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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM FOTOGRAFIA THALIA LUÍSA DUARTE UM BECO SEM SAÍDA: OS PROBLEMAS HABITACIONAIS E SOCIAIS DO BAIRRO JARDELINO RAMOS POR MEIO DA FOTOGRAFIA DOCUMENTAL CAXIAS DO SUL 2017

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ÁREA DO CONHECIMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM FOTOGRAFIA

THALIA LUÍSA DUARTE

UM BECO SEM SAÍDA: OS PROBLEMAS HABITACIONAIS E SOCIAIS DO

BAIRRO JARDELINO RAMOS POR MEIO DA FOTOGRAFIA DOCUMENTAL

CAXIAS DO SUL

2017

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THALIA LUÍSA DUARTE

UM BECO SEM SAÍDA: OS PROBLEMAS HABITACIONAIS E SOCIAIS DO

BAIRRO JARDELINO RAMOS POR MEIO DA FOTOGRAFIA DOCUMENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Tecnologia em Fotografia da

Universidade de Caxias do Sul, como requisito

parcial para obtenção do título de Tecnólogo

em Fotografia.

Orientador Prof.º Me. Anthony Beux Tessari

CAXIAS DO SUL

2017

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THALIA LUÍSA DUARTE

UM BECO SEM SAÍDA: OS PROBLEMAS HABITACIONAIS E SOCIAIS DO

BAIRRO JARDELINO RAMOS POR MEIO DA FOTOGRAFIA DOCUMENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de Tecnologia em Fotografia da

Universidade de Caxias do Sul, como requisito

parcial para obtenção do título de Tecnólogo

em Fotografia. .

Orientador(a): Prof. Me. Anthony Beux

Tessari.

Aprovado (a) em ______/______/_______

Banca Examinadora

___________________________________________

Profº Me. Anthony Beux Tessari – Orientador

Universidade de Caxias do Sul – UCS

___________________________________________

Profª Dra. Eliana Rela

Universidade de Caxias do Sul – UCS

___________________________________________

Prof. Me. Edson Luiz Corrêa

Universidade de Caxias do Sul – UCS

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à minha mãe Nilce Teresinha Duarte, pelo suporte, paciência,

por acreditar em mim e nos meus sonhos junto comigo, e por se fazer sempre presente.

Agradeço em especial alguns nomes que de alguma forma auxiliaram para a realização

deste trabalho, pelo apoio e encorajamento: Jean Freitas, Renata Constante Oliveira, Renata

Pastro, Kálita Duarte e Gelson Telles.

Agradeço ao meu orientador, Professor Me. Anthony Beux Tessari pelo

profissionalismo, dedicação e conhecimentos transmitidos, durante o desenvolvimento deste

trabalho de conclusão.

A todos os professores do curso de Fotografia da Universidade de Caxias do Sul, que

me inspiraram e que durante esses anos compartilharam todo seu conhecimento e foram

essenciais para a elaboração deste trabalho.

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A câmera é um instrumento que ensina as pessoas a ver sem uma câmera.

Dorothea Lange

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RESUMO

O presente trabalho pretende expor, por meio da fotografia documental, os problemas

habitacionais e sociais do bairro Jardelino Ramos (também conhecido como Burgo), e a

relação dos moradores do bairro com o local onde vivem, evidenciando principalmente os

becos que tomam o local. A pesquisa também faz uma contextualização nacional e regional

do surgimento desses aglomerados habitacionais, suas causas e consequências, e através de

entrevistas, busca conhecer a história e as dificuldades presentes no bairro Jardelino Ramos.

Por fim, conceitua a fotografia documental, discutindo sobre suas funções e qual sua relação

com o trabalho proposto. Ao se concretizar a parte teórica, será realizada uma mostra

fotográfica, com um total de doze imagens, com o intuito de expor na Câmara Municipal de

Caxias do Sul, com a intenção de atingir os objetivos propostos.

Palavras-Chave: Fotografia, Fotografia Documental, Favela.

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ABSTRACT

This present work wants to expose, through documentary photography, the social and housing

issues of Jardelino Ramos' neighborhood (also known as Burgo), and the relationship between

the residents and their local, demonstrating mostly the becos that cover the whole place. The

research also contextualize the nacional and regional appearance of this habitational

agglomeration, its causes and consequences, according to oral history, tries to understand the

history and difficulties existent in Jardelino Ramos. Finally, conceptualize the documental

photography, discussing the functions and relations among the proposed work. By the

conclusion of the theoretical section, a photographic exhibition will take place, containing

twelve images, at the Câmara Municipal de Caxias do Sul, with the purpose of achieve the

objectives of the work.

Keywords: Photography; documentar photography; Favela;

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Planta de Caxias do Sul 1890. ................................................................................. 15

Figura 2 – Quadro Comparativo ............................................................................................... 25

Figura 3 - Sadie Pfeifer, a Cotton Mill Spinner – 1908 ............................................................ 33

Figura 4 - This Is as near the Ocean as This Baby Gets - 1910 .............................................. 34

Figura 5 - Bandits' Roost, 59 1/2 Mulberry Street (1988) ........................................................ 35

Figura 6 - Grapes of Wrath Hooverville (1937) ...................................................................... 37

Figura 7 - South Street, New York (1932) ............................................................................... 38

Figura 8 - Sem título ................................................................................................................. 40

Figura 9 - Fotografia da série Terra .......................................................................................... 41

Figura 10 - Bairro Jardelino Ramos, locais fotografados. ........................................................ 43

Figura 11 - Universos Circundantes ......................................................................................... 46

Figura 12 - Relação do Sistema dos Universos Circundantes .................................................. 46

Figura 13 - Beco 1 .................................................................................................................... 48

Figura 14 – Beco 2 ................................................................................................................... 49

Figura 15 – Beco 2 ................................................................................................................... 50

Figura 16 – Beco 2 ................................................................................................................... 51

Figura 17 – Beco 3 ................................................................................................................... 52

Figura 18 – Área 4 .................................................................................................................... 53

Figura 19 – Área 4 .................................................................................................................... 54

Figura 20 – Área 4 .................................................................................................................... 55

Figura 21 – Área 4 .................................................................................................................... 56

Figura 22 – Área 4 .................................................................................................................... 57

Figura 23 - Contextualização do bairro na cidade .................................................................... 58

Figura 24 - Contextualização do Bairro ................................................................................... 59

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 PROCESSO DE FAVELIZAÇÃO NO BRASIL E EM CAXIAS DO SUL 12

1.1 URBANIZAÇÃO NO BRASIL 12

1.2 FORMAÇÃO DA CIDADE DE CAXIAS DO SUL 14

1.2.1 Formação do bairro Jardelino Ramos: primeiros núcleos de sub-

habitação em Caxias do Sul 16

1.3 DEFINIÇÃO DE FAVELAS 18

1.3.1 Marginalização social: imaginário e preconceito nas e com as favelas 20

1.4 OS BECOS NAS FAVELAS 21

1.4.1 Os becos do bairro Jardelino Ramos: problemas recorrentes 22

2 FOTOGRAFIA DOCUMENTAL 27

2.1 DEFINIÇÃO DE FOTOGRAFIA DOCUMENTAL 27

2.1.1 A fotografia documento, fotografia-humanista e fotografia-humanitária 28

2.2 O DOCUMENTARISMO SOCIAL NO SÉCULO XX 30

2.2.1 Lewis Hine 31

2. 2. 2 Jacob Riis 34

2.2.3 Dorothea Lange e Walker Evans: Farm Security Administration 36

2.2.4 Vivian Maier 38

2.2.5 Sebastião Salgado 40

3 SÉRIE FOTOGRÁFICA UM BECO SEM SAÍDA 43

3.1 BECO 1 48

3.3 BECO 3 52

3.4 ÁREA 4 53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 60

―LEI COMPLEMENTAR Nº 285, DE 17 DE JULHO DE 2007. 61

ANEXOS 66

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INTRODUÇÃO

A fotografia, desde o início de sua história, foi usada com diversas funções. Durante

os últimos séculos desenvolveu, desde sua linguagem, até os equipamentos e tecnologias

utilizadas para a sua realização. Passando por diversas fases e exercendo inúmeros papéis, no

século XX, ao surgir o fotodocumentarismo – gênero que ganhou destaque no meio

fotográfico – teve o objetivo principal de denúncia, em que inúmeras pessoas tiveram suas

vidas transformadas e melhoradas, em razão do fotodocumentarismo. Muitos fotógrafos

foram destaque nesse ramo da fotografia, entre eles: Lewis Hine, Jacob Riis, Sebastião

Salgado, fotógrafos estes que inspiram o trabalho aqui proposto.

Aliado a ideia do fotodocumentarismo, e buscando um tema atual, que abarque

problemas atuais, e acima de tudo uma realidade próxima, foi escolhido como objeto de

estudo o bairro Jardelino Ramos, situado na cidade de Caxias do Sul. O bairro de ocupação

irregular abriga cerca de 4.500 habitantes, onde a maioria da população ali residente é de

baixa renda e carente de inúmeros serviços sociais e urbanos. O local é marcado pelo

adensamento de casas e por comportar um número grande de becos.

A finalidade deste Trabalho de Conclusão foi a de registrar, por meio da fotografia

documental, o cotidiano e a relação dos moradores do bairro Jardelino Ramos com o local em

que residem, buscando evidenciar os problemas estruturais e urbanos e também os problemas

sociais presentes no bairro.

Foram desenvolvidos três capítulos como forma de aprofundar o assunto. O primeiro

capítulo trata do processo de favelização brasileiro e também da cidade de Caxias do Sul,

buscando trazer o contexto histórico pelo qual se deu a formação das favelas e como se

desenvolveu o bairro Jardelino Ramos. Com o auxílio de um questionário foram feitas

entrevistas com quatro moradores do bairro, buscando a melhor compreensão dos problemas

atuais enfrentados por eles.

O segundo capítulo disserta sobre a fotografia documental e suas definições, sobre o

fotodocumentarismo social no século XX e sobre os principais fotógrafos que são referências

para este trabalho, abordando sua história e feitos relevantes na história.

O terceiro capítulo apresenta a série ―Um Beco Sem Saída?‖, e o relato sobre a

experiência de fotografar o bairro, e o que se pensou nas 12 imagens selecionadas pela autora.

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Portanto, espera-se assim, que ao final do trabalho possa haver uma maior reflexão

sobre o assunto aqui debatido e que de alguma forma o trabalho contribua para os moradores

do bairro, mas também para o meio acadêmico, auxiliando em outras pesquisas.

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1 PROCESSO DE FAVELIZAÇÃO NO BRASIL E EM CAXIAS DO SUL

Para compreender o processo de favelização no Brasil é preciso conhecer o processo

histórico de formação das cidades brasileiras. É nas cidades onde as ―favelas‖, ou

aglomerados subnormais – segundo a definição técnica do IBGE – estão localizadas.

A favela, portadora de inúmeros problemas urbanos e sociais, carrega em seu nome o

preconceito e a discriminação. É fundamental propor uma discussão sobre tais problemas,

sobre suas causas e consequências. Esse é o primeiro passo para se pensar em propor

soluções.

O objetivo deste capítulo é apresentar uma síntese do processo histórico da

urbanização no Brasil e da formação da cidade de Caxias do Sul, dando destaque para o

surgimento do bairro Jardelino Ramos, local também conhecido como ―Burgo‖.

1.1 URBANIZAÇÃO NO BRASIL

O Brasil, durante o século XX, passou por um processo intenso de urbanização,

ocasionado principalmente pela industrialização a partir do período pós-guerra (1945). A

população que vivia na área rural, em busca de novas oportunidades de trabalho e melhores

condições de vida, começa a migrar para a cidade. Antes dos anos 1900, alguns momentos

pontuais são importantes para se pensar e compreender a formação das cidades brasileiras.

Foi apenas a partir do século XVIII que o Brasil passou a desenvolver cidades

urbanizadas, que, de forma geral, eram cidades pequenas e vilas, que eram a principal ―casa‖

do fazendeiro e do senhor de engenho. (SANTOS, 2005, p. 21)

Com a expansão da agricultura comercial e da exploração mineral, atrelada a

mecanização de produção, as cidades começaram a se desenvolver mais rapidamente, e no

século XIX, adquiriram características semelhantes as que vemos hoje em dia. (SANTOS,

2005, p.22)

Segundo Santos (2005), em 1872 apenas três capitanias brasileiras contavam com mais

de 100 mil habitantes: Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Quase vinte anos após, em 1890, as

cidades com mais de 100 mil habitantes se mantiveram, enquanto outras três cidades, São

Paulo, Porto Alegre e Belém, atingiam mais de 50 mil habitantes. (SANTOS, 2005, p. 23)

Com relação à população total do país naquele momento, Santos (2005, p.25) aponta

que a população brasileira aumentou de 900 mil, em 1872, para 1,2 milhões, em 1900, e que

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entre os anos de 1890 a 1920 a população urbana subiu quatro pontos percentuais, de 6,8%

para 10,7%.

Na medida em que a população crescia, acompanhavam o crescimento as indústrias,

para atender as novas demandas. No início do século XX o setor industrial no Brasil registou

um aumento significativo, especialmente no estado do Rio de Janeiro, seguido pelos estados

de São Paulo e Minas Gerais. Conforme Oliveira (2002), as maiores indústrias eram voltadas

para produção de bens de consumo não duráveis, principalmente a indústria têxtil, voltadas

para atender as classes mais baixas.

No período entre a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o país

passou a fazer uso da política de substituição de importações, pelo fato do difícil acesso a

exportações internacionais. O uso da política de substituição de importações objetivava

assegurar o desenvolvimento da economia do país, o que, segundo Oliveira (2002), resultou

na expansão da industrialização.

Findada a guerra, a segunda metade da década de 1940 marca uma fase importante. As

zonas urbanas apresentaram um crescimento significativo nesse período, pois até então o país

era essencialmente agrícola. Alguns dados encontrados em Oliven (1978, p.71) apontam que

entre os anos de 1925 e 1940, houve um aumento do setor terciário na população ativa,

enquanto os setores primários e secundários registravam um índice de diminuição (SANTOS,

2005, p. 26). A alta taxa de urbanização registrou dados de crescimento demográfico nesse

mesmo período, e registou-se um aumento na natalidade e uma diminuição de mortalidade,

resultados esses devido às melhorias na qualidade de vida, como preocupação com esgoto e

água tratada.

