remeta, em algunscampos do saber, especificamente a produ-ção de imagens de síntese, através de regraslógico-matemáticas, estritamente com oauxílio do computador (BETTETINI, 1993,p65; PLAZA, 1993, p73; VELHO, 2001). Parafins de nossa análise, desconsideraremosessa última acepção; sobre o porquê dessaescolha, falaremos adiante.

Por que discutir a infografia no âmbitoda cultura popular? Pelo fato de que essadiscussão acaba se centrando num contex-to social específico (ligado às tecnologiasdigitais de comunicação e informação),num momento histórico também específico(a Guerra do Golfo Pérsico, no começo dadécada de 90). A pesquisadora Irene Ma-chado, por exemplo, lembra que a ausênciade informações audiovisuais, no período,sobre o conflito (cujas imagens nas televi-sões, geralmente, mostravam apenas umcéu escuro e, vez ou outra, um clarão dosbombardeios), levou os jornais a tentarem"compensar" essa ausência de informaçãoaudiovisual com o uso de infografias .

Na ausência de informações mais precisas,os jornalistas tentaram traduzir aquilo quena televisão era ruído e pura especulação.Preencheram, assim, o branco da página [dejornal] com desenhos, diagramas, tabelas,mapas, numa tentativa de ativar as imagense palavras de algo que não se podia alcançar- afinal, não se permite ao jornal publicar o

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seu ruído: a página em branco. Aquilo quea televisão não pôde dizer com fotografiae imagens audiovisuais, o jornal impressoenunciou com infográficos (MACHADO,2003, p. 103).

Esse é apenas um exemplo. Em outromomento, na década de 80, houve o jornalnorte-americano USA Today, chamado pormuitos de "televisão de papel" por priori-zar textos curtos, gráficos e fotos coloridas.Porém, o periódico acabou sendo visto pormuitos como um exemplo de superficiali-dade do jornalismo impresso contemporâ-neo, ao "priorizar" as imagens em detri-mento do texto.

Na verdade, a nosso ver, as condiçõespara a existência da infografia (independen-te da aceitação desse termo ou não, do pon-to de vista histórico), se encontram tambémno âmbito da cultura popular. É certo queas práticas jornalísticas potencializaramesse tipo de tratamento da informação, masa origem da infografia, ao nosso ver, temoutros antecedentes e outros motivos paraexistir. Para fins de nossa discussão, restrin-giremos a noção de cultura popular ao uni-verso social de produções simbólicas quese apóiam tendencialmente nas represen-tações visuais conceituadas por Santaella eNõth de paradigma pré-fotográfico (1998,p. 157-64), ou seja, de imagens produzidasartesanalmente. Sabemos antecipadamenteque essa é uma definição precária, mas elaserve especificamente aos propósitos pornós pretendidos.

Além disso, é importante ter em menteque a infografia se insere no universo da-quilo que Verón apropriadamente chamade "feixes textuais", ou seja, "compostos deuma pluralidade de matérias significantes:escrita-imagem; escrita-imagem-som; ima-gem-fala etc. São textos, termo que para nósnão se restringe à escrita" (VERÓN, 1980,p. 105. Grifo no original). Assim, desde já,para nós, a infografia é também matériasignificante.

A RELAÇÂO ENTRE TEXTO E IMAGEM

Há considerável bibliografia referen-te às relações entre as linguagens textual e

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visual, bem como sobre suas capacidades erestrições. Tentaremos resumir aqui algunsaspectos centrais dessa discussão.

Texto e imagem são matérias distintas.Usando as categorias da segunda tricomiados signos de Peirce (1995, p. 52-3; p. 63-76),percebemos que toda e qualquer palavraé um símbolo (sua relação com os objetosque representa é convencional), enquanto aimagem pode ser icônica e/ou indicial (ouseja, sua relação com os objetos que repre-senta diz respeito à sua capacidade de po-der assemelhar-se ao referente ou de contertraços físicos que atestam a existência con-creta desse referente). Nada impede, porém(é importante lembrar), que um mesmo sig-no ocupe as três "posições sernióticas": naverdade, cremos que nenhum signo escapaa essa tricomia, ou seja: todo signo tende aser simultaneamente indicial, icônico e sim-bólico.

