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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Copyright Antonio Mendez e Matt Baglio, 2012Todas as declaraes de fatos, opinies ou anlises expressas aqui so dos autores eno refletem as posies ou vises da CIA ou de qualquer outra agncia do governodos Estados Unidos. Nada no contedo deste livro deve ser interpretado como tendoafirmado ou sugerido que as vises dos autores receberam autenticao de informaojunto ao governo dos Estados Unidos ou endosso junto Agncia. Este material foirevisado pela CIA para evitar a revelao de informaes confidenciais.

    TTULO ORIGINALArgo: How the CIA and Hollywood Pulled Off theMost Audacious Rescue in History

    CAPAJulio Moreira

    FOTO DA CAPAiStockphoto Liliboas

    FOTO DA QUARTA CAPALatinstock Michel Setboun/Corbis

    PREPARAODbora de Castro Barros

    REVISOClara DiamentMilena Vargas

    REVISO DE EPUBJuliana Latini

    GERAO DE EPUBIntrnseca

    E-ISBN978-85-8057-243-8

    Edio digital: 2012

    Todos os direitos desta edio reservados

    EDITORA INTRNSECA LTDA.

  • Rua Marqus de So Vicente, 99, 3o andar22451-041 GveaRio de Janeiro RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

  • Para Jonna

  • Alguns nomes foram alterados para proteger aprivacidade dos indivduos.

  • SUMRIO

    INTRODUO

    1

    Bem-vindos revoluo

    2

    Recolhendo os pedaos

    3

    Diplomacia

    4

    Sem lugar para fugir

    5

    Canad para o resgate

    6

    Lies do passado

    7

    Reunindo a equipe

    8

    Histria de cobertura

    9

    Hollywood

    10

    Estdio Seis

    11

    Uma conflagrao csmica

    12

    Pronto para decolar

    13

    Em locao no Ir

    14

  • Preparativos finais

    15

    A fuga

    16

    Desfecho

    AGRADECIMENTOS

    NOTAS

    BIBLIOGRAFIA

  • INTRODUO

    No nal daquela tarde de sbado, eu estava pintando no meu ateli. L fora, o sol comeava a se prdetrs das montanhas, lanando uma sombra escura e comprida que cobria o vale como uma cortina.Eu gostava da penumbra no aposento.

    Come Rain or Come Shine era a cano que tocava no rdio. Com frequncia eu ouvia msicaenquanto trabalhava. Para mim, era quase to importante quanto a luz. Eu instalara um timo sistemade som estreo e, se pintasse at tarde no sbado noite, podia pegar o Hot Jazz Saturday Night, comRob Bamberger, na estao NPR.

    Eu comecei a pintar ainda na infncia e trabalhava como artista plstico ao ser contratado pelaCIA em 1965. Ainda me considerava um pintor em primeiro lugar e depois um espio. A pinturasempre foi uma vlvula de escape para as tenses que acompanhavam meu trabalho na Agncia.Apesar do convvio ocasional com burocratas, cujas idiossincrasias me faziam chegar ao ponto dequerer esgan-los, se pudesse ir at o ateli e pegar um pincel, a raiva reprimida acabava sedissolvendo.

    Meu ateli equilibrava-se sobre a garagem, com acesso por uma escada bastante ngreme. Era umaposento amplo com janelas em trs lados. O piso era revestido com um assoalho de pinho amarelo emdiagonal e coberto por uma profuso de tapetes orientais. Como moblia, havia um enorme sof brancoe algumas antiguidades que a minha esposa, Karen, adquirira para sua empresa de decorao deinteriores. Era um espao bastante confortvel e, o mais importante, era meu. Entrar ali exigia minhapermisso, algo que eu concedia com generosidade. Os amigos e a famlia sabiam, porm, que, quandoeu estava envolvido com um projeto, deviam andar nas pontas dos ps.

    O ateli foi construdo junto com a casa. Aps regressar de uma temporada de trabalho no exteriorem 1974, Karen e eu decidimos que seria melhor criar nossos trs lhos longe da barra-pesada deWashington, D.C. Escolhemos um terreno de quinze hectares no sop das montanhas Blue Ridge e,depois de desmatar um trecho, passei a maior parte de trs veres construindo a casa principalenquanto a famlia e eu morvamos numa cabana de madeira, tambm erguida por mim. A terra tinha

    uma longa histria. O campo da Batalha de Antietam1 cava pouco adiante estrada acima, e de vez emquando achvamos alguma relquia da Guerra Civil botes, balas, peitorais jogada entre asfolhas e as rvores cadas nos limites da nossa propriedade.

    A pintura em que eu trabalhava naquela tarde fora desencadeada por uma expresso associada aomeu trabalho: Wolf Rain [Chuva de Lobo]. Era um nome de sonoridade sombria como o climamelanclico, inspito e mido, e se relacionava com as profundezas da paisagem de floresta, bem dianteda minha janela, numa noite de inverno. Transmitia uma espcie de tristeza que eu no conseguiaexplicar, mas sentia que podia pintar.

    Trabalhar em Wolf Rain era uma daquelas coisas que a gente espera que aconteam na nossa vidade artista uma pintura que simplesmente emerge do nada. Talvez como o personagem de um livroque abre seu caminho at tomar conta da narrativa. A gura do lobo era reconhecvel apenas pelos

  • olhos uma imagem utuante numa oresta encharcada pela chuva com uma angstia perceptvel noolhar.

    Se a pintura ia bem, minha mente entrava de imediato em modo alfa, o estado subjetivo, criativo,do lado direito do crebro no qual ocorrem os lampejos de descobertas. Einstein disse que o que deneum gnio no uma inteligncia superior dos outros, e sim a predisposio para receber a inspirao.Para mim, essa era a definio de alfa. Eu comeava a sesso desvencilhando-me de todos os babacasdo trabalho e, em seguida, saltava para momentos de clareza em que encontrava solues paraproblemas que eu nunca tinha considerado antes. Eu estava pronto para receber.

    Era o dia 19 de dezembro de 1979, e eu tinha muita coisa na cabea. Pouco antes, naquela mesmasemana, eu recebera um memorando do Departamento de Estado dos Estados Unidos com algumasnotcias alarmantes. Seis diplomatas americanos haviam escapado da embaixada norte-americana emTeer, tomada por militantes, e escondiam-se nas residncias do embaixador canadense, Ken Taylor, ede seu chefe do servio de imigrao, John Sheardown. Os seis pareciam estar seguros por enquanto,mas no tinham garantias de que permaneceriam a salvo; no rastro da invaso da embaixada, osmilitantes vasculhavam a cidade procura de qualquer americano que pudessem encontrar. Eles jestavam escondidos havia quase dois meses. Quanto tempo mais poderiam aguentar?

    A notcia da fuga chegou a mim meio de surpresa. Eu passara o ms anterior na CIA absorvido noproblema mais amplo. Em 4 de novembro, um grupo de militantes iranianos invadira a embaixada dosEstados Unidos em Teer fazendo mais de 66 refns. Os militantes acusavam os americanos deespionagem e de tentativa de solapar a incipiente Revoluo Islmica no pas, e o governo iraniano,encabeado pelo aiatol Khomeini, os apoiava.

    Na poca da invaso, eu trabalhava como chefe das operaes globais de disfarce da CIA, noEscritrio de Servios Tcnicos (EST). No decorrer daqueles catorze anos de carreira, eu conduziranumerosas operaes clandestinas nos lugares mais distantes, com agentes e supervisores disfarados,ajudando a resgatar desertores e refugiados de dentro da Cortina de Ferro.

    Como consequncia imediata do ataque, eu e minha equipe vnhamos trabalhando na preparaode disfarces, documentos falsos e antecedentes pessoais para as vrias identidades falsas necessriaspara que qualquer equipe avanada pudesse se inltrar no Ir. Ento, em meio a esses preparativos,chegou o memorando do Departamento de Estado.

    Quando apliquei o verniz escuro sobre a base da tela, ele imediatamente transformou a atmosferada obra. Os olhos penetrantes do lobo de repente ganharam vida, como dois globos dourados. Euobservei, transxado. A imagem desencadeara algo em mim. O Departamento de Estado parecia estarassumindo uma postura de esperar para ver em relao aos seis americanos, o que eu consideravaproblemtico. Eu estivera recentemente no Ir numa operao secreta e conhecia os perigos em primeiramo. Os diplomatas poderiam ser descobertos a qualquer momento. A cidade estava repleta de olhos, aobservar, procurar. Se os seis americanos tivessem de fugir, para onde iriam? As multides de milharesde pessoas entoando cnticos diariamente diante da embaixada americana em Teer no deixavamdvida de que, se capturados, eles quase certamente seriam jogados numa priso e talvez encarassemat mesmo um peloto de fuzilamento. Eu sempre dissera minha equipe que h dois tipos de

  • exltrao: aquelas feitas sob presso hostil e aquelas sem tal presso. No podamos nos dar ao luxode esperar at que os seis americanos fossem obrigados a fugir. Ou seria quase impossvel tir-los de l.

    Meu filho Ian entrou no ateli. E a? perguntou. Caminhou at o quadro e o examinou de um jeito que s um lho de artista

    com dezessete anos poderia fazer. Bacana, pai declarou, recuando um pouco para ter umaperspectiva melhor. Mas precisa de mais azul. Ele mal notou os olhos do lobo.

    Cai fora daqui, Ian. Vou descer para o jantar dentro de mais ou menos meia hora. Diga suame, sim?

    No rdio, Ella soltou a voz em uma interpretao de Just One of Those Things, em uma versoantiga, e comecei a limpar os pincis na terebintina e devolver as tampas s bisnagas de tinta a leo.Minha paleta, que havia engrossado com o passar dos anos, parecia um punhado de estalactites decores vivas assentadas sobre uma tbua oval com um buraco para enar o dedo. A essa altura, ela erapesada demais para segurar na mo, mas continha fragmentos de todas as pinturas que eu j tinhafeito no ateli.

    Enquanto guardava os pincis, os estgios iniciais de um plano comearam a surgir. Noprecisaramos apenas criar novas identidades e disfarces para os seis americanos. Algum teria de seinfiltrar no Ir, fazer contato com eles e avaliar sua capacidade de executar o plano.

    Um milho de perguntas comearam a passar pela minha cabea. Como eu convenceria seisinocentes diplomatas americanos sem nenhum treinamento em operaes secretas de que conseguiriamescapar do Ir? Como eu inventaria uma histria que pudesse explicar a presena do grupo num passacudido por uma revoluo? Apesar de ter realizado dezenas de exltraes, eu via que essa seriauma das minhas misses mais desafiadoras.

    Desliguei o rdio, apaguei as luzes e permaneci por um momento no escuro, olhando pela janela,para a noite, sob o brilho das luzes na estufa. Espionagem um instrumento da poltica estatal,ponderei. Para ser empregada de forma adequada e prossional, existem regras internacionais a seremseguidas. No caso do governo revolucionrio do Ir, porm, a nica regra era a ausncia de regras.

    * Batalha travada durante a Guerra Civil, em setembro de 1862, vencida pela Unio e consideradaa mais sangrenta da histria dos Estados Unidos, quando perderam a vida mais de 23 milamericanos de ambos os lados. [N. do T.]

  • 1Teer. A data era 4 de novembro de 1979, e uma enorme multido de estudantes militantes acabarade invadir os portes principais e se espalhava pelo complexo de edificaes adentro.