O êxodo rural, outro fator que contribuiu para a urbanização, se deu também pelo

processo de modernização das atividades agrícolas. A introdução das máquinas acabou

substituindo a mão de obra dos camponeses. Os camponeses passaram então a migrar para

espaços urbanos, principalmente onde se encontravam as indústrias, em busca de trabalho.

Outro motivo da migração rural para a cidade, principalmente a partir da década de

1930, foram as grandes secas ocorridas na região Nordeste, que obrigaram a população

daqueles estados migrar em busca de melhores condições de vida, escolhendo principalmente

a região Sudeste como destino.

Nesse processo histórico, e olhando para mais adiante, entre os anos de 1940 e 1980, a

população brasileira, em território urbano, saltou de 26,35% para 68,86%, ou seja, de

aproximadamente 11 milhões para 82 milhões de habitantes. (SANTOS, 2005, p. 31).

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Com o aumento da população urbana, principalmente nas áreas metropolitanas, além

das melhorias necessárias para um melhor padrão de vida, tornou-se fundamental o

planejamento do território das cidades, pois alguns problemas já estavam evidenciados, como

os desequilíbrios ambientais e a desordem socioespacial.

Poucas foram – e continuam sendo assim – as políticas públicas que visassem

combater as desigualdades dos espaços urbanos. Portanto, esse quadro de desigualdade,

gradualmente, ampliou-se. Foi dessa forma que se formaram os grandes assentamentos

urbanos informais, ou seja, as vilas, favelas e periferias. Para Braga (2004):

A cidade é produto e condição de reprodução de uma sociedade. Sua

estruturação física em diferentes bairros, ricos e pobres, setores urbanos,

salubres e insalubres, apropriações da natureza, centros e periferias são a

manifestação das relações sócio-econômicas, do acesso desigual aos meios e

condições de produção e de trabalho, historicamente determinadas. (2004, p.

09)

Ou seja, observa-se que, nesse processo de formação das cidades brasileiras, ocorreu

uma falha de planejamento na estrutura das cidades, a falta de investimento e de preocupação

com as áreas mais pobres, atrelada ao desenvolvimento desigual do país, gerou a ocupação de

locais impróprios para morar, os loteamentos clandestinos.

Nigro (2007) complementa essa ideia, dizendo que ―a favela é gerada a partir de um

problema sistêmico urbano.‖ (NIGRO, 2007, p. 70)

1.2 FORMAÇÃO DA CIDADE DE CAXIAS DO SUL

Após a ocupação indígena, a cidade de Caxias do Sul teve suas terras povoadas por

imigrantes italianos a partir do último quartel do século XIX, imigrantes que também se

estabeleceram por toda a região nordeste do Rio Grande do Sul.

Conforme Machado (2001), a ―Colônia Caxias‖, como era denominada, teve seu

território demarcado contento 17 léguas quadradas e teve seus lotes rurais e urbanos divididos

e distribuídos. O que atraía os imigrantes era a oportunidade de ser proprietário de terras e

assim por consequência melhorarem suas condições de vida.

Os imigrantes, quando chegavam à Colônia de Caxias, deveriam se apresentar à

diretoria de Comissão de Terras, e então recebiam uma indicação de lotes disponíveis, os

quais custavam em torno de 10 a 80 réis por lote. Porém, os imigrantes que chegavam tinham

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que trabalhar na derrubada da mata, construção das casas e cultivo da terra. (MACHADO,

2001, p.49)

Até o ano de 1890, Caxias do Sul foi distrito de São Sebastião do Caí, e, após se

emancipar, tornando-se um município, começa a se desenvolver. Neste mesmo ano, o

município já contava com cerca de 16 mil habitantes. A demarcação de arruamento dos lotes

passava a ser responsabilidade do munícipio.

O município precisava de uma legislação própria que regulamentasse os seus

procedimentos e formalizasse sua existência. Com a existência dessa legislação, exigiu-se

uma maior preocupação com os espaços urbanos. O município agora era responsável por tudo

que envolvia a cidade e os seus moradores, como o abastecimento de água, o esgoto, a

manutenção de estradas, a iluminação, e a regulamentação e divisão de terras.

Segundo Machado (2001), a colônia Caxias passou pelo mesmo processo de

desenvolvimento dos primeiros núcleos coloniais do estado do Rio Grande do Sul. O espaço

urbano de Caxias (a sede da vila) deveria ser destinado ao comércio, com a finalidade de

atender o crescimento do município, o que exigiu uma ampliação da área territorial.

O plano territorial contava com um traçado uniforme e prezava os princípios da

simetria e regularidade geométrica. Conforme Machado (2001), a planta tinha um formato do

traçado de um tabuleiro de xadrez, conhecida também por rede romana. Era constituída por

nove ruas no sentido leste/oeste e nove ruas no sentido norte/sul, conforme a figura 1.

Figura 1 – Planta de Caxias do Sul 1890.

Fonte: Machado (2001, p. 67)

Sobre o traçado urbano de Caxias do Sul, Machado faz uma observação importante:

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A presença de acidentes, geográficos muito acentuados impediu algumas vezes, que

houvesse uma adaptação ao caráter do terreno, originando áreas vazias como

aconteceu com a zona do Burgo e com o bairro Marechal Floriano, que foram

excluídos do plano de arruamento (2001, p.66).

Com o crescimento do município, é notável que ocorresse uma divisão da cidade entre

as pessoas de baixa renda e os mais abastados. Como a área central exigia um nível mais alto

para a ocupação dos lotes, as áreas periféricas tornaram-se mais procuradas, pois não havia

tantas exigências e isso barateava o custo de vida, e as construções das casas.

Conforme a cidade foi crescendo, a população aumentando, a planta de Caxias foi

aumentando também, o que ocasionou uma nova confrontação do perímetro urbano, que

acabou invadindo lotes rurais. (Machado, 2001, p. 92)

Segundo Machado (2001), foi em 1938 através do Ato nº 40 de 28 de junho, que o

perímetro urbano de Caxias do Sul teve a maior ampliação do período em estudo, aumentando

os limites espaciais, especialmente na zona norte, onde estava se dando a maior concentração

populacional, como resultado da saída dos agricultores do meio rural e migração para a

cidade.

Na década de 1940, notou-se uma significativa mudança no centro da cidade. Esse

período marca o aumento das indústrias e do comércio, principalmente durante o período da

Segunda Guerra Mundial, quando o governo militar considerou que as indústrias eram de

interesse militar, o que fez com que o ramo da indústria se desenvolvesse significativamente.

Com o crescimento acelerado da população, as terras da zona rural começaram a ser

divididas em lotes para os trabalhadores de baixa renda, e na década de 1950, a falta de

habitações havia aumentado consideravelmente, e então uma série de leis exigiu a

regulamentação de novos bairros.

Os bairros foram se expandindo, seguindo a planta inicial, com ruas e quadras bem

delimitadas, o que permitiu que os bairros crescessem de forma simétrica, porém, como já foi

citado, por consequência de acidentes geográficos algumas áreas ficaram sem demarcação,

como foi o caso do Burgo e do bairro Marechal Floriano.

1.2.1 Formação do bairro Jardelino Ramos: primeiros núcleos de sub-habitação em

Caxias do Sul

O complexo habitacional Jardelino Ramos fica localizado em uma área irregular,

composto por três bairros, o bairro Jardelino Ramos, o Jardim América, e bairro São Vicente

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(não oficializado). O bairro Jardelino Ramos tem áreas de difícil acesso e comporta o

adensamento de casas. Esses locais são conhecidos popularmente como ―Burgo‖ e ―Buraco

Quente‖.

Machado (2001) afirma que o Burgo foi a primeira favela a se formar em Caxias, e

que trouxe consigo a miséria e a violência, sendo constantes no cotidiano do bairro crimes

como agressões e assassinatos, o que deu a localidade o apelido de ―Buraco Quente‖.

O bairro era visto como um local rejeitado pela cidade, associado à imoralidade, à

doença e à miséria. Ainda segundo Machado (2001), quando o Burgo começou a ser cercado

por outros loteamentos de classe média, o poder público municipal queria desocupar a área,

pois os moradores dos bairros dos arredores não queriam conviver com o lixo e o esgoto a céu

aberto. Porém, já com um número significativo de moradores, não foi possível desocupar a

área, forçando os órgãos municipais a tomar outras providências, como melhorar as condições

de vida dos moradores do bairro, oferecendo serviços como água tratada, saneamento básico e

distribuição de luz.

Ao longo dos anos, os moradores passaram a buscar a regularização de seus terrenos.

Os moradores buscavam a posse dos mesmos, alegando o direito da posse em decorrência do

tempo em que permaneciam ali.

O pedido feito pelos moradores tornou-se uma sentença judicial, na qual decidiu-se

que estes terrenos fossem de posse dos moradores e não do município.

Silva (2015) disserta sobre a terceira fase de crescimento urbano da cidade, e traz

questões como a situação econômica e política da época, que ajudam a explicar o surgimento

de loteamentos clandestinos e as grandes diferenças encontradas na cidade atualmente.

Silva (2015) aborda em sua dissertação a situação na qual se encontravam os

loteamentos clandestinos e como se deu a luta pela regularização destes locais na época.

Segundo o autor:

Esse período na história urbana [1972-1988] de Caxias do Sul pode ser considerado

como uma terceira fase do crescimento urbano, caracterizado por uma expansão em

manchas, com o surgimento de 256 loteamentos clandestinos. Este tipo de

loteamento foi taxado como um problema para a cidade, mas alternativas de

enfrentamento ao loteador clandestino não foram muitas e disponibilização de

alternativas aos loteamentos clandestinos para acesso da população de baixa renda

também não o serão. (SILVA, 2015, p. 74)

Em sua pesquisa, Silva (2015) faz um levantamento sobre núcleos de sub-habitação já

em 1968. A pesquisa registra que houve um aumento significativo no número de moradores

que viviam em loteamentos irregulares de 1968 a 1984, causado, segundo ele, pela

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desvalorização salarial do trabalhador. A população nestes núcleos de sub-habitação

aumentou de 2.000 (1968) para 21.300 (1984);

Em uma pesquisa feita por Zorzi (1968), exposta em um artigo denominado Elementos

para um Estudo de marginalização urbana em Caxias do Sul, o autor apresenta dados de

famílias que habitavam o bairro Jardelino Ramos na época. Segundo os dados residiam no

bairro 137 pessoas, que constituíam cerca de 245 famílias. Destas pessoas, apenas 40,5%

eram naturais de Caxias do Sul, 46% eram de outras cidades e 12,5% vinham de outros

estados. A pesquisa ainda afirma que 53% da população migrante veio a procura de emprego,

20% em busca de melhores condições de vida. A pesquisa ainda traz dados sobre o

saneamento do bairro na época, que era inexistente, e apenas 38,7% dos moradores tinham

água encanada, o que, por consequência, causou a morte de 57 crianças com menos de sete

anos e 116 registros de natimortos. (ZORZI apud SILVA, 2015, pág. 165).

Atualmente o bairro Jardelino Ramos é ainda um complexo habitacional de ocupação

irregular. Segundo Basso (2013), o bairro abriga cerca de 4.500 habitantes, a maioria

moradores de baixa renda e carente de inúmeros serviços básicos.

O bairro Jardelino Ramos é marcado pelo adensamento de casas, pelo aglomerado de

casas e pelos labirintos que se formam entre elas, os becos.

1.3 DEFINIÇÃO DE FAVELAS

A favela, segundo o dicionário Houaiss (2001), é um arbusto ou árvore, de nome

cientifico Jatropha phyllacantha, uma planta nativa brasileira, também conhecida por

faveleira, faveleiro ou mandioca-brava. Também é definida como conjunto de habitações

populares que utilizam materiais improvisados em sua construção tosca, e onde residem

pessoas de baixa renda. Pejorativamente, é descrita como lugar de mau aspecto; situação que

considera desagradável ou desorganizada.

A expressão Favela surgiu depois da campanha de Canudos1 quando os soldados que

habitavam um morro, coberto por esta planta chamada favela, ao voltarem ao Rio de Janeiro e

se instalarem com suas famílias no alto do morro da Providência, passaram a chamá-lo de

morro da Favela, por motivo de semelhança ou lembrança do morro de Canudos. Dessa forma

o nome Favela se generalizou para ―conjunto de habitações populares‖.

1 O conflito teve duração de 1896 a outubro de 1897.

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Para o IBGE, em uma definição técnica, a favela é classificada dessa forma:

Conjunto constituído por no mínimo 51 unidades habitacionais (barracos, casas

etc.), ocupando –ou tendo ocupado –até período recente, terreno de propriedade

alheia (pública ou particular); dispostas, em geral, de forma desordenada e densa; e

carentes, em sua maioria, de serviços públicos e essenciais. (IBGE, 2017).

Nigro (2007) acrescenta dizendo que não se define a favela através de um conceito

qualiquantitativo institucionalizado, mas sim por meio da busca do motivo que resultou neste

processo, ou seja, as origens do problema no processo de favelização (2007, p.71). Conforme

Nigro (2007), a definição de favela é um conceito que caracteriza favela não somente após a

sua existência, mas sim, no que se refere a sua, antecedência, no porquê, como e quando da

permissão do seu surgimento (2007, p. 72).

O autor ainda fundamenta sobre os riscos e problemas urbanos e sociais existentes nas

favelas, e sobre a vulnerabilidade desses lugares.

Uma favela representa e justifica a insustentabilidade e vulnerabilidade de um

sistema ambiental urbano devido ao crescimento desordenado que o invade,

causando rupturas sistêmicas e, por fim, desequilibrando-o e degenerando-o.

(NIGRO, 2007, p.71)

De forma geral, as favelas são marcadas pela ocupação ilegal do solo, pelo

adensamento de casas, por abrigar famílias de baixa renda, e pela falta de infraestrutura e

dificuldades nos serviços básicos como esgoto tratado, coleta de lixo e até mesmo água

potável.

Estas condições, a qual os moradores estão submetidos geram outros problemas, como

educação de baixa qualidade, a perda de identidade cultural, a desintegração e exclusão social,

o preconceito e a violência. Problemas estes que não surgem, nem se mantém apenas dentro

da favela, eles reflete para toda a sociedade, e ao mesmo tempo tem a sociedade como

responsável por eles. A favela apenas evidencia-os, por ter uma estrutura social não

consolidada.