A imagem (desenhada ou fotografada,seja analógica ou digital) de um gato terápotencialmente traços e/ou elementos queremeterão, por semelhança ou por contigüi-dade física ao gato imaginado (universal)ou real (específico), e que também tendema ser sempre reconhecidos como sendo ostraços de um gato (até prova em contrário,esse milenar animal existe em todo o mun-do e todo o mundo é passível de reconhecerum gato). Já a relação simbólica entre o bi-chano e as palavras irá sempre variar (gato,cat etc.).

Assim, a imagem mostra iconicamentealgo, a palavra denomina simbolicamen-te algo que está "ausente". Essa distinçãoé importante, porque leva à (falsa) crençade que o consumo de imagens é univer-sal, portanto mais "fácil" do que o uso daspalavras. Ora, o fato de qualquer pessoatender a perceber um gato numa imagemé mais reflexo da existência do animal emquase todo o globo, do que da transmissãode um conteúdo informativo novo. Bastaque mostremos em um país qualquer aimagem de um animal que exista e queseja conhecido apenas no Brasil, para quenosso interlocutor pergunte logo: "o queé isso?" ou coisa parecida. Diz Gubernque:

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A função comunicativa mais relevante darepresentação icônica é sua função osten-siva (do latim, ostendere: mostrar, exibir,apresentar), enquanto a função comunica-tiva mais pertinente da palavra é indutiva(no sentido de induzir ou desencadearuma conceitualização ou representação naconsciência do sujeito) (GUBERN, 1987, p.52. Grifos no original).

Além disso, a palavra designa cate-gorias como um todo, exceto quando elatem seu sentido precisado. A imagemindicial de um cão, antes de mais nada,remete àquele cão registrado, que tem outeve existência física; a palavra" cão", porsua vez e isoladamente, pode remeter aqualquer cão que possamos imaginar.

Aqui, porém, cabe uma outra considera-ção: a imagem indicial atesta a existênciadaquele referente específico. A foto de umcão, ainda que pretenda ter o efeito de en-ciclopédia (ou seja, mostrar o que é um cãoe associá-lo a uma palavra), representaráespecificamente aquele cão. Uma imagemicônica e não-indicial (desenho ou imagemdigital), por sua vez, tende a representarpotencialmente todos os cães. Cabe lembrarainda que os traços do desenho são umaconvenção: no exemplo, acima, o do gato,é preciso ter em mente que os modos pelosquais ele pode ser desenhado também irávariar de cultura para cultura - pensemos,por exemplo, no famoso rinoceronte de Al-brecht Durer, de 1515. Para mais detalhessobre traço e convenção, ver Eco, 1991, p.97-121).

Dissemos que a imagem mostra algo,enquanto a palavra denomina algo quepode estar "ausente". Essa outra distin-ção é também importante pelo fato de nosconduzir a uma segunda idéia lógica: se aimagem mostra" algo", esse" algo" só podeter existência concreta; se a palavra deno-mina algo que pode estar "ausente", esse"ausente" pode ser tanto concreto quantoabstrato. Assim, a imagem só pode mostraraquilo que é da ordem da existência concre-ta, enquanto a palavra denomina o que é daordem do concreto e/ou do abstrato. Nesseponto, temos um dos déficits da imagem:ela não se presta à transmissão de idéias

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abstratas, ao passo que o texto tanto podetransmitir idéias abstratas e concretas.

Em contrapartida, se queremos dizer a al-gum estrangeiro como é um animal que sóexista no Brasil, ou como é o Pão de Açú-car no Rio de Janeiro, podemos optar pordescrevê-los textualmente ou, o que é bemmais fácil, mostrar imagens suas. Aqui, te-mos um dos déficits do texto em relação à

imagem: ela descreve melhor, e de modosintético, aquilo com o qual gastaríamosdezenas ou centenas de palavras para des-crever textualmente. É tão impossível exporcom imagens icônicas o conteúdo da Críticada Razão Pura, de Kant, como transmitircom palavras as qualidades icônicas de umprimeiro plano de Greta Garbo (GUBERN,1987,p. 52).

o que relaciona texto e imagem é, mui-tas vezes, uma relação de complementari-dade, na medida em que ambos apresen-tam déficits específicos. Por isso é comumque livros de Filosofia ou qualquer área dosaber, tida como abstrata, possam vir semilustrações, ao passo que matérias textuaisjornalísticas ou publicitárias não podemabrir mão dessa relação entre ~exto e ima-gem.