    A embaixada era colossal. Ocupava mais de cem mil metros quadrados, cercados por um muroalto de tijolos. No interior, havia dezenas de construes e depsitos, a residncia do embaixador, umapista de atletismo, quadras de tnis e at mesmo uma piscina. Alm disso, o complexo localizava-se empleno corao de Teer, circundado de todos os lados por algumas das ruas mais movimentadas dacidade. O resultado era um pesadelo para a segurana. Cerca de uma dzia de fuzileiros navais cavade planto junto ao complexo, mas sua funo era basicamente fornecer proteo interna.

    Por esse motivo, o plano de segurana armado por Golacinski convocava todos para a chancelaria,um grande edifcio de trs andares que fora fortificado com grades nas janelas, blindagens antiexplosese fechaduras com horrios pr-programados. O segundo andar podia ser isolado por uma grossaporta de ao, que teoricamente permitiria aos americanos resistir por vrias horas. Toda embaixadano mundo depende do pas antrio para lhe prover segurana externa. Esperava-se que, com a ajudadessas medidas preventivas, o governo iraniano tivesse tempo suciente para organizar uma reao emandar ajuda.

    A embaixada j fora atacada uma vez, havia nove meses, em 14 de fevereiro de 1979, apenas umms aps Mohammad Reza Pahlavi, x do Ir, fugir do pas. Durante aquele ataque, um grupo deguerrilheiros marxistas invadira a embaixada com rajadas de metralhadoras e mantivera osfuncionrios como refns por quatro horas.

    Nessa poca, o Ir era um caos completo. O aiatol Khomeini retornara, em triunfo, do exlio emParis, e o governo do x desabara rapidamente. O exrcito logo trilhou o mesmo rumo, e, no vcuo quese seguiu, as diversas faces que tinham se juntado para derrubar o x (esquerdistas, nacionalistas,comunistas apoiados pela Unio Sovitica, islmicos da linha-dura) se dividiram e agora brigavamentre si. Homens armados vagavam pelas ruas, e assassinatos por vingana eram lugar-comum.Pequenos bandos chamados komiteh (comits) surgiam por todo o pas, estabelecendo territrios decontrole. No reconhecidos por ningum exceto o mul ao qual declaravam delidade, esses bandosno passavam de arruaceiros e comearam a aplicar sua prpria justia revolucionria com o cano dorevlver. Em meio a essa confuso, Khomeini e seu crculo mais prximo instalaram um governoprovisrio para administrar o pas enquanto a Assembleia dos Sbios trabalhava diligentemente nosbastidores para redigir o esboo de uma nova constituio.

    No demorou muito para que o governo provisrio enviasse um grupo desorganizado paraexpulsar os invasores, mas a ocupao de 14 de fevereiro, Dia de So Valentim o dia dosnamorados nos Estados Unidos , teria importantes repercusses para os acontecimentos que viriama seguir. Em primeiro lugar, o corpo funcional da embaixada foi drasticamente reduzido (em seu auge,perto de mil pessoas trabalhavam l). Em segundo lugar, e talvez ainda mais importante, houve aimpresso de que o governo iraniano honraria seu compromisso de proteger a embaixada e osdiplomatas que trabalhavam l dentro.

    Depois que os guerrilheiros marxistas foram expulsos, a proteo da embaixada foi conferida a umgrupo do komiteh, que ocupou um dos pequenos edifcios perto da frente do complexo e passou a

  • patrulhar a rea. Foi s no vero que uma fora de segurana mais estvel foi encarregada de guardara embaixada, mas, mesmo pelas estimativas mais otimistas, no passava de um gesto simblico.

    luz do perigo exposto pelo primeiro ataque, podemos nos perguntar por que a embaixadasimplesmente no fechou suas portas. Para comear, o Ir era importante demais para os interessesestratgicos dos Estados Unidos. O pas no s abrigava vastas reservas de petrleo, mas por mais de25 anos servira como el aliado e barreira contra a Unio Sovitica, que tinha uma fronteira de maisde 2.500 quilmetros com o Ir. No era segredo nenhum que os soviticos desejavam um porto semriscos de congelamento no inverno e gostariam de incrementar sua inuncia no Golfo Prsico. Assim,em vez de romper os laos, a administrao Carter comeou a trabalhar cautelosamente com o governoprovisrio e a embaixada americana no Ir permaneceu em funcionamento.

    * * *

    HOJE PODE PARECER ESTRANHO pensar que o Ir e os Estados Unidos foram aliados nopassado, mas tudo precisa ser entendido em termos do Grande Jogo disputado entre os Estados Unidose a Unio Sovitica.

    Nos primeiros tempos, os Estados Unidos pareciam se contentar em observar o Ir a distncia.Ento conhecido como Prsia (s viria a receber o nome Ir em 1935), o pas era como o n no centrode um jogo de cabo de guerra entre a Rssia e a Gr-Bretanha um papel que desempenhava comgrande habilidade, lanando uma nao contra a outra. Veio a Segunda Guerra Mundial e ageopoltica da regio foi alterada. De repente, Moscou e Londres tornaram-se aliados, e, em suatentativa de proteger o petrleo e as vias de transporte terrestre para a Rssia, as duas potnciasresolveram ocupar o pas conjuntamente. Preocupados com o fato de que o monarca iraniano, o xReza, tendia a fazer uma aliana com a Alemanha nazista, os dois pases provocaram sua deposio einstalaram no trono seu filho Mohammad Reza Pahlavi, de 21 anos.

    Aps a guerra, os Estados Unidos zeram grandes investimentos no Ir, tanto econmicos quantomilitares. Stalin relutara em recuar do norte do Ir em 1946, e o pensamento em Washington era deque ele usaria o menor pretexto para voltar a invadir. Igualmente preocupante era a possibilidade de ossoviticos minarem o governo do x por meios clandestinos. O partido comunista no Ir, o Tudeh,ganhava poder e apoiava abertamente os objetivos de Moscou.

    Assim, foi com um sobressalto que os Estados Unidos viram, em 1951, o x ser lentamentedespojado do poder por um advogado iraniano chamado Mohammed Mossadegh. Mossadegh ganharaproeminncia graas a uma campanha para nacionalizar a Companhia de Petrleo Anglo-Iraniana(Anglo-Iranian Oil Company, AIOC), um gesto popular entre os iranianos, que havia muito se sentiamexplorados pelos britnicos. Apanhado em meio a uma onda de nacionalismo, Mossadegh tornou-seum heri e acabou sendo nomeado primeiro-ministro.

    Como seria de se esperar, em resposta tentativa de nacionalizar a AIOC, os britnicos logoinstigaram o que veio a ser um boicote ao petrleo iraniano, jogando a economia local numa espiraldescendente. No turbilho que se seguiu, a coalizo que apoiara Mossadegh comeou a se fragmentar.

  • * * *

    NINGUM EM WASHINGTON ACREDITAVA que Mossadegh era comunista, mas apreocupao comeou a aumentar quando ele se alinhou com o Tudeh. Para a administraoEisenhower, a gota-dgua veio quando a inteligncia descobriu que os soviticos estavam prestes a

    enviar vinte milhes de dlares para ajud-lo.1

    luz dessas ameaas, a Casa Branca ordenou ao diretor da CIA, Allen Dulles, que trabalhassecom os britnicos para derrubar Mossadegh.

    Hoje, olhando para trs, fcil dizer que houve exagero na reao da administrao Eisenhower.No entanto, no calor da Guerra Fria, os lderes americanos viam um mundo diferente daquele queexiste hoje. Nele, os soviticos estavam em marcha por toda parte, instalando regimes fantoches naEuropa Oriental, apoiando levantes na Itlia, na Frana e na Grcia. Tambm importante lembrarque, na poca, os Estados Unidos estavam envolvidos numa guerra sangrenta na Coreia, queEisenhower herdara de Truman. O Ir poderia facilmente se tornar mais uma frente de batalha.

    Na primavera de 1953, Kermit Kim Roosevelt, chefe da Diviso do Oriente Prximo do Diretriode Planejamento da CIA, recebeu a verba de um milho de dlares e a tarefa de executar a operao dederrubada de Mossadegh, conhecida como TPAJAX, ou Operao AJAX.

    O plano exigia o uso de propaganda e ao poltica para debilitar a base de apoio ao lder, mas,como de hbito, as coisas no correram conforme o plano. Mossadegh fora avisado do contragolpe eordenou a priso de alguns dos golpistas mesmo antes de a operao ser acionada. No entanto, com aajuda de imensas manifestaes pblicas, muitas organizadas por Roosevelt, Mossadegh foi forado arenunciar e o x, reconduzido ao poder.

    Em termos de estratgia de conteno na Guerra Fria, Washington considerou a operao umfantstico sucesso de poltica externa, e Kermit Roosevelt foi saudado como heri. Ficou famosa a frase

    do x, durante um encontro entre os dois:2 Devo meu trono a Deus, ao povo, ao exrcito e a voc!Na esteira da operao, o x rapidamente estabeleceu um acordo com a gigante petrolfera AIOC, e

    o Ir tornou-se um estvel aliado pr-Ocidente, fornecendo aos Estados Unidos um uxo constante depetrleo, bem como uma srie de postos ao longo da fronteira com a Unio Sovitica, o que permitia aescuta clandestina dos testes balsticos de msseis russos intercontinentais.

    A despeito dessas vantagens estratgicas, porm, no h como negar que o contragolpe de 1953 tevesrias consequncias para as relaes de longo prazo entre os Estados Unidos e o Ir.

    Muitos oponentes da Operao AJAX culparam os Estados Unidos por agirem de forma egostapara proteger seus prprios interesses, em detrimento do Ir e de seu povo. De forma irnica, comomostram os registros histricos, o contragolpe no teria tido xito se no fosse pelo apoio de umafaco numerosa de iranianos que tambm tinham muito a ganhar assegurando o poder do x.Todavia, o mito popular entre os iranianos em 1979, sempre desconados de intervenes estrangeiras,era de que a CIA havia deposto por conta prpria um lder democrtico, impondo um tirano em seulugar. Embora no fosse inteiramente preciso, era um quadro em que muitos iranianos estavam vidos

  • por acreditar.Depois de retornar ao poder, o x se alinhou com o Ocidente e imediatamente se dedicou a tentar

    legitimar seu reinado. Empreendeu uma srie de reformas ocidentalizantes e fez prdigos gastos paracriar um exrcito moderno e bem treinado. Ambos os esforos o colocaram em conflito com o povo, quemais tarde viria a alegar que ele destrura seu modo de vida tradicional enquanto desperdiava ariqueza da nao numa tentativa de agradar a Washington.

    Com o passar do tempo, ele foi se tornando cada vez mais autocrtico, reprimindo qualquer formade oposio com o auxlio de sua brutal polcia secreta, conhecida pela sigla SAVAK.

    Porm, como tendia a acontecer durante o Grande Jogo, sucessivas administraes americanasdecidiram engolir o bom junto com o ruim, apoiando publicamente o regime do x, ainda que porbaixo dos panos o encorajassem a eliminar a corrupo sistmica de seu regime e a tolher os abusos daSAVAK.

    O x no parecia nem disposto nem capaz de fazer nenhuma das duas coisas.Com a supresso da maioria das vias de dissidncia poltica, as massas voltaram-se para os muls

    em busca de apoio, e os religiosos usaram seu recm-descoberto poder para denunciar o x comoinstrumento do Ocidente. O mais exaltado desses crticos chamava-se Ruhollah Khomeini. Nascido em1902, Khomeini zera seu nome em meio comunidade religiosa do Ir redigindo e publicando muitospanetos contra a liderana secular iraniana, incluindo o pai do x, Reza. Ento, em 1961, ele passoua atacar o x diretamente, censurando sua poltica pr-Ocidente especicamente as que concediamdireitos civis s mulheres e aos no muulmanos como sendo antteses do verdadeiro esprito doIsl. No entanto, sem o conhecimento sequer de seus prprios seguidores, que acreditavam que eleapoiaria uma democracia islmica moderada aps a abdicao do x, a verdadeira meta de Khomeiniera criar um governo que fosse estritamente apegado lei islmica e regido inquestionavelmente por ele.