Nigro (2007) fala desse estado de coisas, o qual se encontram as favelas, dizendo que:

Situação essa que exige uma reflexão responsável para que possamos lutar a favor

da minimização do crescimento da segregação, da exclusão social e da proliferação

das favelas que podem fazer de uma cidade uma grande ―neoplasia maligna‖, se não

atentarmos para o conjunto de fatores que interferem no processo de favelização em

municípios que, de forma induzida ou espontânea, crescem, mas não se

desenvolvem e por, assim tornaram-se suscetíveis, revelam toda a sua fragilidade e

incapacidade de enfrentar os seus problemas urbanísticos, ou seja, a sua própria

vulnerabilidade. ( NIGRO, 2007, p. 70)

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1.3.1 Marginalização social: imaginário e preconceito nas e com as favelas

Outro ponto importante é o imaginário social criado sobre a favela. Com o excesso de

informação que circula através dos meios de comunicação – redes sociais, televisão, rádio,

jornais – muitas ideias e formas de pensar se constroem e se modificam em meio à sociedade.

Por meio da mídia e pela sociedade, cria-se um ―imaginário social‖.

Mas o que são imaginários sociais? Segundo Reis (2007) ―O imaginário são as

representações simbólicas que dão significado à realidade expressando valores e formas de ser

de uma sociedade e de uma cidade‖. Já para Bronislaw Baczko (apud REIS, 2007, p. 06),

―através dos seus imaginários sociais, uma coletividade designa sua identidade; elabora certa

representação de si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e

impõe crenças comuns...‖. Ou seja, o autor afirma que o imaginário está ligado ao processo de

construção de um grupo social ou nação, e que esses imaginários comportam muitos valores,

crenças, simbologias, conceitos e ideologias. Para ele, o imaginário é sinônimo de

representação, ou está contido na representação. (BACZKO apud REIS, 2007, p. 06).

Para Naiff (2005) as favelas têm sido representadas nas mídias sendo associadas à

violência, e diante disso o pobre, o negro, o morador de favela e a própria favela em si ficam

no imaginário da sociedade como os legítimos representantes da violência e de tudo o que ela

significa. Naiff (2005) ainda argumenta que o ―temido marginal‖ se objetifica na figura do

pobre, negro e morador da favela.

A favela é vista como um local misterioso, e quem a vê de fora, enxerga a favela com

uma preconcepção já determinada sobre o que já ouviu falar, principalmente nas mídias. É o

que nos diz Reis (2007):

É comum alimentar curiosidades e especulações acerca do cotidiano dos que

habitam nesses lugares, capaz de conferir sentidos e resgatar sensibilidades em suas

ruas, vielas, becos e formas arquitetônicas, aos seus personagens e às sociabilidades

que nesse espaço se fazem presentes.

Da Matta (1997) ao falar dos espaços urbanos, e das relações sociais no Brasil,

também proporciona uma reflexão sobre como as periferias e zonas mais pobres das cidades

estão inseridas na realidade do Brasil.

O autor faz uma observação interessante ao dizer como o espaço urbano é marcado,

normalmente, por um monumento ou igreja, com a finalidade de estabelecer uma relação

hierárquica, entre um líder e o povo, e que muitas cidades se desenvolvem e se expandem a partir

e em volta destes locais emblemáticos. O autor ainda acrescenta dizendo que:

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[...] nossos espaços nem sempre são marcados pela eternidade. Há também espaços

transitórios e problemáticos que recebem um tratamento muito difere. Assim, tudo o

que está relacionado ao paradoxo, ao conflito ou à contradição como as regiões

pobres ou de meretrício - fica num espaço singular. Geralmente são regiões

periféricas ou escondidas por tapumes. Jamais são concebidas como espaços

permanentes ou estruturalmente complementares às áreas mais nobres da mesma

cidade, mas são sempre vistos como locais de transição: "zonas", "brejos",

"mangues" e "alagados". Locais liminares, onde a presença conjunta da terra e da

água marca um espaço físico confuso e necessariamente ambíguo.

(DAMATTA,1997, p.45)

1.4 OS BECOS NAS FAVELAS

O beco é uma consequência do processo de favelização, consequência da falta de

planejamento adequado das cidades, e são encontrados dentro destes espaços urbanos: as

favelas.

Segundo o dicionário Houaiss, beco é definido como rua estreita e curta, por vezes

sem saída; ruela; a palavra beco, no sentido figurado, é usada para expressar situação

desesperada, problema irremovível, circunstancia embaraçosa, dificuldade e aperto, mas

também tem sentido de desocupar, despejar, deixar o caminho livre; A etimologia da palavra

beco provém do Latim, oriundo de via, ―caminho, estrada‖ mais o sufixo ―ecu‖, formando

assim a palavra vieco, ou também veeco ou vêco, que significa ―rua pequena, estreita‖; porém,

por conta das suas variantes como a troca da letra v pela letra b ficou popularmente conhecido

como beco.

Os becos, então, são caminhos internos, uma passagem em meio às casas, que dão a

sensação de labirintos. As casas são construídas muitas vezes pelo próprio morador, sem o

auxilio de um profissional (engenheiro, ou arquiteto). Portanto a construção, reconstrução,

prolongamento das casas são constantes, conforme a família cresce ou as necessidades

mudam, e na maioria das vezes estes ―labirintos‖ se tornam cada vez mais estreitos pelo fato

dos moradores expandirem, ao longo do tempo, suas casas.

Pesavento (2009) e traz definições do termo beco, como um termo pejorativo:

Sem ser necessariamente uma viela ou rua sem saída, o "beco" é altamente

pejorativo, como palavra que designa um lugar. Enquanto visual, é uma rua pequena

e estreita, pelo que pode receber também a designação de "travessa". Mas a

"travessa" não comporta a carga pejorativa do "beco". A palavra beco abarca

sentidos mais amplos do que a rua de dimensões reduzidas. (PASAVENTO, 1999)

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O beco, de forma geral, é visto como um local sujo, mal iluminado, úmido, e que já

traz a característica das casas construídas em locais inadequados, ilegais, e mal projetadas.

Essa preconcepção dos becos acaba afetando também a imagem dos morados, que, muitas

vezes, são vistos como pessoas de má índole.

1.4.1 Os becos do bairro Jardelino Ramos: problemas recorrentes

Para compreender alguns dos problemas enfrentados pelos moradores do bairro

Jardelino Ramos, foram realizadas entrevistas com 4 moradores do bairro, identificados como

Renata Constante, Carmen Regina de Souza, Juliana Borges e Grasiele Ferreira.

As entrevistas foram feitas a partir de um formulário considerado ―fechado‖, aquele

em que as perguntas e objetivos estarão previamente determinados pelo entrevistador, ou seja,

houve um questionário com perguntas especificas. Ainda assim, foi dado espaço aos

moradores, ao final da entrevista, para que expressem seus pensamentos e ideias, tornando a

entrevista de caráter ―semi-aberto‖ (DALBEIRO, 2010, p. 209).

As entrevistas foram feitas a partir do questionário com a finalidade de colher dados

dos moradores e, assim, conseguir identificar alguns dos problemas que o bairro e seus becos

apresentam. As respostas foram gravadas em formato de áudio e, a partir de então, transcritas.

É importante ressaltar que, como autora não sou moradora do bairro, mesmo residindo

em Caxias do Sul. Conheci o bairro em 2009, através de uma amiga, que se mudou para o

local. Frequentei o bairro alguns anos, durante os finais de semana em que visitava essa

amiga.

A primeira entrevista foi feita com a moradora do bairro Carmen Regina de Souza2, de

57 anos. Carmen mora no beco denominado ―Beco 2‖, e cedeu entrevista no dia 22 de

setembro de 2017. Ao questionar Carmen se a moradora gosta de morar no bairro, ela

responde ―Adoro!‖, questiono novamente, perguntando ―Por quê?‖ E a resposta da moradora

foi a seguinte: ―Ah, eu gosto assim porque eu tenho amizades, eu gosto de todo mundo, a

gente se dá com todo mundo, então, eu gosto‖. Além disso, a moradora diz que mora no

bairro há 38 anos, e veio de Vacaria. A última pergunta feita a Carmen foi: ―Quais os pontos

positivos e negativos de morar neste local?‖ Segundo ela, os positivos seriam: ―o convívio,

me dou bem com as pessoas, a relação com as pessoas são boa, a gente não tem nada que se

2

Entrevista no Anexo A.

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queixar, né?‖ Questionei novamente sobre os pontos negativos e a moradora respondeu:

―nada, negativos nada.‖

A segunda pessoa a ser entrevistada foi Renata Constante Oliveira3, de 20 anos, ex-

moradora do bairro. Renata residiu no bairro durante oito anos. A entrevista também

aconteceu no dia 22 de setembro de 2017. Renata foi questionada se gostava de morar no

bairro ou se gostaria de morar em outro lugar, e respondeu que ―Gostava muito, por mim não

teria saído daqui, gosto bastante‖. Questionei o motivo do gostar, e ela respondeu ―É a

proximidade que todo mundo tem aqui, é todo mundo muito próximo, conhecido, por

exemplo, na época que eu estudava, tu não deixava de ver os colegas, os amigos, todo mundo

era vizinho, e também porque minha família inteira mora aqui‖

Questionei Renata sobre os pontos positivos e negativos de morar no bairro e sua

resposta foi:

Pontos positivos foi como eu falei, a proximidade de todos os moradores, a união

que todos têm, quando um precisa, todos ajudam, principalmente quando era pra

cuidar de crianças, como exemplo né, quando alguém precisava não tinha ninguém

que dizia ‗ah eu não vou cuidar‘, sempre tem alguém que fica, sempre um

protegendo o outro, e os pontos negativos, é aquela parte das pessoas que não são

tanto pelo bem, que acabam virando pro lado das drogas, enfim, bebidas, e a sujeira

também, o bairro acaba ficando um pouco sujo, porque não é todo mundo que tem

esse cuidado.‖ (OLIVEIRA, 2017)

Também questionei sobre a infraestrutura do bairro, e ela respondeu que ―Poderia

melhorar bastante; acho que fosse um pouco mais visto o bairro, não tão mal visto, na verdade

né, e fosse mais investido, pela prefeitura, enfim...‖

Renata ainda disse que os moradores do bairro acabam sofrendo preconceito apenas

por serem moradores do bairro, porque o bairro é mal visto em Caxias do Sul, por ser um

bairro de periferia.

Como última questão, expliquei sobre o propósito do trabalho, e perguntei se ela

acreditava que de alguma forma, expondo visualmente tais problemas, através da fotografia,

poderia ajudar de alguma forma os moradores do bairro, mobilizando algum órgão público

para que haja uma melhor prestação de serviço à comunidade, e segundo Renata:

Sim, com certeza, eu acho que pode ajudar sim, porque é sempre assim, se essas

pessoas conhecerem, alguns vão tentar entender melhor né, e tentar julgar menos, e

se um órgão publico tiver ajudando e quiser auxiliar nas escolas e escolinhas que

tem aqui, porque aqui também tem creche pra criança, aos moradores do bairro vai

ajudar bastante, mesmo que seja pouca coisa. (OLIVEIRA, 2017)

3

Entrevista no Anexo B.

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Ao final da entrevista com Renata Constante, uma moradora do bairro se aproximou,

dizendo que era perigoso ficarmos naquele local. Ao ver a máquina fotográfica, a moradora

pediu que eu a guardasse, pois poderíamos ser assaltadas e ainda nos aconselhou a não seguir

para certa parte do bairro, pois era uma parte mais perigosa. A conversa acabou se

estendendo, a moradora questionou de onde éramos e o que fazíamos ali. Após poucos

minutos de entrosamento questionei a moradora se podia entrevistá-la e ela aceitou.

Identificada como Juliana Borges4, 40 anos.

Perguntei à Juliana se ela gostava de morar no bairro e o porquê, e então me respondeu

que gostava, pois havia se criado ali, junto com a família que é toda do bairro. Questionei

também, quais eram os pontos positivos e negativos de se viver ali, com o intuito de estender

a entrevista, mas a moradora disse que era indiferente, que não existem pontos positivos ou

negativos e que ela apenas gosta de viver ali, gosta do bairro.

É importante ressaltar a contradição da última entrevistada, pois, ao mesmo tempo em

que ela nos aconselha a tomarmos cuidado, pelo perigo da área, a mesma diz que não há

pontos negativos no bairro. Seria isso efeito do não anonimato, que acaba interferindo nas

respostas, por estar de alguma forma expondo a pessoa entrevistada? Ou, fazendo uma ligação

com o que disseram as entrevistadas Carmen Regina e Renata Constante sobre a proximidade

dos moradores do bairro, ou seja, por ser moradora, Juliana não sofre com o perigo do bairro,

pois ela conhece todos os moradores do bairro, inclusive os que lhe trariam perigo?

Acredito que as duas coisas podem ser possíveis causas para a contradição da

moradora. Outro motivo no qual acredito, seria que eu, como uma desconhecida, e como uma

pessoa de fora do bairro, na visão dos moradores não sou ―confiável‖. Mesmo que com boas

intenções, e o trabalho tenha o intuito de trazer benefício aos moradores, talvez a minha

presença cause insegurança a estas pessoas. Se eu mobilizasse órgãos públicos, buscando a

melhoria das condições de vida dos moradores do bairro, eu poderia de certa forma prejudicá-

los. Como foi dito por todos os entrevistados, eles gostam do bairro, gostam de viver ali, e se,

o poder público resolvesse tirá-los de suas casas? E se os gatos de luz os beneficiam, e a

prefeitura acabasse com esse benefício? Assim, eu estaria os prejudicando.

A quarta entrevista foi feita no dia 27 de outubro de 2017, e a entrevistada foi Grasiele

Ferreira5, 22 anos. A moradora do bairro reside no local há 22 anos, e relata durante a

entrevista que os pontos positivos de morar no bairro é a localização do bairro que é próximo

4 Entrevista no Anexo C.

5 Entrevista no Anexo D.

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ao centro e também a comunidade que é acolhedora. Os pontos negativos, e segundo a

moradora o maior problema do bairro, são as drogas e a criminalidade. Quando pergunto a

ela, se ela vê alguma solução para esses problemas a moradora responde:

Hoje eu não vejo mais, até porque como a droga vem se alastrando, a polícia não

consegue mais dar conta né, então, eles fecham um lado e abre do outro, a

criminalidade e a droga vem tomando conta de tudo, não adianta né, então eu não

vejo mais solução pra isso. (FERREIRA, 2017).

Dessa forma, nota-se que problemas referentes a drogas e a criminalidade se

sobressaem a problemas estruturais urbanos.