Finalizando essa rápida discussão,vale a pena remeter o leitor às considera-ções de Metz:

A oposição brutal do visual e do verbalé simplificadora, pois exclui todos os ca-sos de interseção, de sobreimpressão ou

de combinação (...). É parcial e regional,pois esquece todas as significações que,em princípio, não são nem propriamentelingüísticas nem propriamente visuais. (...)Freqüentemente, refletir sobre a imagemnão consiste em produzir imagens, massim em produzir palavras (METZ, 1973,p. 17. Primeiro grifo no original, segundogrifo nosso).

As palavras de Metz são importantes:texto e imagem não são opostos, uma vezque um remete ao outro e vice-versa. Bastapensarmos nas imagens mentais que cria-mos quando da leitura de um romance e,por outro lado, que criamos palavras aonos indagarmos sobre uma dada imagem("o que é isso?" ou "o que significa?" sãoexpressões bem recorrentes numa exposi-ção de quadros, por exemplo, mas tambémpodem ocorrer processos semiósicos: "issoé X" ou "o autor pretendeu dizer Y comessa obra").

TEXTO, IMAGEM E INFOGRAFIA

Falamos rapidamente até o momentoda relação entre texto e imagem (particu-larmente das fotografias analógicas) quan-do essas duas instâncias ocupam" aparen-temente" espaços distintos (pense-se nasexpressões "espaço do texto jornalístico"e "espaço da foto", comuns nas discussõessobre diagramação de páginas de jornal nasredações). Há, porém, circunstâncias emque tanto texto quanto imagem são insufi-cientes. É quando a descrição textual neces-sita de um suporte visual e vice-versa. Esta-mos no âmbito da infografia. É importantelembrar que, no jornalismo, a interrelaçãoentre texto e imagem não se dá exclusiva-mente nas infografias: há também os gráfi-cos, mapas, ilustrações etc., além da relaçãoentre foto e legenda.

Vimos que o texto pode descrever ele-mentos da ordem do concreto e do abstra-to, enquanto a imagem só pode descreverelementos concretos. É preciso, porém,fazer uma diferenciação de outra ordem:as potencialidades dos diferentes tipos deimagem (indicial e icônica). Uma dessas

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diferenciações decorre do próprio fato deelas serem indiciais ou icônicas. A imagemindicial, por ser ligada fisicamente àquiloque pretende representar, precisa que tantoo referente quanto o fotógrafo estejam umdiante do outro num exato e dado momen-to; ou seja: não pode haver representaçõesindiciais de seres mitológicos ou lendários.A imagem icônica, por sua vez, não necessi-ta desse momento e permite a materializa-ção, através do traço, por exemplo, de seresfantásticos.

Outra diferença é o fato de que certoselementos ou fenômenos dificilmente po-dem ser representados em imagens analó-gicas. Pensemos nos processos biológicos,astronômicos, geológicos ou históricos,cujo testemunho é impossível, por partedo jornalista e do fotógrafo, porque se dãoem situações microscópicas, macroscópi-cas, espaciais e temporais adversas. Aqui,o uso da imagem icônica torna-se funda-mental, pois permite reconstituir visual-mente algo fisicamente impossível de sertestemunhado.

Finalmente, há outro aspecto impor-tante na infografia: seu caráter de interre-lacionar diferentes elementos. Tomemoscomo exemplo o mapeamento do códigogenético humano. Por melhor que seja otexto descritivo, ele será insuficiente diantede uma ilustração mostrando como se dãoos processos genéticos; o texto visual, porsua vez, terá dificuldades em denominar oselementos químicos (existentes na nature-za, mas invisíveis a "olhos nus") que estãoem jogo nesse processo. Percebe-se, assim,a necessidade de se estabelecer vínculos se-mióticos entre aquilo que se mostra iconi-camente e o conceito textual atrelado a ele.

Peltzer propõe a seguinte divisão paraas infografias: de vista (plano, corte, pers-pectiva, panorama); gráficos explicativos(causa-efeito, retrospectivo, antecipativo,passo a passo e fluxo); e reportagem (rea-lista e simulado) (1992, p. 130-5). Aqui, hátrês aspectos em jogo: 1) a infografia devista pretende mostrar um dado elementoda realidade, no todo ou em suas partes, demodo externo e/ou interno, mostrando-seproporções, pormenores e explicações; 2)

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o gráfico explicativo centra sua funcionali-dade nos aspectos temporais de um evento,potencialmente através de seqüências deilustrações ou de temporalidade sugeridapelo uso de textos e números; e 3) a info-grafia de reportagem designa o relato infor-mativo e visual de um fato.