    Poderoso demais para ser preso ou morto, Khomeini foi exilado pelo x, em 1964, na Turquia,seguindo depois para Najaf, no sul do Iraque. Dali, o religioso provaria ser um operador polticoengenhoso. Nos catorze anos seguintes, continuaria a fazer sermes denunciando os malefcios do x edos Estados Unidos, que eram contrabandeados de volta para o Ir e vendidos em bazares em tascassete.

    No outono de 1978, o pas estava beira do colapso. Uma sucesso de greves e tumultos haviaprovocado violentos choques entre as foras de segurana do x e os correligionrios de Khomeini.Depois que uma srie de medidas desesperadas inclusive um governo militar fracassou em contera mar, o x nalmente foi obrigado a deixar o Ir em 16 de janeiro de 1979. Em sua trilha, ele deixouum pas oscilando beira do abismo, e levaria apenas dez dias para o que restava de seu governo e doexrcito se desintegrar.

    Mesmo com todos os sinais de que o regime do x estava beira de sucumbir, a rapidez com queisso aconteceu pegou de surpresa a Casa Branca, bem como toda a comunidade de inteligncia. Aindaem agosto de 1978, um Relatrio da Inteligncia Nacional cou famoso por informar que o Ir noestava em situao revolucionria, nem mesmo pr-revolucionria. No h uma resposta fcil queexplique como ns, da CIA e da Casa Branca, podamos estar to fora de contato com a realidade. O

  • x mantivera o pas sob mo de ferro por quase 25 anos, e o senso comum dizia que, apesar de todasas inquietaes, ele superaria a tormenta. Depois do fato consumado, revelou-se que muitas pessoas emWashington tinham presumido que o x empregaria todos os recursos necessrios para salvar seuregime e caram perplexas quando ele no o fez. Mesmo o embaixador americano no Ir naquela

    poca, Bill Sullivan, acreditava que o governo do x sobreviveria;3 quando ele mudou de atitude, em 9de novembro de 1978, pouco havia a se fazer. Durante os embates de 1978, no houve estratgia clarade encontros com os grupos de oposio, em parte por medo de que isso pudesse enfraquecer o regimedo x. No nal, porm, talvez a maior razo para o fracasso da inteligncia foi que o governo dosEstados Unidos dera importncia demais pessoa do x e no levara em conta o povo do Ir. Assim,quando as rachaduras do regime comearam a aparecer, os estrategistas em Washington recusaram-sea admiti-las, porque simplesmente no dispunham de uma alternativa alm do apoio ao x.

    Ironicamente, dizia-se que o x tinha ficado um tanto nervoso com a eleio de Jimmy Carter.4 Suapreocupao principal, ao que parece, era a declarada meta de Carter de fazer dos direitos humanosum tema central de sua presidncia. Sensvel opinio pblica, o x aparentemente temia que Carterpudesse pensar que ele era um tirano. No precisava ter se preocupado. At a vspera do Ano-Novo de1978, apenas uma semana antes de uma srie de choques violentos que culminariam na revoluo, opresidente Carter visitou Teer e reassegurou ao x o rme compromisso norte-americano de

    considerar o Ir uma ilha de estabilidade em uma das reas mais atribuladas do mundo. 5 Carterpodia ter bons motivos para apoiar o x, ou no ter alternativa, dada a aliana estratgica criadadevido s necessidades da Guerra Fria, mas essa bvia hipocrisia no passou despercebida s massasno Ir. O presidente dos Estados Unidos era agora considerado amigo ntimo do x, e no demoroumuito para que as multides de manifestantes raivosos comeassem a denunciar o nome de Carter juntocom o do x.

    Apesar da retrica iraniana, parecia haver algumas anidades entre os dois pases. O x, por umlado, comprou enormes quantidades de equipamentos militares americanos durante as administraesNixon e Ford, e parte deles ainda precisava ser entregue. Alm disso, o Ir tinha alguns bilhes dedlares depositados em bancos americanos, dinheiro de que o governo revolucionrio necessitavadesesperadamente para se manter tona. Durante o outono de 1979, Khomeini ainda precisavaconsolidar seu poder, e o pas era conduzido de forma frouxa pelo governo relativamente moderadodo primeiro-ministro Mehdi Bazargan. Em junho de 1979, os iranianos aceitaram a indicao deBruce Laingen como encarregado de negcios da embaixada dos Estados Unidos, e parecia que os doispases estavam a caminho de normalizar suas relaes.

    Ao deixar o Ir, o x passou vrios meses como fugitivo internacional, at que o presidente Carterfoi persuadido a receber o governante deposto por razes humanitrias, quando se descobriu que elesofria de um linfoma e necessitava de tratamento mdico emergencial. Ainda assim, ao acolh-lo, Cartersabia que assumia um risco. Khomeini vinha exigindo o retorno do x para responder por seuscrimes, e Carter estava preocupado com represlias. Numa reunio de caf da manh com sua equipena Casa Branca, o presidente reiterou suas preocupaes, perguntando: Que curso de ao vocs me

  • recomendam caso os americanos no Ir sejam capturados ou mortos?6 Ningum tinha resposta.

    * * *

    A NOTCIA DA CHEGADA do x aos Estados Unidos detonou imediatamente uma onda de ira eparanoia entre a populao iraniana, que temia uma conspirao para sua volta ao poder. Durantemeses, os jornais fabricaram histrias que diziam que os Estados Unidos estavam por trs de cadarevs sofrido pelo pas. Khomeini, em busca de um meio de fortalecer seu controle, acrescentoucombustvel s chamas, conclamando os estudantes a intensicar os ataques aos Estados Unidos parapressionar o pas a devolver o governante deposto. Como era de se prever, os iranianos focaram o alvomais bvio: a embaixada americana em Teer.

    * * *

    A MANH DE 4 DE novembro de 1979 comeou igual s outras, e, para os americanos a caminhodo trabalho, no havia motivos para desconar que a embaixada estivesse beira de sofrer um grandeataque. Bruce Laingen havia presidido uma reunio dos chefes de departamento, aps a qual, juntocom Vic Tomseth e Mike Howland, ele se dirigira ao Ministrio do Exterior iraniano para discutir aobteno de imunidade diplomtica para militares americanos alocados no Ir.

    John Graves, encarregado de assuntos pblicos, foi um dos primeiros a verem os militantespenetrando no complexo. Graves estava no Ir havia mais de um ano e passara pelo ataque do Dia dosNamorados.

    A assessoria de imprensa cava localizada bem ao lado da bomba da piscina, junto ao porto.Algum cortara a corrente do porto, e uma turba de manifestantes invadiu. A maioria era de mulherescom cartazes em que se lia NO TENHAM MEDO e S QUEREMOS ENTRAR com pequenoserros de ingls. A preponderncia feminina na primeira leva foi, na verdade, planejada, pois osmilitantes sentiam que os fuzileiros americanos hesitariam em abrir fogo contra mulheres. Parado junto janela, Graves viu um dos militantes se aproximar de um policial iraniano que supostamente deveria

    proteger a embaixada.7 Os dois se abraaram. Graves no ficou surpreso.Enquanto os manifestantes se dispersavam pelo complexo, os demais funcionrios da embaixada

    demoraram a reagir. Multides berrando Morte aos Estados Unidos e Abaixo o x haviam setornado uma ocorrncia quase diria, tanto que os americanos que trabalhavam dentro da embaixadase referiam quilo como rudo de fundo. Para complicar, os militantes tinham escolhido lanar oataque no Dia Nacional dos Estudantes, evento que recordava a morte de um grupo de estudantes pelas

    foras do x durante uma manifestao na Universidade de Teer no ano anterior.8 A celebraoatrara vrios milhes de universitrios, e os planejadores puderam utilizar a enorme multido paracamuflar o ataque.

  • Em questo de minutos, a chancelaria cou completamente isolada. Funcionrios e diplomatas,agora plenamente cnscios do que se passava, subiam em cadeiras para espiar pelas janelas. Alguns seaglomeraram em torno de monitores de circuito fechado localizados na sala de segurana. O que viramos deixou estarrecidos. O terreno da embaixada estava pululando de militantes carregando cartazes ecantando S queremos entrar!. Ento, um a um, os monitores de circuito fechado foram saindo do ar medida que as cmeras eram arrancadas das paredes.

    * * *

    A MAIOR PARTE DOS funcionrios da embaixada cou calma, e alguns at se irritaram. Pareciaque os estudantes estavam apenas desfilando, entoando palavras de ordem e gritando at que fosse hora

    de ir para casa.9 Repetidamente erguiam-se vozes acima do rumor geral algumas com auxlio demegafones berrando: No queremos lhes fazer mal! S queremos entrar!

    Sem que os americanos soubessem, no se tratava de mais um protesto e, sim, de uma invasomuito bem coordenada. Autodenominando-se Estudantes Muulmanos Seguidores da Linha do Im, osmilitantes observaram a embaixada por muitos dias e desenharam mapas detalhados. Tinham cortadotiras de pano para usar como vendas em quase cem refns e haviam at armazenado vveres paraalimentar os cativos.

    O plano era ocupar a embaixada por trs dias, quando leriam uma lista de acusaes contra o xe os Estados Unidos. Sua principal esperana era que o ataque enfraquecesse a posio do governo

    moderado de Bazargan ao for-lo a enfrentar uma situao difcil.10 Se Bazargan socorresse osamericanos, os iranianos veriam que ele e os outros moderados no passavam de fantoches doOcidente.

    Alguns militantes portavam armas improvisadas, tais como correias de bicicleta, tbuas e atmartelos. E uns poucos traziam pistolas, contradizendo alegaes posteriores de que a invaso foracompletamente no violenta.

    Depois de trancar a chancelaria, os fuzileiros logo se prepararam para enfrentar o tumulto.Carregaram as pistolas e metralhadoras e assumiram posies por toda a embaixada. A adrenalinacorria solta, e alguns pareciam vidos por uma briga. Um deles se deitou de bruos num dosescritrios, com munio ao seu alcance, fazendo mira com o cano da arma como um atirador de elite

    enquanto esquadrinhava a janela.11

    Nesse meio-tempo, Laingen, Tomseth e Howland estavam num carro, voltando da reunio noMinistrio do Exterior. Tinham acabado de entrar no trnsito quando Al Golacinski os chamou pelordio e lhes disse para dar meia-volta. Centenas de pessoas tomaram conta da rea da embaixada,avisou. Os trs se deram conta de que, mesmo que chegassem ao local, provavelmente no conseguiriamentrar. Decidiram que o melhor seria retornar ao Ministrio do Exterior e tentar organizar o socorrodali.

  • A ltima coisa que Laingen disse a Golacinski antes de desligar foi para que ele garantisse que os

    fuzileiros no abririam fogo.12 Se apenas um deles disparasse, provavelmente aconteceria um banho desangue.

    E gs lacrimogneo? indagou Golacinski. S em ltimo caso foi a resposta de Laingen.A essa altura, os funcionrios do segundo andar da chancelaria comearam a perceber que o

    ataque era mais srio do que pensavam. Alguns fuzileiros e outras pessoas, como John Graves, quetrabalhavam nos prdios mais perifricos, j haviam sido capturados, e os americanos na chancelariaviram das janelas do segundo andar seus colegas serem vendados, terem as mos amarradas e seremconduzidos em seguida rumo residncia do embaixador, nos fundos do complexo.

    Don Hohman, um paramdico militar que estava nos apartamentos Bijon na rua diante do porto

    dos fundos,13 contatou Golacinski pelo rdio dizendo que um grupo de iranianos tambm haviaentrado ali. No quarto andar, onde se encontrava, ele os ouvia chutando as portas e vasculhando asunidades abaixo: Golacinski percebeu que pouco havia a fazer; disse a Hohman que ele estava por suaprpria conta. (Hohman mais tarde seria capturado ao descer pela parede externa do edifcio.)

    Nesse momento, Golacinski tinha problemas maiores que os de Hohman; chegara aos seus ouvidospelo rdio que a chancelaria acabara de ser invadida. Apesar de recentemente terem sido despendidosvrios milhes de dlares para forticar o prdio, os militantes encontraram o nico ponto fraco da

    estrutura: uma janela do poro que cou sem grades para servir de sada de incndio.14 Na verdade,os intrusos pareciam saber exatamente onde ela estava.

    Com os militantes no poro, Golacinski ordenou a todos, inclusive aos funcionrios iranianos queaguardavam no primeiro piso, que subissem para o segundo andar. (O segundo andar era, em geral,inacessvel aos funcionrios locais.) Num rasgo de bravura ou de estupidez, dependendo de como seolha, Golacinski perguntou, ento, a Laingen pelo rdio se ele podia sair para argumentar com a

    multido, que agora j perfazia bem mais de mil pessoas.15 Laingen respondeu que s zesse isso sepudesse garantir sua prpria segurana, o que no era possvel. Golacinski foi mesmo assim, e logo foicapturado e obrigado a marchar de volta para a chancelaria sob a mira de armas.

    No segundo andar, fuzileiros e funcionrios comearam a empilhar mveis por trs da porta deao. O corredor central estava atulhado de gente, todos trocando olhares preocupados. Alguns dosiranianos comearam a chorar. Os fuzileiros andavam por toda parte entregando mscaras antigs.Outros examinavam e reexaminavam a mira de suas armas. O clima era tenso.

    Em outra parte do edifcio, um pequeno grupo de americanos ocupava-se em destruir documentos edesmontar equipamentos usados em comunicaes reservadas para evitar que cassem nas mos dos

    militantes.16 Laingen demorou a dar essa ordem, pois esperava que a manifestao terminasse semincidentes. Alguns membros da equipe com mais iniciativa j tinham comeado a destruir documentosdentro da sala de comunicaes da embaixada, de segurana mxima, conhecida como cofre porquepodia ser fechada por fora por uma porta de ao semelhante de um cofre. Alm de abrigar o

  • equipamento de comunicao, o cofre, com cerca de dezesseis metros quadrados, tambm continha um

    dispositivo especial usado para pulverizar documentos.17 No entanto, a mquina muitas vezes davaproblema, e por isso algum trouxera um picador comercial, que cortava os papis em longas tiras.Mas o progresso era lento, e, em vez de destruir os documentos completamente, ele deixava uma pilhade tiras de papel no cho.

    A situao deteriorava-se rapidamente. Os militantes levaram Al Golacinski para o poro dachancelaria e o conduziram em seguida at o segundo andar, onde os americanos tinham feitobarricadas por trs da porta reforada. As escadas estavam se enchendo de gs lacrimogneo, e osolhos ardiam. Algum agitou uma revista em chamas diante do seu rosto, e ele se encolheu

    apavorado.18 No me queime!, berrou. Ento, um cano de arma foi encostado em sua nuca e lhederam um ultimato: diga-lhes para abrir a porta ou voc morre.

    Golacinski berrou atravs da porta metlica, dizendo aos colegas que no adiantava resistir.19

    Informou que os militantes j tinham capturado oito americanos (era sua prpria avaliao) e queapenas queriam ler uma declarao e depois partir. igualzinho a 14 de fevereiro, disse.

    John Limbert, um adido poltico que falava parse com fluncia, apresentou-se como voluntrio para

    sair e ver se conseguia persuadi-los a libertar Golacinski.20 De incio, os militantes caram surpresosde ele os censurar como crianas em seu prprio idioma, dizendo-lhes que a Guarda Revolucionriaestava a caminho para bot-los para fora. Sabiam que estava blefando, e numa questo de minutos elefoi capturado e recebeu a mesma opo que Golacinski: faa seus amigos abrirem a porta ou atiramosem voc.

    Laingen, a essa altura, j tinha percebido que era intil resistir. Apesar de todos os seus esforosjunto ao Ministrio do Exterior iraniano, ele e Tomseth no conseguiram obter auxlio do governo. Pelotelefone da sala do ministro, ele ligou para a embaixada dos Estados Unidos e disse a Ann Swift, adidapoltica snior da embaixada, para se renderem. Swift e outros dois funcionrios cuidavam de umacentral telefnica na antessala de Bruce Laingen. Como funcionria mais graduada presente naembaixada, ela fazia o que podia para manter abertas as linhas de comunicao. No comeo dainvaso, telefonara para o Centro de Operaes no Departamento de Estado dos Estados Unidos e apuseram em contato com trs funcionrios de escalo superior, entre eles Hal Saunders, secretrio deEstado assistente para Assuntos do Oriente Prximo e sia Meridional. Saunders ainda estava aotelefone com Swift uma hora depois, quando Laingen declarou que era hora de desistir. Ns vamosdeix-los entrar, disse ela a Saunders pelo telefone.

    Ao perceber a seriedade da situao, Saunders transmitiu a informao ao conselheiro deSegurana Nacional do presidente Carter, Zbigniew Brzezinski, que por sua vez ligou para o presidente

    s quatro da madrugada. Carter cou profundamente perturbado mas razoavelmente confiante21 deque o governo iraniano removeria os militantes com rapidez, assim como acontecera em 14 de fevereiro.

    Aps a rendio, os americanos na chancelaria resignaram-se. Quando a porta de ao foinalmente aberta, a turba ofegante inundou a sala. Os funcionrios no interior do cofre aguentaram

  • ainda mais de uma hora destruindo documentos, mas por fim tambm foram obrigados a se entregar.O plano de segurana original requisitava que os funcionrios da embaixada resistissem por duas

    horas at que o governo iraniano pudesse enviar socorro. Como se viu, o plano funcionou comperfeio. O nico problema, claro, foi que o socorro nunca chegou.

    * * *

    A NOTCIA DO ATAQUE embaixada me alcanou num domingo de manh, quando eu estava nabancada da cozinha tomando a primeira xcara de caf. Era a minha parte favorita do m de semana a famlia ainda adormecida; a casa em silncio. Eu tinha um rdio de pilha ligado na NPR e noprestava muita ateno transmisso enquanto passava os olhos pelo jornal de domingo. L fora, umaleve camada de neve cobria o cho, e o cu estava cinzento e frio. Eu pensava em quanta lenhaprecisaria cortar antes de poder me dedicar pintura no ateli. Tnhamos uma grande estufa anexa frente da casa, e eu estava prestes a entrar nela para observar a neve quando a transmisso da NPR foiinterrompida pela notcia do ataque.

    Os acontecimentos ainda se desenrolavam, mas o quadro geral era claro. Uma multido invadira aembaixada e as vidas de aproximadamente 70 diplomatas americanos corriam perigo.

    Minha mente voou de volta para abril de 1979, a ltima vez em que eu pusera os ps dentro daembaixada americana em Teer. Como eu era um agente especializado do Escritrio de ServiosTcnicos da CIA, com mais de catorze anos de experincia naquela poca, haviam me pedido que meinltrasse no Ir em meio revoluo para ajudar a resgatar um blue striper, ou melhor, um agenteiraniano de primeiro escalo, cujo codinome era RAPTOR. Como chefe do setor de disfarces, fuiencarregado de bolar uma fachada convincente que permitisse ao agente, um ex-coronel do exrcitoiraniano, passar pelos controles de segurana do Aeroporto de Mehrabad e pegar um voo comercial.

    A operao era semelhante a incontveis outras que eu zera no Sudeste Asitico e em outras partesdistantes do mundo, mas estava longe de ser rotineira. A violncia explodira por todo o pas, e osrevolucionrios estavam caa de antigos membros do regime do x. O tempo se esgotava para ocoronel. Ele tinha passado o inverno escondido no sto de sua av, com a neve gotejando sobre eleenquanto um grupo de guardas revolucionrios vasculhava com rifles o apartamento abaixo. Quando oencontrei, ele estava terrivelmente abalado.

    Eu usara a biblioteca da embaixada para fazer parte da minha pesquisa para o seu disfarce.Depois, passei a maior parte da semana preparando-o, treinando-o, empregando todos os truques quehavia aprendido no decorrer da minha carreira para tir-lo do pas com vida.

    Aps escutar as notcias por alguns minutos, fui na ponta dos ps at o quarto e, em silncio, pegueias chaves do carro e meu distintivo da Agncia. Parei na cozinha para rabiscar um bilhete para Karen,explicando aonde tinha ido; depois peguei o telefone e liguei para o plantonista da minha seo. Nosns de semana, era funo dele monitorar todo o uxo de mensagens e informar se minha presena eranecessria. Os detalhes do ataque ainda no estavam claros, mas novas informaes de Teerchegavam a cada minuto. Todos ns da CIA estvamos cientes dos perigos enfrentados pelo pessoal da

  • embaixada num lugar imprevisvel como o Ir revolucionrio. Entre eles, havia trs colegas meus daCIA, que, sem dvida, seriam escolhidos para o tratamento especial se os iranianos conseguissemidentic-los. Eu s esperava que os funcionrios tivessem tido tempo suciente de destruir todos osdocumentos mais delicados dentro da embaixada. Quando nalmente alcancei o plantonista, ele sconrmou aquilo de que eu j desconava. As coisas estavam movimentadas no escritrio. Era hora deir para o trabalho.

  • 2coleo de edifcios neoclssicos em pedra calcria e tijolos nada tinha de especial, segundo a opinioda maioria das pessoas. Parte integrante do antigo Observatrio Naval no m do sculo XIX, osprdios acabaram sendo ocupados durante a Segunda Guerra Mundial pela primeira agncia deinteligncia dos Estados Unidos, o OSS (Ofce of Strategic Services; Escritrio de Servios Estratgicos).Comandado pelo major-general William Wild Bill Donovan, o OSS teve entre seus servidores algunsdos personagens mais inusitados da histria da espionagem, entre vigaristas prossionais,arrombadores de residncias, peritos em falsicao, mgicos e at mesmo atores e aristocratasformados pelas melhores universidades do pas. A Segunda Guerra Mundial foi repleta de proezasrealizadas por esses audaciosos agentes secretos. O ainda inexperiente servio de espionagem mandavatais agentes para alm das linhas alems e japonesas e criava artefatos engenhosos como cigarros-pistolas, cmeras em caixas de fsforos, at mesmo farinha explosiva. E isso tambm abriu caminhopara a CIA. Na verdade, grande parte da estrutura, dos mtodos operacionais e dos procedimentos quea CIA viria a empregar mais tarde evoluiu diretamente das prticas do OSS.

    O EST, por sua vez, teve origem no setor de Pesquisa e Desenvolvimento do OSS. Originalmenteencabeado por Stanley Lovell, um qumico, esse setor viria a desempenhar um papel integral nodesenvolvimento e no aprimoramento das habilidades dos agentes operacionais do OSS, ao mesmotempo que abria caminho para a chegada de tcnicos como eu.

    Talvez um dos mais importantes legados do setor de P&D para as geraes futuras de tcnicos doEST tenha sido a maneira como contratavam fornecedores externos para desenvolver novas tecnologias.Isso permitiu ao OSS tirar vantagem plena da capacidade industrial e tecnolgica do setor privadonorte-americano, muito diferente do mtodo empregado por outros servios estrangeiros, como o MI6ou a KGB. E acabou nos dando uma enorme vantagem sobre nossos colegas soviticos, que dependiamde equipamentos e instalaes estatais e de uma mentalidade burocrtica. Parte do motivo pararecorrermos a fontes externas era a necessidade, uma vez que Lovell no dispunha das verbasnecessrias para construir laboratrios a partir do zero. Aproveitando ao mximo o setor privado,porm, o EST foi capaz de se manter na vanguarda.

    Em 1965, quando entrei a servio da Diviso de Servios Tcnicos da CIA, ou DST (o nome seriaalterado para EST em 1973), relacionvamos nosso departamento e nosso trabalho ao personagem Qdos filmes de James Bond. ramos os criadores de engenhocas da CIA, os fornecedores do equipamentotcnico necessrio para os agentes de operaes terem sucesso em roubar os segredos dos nossosinimigos.

    Nossa organizao era parte do setor operacional da CIA conhecido como Diretrio de Operaes,ou DO. Havia outros trs diretrios: Administrao, Cincia e Tecnologia, e Inteligncia. O trabalho doDO era basicamente no exterior, o que vale dizer que nossos equipamentos e conhecimentos eramutilizados em todo o mundo, e em geral fora dos Estados Unidos.

    Havia essencialmente dois grupos que compunham nosso departamento. Metade dos funcionriosnas divises de desenvolvimento e engenharia era de qumicos, fsicos, engenheiros mecnicos e eltricos,e um sortimento de cientistas com Ph.D. especializados em campos restritssimos, tais como baterias,bales de ar quente, tintas especiais, escolha o que quiser. Eram os caras que projetavam e construam

  • as engenhocas. A outra metade fazia parte da diviso de operaes; eram eles que utilizavam osequipamentos e ensinavam nossos agentes responsveis e os estrangeiros a us-lo.

    Listar alguns de nossos recursos pode dar uma ideia da robustez das possibilidades disposio daCIA. Sem nenhuma ordem especca, eles incluam udio, foto/vdeo, disfarces, documentos edissimulaes. Havia tambm peritos em grafologia, psicologia e parapsicologia, medicina forense emuitas outras disciplinas esotricas. Se algum precisasse de suporte tcnico para uma operao, nsfornecamos, e, se no existisse, podamos inventar.

    * * *

    MINHA SALA LOCALIZAVA-SE NO Edifcio Central, que tambm abrigava o setor deautenticao, os laboratrios de disfarces, o cercado dos artistas e a seo de documentos. Do outrolado de um pequeno ptio cava o imponente Edifcio Sul, em estilo neoclssico, sede do EST. Em 4 denovembro de 1979, meu ttulo era chefe de disfarces, mas, na verdade, eu estava prestes a serpromovido a chefe do setor de autenticao, um cargo que me tornaria responsvel pelas operaessob disfarce da CIA em todo o mundo, bem como de quaisquer casos envolvendo documentao falsa eo monitoramento forense desses documentos para fins de contraterrorismo.

    Passar de chefe de disfarces para chefe de autenticao era um grande passo, e eu estava ansiosopela transio. Tinha uma boa base em disfarces e sentia-me perfeitamente capaz de seguir em frente.Em termos de conhecimento e qualicaes prossionais, eu sentia, com toda sinceridade, que eraprovvel que no houvesse ningum to bom quanto eu, exceo de algum na KGB que eu ainda noconhecia. Arrogante mas seguro era provavelmente como meus colegas me viam, promissor, deviaser a opinio dos meus chefes. Quanto a mim, ainda no tinha encontrado situao ou oponente queno me sentisse capaz de enfrentar.

    Nunca planejei me tornar um espio. Nunca ouvi uma vozinha em meus ouvidos dizendo que eudeveria me candidatar a uma vaga em servios clandestinos. Na verdade, eu estava convicto de que aminha carreira seria em belas-artes. Sob vrios aspectos essa carreira se materializou, mas no foi daforma que eu havia previsto.

    Nasci em Eureka, Nevada segundo a National Geographic, a cidade mais solitria na estradamais solitria dos Estados Unidos. Provavelmente foi bom eu no saber disso enquanto crescia. Achavaque estava tudo bem.

    Minha me, Neva June Tognoni, vinha de uma antiga famlia de Nevada e era a nica lha numacasa de rapazes. Seus trs irmos tinham obtido relativo sucesso nesse estado do Oeste: um se tornousenador estadual, e os outros dois viraram advogados, geralmente representando casos na rea deminerao. Seu av, J. C. Tognoni, um imigrante do norte da Itlia, da cidade de Chiavenna,enriquecera com o maior lo de ouro da histria do estado. No entanto, com a mesma rapidez queconstruiu sua fortuna, ele a perdeu. Neva June nunca sentiu o sabor das riquezas de que seu av tinhadesfrutado; pelo contrrio, era sempre preterida, enquanto os irmos recebiam a educao e asoportunidades que lhe eram negadas.

  • Essa foi a histria da minha me. Ela, por sua vez, transmitiu sua experincia para os lhos:quatro meninas e dois meninos. Minhas irms foram favorecidas, em detrimento de mim e meu irmo,numa tentativa de corrigir o erro csmico que ela sofrera.

    Meu pai se chamava John Mendez. Era um homem incrivelmente jovem e bonito com apenas 23anos quando nasci, mas no pude conhec-lo direito. Trabalhava nas minas de cobre de Nevada, ondemorreu quando eu tinha trs anos, esmagado por um vago cheio de minrio. A famlia de meu paitinha um passado sombrio; bem possvel que seu verdadeiro nome fosse Manuel Gomez. Corria ahistria de que sua me morrera num acidente de carro em Los Angeles e, durante a disputa pelacustdia das crianas com a cunhada, meu av pegou os dois meninos, fugiu e mudou de sobrenome.

    Mame falava muito sobre meu pai enquanto crescamos. Ela tinha sido loucamente apaixonadapor ele, e os dois eram muito jovens quando ele morreu.

    Meu irmo John e eu trabalhvamos arduamente no rido deserto em torno de Eureka, rebocandomadeira pela neve durante o inverno numa pequena carroa, vendendo jornais no trem que fazia umaparada de nove minutos na cidade uma vez por dia, recolhendo e vendendo guano de morcego para assenhoras mrmons do outro lado da cidade, que utilizavam o produto como fertilizante para seusjardins. Ganhvamos o suciente para uma ida ocasional dos seis ao cinema, e s vezes um sorvete naconfeitaria local. Minha me no tinha dinheiro sobrando para esses luxos.

    Desde muito cedo, sempre adorei desenhar. Como ramos pobres, tive de me virar com o queachava. Usava um pedao de pau pontudo para rabiscar guras no cho, um toco de carvo sobreuma tbua velha ou pedao de cartolina, um lpis sobre um saco de papel pardo. Quando tinha cincoou seis anos, minha me chegou da cidade com um embrulho para cada um de ns. Meu presente eraum pequeno estojo de aquarela, do tipo mais bsico. Mame disse: Tony, voc vai ser um artista.No era uma sugesto. Durante a minha futura carreira na CIA, eu costumava levar comigo um estojode aquarela bem semelhante nas minhas viagens pelo mundo, apenas uma entre muitas ferramentas queusei em minha trajetria na espionagem.

    Aps o ensino mdio, frequentei a Universidade do Colorado, em Boulder, por um ano, mastranquei para trabalhar como auxiliar de encanador e ajudar no sustento de minha famlia. Foi maisou menos nessa poca que conheci minha esposa, Karen Smith, e cinco anos depois tnhamos trslhos: Amanda, a mais velha, seguida de Toby, e mais tarde Ian. A essa altura, eu estava em Denvertrabalhando para Martin Marietta como desenhista/ilustrador de ferramentas e mantendo um estdiode design. Era um trabalho prosaico desenhar os diagramas de ao para os msseis Titan queestavam sendo instalados em silos em todo o pas , mas pagava as contas. A, em 1965, vi algo quemudaria a minha vida para sempre. Foi um anncio no Denver Post em busca de candidatos paratrabalhar no exterior como artistas para a Marinha dos Estados Unidos. Mandei uma resposta comalgumas amostras do meu trabalho para a caixa postal em Salt Lake City. Disse a Karen que poderiaser revitalizante experimentar algo novo.

    Quando me encontrei com o representante do governo, no foi no edifcio da administrao federalno centro de Denver, mas num quarto de motel na Avenida Colfax, no lado oeste da cidade. Asvenezianas estavam fechadas. Meu interlocutor era um sujeito de aspecto um tanto escuso que manteve o

  • chapu com abas dentro do quarto, como um detetive dos velhos tempos. Ele me mostrou rapidamenteuma credencial do governo e ps uma garrafa de Jim Beam sobre a mesa.

    Filho disse ele, servindo o bourbon para os dois , isto no a marinha.No brinca!, pensei.A verdade, segundo me contou, era que ele pertencia CIA. Na poca, eu no sabia o que era a

    CIA, mas tentei parecer interessado enquanto escutava seu papo de vendedor. No sei que tipo de artista esto procurando falou. Mandei alguns currculos para eles,

    mas no pareceram servir. Aqui, veja isto. Voc vai entender melhor do que eu.Li o guia de recrutamento (condencial!) e entendi imediatamente que o tipo de artista que o

    recrutador da CIA tinha em mente acabaria trancafiado numa priso se tentasse praticar aquele tipo dearte por conta prpria. O que estavam procurando eram falsicadores moda antiga. Do ponto devista tcnico, aquilo no representava um problema para mim. Era uma questo de coordenao damo e do olho, em conjunto com a habilidade de manusear materiais, e seguramente eu era capaz.

    Fui para casa e comecei a ler sobre a CIA, e, quanto mais eu lia, mais interessado cava. Eu podiaservir o meu pas, ver o mundo e possivelmente causar algum impacto sobre os acontecimentos. Reuniuma amostra do meu trabalho artstico, incluindo um selo postal blgaro, parte de uma nota de umdlar e alguma caligraa chinesa, e despachei para o recrutador da Agncia em Salt Lake City. Aconvocao para ir a Washington chegou em poucas semanas.

    Na capital, passei por diversos nveis de entrevistas. Estava claro que tinham gostado das minhasamostras, e a qualidade do meu trabalho nunca foi um problema. Por m, a questo se tornou umassunto moral. Encontrei-me com o vice-diretor do DST, Sidney Gottlieb, que conduziu minha ltimaentrevista.

    Sabe, Tony disse ele , h gente que talvez tenha problema em fazer o que ns vamos lhepedir. Infringir leis de governos estrangeiros. Mentir para seus amigos e sua famlia, que vo querersaber onde voc trabalha e o que faz. Voc vai ter problemas com isso? Por um longo perodo?

    Considerei com seriedade o que ele me dizia. Seria um novo modo de vida, um novo modo detrabalhar, de fechar alguns caminhos e abrir portas que eu s podia imaginar. No hesitei:

    Penso, Dr. Gottlieb, que a verdade no necessariamente da conta de todo mundo, sobretudoquando seu pas confia em voc para guardar segredos.

    Ele se levantou para apertar minha mo. Voc vai se sair bem, Tony falou.

    * * *

    MINHA PRIMEIRA FUNO NA Agncia foi no setor grco, trabalhando no cercado dosartistas, onde aprendia a trabalhar com linguistas e peritos que haviam estudado controles desegurana e viagens ao exterior. Quando cheguei, eu me encontrava na base da cadeia alimentar. Oescritrio era encabeado por Franco, um sujeito corpulento, jovial, muitas vezes exigente, mas tambmmuito justo. Se voc se dispunha a trabalhar com um pouco mais de dedicao, ele assegurava que

  • recebesse o crdito. Se voc resolvia problemas, era recompensado. Foi um timo primeiro chefe. Seusegundo em comando, Ricardo, por outro lado, era muito competitivo com a equipe. Se visse algumafraqueza, atacava.

    Tive muitos projetos desafiadores nos 22 meses em que trabalhei no cercado, na sede. Talvez o maisdifcil, porm, tenha sido lidar com Ricardo. Todo mundo deixava o trabalho sobre a mesa no m dodia, e Ricardo chegava cedo na manh seguinte para checar o progresso de cada um, rondando cadaescrivaninha para ver como o artista se saa. Depois de sua inspeo, marcava com pequenas setasazuis as reas que precisavam ser mais trabalhadas. Assim, ao se chegar de manh, a primeira coisaque acontecia era encontrar seu trabalho do dia anterior cheio dessas setinhas. Parecia que ele sentiacerto prazer em fazer as tais marquinhas azuis. Aquilo deixava os artistas furiosos.

    Para aliviar a tenso, instalamos um alvo para dardos, que usvamos durante os intervalos. Em vezde lanar trs dardos a uma distncia padro de trs metros, bolamos um jogo mais desaador, coisade macho: um dardo, a uma distncia de seis metros, por um dlar o arremesso. Ricardo demonstroumaestria, sendo capaz de lanar o dardo com a na preciso de um escorpio espetando o rabo. O queele adorava fazer era se meter no jogo e tirar seu dinheiro na frente dos outros. Quando, nalmente,consegui venc-lo, no concordei com uma revanche e, durante algum tempo, temi pela minha vida. Masele apreciava meu trabalho, tanto que, um ano depois, ao sair para assumir o cargo de chefe do setorgrco da nossa base no Extremo Oriente, solicitou especicamente que eu fosse seu subordinado,passando por cima de outros funcionrios mais antigos.

    Como artistas, reproduzamos basicamente documentos pessoais de identidade que pudessem serusados com objetivos operacionais, tais como viagens, locao de casas ou quartos de hotel. Podiam serutilizados, tambm, para exltraes, operaes de bandeira falsa, ciladas ou travessia de fronteirasinternacionais. As falsicaes s vezes eram destinadas a desacreditar indivduos ou governos, damesma forma que a KGB fazia conosco. O programa deles era chamado de Medidas Especiais. Onosso no tinha nome simplesmente chamvamos de ao secreta. Outros documentos queproduzamos podiam assumir a forma de desinformao, cartas em dirios, adesivos ou qualqueroutro item grco que pudesse inuenciar os acontecimentos. ramos capazes de reproduzir quase tudoque fosse colocado nossa frente; as nicas restries eram questes de ordem poltica, tais comodinheiro. Fabricar dinheiro dos outros, naquela poca, era considerado um ato de guerra. Masbombardear um pas com panetos em vez de munio era um recurso que fornecamos com o maiorprazer.

    Depois do meu tempo no cercado, passei os sete anos seguintes, de 1967 a 1974, vivendo etrabalhando em Okinawa, Bangcoc e outros lugares distantes, em viagens pelo mundo como tcnicoclandestino da CIA. Durante todo esse tempo, continuei a trabalhar como artista-autenticador, mastambm me aventurei em outras reas, como os disfarces e as exltraes, ajudando a resgatardesertores e refugiados da Cortina de Ferro. Uma grande parte disso se deveu ao fato de que ajudei aconceber um novo programa generalista, que dava treinamento multidisciplinar aos funcionriostcnicos e abarcava temas como disfarce ou documentos, ou o que fosse necessrio para a regioespecca na qual estariam trabalhando. Isso no s nos dava um novo conjunto de aptides como

  • tambm nos permitia respostas mais geis s necessidades potenciais de nossos chefes locais esupervisores de caso, que, em campo, muitas vezes pediam um pouco de tudo.

    Ento, em 1974, fui promovido a chefe de disfarces e pedi para voltar sede para dirigir a seo.Nessa poca, eu tinha apenas 33 anos, e algumas pessoas no reagiram bem quando um novato comoeu, surgido do nada, veio lhes dizer o que fazer.

    Na esteira de Watergate, o moral da Agncia estava em seu ponto mais baixo. Nixon acabara dedeixar a Casa Branca, e o Senado preparava uma investigao sobre a CIA. Havia sangue na gua.Minha postura era de que ainda havia gente boa por l e muito trabalho a ser feito. Eu estava ansiosopor fazer a minha parte.

    Os anos 1970 caram bem no meio da Guerra Fria, e havia numerosos casos em andamento. AUnio Sovitica se espalhava pelo Terceiro Mundo, e, medida que estendia seu alcance, passamos ater mais acesso a seu pessoal.

    * * *

    QUANDO ABRI AS PORTAS do Edifcio Central na manh de 4 de novembro de 1979, percebi quea crise capturara a ateno de todos. Apesar de ser domingo, o prdio parecia em estado de stio, comgente correndo em todas as direes. Vrias pessoas carregavam arquivos secretos de tarja vermelha;todos exibiam uma expresso soturna. Eu nunca tinha visto o lugar to frentico era como se umalarme silencioso tivesse disparado. O fim de semana havia terminado oficialmente.

    Dirigi-me at meu conjunto de salas e laboratrios, localizado no terceiro andar, para ler asmensagens e me reunir com minha equipe.

    Primeiro, meti a cabea pela porta do subchefe de operaes do EST. Matt, um homem intenso,conservador, mas educado, estava sentado atrs de sua mesa, distribuindo telegramas e falando aotelefone.

    Oi, Tony, bem-vindo. Que bom que voc conseguiu chegar disse, cobrindo o bocal do telefonecom a mo e apontando uma cadeira onde estava jogado seu palet. Era a primeira vez que eu via Mattsem gravata. O cabelo ruivo, sua marca registrada, estava despenteado, e ele no tirava os olhos dapapelada sobre sua mesa.

    Parece que temos o que fazer falei quando ele desligou o telefone. , estamos esperando que as coisas quem ainda mais agitadas por aqui. Por que voc no vai

    tomando p das coisas e conversamos mais tarde?Segui adiante at a minha seo. A maior parte da equipe j estava l, alguns trabalhando em

    outros projetos no relacionados com a crise dos refns. Tim, o meu segundo em comando, entrou e foiarrancando a gravata; estava voltando da igreja. Sem dar mais do que um al, ele comeou a prepararcaf. Parei diante da porta do laboratrio de disfarces para ver quem mais tinha chegado.

    Quando fui promovido para comandar a seo de disfarces do EST em 1974, o chefe de operaesme chamou de lado e me encarregou de tornar o setor o mais eciente possvel, e eu me propus fazerdisso uma realidade. Na poca, a maioria das pessoas achava que o setor nada mais era do que um

  • grupo de maquiadores. O conceito amplo de disfarce no era tratado com muito mrito dentro daAgncia, especialmente por funcionrios que tinham chegado maturidade nos tempos em que ele nopassava de perucas mal assentadas, bigodes e chapus. Houve gente que trabalhou para a CIA duranteesse perodo cuja abordagem sobre o assunto se limitava a sentar um agente numa cadeira de barbeiroe car discursando sobre a arte do disfarce, sem fornecer absolutamente nada em termos de recursosmateriais.

    Tudo mudou quando comecei a trabalhar com um maquiador de Hollywood no comeo da dcadade 1970 e a mostrar o que podia ser obtido com alguma criatividade. A primeira dessas operaesexigia a transformao de um supervisor de caso afro-americano e de um ministro do Laos emcaucasianos para que pudessem se encontrar em Vientiane, Laos, em 1972. As caracterizaes foramto convincentes que os dois conseguiram passar por uma blitz de estrada sem serem detectados. Oepisdio abriu as comportas e mudou tudo que dizia respeito a disfarce operacional.

    Em meados dos anos 1970, todos no setor precisavam aprender a fazer uma impresso facial.Algumas pessoas que trabalhavam ali havia vinte anos no estavam mais qualicadas. Mas em 1979tnhamos revolucionado totalmente o departamento, criando numerosos recursos capazes de alterar porcompleto a aparncia de uma pessoa e que podiam ser aplicados no escuro, em questo de segundos.Parado na porta, observando o prossionalismo da minha equipe no trabalho, me ocorreu quo longetnhamos chegado. Eles estavam motivados e prontos, e eu tinha conana de que, no importava odesafio, eram capazes de fazer um servio bem-feito.

    Ao entrar na minha sala naquela manh, vi uma pilha de umas duzentas mensagens de telex minha espera sobre a mesa. Isso no era incomum; o que chamou imediatamente a minha ateno,porm, era que um grande nmero delas vinha com a marca FLASH [a jato]. Era o mais elevado nvelde prioridade usado pela CIA (os outros eram IMEDIATO, PRIORIDADE e, o mais baixo,ROTINA). Mensagens de categoria FLASH eram assunto srio, utilizadas apenas em tempos de guerraou quando vidas de cidados americanos corriam perigo imediato. Alguns encarregados decomunicao passavam a carreira toda sem jamais ver uma delas. Nesse caso, eu no estava olhandopara uma, mas para vrias dezenas. Foi ento que a ficha caiu em relao gravidade da situao.

    Naquela manh, a maioria de ns ainda conava que os ocupantes da embaixada cariam apenasalgumas horas, como ocorrera com o grupo de guerrilheiros marxistas em 14 de fevereiro.

    Nesse intervalo, nossa primeira ordem de servio era enorme. Agora que a embaixada fora tomada,precisaramos tentar restabelecer algum tipo de rede de inteligncia humana no Ir. Normalmente,quando um pas atravessa um perodo de turbulncia ou quando preciso lidar com uma reainacessvel, tal como Moscou, monta-se uma rede de agentes deixados para trs, cidados queconcordam em car em contato com o Ocidente aps qualquer incidente desagradvel, propondo-se adar informaes sobre a situao corrente. Ns tnhamos uma rede dessas estabelecida em Teer antesdo ataque. Nossos agentes, porm, pareciam ter se fundido paisagem. Talvez estivessem em posio,mas a maioria deu para trs quando percebeu o perigo que eles e suas famlias estariam correndo.

    O plano era reunir um grupo de agentes treinados que pudesse se inltrar no Ir para fazer oreconhecimento da situao e comear a construir uma infraestrutura para algum resgate potencial. Tal

  • cenrio envolvia antes de tudo diversas perguntas: Como seriam seus documentos e materiais dedisfarce? Quais seriam suas nacionalidades? Comeamos a procurar candidatos que pudessem assumiros personagens estrangeiros para quem tnhamos documentos e histrico de informaes a respaldar.Esses indivduos necessitavam de conhecimentos lingusticos que permitissem se passar por noamericanos. Tambm precisavam ter aparncia condizente. Um empresrio latino-americano tem deparecer latino. Um estudante alemo precisa falar alemo.

    Uma vez identicados os candidatos, poderamos construir suas histrias de fachada. Quem estavaindo ou voltando do Ir a essa altura dos acontecimentos? Empresrios? Jornalistas? O mundo estavade olho, e a mdia, com certeza, estava acompanhando de perto toda a situao.

    Quanto ao disfarce, as mesmas regras se aplicavam. J teramos alguma coisa pronta nasprateleiras? Algum precisaria parecer mais velho? Era possvel lhes dar a aparncia de iranianos? Quetal criar a insgnia para os uniformes iranianos? Ns nos debatamos, correndo para anteciparquaisquer exigncias que nos fossem solicitadas. Estvamos apreensivos, mas no assustados. ramoscapazes de fazer o que precisava ser feito, pensava eu, mas levaria tempo.

    Embora a sensao de ansiedade prevalecesse no Edifcio Central naquela primeira semana, nofaltaram ideias. Mas nem todas eram muito bem concebidas. Houve um ex-agente das foras especiaisque entrou na minha sala e me disse que resolveria tudo se eu conseguisse lhe arranjar uma mscara deborracha e um fuzil AK47.

    Em outra ocasio, um experiente funcionrio com quem eu trabalhara no sul da sia apareceu naminha porta parecendo perdido.

    Ei, Jack. Em que posso ajud-lo? perguntei.Ele explicou como o diretor de operaes o vira caminhando pelo corredor, na sede, e lhe dissera

    para mexer a bunda e ir at o Edifcio Central para ser disfarado e ir ao Ir. Jack era de origemasitica, e corria a ideia de que provavelmente seria mais fcil para um no caucasiano entrar no Irsem chamar ateno. Faltava apenas um importante elemento para transformar o plano em realidade.

    Mandaram que eu o procurasse disse ele. Mas no tenho como fazer isso. Eu no falojapons.

    Em outra parte do EST, Mike Dougherty, mercenrio irlands em uma vida passada, dirigia suadiviso com mo de ferro e entusiasmo. Ele estava juntando seus recursos paramilitares para formaruma fora-tarefa que supervisionaria a reao mais ampla. Sua fora-tarefa e a minha equipecoordenavam esforos com o diretrio de operaes do quartel-general da CIA e do Pentgono. Mike eeu tivemos uma srie de reunies nos quatro dias seguintes, com uma frequncia que variava de acordocom o assunto. Ele adorava uma reunio, de modo que talvez houvesse mais reunies do que euesperava. A certa altura, chegamos a ter uma reunio sobre reunies. Recebamos um volumeesmagador de mensagens, mas isso era uma tarefa administrativa com a qual j tnhamos estabelecidocomo lidar no havia muita diferena entre duzentas ou quatrocentas mensagens por dia. Mas asreunies consumiam tempo, e o tempo era precioso. Ao nal de quatro dias, estvamos exaustos. Ascoisas estavam em andamento. Planos haviam sido feitos. Mas o Pentgono estava desorganizadoporque no existia um comando especial de operaes; assim, eles no tinham meios de requisitar

  • recursos. A Casa Branca foi to tmida em sua reao que o presidente Jimmy Carter nem queriachamar os refns de refns, com medo de ofender o governo revolucionrio do Ir, expresso crivadade contradies.

    Cheguei em casa me arrastando na quinta-feira noite, exausto aps trabalhar dezoito horas pordia nos quatro dias anteriores. Estava esgotado e fui tirando o casaco enquanto passava pela estufa,que servia como vestbulo anexo nossa cozinha. Frequentemente tnhamos jantares formais ali noinverno, sempre espera de neve. Era um lugar mgico noite, com a neve e alguma luz de velas.Afrouxei a gravata e afundei na minha poltrona favorita na sala de estar, tirando os sapatos. Karen seaproximou com uma cerveja e um abrao. Sentou-se ao meu lado no sof e cou me escutandotagarelar sobre o trabalho, o escritrio, o Pentgono, tudo. Estava comeando a parecer cada vez maisque a crise iria se arrastar indenidamente. Em 5 de novembro, o lho do aiatol Khomeini, Ahmad,elogiara a tomada da embaixada, dizendo que fora em nome do povo. Depois disso, todas aslideranas religiosas manifestaram apoio aos militantes. Mehdi Bazargan, primeiro-ministro iraniano,foi obrigado a renunciar em protesto, e isso queria dizer que restava apenas uma pessoa com quem opresidente Carter e sua administrao poderiam tratar: o aiatol Khomeini.

    Fiz uma longa pausa para tomar um gole de cerveja e senti que ela me olhava com ateno.Erguendo os olhos, percebi que Karen esperava que eu parasse de falar para poder me dizer algo.

    O que foi? perguntei. Em algum nvel subconsciente, imaginei que ela estivesse tendoproblemas com um de nossos filhos.

    Querido, andei pensando comeou. Tenho pensado em como fazer aqueles iranianossarem da embaixada e libertarem os refns. Como dar um fim crise. E tive uma ideia...

    Tudo bem eu disse. Conte-me sua ideia.Recostei na poltrona. A verdade era que eu estava s entreouvindo, cansado demais. Voc precisa matar o x ela disse.Virei-me para encar-la. Sou todo ouvidos respondi.

  • 3Oriente Prximo, Chuck Cogan, seu segundo em comando, Eric Neff, e todos os chefes de setores paranos organizar e avaliar as opes dos Estados Unidos. A partir dessas reunies, estabeleceu-se umadiviso de tarefas. Numa situao de crise como essa, um pas tem quatro opes: diplomacia ocial,ou melhor, tentar relacionar-se com o governo do Ir revolucionrio; ataque militar; diplomaciasecreta; ou ao clandestina.

    Desde o comeo, a administrao Carter deparou-se com uma srie de desaos. Quando Khomeinie o Conselho Revolucionrio deram seu apoio ocupao, no havia basicamente ningum com quemo governo americano pudesse negociar. Carter tentou enviar dois emissrios, mas Khomeini nopermitiu sequer que entrassem no pas. Com a diplomacia ocial fora de jogo, Carter voltou-se, ento,aos estrategistas militares, que lhe deram uma avaliao igualmente desoladora. Se os Estados Unidosdesfechassem um ataque de retaliao, os iranianos poderiam executar os refns. A probabilidade deum resgate tambm parecia remota. Do ponto de vista geogrco, o Ir era extremamente isolado, e ocomplexo da embaixada americana encontrava-se no corao da capital. Parecia no haver como fazeros participantes da ao de resgate entrarem e sarem sem que os iranianos soubessem.

    A essa altura, o presidente optou por uma estratgia dupla: intensicar a presso diplomtica, aomesmo tempo dando sinal verde aos militares para elaborar um plano de contingncia para um resgate.Os Estados Unidos no entregariam o x em nenhuma hiptese.

    Mantendo a primeira parte de sua estratgia, em 9 de novembro o presidente bloqueou todos osembarques de materiais militares e peas sobressalentes para o Ir. Depois, em 12 de novembro, cortou

    a importao americana de petrleo do pas (cerca de 700 mil barris dirios).1 E, em 14 de novembro,quando correu a informao de que os iranianos estavam tentando retirar os quase doze bilhes dedlares depositados pelo x em bancos americanos, Carter assinou um ato executivo congelando odinheiro.

    O efeito dessas medidas foi mnimo. O Ir, de sua parte, intensicou a guerra verbal e exigiu oretorno do criminoso x e seus pertences, com a advertncia de que qualquer tentativa de resgateprovocaria a execuo dos refns e a exploso da embaixada. Num discurso proferido diante de umaruidosa multido de correligionrios, Khomeini espicaou Carter, dizendo: Por que haveramos de ter

    medo? (...) Carter no tem coragem de se envolver numa ao militar.2 E, se chegasse a esse ponto,Khomeini declarava que toda a nao iraniana estava pronta para morrer como mrtires.

    Um dos maiores problemas que Carter em breve teria de enfrentar era o fato de que as manobrasdiplomticas normais presso internacional, ameaa de ser rotulado como pas fora da lei e assimpor diante no surtiam efeito sobre o Ir. Para Khomeini, um profeta moda medieval convencidode que seu sonho de uma Repblica Islmica tinha inspirao divina, nenhum sacrifcio era grandedemais para atingir sua meta, nem mesmo macular a posio internacional de seu pas. Confrontadoscom uma perspectiva to fatalista, os diplomatas de carreira em Washington logo se sentiram perdidos.Era quase como lidar com seres aliengenas.

    * * *

  • COMPREENSVEL QUE, medida que os dias se passavam e o impasse continuava, no tenhademorado muito para que o pblico comeasse a duvidar da determinao do presidente. E, enquanto aadministrao Carter agia com cautela, protestos e violncia contra iranianos comearam a eclodir portodo o pas. Num exemplo surreal, Hamilton Jordan, chefe de gabinete do presidente Carter, lembra-sede ter passado de carro por uma manifestao diante da embaixada iraniana em Washington, ondepoliciais continham uma multido furiosa. Era a ironia das ironias. Os Estados Unidos protegiamdiplomatas iranianos, enquanto seus colegas americanos no Ir permaneciam em cativeiro e sofriamagresses.

    Como o presidente podia car parado sem fazer nada enquanto 66 cidados corriam perigo? Nofaltaram crticas, inclusive dos inimigos polticos de Carter, que aproveitaram a ocasio para ganharpontos desacreditando-o como fraco e ineficaz.

    A cobertura dos noticirios sobre a crise era implacvel. Desde o primeiro dia, armou-se umverdadeiro circo, com centenas de jornalistas de todo o mundo chegando embaixada americana emTeer para apontar cmeras e pontificar nos noticirios noturnos. Est claro que no incio os militantesviam os jornalistas como aliados, contando com eles para transmitir sua mensagem s salas de estardos americanos. Isso, logicamente, levou a uma situao esquisita, na qual jornalistas americanosvagavam livremente pela cidade ao mesmo tempo que 66 compatriotas eram mantidos refns. A maioriados ncoras dos telejornais montava a cena para suas transmisses noturnas bem na frente dos portesda embaixada, enquanto nas proximidades multides entoavam: Morte aos Estados Unidos eAbaixo Carter.

    Um dos motivos para essa frentica cobertura era a natureza altamente personalizada da crise. Osrefns vinham de diferentes partes do pas e tinham famlia e amigos que podiam ser entrevistados.Tudo isso contribuiu para que os noticirios locais pudessem ter algum peso em uma histria nacional.Uma emissora local de Ohio conseguiu, de alguma maneira, ligar para a embaixada e falar com um

    dos militantes, que se identificou como Sr. X.3 Em outra estao de rdio no Meio-Oeste, o gerente daemissora passou uma parte do dia amarrado a uma cadeira no estdio para comunicar melhor aos

    ouvintes qual era a sensao de estar em cativeiro.4

    Os familiares dos refns eram convidados frequentes em talk shows e programas de rdio. E, a cadaapario, a cmara de eco reverberava. Carter era criticado por no ser sucientemente arrojado e pordeixar que o x entrasse no pas. Um de seus crticos mais eloquentes era Dorothea Moreeld, esposade Dick Moreeld, cnsul-geral da embaixada. Repetidamente, ela criticava Carter por no terevacuado a embaixada antes de permitir que o x viesse a Nova York.

    Num dado momento, Mike Wallace, de 60 Minutes, conseguiu uma entrevista com Khomeini. Asperguntas deviam ser apresentadas de antemo, e, quando Wallace tentou fugir do roteiro, o imrecusou-se a responder. Ao longo de toda a entrevista, Wallace foi extremamente quase

    excessivamente respeitoso com Khomeini, o que irritou a administrao Carter.5

    A situao dos refns no Ir tambm foi tema central do programa de Ted Koppel na ABC,Nightline, que comeou quatro dias aps o cerco da embaixada e continuou sua cobertura ao longo de

  • toda a crise, e muito alm.Num acesso de frustrao, Carter disse um dia ao seu assessor de imprensa que estava cansado de

    ver aqueles lhos da puta que esto retendo nossa gente citados como estudantes.6 Deviam referir-sea eles como terroristas ou captores, ou algo que descreva precisamente o que so.

    Os militantes, de sua parte, logo revelaram seus talentos para manipular a mdia, vida por ganharacesso aos refns e disposta a tolerar quase tudo para obter uma reportagem exclusiva. Elesorganizaram eventos encenados, entregaram consses assinadas e selecionaram os refns maismaleveis para dar falsos depoimentos sobre as condies do cativeiro. Trinta e trs refns foramobrigados a assinar uma petio solicitando o retorno do x. Quanto mais ateno recebiam, maisousados os militantes se sentiam.

    Uma das primeiras estratgias de Carter foi incentivar intermedirios externos com ligaes ouacesso a Khomeini a procurar resolver a crise. O papa Joo Paulo II mandou um emissrio a Qom spara ouvir um discurso de Khomeini sobre as maldades do x e a hipocrisia da Igreja Catlica emrelao a seu regime. Relata-se que o im teria dito ao emissrio que, se Jesus estivesse vivo, ele gostaria

    que Carter fosse destitudo.7

    Em 19 de dezembro, a NBC levou ao ar uma entrevista com o sargento dos fuzileiros Billy Gallegos,a primeira exclusiva com um refm. As condies dadas pelos militantes, porm, estipulavam queNilufar Ebtekar, porta-voz dos militantes, tambm conhecida como Maria de Teer, tivesse permissode ler uma declarao no editada antes e depois da entrevista. Nela, Ebtekar se dedicava a dar umaaula ao povo americano sobre as maldades do x e os velhos pecados da agenda imperialistaamericana, aps o que um Gallegos de olhar vazio entrou no ar para exigir que a administrao Carterentregasse o x.

    Naturalmente, a populao americana respondeu a tais demonstraes com raiva e frustrao, oque desconcertou os militantes.

    De incio, estavam convencidos de que suas aes fariam com que os oprimidos nos Estados

    Unidos, isto , negros e outras minorias, se erguessem e derrubassem o governo.8 Em uma ocasio, osmilitantes compraram um anncio de meia pgina no New York Times conclamando as minorias revolta. Quando a revoluo no aconteceu, presumiram que a causa era a censura mdia. Porexemplo, quando a NBC transmitiu a entrevista de Gallegos, o produtor mencionou a Ebtekar que, pormotivos de restries de tempo, seriam obrigados a editar o segmento, o que ela presumiu signicar que

    o governo americano havia ordenado NBC que censurasse a entrevista.9 Tendo crescido no Ir, elano concebia uma imprensa que no fosse controlada pelo Estado.

    Quando veio tona a realidade de que, na verdade, os americanos desprezavam os militantes porsequestrarem e torturarem seus conterrneos, eles caram chocados e aborrecidos. Para alguns dosrefns que interagiam com eles diariamente, isso se ajustava perfeitamente sua viso de mundodistorcida. Como atores num lme de Hollywood, os militantes se viam como heris e esperavam que omundo inteiro os visse assim.

  • * * *

    POR OCASIO DA TOMADA da embaixada, os militantes pareciam quase to chocados quanto osamericanos com o sucesso do plano. Eles no tinham muita ideia de como uma embaixada funcionavaou o que faziam seus funcionrios. Nas suas cabeas, o nico propsito de uma embaixada eraespionagem. Numa entrevista coletiva, ergueram um ditafone alegando ser um tipo de aparelho deespionagem o que foi recebido com uma gargalhada por ns na CIA.

    Eles pareciam vidos por acreditar em qualquer teoria conspiratria, no importando quo

    absurda.10 Assim, qualquer nome encontrado numa caderneta de endereos era considerado umconspirador. Alguns adidos polticos com muitos contatos no pas caram aterrorizados pelapossibilidade de os militantes sarem caa de algum representante de um governo local e simplesmenteo matarem por ter se encontrado com um diplomata americano. Os estudantes pareciam no captartodo o propsito das relaes diplomticas.

    Na realidade, havia apenas trs funcionrios da CIA na embaixada quando ela foi tomada. Masat mesmo seu envolvimento era nominal. A revoluo cortara a maioria dos laos que tnhamos comantigos agentes, e esses funcionrios sendo que dois deles estavam no pas havia menos de trs mesesantes da ocupao da embaixada passaram a maior parte do tempo montando sua fachada etravando conhecimento com as caractersticas do Ir e do seu governo. Na cabea dos estudantes,porm, todos na embaixada estavam, de algum modo, ligados CIA, e eles se empenharam em provarsua teoria, de forma diligente e rancorosa.

    Relativamente no comeo do confinamento, os refns foram submetidos a surras, privao de sono elongos e dolorosos perodos amarrados, alm de serem com frequncia obrigados a permanecer emposies incmodas e desconfortveis. Eram tambm repetidamente ameaados. Dick Moreeld chegoua ser obrigado a se deitar no cho com uma arma apontada na nuca. Em outra ocasio, mostraram aocoronel Dave Roeder, adido assistente de defesa, um retrato de sua famlia e lhe disseram saber o

    trajeto do nibus escolar de seu lho nos Estados Unidos.11 Se ele no comeasse a cooperar,disseram-lhe, sequestrariam seu filho, o esquartejariam e mandariam os pedaos para sua esposa.

    Outros refns, especialmente os trs funcionrios da CIA, foram mantidos em isolamento por quasetodos os seus 444 dias de cativeiro. Todos estavam subnutridos, passando fome, e deixaram o localparecendo sombras das pessoas que tinham sido.

    No comeo de novembro, a administrao Carter e o pblico em geral praticamente ignoravam ascondies do cativeiro. Ento, em 18 e 19 de novembro, num acordo intermediado por representantesda Organizao para a Libertao da Palestina (OLP), um grupo de treze refns, constitudo demulheres e minorias, teve permisso para sair. Antes de irem embora, foram obrigados a participar deuma entrevista coletiva, na qual tiveram de sentar diante de um cartaz denunciando os Estados Unidospor abrigar o x. Foi com seu retorno que a Casa Branca cou sabendo das condies extremas squais os refns estavam sendo submetidos.

    Com a libertao, veio uma declarao de Khomeini dizendo que os americanos restantes seriam

  • em breve levados a julgamento como espies. Carter imediatamente advertiu o governo iraniano, pelosbastidores, de que, se tais julgamentos ocorressem, ou se qualquer um dos refns se machucasse, o Irsofreria consequncias terrveis. Para respaldar sua ameaa, ordenou que um grupo de porta-avies decombate assumisse posies nas proximidades da costa do Ir. O USS Kitty Hawk juntou-se a outroporta-avies no local, o USS Midway, para formar uma das maiores foras navais americanas jreunidas na regio.

    * * *

    NO FINAL DE NOVEMBRO, o Pentgono concebera uma complexa operao de resgate chamadaEagle Claw [Garra de guia]. O plano exigia que um pequeno grupo de comandos da Fora Delta e dosArmy Rangers fosse levado de helicptero para um local remoto no deserto iraniano conhecido comoDeserto Um. Ali, o grupo se encontraria com trs avies de transporte Hrcules C130, reabasteceria evoaria para uma segunda rea de pouso, Deserto Dois, localizada a cerca de oitenta quilmetros deTeer. No Deserto Dois, os comandos da Fora Delta, liderados pelo coronel Charles Beckwith, sedisfarariam e ento entrariam na embaixada em caminhes, invadindo o complexo e resgatando osrefns.

    Com tantas etapas sujeitas a tantas variveis, muitos de ns da comunidade de intelignciasentamos que as chances de sucesso eram pequenas. A estrutura do Comando Unido de OperaesEspeciais que existe hoje e ajuda os vrios servios a operar em conjunto de maneira harmoniosa noexistia na poca. Isso queria dizer que pilotos de helicptero do corpo de fuzileiros, pilotos da foraarea, comandos do exrcito e equipes da marinha teriam de aprender a cooperar durante oandamento da operao. (Na verdade, o fracasso na coordenao entre esses elementos foideterminante para a criao do Comando Unido de Operaes Especiais.)

    Quer concordssemos ou no com o plano, nossa prioridade absoluta era conseguir que nossaequipe avanada penetrasse no Ir, de modo a estabelecer uma rea para a organizao fora dacidade. Composta por diversos agentes secretos no ociais recrutados nas leiras da CIA e da suacontraparte na Secretaria de Defesa, a DIA, a equipe era liderada por um agente experiente quetrabalhara no OSS, Bob, que teve sua iniciao na atividade atuando por trs das linhas inimigas naSegunda Guerra. Bob era uma gura lendria na histria clandestina da CIA, um heri invisvel, cujasfaanhas jamais podero ser celebradas. A meta dessa equipe avanada era o reconhecimento dasituao na embaixada em Teer e, com alguma sorte, conseguir tambm descobrir a localizao exatados refns. Alm disso, vasculharia a rea em torno da embaixada em busca de locais de pouso paraque os helicpteros de resgate tirassem os refns de Teer assim que eles fossem libertados pelo grupo deassalto. Essas zonas urbanas de aterrissagem foram chamadas de Parada de nibus I e Parada denibus II. Tambm seria preciso estabelecer um sistema para se comunicar com representantes dogoverno americano enquanto estivessem em territrio inimigo.

    A equipe ainda teria de reconhecer quaisquer possveis locais de pouso no deserto, bem como furtarcaminhes para o assalto nal. Imagens de satlites orbitais seriam usadas inicialmente para

  • estabelecer um local de pouso no deserto, mas, no nal das contas, algum precisaria ir at l paravericar. Parte do processo exigiria um voo secreto executado por piloto e copiloto da CIA juntamentecom um operador especial da fora area americana. O voo, que teria lugar muitos meses depois,desenrolou-se sem nenhum problema, e os pilotos foram capazes de determinar que no havia radar narea. Assim que o Twin Otter aterrissou, o operador especial da fora area descarregou uma scooter,dando algumas voltas para colher amostras de solo da regio. Mais tarde, depois de anlises, concluiu-se que o local seria adequado como campo de pouso. Uma das muitas tarefas do EST era fabricarluzes de aterrissagem infravermelhas para marcar um corredor que pudesse ser visto com culosespeciais.

    * * *

    COM OS PLANOS PARA a operao de resgate ainda em desenvolvimento e a diplomaciaclaramente sem funcionar, no demorou para que eu e meus colegas na CIA comessemos a analisaroutras formas de pr um m ao impasse. No havia muita coisa acontecendo nos primeiros dias dacrise em relao ao secreta, alm do apoio equipe avanada. Mas uma ideia interessante veio tona mais de uma vez.

    Meu segundo em comando, Tim Small, entrou na minha sala cedo na manh de 9 de novembro. Tony, voc tem um minuto? perguntou.Era um comportamento fora do normal para Tim, pois sua rotina matinal era passar as primeiras

    horas do dia lendo as mensagens que chegavam por telex sem ser incomodado e distribuindo atividadesespeccas para o setor. Ele raramente modicava a rotina; por isso, quando pediu essa