Uma das entrevistadas, a qual não se pode identificar, ao final da entrevista, se sentiu

confortável em relatar alguns fatos fora da gravação, em uma conversa pessoal, por isso a

mesma não será identificada. A moradora confessa que não gosta de morar no bairro e que

permanece no local por familiares que se recusam a sair. Afirma que já não se sente segura de

morar no bairro e que pretende o quanto antes ir embora. Além disso, ela ainda comenta que

já sofreu preconceitos no trabalho, sendo alvo de piadas e também não foi contratada por

residir no bairro Jardelino Ramos.

Como forma de sintetizar as respostas das entrevistas, foi elaborado o quadro

comparativo abaixo que mostra alguns dados das pessoas entrevistadas e compara respostas,

visando simplificar à leitura do conteúdo destas entrevistas.

Figura 2 – Quadro Comparativo

Nome Idade Tempo que

reside no bairro

Pontos Positivos Pontos

negativos

Carmen Regina

de Souza

53 anos 38 anos Proximidade dos

moradores,

amizades, bom

convívio.

Não existem

pontos negativos

Renata

Constante

Oliveira

20 anos 08 anos Proximidade dos

moradores,

união e

colaboração

entre moradores.

Número elevado

de usuário de

drogas e sujeira

do bairro, pouca

estrutura do

bairro.

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Juliana Borges 40 anos 40 anos Não foi capaz de

apontar

Não foi capaz de

apontar

Grasiele Ferreira 22 anos 22 anos Proximidade do

bairro ao centro,

bairro

acolhedor.

Drogas,

criminalidade.

Fonte: Autora (2017).

É possível observar, a partir dos dados das entrevistas acima, que duas das moradoras

entrevistadas, sendo elas as de mais idade, não apontaram pontos negativos. Já as outras

entrevistadas, indicaram as drogas como principal problema que atinge o bairro. Ainda,

verifica-se que, duas de quatro moradoras destacam como pontos positivos a proximidade dos

moradores do bairro, e uma terceira entrevistada destaca o bairro como acolhedor.

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2 FOTOGRAFIA DOCUMENTAL

Desde sua invenção, a fotografia teve uma longa trajetória e inúmeros usos e funções.

A fotografia de cunho documental já foi muito discutida e ainda é muito debatida por

inúmeros autores, que buscam desvendar suas funções e sua importância.

Para esta pesquisa, a fotografia documental é fundamental, pois é a ferramenta de

denúncia dos problemas urbanos e sociais encontrados no bairro Jardelino Ramos.

2.1 DEFINIÇÃO DE FOTOGRAFIA DOCUMENTAL

Durante a história, a fotografia já foi considerada como uma representação fiel do real,

pela sua semelhança com a realidade e pela sua capacidade de manter detalhes e informações

da cena ou pessoa retratada. Desde sua invenção, a fotografia teve uma longa trajetória e

inúmeras formas de usos e funções. Uma dessas funções foi a de documento.

As imagens fotográficas foram tidas durante muitos anos como documento

propriamente dito, ligado à ideia de verdade, pelo fato de haver um entendimento de que a

fotografia era apenas um registro transparente feito pelo fotógrafo em conjunto com a

máquina fotográfica, com o intuito de retratar o real. Dubois (1990) reflete sobre essa

retrospectiva histórica do realismo fotográfico, e aponta três fases pelas quais a fotografia

passou com relação aos princípios de realidade que lhe eram atribuídos. Segundo o autor, esta

primeira fase é definida como a ―fotografia como espelho do real‖, na qual se acreditava que

há uma representação do real, dado a semelhança da foto com seu referente (DUBOIS, 1990,

p. 26).

Porém, com o passar do tempo, essa ideia da fotografia documento começou a ser

questionada e ocorrer o entendimento de que a fotografia passa por processos de

subjetividades.

Para Dubois (1990), esta segunda fase é chamada de ―a fotografia como transformação

do real‖, e nesta fase ocorre uma desconstrução da primeira ideia. Conforme o autor:

Com esforço tentou-se demonstrar que a imagem fotográfica não é um espelho

neutro, mas um instrumento de transposição, de analise, de interpretado e ate de

transformação do real, como a língua, por exemplo, e assim, também, culturalmente

codificada. (DUBOIS, 1990, p. 26)

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Apesar da fotografia não ser considerada como o registro do real, e a partir de então,

haver um entendimento sobre sua subjetividade, ela ainda é considerada como uma forma de

documento, de expressão, de transformação.

Por fim, a última fase citada por Dubois (1990) é a da fotografia ―como traço do real‖,

na qual o autor afirma que, mesmo após a desconstrução do ilusionismo da fotografia como

imitação do real e do entendimento da não objetividade da mesma, entende-se a fotografia

como índice, ou seja, é uma fase em que o entendimento da fotografia segue a semiótica

peirciana (de Charles Peirce: índice, ícone e signo). Portanto, o autor acredita que a fotografia

afirma a existência do seu referente, porém, nada diz sobre sua significação, porque os

significados da imagem fotográfica dependem do processo do ato fotográfico: o porquê de

fotografar determinado assunto, a escolha do equipamento, da exposição, do enquadramento,

e também depois, na escolha do formato, do papel, dos procedimentos químicos de revelação,

cópia, impressão, e de exposição.

Buscando um teórico mais recente, encontramos em André Rouillé a crítica às teses de

Philippe Dubois, bem como de outros teóricos anteriores ou do mesmo período de Dubois

(incluindo aqui o clássico ensaio d‘ A Câmara Clara, de Roland Barthes). Para Tessari (2013):

Rouillé acredita que a preocupação demasiada em relação à ontologia da imagem

fotográfica, praticada pelos autores da década de 1980, acabou sendo responsável

por produzir uma série de reduções em relação ao entendimento da fotografia e de

suas funções sociais. (TESSARI, 2013, p. 108)

Ou seja, por mais que estes autores tenham desenvolvido um conceito e teorias acerca

da fotografia, com muita influência da semiótica, pecaram na busca de um entendimento da

fotografia e suas funções e lugares sociais. A fotografia, além dessa basilar consideração de

registro, de índice, ícone, referência, ainda é documento, expressão, função e sensação

(ROUILLÉ, 2009, p.197).

2.1.1 A fotografia documento, fotografia-humanista e fotografia-humanitária

Ao dissertar sobre a fotografia documento, Rouillé (2009) explica que suas funções se

desenvolveram durante o século XIX, e que ocorreram em um período de industrialização e

modernidade, ligadas à metropolização das cidades, do crescimento da indústria, da crença na

máquina, no crescimento econômico. Assim, se pensava que se anulava a subjetividade da

fotografia. Este conceito, atrelado a ideia da máquina fotográfica, conceituava a fotografia.

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[...] como a imagem da sociedade industrial: aquela que a documenta com o máximo

de pertinência e de eficácia, que lhe serve de ferramenta, e que atualiza seus valores

essenciais. Do mesmo modo, para a fotografia, a sociedade industrial representa sua

condição de possibilidade, seu principal objeto e seu paradigma. (ROUILLÉ, 2009,

p. 29).

Depois de discutir sobre a fotografia documental, Rouillé (2009) disserta sobre uma

transição que ocorreu do documento-designação para o documento-expressão. Segundo o

autor, a fotografia documento entrou em crise, e esse declínio ocorreu por volta dos anos

1970, com o surgimento de outros meios de comunicação, mais avançados, como a televisão,

que passou a desempenhar o papel da fotografia documental. Dessa forma, ocorre o processo

de surgimento da fotografia-expressão.

A fotografia-expressão propõe uma valorização da visão do fotógrafo, o qual passa a

ser visto como alguém que recria a realidade e que a partir de uma assinatura visual, e de um

engajamento no olhar, agrega expressão para a fotografia.

A fotografia-expressão não recusa totalmente a finalidade documental e propõe

outras vias, aparentemente indiretas, de acesso às coisas, aos fatos, aos

acontecimentos. (ROUILLÉ, 2009, p.161).

Além destas considerações, Rouillé (2009) trata de uma questão essencial para esta

pesquisa, a conceituação da ―fotografia-humanista‖ e da ―fotografia-humanitária‖, dentro da

fotografia do gênero documental, e as difere.

O autor diz que do humanismo ao humanitário ocorre uma verdadeira inversão do

conteúdo das imagens. É uma importante questão a se discutir no decorrer da pesquisa, afinal,

o projeto fará uso da fotografia-humanista ou da fotografia-humanitária?

Segundo o autor, a fotografia-humanista apresenta em suas imagens o povo

trabalhando, lutando, em repouso ou em ação, ou seja, vivendo; enquanto a fotografia-

humanitária retrata os excluídos e vítimas da sociedade de consumo, os marginalizados

socialmente (2009, p. 146)

O trabalho aqui proposto faz uso dos dois gêneros da fotografia, tanto a fotografia-

humanista como também a humanitária, pois apesar de retratar vítimas e excluídos

socialmente, ainda busca trazer a questão do cotidiano e do dia-a-dia dos moradores do bairro.

O cotidiano, atrelada a situação das condições de vida das pessoas foi algo muito

registrado durante o fotodocumentarismo no início do século XX, e se faz presente também

neste trabalho.

De acordo com Martins (2008) se levarmos em conta que o cotidiano é o repetitivo e o

reprodutivo, o banal, mesmo com o surgimento das câmeras portáteis e de mais fácil acesso,

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pouco se tem de registros cotidianos, isso porque ―o usuário não profissional da máquina

fotográfica, o homem comum, fotografa na intenção de desbanalizar o banal [...]‖

(MARTINS, 1967, p.53)

Dessa forma, a fotografia se inere num imaginário social da ascensão social, e a

fotografia torna-se posada, montada, falsa. Segundo Martins (2008):

O trajar para ser fotografado, o traje do equipamento de identificação, cria para o

fotografado uma identidade domingueira, que tenta escapar do reprodutivo, que nega

o trabalho e afirma o ócio de quem vive do trabalho. (MARTINS, p.53, 2008)

A fotografia documental, como qualquer outro gênero da fotografia, não é uma

representação fiel do real, do verdadeiro. Nela existem traços do real, uma ligação entre a

fotografia e o seu referente, existem índices e signos, porém, como em qualquer fotografia,

existe a subjetividade. Há ainda a influência do fotógrafo em cada imagem, porque cada

fotógrafo tem um engajamento social e político diferente, tem vivências e ideologias

diferentes, está inserido em uma cultura, e faz escolhas, como enquadramento, ângulo, luz, o

equipamento que o difere de outros fotógrafos.

Seja de moda, de publicidade, de imprensa ou de família, seja ocupando a página de

um jornal ou de um álbum de família, o muro de uma cidade ou a parede de um

museu, pouco importa: suas leis essenciais são as mesmas. São as de uma máquina

singular, insensível à história, ao contexto, aos costumes (ROUILLÉ, 2009, p. 193)

A fotografia documental, ainda que trate de questões sociais, ainda que se trate da

fotografia humanista ou humanitária, recebe de diversas formas influências. E cada

observador lê e interpreta a imagem de uma forma diferente. Ou seja, há uma grande

subjetividade acerca da fotografia, não apenas a documental, mas de todos os gêneros

fotográficos.

2.2 O DOCUMENTARISMO SOCIAL NO SÉCULO XX

A década de 1930 foi um período em que a fotografia estava se consagrando

mundialmente como meio de comunicação, e que, conforme Júnior (2003), a crise econômica

de 1929 que atingiu os Estados Unidos, foi um dos fatores que contribuíram para

potencializar uma nova vertente fotográfica, a fotografia documental, também chamada de

foto-documentação social, ou fotodocumentarismo.

Já para Boni (2008), com o surgimento da fotografia, as funções desempenhadas por

desenhistas e gravuristas em expedições científicas e exploratórias, foram sendo substituídas e

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foram esses episódios que deram origens ao fotodocumentarismo. Rouillé ainda acrescenta

dizendo que:

A fotografia e o desenho não se equivalem. Enquanto a fotografia reproduz todo o

visível, visto ou não visto, sem seleção e sem perda (―tudo que é realmente visível

no objeto‖), o desenhista representa apenas um aspecto restrito: o que ele consegue

perceber (―a ideia mais ou menos completa do que ele formou da coisa‖), o que ele

quer reter (―o que o próprio autor viu e quis representar‖). (ROUILLÉ, 2009, p. 41)

O fotodocumentarismo tem o objetivo de denunciar e abordar temas relacionados ao

ser humano e seu ambiente. As fotografias de viés documental têm uma importância

fundamental, pois é a partir delas que se tem conhecimento sobre muitos acontecimentos que

ocorrem no mundo, como guerras, desastres ambientais, a pobreza, miséria, intolerância

religiosa e racial, além de mobilizar e conscientizar grande parte da sociedade para que se

busque uma solução. De acordo com Boni (2008):

O fotodocumentarismo de denúncia social retrata temas relacionados com o ser

humano e seu ambiente, aponta e denuncia problemas de origem social.

Normalmente explora mazelas que afetam a sociedade, como fome, conflitos étnicos

e religiosos, desigualdade social e guerras. Ao propiciar que o mundo tome

conhecimento dessas distorções, contribui para que pessoas possam agir e modificar

fatos e realidades. (Boni, 2008, p. 02)

Os fotógrafos, durante a história da fotografia, buscaram retratar o mundo de forma

social, e cada fotógrafo tinha interesses diferentes no momento de fotografar, que variava do

cotidiano, a fotografar lugares exóticos e distantes. Porém, a partir dos últimos anos do século

XIX, essa concepção de fotografia tomou um rumo diferente por parte de grande parte dos

fotógrafos: o registro das condições sociais, o ―retrato social‖, ou seja, a fotografia

documental. Dentre esses fotógrafos, destacamos: Lewis Hine (1874-1940), Jacob Riis (1849-

1914), Dorothea Lange (1895-1965), Walker Evans (1903-1975), Vivian Maier (1926-2009),

Sebastião Salgado (1944).

2.2.1 Lewis Hine

Lewis Hine (1874-1940) é considerado um dos pioneiros da fotografia documental.

Iniciou seu trabalho como fotógrafo em 1905, na cidade de Nova Iorque. Inicialmente,

registrou a chegada dos imigrantes europeus e o fotógrafo também procurava registrar as

condições de vidas das classes trabalhadoras da época.