Percebe-se que, nas infografias de vistae gráficos explicativos, a relação entre textoe imagem é necessária em virtude de umoutro aspecto: o relacional, seja ele espacialou temporal. Aqui, não basta mais a des-crição (textual ou visual) de um elemento,mas as relações que as partes de um objetoou as temporalidades de um dado eventomantêm entre si. Disso já falava Peirce noque diz respeito aos diagramas, segundoele, uma subdivisão dos hipoícones:

Os [hipoícones] que representam as rela-ções, principalmente as diádicas, ou as quesão assim consideradas, das partes de umacoisa através de relações análogas em suaspróprias partes, são diagramas (...) Muitosdiagramas não se assemelham, de modoalgum, com seus objetos, quanto à aparên-cia; a semelhança entre eles consiste apenasquanto à relação entre suas partes (PEIRCE,1995,p. 64-6.Grifo no original)

A definição de Peirce é clara, ainda quenecessite de explicações. ° autor refere-separticularmente em sua explanação a ex-pressões matemáticas e diagramas simples,os quais são ícones porque trazem à tona asrelações que os termos mantêm entre si, nãoporque se utilizam de ícones em sua cons-tituição visuaL A definição de Peirce nãose refere explicitamente ao uso de íconesna estrutura do próprio diagrama (comoocorre, por exemplo, num manual de ins-truções, para montar um liquidificador, porexemplo, ou num livro de biologia), masem nenhum momento ele explicita que issonão possa ocorrer. Percebe-se, assim, que arelação entre texto e imagem pode extrapo-lar o aspecto da simples articulação entrepalavras que denominam e coisas que sãodenominadas, bem como também extrapo-Ia o âmbito do jornalismo.

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INFOGRAFIA E CULTURA POPULAR

Dissemos no começo que, em algunsautores (BETTETINI, 1993; PLAZA, 1993;VELHO, 2001), a noção de infografia estádiretamente relacionada ao fato de ela serproduzida eletronicamente com o auxíliode computadores. Ora, essa definição nãonos interessa aqui, pelo fato de restringira noção de infografia ao seu suporte (nocaso, o eletrônico), o que cria um parado-xo: o de se falar em infografia no jornalis-mo impresso, suporte no qual não há in-teratividade (pelo menos não no sentidomaquínico do termo).

É preciso lembrar que, na esfera daInternet, a existência de softwares (como oMacromedia Flash) permite conjugar tex-tos com imagens em movimento e oferece,em alguns momentos, a possibilidade deintervenção por parte do usuário, criandoaquilo que o espanhol Alberto Cairo (2003),também editor de infografia do site espa-nhol El Mundo. E, chama de "infografiainterativa". Um bom exemplo disso é pro-posto no referido site: uma infografia quemostra como o DNA atua no corpo humano(EL MUNDO, 2003), o qual foi feito a par-tir de informações científicas extraídas delivros de Bioquímica.

De nossa parte, preferimos adotar aacepção de Peltzer, que prefere o termomensagem iconográfica (1992, p124-5)para designar todo e qualquer conjuntode gráficos informativos que se utilizamde códigos textuais e visuais. Essa noçãose aplica, quando percebemos o que o au-tor argentino pretende quando fala dasmodificações tecnológicas e profissionais,decorrentes da expansão da digitalizaçãoe da informática.

Um PC é simultaneamente editor, máquinade escrever, arquivo, câmara escura, mesade desenho, unidade fotográfica, pagina-dor... e o jornalista pode ser simultanea-mente cronista, redactor, grafista, fotógrafo,revisor, fotocompositor e paginador (Pelt-zer, 1992,p. 13.Grifos nossos).

Peltzer chama a atenção para o fato deque uma mesma pessoa poder fazer várias

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das funções que um PC oferece, mas suapreocupação é também para o alfabetismovisual.

