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7/26/2019 Aquilino Ribeiro_ o Mundo Inteiro Na Sua Aldeia - PÚBLICO
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Livros
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Aquilino Ribeiro
(http://www.publico.pt/aquilino-
ribeiro)
Série Casas de
Escritores
(http://www.publico.pt/serie-
casas-de-escritores)
Aquilino Ribeiro: o mundo inteiro nasua aldeiaRAQUEL RIBEIRO 21/07/2013 - 00:00
Nas Terras do Demo descobrimos a geografia
sentimental de Aquilino Ribeiro. É a casa modesta de umescritor culto, preso durante o republicanismo, exilado
em Paris e Berlim, mas cuja literatura viveu sempre
nesta aldeia beirã
Diz-se que Aquilino Ribeiro é um escritor difícil. Há
quem tenha começado um livro seu, resistido e desistido.
Já não está nos programas de Português desde os anos
80 apesar de ter sido um dos escritores mais popularesdo seu tempo. Lê-lo, hoje, só acompanhado de dicionário
para as "palavras difíceis", tal a quantidade de
regionalismos, léxico popular, linguajar e ladainhas da
Beira, paisagem humana da sua literatura.
Não é barroco ou extravagante. Pelo contrário: etnólogo,
naturalista, cronista, capta o potencial fenomenológico da
língua. A riqueza do léxico está na novidade com queretrata o mundo rural que, disse o ensaísta Eduardo
Lourenço, "não estaria apenas no olhar quase
etnográfico que será o seu acerca da realidade beirã em
que ele mesmo enraíza, mas na textura verbal
igualmente mimética, tradutora, com a mais crua
fidelidade, do falar serrano". Aquilino dizia: "A madre é
na aldeia; ali está o puro idioma."
É na aldeia que está a sua Casa-Museu, Fundação
Aquilino Ribeiro criada em 1988 pelo filho mais velho do
escritor, Aníbal. Lugar de Soutosa, Moimenta da Beira,
Viseu. Segundo Aquilino, no coração das Terras do
Demo (romance de 1919). São "do demo" porque por
aqui "nem Cristo" "nem el-Rei" passaram. É terra
brava, agreste, esquecida de Deus, "penedia, aldeias
tristes e obtusas, pinhais, uma impressão de tormento
telúrico" (Geografia Sentimental , 1951). Onde os
homens e os bichos são como irmãos, onde faunos,
demos e gentes das fábulas se cruzam com o beirão,
"camponeses, almocreves e outros tipos esmagados na
MULTIMÉDIA
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TÓPICOS (/TOPICOS)
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base da pirâmide social, contra todas as opressões que
lhes tolhem os impulsos vitais" - figuras da sua obra
(segundo Óscar Lopes e António José Saraiva).
"O homem das serras traz chumbado ao tornozelo todos
os grilhões da servidão forjados nos tempos bárbaros.
Passam os reinados, as vagas políticas de democracia e
de emancipação social, e ele queda escravo, miserável,
para seu bem, não tendo conceito algum da igualdade
humana", escreveu Aquilino.
O cheiro das tílias
Chega-se por estradas impiedosas, curva e contracurva,
recta com limite de velocidade, subindo e descendo a
serra e contornando o penedo, "lanços perigosos e
ziguezagues mortais" (Aquilino), agora rasgadas pelas
rotundas do desenvolvimento. Percebe-se por que
escreve que, apesar da distância, da imensidão da
paisagem, da presença da Estrela nevada, aqui era o
centro de tudo: "Estas viagens eram até certo ponto o
ersatz do caminho marítimo para a Índia. Largava-se de
Viseu com a tardinha e era emocional como despedir-se
um homem para o cabo do mundo."
A casa está como quando o escritor a habitou. Humilde,
modesta, de pedra, ainda a mesma estrutura de madeira
escura, do seu tempo. Aquilino nasceu em Sernancelhe
em 1885, filho de padre. A mãe, camponesa, trouxe-o
para esta casa em Soutosa aos dez anos. Aqui cresceu
até estudar em Lamego, depois em Viseu, e depois em
Beja, no seminário, de onde foi expulso "por falta de vocação". Em 1906 vai para Lisboa. Mas, na verdade,
desta aldeia nunca mais saiu.
Não era ainda o romancista que, no furor do
republicanismo, começa a escrever em jornais e que em
1907 é preso após a explosão de uma bomba no seu
quarto. Consegue fugir da prisão e refugia-se em Paris
em 1908, meses depois do regicídio de D. Carlos, em quese suspeita que Aquilino Ribeiro estivesse envolvido
(não directamente, mas conhecia o plano dos assassinos).