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Hine buscava usar a fotografia como forma de denúncia, expondo a miséria dos

imigrantes europeus, que em sua maior parte era composta por crianças. Conforme Fabris

(2010), Hine

Não pretendia com isso chocar ou amedrontar as classes para quem as imagens se

destinavam, certamente aquela de leitores privilegiados, que tinham acesso a jornais

e revistas ilustradas da época, mas retratar os trabalhadores norte-americanos em seu

habitat, de maneira ―distanciada‖, ―objetiva‖, frequentemente com utilização de

alguma legenda para as imagens. (2010, p. 156)

Fabris (2010) ainda faz uma comparação da fotografia documental e a fotografia

artística, fazendo um comparativo entre as fotografias de Lewis Hine e Alfred Stieglitz,

durante o início do século XX em Nova York.

Fabris (2010), ao fazer esta comparação aborda características da fotografia

documental de Hine, e sobre o que o fotógrafo considerava ser de cunho documental, o que o

diferenciava de fotógrafos pictorialistas.

Hine era assim a procura de evidências nos autos de um processo, uma prova de

injustiça social, mas também o registro das possibilidades e condições de

sobrevivência de indivíduos em situações sociais das mais adversas. (2010, p.160).

Para Hine, qualquer regra estética vinda do universo da arte não se aplicava ao seu

trabalho, pois, para ele, o que importava era o entendimento e a representação da vida dos

trabalhadores e essas condições de vida a qual estavam sujeitos.

O fotógrafo ainda se dedicava a registrar o trabalho infantil e a jornada de trabalho nas

fábricas da época, que eram extensivas, e as condições de trabalho eram péssimas. Muitas

doenças atingiam os trabalhadores, causadas pelo lixo, pela falta de equipamentos adequados,

pelas longas jornadas de trabalho, pela falta de alimentação correta.

A partir do trabalho de Hine, além de suas fotografias, mas também artigos que

produziu como forma de denunciar a situação dos trabalhadores, conseguiu mobilizar a

sociedade e fez com que providências fossem tomadas. Segundo Boni (2008):

Lewis Hine foi, provavelmente, o maior expoente do início do fotodocumentarismo

de denúncia social. Suas obras contribuíram para modificar as condições de trabalho

e criar leis trabalhistas nos Estados Unidos. Consequentemente, possibilitaram

melhorias na condição de vida de milhares de indigentes, que, acreditava, eram

corajosos trabalhadores que poderiam elevar sua condição social com tratamento

mais adequado por parte de seus empregadores. (Boni, 2008, p.14)

Na maioria de suas fotografias Hine optava por retratar pessoas e crianças em seus

ambientes, o que realçava o isolamento de cada indivíduo, uma forma de tocar

emocionalmente o observador. Uma das fotografias mais conhecidas de Lewis Hine é a da

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jovem Sadie Pfeifer, trabalhando em um tear em uma indústria têxtil localizada em Carolina

do Norte (EUA). Nesta fotografia, Hine faz o gesto de se abaixar para conferir dignidade a

retratada, pois se a fotografasse acima da altura dos seus olhos a estaria diminuindo. Nota-se

que a criança está de costas para a janela, como se estivesse de costas para o mundo e de

frente para a máquina, como se estivesse destinada a isso por muito tempo. A menina

representa a classe trabalhadora, o ser humano que é obrigado a trabalhar, e se submete a

isso.

Figura 3 - Sadie Pfeifer, a Cotton Mill Spinner – 1908

Fonte: Hine (1908).

Outra fotografia de Hine exemplifica bem o seu trabalho. A imagem representa a

pobreza da época, a situação a qual a população se encontrava. A criança deitada no chão nos

remete a um sono profundo e tranquilo, mesmo que na rua, uma criança inocente, que ainda

não entende a condição em que se encontra o país, em oposição a ela, um homem sentado,

com a mão no rosto como se estivesse pensando, ele é a representação da preocupação, da

aflição.6

6

Outras imagens produzidas por Lewis Hine podem ser vistas no endereço eletrônico:

http://www.historyplace.com/unitedstates/childlabor/.

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Figura 4 - This Is as near the Ocean as This Baby Gets - 1910

Fonte: The History Place (2016).

Hine também foi funcionário da do NCLC (Comitê Nacional do Trabalho Infantil), de

1906 a 1908. O NCLC foi uma fundação que visava dar apoio às crianças que eram

exploradas no mundo de trabalho. Ele trabalhou como fotógrafo investigativo e produziu

muitos artigos com o intuito de denunciar a exploração infantil. Durante esse período,

publicou dois livros: Child Labour in the Carolinas (1909) e Day Laborers Before Their

Time (1909).

Com suas fotografias Hine conseguiu fazer esta denúncia de exploração de trabalho

infantil e seu objetivo era proporcionar às crianças escola e lazer, e atingiu seu objetivo por

meio das fotografias, que acabaram sendo essenciais para a criação de leis trabalhistas que

regulavam o trabalho infantil.

2. 2. 2 Jacob Riis

Jacob Riis (1849-1914) foi um fotógrafo norte americano, outro dos pioneiros da

fotografia documental. Fotografava as regiões mais pobres de Nova Iorque, buscando

denunciar as condições de vida dos mais necessitados, principalmente de imigrantes latinos,

que viviam em cortiços e em péssimas condições de higiene. O fotógrafo atuou entre os anos

de 1877 a 1900.

Como era repórter, Riis sempre foi engajado em causas sociais, e a profissão permitia

um maior contato com a miséria, e ele sentia necessidade de mostrar, por meio da fotografia,

às classes mais altas essa miséria, a pobreza, a violência que enfrentava a classe trabalhadora.

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Segundo Boni (2008), Riis publicou livros e artigos, deu palestras, para tentar

mobilizar e despertar a população, e começou a fotografar, pois precisava de imagens que

ilustrassem seus artigos e livros. Conforme Boni (2008):

Buscou – e conseguiu – ajudá-los. A sociedade se mobilizou e exigiu das

autoridades providências para amenizar as dificuldades dessa população. Diversos

conjuntos residenciais foram construídos, com infra-estrutura, luz e saneamento

básico, além de parques e áreas de lazer. (Boni, 2008, p. 07)

Suas fotografias, que registravam o cotidiano dos bairros pobres, tinham a intenção de

chocar, de expor, de denunciar a situação em que se encontravam as pessoas mais pobres, a

precariedade do local em que viviam das condições as quais estavam submetidas. Como suas

imagens eram monocromáticas, aumentavam a carga de dramaticidade do seu trabalho.

Uma de suas imagens mais significativas, e que retrata estes bairros mais pobres e

insalubres, as condições precárias das casas e dos lugares em si, foi a Bandits' Roost, 59 1/2

Mulberry Street (figura 5), que revela as péssimas condições de vida e de miséria, vivida

pelos imigrantes. 7

Figura 5 - Bandits' Roost, 59 1/2 Mulberry Street (1988)

Fonte: Moma (2017)

Por meio das fotografias e de seus textos, Riis ajudou a melhorar a vida de muitos

trabalhadores de classe baixa e excluídos socialmente. Foi a partir dele que a fotografia

passou a ser reconhecida como influente e não apenas ter funções decorativas.

7 Outras imagens produzidas por Jacob Riss podem ser vistas no endereço eletrônico:

https://www.moma.org/artists/4928

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2.2.3 Dorothea Lange e Walker Evans: Farm Security Administration

Com a intensa crise de 1929, que se instalou nos Estados Unidos no período, e gerou

muitas mudanças que sociais atingiram o país. O número de indústrias cresceu gradativamente

e as atividades agrícolas deixaram de ser a principal fonte de renda do país. Dessa forma, os

imigrantes acabaram sendo atraídos para as cidades, buscando emprego na indústria, o que

aumentou o número da população urbana.

Como forma de amenizar as consequências da crise, foram criadas diversas

instituições e corporações governamentais, dentre elas se destaca a Farm Security

Administration, que foi um organismo criado no ano de 1937. A FSA tinha o intuito de acabar

com a pobreza rural americana. Alguns fotógrafos e escritores foram contratados para mostrar

à sociedade e o governo as condições pelas quais a população rural do país passava. Muitos

fotógrafos deste período foram incentivados pela FSA, dentre eles estavam Dorothea Lange e

também Walker Evans.

Dorothea Lange foi uma fotógrafa norte americana que registrou a cidade de Nova

York durante a Grande Depressão. Seus retratos ficaram conhecidos por humanizar as

consequências da Crise de 1929.

Segundo Bosi (2015), Lange procurava contar uma história através de suas fotografias

e recebia influencia indireta da fotografia documental, características exercidas por Lewis

Hine.

Ainda de acordo com Bosi (2015), Dorothea tentava capturar uma realidade que

revelasse temas e sentimentos, que a fotógrafa era cautelosa, se aproximava das pessoas e dos

cenários cuidadosamente, para então conseguir a série de fotografias desejada. Era este roteiro

que guiou a construção das suas narrativas fotográficas.

A fotógrafa foi muito influente na época, Além de ter trabalhado para a Farm Security

Administration (FSA), também foi convidada por Ansel Adams para ingressar no primeiro

departamento de fotografia artística da Califórnia, a School of Fine Arts, além de de ser a

cofundadora da revista Aperture, em 1952.

Lange fotografava o sofrimento e a pobreza pela qual passava seu país naquele

momento. Fotografou, principalmente, as famílias rurais mais pobres e trabalhadores

imigrantes.

Na imagem abaixo (figura 6), Lange registrou o campo de trabalhadores migrantes em

Marysville, Califórnia. Pode-se ver a situação em que viviam os migrantes na época, a

condição precária das casas, o lixo acumulado, a sujeira dos locais.

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Os migrantes que vivam nestes locais foram retirados e a partir de um programa de

reassentamento foram realocadas em novos campos com uma qualidade de vida mínima, que

contava com saneamento básico.8

Figura 6 - Grapes of Wrath Hooverville (1937)

Fonte: The History Place (2012)

Walker Evans foi um fotógrafo também norte americano, que teve uma longa carreira

como fotógrafo, e suas fotografias eram voltadas a registrar o cotidiano e a realidade social

americana, principalmente durante os anos de 1930. Ele foi contratado pela Farm Security

Administration em 1935, e trabalhou até 1938 na agência, como fotógrafo documental.

Evans foi o primeiro fotógrafo a expor no Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova

York, em 1938. Publicou um livro, hoje considerado um dos clássicos da fotografia

documental Let us now praise famous men (1941), que produziu durante a Crise de 1929,

enquanto era fotógrafo FSA. Durante seu trabalho para a FSA, Evans usava na maior parte do

tempo uma câmera de grande formato de 8 x 10 polegadas. Em 1965, ele já havia se tornado

professor de fotografia na Yale School of Art.

Nesta fotografia (figura 7) de Evans, é possível notar que a fotografia foi feita em

ambiente urbano, e nela três homens se encontram próximos uns dos outros, mas, ao mesmo

tempo parecem muito distantes e desconectados. O homens tem aparência de cansado e

demonstram certa desolação (no momento de crise pelo qual o país passava). 9

8 Outras imagens produzidas por Dorothea Lange podem ser vistas no endereço eletrônico:

http://www.historyplace.com/unitedstates/lange/index.html

9 Outras imagens produzidas por Walker Evans podem ser vistas no endereço eletrônico:

https://www.moma.org/artists/1777

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Figura 7 - South Street, New York (1932)

Fonte: Moma (2017)

Evans e Lange foram fotógrafos que se dedicaram a documentar por meio da

fotografia a vida cotidiana dos E.U.A. durante a Grande Depressão e se tornaram influentes e

com certeza grandes referências no mundo da fotografia. Ajudaram, por meio da fotografia a

melhorar a vida destas pessoas e não apenas isso, ajudaram a denunciar a situação em que se

encontravam essas pessoas em meio à crise.

2.2.4 Vivian Maier

Outra referência para a construção das imagens é Vivian Maier, uma fotógrafa norte-

americana que, ao longo de 40 anos, produziu imagens (1950-1990) voltadas a registrar o

cotidiano das ruas da cidade de Nova York. Vivian buscou trazer para suas imagens temas

sociais. Ao total, foram mais 150 mil fotografias registradas com sua Rolleiflex.

O trabalho da fotógrafa só foi descoberto recentemente, quando o pesquisador John

Maloof adquiriu o acervo da fotógrafa em um leilão por US$ 400 e investiu na digitalização e

publicação das imagens, trazendo ao conhecimento do público, críticos e pesquisadores, a

relevante produção de Maier.

Pouco ainda se sabe sobre sua história, pelo descobrimento tão recente do seu

trabalho. Sabe-se que Maier fez milhares de fotografias durante sua vida e não as

compartilhou com ninguém.

Além de fotografias, Maier ainda deixou uma série de filmes caseiros e gravações de

áudio. Para Maloof, a produção de Vivian ficou em segundo plano, provocada por uma

combinação de intensa privacidade e falta de confiança da fotógrafa. (Maloof, 2011, p. 5)

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Em uma entrevista para a LensCulture, Anne Morin, curadora da exposição "Vivian

Maier: A Photo Revelation", conta que Vivian tinha tendência a fotografar a periferia, os

bairros pobres:

Ela passou a maior parte do tempo em bairros pobres, fotografando pessoas como

ela - pessoas fora da sociedade, fora do estabelecimento, na borda. Existe uma

forte conexão entre ela e seu assunto. Parece que há uma qualidade semelhante a

um espelho em todos os seus retratos dessas pessoas, como se estivesse presente

em todas as suas fotografias. (MORIN, 2014).

A fotógrafa produziu também uma extensa série de autorretratos nas ruas de Nova

York, em superfícies reflexivas, espelhos, vitrines, etc., que se tornou uma das fortes marcas

do seu trabalho.

Segundo Dyer (2011), um dos aspectos encontrados no trabalho de Maier e a relação

entre seu estilo fotográfico e sua situação social. Costumava fotografar os bairros mais pobres

e mais simples. Em retratos femininos, retrata mulheres que lembram a si mesmo: oprimidas,

pouco confiantes e frustradas.

Nesta fotografia (figura 8), é possível ver a simplicidade de um bairro pobre através

das crianças, (que brincam na rua), com roupas simples e não com brinquedos de verdades,

com pedaços de madeira e um caixa. Vivian retrata isso, porque se se enxerga de alguma

forma na cena que retratou.10

10

Outras imagens produzidas por Viviam Maier podem ser vistas no endereço eletrônico:

http://www.vivianmaier.com/

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40

Figura 8 - Sem título

Fonte: Maier (sem data).

2.2.5 Sebastião Salgado

Sebastião Salgado é um fotógrafo brasileiro, formado em economia pela Universidade

do Espírito Santo, que iniciou na fotografia em 1973, quando começou a trabalhar como

repórter fotográfico na Europa. É atualmente é um dos grandes nomes da fotografia

documental. Dedicou-se a fotografar as condições humanas, os marginalizados e excluídos

socialmente.