Parece evidente que a visualidade, que écomo que o alfabetismo gráfico ou visuale poderia definir-se como a capacidade deinterpretar e manipular mensagens visuais,é uma aptidão que se desenvolveu rapida-mente no público da civilização da imagem.A tendência é precisamente gráfica, maisvisual que literal; entender as coisas fácil erapidamente, num relance, por mais com-plexas que elas sejam (PELTZER, 1992, p.13.Grifo no original).

Devemos interpretar com cuidado aspalavras de Peltzer. Se é fato que cada vezmais estamos cercados de imagens (ana-lógicas, digitais, fixas ou em movimento),isso não significa que estamos abrindo mãode uma "civilização da escrita". Conformedissemos antes, consumir imagens signi-fica, de algum modo, produzir tambémpalavras. Imagem e palavra "ancoram-se"(para usarmos uma expressão de Barthes).

Ao admitirmos a expressão "mensa-gem iconográfíca", precisamos lembrar acontribuição dos estudos de iconologia deErwin Panofsky (1986), que fala sobre ossignificados convencionais existentes emcada sociedade, cada cultura e cada tempo.Isto nos interessa: uma vez que tratamos amensagem iconográfica como um modelode tratamento textual e visual de um certoconjunto de informações, torna-se secun-dário pensar se ela foi criada eletrônica ouartesanalmente. Mais importante é perce-ber qual o papel significante que ela de-sempenha no âmbito de uma dada cultura,e quais elementos textuais e visuais ela irámobilizar.

o conjunto das figuras 3 e 4, a seguir.ilustra bem o que estamos tentando mos-trar. Extraída de uma edição fac-símile doLunario Perpetuo do valenciano GerónimoCortés (1760, edição espanhola), ela mostracomo se constitui a relação homem (corpo)-natureza (astros): de um lado, a explicaçãotextual; de outro, a ilustração interrelacio-nando as partes do corpo humano com osastros (lado esquerdo) e os signos do horós-

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copo (lado direito).

Nesse caso, percebe-se, de um lado,um conjunto de elementos visuais (querepresentam os signos do horóscopo) queaparentemente podem substituir sem pro-blema seus "equivalentes textuais" (as pa-lavras "áries", "touro" etc.), ou seja: signosconvencionados até os dias de hoje. Por ou-tro lado, a representação visual dos astrosremete a apenas três tipos de desenho: oSol, a Lua e as figuras que simbolizam osplanetas. Essa representação visual é com-plicada, mesmo nos dias de hoje: à exceçãoda Terra e de Saturno com seus anéis, cujasimagens - indiciais ou icônicas - estão cons-tantemente presentes em desenhos anima-dos. HQs e outros tipos de representaçõesvisuais do sistema solar, os demais planetasrepresentados no esquema (Marte, Vênus,Júpiter e Mercúrio) ou não apresentam ele-mentos visuais que os distingam dos de-mais ou, se apresentam, esses elementosnão fazem parte de nossa cultura visual. Ouso do texto, assim, torna-se fundamentalpara a compreensão da mensagem icono-gráfica, mas, ao mesmo tempo, é necessáriauma articulação relaciona 1 entre todos oselementos representados na figura.

Poderíamos ainda expor algumasidéias, mas uma rápida comparação visualcom a infografia feita especificamente parasites jornalísticos, para encerrar aqui nossaexplanação, do ponto-de-vista histórico esemiótico.

Esperamos poder, de algum modo,ter iniciado uma discussão, envolvendoa produção de mensagens iconográficas,independente do fato de que a informáti-ca contemporânea possibilite esse tipo deconstrução. É certo que há outros elemen-tos em jogo (como a circulação, a recepçãoe o aspecto discursivo dessas mensagens);por outro lado, esperamos futuramente po-der dar seqüência a esse tema, aprofundan-do tanto a análise com um corpus estatisti-camente mais relevante, quanto com maissubsídios teóricos referentes ao assunto e,enfim, ampliando o conceito de cultura po-pular no âmbito dessas produções.

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DEL DOM/N/O DE LOS PL~NET4Sela ,t (;JI,trpo hUlfldtlO_

S~turno. I EI brazo.

Marte. I La biel.

Venu&. I LOI rij\oneJ.

L\tll1. LlI cabela.

Jupílcr. I EI hígado.

Sol. j Er (oruoo.

Mercurio. Et pulmoD.

hgura :;

Efeitos colaterais dos esteróídes

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