Estudou na Sorbonne, onde conheceu Grete Tiedemann,
alemã, com quem casaria em 1 913. Mas o começo da I
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Guerra Mundial obrigou o escritor, a mulher e o filho
recém-nascido, Aníbal, a regressar a Portugal. As
primeiras publicações, Jardim das Tormentas (prefácio
de Carlos Malheiro Dias) sai em 1914 e Via Sinuosa em
1918. Seguem-se Terras do Demo (1919) e
Malhadinhas (1922). Em 1924 publica o clássico infantil
O Romance da Raposa, hoje talvez o único texto seu lido
em algumas escolas do concelho de Moimenta da Beira.
Em 1921, enquanto director da Biblioteca Nacional,
participou no lançamento da revista Seara Nova,
dirigida por Raul Proença, onde colaboraram Jaime
Cortesão, António Sérgio, Raul Brandão ou Augusto
Casimiro. A revista de crítica e intervenção pretendia
"contribuir para formar, acima das pátrias, a união de
todas as pátrias - uma consciência internacional bastanteforte para não permitir novas lutas fratricidas". A
revista resistiu durante o Estado Novo, enfrentou a
censura e, apesar da irregularidade das publicações, foi
sempre símbolo de oposição ao regime.
A Soutosa, Aquilino Ribeiro regressava todos os Verões e
aí escrevia em comunhão com a natureza. "Quando me
instalo na aldeia - e nunca será para menos do que ostrês meses de Verão - hei-de levantar-me
infalivelmente com a alba", disse. A propriedade, de
cerca de três hectares, está como a deixou (apesar de
agora não ser cultivada): as figueiras "com grandes
folhas esparramadas em jeito de esperar outra vez Adão
e Eva", a uva moscatel que "tão biblicamente cobre o
poço a dois passos da cozinha". Ao centro, as grandes
árvores de tília que "recobrem de sombras e perfume" aentrada da casa foram plantadas pelo escritor. "Ano por
ano as fui acalentando e tutelando. Por isso, quando
arribo de Lisboa, recebem-me luxuriantes, sonoras das
abelhas que lhe chupam o pólen." O escritor chegava em
Junho quando migravam os cucos que lhe recordavam
que "estão a findar os meus ócios e também eu tenho de
me separar das aves que são sedentárias, das minhas
árvores".
Regressar a Soutosa era voltar ao espaço bucólico de
pertença. Conclui o escritor em Geografia Sentimental ,
revelando a sua proximidade com a natureza: "A visita
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matinal que faço a estas queridas e prosaicas coisas, com
as rolas a ensaiar, após a traviata sobre o pinhal, suas
sarabandas de amor, trocando o bom-dia com os
jornaleiros, vale uma volta pelo Chiado ao cair da tarde."
Grete morre em Soutosa em 1927. Procurado por
participar numa revolta contra a Ditadura Militar,
Aquilino refugiara-se na Beira. Envolve-se na
sublevação do Regimento de Pinhel contra o novo
Governo, mas é preso. Conseguindo novamente fugir,
exila-se em Paris em 1928. Casa uma segunda vez, com
Jerónima Dantas Machado, filha do ex-Presidente
Bernardino Machado (terceiro e oitavo Presidente da
primeira República), que também vivia no exílio (e de
quem teve um segundo filho).
Na Fundação Aquilino Ribeiro, há pouca informação
sobre esta fase da v ida de Aquilino, a mesma em que,
anos depois, escreverá as suas obras mais populares, A
Casa Grande de Romarigães (1957) e Quando os Lobos
Uivam (1958), apreendido pela censura e mais tarde
amnistiado, num processo que durou mais de dois anos.
A casa de Romarigães, solar dos "Menezes e
Montenegros", pertencia à família de JerónimaMachado, em Paredes de Coura, Minho. No prefácio,
Aquilino explica como resolveu contar a história de
Portugal através desta grande casa, parte em ruínas,
quando nela encontrou manuscritos e correspondência
de 1680 a 1828 entre antigos habitantes da casa. Decidiu
continuar a contar a história. Por isso, "as últimas e
extravagantes páginas do livro são da minha lavra. Às
outras, sacudi o bolor do tempo e reatei o fio de Ariadna".