A maioria das fotografias de Salgado são monocromáticas, porque ele afirma que a cor

pode ser uma distração. Para Lowe (2017), o trabalho de Salgado é marcado por maestria e

luz, e que o fotógrafo consegue dar uma sensação tridimensional em suas imagens, usando

luzes laterais e contraluzes. (2017, p. 219)

Segundo Júnior (2013) as imagens produzidas por Salgado em sua obra Êxodos, que

tata dos migrantes e refugiados, denunciam fortemente os efeitos cruéis da globalização e a

tragédia dos miseráveis. 1

Segundo Moraes (1999)

Diversos críticos escreveram sobre Salgado e seu trabalho obstinado de retratar o

homem e seu ambiente. Diversos prêmios foram-lhe concedidos pela enormidade de

suas imagens. Sua produção engloba muitas exposições através do planeta e vários

livros igualmente premiados. (MORAES, 1999, p. 46)

Porém, a principal série que inspira o trabalho é Terra, com fotografias produzidas

durante os anos 1980 e 1996, no Brasil. Esta coleção composta de 137 fotografias que

registraram as lutas sociais no Brasil, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

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Terra (MST). A relação da série Terra com a pesquisa se dá ao retratar as condições de vida e

cotidiano dos menos favorecidos e a busca incessante por melhores condições de vida.

Segundo Mauad (2008), em uma análise sobre a obra Terra, Salgado elegeu alguns temas para

delimitar os campos de significação e esses temas são: Gente da Terra (22 fotos),

Trabalhadores da Terra (20 fotos), Força da vida (20 fotos), Migrações para as cidades (16

fotos) e A luta pela terra (31 fotos). (MAUAD, 2008, p. 45)

O livro de Salgado, Terra, apresenta a visão do fotógrafo em relação a questão agrária

brasileira e em suas imagens retratam a luta dos trabalhadores rurais. Em uma análise das

imagens de Salgado, Júnior (2013), destaca a força a das imagens que são visíveis em

expressões, nas foices e machados dos trabalhadores.

[...] na imagem derradeira do livro11

, milhares de trabalhadores marcham sobre uma

porteira, que até então, era o último empecilho físico, para os que acabavam de

restaurar as esperanças. (JÚNIOR, 2013, p.28)

Figura 9 - Fotografia da série Terra

Fonte: Salgado (1997)

Nesta imagem, podemos destacar a figura masculina, que não apenas nesta fotografia,

mas esta presente em toda a obra. O mundo rural ainda pertence ao homem e foi assim que

este foi representado. É possível também enfatizar o caráter positivo da imagem, de luta, de

homens trabalhando e buscando conquistar seu espaço honestamente. Salgado procura

humanizar cada pessoa, cada homem, registrando as condições de vida, o cotidiano, os

conflitos e a luta pela conquista.12

Ao final do livro, a última fotografia (figura 9) é legendada:

Ante a inexistência de reação por parte do pequeno exército do latifúndio, os

homens da vanguarda arrebentam o cadeado e a porteira se escancara; entram; atrás

o rio de camponeses se põe novamente em movimento; foices, enxadas e bandeiras

11

Figura 9. 12

Outras imagens produzidas por Sebastião Salgado podem ser vistas no livro Terra (1997).

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se erguem na avalanche incontida das esperanças nesse reencontro com a vida — e o

grito reprimido do povo sem-terra ecoa uníssono na claridade do novo dia:

REFORMA AGRÁRIA, UMA LUTA DE TODOS! (SALGADO, 1997, p.143)

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3 SÉRIE FOTOGRÁFICA UM BECO SEM SAÍDA

A série fotográfica Um Beco sem Saída busca mostrar em suas imagens a relação dos

moradores com o local onde residem, procurando evidenciar problemas recorrentes do bairro.

As fotografias ainda receberam muitas influências de fotógrafos de cunho documental e

social, entre eles Sebastião Salgado, Jacob Riis, Dorothea Lange, Lewis Hine e Vivian Maier.

A série foi produzida durante três meses, de setembro de 2017 a novembro de 2017, e

conta com fotografias do ano de 2016 – quando o projeto inicial sobre a fotografia de becos

começou –, em uma área do bairro Jardelino Ramos que comporta o adensamento de casas.

Foram registradas as fotografias no beco número 1, próximo ao Centro Espírita

Jardelino Ramos; o beco número 2, aquele que inicia na Rua Assis Brasil e termina na Av.

Barão Santo Ângelo; o beco número 3, que se inicia Av. Barão Santo Ângelo e não tem saída.

E uma área delimitada de número 4 que não pode ter seus becos marcados, pois não é possível

defini-los a partir da imagem de satélite, uma área e comporta muitas escadarias em meio em

casas e becos ainda mais estreitos.

Figura 10 - Bairro Jardelino Ramos, locais fotografados.

Fonte: Print Screen Google Maps, imagens de satélite.

O equipamento utilizado para registrar as imagens foi uma Canon T5i, lente 18-55mm,

em formato RAW. As imagens, por conta do formato, foram registradas coloridas e, durante a

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pós-produção, foram modificadas para preto e branco. O software utilizado para edição das

fotografias foi o Adobe Lightroom.

Por meio da estética monocromática, é possível realçar as linhas e as formas que

compõe as fotografias, trabalhar contrastes e sombras e o enquadramento. Segundo Puls

(2016, p.2): ―as fotos em preto e branco em geral parecem mais dramáticas e mais trágicas

que as fotos coloridas‖. O autor complementa dizendo que, nas fotos preto e branco, se

destacam a oposição de dois termos antagônicos, a luz e a treva, o bem e o mal, a vida e a

morte; o que não acontece com imagens coloridas, pois as cores não se opões, só registram a

diferença entre múltiplos termos. Ainda conforme o autor:

Em certo sentido, a foto colorida se apresenta como uma abordagem mais ―neutra‖

diante do mundo – como um retrato mais ―objetivo‖ da realidade. Elas reproduzem

a aparência das coisas da forma mais exata, ao passo que as imagens em preto e

branco produzem um efeito de estranhamento que visa destacar a essência do real.

(PULS, 2016, p.03).

A escolha do tema deste trabalho de conclusão de curso se deu no ano de 2016,

motivado por uma visita feita ao bairro, a primeira vez em 2009. Esta primeira visita, em um

ambiente desconhecido, aguçou minha percepção sobre o lugar, que era tão diferente do qual

eu vivia. Assim, o que era desconhecido tornou-se impactante e instigante.

Quando frequentamos um local, quando no nosso cotidiano percorremos trajetos

repetitivos, nossa percepção visual sobre tais ambientes se sistematizam, e os elementos que

compõem estes espaços, como a luz, cores, cheiros, formas, acabam tornando-se automáticos,

e essas sensações não são percebidas. Porém, e segundo coloca Monteiro (2000) na sua

proposta metodológica de fotografia, intitulada ―Teoria dos Universos Circundantes‖, ―nosso

potencial de percepção aguça-se e se coloca em alerta quando deparamos com situações

diferentes em universos ou espaços desconhecidos‖ (2000, p.4).

Monteiro (2000) disserta sobre a ―primeira impressão‖ que temos de determinado

espaço, que seria a analogia que fazemos com elementos presentes em um espaço

desconhecido, que são similares ao que já vimos ou vivenciamos, e que reconhecemos mesmo

que inconscientemente em frações de segundos. Conforme o autor, essas memorizações e

lembranças ocorrem com frequência, no nosso dia-a-dia, e por isso não damos tanta

importância a esses elementos. Porém, essa situação se inverte quando conhecemos um lugar

novo, e nossa percepção torna-se mais sensível e crítica:

Em suma, nosso grau de percepção espacial está intimamente ligado à curiosidade

objetiva ou subjetiva, proporcionada pela procura instintiva ou induzida de

elementos de conhecimento e reconhecimento encontrados em outros universos

visitados, e suas comparações com nossos universos referenciais, ou vice e versa,

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também como pela maneira com que nos estruturamos como sujeitos em nossos

espaços ou universos circundantes. (MONTEIRO, 2000, p. 5)

O fotógrafo, como observador, quando se encontra nesse posicionamento, mesmo sem

o equipamento fotográfico, é mais critico, e tem a percepção apurada. Para Monteiro (2000),

―a fotografia é um instrumento adicional de contemplação, registro, memorização, e análise‖

e, portanto, nesse aspecto, é uma forma de suporte e extensão do olhar, que está diretamente

ligada às percepções do homem com seu meio, em relação a conhecimentos,

reconhecimentos, memorizações e crítica dos assuntos e situações que ocorrem ou já

ocorreram tanto nos universos que o circundam, quanto no de outros (MONTEIRO 2000, p.

06)

Conforme Monteiro (2000), a ―Teoria dos Universos Circundantes‖, em parte descrita

acima, é composta por um espectador ou um observador, que pode estar parado ou em

movimento, que está atento ao universo que o rodeia e que está inserido em um espaço onde

seu ponto de vista se relaciona com os elementos deste ambiente, que são referentes a uma

realidade momentânea e física: ―Partindo dos limiares de suas percepções sensoriais, o sujeito

se torna assim o epicentro de seus universos circundantes.‖ (Monteiro, 2000, p. 07).

Para Monteiro (2000) existem quatro tipos de universos circundantes: o Micro

Universo ou Universo Íntimo, o Universo Detalhista, o Universo Intermediário e o Universo

Geográfico ou Infinito. Esses universos são predefinidos a partir das perspectivas de

identificação do individuo enquanto epicentro dos universos circundantes.

O Micro Universo é designado como um universo corpóreo, e que se situa em torno de

12cm do olho do fotógrafo. É utilizado principalmente para estudos de estruturas de superfície

e morfologia.

O Universo detalhista tem foco mínimo de visão de aproximadamente 12cm até em

torno de 1,5m de distância do indivíduo. Encontra-se em um universo de contemplação e é

utilizado para leitura e memorização.

Já o Universo Intermediário se estende de 1,5m até mais ou menos 30m de distância

do observador. É um espaço de sociabilidade, movimentação, conhecimentos e

reconhecimentos, em que o fotógrafo escolhe assunto de aproximação. É caracterizado

principalmente pelo referencial do cotidiano e de averiguação.

O Universo Geográfico tem sua área inicial a partir de 30m do individuo, e é o espaço

onde se apresentam o referencial geográfico amplo.

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Como forma de exemplificar a relação do fotógrafo, como o centro de observação e

registro de determinados assuntos e elementos, Monteiro (2000) apresenta o quadro a seguir:

Figura 11 - Universos Circundantes

Fonte: MONTEIRO 2000, p. 09

O autor ainda faz um quadro em que relaciona as objetivas fotográficas com o

universo de atuação, pois a distância focal e o corte de cena que cada objetiva produz se

enquadra em diferentes universos circundantes, além de relacionar o estágio psicológico de

percepção e o estágio comportamental do indivíduo como epicentro do universo circundante

escolhido por ele:

Figura 12 - Relação do Sistema dos Universos Circundantes

Fonte: MONTEIRO, 2000, p. 11

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Ao realizar as fotografias, dentro da Teoria dos Universos Circundantes, me coloquei

na posição de fotografar dentro de um universo intermediário e também do universo

geográfico.

No universo Intermediário, por ser uma pessoa de fora do bairro, me coloquei em uma

posição de descoberta e de entendimento de um local em que não vivo. Estava em maior parte

em movimento, e as pessoas que por ali passavam também. Foram momentos em que pude

estudar os elementos ao redor de mim. As pessoas, as casas, o ambiente em si, buscando

enxergar os problemas que acometem os moradores. Escolhi determinados assuntos dos quais

me aproximei para fotografar, e também os que não deveria me aproximar. Mantive certa

distância das pessoas a serem fotografadas, pois por ser de fora do bairro me sentia como

alguém que estava invadindo um espaço que não era meu, e ao me aproximar ainda mais das

pessoas o sentimento invasivo só aumentava.

No Universo Geográfico, o intuito foi o de contextualizar o bairro na cidade de Caxias

do Sul e dar proporção ao bairro, mostrando o tamanho do mesmo. Foram feitas fotografias

com maior distância focal, e a mais de 30 metros do local.

Como em ambas as situações foi utilizada uma lente zoom, as imagens tiveram

variações de distância focal de 18mm a 55mm, o que as enquadra no Universo Intermediário e

também no Universo Geográfico.

A seguir, apresenta-se a série fotográfica, dividida pelos becos anteriormente

referidos. É feita uma descrição das fotografias a partir da própria experiência da autora no

momento da captura da imagem.

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3.1 BECO 1

Figura 13 - Beco 1

Fonte: Autora (2016)

A imagem acima foi registrada no Beco 1, durante o primeiro semestre de 2016, uma

das fotografias feitas para o projeto inicial, que deu início a este trabalho. Nela destacaria o

chão de paralelepípedo e largura do beco. Neste beco é possível ver a entrada de carros, e tem

acesso mais fácil. É possível notar uma incidência de sol maior em relação aos outros becos

do bairro, e a limpeza do local, que em comparação aos outros locais, não se encontra sujeira

no chão. Nesta cena procurou-se usar a regra dos terços para compor melhor a imagem e

tornar a imagem mais equilibrada, como também alto contraste de luz e sombra na cena que

deixam a imagem mais impactante e dramática.

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3.2 BECO 2

Figura 14 – Beco 2

Fonte: Autora (2017)

Esta imagem foi uma das primeiras registradas no dia 14 se setembro. Este homem

havia saído de um mercado que se encontra no meio do beco e o fotografei de costas. Um

homem simpático cumprimentou-me e logo saiu. Depois de fotografá-lo de costas, o homem

parou, voltou até mim e me questionou o motivo de estar fotografando ele e o local.

Expliquei-lhe o intuito do trabalho e ele demonstrou interesse, mas logo se despediu e saiu.

Nesta imagem, busquei mostrar as dimensões do local em relação ao homem. Mostrando um

beco estreito e também úmido, como pode-se notar pelo chão e paredes na lateral direita. As

linhas do beco também dão direção à imagem e ao indivíduo da fotografia, dando a sensação

de caminho.

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Figura 15 – Beco 2

Fonte: Autora (2017)

A imagem acima foi feita no dia 14 de setembro de 2017. Transmite a mim uma

simplicidade, aliada a ingenuidade da criança, que brinca no beco sem preocupação. Essa

ingenuidade, a meu ver, se opõe as características do local em que ela cresce. Como foi dito

na entrevista com Renata Constante, as pessoas do bairro têm diversas opções de escolha

durante a vida; a escolha para a vida da marginalidade e das drogas, como também têm a

opção de escolher os estudos, a vida profissional. Ao ver esta criança, só consegui pensar que

caminho ela iria tomar durante sua adolescência e vida adulta, quais seriam suas escolhas e de

que forma o local em que ela está crescendo irá influenciá-la.

Também é possível relacionar esta imagem com a fotografia de Lewis Hine (figura 03)

em que o fotógrafo também traz sua visão e sua percepção sobre a figura da criança no meio

em que ela vive e trabalha. Além da criança ter o direito de lazer, diversão, e não apenas da

educação escolar ela ainda tem o direito de crescer em um local saudável e de bom convívio

para seu desenvolvimento pessoal.

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Figura 16 – Beco 2

Fonte: Autora (2017)

O registro desta fotografia foi feito no dia 14 de setembro de 2016. Nesta imagem,

procurei trazer a característica do beco como um labirinto, evidenciando o beco estreito, como

foi descrito no capítulo 1. É possível notar a umidade do local, e, por consequência a pouca

insolação do local, e a sujeira encontrada no chão. Nesta fotografia, buscou-se usar a

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perspectiva de linhas que levam e direcionam o olhar ao assunto (sujeito), que está em

movimento.

3.3 BECO 3

Figura 17 – Beco 3

Fonte: Autora (2017)

A fotografia acima foi feita no dia 22 de setembro na parte da manhã. Esta seria a

entrada do denominado Beco 3 e a única feita neste local. Fotografei antes de entrar no beco e

percebi que seria a única foto que faria no local. Ao entrar no beco, foi possível notar a

presença de alguns homens parados no local.

Ao registrar essa fotografia, tive a intenção de mostrar como este beco em específico é

denominado. Nas palavras escritas no muro, ―sete facadas‖ e ―beco da morte‖ é possível notar

como a violência esta inserida na comunidade e como essa incitação a drogas e a violência

alimentam a concepção de beco com aspectos negativos.

Ainda temos o símbolo de uma maconha desenhada no muro e os escritos ―4:20‖ que

também fazem referência a planta. Segundo a BBC Brasil13

, está relacionada pois era para ser

13

BRASIL, Bbc. Como o 420 se tornou o número símbolo da maconha. 2014. Disponível em:

<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/04/140418_maconha_420_mm>. Acesso em: 18 nov. 2017.

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usado como uma senha por estudantes de ensino médio de San Rafael, no estado americano

da Califórnia, no ano de 1971. Estes estudantes marcaram de se encontravam no horário das

16:20 (4:20) para ir em busca de uma plantação de maconha.

Ou seja, de certa forma, os escritos deixam a entender que de alguma forma ali ocorre

o uso ou a venda da planta.

A escolha deste enquadramento foi feita com a intenção de retratar a tranquilidade e a

simplicidade do homem em oposição ao local (e as escritas do muro) em que ele se encontra

que representam certa violência e trazem uma ideia de pouca paz e tranquilidade.

3.4 ÁREA 4

Figura 18 – Área 4

Fonte: Autora (2017)

Ao realizar esta fotografia, no dia 17 de setembro de 2017, tentei mostrar a quietude

da mulher sentada nas escadas, e a sua calma. Ela tranquilamente saiu de sua casa e se sentou,

enquanto eu a observava. Ao fazer o registro busquei mostrar essa calmaria e tranquilidade

contraposta ao caos visual do local, ao aglomerado de casas que provoca uma desordem

urbana visual. O corredor de escadas no centro da imagem da maior destaque a mulher

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sentada. É possível notar que não há muita visão sobre o espaço e também não há paisagem a

sua frente, apenas um aglomerado de casas que impedem a visão.

Pensou-se, assim, que os moradores, em especial o da foto, não tem muita visão e

perspectiva do local em que vivem dos problemas que enfrentam, e só de detém a única visão

que tem do seu mundo.

Figura 19 – Área 4

Fonte: Autora (2017)

Esta fotografia foi feita no dia 17 de setembro de 2017, no período da manhã. Depois

de fotografá-lo, este senhor me questionou o porquê de estar fotografando ele o local.

Explicando que era para meu trabalho de conclusão de curso, e falando sobre o intuito do

trabalho e a exposição que acontecerá ao final, o senhor se mostrou interessado, dizendo que

então poderia fotografaá-lo e acabou posando para mim, fotos que obviamente não serão

usadas. Questionei se ele poderia me dar uma autorização de imagem e ele concordou.

Passaram alguns segundos, após a assinatura do termo de autorização, e então o morador

disse-me para esperar, pois seu neto estava vindo em nossa direção e ele também faria fotos.

O garoto de mais ou menos 12 anos se aproximou, e em uma conversa curta também lhe

expliquei o motivo das fotos. Fotografei-o e também peguei sua autorização de uso de

imagem. As fotos do menino também foram descartadas, pois o intuito do trabalho não são

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fotos posadas, porém, o mais interessante da história é que ambos se sentiram importantes

diante da situação, diante da câmera. 14

Outro ponto importante a se ressaltar é o uso de antenas de televisão e internet que se

encontram nas casas, o que é um ponto positivo para os moradores e para a qualidade de vida

que eles levam.

Nesta imagem foi utilizada a regra dos terços, o sujeito se encontra no lado inferior

esquerdo, pois é o ponto de destaque, e o restante da imagem complementa a cena.

Figura 20 – Área 4

Fonte: Autora (2017)

Durante o registro dessa imagem, que ocorreu na manhã do dia 17 de setembro, pude

refletir sobre diversos aspectos desse lugar. Um aclive de casas muito próximas, que

dificultam a entrada de sol, trazendo muita umidade para o local. As escadas também

dificultam o acesso de diversas formas, é impossível a entrada de uma ambulância no local, de

um caminhão de bombeiros, de qualquer carro ou moto, a única forma de chegar até as casas é

a pé. Outro ponto importante a se ressaltar é que a maioria das casas é cercada por grades, o

que pode revelar uma preocupação dos moradores com furtos e roubos.

14

Autorização de imagem no Anexo E.

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A imagem foi registrada fazendo uso do contra-plongée com a finalidade de dar maior

grandiosidade ao aclive do local.

Figura 21 – Área 4

Fonte: Autora (2016)

Estava andando pelo bairro, quando me deparei com esta cena. Ocorreu no mês de

maio de 2016. Aconteceu em segundos, mas consegui captar o momento. O que me chamou

atenção foi a falta de acesso dos moradores até as casas. Com muita dificuldade, o menino

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subiu com um carrinho de bebê nas mãos. É notável a falta de estrutura adequada do lugar,

uma escadaria estreita, sem corrimãos e como essas situações são desconfortáveis para os

moradores. Alguém que depende de cadeira de rodas não tem acesso adequado ao local.

As linhas verticais da imagem, das casas e a escada longa em uma subida foram

utilizadas em um ângulo como forma de aumentar a perspectiva, buscando trazer

grandiosidade, altura e impacto e certo drama para a cena.

Figura 22 – Área 4

Fonte: Autora (2017)

A cena acima foi registrada no dia 22 de setembro, na parte da manhã. No momento

em que estou fotografando, buscando o objeto, os elementos, e a cena a ser registrada, começo

fazendo as primeiras fotos me mantendo distante, e vou me aproximando aos poucos, clicando

a cada passo, para não perder nenhum momento e tentando me aproximar da melhor cena,

com a melhor composição. Foi o que aconteceu ao realizar esta imagem. Aos poucos,

sutilmente, fui me aproximando desse homem que varria a entrada da sua casa, procurando

registrar a situação cotidiana do morador. Porém, ao notar minha presença o homem recuou e

esperou que eu saísse pelo local. O morador me cumprimentou, mas esperou que eu passasse

para retomar sua atividade.

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Assim como os fotógrafos que foram referências para este trabalho, busquei trazer

nesta imagem um homem trabalhando e inserido em sua realidade social, em seu espaço e

ainda assim, tentando humanizá-lo.

Figura 23 - Contextualização do bairro na cidade

Fonte: Autora (2017)

A imagem acima foi feita no dia 02 de novembro de 2017, na Rua Vereador Mário

Pezzi, com o intuito de contextualizar o bairro Jardelino Ramos na cidade de Caxias do Sul.

Por ser um bairro próximo ao centro da cidade, acaba tendo forte contraste com a área central,

que é bem desenvolvida e não tem muitos problemas de aglomeração.

Tratando de composição, podemos perceber que as linhas diagonais da rua conduzem

o olhar diretamente para o bairro, o deixando em evidencia.

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Figura 24 - Contextualização do Bairro

Fonte: Autora (2017)

Esta fotografia foi registrada no dia 02 de novembro de 2017, na parte da tarde, na Rua

Avenida Brasil, rua que passa ao lado do bairro. Ao registrar essa imagem, pude pensar sobre

a proporção do bairro em meio a cidade, dando destaque ao aglomerado de casas e a estrutura

das moradias, que são de baixa renda. O bairro ainda é maior do que se pôde registrar, porém

devido às árvores e outras moradias, impediram a visão. Nesta fotografia tentou-se trazer a

sobreposição das casas dando maior profundidade e volume ao bairro.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo teórico realizado possibilitou maior entendimento sobre o tema e conceitos

pesquisados, sendo fundamental para a parte prática do trabalho: a realização das fotografias.

Entender a contextualização histórica pela qual se deu a formação das favelas e

também como se formou a cidade de Caxias do Sul, foi muito importante para o

desenvolvimento do trabalho e para o entendimento de questões socioculturais existentes no

bairro Jardelino Ramos.

Com o decorrer do trabalho, depois das visitas ao bairro e das entrevistas com os

moradores, o trabalho foi ganhando consistência, o entendimento dos problemas do bairro

foram ficando mais claros.

O fotógrafo que atua com a fotografia documental enfrenta diversas situações. A

fotografia na rua é repleta de desafios, que envolvem desde o engajamento do olhar do

fotógrafo, procurando uma cena que seja interessante e relevante, até a parte técnica, em que

se deve controlar a composição – exposição, enquadramento, ângulos – em um espaço fluido.

Como o plano de fundo é a rua, os muros, as casas, ocorre essa dificuldade de enquadrar

assuntos em um espaço em que eles habitam, sem controle de luz ou cenário.

Outro elemento importante, que dificulta o trabalho de se fotografar na rua é o medo,

principalmente em um bairro considerado de alta criminalidade por parte dos moradores.

Muitas pessoas questionaram a presença da autora, muitas não deram abertura para conversa,

e também deixavam notável o descontentamento da presença da fotógrafa no seu local de

convívio. Então, do momento em que se chega ao local para fotografar até o momento em que

se tira a câmera, leva um longo tempo, e ainda mais tempo até realmente começar a clicar.

Foi possível perceber também que, parte dos moradores que cederam as entrevistas,

não se abriram totalmente com a autora, principalmente em relação aos problemas do bairro.

Entende-se isso no diálogo com a primeira entrevistada, quando ela pede para não citar seu

nome completo, como se não quisesse realmente se identificar, temendo que isso a pudesse

prejudicar. Como a autora não é moradora do bairro, isso pode ter ocasionado a mudança de

posição desses moradores, como também, certa desconfiança em uma pessoa desconhecida.

O bairro Jardelino Ramos é, sim, afetado por inúmeros problemas sociais e urbanos.

Problemas esses que podem ser visualizados nas imagens e também nas entrevistas. Em

grande parte do bairro, não há acessibilidade para passagem de carros ou ambulâncias.

Também, não há acessibilidade para portadores de necessidades especiais como cadeirantes,

devido aos becos estreitos, a irregularidade do solo, bem como, as escadas que tomam boa

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parte do bairro. Além desses problemas estruturais, é visto que as drogas e a criminalidade são

parte do cotidiano dos moradores do bairro, como vimos na Figura 17, e como parte das

entrevistadas mencionaram.

A visão de alguém estrangeiro também contribuiu para a execução das fotografias,

pois assim o olhar se torna mais crítico e atento aos detalhes.

Apesar do bairro comportar todos esses problemas, é importante lembrar que, fazendo

parte de uma cidade, o bairro é um espaço de convívio urbano e que, apesar das características

físicas e estruturais, o bairro (e a cidade) são espaços onde ocorrem relações culturais e

sociais do homem, proporcionam experiências e enriquecimento à formação do indivíduo e do

sujeito. Portanto, uma cidade, um bairro, além de apenas um espaço de moradia, deve ser um

espaço de exercício da cidadania, o que implica em direitos e deveres do cidadão. Ou seja,

esses espaços precisam oferecer ao cidadão uma estrutura que proporcione o desenvolvimento

material e cultural do mesmo.

Do ponto de vista das políticas públicas, é importante ressaltar que o Estatuto da

Cidade possui esta função: garantir ao cidadão o direito básico de uma vida digna. Através de

uma lei, o Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, estabelece diretrizes para

expansão e zoneamento urbano, ou seja, delimitação da zona urbana, delimitação dos locais

apropriados para moradias, para instalações de comércios e indústrias e até mesmo

regularização de loteamentos clandestinos e áreas ilegais. Ou seja, essa lei implica em todo o

desenvolvimento urbano de uma cidade. Segundo Braga (2004):

O direito à cidade é muito mais do que o direito à moradia, é o direito a uma vida

digna dentro de tudo aquilo que uma cidade pode proporcionar: escolas, postos de

saúde, hospitais, praças, áreas verdes, água, esgoto, coleta de lixo, enfim, todos os

equipamentos sociais e infraestrutura que possam tornar a vida urbana saudável e

segura. (BRAGA, 2004, p. 15)

A cidade de Caxias do Sul, também possui um Plano Diretor. A versão mais atualizada

de 2007 conta com 151 artigos.

Como já foi dito, o bairro Jardelino Ramos, se encontra em uma localização de

ocupação irregular. Com o intuito de dar melhores condições às famílias do bairro, através do

programa de regularização fundiária, foi sancionada a seguinte lei:

―LEI COMPLEMENTAR Nº 285, DE 17 DE JULHO DE 2007.

Art. 1° Fica o Poder Executivo autorizado a desafetar área de domínio público

municipal, para fins de regularização fundiária em benefício das famílias ocupantes

do local, integrante do todo maior que compõe o núcleo habitacional Complexo

Jardelino Ramos, Matrícula nº 7.810, Livro nº 2, fls. 01, na 1ª Zona do Registro de

Imóveis de Caxias do Sul (Anexo I).