Na casa de Aquilino há muitas fotografias da primeira
mulher, Grete, mãe de Aníbal (mas não da segunda). Ali
estão os seus óculos, os seus livros, muita arte, como o
retrato que Abel Manta lhe pintou, agora no seu quarto
reconstituído - modesto, uma cama de ferro branco e
uma cómoda com fotografias. Há pinturas de Amadeo
Souza-Cardoso, escultura de Anjos Teixeira, caricaturas
de Santana e de Stuart Carvalhais. Há correspondência
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de Óscar Lopes, Teixeira de Pascoaes e ainda um postal
de Beatriz Costa com o seguinte destinatário: Aquilino
Ribeiro. Morada: Brasileira do Chiado.
No escritório está uma pequena parte da sua biblioteca -
a restante, cerca de 8 mil volumes, está numa sala anexa
à Casa do Caseiro, reconstruída na propriedade, que
apresenta um museu etnográfico sobre "o aldeão da
Beira". O espólio pessoal do escritor, que morreu em
1963, está em depósito na Biblioteca Nacional. A
secretária veio de Santo Amaro de Oeiras, onde vivia. À
época, custou 1100 escudos.
Aqui escrevia a sua "aldeia mítica onde são tão presentes
os homens e a vida ancestral do nosso povo como os
seres de fábula ou memória, faunos ou santos da suaparticular legenda", como escreveu Eduardo Lourenço
numa edição especial da Colóquio-Letras (1985)
dedicada ao escritor. O seu mundo não é o do "refinado
Eça", por quem "fez sempre gala em se definir por
oposição", explica Lourenço. A sua êxtase perante o
mundo rural não é a de Fradique ou de Jacinto,
continua: ele era o "artista rude, filho da minha serra"
que retrata nessa "aldeia-memória" o mundo"primitivo" e "bárbaro", "à margem da civilização".
Continua a não ser lido. Continua a dizer-se que é difícil.
E de resistência em resistência, também a sua casa,
isolada em Soutosa, Moimenta da Beira, parece
esquecida. Daí que a Fundação esteja a trabalhar para se
abrir aos visitantes: uma nova loja na casa vende vinho
da região da cooperativa de Távora-Varosa, espumante"Terras do Demo" que adoptou textos de Aquilino no
rótulo, e outros vinhos. Aí se vendem também algumas
edições dos livros que a Bertrand tem vindo a reeditar, e
o recente Guia das Aves, antologia de excertos
aquilinianos nos quais se descrevem mais de 60 aves
selvagens (edição da Boca).
Aquilino tinha "extraordinárias faculdades inatas paratirar partido da expressividade sensorial do idioma"; a
sua linguagem é tão rica, de "graça idiomática" que na
literatura portuguesa "é a mais exuberante de Camilo
para cá" (dizem Lopes e Saraiva). É aliás sobre Camilo
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Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê. (/nos/comentarios-e-
inqueritos#comentarios-fechados)
Castelo Branco a biografia romanceada Romance de
Camilo (1956), história do "filho do Senhor Manuel
Botelho e da sua criada Jacinta Rosa". Mas não se pense
que, apesar de existir um Glossário Sucinto para
Melhor Compreensão de Aquilino Ribeiro (de Elviro
Rocha Gomes, 1930), a obra de Aquilino se possa
resumir à de um escritor regionalista.
Para Óscar Lopes, Aquilino deverá ser lido ao lado os
seus contemporâneos: Raul Brandão, Camilo Pessanha e
Fernando Pessoa. A sua literatura é de "rompimento
com a sensibilidade literária anterior". Cada um à sua
maneira, "dão-se conta de que já não acreditam naquilo
em que em 1913 julgavam acreditar monárquicos ou
republicanos, católicos ou positivistas". Mas apesar de
ser contemporâneo da Geração de Orpheu, com quemconviveu (Almada Negreiros e Mário de Sá-Carneiro)
em Paris, nas vésperas da I Guerra Mundial, Aquilino
Ribeiro acabou por ser, segundo Óscar Lopes, ofuscado
por Pessoa e esquecido pela "consagração do
Modernismo" da crítica.
COMENTÁRIOS
21/07/2013 22:04
Eduardo Costa DiasProfessor Univers itário , Lisboa
(/utilizador/perfil/bb5e5a01-2121-41f1-b3a9-476e74a0ddb7)
Na edição em papel o titulo* contem um (grave) erro: ao contrario do que se
diz nele Aquilino não esteve preso durante o "republicanismo" (sic)".. ... ...Terras do Demo descobrimos a geografia sentimental de AquilinoRibeiro. É a casa modesta de um escritor culto, preso durante orepublicanismo, ...."
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