Art. 2° Fica instituída como Área de Habitação de Interesse Social (AHIS), nos

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termos da Lei Complementar nº99, de 9 de dezembro de 1999, o núcleo habitacional

com ocupação consolidada de baixa renda conhecida como Complexo Jardelino

Ramos, o qual integra o Programa de Regularização Fundiária do Município de

Caxias do Sul, conforme arts. 13 e 14 da Lei nº 5.390, de 2 de maio de 2000, a área

compreendida pelas quadras nº s 5544, 5545, 5619, 1631, 5555, 1633, 5613, 5614,

5615, 5541, 5542, 5543, 5548, 5549, 5550, 5551, 5553, 5554, 5556, 5557, 5559,

5547 e 5552, inserida dentro das poligonais A, B, C, D e E, conforme mapas (Anexo

II e Anexo III).

Art. 3° Fica o Município autorizado a titular as áreas declaradas como AHIS

referidas no art. 2º em benefício dos atuais ocupantes cadastrados pela Secretaria

Municipal de Habitação, mediante a expedição de títulos individuais de propriedade,

firmados pelo Prefeito Municipal e respectivos beneficiários, com base no art. 14 da

Lei nº 5.390, 2 de maio de 2000, com o objetivo de promover a regularização

fundiária, mediante o preenchimento dos seguintes requisitos(...)‖15

Ou seja, a Prefeitura de Caxias do Sul, através da Lei Complementar N. 285,

proporciona a regularização do núcleo habitacional Jardelino Ramos, visando dar melhores

condições de vida aos moradores, o que não significa que outros problemas estejam

resolvidos.

Por fim, tendo como proposta realizar a mostra fotográfica na Câmara de Vereadores

de Caxias do Sul16

, e estas imagens estarem expondo as condições de vida dos moradores e o

problemas do bairro, os objetivos iniciais desse trabalho serão alcançados de forma

satisfatória, pois o bairro e seus habitantes ganharão maior visibilidade.

Dessa forma, espera-se que ocorra de fato uma mobilização por parte dos legisladores

e da administração municipal e a busca por soluções para melhores condições de vida e até

mesmo o planejamento a longo prazo para que problemas semelhantes de favelização

futuramente não se repitam.

15

CAXIAS DO SUL. JOSÉ IVO SARTORI. LEI COMPLEMENTAR Nº 285. Disponível em:

<https://leismunicipais.com.br/a/rs/c/caxias-do-sul/lei-complementar/2007/29/285/lei-complementar-n-285-

2007-institui-como-area-de-habitacao-de-interesse-social-ahis-o-complexo-jardelino-ramos-para-fins-de-

regularizacao-fundiaria-em-beneficio-das-familias-ocupantes-e-da-outras-providencias>. Acesso em: 11 set.

2017.

16 As fotografias serão expostas no Instituto de Memória Histórica e Cultural de UCS (IMHC), até que se tenha a

aprovação da banca examinadora, para então ser exposta na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul.

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REFERÊNCIAS

BASSO, Fernanda. Retrofit e ampliação do Complexo Cultural Jardelino Ramos. 2013.

34 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

Porto Alegre, 2013.

BRAGA, Roberto. CIDADE: ESPAÇO DA CIDADANIA. 2004. Disponível em:

<http://redbcm.com.br/arquivos/bibliografia/cidade espaço da cidadania rbraga11.pdf>.

Acesso em: 08 set. 2017.

BRASIL (Município). Constituição (2007). Lei nº 285, de 17 de julho de 2007. Lei

Complementar Nº 285, de 17 de Julho de 2007.

BONI, Paulo César. O nascimento do fotodocumentarismo de denúncia social e seu uso

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ANEXOS

ANEXO A - ENTREVISTA COM CARMEN REGINA DE SOUZA

THALIA: ―Teu nome é Carmen....‖

CARMEN: ―Regina de Souza, não bota tudo o nome, porque Deus o livre do céu né‖

T: ―Quantos anos tu tem?‖

C: ―Cinquenta e sete‖

T: ―Então, a primeira pergunta é se tu gosta de morar aqui?‖

C: ―Adoro!‖

T: ―E porque que tu gosta?

C: ―Ah eu gosto assim porque eu tenho amizades, eu gosto de todo mundo, a gente se dá com

todo mundo, então... eu gosto‖

T: ―E a quanto tempo tu mora aqui, mais ou menos?‖

C: ―Faz trinta e oito anos que eu moro‖

T: ―E porque que tu veio morar aqui? Tem algum motivo específico? Tu veio de algum lugar

de fora?‖

C: ―Eu vim de Vacaria‖

T: ―Quais os pontos positivos e negativos de morar aqui?‖

- Moradora fica em silêncio, então procuro dar exemplos com base no que ela já respondeu –

T: ―Os positivos seriam esse convívio que tu tem com as pessoas né‖

C: ―É, seria isso aí, o convívio, me dou bem com as pessoa, a relação com as pessoas são boa,

a gente não tem nada que se queixar né?‖

T: ―E negativos?‖

C: ―Nada.‖

T: ―Então eu vou te explicar, esse trabalho aqui é o meu trabalho de conclusão de curso, e eu

estou fotografando a relação dos moradores com o bairro, depois no final eu vou fazer uma

exposição, e eu precisava da tua entrevista pra colocar no meu trabalho, pra saber o que tu

acha, não vai a tua voz no trabalho, eu vou transcrever tudo o que tu me disse pro papel, mas

eu precisava do teu nome e da tua idade, como ―quem falou isso‖, então, tudo bem por ti eu

usar teu nome?‖

C: ―Sim, sim, não tem problema!‖

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ANEXO B - ENTREVISTA COM RENATA CONSTANTE OLIVEIRA

Entrevista com a ex-moradora do bairro Renata Constante Oliveira, feita no dia 22 de

setembro de 2017.

THALIA: ―Você morou quanto tempo aqui?‖

RENATA: ―Morei oito anos‖

T: ―Por que você veio morar aqui?‖

R: ―A principio pela separação dos meus pais, ai eu e minha mãe viemos morar aqui, na casa

da minha avó, ficamos aqui por um tempo.. o meu pai e minha mãe também voltaram, e a

gente alugou um apartamento aqui, ainda dentro do bairro.‖

T: ―Quais eram os pontos positivos e negativos de morar aqui nesse bairro?‖

R: ―Pontos positivos, foi como eu falei, a proximidade de todos os moradores, a união que

todos têm, quando um precisa, todos ajudam, principalmente quando era pra cuidar de

crianças, como exemplo né, quando alguém precisava não tinha ninguém que dizia ‗ah eu não

vou cuidar‘, sempre tem alguém que fica, sempre um protegendo o outro, e os pontos

negativos, é aquela parte das pessoas que não são tanto pelo bem, que acabam virando pro

lado das drogas, em fim, bebidas, e a sujeira também, o bairro acaba ficando um pouco sujo,

porque não é todo mundo que tem esse cuidado.‖

T: ―Tu acha que tem bastantes usuários?‖

R: ―Não é a maioria do bairro, acho que uns vinte por cento, mas vou te dizer que esteve

muito, muito pior, hoje vinte por cento que é usuário, teve épocas que já foi cinquenta por

cento, então melhorou bastante‖

T: ―E sobre a infraestrutura do bairro, tu acha que é boa, ou tu acha que tem coisas pra

melhorar?‖

R: ―Poderia melhorar bastante, se acho que fosse um pouco mais visto o bairro, não tão mal

visto, na verdade né, e fosse mais investido, pela prefeitura, em fim...‖

T: ―E tu acredita que algum órgão público ampara este lugar, ou não? Tu tens conhecimento

disso?‖

R: ―Olha, eu não tenho esse conhecimento, na época em que eu morava aqui sim, como a

Casa da Criança, que oferece muitos cursos pras crianças, adolescentes, e até pra adultos que

querem se profissionalizar e não tem condições, podem fazer cursos aqui também, então, era

ajudado, hoje em dia eu não sei como tá.‖

T: ―Então, tu acha que os moradores daqui sofrem algum tipo de preconceito apenas por

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morarem aqui, por ser mal visto o bairro?‖

R: ―Sim, eu acho que o bairro é mal visto em Caxias, por ser um bairro de periferia né, assim

como é mal visto o Primeiro de Maio, em fim, mas é mais porque as pessoas julgam sem

conhecer, eu como morei aqui, a gente tem a opção de seguir pro lado da criminalidade, das

drogas, ou seguir também pra um lado onde os adultos dão mais auxílio pras crianças, que

nem os cursos que tem aqui, tem as casas de massas, que as senhoras oferecem auxílio

financeiro pros adolescentes trabalharem né, então tem bastante essa opção sabe, então, é mal

visto pelo pessoal de fora, que não conhece que não convive..‖

T: ―E tu acha que tem alguma solução pra isso, para esses problemas?‖

R: ―Eu acho que teria solução, só que eu vejo que as pessoas que moram aqui já não se

importam mais com o que pensam, com o que os de fora pensam sobre o bairro, porque o

bairro em si tá bem, as pessoas que estão aqui estão felizes, ele já melhorou muito do que já

foi, então eles não se importam com o que os outros pensam, e acham que assim tá bom, do

que acabar mexendo e talvez piorar.‖

T:―Então, como disse estou fazendo meu trabalho de conclusão de curso, e estou fotografando

aqui pra mostrar a relação dos moradores com o bairro e com os problemas que tem aqui, o

convívio dos moradores com isso, tu acha que expondo isso de alguma forma iria ajudar,

mobilizar algum órgão publico pra dar mais atenção ao bairro, ou não?‖

R: ―Sim, com certeza, eu acho que pode ajudar sim, porque é sempre assim, se essas pessoas

conhecerem, alguns vão tentar entender melhor né, e tentar julgar menos, e se um órgão

público tiver ajudando e quiser auxiliar nas escolas e escolinhas que tem aqui, porque aqui

também tem creche pra criança, aos moradores do bairro vai ajudar bastante, mesmo que seja

pouca coisa.‖

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ANEXO C - ENTREVISTA COM JULIANA BORGES

Entrevista com a moradora do bairro Juliana Borges, feita no dia 22 de setembro de 2017.

THALIA: ―Tu gosta de morar aqui no bairro? Por quê?‖

JULIANA: ―Gosto, sei lá, me criei né... não sei explicar, me criei aqui, desde mais nova,

desde que nasci.‖

T: ―Então você reside aqui a quarenta anos, que é a tua idade, mas tu sabe os motivos que te

trouxeram morar aqui, teus pais no caso?‖

J: ―Bah! (risos) é que minha família toda é daqui‖

T: ―Então quais os pontos positivos e negativos de morar aqui?‖

J: ―Pra mim não tem positivos nem negativos, porque eu conheço todo mundo, e pra mim

não é nem mais nem menos, pra mim tá bom...‖

T:―Só pra explicar melhor, essas entrevistas que estou fazendo são para o meu trabalho de

conclusão de curso, eu estou fotografando o bairro e a relação dos moradores com o bairro,

para fazer uma exposição, por isso te fiz estas perguntas, se você gosta daqui e quais eram os

pontos positivos e negativos de morar aqui...‖

J: ―Eu gosto né, eu vou e volto, fico trinta dias fora, mas no final sempre volto..‖

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ANEXO D - ENTREVISTA COM GRASIELE FERREIRA

THALIA: Então, eu vou fazer essa entrevista, ela vai ser gravada, mas não vou usar o áudio,

vou transcrever ela, então tudo bem se eu usar?

GRASIELE: ―Sim, tudo bem‖

T: A primeira pergunta é, se tu gosta de morar no bairro, no Burgo, e quais são os pontos

positivos e negativos de morar lá?

G: ―Eu gosto de morar lá porque é um bairro localizado próximo ao centro, a comunidade em

si, ela é bem acolhedora, e tudo mais, mas pontos negativos são as drogas né‖

T: ―Tu acha que tem bastante?‖ (drogas)

G: ―Tem, e cada vez vem crescendo mais, na verdade‖

T: ―E a quanto tempo tu mora no bairro?‖

G: ―Há 22 anos‖

T: ―E tu mora lá por causa da tua família? Ou porquê?‖

G: ―É porque na verdade minha mãe, toda minha família mora lá, então eu moro lá por conta

disso né‖

T: ―E falando nos pontos negativos, tu acha que algum órgão público ampara o lugar, ou não

tem muita preocupação?‖

G: ―Não‖

T: ―Não tem?‖

G: ―Não, não tem‖

T: ―E tu acha que as pessoas que moram lá, elas acabam sofrendo algum tipo de preconceito,

por morar lá?‖

G: ―Sim, bastante, inclusive eu mesma já sofri né, sendo que nossa família é bem vista lá,

mas eu mesma já sofri por polícias, por eu morar lá, eles não conhecem, então, um dia que

eles estavam fazendo batida lá e acharam que eu fui buscar droga, e fui até chamada de…

de… fui desrespeita né, com palavras.. enfim..‖

T: ―E o restante da sociedade, as pessoas que moram fora do bairro, tu acha que também?‖

G: ―Também, é mais preconceituoso, como se tu morasse na Zona do Cemitério, eu acredito

que são bairros que enfim, devido a droga

T: ―Bairros mais vulneráveis?‖

G: ―Isso, então eles acabam discriminando mais o pessoal né‖

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T: ―E tu vê alguma solução pra esses problemas?‖

G: ―Hoje eu não vejo mais, até porque como a droga vem se alastrando, a polícia não

consegue mais dar conta né, então, eles fecham um lado e abre do outro, a criminalidade e a

droga vem tomando conta de tudo, não adianta né, então eu não vejo mais solução pra isso.‖

T: ―Então, eu to fazendo esse trabalho, como eu já te expliquei, eu vou fazer um exposição,

usando algumas fotos e com o auxílio dessas entrevistas, na câmara dos vereadores, e tu acha

que de alguma forma, expondo isso visualmente, ajudaria de alguma forma o bairro?‖

G: ―No meu ponto de vista de não, até porque já foram várias pessoas, vários vereadores e

outras pessoas que enfim, a prefeitura, e tudo mais, foram lá realmente para ver o que poderia

ser feito e tudo mais, mas eu acredito que não vá mudar muito, porque não tem o que fazer,

eles não têm capacidade de policiamento, eles não têm, a prefeitura de Caxias não tem uma

estrutura muito boa pra cuidar disso sabe, ajudaria, mas acho que não muito‖

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ANEXO E – AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM