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ARIANE CARLA PEREIRA ROTA 66 EM REVISTA: AS RESISTÊNCIAS NO DISCURSO DO LIVRO-REPORTAGEM Maringá 2005

ARIANE CARLA PEREIRAARIANE CARLA PEREIRA Rota 66 em revista: as resistências no discurso do livro-reportagem Maringá 2005 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS,

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ARIANE CARLA PEREIRA

ROTA 66 EM REVISTA:

AS RESISTÊNCIAS NO DISCURSO DO LIVRO-REPORTAGEM

Maringá 2005

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ARIANE CARLA PEREIRA

Rota 66 em revista: as resistências no discurso do livro-reportagem

Maringá 2005

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS MESTRADO EM LETRAS

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ARIANE CARLA PEREIRA

ROTA 66 EM REVISTA: AS RESISTÊNCIAS NO DISCURSO DO LIVRO-REPORTAGEM

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras, Área de Concentração em Estudos Lingüísticos e Linha de Pesquisa em Análise do Discurso e do Texto, da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientador: Profª. Drª. Silvia Inês Coneglian Carrilho de Vasconcellos

Maringá 2005

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ARIANE CARLA PEREIRA

ROTA 66 EM REVISTA: AS RESISTÊNCIAS NO DISCURSO DO LIVRO-REPORTAGEM

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras, Área de Concentração em Estudos Lingüísticos e Linha de Pesquisa em Análise do Discurso e do Texto, da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. COMISSÃO EXAMINADORA

Profª. Drª. Silvia Inês Coneglian Carrilho de Vasconcelos Universidade Estadual de Maringá - UEM

Profª. Drª. Maria Célia Cortêz Passetti Universidade Estadual de Maringá – UEM

Profª. Drª. Maria do Rosário Valencise Gregolin Universidade Estadual Paulista - UNESP

Maringá, 09 de dezembro de 2005.

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Ao Márcio e ao nosso bebê

que, pouco a pouco,

cresce dentro de mim.

Os dois chegaram sem pedir

licença e tudo transformaram.

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Obrigada, Sílvia!

Se hoje existe uma dissertação, se hoje existe uma "Ariane" pesquisadora,

se hoje existe uma "Ariane" analista do discurso, tudo é mérito seu. Afinal, você acreditou nisso antes mesmo que eu acreditasse.

Primeiro, acreditou em mim durante o seu curso – quando eu ainda era aluna não-regular,

uma jornalista que não sabia nada de Lingüística. Depois, acreditou que eu podia ser "regular" – aquele primeiro lugar eu devo às suas dicas,

à sua paciência em me ouvir e em mostrar o caminho. Crença que permaneceu inabalável durante as disciplinas

e a fase de dissertação. Acreditou tanto que não hesitou em correr vários riscos – o maior deles essa (des)dissertação.

Obrigada, Sílvia!

Obrigada, professora Maria do Rosário! Suas palavras – escritas (nos livros) e faladas (em palestras) – sobre Análise do Discurso me fizeram entender mais e mais me apaixonar por essa vertente teórica. Suas palavras, seus apontamentos, no Exame de Qualificação mostraram-me outras rotas. Foi importante tê-la como leitora. Obrigada, Rosário!

Obrigada, Maria Célia! Nossos diálogos – sobre A.D. e ethos – que começaram

na sua disciplina não se encerram nessa (des)dissertação. Obrigada, Maria Célia!

Obrigada, Pedro! Por ter aceitado enveredar-se por esta (des)dissertação no Exame de Qualificação. Pela leitura atenta, pelas palavras carinhosas, pelas sugestões, por ter visto o que eu e Sílvia não nos demos conta. Obrigada, Pedro!

Obrigada, Claudia! Pelas conversas no mestrado, pela amizade na vida.

Obrigada, Claudia!

Obrigada, Márcio! Pela leitura, por ter dado uma "cara" a essa (des)dissertação e por muito mais... Obrigada, Márcio! Obrigada, Pai! Obrigada, Mãe! Obrigada, Irmã!

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PEREIRA, Ariane Carla. Rota 66 em revista: as resistências no discurso do livro-reportagem. 2005. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Estadual de Maringá.

RESUMO

Fazer um exercício de leitura do/sobre o texto jornalístico, a partir do livro-reportagem, é o que proponho nesta dissertação. Assim, em quatro ensaios que se complementam, tento deslocar o pensamento de que são o posicionamento "isento" do jornalista e o texto "objetivo/neutro" que conferem a esse discurso credibilidade. Para isto, entre inúmeras possibilidades, aproprio-me, como corpus, do livro-reportagem Rota 66 – a história da polícia que mata, do jornalista-escritor Caco Barcellos. Neste tipo de discurso – jornalístico, mas, também, literário e histórico – os conceitos de isenção, neutralidade, objetividade e imparcialidade, que regem o jornalismo diário, não estão (necessariamente) presentes. Constatação esta que, primeiramente, me instigou como jornalista. Afinal, de que maneira, então, esse sujeito-jornalista conquista o respeito dos leitores? E como o trabalho produzido por ele obtém credibilidade? A partir dessas inquietações, ensaio três considerações como pesquisadora/analista do discurso. Uma delas é a de que o jornalista ao escrever um livro-reportagem empreende duas frentes de resistência – a primeira em relação à instituição "jornalismo" já que, mesmo não seguindo a norma da objetividade, esse sujeito-jornalista aciona um fazer História ao narrar e descrever o cotidiano de um segmento da sociedade; e a segunda é do sujeito-cidadão que não aceita determinados acontecimentos/posicionamentos e os denuncia. Minha segunda consideração é que o jornalista-escritor coopta o leitor para a causa do livro-reportagem (que também é de quem escreve) ao colocar em cena não apenas dizeres próprios, mas, também, discursos outros que pertencem a formações discursivas iguais ou diferentes. Assim, ao mostrar que não é o único a pensar daquela maneira e de que ouviu muitas pessoas antes de chegar a uma conclusão, conquista respeito e credibilidade. A obtenção de tal confiança também é o mote da consideração de número três: a partir dela, aciono os conceitos aristotélicos de ethos e de pathos e procuro focalizar que paixões formam a personalidade/o caráter do jornalista-escritor Caco Barcellos. Mas, antes de lançar-me nesses empreendimentos (os três últimos ensaios), num primeiro momento, analiso os discursos dos jornalistas sobre o texto jornalístico. Esse ensaio, designei "Desvio" por ser um recorte de um outro corpus que é formado pelo dizer de jornalistas extraídas de respostas a um questionário sobre a prática e sobre o texto jornalísticos. Julgo esse "desvio" na "rota" geral do trabalho importante por esses enunciados mostraram-se atravessados pelo interdiscurso, pela memória discursiva acionada em que fluem conceitos de imparcialidade e de isenção. Meus dizeres, até aqui, evidenciam que interlocuções faço nessa empreitada e quem são meus óculos teóricos. Essencialmente, me apoio nos conceitos da Análise do Discurso derivada de Michel Pêcheux, embora me aproveite do pensamento foucaultiano sobre discurso, resistência e (micro)poder e, também, tome como apoio a perspectiva da pós-modernidade (principalmente, em relação ao sujeito e ao fazer ciência). Palavras-chave: análise do discurso; discurso jornalístico; livro-reportagem; ethos, heterogeneidade.

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PEREIRA, Ariane Carla. Rota 66 em revista: as resistências no discurso do livro-reportagem. 2005. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Estadual de Maringá.

ABSTRACT To make a reading exercise of the/about the journalistic text, starting from the reporting-book, it’s what I propose in this dissertation. In this way, in four essays that complements themselves, I try to move the thought of what are the “exempt” standing of the journalist and the “objective/neutral” text that checks to this speech credibility. For this, between innumerous possibilities, I seize myself, as corpus, of the reporting-book Rota 66 – a história da polícia que mata, of the writer-journalist Caco Barcellos. In this type of speech – journalistic, but, also, literary and historic – the concepts of exemption, neutrality, objectivity and impartiality, that rules the daily journalism, are not (necessarily) included. This verifying that, firstly stimulated me as journalist. By the way, how, this journalist-subject wins the respect from the readers? And how the work produced by him obtains credibility? Starting from these anxieties, I essay three considerations as researcher/analyst of the speech. One of them, it’s that the journalist in the process of writing a reporting-book undertakes two resistance fronts – the first one due to the “journalism” institution once that, even not following the objectivity rule, this journalist-subject sues a make History in the process of narrating and describing the daily life of a society continuation; and the second it’s of the citizen-subject who doesn’t accept certain events/positionments and denounce them. My second supposition is that the writer-journalist attracts the reader to the reporting-book cause (that is also from who writes) in the process of putting in scene not only own sayings, but, also, others speeches that belongs to different or equals speeching formations. In this way, by showing that he isn’t the only one who thinks in that way and that he have heard a lot of people before reaching a conclusion, wins respect and credibility. The obtainment of this trust is also the criticism of the number three consideration where, starting from what, I sue the aristotelics concepts of ethos and pathos and I try to focus that passions made the personality/the nature of the writer-journalist Caco Barcellos. But, before I throw myself in this undertaking (the last three essays), in a first moment, I analyze the speech of the journalists about the journalistic text. This essay, I named “diversion” for being a cutting out of another corpus that is formed by the saying of the journalists, answers to an index about the practice and about the journalistic texts. I judge this “diversion” in the general “route” of the work important once that these statements are crossed by the interspeech, by the memory of the exemption and impartiality concepts. My sayings, until now, shows which interlocutions I made in this task, and whom are my theoretical glasses. Essentially, I base myself in the Speeching Analyze concepts derived from Michel Pêcheux, although I make use of the foucaultian thought about speech, resistance and (micro) power and, also, I take as support the pos-modernity perspective (mainly, in regard to the subject and to the make science). Key words: speeching analysis; journalistic speech; reporting-book; ethos; heterogeneity

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PEREIRA, Ariane Carla. Rota 66 em revista: as resistências no discurso do livro-reportagem. 2005. Dissertation (Maîtrise en Lettres). Université d’État à Maringá. RÉSUMÉ

Faire un exercice de lecture du/sur le texte journalistique, à partir du livre-reportage, c’est que je propose dans cette dissertation. Ainsi, en quatre répétitions qui se complément, j’essaie deplacer le pensée de qui sont l’opinion « exempt » du journaliste et le texte « objetif/neutre » qui conférent à ce discours crédit. Pour ça, entre plusieurs possibilités, m’approprie, comme corpus, du livre-reportage « Route 66 – l’histoire de la policie qui tue », du journaliste-écrivain Caco Barcellos. Dans cette sorte de discours – journalistique, mais, aussi, littéraire et historique – les concepts d’exemption, neutralité, objectivité et imparcialité, qui régissent le journalisme quotidien, ne sont pas (nécessairement) présents. Constation qui, d’abord, m’aie incité comme journaliste. Enfin, de quelle manière, donc, ce sujet-journaliste conquiert le respect des lecteurs ? Et comme le travail produit pour lui même obtient crédit ? À partir de ces inquietudes, je repète trois considérations comme chercheuse/analyste du discours. La première, c’est la de que le journaliste en écrire un livre-reportage entreprend deux fronts de résistance – la première relation à l’instituition « journalisme » déjà que, même pour ne pas suivre la norme de l’objectivité, ce sujet-journaliste actionne un faire Histoire au raporter et décrire le quotidien d’un ségment de la société ; et la deuxième, c’est du sujet-citoyen qui n’accept pas quelques événements/placements et les dénonce. Ma deuxième conjecture est que le journaliste-écrivain attire le lecteur à la cause du livre-reportage (qui aussi est de qui écrit) pour mettre dans la scène ne pas seulement les propres dires, mais, aussi, discours autres que appartiennent à genèses discursives égals ou différents. Ainsi, au montrer qui ce n’est pas l’unique à réflechir de cette manière et de qu’il a écouté beaucoup de personnes avant d’arriver à une conclusion, il conquérit respect et crédit. L’obtention de cette confiance est aussi le sujet de la considération de numéro trois où, à partir de quelle, je prends les concepts d’Aristote de « ethos » et « pathos » et je trouve focaliser que les passions forment la personnalité du journaliste-écrivain Caco Barcellos. Mais, avant de me lancer dans ces entreprises (les trois derniers essais), dans un premier moment, j’analyse les discours des journalistes sur le texte journalistique. Cet essai, j’ai désigné « Détournement » par être une taîlle d’un autre corpus qui est formé pour le dire de journalistes, réponses à un questionnaire sur la pratique et sur le texte journalistique. Je suppose cet « essai » dans la « route » général du travail important pour ces énnoncés s’a montré traversés pour l’interdiscours, pour la mémoire des concepts d’imparcialité et d’except. Mes dires, jusqu’ici, accentuent qui interlocutions je vais dans cette tâche et qui sont mes lunettes théoriques. Essentielement, je m’appuie aux concepts de l’Analyse du Discours dérivé de Michel Pêcheux, quoique je me profite du pensée Foucault sur discours, resisténce et (micro)pouvoir et, aussi, deviens comme appui la perspective de la pós-modernité (principalement, en rélation au sujet et au faire science). Mots-clé : analyse du discours, discours journalistique, livre-reportage, ethos, hétérogénéité.

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PRÉ-SUMÁRIO (Apresentação – Esclarecimentos – Abrindo panos...)

" Nadando contra a corrente Só pra exercitar

Todo o músculo que sente (...) Estamos, meu bem, por um triz"

Cazuza/Frejat – Pro dia nascer feliz

"Rompi tratados

Traí os ritos Quebrei a lança

Lancei no espaço Um grito, um desabafo

E o qu e me importa É não estar v encido

Minha v ida, meus mortos Meus ca minhos tortos"

João Ricardo/Paulinho Mendonça – Sangue Latino

Ariane Pereira, jornalista. Assim me apresento hoje e me apresentei durante todo

o percurso do mestrado. E mesmo agora, ao final, é dessa maneira que continuo (e vou

continuar) dizendo quem sou. Afinal, esta é minha condição primeira: ser jornalista. Por

formação, desde 1999. Por motivações, desde sempre. Digo isso porque, desde

criança, gostava de ouvir e contar histórias. Hoje, ganho a vida dessa maneira –

ouvindo e (re)contando histórias. É só isso que sei fazer (por enquanto) e é isso que

gosto de fazer.

Porém, não consigo ser passiva nesse ouvir e contar. Não gosto de monólogos.

Adoro os diálogos. Tentativas de conversas, muitas vezes, não compreendidas – na

minha perspectiva – por meus interlocutores. A isenção nunca me agradou. Sempre me

posicionei, independentemente de que conseqüências teria essa atitude. Atos

encarados por uns como riscos desnecessários, por outros como autoritarismo,

fechamento. Mas não quero me fechar. Pelo contrário, busco abertura, deslocar,

resistir, mudar, transformar, fazer parte da história e ter minha própria história.

Assim tem sido (as interlocuções, as concordâncias e – quase sempre – os

atritos) desde que por gente me conheço. Começou em casa, com meus pais. Mas,

nessa nossa conversa, vou focalizar do momento que comecei a meu tornar jornalista –

ou seja, na faculdade – até hoje.

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Ainda caloura, não entendia, discutia com meus colegas de curso. Resistia à

idéia de ser jornalista para aparecer na TV e ser reconhecida(o). Ser ídolo é coisa de

artista. Ser profissional da notícia, como afirma Clóvis Rossi, é "conquistar mentes e

corações para a causa da justiça social" (1987, p.5). Com os professores a discussão

era outra... Como ser isenta(o)? Como não se posicionar? Tudo bem ouvir os dois, três,

quatro, cinco – quantos tiver – lados da notícia. Isso é democracia. Mas não me parecia

nada democrático ter a percepção de que alguma coisa não caminhava bem e não

mostrar os pontos de desvio claramente...

Problematizações que ganharam, ainda mais, vigor nos anos seguintes. Nas

redações, as tomadas de posição me pareciam transparentes. Ao escrever,

produtores/pauteiros, repórteres e editores – me parecia – brincavam com as palavras.

Cada um, como diz meu pai, ecoando com o dito popular, "puxava brasa para a sua

sardinha". No encaminhamento (o como fazer) proposto pela pauta, estava um pouco

do produtor – suas crenças, sua história, suas ideologias, seu modo de ver a vida e o

mundo. Encaminhamento esse que, quase sempre, não era seguido pelo repórter. A

sua matéria contava a mesma história de uma maneira diferente. Afinal, os olhos (as

crenças, a história, as ideologias, o modo de encarar a vida e o mundo) desse

profissional não são os mesmos do produtor e que, também, são diferentes dos do

editor – terceiro profissional na "linha de produção" jornalística e que produzia uma

terceira versão de um mesmo fato. Versão essa que também não era a mesma das

pessoas que contaram essa história primeiro – os personagens, os entrevistados.

Apesar disso, cada um dos jornalistas afirmava que a sua história era a "verdadeira", "o

que realmente aconteceu", que ele estava sendo objetivo, imparcial. Será? Como? Por

que, então, as três versões não eram idênticas? Ninguém me respondia e, assim,

continue resistindo.

Resistência, fui saber depois, que tinha eco nos estudos lingüísticos. Procurei o

Mestrado em Letras. Encontrei Silvia Inês Coneglian Carrilho de Vasconcelos. Ela me

falou sobre ideologia, me mostrou a Análise do Discurso. "Leia Althusser, Pêcheux".

Contou sobre pós-estruturalismo, micro-poderes, explicou o que era resistência. "Leia

Foucault". Ao me ajudar a desmistificar a objetividade jornalística, me levou aos

pensadores da pós-modernidade. "Leia Berman, Lyotard, Hall, Jameson". Trajetória

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teórica e interlocuções nos levaram a falar sobre um outro mito da objetividade, a dos

pesquisadores, a da ciência. "A preocupação com a objetividade nasceu com no

conjunto cultural-econômico do capitalismo quando tudo – inclusive a ciência – tinha

que gerar resultados, e resultados aplicáveis, aplicabilidade que fosse rentável, gerasse

lucros".

Questionando a existência e a importância do discurso da objetividade

jornalística, passei – sempre tendo Silvia como interlocutora –, também, a questionar a

existência e a importância do discurso da objetividade científica. As "respostas" a essas

indagações estão nas próximas páginas desta (des)dissertação onde procuro

desconstruir os mitos da objetividade, da isenção, da imparcialidade e da neutralidade

jornalísticas.

O discurso do livro-reportagem, o discurso do jornalista-escritor Caco Barcellos

em Rota 66 – a história da polícia que mata, que tomei como corpus, vão exemplificar

como é possível que o jornalista se posicione abertamente em relação aos fatos e,

ainda assim, obtenha respeito e credibilidade.

Se o discurso jornalístico, como mostraram outros pesquisadores antes de mim,

não é objetivo e pode ser resistente à norma da isenção, conseqüentemente, me sinto

autorizada a resistir à normatização dos trabalhos científicos como uma dissertação. E

meu gesto não ecoa sozinho. Há outras dissertações e teses que não seguem à norma

formal da academia. Só para citar um exemplo: Sônia Negrão escreveu sua tese de

doutorado (UNESP – Marília) sobre a interlocução intelectual entre Marx e Piaget em

forma de cartas com seu orientador. No final ela cria um conto em que Marx – fumando

charuto – e Piaget – fumando cachimbo – conversam numa sala aconchegante nos

Alpes Suíços. Nesse diálogo cada um “expõe” seus deslocamentos em relação à época

em que escreveram, pontuando as aproximações e os distanciamentos. É, por isso, que

chamo este trabalho de (des)dissertação. Porque o que procuro, além de desconstruir o

mito da objetividade jornalística, é, também, colaborar para a desconstrução do mito da

objetividade científica.

Dessa maneira, faço um pedido a você, leitor. Mesmo tomando esse texto como

o texto de uma dissertação, afinal é um trabalho de conclusão de mestrado, não

procure encontrar todos os elementos que uma pesquisa científica deve conter segundo

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os manuais acadêmicos, na formatação da “superfície textual”. A releitura dos teóricos

está aqui. A análise proposta também. O fundamental. Mantive – por imposição e,

também, por considerá-las facilitadores – algumas das exigências como o sumário, o

resumo, os objetivos. Mas não separei esse texto em capítulos – um de teoria, outro de

análise... São ensaios onde teoria e análise estão em batimento. Resistência também

presente na linguagem – nada isenta, nada neutra. Não acredito num apagamento do

sujeito com a utilização de "ele" ou "nós" no lugar de "eu". É em primeira pessoa que

escrevo. Sei que outros disseram antes de mim, mas quando digo, esse dizer é um já-

dito-novo, um deslocamento, por menor que seja. Sei, também, que quando digo "eu"

esse "eu" é um "eu" plural, permeado por vários outros discursos. Seguindo essa linha,

tenho, no m"eu" dizer como principal co-enunciadora minha orientadora, Silvia

Vasconcelos. Reconheço-a em cada uma das palavras. Vozes de professores do

Mestrado em Letras também me habitam. Quanto à linguagem não espere formalismos

exacerbados. Você não os encontrará. Todo o texto tem a informalidade desse pré-

texto. Gosto é das conversas, lembra? Quero ser compreendida por você e se possível

por outros leitores – desde os doutores até os jornalistas que, como eu até dois anos

atrás, não decifrava o significado de uma linha sobre análise do discurso.

Escrevo assim como um grito, um desabafo. Meu pensamento é cheio de

caminhos tortuosos e, por isso, sigo rompendo tratados, traindo ritos, nadando contra a

corrente, exercitando todos os músculos. Afinal, à parte os riscos, o que me importa, é

nunca me sentir vencida. Continuo resistindo...

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SUMÁRIO

INÍCIO DE CONVERSA – Introdução (falemos do que me move nesse(s)

(des)caminho(s) pelo livro-reportagem a partir da lingüística......................................

Preambulações (sobre o livro-reportagem e que começam a mostrar quem sou).................................

(Im)Posição "1" (perguntas e objetivos)..................................................................................................

(Im)posição "2" (dos meios para se chegar aos fins – "métodos"?).......................................................

(Im)posição "3" (overview – o que, do livro-reportagem, falaram antes de mim)...................................

Colocando o pé na estrada (um passo-a-passo de por onde estive e por onde levo você, leitor, a

partir daqui).............................................................................................................................................

DESVIO – O DISCURSO DOS JORNALISTAS SOBRE O TEXTO JORNALÍSTICO

– AS FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS COMO CONDIÇÃO DE PRODUÇÃO................

Características do bom texto jornalístico................................................................................................

Apuração e redação de uma notícia.......................................................................................................

Das regras éticas e textuais....................................................................................................................

Jornalismo de credibil idade.....................................................................................................................

Características inerentes e não-inerentes ao jornalismo........................................................................

ROTA 1 – AS RESISTÊNCIAS NO DISCURSO DO LIVRO-REPORTAGEM:

QUANDO AO SUJEITO-JORNALISTA É "PERMITIDO" TER IDEOLOGIA................

ROTA 2 – OS DISCURSOS NO DOSCURSO DO LIVRO-REPORTAGEM................

Discurso Indireto.....................................................................................................................................

DI – função 1...........................................................................................................................................

DI – função 2...........................................................................................................................................

Discurso Direto........................................................................................................................................

DD – função 1.........................................................................................................................................

DD – função 2a.......................................................................................................................................

DD – função 2b.......................................................................................................................................

DD – função 3 ........................................................................................................................................

DD – marcas textuais e tipográficas.......................................................................................................

ROTA 3 – O ETHOS DOS JORNALISTA-ESCRITOR E AS PAIXÕES

SUSCITADAS PELO LIVRO-REPORTAGEM.............................................................

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SUSCITADAS PELO LIVRO-REPORTAGEM.............................................................

CHEGADA? – Considerações (nada) finais.................................................................

INTERLOCUTORES – Referências.............................................................................

Outros autores que orientaram meu olhar – Obras consultadas............................................................

ANEXO.........................................................................................................................

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INÍCIO DE CONVERSA – Introdução (falemos do que me move nesse(s) (des)

caminho(s) pelo jornalismo a partir da lingüística)

O traficante Márcio Amaro de Oliveira, 33, conhecido como Marcinho VP, foi assassinado na unidade 3 do complexo penitenciário de Bangu, zona oeste do Rio. O corpo foi encontrado em uma lixeira. O traficante cumpria pena de 25 anos de prisão. (...) Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária, Oliveira foi assassinado por outros presos, em uma suposta vingança. O corpo do traficante, encontrado hoje à tarde, não apresenta marcas de agressões provocadas por tiros ou facas. Ainda de acordo com a secretaria, Marcinho VP teria sido morto por asfixia provocada, aparentemente, por estrangulamento. No entanto, somente a perícia poderá determinar as causas. (Folha On Line – 28/07/20031)

O traficante Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, 42 anos, que controlava o Morro Dona Marta, em Botafogo, foi encontrado morto hoje, às 16h. Ele estava em uma lata de lixo no pátio do presídio de Bangu 3. Marcinho estava desaparecido há três horas. O corpo apresentava sinais de asfixia. A suspeita é que o traficante tenha sido morto por outro bandido da mesma quadrilha. O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, determinou abertura imediata de inquérito pela Polícia Civil para apurar a morte do traficante. (...) O corpo de Márcio Amaro dos Santos não apresentava marcas de tiro. (Terra Notícias – 28/07/20032)

O seqüestrador e traficante Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, foi encontrado morto na tarde de ontem dentro do presídio de segurança máxima Bangu 3, na zona oeste do Rio, onde cumpria pena de 25 anos de prisão por tráfico de drogas. O corpo de Marcinho VP, de 33 anos, foi localizado por agentes penitenciários dentro de uma lixeira. Segundo o subsecretário estadual de Administração Penitenciária, Aldney Peixoto, Marcinho VP foi morto por asfixia. Ele disse que o corpo não tinha marcas de tiros e facadas. (Correio Brasil iense – 29/07/20033)

Os textos acima são trechos de matérias jornalísticas publicadas por órgãos

de imprensa na ocasião da morte do traficante de drogas Márcio Amaro de

Oliveira. O assassinato, dentro do Presídio (pelo menos, no nome) de Segurança

Máxima de Bangu 3, de Marcinho VP – como era conhecido o traficante – seria

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apenas mais uma morte, apenas mais uma notícia de jornal, ambas sem grandes

repercussões.

Seria, no imperfeito, porque não foi o que aconteceu. A morte repercutiu,

por vários dias, na imprensa, dentro da Secretaria de Segurança Pública do Rio

de Janeiro e, principalmente, ecoou na sociedade. A principal justificativa para a

ênfase dada ao assassinato é que o tráfico de drogas e a trajetória de Marcinho

VP já estavam, há alguns dias, no noticiário. Ocupavam não as páginas policiais,

mas sim as de cultura através da cobertura do lançamento (e também da rápida

repercussão) do livro-reportagem Abusado – o dono do morro Dona Marta, do

jornalista Caco Barcellos.

Há um mês na lista dos livros mais vendidos, com 35 mil exemplares, Abusado, do jornalista Caco Barcellos, conta a vida no tráfico de drogas de Márcio Amaro de Oliveira, 34 anos, apontado pela polícia como chefe da venda de entorpecentes do Morro Dona Marta, em Botafogo. Desde então, Marcinho VP, como era conhecido, passou a ser visto pelos integrantes da facção criminosa Comando Vermelho como uma espécie de fanfarrão. Ontem, quando esperava a visita do advogado, no presídio Bangu 3, o traficante, condenado a 42 anos de prisão, foi morto, provavelmente por asfixia. O corpo foi encontrado dentro de uma lixeira.4 (JB Online – 28/07/2003)

A grande vendagem do livro, a repercussão de seu conteúdo na sociedade

como um todo e, sobretudo, entre o "pessoal do crime"5 – dentro e fora dos

presídios, personagens ou não do livro – foram apontadas, imediatamente, pelos

policiais responsáveis pela investigação como a causa que teria motivado a morte

de Márcio Amaro de Oliveira.

Logo após a morte, outro traficante, também personagem do livro-

reportagem, foi apontado como o principal suspeito pelo crime. Claudinho, como é

identificado este traficante na obra, – inicialmente aliado e depois inimigo

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declarado de Marcinho VP – não teria gostado do que leu, das declarações e das

histórias contadas por seu desafeto e publicadas em Abusado.

Essa explicação é vista como plausível pela imprensa e pelos leitores do

livro. O que demonstra que as histórias reais6 ainda incomodam e têm força para

mexer com, e mesmo transformar, a sociedade.

PREAMBULAÇÕES (sobre o livro-reportagem e que começam a mostrar quem

sou) – O que você leu até aqui, escrevi assim que entrei no mestrado. Esse trecho

é o mesmo que iniciava meu projeto de pesquisa. Fiz questão de mantê-lo. Afinal,

foram essas "preambulações" que, primeiro, me moveram. Moveram-me porque

muito do que acredito (e, conseqüentemente, do que sou) está aí (mesmo que

implicitamente).

Fui ser jornalista (mesmo contra a vontade de meus pais que julgavam –

não erradamente – que esta profissão não oferecia um futuro promissor no sentido

financeiro) por idealismo. Acreditava – e, apesar de parecer um contra-censo,

continuo acreditando mesmo que diferente – que o jornalismo poderia ajudar a

mudar o mundo.

Depois de quatro anos de faculdade e outros seis de profissão e uns não

sei quantos tombos tenho consciência de que o mundo mudou sim e vai sempre

mudar. Mudou porque tudo muda, assim como nós mudamos. Mudou

independentemente de mim e independentemente dos jornalistas que o acreditam

retratar. Mas, apesar disso, meu idealismo continua pulsando dentro de mim e, por

ele, continuo sendo movida.

Idealismo que também passou por transformações, mas que, ainda, me

permite acreditar que enquanto jornalista posso levar a sociedade a querer e a

promover (e aqui está a mudança em mim) pequenos deslocamentos no cotidiano.

Deixei de querer ter influência sobre o macro para passar a vislumbrar o micro.

E foi assim que, ao estudar lingüística, fui mudando meu jeito de ser

jornalista, meu olhar para o jornalismo. Assim, hoje, já não me recordo o que æ ç è é ê ë è ì ì í î ï ë è ð ñ ï ò ó ô õ ñ õ ö ð ÷ ð ø ð ù ó õ ø ú î û î ì è ü ô õ ÷ î ÷ è ý ð ô î ø ð ñ þ î ù ó è ð ú î ü ô è ú è ó ÿ

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"objetivava" no início do mestrado. Sei apenas que essa pesquisa, minhas

análises, esse texto ganharam forma pelo caminho. Sem receio de julgamentos

cartesianos, posso dizer que não existe um ponto inicial (muito menos final) nem

de estudo, nem de escrita, nem de leitura. Posso afirmar que iniciei a viagem com

um roteiro meio confuso, mas que o caminhar deu sentido a ela e fez dela

surpreendente e fascinante.

Em muitos momentos nessa minha trajetória ouvi que minha escrita (como

resultado de meus estudos) era apaixonada. Agradeço aos que diziam isso como

incentivo e, principalmente, àqueles que usavam desse argumento como ponto

negativo de minha pesquisa. Esses últimos acrescentavam à paixão a falta de

grandes pretensões científicas. Sempre concordei com eles nesse ponto.

Grandes pretensões nunca as tive. Tive sim, apenas um desejo enorme de

que minha pá (do tamanho de uma colher de café) fosse por mim utilizada nas

escavações (que iniciaram há anos) que algum dia poderão levar a uma ruptura

no paradigma da objetividade jornalística. Objetividade entendida como isenção,

neutralidade, ausência de tomada de posição. Afinal, e nisso reside meu idealismo

(e aqui, nesse parágrafo, está a primeira justificativa para a realização dessa

pesquisa), acredito que quando o jornalismo passar a ser abertamente parcial,

claramente ideológico, ele contribuirá – efetivamente – com as pessoas de

determinado(s) nicho(s) da sociedade que querem e buscam mudanças7.

Jornalismo engajado que percebo em Caco Barcellos por isso a escolha por

ele, e por seu(s) livro-reportagem(s). Os porquês dessa definição ficarão mais

claros a partir daqui. Ainda nessa conversa inicial, colocarei em cena outros dos

meus posicionamentos enquanto jornalista/pesquisadora/analista do discurso e,

também, elementos impostos pela ordem científica/acadêmica.

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(IM)POSIÇÃO "1" (perguntas e objetivos) - Pensar o livro-reportagem, numa

perspectiva pós-moderna8, para perceber de que maneira esse discurso obtêm

credibilidade e seu jornalista-escritor respeito dos leitores é o objetivo primeiro

(geral) dessa pesquisa. Assim, será importante pesquisar, pensar sobre as

seguintes questões/problemas (objetivos específicos):

- como os jornalistas percebem o fazer jornalístico – objetivo ou subjetivo;

neutro/isento/imparcial ou parcial/engajado/partidário?9

- no dia-a-dia das redações, o jornalista tem como metas a isenção e a

imparcialidade. E em um livro-reportagem como se dá essa aderência ou

distanciamento em relação ao real10?

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- quais são as filiações ideológicas que circulam na materialidade discursiva do

livro-reportagem e como elas aparecem?

- através do conceito aristotélico de ethos, da noção pêcheutiana de formação

imaginária e da heterogeneidade discursiva procurar responde a pergunta: que

estratégias discursivas aciona o jornalista-escritor para suscitar credibilidade no

leitor?

- o jornalismo abertamente ideológico do livro-reportagem impede o

estabelecimento dessa credibilidade e do cumprimento da função primeira do

jornalismo que é informar?

Dessa maneira, procurarei evidenciar a inter-relação da construção

discursiva no livro-reportagem com o fato real e, ainda, delinear as formações

discursivas que circulam nas estratégias discursivas da obra selecionada.

Tendo em vista, sempre, que o livro-reportagem por ser reportagem é

jornalismo, e "jornalismo, independente de qualquer definição acadêmica, é uma

fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos, leitores,

telespectadores e ouvintes", como acredita Rossi (1987, p.5). Assim, o seu autor,

um jornalista, tem uma função social a cumprir: "conquistar mentes e corações

para a causa da justiça social" (ROSSI, 1987, p.5).

Todavia, é preciso entender que esse papel de amplificador do real traz

com ele, também, as contradições do real. Afinal, o jornalismo e o livro-reportagem

fazem uso da linguagem e, dessa maneira, esse "real" – entre aspas mesmo – é

sempre uma construção discursiva. É claro que, o jornalista (acredito) busca

construir seu discurso da forma mais próxima desse real. Mas faz-se importante

ressaltar que a linguagem recoloca o real, porque significante-signo-significado

não se colam ad eternum.

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(IM)POSIÇÃO "2" – (dos meios para se chegar aos fins - "métodos"?) – Para

ultrapassar o terreno dos "objetivos", o primeiro passo dessa viagem-pesquisa foi

delimitar o corpus. Assim, inicialmente, foram escolhidos os dois últimos livros-

reportagem escritos/publicados pelo jornalista Caco Barcellos11: Rota 66 – a

história da polícia que mata e Abusado – o dono do morro Dona Marta.

Porém, o desenvolvimento das análises mostrou ser inviável a manutenção

desse corpus. O grande número de páginas, para análise de cada um deles – 350

em Rota 66 e 556 em Abusado – aliado à rigidez do tempo burocrático motivaram

a revisão do objeto de pesquisa. Dessa maneira, a opção foi por, nesse momento,

durante o mestrado, trabalhar apenas com o primeiro (Rota 66). Assim, deixada

para trás a primeira pedra do caminho, volto a me concentrar na estrada.

Tenho claro que minha pesquisa não pretende ter fins práticos, nem

solucionar problemas. O que busco é contribuir para os estudos referentes à

Análise do Discurso e ao Jornalismo. O cumprimento das propostas expostas

inicialmente também permitirá uma colaboração na quebra de um mito (ou em

termos mais científicos, de um paradigma) inatingível, mas buscado

incessantemente pela maioria dos jornalistas: o da isenção frente aos fatos

narrados12. Nesse sentido, rememorando Foucault, poderíamos dizer que

estaríamos cooperando nas escavações – ainda superficiais – que podem levar a

um novo jornalismo, que – de certa maneira – já é feito (pelos mesmos jornalistas)

nos livros-reportagem.

(IM)POSIÇÃO "3" (overview – o que, do livro-reportagem, falaram antes de mim) -

O romance-reportagem desde a década de 1980 tem sido o tema de dissertações

de mestrado e teses de doutorado no Brasil. Então, por que é importante, nesse

momento, voltar a estudá-lo?

A resposta a essa pergunta pode estar tanto em buscar avançar nos

estudos lingüísticos da Análise do Discurso, quanto em procurar alavancar novos

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estudos sobre a função social do jornalista e o papel do jornalismo nesse

momento chamado por uns de modernidade tardia e por outros de pós-

modernidade.

Afinal, a contemporaneidade de maneira geral (e suas conseqüências

nessas áreas de estudo) ainda é contornada por muitas dúvidas, e poucas

certezas. Uma delas é que "o pós-modernismo é coisa típica das sociedades pós-

industriais baseadas na Informação" (SANTOS, 1994). Informação essa que é a

base do livro-reportagem – por ser jornalismo – e, sem dúvida, parte da nossa

realidade.

Por isso, a importância de se voltar a ter o romance-reportagem, mais uma

vez, como tema de uma pesquisa de mestrado, visto que as histórias reais ainda

incomodam e têm força para transformar a sociedade.

Rildo Cosson (1990), em sua pesquisa de mestrado, procurou mostrar que

o romance-reportagem não é uma simples mistura dos elementos do jornalismo

com outros da literatura. O objetivo de sua dissertação é determinar a identidade

do romance-reportagem como gênero. E, assim, o pesquisador encontrou três

marcas que possibilitaram cumprir seu objetivo – a verdade factual a nível

semântico, os processos narrativos realistas a nível sintático e a denúncia social a

nível pragmático.

O resultado desse estudo foi o ponto de partida para a pesquisa de

doutorado desse mesmo cientista. Em sua tese, Cosson (1998) mostra que o

romance-reportagem é muito mais que um fenômeno da década de 1970, que não

se trata de um romance naturalista e, sim, um gênero separado do romance e da

reportagem, situado na fronteira entre o jornalismo e a literatura. A pesquisa

também demonstra quais são os mecanismos que levaram a crítica a recusar esse

tipo de obra.

A origem do romance-reportagem e o contexto que propiciou o

aparecimento desse tipo de narrativa na história cultural brasileira são os pontos

que nortearam a pesquisa de mestrado de Neila Terezinha Roso Bianchin (1994).

A pesquisadora tinha como objetivo geral verificar qual o relacionamento que o

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romance-reportagem mantêm com a literatura e o jornalismo e o modo como o

romance e a reportagem se inscrevem nesses textos.

Dois romances-reportagens do escritor José Louzeiro – Aracelli, meu amor

e Infância dos Mortos – foram analisados por Joselina Aranha Dantas (2001) em

sua tese. O estudo analítico/comparativo examina como os procedimentos

jornalísticos e a forma discursiva do romance se cruzam nas obras citadas. Além

disso, a pesquisa mostra quais são os efeitos estéticos resultantes.

A teoria geral dos sistemas é utilizada como instrumento teórico para a

abordagem do livro-reportagem por Edvaldo Pereira Lima (1990) em sua pesquisa

de doutorado. Os objetivos do pesquisador são mostrar como o livro reportagem

exerce um papel extensor da função jornalística de informar e orientar; e colocar

diretrizes de estímulo ao desenvolvimento do livro-reportagem.

Carlos Antônio Rogé Ferreira Júnior (2001) em sua tese examina algumas

relações existentes entre contradiscursos, um discurso emancipador de esquerda

e narrativas literário-jornalísticas elaborados nos campos textuais usualmente

classificados como Novo Jornalismo e romance-reportagem, que são

considerados como paradigmas para o livro-reportagem.

COLOCANDO O PÉ NA ESTRADA (um passo-a-passo de por onde estive e por

onde levo você, leitor, a partir daqui) – Nessa viagem, ofereço três rotas e um

desvio. Quem, comigo, por ela decidir se aventurar pode ter como destino apenas

um desses roteiros ou dois ou três ou todos... Isso porque, como autora, exerci um

micro-poder ao propor os passeios. Mas desejo que você, como

leitor/interlocutor/companheiro de viagem, resista! E resistindo faça a sua trajetória

a partir das três rotas e do desvio propostos.

Antes de colocar o pé na estrada, porém, como guia nessa viagem preciso

fazer alguns esclarecimentos:

1) acredito que nenhuma teoria é completa e, por isso, não pode ser fechada e

muito menos se fechar. Dessa maneira, embora me posicione como analista do

discurso de linha pêcheutiana, em muitos momentos, recorro a outras teorias e

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teóricos que se situam fora da AD peuchetiana propriamente – como as categorias

aristotélicas de ethos e de pathos; as noções foucaultianas de discurso (já-dito-

novo), de sujeito (que, ao re-dizer, desloca), de micro-poderes e de resistência; e

à pluralidade do sujeito pós-moderno. E é a própria AD, com sua proposta de ser

uma teoria à margem, uma proposta de (re)leitura que me permite beber em

outras fontes, e misturá-las às "minhas" (da AD) águas.

2) é, também, à Análise de Discurso que recorro para não me fixar, primeiramente,

à teoria e, só, posteriormente à análise. O que faço é propor e, mais que isso,

provocar batimentos entre os princípios teóricos da AD e o corpus. Batimentos

esses que, em alguns momentos, (e aqui faço uma paráfrase do que já afirmei)

também se dão entre a própria teoria – entre os dizeres que perpassam a AD e os

discursos-outros que ecoam de posicionamentos teóricos diversos. E é nesses

batimentos – teoria-análise e teoria-teoria(-análise) – que está, acredito, a validade

dessa pesquisa13.

Desvio – "Quebra de um mito (ou em termos mais científicos, de um paradigma)

inatingível": "o da isenção frente aos fatos narrados". Dizeres meus que recupero

aqui. O que quero – e faço – é propor que a aventura pelas três rotas seja adiada,

por breve espaço de tempo, para que, nesse atalho14, nossa conversa explicite de

onde – enquanto jornalista e falando de jornalismo – parto15.

Ou seja, proponho a você, leitor/interlocutor, que dedique alguns minutos a

pensar sobre "O discurso dos jornalistas sobre o texto jornalístico – as formações

imaginárias como condição de produção". Afinal, no trajeto que percorri, essa foi,

também, minha primeira parada. E nela, acredito, não perdi tempo. Pelo contrário.

Tive mais clareza de como os dizeres/discursos da isenção jornalística continuam

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enraizados nos profissionais. O que me motivou a continuar, a voltar para o

caminho (de pesquisadora) que havia começado a traçar.

Esse "Desvio" aparentemente não tem relação alguma com as "Rotas" 1, 2

e 3. Afinal, enquanto elas têm como corpus o livro-reportagem Rota 66 – a história

da polícia que mata , nele são analisados os dizeres (respostas a um questionário)

de jornalistas sobre o discurso jornalístico. Mas é essa análise presente no

"Desvio" a principal justificativa para as três "Rotas" e para essa (des)dissertação.

Afinal, em suas respostas, os jornalistas re-afirmam a objetividade jornalística e

colocam a isenção/neutralidade/imparcialidade como essenciais para a obtenção

de credibilidade. O que faria do livro-reportagem – que, necessariamente, não

segue esses conceitos "presentes" jornalismo diário – apenas literatura. As

"Rotas" vão mostrar que o livro-reportagem é literatura sim, mas antes é história e,

sobretudo, é jornalismo. O que significa que a isenção, a neutralidade, a

imparcialidade, a objetividade não são inerentes a esse texto que conquista

respeito mesmo quando é abertamente partidário.

Rota 1 – Embora a convicção de que o texto jornalístico (e,

conseqüentemente, os profissionais que o redigem) deva ser imparcial, isento,

neutro e objetivo ainda prevaleça, algumas vozes se levantam contra esse mito.

Um exemplo é o livro-reportagem. Afinal, nesse discurso o jornalista pode

expressar toda sua subjetividade.

Em "As resistências no discurso do livro-reportagem: quando ao sujeito-

jornalista é 'permitido' ter ideologia" o que quero refletir é se a presença aberta – e

não mascarada, velada – da ideologia no livro-reportagem impede o

estabelecimento da credibilidade entre o sujeito-jornalista-escritor e seus

interlocutores e, conseqüentemente, afeta o cumprimento da função primordial do

jornalismo que é informar.

Para isso, lançarei mão de alguns conceitos chave para a Análise de

Discurso e, principalmente discutirei a questão do sujeito (indivíduo interpelado

pela ideologia, na linguagem pêcheutiana, e sujeito a micro-poderes, segundo o

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ponto de vista de Foucault, portanto, assujeitado. Esse assujeitamento não é

utilizado na primeira fase da AD em que o indivíduo interpelado pela ideologia

apenas reproduzia, e sim o sujeito re-pensado/revisado por Pêcheux a partir de

1975, em Semântica e Discurso, que, mesmo sujeito à ideologia, faz parte da

história e a transforma, resiste no dizer foucaultiano16.

Rota 2 – Para refletir um pouco mais sobre esse discurso-híbrido-outro que é o

livro-reportagem, proponho pensá-lo a partir da colocação em cena do discurso

relatado: "Os discursos no discurso do livro-reportagem".

Assim, analiso a hetogeneidade – as formas e as funções do discurso

direto e do discurso indireto, os marcadores textuais e tipográficos que

acompanham as falas citadas e os verbos introdutores do discurso alheio. Ao

provocar batimentos entre esse recorte teórico e o corpus dessa pesquisa,

percebi que o discurso relatado, em Rota 66, é usado para explicitar e/ou

contrapor os posicionamentos (formações discursivas) do jornalista-escritor e da

Polícia Militar.

Rota 3 – Mesclando jornalismo e literatura, o livro-reportagem não é apenas um

nem somente outro; é, sim, um gênero à parte. Da mesma maneira, seu autor não

é apenas jornalista nem somente escritor. Assim como sua escrita não se

enquadra em apenas um desses dois gêneros discursivos.

Porém, acredito que, apesar dessas características híbridas, o conteúdo

continua sendo jornalístico e cumprindo a função de informar para, a partir daí,

levar a sociedade a querer e a procurar mudanças. Mas, diferentemente do

jornalismo diário, o livro-reportagem não tem a pretensão de ser isento, imparcial,

neutro e objetivo. Nesse tipo de discurso, o jornalista-escritor toma partido,

posiciona-se. E, apesar disso ou por isso, dependendo do ponto de vista, obtêm

de seu(s) leitor(es) credibilidade. E, aqui, chego a um ponto fundamental que

pretendo desenvolver nessa reflexão-conversa. 5 6 7 8 9 : ; < = < > ? @ = 9 A B C D E C F ; C G H

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A confiança conferida pelo leitor ao discurso do jornalista-escritor é

resultado de emoções suscitadas pelo autor, ao escrever, em seu interlocutor.

Mas, como esse sentimento é despertado? A resposta a essa pergunta, acredito,

pode estar na retomada dos estudos aristotélicos, especificamente dos conceitos

de ethos (o caráter do orador – não necessariamente real – como um efeito do

discurso que o torna digno de fé e, assim, possibilita a persuasão) e de pathos

(paixão – a reação do auditório a partir da fala do orador; o efeito que o orador

obtém no auditório). Teoria essa que retomo a partir de batimentos com a Análise

de Discurso, especialmente do conceito de formação imaginária.

A partir desse batimento teoria-teoria, faço um segundo batimento: teorias-

análise. E, recuperadas as quatorze paixões aristotélicas, as marcas lingüísticas

de Rota 66 evidenciam que a imagem/o caráter de Barcellos é formada/formado a

partir de três delas: confiança, compaixão e indignação. Sendo o despertar no

leitor das duas últimas indispensável para a captação da benevolência – ou seja, o

estabelecimento efetivo do ethos – e, também, para criar as condições para a

realização da primeira paixão citada.

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DESVIO: O disc urso dos jornalistas sobre o texto jornalístico – as form ações

imaginárias c omo condição de produção

"Jornali smo, independentemente de qualquer definição acadêmica, é uma fasci nante batalha pela conqu ista das mentes e corações de seus alv os: leitores, telespectadores ou ou vintes. (...) Essa batalha pelas mentes e c orações, entretanto, é temperada por um mito – o mito da obj etiv idade"

Clóvis Rossi – O que é jornalismo, 1991

Imparcialidade. Isenção. Neutralidade. Objetividade. Precisão. Palavras que

se repetem nos livros sobre noções e técnicas de reportagem e nos manuais de

redação. Conceitos, aprendem os jornalistas em sua formação, que devem

sintetizar a trajetória de apuração17 e escrita das reportagens. Três citações

mostram como esse discurso é divulgado acadêmica e profissionalmente:

Esse laço obrigatório com a informação obj etiva vem dizer que, qualquer que seja o tipo de reportagem (interpretativa, especial, etc.), impõe-se ao redator o 'esti lo direto puro', isto é, a narração sem comentários, sem subjetivações. (SODRÉ; FERRARI, 1986, p.11, grifos meus)

O Estado considera sua obrigação publicar apenas notícias c orretas e precisas; por isso, espera de seus repórteres o máximo de esforço, empenho e exatidão na apuração dos fatos, na divulgação de declarações e na descrição dos acontecimentos. (MARTINS, 1997, p.231, grifo do autor, grifos meu)

O jornalista deve assumir compromisso apenas com a isenção na cobertura dos fatos. (...) Ele tem responsabilidade moral pelas informações que coleta e transmite, as quais devem ser sempre exatas e comprovadas. (NOVO MANUAL DE REDAÇÃO, 1994, p.17, grifos meus)

Imparcialidade. Isenção. Neutralidade. Objetividade. Precisão. Princípios

impossíveis de serem alcançados. Afinal, como a Análise do Discurso de linha

I J K L M N O N P Q R S O N T U R S R N Q O V W X Y Z [ R P X Z T Q Z \ Z [ O R Y N O ] O V ^ R _ ` ] M X [ O N Y R _ O X O X a ` N X b ` X _ ` M c O Q R Y W [ Z O P Q U R_ ` Z d O N V O [ M Q O X ` c M c O ^ Z X Y e N Z O f M ` a O Z X ` N L M ] V Z [ O _ O g

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francesa postula, todo indivíduo é interpelado pela ideologia18 – e disso não

podem escapar os jornalistas – e é pela língua que esses sujeitos mostram quem

são, invariavelmente. Todo e qualquer discurso, como afirma Pêcheux, traz a

ideologia de quem o enuncia, portanto não há neutralidade:

O sistema da l íngua é, de fato, o mesmo para o materialista e para o idealista, para o revolucionário e para o reacionário, para aquele que dispõe de um conhecimento dado e para aquele que não dispõe desse conhecimento. Entretanto, não se pode concluir, a partir disso, que esses diversos personagens tenham o mesmo discurso. (PÊCHEUX, 1997, p.91, grifos do autor)

Sendo marcados ideologicamente, os discursos – e aí estão incluídos os

dos jornalistas – não podem ser isentos, nem objetivos, nem imparciais. O

profissional de imprensa, como afirma Clóvis Rossi, não tem como – durante o

expediente de trabalho – livrar-se de suas crenças, convicções e ideologias:

Entre o fato e a versão que dele publica qualquer veículo de comunicação de massa há a mediação de um jornalista (não raro, de vários jornalistas), que carrega consigo toda uma formação cultural, todo um background pessoal, eventualmente opiniões muito firmes a respeito do próprio fato que está testemunhando, o que o leva a ver o fato de maneira distinta da de outro companheiro com formação, background e opiniões diversas. (ROSSI, 1991: p.10, grifos do autor)

Enfim, o trabalho do jornalista é narrar os fatos. E quando o faz, já não pode

fazer com exatidão. Afinal, como afirma Deleuze, um acontecimento não é,

necessariamente, como o vemos. E o que vemos não é, exatamente, como

contamos. "Há uma disjunção entre falar e ver, entre o visível e o enunciável. O

que vemos não se subsume jamais naquilo que dizemos" (DELEUZE, 1988, p.48).

Além disso, ao redigir um texto, o jornalista é levado a fazer várias

escolhas. Ou seja, opta por uma ordem de exposição dos fatos e não por outra;

prefere a utilização de uma palavra em recusa de outra. Escolhas, como todas as

outras, subjetivas.

18 Conferir páginas 11, 12, 30, 31 e 32.

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O texto informativo, como qualquer enunciado, é um processo específico de individualização da linguagem enquanto código de significação. Quando um jornalista redige uma matéria, materializa um processo ininterrupto de escolhas e de eliminações que acabam constituindo uma mensagem entre uma infinidade de possibil idades preteridas. Além das escolhas estritamente formais de sintaxe e léxico, opera-se uma seleção temática. (BARROS, 1995: p.65)

Alguns veículos, ao contrário do que pregam, reconhecem que a

objetividade é apenas um mito. O Novo Manual de Redação da Folha de S. Paulo

afirma taxativamente que "não existe objetividade em jornalismo", e continua: "Ao

escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em

larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e

emoções" (1994: p.19). Porém, a conclusão para o verbete objetividade diz que

"isso não o exime (ao jornalista), porém, de ser o mais objetivo possível. Para

relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e

repercussões, o jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza"

(p.19).

Ou seja, ao mesmo tempo em que se reconhece como inalcançável a

imparcialidade, a isenção, a neutralidade e a objetividade, esses princípios

continuam sendo disseminados. Paradoxo, acredito, que marca, portanto, a

formação acadêmica e, conseqüentemente, as crenças profissionais dos

jornalistas. Afinal, "o dizer não é propriedade particular. As palavras não são só

nossas. [...] O que é dito em outro lugar também significa nas 'nossas' palavras"

(ORLANDI, 2003: p.32).

Partindo desse pressuposto, vou procurar evidenciar essa contradição

nos discursos dos próprios jornalistas. Para cumprir tal objetivo apliquei, no

início do segundo semestre de 2004, um questionário escrito com cinco

perguntas abertas sobre o texto jornalístico (conferir Anexo). Responderam

aos questionamentos vinte jornalistas – produtores, repórteres, editores ou

chefes de redação –, todos eles profissionais da RPC (Rede Paranaense de

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Comunicação). E são as respostas dadas por esses profissionais as

questões propostas que vou analisar – uma a uma –, a partir daqui, sob a

ótica da AD.

Características do bom texto jornalístico

Nenhum discurso é único, ele está sempre ligado a já-ditos ou a dizeres

que ainda serão proferidos. "Não há discurso que não se relacione com outros. [...]

Os sentidos resultam de relações: um discurso aponta para outros que o

sustentam, assim como para dizeres futuros" (ORLANDI, 2003, p.39). Ou seja,

tudo o que é dito por outros sujeitos e em outros lugares significa, também, em

nossas palavras.

As respostas dos jornalistas à pergunta 1, referente às qualidades de um

bom texto jornalístico, são exemplos de como esse princípio da AD – chamado

relação de sentidos - se manifesta nos discursos desses profissionais. Dezenove

(do total de vinte) mencionaram, pelo menos, um dos cinco princípios/conceitos

abordados no início desse atalho. Dizeres que apontam para outros discursos

"cristalizados" – os dos livros de técnicas de reportagem e dos manuais de

redação – que defendem e pregam a isenção, a imparcialidade, a neutralidade, a

objetividade e a precisão. Alguns exemplos:

J4 – Acho que um bom texto jornalístico começa pela leitura. Jornalista, antes de tudo, precisa ser um bom leitor de revistas, jornais e l ivros. Precisa ter conteúdo, conhecimento, estar sempre atualizado. A partir disso, ele consegue ter um bom texto jornalístico. Depois, é preciso saber estruturar o que você vai escrever. E dentro dessa estrutura, você precisa ter exatidão e clareza nas informações, imparciali dade19, obj etiv idade. J1 – Precisão, obj etiv idade , clareza, relevância e muito suor. J5 – Obj etiv idade, precisão, clareza, ritmo e uma dinâmica capaz de atrair quem o lê. J6 – Precisão nas informações, obj etiv idade no estilo. J7 – Entendo que o bom texto jornalístico deve ser claro, obj etiv o e preciso. J14 – Coloquial, claro, preciso, obj etiv o, direto, informativo, simples. J2 – Clareza e obj etiv idade. Não dá para simplesmente jogar inúmeras informações sem uma ordem, um contexto bem definido.

h i j k l m n o p q r o r o s t n o u n p s m l v s w l t s t q t q t q o x s u s k n v t q n o y k l v u z y l n o { u n v u q l x n o s | n k t s t n o v nl v z u l n t q o o q t q o } l n s y s k q u q p v n o t l o u r k o n o t n o ~ n k v s w l o x s o q v x k q } l o x s t n o �

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Esses princípios/conceitos não foram citados expressamente por um

jornalista somente. Porém, a seleção lexical não altera o conteúdo ideológico

desse discurso que é, também, uma repetição do mito da objetividade. Ou seja, a

escolha das palavras – intra-discurso – coloca em cena a rede interdiscursiva que

é a da crença na objetividade

J12 – Em primeiro lugar, a clareza20. Depois a concisão. [...] O jornalista precisa ser o mais claro possível com o menor número de palavras.

Um texto claro e conciso, a partir do meu ponto de vista, é um texto objetivo

e preciso. Mas, recorro ao dicionário para não restringir a análise à minha

subjetividade. Afinal, as definições contidas nele são vistas como padrões,

referências21. Assim, o Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa

(1994/1995, p.167) traz precisão e exatidão como sinônimos de concisão.

Apuração e redação de uma notícia

Antes de analisar as respostas dadas à questão de número 2, julgo

relevante pensar em dois conceitos básicos da AD: a formação ideológica e a

formação discursiva, sendo que, no discurso, esta representa aquela; a última é a

manifestação da primeira. Enfim, uma remete – invariavelmente – à outra.

A formação discursiva – derivada do pensamento foucaultiano – é a matriz

de sentidos que regula o que o sujeito pode e deve dizer, e – também – o que não

pode e não deve ser dito. Dizer que muda de sentido, de acordo com Pêcheux

(1997), em função das posições sustentadas por aqueles que o proferem. Ou seja,

são as formações ideológicas que determinam os sentidos. Isto é, se para o

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19

primeiro o que organiza uma FD é a regularidade, um princípio de agregação, para

o último essa organização é derivada da ideologia.

Tendo esses conceitos como foco e apoio, passo, novamente, à análise dos

discursos dos jornalistas. As respostas à pergunta 2, sobre a forma como o

jornalista deve atuar, evidenciam a formação ideológica dos profissionais

entrevistados e, acredito, refletem o pensamento geral de quem exerce a

profissão: a crença de que é imprescindível – e mesmo possível – atuar, tanto na

apuração quanto na redação, com imparcialidade e neutralidade. Ou seja, sem se

posicionar frente aos fatos e acontecimentos, apagando as ideologias que formam

o sujeito-jornalista.

Formação ideológica que se manifesta na formação discursiva. Afinal, é

sempre sobre o mito da objetividade que falam os jornalistas. Assim, os discursos

dos vinte entrevistados apontam para a (re)afirmação da neutralidade e da

imparcialidade. Porém, as respostas obtidas podem ser separadas em três sub-

grupos.

O primeiro, e também o mais numeroso – 13 respostas, das quais

apresento sete –, é uma repetição do que dizem os manuais de redação e os

livros de técnicas de reportagem. Ou seja, dizeres nos quais ainda prevalece,

como verdade incontestável, a possibilidade e a existência de um jornalismo

apartidário.

J7 – Precisão acima de tudo, na minha opinião. O texto pode ser maravilhoso, os personagens incríveis, a história fantástica... mas se não houver precisão perde -se o principal ingrediente da informação. J5 – O acerto, a imparcialidade, a neutrali dade. J10 – Ele deve ouvir os dois lados; checar a veracidade e exatidão da notícia; procurar ser isento e pensar no leitor. J14 – Independência, honestidade, isenção, imparciali dade, ética e respeito ao ser humano, busca da verdade. J9 – O jornalista deve procurar ter em mãos todas as informações sobre o tema, todos os lado s da matéria e ainda buscar redigir com obj etiv idade , precisão. J6 – Fontes confiáveis e texto obj etiv o são bases para um bom trabalho. J4 – Não fazer j ulgamentos da informação, apenas tentar contrapontos com outras fontes.

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Um segundo sub-grupo, menos numeroso, mas bastante significativo (6

respostas), ao falar sobre a apuração e a redação das notícias, também, se

mostra "preso" ao jornalismo que não se posiciona, que não tem ideologia(s).

Porém, o discurso desses profissionais é um pouco menos assertivo –

interpretação possível tomando como base a seleção lexical.

J13 – Penso que uma atitude fundamental é ter a posição de todas as pessoas envolvidas na notícia devidamente representada no texto. J2 – Acho que é necessário comparar dados, consultar o maior número de fontes.

Os discursos desses dois jornalistas que apresento como exemplos dão

explicações do que deve fazer o jornalista. Explicações que poderiam ser

parafraseadas, resumidamente, no primeiro caso, por neutralidade e, no segundo,

por precisão.

O terceiro e último sub-grupo se restringe ao dizer de apenas um jornalista.

Nesse caso, o discurso aponta para a contradição. Esse profissional, ao mesmo

tempo, reafirma e nega o mito da objetividade. Suas palavras evidenciam um

conflito entre suas formações ideológicas – uma delas a da repetição, outra a do

deslocamento.

J8 – Aproximar-se ao máximo do fato, do que se convencionou chamar de verdade. Buscar essa 'verdade' com o maior número possível de versões, com investigação, com observação e com análise. Portanto, o j ornali sta j amais será imparcial e muitas v ezes não pod erá ser isento (mas não se trata de um posic ionamento ideológico).

Das regras éticas e textuais

Estou trabalhando com os princípios e/ou procedimentos da AD em

separado – embora saiba que os conceitos decorrem/derivam um do outro – com

um único objetivo: evidenciar, através das respostas dos entrevistados, as

ideologias que perpassam os jornalistas durante o exercício da profissão. Porém,

essa foi uma opção metodológica de trabalho para esse primeiro levantamento (as

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21

respostas aos questionários). Essa fragmentação é apenas um dos possíveis

gestos de leitura/interpretação22.

Até aqui, a/o palavra/conceito ideologia foi citada/citado mais de uma vez.

Agora, entretanto, ela/ele vai nortear a análise das respostas à pergunta de

número 3, concernente às regras que devem ser seguidas pelos jornalistas no

exercício diário da profissão. Já foi dito acima que é a ideologia que interpela o

indivíduo em sujeito. Mas não é só isso. É por esta interpelação ideológica que se

produz o dizer. "O trabalho ideológico é um trabalho da memória e do

esquecimento pois é só quando passa para o anonimato que o dizer produz seu

efeito de literalidade, a impressão de sentido-lá" (ORLANDI, 2003: p.49)

O modo pelo qual os sujeitos são afetados pela ideologia resulta no

esquecimento número um. Segundo Pêcheux (1975, p.177), este esquecimento,

que é da instância do inconsciente, dá aos sujeitos a ilusão de que eles são a

origem/a fonte do que dizem. Ou seja, esse efeito ideológico faz com que os

sujeitos esqueçam que a fala do outro também é constitutiva do seu dizer, que os

seus discursos – na realidade – retomam sentidos pré-existentes23.

Assim, a análise das respostas à pergunta de número 3 mostra que os

jornalistas ao tratar do exercício da própria profissão – suas regras textuais e

éticas –, na realidade, têm um discurso semelhante. Isto é, "seus" dizeres já foram

ditos em outros momentos, em outros lugares e por outros sujeitos. Ou seja, suas

afirmações são, propriamente, re-afirmações. Suas respostas (seus discursos) são

estabilizações de um dizer já sedimentado: o do jornalismo imparcial, isento,

neutro, objetivo e preciso.

Ao comparar as respostas de dezenove, dos vinte jornalistas que

responderam ao questionário, é possível observar que seus dizeres formam ¼ ¼ ½ ¾ ¿ À Á  à ¿ Ä À Å Å Æ Ç Æ È Æ É ¿ É Ê Å Ê Ã Æ ¿ Ë ¿ Ì Ê Ã À Ç ¿ Â Æ ¾ Ê Í Â À É Ê Î ¿ É ¿ Î À Í Ï Á Í Â À É Ê Ã Ê Å Ä À Å Â ¿ Å Î À ¾ À Å Î À Í Î Ê Æ Â À ÅÉ Ê ¾ ¿ Í Ê Æ Ã ¿ Ð È À Ç ¿ È Ñ¼ Ò Ó ¾ À Ä À Å Æ Ô Õ À Ê Ö À Á Î À ¾ À Î À ¾ Ä È Ê ¾ Ê Í Â ¿ Ô Õ À ¿ À Ê Å × Á Ê Î Æ ¾ Ê Í Â À Í Ø ¾ Ê Ã À Á ¾ Ù Ú Û Î Ü Ê Á Ý Â Ã ¿  ¿ Ê É Ê Ë Æ Í Ê Ù ¿ ¾ Ç Þ ¾ Ù À Ê Å × Á Ê Î Æ ¾ Ê Í Â À Í Ø ¾ Ê Ã À É À Æ Å × Á Ê Þ É ¿ À Ã É Ê ¾ É ¿ Ê Í Á Í Î Æ ¿ Ô Õ À Ñ Ó Å Â Ê Ê Å × Á Ê Î Æ ¾ Ê Í Â À Ä À É Ê Å Ê ÃÎ À Í Å Æ É Ê Ã ¿ É À Ä ¿ Ã Î Æ ¿ È Ä À Ã × Á Ê Ê È Ê Þ Å Ê ¾ Æ ß Î À Í Å Î Æ Ê Í Â Ê Ñ à Ê Å × Á Ê Î Æ ¾ Ê Í Â À Í Ø ¾ Ê Ã À É À Æ Å Þ À Ã Ê Å Ä À Í Å á â Ê ÈÄ Ê È ¿ Î Ã Ê Í Ô ¿ × Á Ê Â Û ¾ À Å Å Á Ï Ê Æ Â À Å É Ê × Á Ê À Å Å Ê Á Å É Æ Ì Ê Ã Ê Å Å ã Ä À É Ê ¾ Å Ê Ã Ã Ê ¿ È Æ Ì ¿ É À Å Î À ¾ ¿ × Á Ê È ¿ ÅÄ ¿ È ¿ â à ¿ Å Ê Í Õ À Î À ¾ À Á  à ¿ Å Ñ ä È Á Å Õ À Ù ¿ Ë Æ Í ¿ È Ù ¿ À È À Í Ð À É À É Æ Ì Ê Ã Ë À à ¾ ¿ ¾ ß Å Ê Ë ¿ ¾ å È Æ ¿ Å Ä ¿ à ¿ Ë Ã á Å Â Æ Î ¿ Å × Á ÊÆ Í É Æ Î ¿ ¾ × Á Ê Ê Å Å Ê É Æ Ì Ê Ã Å Ê ¾ Ä Ã Ê Ä À É Ê Ã Æ ¿ Å Ê Ã À Á  à À Ñ

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famílias parafrásticas. Ou seja, seus discursos apontam para os mesmos espaços

do dizer, há neles um sentido que se mantém.

J2 – Na ética, a imparcialidade na div ulgação da notíc ia é o ponto principal. J3 – No caso do jornalismo, ser ético na tarefa de levantar histórias, apurar os fatos e contá-los as pessoas, significa ser fiel a v eracidade, ter um compromisso em não influenciar ou interv ir nas histórias transmitidas, não persuadir os entrevistados [...] e transmitir notícias de forma clara e coesa. J7 – Devemos buscar nos despir dos preconceitos e evitar que nossos valores pessoais pesem em momentos em que a imparcialidade dev e ser mantida. J10 – O jornalista deve sempre ouvir os dois lados, ser isento, não interferir na notíc ia. J13 – Quanto à ética, uma só (regra) é fundamental: o jornalista conta histórias. Com H. Logo, não inventa e procura sempre a veracidade possível de todas as fontes.

Enquanto dezenove jornalistas fizeram – inconscientemente – um exercício

de paráfrase, de dizer o mesmo, um dos entrevistados apresentou um discurso de

deslocamento em relação às regras textuais e éticas da profissão.

J8 – Ao narrar uma história, o j ornali sta sempre fará a defesa de alguém – consciente ou inconscientemente. Jornali smo é o exercíc io de saber quem defender ao desc rev er um fato.

Nesse discurso temos uma ruptura com o mito da objetividade. Afinal, há

um deslocamento da imparcialidade para a parcialidade; da isenção e da

neutralidade para a tomada de posição: "a defesa de alguém". E como saber,

objetivamente, "quem defender ao descrever um fato"? Ao se posicionar, o

jornalista está exercendo sua subjetividade. Todos os posicionamentos são

resultado das ideologias que interpelam o sujeito.

Embora esse rompimento discursivo e ideológico seja único, ele é

significativo. Afinal, representa um movimento – mesmo que comparativamente

pequeno – dos sentidos. Sinal de que o diferente começa a intervir nas formações

ideológicas e discursivas dos jornalistas. Afinal, estas últimas avançam, deslocam

os sentidos, quando existe tensão discursiva entre paráfrase e polissemia, entre o

mesmo e o diferente.

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Jornalismo de credib ilidade

As análises das respostas dadas à pergunta de número 3 foram baseadas

no conceito pêcheutiano de esquecimento. Para dar continuidade ao trabalho e

analisar o que disseram os jornalistas entrevistados em relação à credibilidade

jornalística – tema da questão de número 4 – recorro à noção de interdiscurso que

só é possível, exatamente, porque ocorrem os esquecimentos.

O interdiscurso, também denominado memória discursiva, é definido por

Orlandi como um conjunto de formulações já-ditas e já-esquecidas que representa

o dizível – "memória afetada pelo esquecimento ao longo do dizer" (2003, p.34).

Ou seja, o sujeito – cada vez que toma a palavra – tem a sua disposição

formulações pré-construídas. Porém, ele só recorre a elas porque acredita que

esses dizeres são "seus", propriedades particulares. "É preciso que o que foi dito

por um sujeito específico, em um momento particular se apague na memória para

que, passando para o 'anonimato' possa fazer sentido em minhas palavras" (p.33-

34).

Assim, os discursos que postulam o apagamento do sujeito e de sua

ideologia – apesar de a subjetividade ser constitutiva da linguagem – e, ao mesmo

tempo, pregam um distanciamento – que pode ser denominado por

imparcialidade, isenção, neutralidade e objetividade – são encarados pelos

jornalistas como pessoais. Por isso, esses dizeres se (re)manifestam nos

discursos dos entrevistados no momento em que tratam do exercício da profissão.

Esse interdiscurso, proveniente da formação acadêmica – através dos livros

de técnicas de reportagem e das falas dos professores – e, também, da atividade

profissional – os manuais de redação são exemplo –, afeta o modo como os

sujeitos-jornalistas, de uma maneira geral, significam nessa situação discursiva.

Isto pode ser percebido no que dizem os jornalistas a respeito da credibilidade dos

profissionais e dos veículos de comunicação. Em suas respostas à pergunta 4,

todos (re)afirmaram o mito – isto é, o interdiscurso – da objetividade.

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J1 – Se ater aos fatos, evitar paixões. J14 – Exatidão das informações, imparciali dade. J11 – Ética, obj etiv idade, informações precisas . J5 – A seriedade, a imparciali dade, a obj etiv idade , a experiência e a trajetória profissional dos jornalistas que o fazem. A forma como os fatos, as histórias reais são contadas, a semelhança, o compromisso delas com a realidade, respeitada a neutrali dade.

Características inerentes e não-inerentes ao jornalismo

As quatro primeiras perguntas do questionário tinham por objetivo fazer os

jornalistas refletirem, primeiramente, sobre a profissão para, em seguida,

escreverem seus posicionamentos. O propósito da quinta, e última, questão era o

mesmo, porém sua estrutura era diferenciada das outras. Afinal, apontava

dezesseis conceitos24 e pedia aos jornalistas que os dividissem entre

características inerentes ao jornalismo e não-inerentes à profissão.

Entretanto, apesar dessa diferenciação de forma citada acima, a maior

parte das respostas apontou para um velho discurso: o da (re)afirmação da

objetividade jornalística. Quinze jornalistas, dos vinte entrevistados, apenas

repetiram o que já dizem há décadas os livros de princípios e técnicas de

reportagem e os manuais de redação.

J2 – As mais importantes para o jornalismo são: clareza, exatidão, concisão, objetividade, simplicidade, precisão e distanciamento (das opiniões). As que não podem ser consideradas inerentes ao jornalismo são: engajamento, ideologia, posicionamento e subjetividade. J3 – Características mais importantes: 1) objetividade; 2) clareza, exatidão, concisão, precisão; 3) imparcialidade, distanciamento, isenção; 4) simplicidade; 5) apartidarismo. Características que não podem ser consideradas inerentes ao jornalismo: ideologia, posicionamento, opinião, subjetividade. J4 – (mais importantes para o jornalismo) clareza, exatidão, imparcialidade, objetividade, concisão. (não são inerentes) ideologia, engajamento, posicionamento, distanciamento. J5 – Com relação a 'posicionamento', 'engajamento'e 'ideologia', da maneira como defino estes conceitos, acredito que devem ser desconsiderados. J6 – Isenção, imparcialidade, objetividade, clareza, precisão. Com essas cinco dá pra fazer um bom jornalismo.

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J7 – (inerentes) precisão, exatidão, imparcialidade, isenção, clareza, objetividade, concisão, correção, simplicidade. (não -inerentes) engajamento, ideologia, opinião, posicionamento, subjetividade. J10 – Características importantes: exatidão, precisão, clareza, imparcialidade, objetividade, isenção, concisão. Não inerentes ao jornalismo: posicionamento, ideologia. J12 – Apartidarismo: importantíssimo; clareza: importante; concisão: importante; engajamento: não deve haver; impa rcialidade: importante; opinião: depende da situação, quem emite opinião é só o comentarista. J14 – (importantes) 1) imparcialidade, 2) isenção, 3) precisão, 4) exatidão, 5) apartidarismo, 6) clareza, 7) correção, 8) concisão, 9) simplicidade. J8 – Importantes: exatidão, precisão, clareza, correção, objetividade, concisão. Não são inerentes: distanciamento, engajamento, ideologia, imparcialidade, isenção, opinião, posicionamento, simplicidade, subjetividade, apartidarismo.

Deixei a resposta de J8 por último porque considero que cabem, aqui,

algumas considerações. Afinal, como inerentes ao jornalismo esse profissional

citou apenas os conceitos que corroboram para a manutenção da objetividade

como norma/regra. Esse posicionamento, porém, não é o mesmo que apresentou

esse entrevistado em outras perguntas. A recuperação das respostas dele às

questões número 2 e 3 mostra que o discurso de J8, nessas perguntas, não é o do

mesmo (aqui, o do mito da objetividade) e sim o do deslocamento, o do início de

uma ruptura.

As respostas e os discursos contraditórios desse jornalista evidenciam

como, embora um processo polissêmico comece a se desenvolver, esses

profissionais ainda têm os pés e a ideologia fincados no tradicional discurso do

jornalismo isento, neutro, que credita que não se posiciona. E é, exatamente, esse

jogo entre o velho e o novo que vaza do discurso dos outros cinco entrevistados.

Ao mesmo tempo em que (re)afirmam o mito da objetividade, o negam.

J9 – (características mais importantes para o jornalismo) exatidão, correção, isenção, precisão, apartidarismo, simplicidade, objetividade, clareza, concisão, opinião – o Dines, do Observatório da Imprensa, diz: 'Quer opinar, envelheça" –, posicionamento – deve ser exercido com equilíbrio e prudência. (não inerentes) engajamento, ideologia, imparcialidade – infelizmente não conseguimos ser imparciais. Por mais que a gente tente, sempre vai ter uma posição favorável ou não em relação a alguma coisa. A imparcialidade é um dos pontos mais polêmicos da profissão (...) –, distanciamento e subjetividade.

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Nesse discurso, o deslocamento está presente ainda nos itens

apresentados como importantes para o jornalismo. Afinal, entre eles, J9 inclui o

posicionamento. Um deslize, mesmo se for considerada a ponderação feita logo

em seguida pelo jornalista. Porém, o "mesmo" volta a ser afirmado já que entre os

conceitos considerados por esse profissional como não inerentes estão a ideologia

e a imparcialidade.

"Velho" que é colocado de maneira contraditória. Afinal, é a ideologia que

leva alguém a se posicionar a favor ou contra alguém/algo e, além disso, sempre

que se toma uma posição está-se privilegiando uma parte – o que significa o fim

da imparcialidade. Ainda em relação a este último conceito, J9 reconhece que ele

não existe na profissão. Posicionamento similar ao de um outro jornalista

entrevistado:

J11- (inerentes ao jornalismo) 1) correção/exatidão/precisão; 2) objetividade/clareza/simplicidade; 3) imparcialidade/distanciamento/isenção/ apartidarismo (aqui vale um tratado. Mas só para não passar batido: não podemos ser demagogos e dizer que somos imparciais o tempo todo. Mentira. O texto acaba tendo, sempre, a nossa versão dos fatos. Ainda que procuremos sempre a isenção. Estamos sempre próximos a ela, é verdade, mas a proximidade não é total.

O maior deslocamento em relação ao mito da objetividade jornalística está

presente no discurso de J1. Afinal, depois de enumerar como importantes para o

jornalismo – nessa ordem – a precisão, a exatidão, a correção, a clareza, a

simplicidade, a objetividade e a concisão, ele afirma que:

J1 – Inerentes ao jornalismo devem ser o suor, o bom senso, a verdade, o compromisso com a comunicação e com a liberdade de expressão. O restante é conseqüência. Com estes ingredientes, o jornalismo pode ser engajado, opinativo e até mesmo parcial (desde que abertamente parcial) que ainda assim poderá ser considerado bom jornalismo.

Entre a (re)afirmação do velho e a inserção do novo, um discurso é

revelador. Afinal, evidencia como ficam os jornalistas nesse/nessa jogo/disputa

entre ideologias – de um lado, apartidarismo/distanciamento/

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isenção/imparcialidade/neutralidade/objetividade/precisão e de outro,

engajamento/posicionamento/subjetividade.

J13 – Apartidarismo: é vital. Clareza: sempre. Concisão: depende do veículo e da proposta da notícia. Correção: sempre. Distanciamento: não existe na forma pura, mas deve, na medida do possível, ser buscado. Engajamento: nunca, deixa de ser jornalismo. Exatidão: sempre. Ideologia: é a mola principal de vários jornalistas, trabalhar em nome de quem é prejudicado. Imparcialidade: não existe. Isenção: a posição obrigatória do profissional diante de todos os assuntos – e na vida particular, inclusive. Objetividade: depende do veículo e da proposta da notícia. Opinião: quando estiver bem visível que é uma posição pessoal ou da empresa. Posicionamento: uma palavra muito vaga. Precisão: sempre. Simplicidade: depende do veículo e da proposta da notícia. Subjetividade: uma palavra que freqüenta constantemente as redações; e não há como acabar com ela; e vai sempre existir, mesmo quando negada.

Esse jornalista afirma o mito da objetividade quando trata dos seguintes

conceitos: apartidarismo, correção, engajamento, exatidão, isenção e precisão.

Esse mesmo discurso é negado por este profissional quando ele trata de:

distanciamento, ideologia, imparcialidade e subjetividade. Co-relacionando o que

diz o entrevistado, nessa resposta, observamos que: ao mesmo tempo em que

considera o distanciamento como inexistente – assim é possível concluir que

quando não existe distanciamento é porque existe tomada de posição – julga vital

o apartidarismo; admite a ideologia como a "mola principal de vários jornalistas",

sendo que muitos deles "trabalham em nome de quem é prejudicado", e a nega ao

afirmar que quando existe engajamento não existe jornalismo; vê a isenção como

obrigatória, porém diz que a imparcialidade "não existe" e que a subjetividade "vai

sempre existir, mesmo quando negada".

As quatro últimas citações das respostas dadas pelos jornalistas à pergunta

de número 5 mostram que os discursos que afirmam e negam o mito da

objetividade se cruzam e se contradizem. Evidência de que, mesmo que

timidamente, existe uma tensão entre esses dois discursos; jogo entre paráfrase e

polissemia; disputa entre o "velho" e o "novo".

Partida em que quem está a frente no placar, até aqui, é a (re)afirmação da

imparcialidade, da isenção, da neutralidade, da objetividade e da precisão.

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Resultado, acredito, que ainda deve ser mantido por algum tempo. Afinal, esses

conceitos/regras são formações imaginárias constitutivas do discurso jornalístico.

Isto é, sendo as formações imaginárias o conjunto de projeções de imagens

que constituem as diferentes posições numa relação discursiva, os jornalistas têm

como imagem de sua posição-sujeito-locutor ("Quem sou eu para lhe falar

assim?") a de um narrador que conta ao seu interlocutor um acontecimento

exatamente da maneira como ele transcorreu, acreditando ser essa a melhor (e,

talvez, única) maneira de descrever um fato.

Formação imaginária constituída, também, pela imagem da posição-sujeito-

interlocutor ("Quem é ele para me falar assim?"). Nesse caso, o

leitor/ouvinte/telespectador precisa acreditar que quem escreve/diz o que ele está

lendo/ouvindo/vendo fala a verdade. Só assim, o jornalista e o veículo em que ele

trabalha conquistam e mantêm a respeitabilidade.

Sem essas formações imaginárias e sem a ilusão de que os conceitos da

imparcialidade, da isenção, da neutralidade, da objetividade e da precisão são

"realizáveis", a prática da profissão seria vazia de credibilidade. Ou seja, esses

são pressupostos pactuados entre jornalistas e leitores, ouvintes e/ou

telespectadores.

Porém, acredito que essas formações imaginárias25 podem ser

desmistificadas e reformuladas. Afinal, recuperando o discurso de J1, "inerentes

ao jornalismo devem ser o suor, o bom senso, a verdade, o compromisso com a

comunicação e com a liberdade de expressão. O restante é conseqüência. Com

estes ingredientes, o jornalismo pode ser engajado, opinativo e até mesmo parcial

(desde que abertamente parcial) que ainda assim poderá ser considerado bom

jornalismo".

Esse "desvio" pelo jornalismo diário termina aqui. Agora, começam as

"rotas" pelo livro-reportagem. A análise do discurso dos jornalistas tinha como

objetivo evidenciar que a ilusão da objetividade jornalística continua fazendo parte

do/sendo considerada inerente ao exercício da profissão. Dessa maneira, é � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �

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possível começar a leitura da análise de Rota 66 tomando esse discurso

jornalístico outro, que é o livro-reportagem, como um discurso de resistência de

jornalistas que não mascaram seus posicionamentos.

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ROTA 1 - As resistências no d isc urso do livro-reportagem: quando ao sujeito-jornalista é " permitido" ter ideologia

" Ao pensar no j ornali sta, estou pensando em um cidadão capaz de: Batalhar incessa ntemente para conquistar seu púbico para a causa da democracia e da j ustiça social" Clóvis Rossi – Vale a pena ser jornalista?, 1987

O jornalismo – para ser respeitado, ético e ter credibilidade –, ainda hoje,

precisa seguir normas que surgiram na década de 20 do século passado: o "bom"

e "verdadeiro" texto jornalístico, ensinam os manuais de redação e os livros de

técnicas de reportagem atuais, deve ser imparcial, isento e objetivo. Preceitos

estabilizados no período posterior à 1ª Grande Guerra Mundial, período de

construção e ascensão do capitalismo. Cenário que marcou o início do jornalismo

como empresa voltada a gerar lucros e a inauguração da indústria cultural de

massa.

Princípios antigos e que, ainda hoje, predominam entre os profissionais da

área. Porém, algumas vozes se levantam contra esse mito. Um bom exemplo

disso é o livro-reportagem. Afinal, nesse discurso – que não deixa de ser

jornalístico – o jornalista pode expressar toda sua subjetividade, ou – usando um

termo da Análise do Discurso de linha francesa – sua(s) ideologia(s).

Isso não quer dizer que acredito (ao contrário do que acontece no livro-

reportagem) que a objetividade, a isenção e a imparcialidade sejam possíveis no

jornalismo diário. O que quero refletir é se a presença aberta – e não mascarada,

velada26 – da ideologia no livro-reportagem impede o cumprimento da função

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primordial do jornalismo que é informar27. Para cumprir tal objetivo, porém, julgo

necessário, em primeiro lugar, que dialoguemos teoricamente.

O livro-reportagem, como o próprio nome designa, é uma reportagem

publicada na forma de livro. A diferença primordial entre esse tipo de matéria e as

feitas para serem veiculadas por jornais, TVs e emissoras de rádio é que o

jornalista pode ser sujeito da notícia e não, apenas, um indivíduo que "descreve" a

notícia. Isso quer dizer que ele tem compromisso com o leitor e com a verdade.

Mas com a sua verdade que é definida a partir das ideologias que o interpelam, e

não com a verdade definida pelos conceitos – extremamente subjetivos – da

imparcialidade, da isenção e da objetividade que "dominam" o jornalismo diário.

Ao definir o livro-reportagem utilizamos dois conceitos fundamentais para a

AD: sujeito e ideologia. Princípios que se entrelaçam e não podem ser pensados

separadamente. Afinal, nas palavras de Orlandi, a ideologia "é a condição para a

constituição do sujeito e dos sentidos. O indivíduo é interpelado em sujeito pela

ideologia para que se produza o dizer" (2003, p.46).

Essa(s) ideologia(s) que constitui(em)28 o sujeito não é(são) consciente(s),

mas está(ão) presente(s) em toda manifestação desse sujeito. Exemplos de

efeitos ideológicos são os esquecimentos número 1 e número 2. Isto é, as crenças

do sujeito de que possui o domínio do seu discurso e de que o sentido já existe

como tal. Porém, é preciso ficar claro que se os sujeitos não são totalmente livres,

também não são absolutamente determinados por mecanismos exteriores de

poder.

E F G H I J K L M N O L J P I O N P K Q L R N K J O N S T U V W L T U X N J S Y U R O L R S I S K L Z J O [ L R K J L Q \ [ U R O L J P H I N N P P LS N I T R L Q J X L X N P N ] L M I P K L X L [ N Q U ] U R S L Q J P T L S U N ^ N R K _ K J U X L [ R U Y J P P ` U V G Y J S L Q \ L U L [ I R L R I O Y L T U NR N X J a J R I O L S U T _ K J L \ N P P N [ R U Y J P P J U S L Q P N O [ R N [ L R T N X N I O L [ N R P [ N K T J b L N S T R N O I J T L P [ U P P _ b N J P V c NL K U R X U K U O d U P P J \ e N S T R N U f g h i j k l m n o p q r s t u t v t w s x v y z { r s { v r s t | } t ~ z s v � u t z � � s � y z { � � � u t� { � � { � � { � t u y { � � � u t s � � � | � { v y � � { � � � � | { | � � u t } � | y � � � � | � { v y � � { � � � r s t z { | | t � { z � � � y � � � � u {s � { � � | � { � � � z s v � s | { v � � � u � s � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �   ¡ ¢ � � £ �   ¡ � � � ¤   ¤ ¥ � � £ ¢ ¤ ¡ � ¦ ¤ § £ � � �§ � � � � ¤ ¡ � ¨ � � § © � § ¤ � ¦ � ¡ � ª ¢ � � � ¡ « ¡ � � ¡ � £ ¢   ¬ �   ¨ � � � ª ¢ � � � � � � � � � § � ¦ � ¡ � ¨ � £ �   � ¤ § � ¨ ¤ � ¡ ¤   ¡ � ¨ �¨ � � ¢ ¡ § � ­ � £ � �   ¬ � ¤ § � ­ � £ ¦ � § £ � ® ¯ � � � � � � � � � � � � � � � ¤   ¤ ¥ � � ¨ ¤ � � § � � � ° ± ² ³ ³ ² � � ´ ² µ ¶· ¸ ¹ º » ¼ ½ ¾ ¿ À Á  ¼ Â Ã Ä Å Ã Á  » À ¿ À ¼ Æ Ç Á È Á É ¼ º Ä ¿ Ç ¾ Á Ê Á Ë ¿ Ä Ì º Ä » È Á É Í Î É ¿ Ä » ¿ Ç ¾ Á Ê Á Ë ¿ Ä » Ï ¼ ¾ » ¾ º ¾ » Ã Ê Ä ºÇ Ä Â Ç Á Á É ¿ Ë ¾ º Ì Ä » » ¿ º Ì Ð Ñ Á É º Ä Ò Ó Á Ô Ç ¾ Á Ê Õ Ë ¿ Ã Ä Ö Ñ Ô × Â Á Ç ¿ » à ¼ É » Á Ç ¾ » » ¾ » ¼ ½ ¾ ¿ À Á Ø

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O ponto de vista althusseriano29 de sujeito como indivíduo interpelado pela

ideologia é tomado pela AD, inicialmente, como a tese de um sujeito assujeitado.

Porém, esse conceito começa a ser retificado por Michel Pêcheux em 1975 em

Les Vérités de La Palice (publicado no Brasil como Semântica e Discurso – Uma

Crítica à Afirmação do Óbvio) e é reordenado, plenamente, em 1978 no Anexo

que Pêcheux escreveu para a tradução inglesa dessa mesma obra.

Ao traçar esse panorama, Gregolin afirma que "para Pêcheux, a teoria

devia intervir nessa luta política30, pensar o funcionamento e o papel das

ideologias dominadas e da resistência" (2004, p.138). E se há resistência é sinal

de que os sujeitos não são (totalmente) assujeitados. Ou seja, a interpelação

admite falhas, equívocos. Pêcheux desconstrói, assim, a idéia radical de

assujeitamento ao dizer que "não há dominação sem resistência: primado prático

da luta de classes, que é preciso ousar se revoltar" (1997, p.304). Isto é, a

ideologia não se dá por reprodução e sim por transformação. Assim, para

Pêcheux, é a luta de classes que gera resistência/revolta e faz com que a História

evolua.

A noção de sujeitos "resistentes" também é abordada por Michel Foucault31.

E essas formas de resistência são pensadas a partir das relações entre os sujeitos

e o poder: "Foucault não enxerga os indivíduos como autônomos a aceitarem

passivamente todas as determinações do poder" (GREGOLIN, 2003, p.101).

Afinal, o completo assujeitamento representaria o fim da História.

Foucault não acredita num único poder, mas sim em vários micro-poderes

que, através dos discursos que circulam numa sociedade, são internalizados pelos

sujeitos. Essa "microfísica do poder", nas palavras dele, estaria dividida entre

muitas instituições ideológicas – dentre as quais estão a igreja, a família, os

partidos políticos, a escola e os jornais.

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Na "ordem do discurso" essa microfísica do poder se materializa em

processos controladores do dizer (FOUCAULT, 2004) como: nem todas as

pessoas podem falar de todos os assuntos, nem todos os assuntos podem ser

tratados a qualquer hora e/ou em qualquer lugar. E é contra o controle

permanente que se levantam as resistências:

Por um lado, elas (resistências) afirmam o direito à diferença e sublinham tudo o que pode tornar os indivíduos verdadeiramente individuais; por outro lado, elas combatem tudo o que pode isolar o indivíduo, desligá-lo dos outros, cindir a vida comunitária. (GREGOLIN, 2003, p.101)

Dessa maneira, para Foucault, sociedades estáticas, sem mudanças, não

existem. Para ele, essas estão – sempre – construindo suas próprias referências e

significações. Assim, as lutas pelo poder são embates pela fixação de significados.

Afinal, num determinado momento sócio-histórico, são determinantes os

significados, e porque não dizer, as ideologias de quem está exercendo o poder.

Retomando os conceitos de sujeito, ideologia e resistência, volto a tratar do

livro-reportagem. Afinal, a partir de minha perspectiva, esse tipo de discurso

jornalístico é um discurso da resistência. E isso por dois motivos. Um deles seria a

resistência ao poder do discurso da objetividade jornalística. O outro seria a

resistência aos poderes que produzem, e mantém, assim, as desigualdades

sociais. Resistências que possibilitam ao jornalista manifestar sua ideologia e, ao

mesmo tempo, cumprir suas funções sociais: informar e levar a sociedade a

pensar sobre seus problemas e, por decorrência, provocar deslocamentos.

Para aprofundar essa reflexão vou tomar, para a análise, conforme já dito, o

corpus desse trabalho o livro-reportagem Rota 66 – a história da Polícia que mata,

escrito pelo jornalista Caco Barcellos. Lembrando que, nesse momento, meu

objetivo é evidenciar as resistências do sujeito-jornalista e refletir se elas (as

resistências, aqui resistências aos princípios que norteiam o jornalismo:

imparcialidade, isenção e objetividade. Ou seja, resistências que "permitem" um

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jornalismo parcial, partidário32 e subjetivo) alteram a respeitabilidade e a

credibilidade de um trabalho jornalístico.

O sujeito-jornalista Caco Barcellos33, nesse livro-reportagem, resiste ao

cumprimento dos mitos da imparcialidade, da isenção e da objetividade. Mas isso

não significa que ele pretenda fazer literatura, inventar uma história. Pelo

contrário. Barcellos aciona mecanismos discursivos de um fazer História ao narrar

e descrever – a partir de sua perspectiva – fatos. Afinal, como jornalista, seu

objetivo é informar. Mas isso não é o bastante. Ele pretende ir além e denunciar os

acontecimentos, histórias que as pessoas não enxergavam ou, se as viam, se

recusavam a falar sobre elas.

E nesse ponto começo a tratar de um segundo tipo de resistência. Se,

primeiramente, o sujeito-jornalista resistiu ao micro-poder exercido pela instituição

"jornalismo" que tem como mito a objetividade, posteriormente, a resistência é do

sujeito-cidadão contra os micro-poderes exercidos pelos homens responsáveis por

garantir a segurança da sociedade – neste caso, a Polícia Militar do Estado de

São Paulo.

As resistências do jornalista e do cidadão são explicitadas em alguns

capítulos do livro – e, nesses momentos, elas se mesclam porque as ideologias

também se entrelaçam ao se interiorizarem no indivíduo tomado como sujeito

empírico – onde esses dois sujeitos (jornalista e cidadão) se mostram. No capítulo

2, Doutor Barriga, Barcellos conta um episódio de sua infância que envolve a

polícia. Ainda menino, no bairro pobre onde morava na periferia de Porto Alegre,

testemunhou a " prisão" 34 e o " espancamento" de muitos amigos e vizinhos,

" injustiças da polícia que se repetir iam muitas vezes" . " Injustiças" que a

partir de 1970 deixaram de ser praticadas pelos policiais civis e passaram a ser

cometidas pelos militares. Mas nessa época, " depois de 73, eu já não sofria

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como antes. Tornei-me testemunha dos s ofrimentos dos outros. Já era

repórter".

E, ao passar a ser " testemunha dos s ofrimentos dos outros" , o

" repórter" Caco Barcellos não se "permite" testemunhar calado. São exemplos de

injustiças cometidas pelos policiais militares que ele narra, discursiviza35, durante

as 350 páginas do livro-reportagem Rota 66. No capítulo 8, O pior do passado, o

jornalista conta como começou o banco de dados e as investigações que deram

origem a essa reportagem na forma de livro. Narração onde as ideologias vazam:

Minha pretensão é a de examinar todo s os casos registrados desde o dia 9 de abril de 1970, quando houve a fusão da Polícia Civil e da Força Pública, para a criação da Polícia Militar de São Paulo. Fixado o início, decido que o final do período de abrangência do Banco de Dados será il imitado: só acaba no dia em que os PMs deixarem de matar. (BARCELLOS, 2003, p.88, grifos meus)

Esse segmento e, sobretudo, os trechos destacados permitem que se faça

uma análise do discurso do autor-jornalista a partir da pergunta: de que posição

fala Barcellos? Ele fala da posição de investigador de fatos, de informações, de

dados históricos de um passado recente. Mas fala, também, da posição de

"Paladino moderno", de "Paladino do asfalto". Afinal, toma para si – e somente

para ele mesmo – a tarefa de "examinar TODOS os casos registrados", tarefa que

"só acaba no dia em que os PMs deixarem de matar". Sujeito centrado que se filia

discursivamente ao dizer cartesiano-iluminista da "completude".

Ter como "pretensão" "examinar TODOS os casos" evidencia um

sentimento de potência (segundo Nietszche), uma vontade de poder (de acordo

com Foucault). Assim, é possível dizer que Barcellos se coloca numa posição de

quem tem o poder e pode exercê-lo. Afinal, o seu trabalho "só acaba no dia em

que os PMs deixarem de matar". Ele não só acredita que isso é possível, como crê

que ele – através do seu trabalho – pode fazer com que isso aconteça. Ou seja, o

jornalista se coloca numa posição de poder. Isto é, o seu trabalho seria um

dínamo – poder, potência, o mesmo que faz funcionar o motor dos carros, que

[ \ ] ^ _ ` a b c ` d e f g a h e i ^ j k l j k g e ^ m ` n e ^ i j o g m e p q c r e s j e k h ^ b ^ ` d e c ` h k e k ^ r o ^ i q c t

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coloca algo em funcionamento (FOUCAULT, 1996) – de resistências,

deslocamentos, mudanças e transformações da sociedade (no caso, "os PMs

deixarem de matar").

Voltando ao trecho citado acima, as informações do banco de dados são

reproduzidas no livro. Afinal, são elas que aparentemente contam e fazem a

História. Mas, o jornalista-escritor não se limita a descrever (ainda que a pura

descrição, a descrição neutra seja uma ilusão). Barcellos também se posiciona:

Os matadores da PM agem espontaneamente, sem nenhum critério prévio. Escolhem suas v ítimas a partir de uma simples desconfiança. Consigo fazer essa afirmação depois de ter examinado exatamente 33 tiroteios ocorridos em 1975. Mas teriam os policiais de fato cometido um crime? [...] Do total das 33 vítimas, apenas onze eram registrados como ladrões nos arquivos da polícia. A grande maioria tinha a ficha limpa: dezessete não eram criminosos. (BARCELLOS, 2003, p.96-97, grifos meus)

E é esse tom de indignação que marca o discurso de Caco Barcellos

durante todo o livro-reportagem. Escrita que nem de longe lembra alguns preceitos

básicos do jornalismo que assegurariam um texto imparcial, isento e objetivo.

Barcellos toma partido, se posiciona, não se "permite" manter distância dos

acontecimentos e admite isso: " meu ob jetivo, em 75, era o de investigar para

saber as circunstâncias da morte de um por um" (2003, p.97). Posicionamento

que toma forma (de maneira fortíssima) de resistência – "investigar para saber as

circunstâncias da morte de um por um" – e de escancaramento da subjetividade.

Dessa maneira, o autor-jornalista evidencia que está envolvido com as

histórias que conta. Histórias de pessoas que morreram como criminosos.

Criminosos, porém, com "ficha limpa" e que só morreram porque "os matadores da

PM agem espontaneamente, sem nenhum critério prévio". Envolvimento que deixa

vazar a subjetividade de quem escreve, subjetividade que está ligada à

emotividade da infância do autor-jornalista:

O estilo não deixava dúvidas: era o Doutor Barriga, o delegado extremamente grosseiro e violento, conhecido em todo o bairro. Muitas vezes eu havia assistido a suas perseguições aos ladrões da minha rua.

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Os vizinhos trabalhadores também são obrigados a se esconder ou fugir. O delegado considera todo mundo suspeito. Ao prender alguém, sempre aplica o inverso da lei. Em vez de provar a culpa do suspeito, costuma exigir que o detido prove sua inocência. O meu maior medo é do batismo do Doutor Barriga. Quem é preso pela primeira vez é punido, no mínimo, com uma noite de castigo no xadrez da viatura. Com a polícia tão perto de mim, já me imagino na escuridão, amontoado com mais dez pessoas dentro de uma única RP36. Tenho que evitar esse horror. Tenho que escapar. (BARCELLOS, 2003, p.27)

Retomando a explicitação, pelo autor, de seu objetivo – "o de investigar

para saber as circunstâncias da morte de um por um" (BARCELLOS, 2003, p.97) –

é possível analisar a subjetividade como resistência à objetividade. Assim, o autor-

jornalista não "permite" que os mitos do jornalismo exerçam controle sobre a sua

subjetividade – e essa "permissão" vem da força literária. Afinal, apesar de ser

reportagem é, também, livro. Mas, ao mesmo tempo, ele utiliza-se do mito da

objetividade para construir a sua argumentação. Afinal, a força do discurso

jornalístico está na comprovação dos fatos, isto é, na verdade. Assim, para o

autor-jornalista (e para o leitor), "saber as circunstâncias da morte de um por um"

é saber a verdade. Verdade e "objetividade" que, nesse caso, têm forma de

denúncia. Denúncia "permitida", autorizada – rememorando a "ordem do discurso"

foucaultiana – pelo fato de quem a faz ser um jornalista (leia-se pessoa que está

ao lado da verdade). Denúncia que provoca deslocamento e, via indignação do

leitor, resistência.

E são essas resistências materializadas – até aqui, principalmente – pelo

livro-reportagem que permitem aos jornalistas – e conseqüentemente, a sociedade

– não passar a vida toda repetindo, mas sim rompendo e/ou transformando os já-

ditos (e os sentidos) que circulam no tecido sócio-histórico-cultural.

Para ilustrar as reflexões anteriores – e a tese de que a(s) ideologia(s) dos

jornalistas, quando estão no discurso jornalístico, não impedem que o jornalismo

seja informativo vou recorrer a apenas um argumento: a vendagem desse livro-

reportagem.

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Rota 66 foi lançado em 1992 pela Editora Globo e relançado em 2003 pela

Editora Record. Em quatorze anos chegaram às livrarias 34 edições desse livro-

reportagem. Ou seja, milhares de brasileiros compraram, leram e transformaram

Rota 66 em um best-seller do gênero "não-ficção". Uma reportagem engajada,

com ideologia(s) marcada(s), parcial, partidária37, subjetiva e, "apesar" de ir contra

ao mito da objetividade, com grande repercussão. Reconhecimento de público e

da Câmara Brasileira do Livro que concedeu o prêmio Jabuti ao jornalista Caco

Barcellos, pela obra, em 1993. Reconhecimento, acredito, ao engajamento do

autor, pelo jornalista não estar distante do que está reportando, narrando. Por ser

uma reportagem de resistência.

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ROTA 2 - Os disc ursos no disc urso do livro-reportagem

"Todo dizer é ideologicamente marcado. É na língua que a ideologia se materiali za. Nas palav ras dos s uj eitos"

Eni Orlandi – Análise De Discurso, 2003

A publicação de reportagens em formato de livro, no Brasil, teve início na

década de 1970. Obras que, logo, foram chamadas de romances-reportagens.

Termo dado, inicialmente, por Ênio Silveira, editor da Civilização Brasileira, a uma

coleção que, segundo Rildo Cosson, "pretendia recobrir apenas um conjunto de

obras baseadas em episódios reais vazados em uma narrativa que adotava

contornos ficcionais" (2002, p.60).

Porém, a expressão se vulgarizou e passou a denominar "tanto um tipo

particular de narrativa que mistura literatura e jornalismo, quanto uma das

tendências dominantes na ficção brasileira da década de 1970" (COSSON: 2002,

p.60). Ou seja, no primeiro caso, quando o caráter literário do romance-

reportagem é aceito, ele é visto como o representante do terceiro momento da

estética e da ideologia naturalista brasileira. Já a visão expressa no segundo caso,

não reconhece a apropriação de traços literários pelo romance-reportagem.

Este último ponto de vista é influenciado pela explicação mais comum para

o surgimento do romance-reportagem: uma (re)ação dos jornalistas à censura.

Porém, essa relação, de acordo com Cosson, precisa ser revista porque existe

"um descompasso entre o período de atuação mais forte da censura jornalística,

anterior a 1975, e o período em que se inicia a publicação dos romances -

reportagens, posterior a 1975" (2002, p.62).

A visão de romance-reportagem como obra naturalista também não é aceita

pelo autor citado. Para ele, as duas leituras são parciais e o romance-reportagem

só pode ser considerado, lido e analisado como um gênero autônomo e híbrido

que reúne "a força política do jornalismo com a força poética da literatura"

(COSSON: 2002, p.70).

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Boa definição para um termo que ainda possibilita leituras equivocadas

como foi exposto acima. Por isso, é que nos últimos anos muitas das reportagens

publicadas em formato de livro passaram a ser chamadas de livros-reportagem.

Porém, mesmo essa designação é encarada por alguns estudiosos, a partir da

minha perspectiva de jornalista e de analista do discurso, de maneira limitada.

Esse é o caso de Edvaldo Pereira Lima, autor de O que é livro-reportagem, que

afirma:

Em síntese: é para isto que serve basicamente o livro-reportagem: para estender o papel do jornalismo contemporâneo, fazendo avançar as baterias de explicações para além do terreno onde estaciona a grande reportagem na imprensa convencional. (LIMA, 1998, p.16)

Em meus estudos trato este tipo de narrativa como livro-reportagem.

Porém, considerando-o como o gênero autônomo e híbrido de que falou Rildo

Cosson (2002). Porém, aos dois elementos apontados por ele acrescento um

terceiro. Acredito que o livro-reportagem é um gênero que, ao mesmo tempo,

tangencia literatura, jornalismo e, também, história.

História porque – mesmo não estando o termo presente na designação do

gênero –, seguindo Navarro-Barbosa (2004), o jornalista não é um historiador de

ofício, mas faz história ao privilegiar a memória. Para o pesquisador, jornalismo é

a "escrita da história do presente, o termo história abarca o acontecimento, ou

seja, aquilo que se passou ou está se passando, bem como o modo de dizer

desse acontecimento, ou seja, o discurso" (NAVARRO-BARBOSA, 2004, p.128).

Jornalismo, ou reportagem, porque o jornalista-escritor prima pela

investigação38, pelo levantamento de informações, por narrar histórias "reais"39,

histórias que denunciam alguma coisa que vai/caminha/está errada na sociedade.

"Fazer jornalismo é fazer história, a história do cotidiano" (SATO, 2002, p.33). Ou � � � � �   ¡ ¢ £ ¤ � ¥ � ¦ ¡ § ¨ © � ¢ £ ª � ¤   ¡ « � �   ª � ¡ ¢   ¡ ¢ § ¦ ª � ¬ § ­   ¦ � « � � ® £ ª £ § ¨ ¯ ¤   ¡ « � ® £ ª § ¦ ¡ § � ° ±   ¦ ® © ª £   ¯ ¤  ² ° � ª § ¦ § ¡ � ¢ © ª £ § � ¡ ¤   § ¬ § £ � ¦ £ § ¤ § � ±   � � � § � ¡ « � § ­ ³ ´ � ° ¡ « � µ °   ¦   ¡ ¶   ¦ · ¸ ¹ ¨ § º� » ¼ ¡ ¢   ¡ ¤   ¡ ¤ � ¦   § ¨ ª � ¬ � ° ¬ ® § ¢ � ¯ § ¨ · � µ °   ½ ¦   § ¨ ¬   ¡ ¢   ½ § ª � ¡ ¢   ª   ° º ¼ ¯ ¡   � �   ± � ¡ ¢ � ¯ ¥ ° ¨ · �¡   ª   � � ¸ ¦ £ �   ¶ ± ¨ £ ª £ ¢ § ¦ ¬ £ ¡ ¾ § ­ £ � « �   ¡ µ ° § ¡ ¢ � ±   � µ ° £ � § ¤ � ¦ § ¡ § ¸ ¦   § ¤   ¨ £ ¡ · ¿ © � ¢ £ ª §   ¯ ¢ § ¬ ² À ¬ ¯ ª � ¬ �¥ � ¦ ¡ § ¨ £ � ¢ § º Á � � £ ¬ ¯ § ª ¦   ¤ £ ¢ � µ °   § £ �   ¡  « � ¢ � ¢ § ¨ À £ ¬ ± � � � © ­   ¨ º Á ® £ ¡ § ¨ ¯ § � ¡ § ¦ ¦ § ¦ à ª � ¡ ¢ § ¦ à ¤   � ª ¦   ­   ¦ ° ¬® § ¢ � � µ °   �   ® § Ä ¯ ¡ § ­   ¦ ¤ § ¤   ¯ À § ± ¦   �   ¡ ¢ § ¦ ° ¬ § ­   ¦ � « � ¤   ¨   Å § ¤ � ¥ � ¦ ¡ § ¨ £ � ¢ § ¯ ± � ¦ ¬ § £ � £ ¬ ± § ¦ ª £ § ¨µ °     ¨   ± ¦   ¢   ¡ ¤ § à ² ° � µ °   à § ª ¦   ¤ £ ¢   �   ¦ º

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seja, o livro-reportagem é jornalismo porque cumpre a função primeira deste que é

informar e, através dessa informação, levar a sociedade a se posicionar e a

buscar mudanças.

Literatura, ou livro, porque ao contar essas histórias do cotidiano o

jornalista-escritor não segue (necessariamente) os paradigmas/as normas do

discurso jornalístico. Ou seja, a imparcialidade, a isenção, a neutralidade e a

objetividade perseguidas no jornalismo diário podem – e são – deixadas de lado.

Assim, ao fazer sua narrativa, o jornalista-escritor abandona o estilo seco, duro

dos jornais diários e recorre (sem perdas informacionais) a elementos literários. "À

literatura cabe fazer com que o recorte da realidade atue como uma explosão que

abra uma realidade muito mais ampla. À literatura cabe abrir horizontes" (SATO,

2002, p.45).

A partir dessa re-exposição e re-contextualização do livro-reportagem como

discurso outro, que não é nem simplesmente discurso jornalístico nem apenas

discurso literário, proponho-me a pensá-lo pelo viés do discurso relatado, a meu

ver, uma das estratégias discursivas colocadas em cena para suscitar, no leitor,

credibilidade e respeito. Para isso, descreverei lingüisticamente as formas do

discurso direto (DD) e do discurso indireto (DI) e caracterizar suas funcionalidades

no discurso do livro-reportagem que tomei como corpus para essa

(des)dissertação – Rota 66 – a história da polícia que mata, de autoria do

jornalista Caco Barcellos.

A reflexão sobre o discurso relatado, do outro, no livro-reportagem se

mostra importante para perceber como a heterogeneidade, que é constitutiva de

qualquer discurso, se constrói nesse gênero discursivo. Afinal, como afirma

Indursky, "não é possível conceber um discurso de modo isolado. Um discurso

sempre está em relação com outros discursos. [...] Um discurso é heterogêneo

porque sempre comporta constitutivamente em seu interior outros discursos"

(1997, p.196).

Concordando com esse posicionamento e pensando a heterogeneidade do

livro-reportagem me deparei, logo de início, com uma dúvida. O discurso citado,

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nessas obras e especificamente em Rota 66 – que foi escrito anos depois da

ocorrência dos fatos –, é, na verdade, uma reconstituição das falas das

personagens40 e não, especificamente, suas próprias palavras. Nesse caso, me

perguntava se esses discursos seriam discursos do(s) outro(s) mesmo ou,

apenas, falas do narrador disfarçadas?

Questionamento que me pareceu ter uma resposta clara, simples e, até

mesmo, óbvia depois da leitura de alguns autores que se posicionam sobre o

discurso relatado. Para Benites "o texto citado, mesmo que literalmente repetido,

apresenta-se como uma imagem desprovida de grande parte de seu entorno e

adquire, por isso, significado diferente ou até mesmo oposto" (2002, p.57). Dessa

maneira, segundo a autora, "tanto o discurso direto quanto o discurso indireto

podem ser manipulados pelo locutor citante" (p.60). Nessa mesma linha de

pensamento, Authier afirma que "o discurso direto cita as palavras de (l), enquanto

o discurso indireto as traduz; nem o primeiro nem o segundo falam com as

palavras do outro" (Authier, 1978, p.68).

Dúvida esclarecida e tendo como certo que a repetição integral da fala do

outro nunca é possível – afinal, a enunciação é única e irrepetível – passei a

analisar o aparecimento dos discursos do(s) outro(s) no livro-reportagem. Assim,

foi possível perceber que a citação – direta ou indireta – tem formas e funções

específicas em Rota 66 e que a primeira é mais utilizada do que a segunda. A

tabela abaixo representa a ocorrência dos discursos indireto e direto em cada uma

das três partes em que o livro é dividido.

ROTA 66 1ª parte 2ª parte 3ª parte

Discurso Indireto 16 ocorrências 20 ocorrências 3 ocorrências Discurso Direto 102 ocorrências 108 ocorrências 112 ocorrências

DISCURSO INDIRETO

O discurso indireto, para Maingueneau, "só é discurso citado por seu

sentido, constituindo uma tradução da enunciação citada. [...] Não reproduz um Æ Ç È É Ê Ê Ë Ì Ê Í Î É Ï Ð Ï É Ñ Ò Ð Ì Ó Ì Ô Ì Ê Ê Ð Õ Î Ì Ö × É Ê Ñ Ì Ó Ó Ì Ø Ì Ê É Ê Ù Ë Ú É Û É Õ Ð Ï Ì Ô É Ñ Õ É Ú Ü Ó Ë Ø Î Õ Ë Ó Ì Ê Ø É Ø Ð Ê Ò Î Ó Ê Ë Ê Ý

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43

significante, mas dá um equivalente semântico integrado a enunciação citante"

(2001, p,108-109). Ao tratar do DI, Indursky diz que ele "é apresentado como um

processo de parafrasagem , vale dizer, de 'versão' que o locutor (L) faz do discurso

do outro (l)" (1997, p.198, grifo da autora).

DI – função 1

No livro-reportagem Rota 66 esse tipo de discurso citado é usado de duas

maneiras/formas e com duas funções41. Uma delas é explicitar o posicionamento

do outro, da personagem. E, assim, contrapor esse posicionamento – implícita ou

explicitamente – com o do jornalista-escritor (autor/locutor). Posicionamentos

esses que são, no mínimo, diferentes ou, mais freqüentemente, contraditórios,

antagônicos. Exemplo 1:

As primeiras leituras do NP42 já revelam que a versão oficial sobre o envolvimento de policiais em crimes de morte geralmente parece um documento de defesa dos matadores. (BARCELLOS, 2003, p.89, grifo meu)

O jornalista-escritor Caco Barcellos explica nesse mesmo capítulo – O pior

do passado – que precisou recorrer ao jornal Notícias Populares para montar um

Banco de Dados que tinha como objetivo "conhecer o perfil das vítimas e as

circunstâncias em que elas são mortas pela Polícia Militar" (2003, p.87). Optou

pela leitura do jornal citado, já que seus "pedidos de pesquisa nos arquivos da

PM43 são sempre negados" (p.88) e, também, porque:

A maior parte dos casos de pessoas mortas pela Polícia Militar é escrito no NP a partir das informações do Boletim de Ocorrências44, ou da Nota Oficial divulgada pelo Serviço de Relações Públicas da PM. Desta

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maneira, ao ler as notícias de tiroteio envolvendo policiais, consigo reproduzir a versão oficial, com fidelidade, de todos os casos de mortes divulgadas. (BARCELLOS, 2003, p.88)

Assim, voltando ao Exemplo 1, podemos distinguir dois locutores (como

propõe Authier):

l = arquivo do NP = versão oficial = versão das testemunhas que são os próprios

policiais envolvidos: os policiais matam para se defender45.

A primeira frase escrita no Boletim de Ocorrência define a natureza do inquérito: resistência à prisão seguida de morte. [...] no espaço destinado à vítima, o delegado titular da 15ª Delegacia, Hugo Ribeiro de Melo, escreve o nome do sargento José Felício Soares. Na seqüência relaciona os outros quatro PMs da Rota 66. [...] Em seguida, o delegado começa a narrar o histórico dos fatos, baseado no testemunho dos matadores-v ítimas46:

[...] ...Na rua Argentina, por volta das 3h40, os ocupantes do Volks começaram a fazer disparos contra a viatura, tendo os policiais reagido. Na rua Argentina, esquina com Alasca, o Volks bateu em um poste (...) Os ocupantes desceram do carro atirando. Todos os policiais usaram armas diante da séria resistência oferecida pelos perseguidos. Os três elementos saíram feridos. Em seguida, chegava a Rota 17, que transportou os feridos para o Hospital das Clínicas onde faleceram... ...No Volks foram encontradas três porções de maconha. Na rua foram recolhidas três armas usadas pelos ocupantes do automóvel... (BARCELLOS, 2003, p.79-80, grifo meu)

L = autor = jornalista-escritor = versão que é resultado da investigação dos crimes:

os policiais são matadores e passam da posição de vítima para a posição de

acusados.

Instantes depois do assassinato, ao chegar à esquina da Argentina com a Alasca, o oficial da Rota-Comando, tenente Eli Nepomuceno, de 21 anos, se revela um profissional totalmente despreparado para a função. Os corpos dos rapazes estão sendo arrastados do Fusca para o compartimento de presos da Rota 17, numa violação do local do crime que deveria ser totalmente preservado. (BARCELLOS, 2003, p.75, grifos meus para destacar as subjetivações, o posicionamento do jornalista-escritor)

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Basta contar os tiros que atingiram o carro para concluir que a intenção dos PMs não era a de evitar a morte dos rapazes. Os dois pára-brisas estão estilhaçados, os vidros da janela do motorista e o lateral traseiro também. São 21 marcas de bala, a maioria na parte superior do Fusca, o que indica a vontade de matar. Os ferimentos nos corpos são ainda mais reveladores. O sangue escorre por 23 perfurações de balas, a maior parte em regiões vitais, como o coração e a cabeça. A pressa em socorrer só ocorre, de fato, na retirada dos corpos do local do crime. (BARCELLOS, 2003, p.75-76, grifos meus para destacar as subjetivações, o posicionamento do jornalista-escritor)

Os plantonistas do pronto-socorro do Hospital das Clínicas são avisados da chegada de três jovens gravemente feridos. Os médicos correm à entrada. Os corpos ainda estão na viatura quando eles constatam que não há nada o que fazer. Sugerem que sejam levados direto ao Instituto Médico Legal. [...] Depois de uma rápida discussão, os médicos admitem a entrada dos corpos à enfermaria, mas observam, em cada uma das fichas, que os três já eram cadáveres ao dar entrada no hospital. (BARCELLOS, 2003, p.66-67, grifos meus para destacar as subjetivações, o posicionamento do jornalista-escritor)

Preservar o local do crime para os matadores significa não alterar somente aquilo que possa ajudá-los no inquérito. [...] A droga teria sido encontrada dentro do Fusca quando o soldado Cláudio Cândido fazia o papel de perito. Há uma estranha dúvida sobre a embalagem da maconha. O sargento José Felício Soares afirma ter feito a entrega do achado ao tenente Nepomuceno com três pequenas porções. O tenente diz que a droga estava dentro de um saco plástico. O delegado não liga para a incoerência. Pergunta sobre as armas. Segundo a versão dos matadores, estavam ao lado dos corpos dos rapazes, no asfalto. Se a história que os PMs estão contando na delegacia é verdadeira, nada justifica a retirada irregular das armas da esquina do crime, antes da chegada da perícia. A não ser dificultar o início de uma possível investigação científica. A outra hipótese é a que estejam mentindo: armas e maconha fazem parte de uma farsa, uma armação para incriminar os mortos. (BARCELLOS, 2003, p.80-81, grifos meus para destacar as subjetivações, o posicionamento do jornalista-escritor)

Exemplo 2:

No dia 7 de agosto de 1984, Rony e seus companheiros de patrulhamento foram denunciados pela morte de um rapaz desconhecido, envolvido numa briga de rua. Os PMs afirmaram que ele foi morto em tiroteio, depois de reagir à prisão. O exame da arma apreendida, como se tivesse sido usada pela vítima, revelou anomalias nos seus sistemas de percussão e repetição. Segundo o laudo dos peritos, esses defeitos impediam a realização de disparos. Três testemunhas garantiram em

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seus depoimentos que a vítima não estava armada. O estudante Wagner Moreno, preso junto com o rapaz, disse que a causa da morte foi o disparo aparentemente acidental da arma de um PM. (BARCELLOS: 2003, p.182, grifos meus)

Este segundo exemplo da primeira função percebida em Rota 66 foi retirado

do Capítulo 13, Matador de inocentes. Este título é uma referência ao soldado

Rony Jorge da Silveira Paulo, um dos quinze policiais envolvidos no caso Rota 66.

"Contabilizei o seu envolvimento em quatro assassinatos de jovens antes de abril

de 7547. Constatei também que após essa data ele continuou matando com ainda

maior freqüência: identificamos mais nove pessoas mortas por Rony após o caso

Rota 66" (BARCELLOS, 2003, p.176).

Dessas treze mortes, as circunstâncias de como ocorreram quatro delas

são relatadas por Caco Barcellos: a do sósia de Roberto Carlos, José Mendes de

Oliveira (p.173); as de Jorge Ribeiro e Augustinho Nilton Candeias (p.178); e a de

um rapaz desconhecido (p.182). É a essa última que se refere o exemplo 2.

Assim, nesse segundo trecho usado para exemplificar a primeira função do

discurso indireto em Rota 66, é possível perceber mais nitidamente os

posicionamentos antagônicos dos dois locutores:

l = os PMs envolvidos no "tiroteio" do dia 7 de agosto de 1984 = versão oficial: os

policiais, assim como no exemplo anterior, mataram para se defender ("foi morto

em tiroteio, depois de reagir à prisão").

L = peritos = 3 testemunhas = Wagner Moreno = jornalista-escritor que coloca em

cena as vozes dessas pessoas para demonstrar seu próprio ponto-de-vista: laudo

técnico e testemunhos são provas de que policiais mataram e não assumiram sua

responsabilidade mesmo com o tiro tendo sido acidental.

DI – função 2

O jornalista-escritor Caco Barcellos, também, utiliza o discurso indireto no

livro-reportagem analisado com um segundo objetivo: introduzir o discurso direto.

[ \ ] ^ _ ^ ` ^ a b c _ d ` b e _ c f e c ^ g ^ h d e ` ^ i j e k ^ ^ h j l m k ^ e b n b _ ^ o o p

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Dessa maneira, o DI situa o leitor, e o DD reforça, vivifica o que foi relatado.

Exemplo 3:

O promotor João Benedito de Azevedo Marques denunciou 24 policiais, inclusive Matínez e Filó, por não acreditar na versão oficial. Os policiais alegaram que Daniel tinha duas armas e resistiu a prisão, provocando o tiroteio. O promotor conclui que houve excesso por parte dos policiais, que agiram sem dar nenhuma chance de defesa à vítima. ... interessante notar que segundo os peritos o revólver Castelo que teria sido encontrado com Danilo não tinha condições de funcionamento e, portanto, não poderia ter sido util izado para a efetivação dos disparos alegados pelos policiais, enquanto o revólver marca "Rossi" estava com o número raspado, o que não deixa de ser extremamente suspeito. (BARCELLOS: 2003, p.197-198, grifo do autor, grifos meus).

Exemplo 4:

O vidraceiro Valdevino, empregado da vidraçaria Idramar, é casado, tem uma fi lha e a mulher está grávida de quatro meses. A polícia já o prendeu várias vezes como suspeito sem jamais ter provado nada contra ele. Torturado em outras ocasiões, Valdevino tem muito medo dos policiais, fato que revela logo no início da tortura: _ Eu confesso qualquer coisa. Mas pare com isso, pelo amor de Deus!

DISCURSO DIRETO

Os exemplos 3 e 4 colocaram em cena não apenas o DI, que era abordado

naquele momento, como também o discurso direto – tipo de discurso relatado que

é predominante em todas as 350 páginas do livro-reportagem analisado, como já

foi dito anteriormente. E é sobre o DD que vou me deter a partir daqui.

O discurso direto, segundo Indursky, é "considerado usualmente como a

citação textual do discurso de um outro locutor (l)" (1997, p.198). Porém, a

transparência deste tipo de discurso relatado, a impressão de que a recuperação

da fala do outro é fiel, não tendo sofrido transformações, é apenas uma ilusão.

Afinal, ao trazer o discurso do outro para dentro de seu discurso, o enunciador

está criando uma nova situação enunciativa, assim como o faz no discurso

indireto. Ou seja, nada garante que a palavra primeira é preservada e não

distorcida.

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O DD é uma armadilha, uma ficção que remete ao conflito constitutivo do DD: (L) apaga-se diante de um enunciado textualmente reproduzido e, ao mesmo tempo, [...] corta todos os vestígios da situação de enunciação que está sendo relatada, na qual o enunciado se inscreve e é dotado de sentido. (AUTHIER, 1978, p.52)

Nesse sentido, Maingueneau afirma que o DD "simula restituir as falas

citadas e se caracteriza pelo fato de dissociar claramente as duas situações de

enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado" (2003, p.140, grifo do

autor). Uma segunda reflexão desse mesmo autor sobre o discurso direto

mostrou-me que as dúvidas iniciais sobre o discurso citado no livro-reportagem, de

fato, não se justificavam:

O discurso direto não relata necessariamente falas pronunciadas efetivamente. [...] Mesmo quando o DD relata falas consideradas como realmente proferidas, trata-se de uma encenação visando criar um efeito de autenticidade: eis as palavras exatas que foram ditas, parece dizer o enunciador. (MAINGUENEAU, 2003, p.141, grifos do autor)

E é justamente este "efeito de autenticidade" que, acredito, justifica a

grande diferença entre o número de citações por discurso direto e por discurso

indireto no livro-reportagem Rota 66. Afinal, como foi dito anteriormente, esse tipo

de livro, por ser reportagem, é jornalismo e, como tal, ao trazer o discurso do outro

"fielmente", reforça a idéia de que conta/relata/narra, apenas, a verdade. Hipótese

que ganha mais força com uma nova retomada de Maingueneau. Afinal, segundo

este autor, a escolha do DD está ligada ao gênero do discurso em questão já que

com este modo de relatar o discurso do outro pode-se:

- criar autenticidade, indicando que as palavras relatadas são aquelas realmente proferidas; - distanciar-se: seja porque o enunciador citante não adere ao que é dito e não quer misturar esse dito com aquilo que ele efetivamente assume; seja porque o enunciador quer explicitar, por intermédio do discurso direto, sua adesão respeitosa ao dito [...]; - mostrar-se objetivo, sério. (MAINGUENEAU, 2003, p.142).

Esses quatro efeitos – já que o segundo divide-se em dois – que podem ser

obtidos com o discurso direto são percebidos em Rota 66. Autenticidade – ao

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recorrer ao DD o jornalista-escritor produz um efeito de que está falando a

verdade; não-aderência ao dito – ao contrapor dois posicionamentos, o de

Barcellos e o da polícia; aderência ao dito – ao inserir citações que confirmam o

pensamento de que a polícia mata e não para se defender; e seriedade – o DD é

utilizado pelo autor como para, também, dizer: "essas falas não são minhas, sinal

de que não digo sozinho. Assim, vocês – leitores – podem confiar em mim". Dessa

maneira, após o estudo do DD, passo a análise das formas e funções que este

tipo de discurso relatado assume ao ser empregado por Barcellos no livro-

reportagem em questão.

DD – função 1

A primeira função do DD em Rota 66 é dar veracidade à narrativa e

credibilidade ao dizer do escritor-jornalista. Assim, Caco Barcellos, recorre ao

discurso relatado em forma direta após apresentar informações e/ou fazer

comentários para, assim, conferir verdade ao que é dito. Ou seja, mostrar-se

objetivo e sério, nas palavras de Maingueneau. Exemplo 5:

Um boletim interno da Rota, de número 93, assinado em 29 de junho de 1982, é uma das provas que encontrei de que os comandantes incentivam a ação dos matadores. O boletim se refere ao envolvimento de Rony Jorge numa perseguição a quatro jovens suspeitos de serem criminosos. Durante a fuga teria havido um tiroteio cujo desfecho foi o capotamento do carro dos jovens. Mesmo depois do acidente, segundo a versão dos PMs, eles teriam resistido a prisão a tiros. Depois do suposto tiroteio, os jovens foram levados feridos ao Pronto-Socorro de Vila Prudente, onde dois morreram. O desfecho do caso levou o comandante da Rota a fazer um elogio emocionado ao soldado Rony Jorge. ...Parabéns, companheiro, demonstrou coragem, tirocínio policial, consciência do dever e experiência no serviço da Rota, exaltando-a perante a população bandeirante, fazendo-se assim merecedor dos cumprimentos deste comando... (BARCELLOS, 2003, p.185, grifo do autor, grifos meus para destacar o comentário do jornalista escritor).

Exemplo 6:

Dias depois, na mesma semana, os PMs Francisco Júnior, Walter Cipolli e Wanderley Alessi, em depoimento secreto nas dependências do Serviço

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Reservado da Polícia Militar, confessaram que não houve tiroteio. Pixote não disparou nenhum tiro. Depois do fuzilamento, o próprio sargento Francisco providenciou a simulação de tiroteio. Ele pegou a arma apreendida, como se fosse de Pixote, e disparou quatro tiros para o alto, de dentro da viatura, a caminho da delegacia de Diadema. Essa prática não é rara entre seus colegas de farda. Tem até nome próprio, fazer a arma, revelado por Francisco na sua confissão.

_ Fizemos a arma, antes de saber quem era o cara. (BARCELLOS, 2003, p.311, grifo do autor, grifo meu para destacar comentário, feito após apresentação de informações, que vai ser confirmado pela inserção da fala do policial)

DD – função 2a

Uma segunda função do discurso direto no livro-reportagem analisado é dar

dinâmica à narrativa. E essa agilidade é conferida à Rota 66 de duas maneiras. Na

primeira delas, menos freqüente, o DD é usado para provocar uma quebra, uma

ruptura, no que vinha sendo dito. Assim, o jornalista-escritor pode introduzir novos

fatos, novos elementos, e dar prosseguimento à narrativa. Exemplo 7:

A perseguição aos três rapazes ricos do Fusca azul é motivo de cobertura especial em quase todos os jornais do país. A maioria das reportagens tem um tom coerente de denúncia. Narra minuciosamente toda a trajetória da perseguição, desde o momento em que os rapazes foram vistos pela primeira vez pelos homens da Rota 13. _ É a polícia! Mãos na cabeça! Os três rapazes estavam em volta do Puma de Roberto Veras quando perceberam a Veraneio cinza se aproximando na escuridão, devagar, motor em marcha lenta... (BARCELLOS, 2003, p.34).

Exemplo 8:

De toda a turma, Augusto é quem melhor conhece Pancho na intimidade. Costuma criticar o lado brutamontes do amigo, na opinião dele, uma tentativa de esconder a insegurança de um jovem carente de afeto na família. Depois de ajudar a tirar 28 espinhos do corpo de Pancho, Augusto conseguiu convencê-lo de que a rivalidade com Gomalina estava gerando, com freqüência, atitudes inconseqüentes. Propôs uma trégua, que foi aceita. E consolidada por volta da meia-noite, quando decidiram lanchar no Hamburguinho, junto com Francisco Noronha. _ Não estou gostando dessa noite, minha querida. Sabe onde eu queria estar agora? A 320 quilômetros daqui, ao seu lado.

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O telefonema à namorada Xaxá, que mora no interior de São Paulo, é revelador da insatisfação de Augusto com a vida na capital... (BARCELLOS, 2003, p.40)

DD – função 2b

A segunda maneira de o jornalista-escritor empregar o discurso direto com

o objetivo de dar dinâmica e agilidade à narrativa é a mais freqüente em todo o

livro-reportagem analisado. Essa forma/função é recorrente porque, acredito, é

assim que Barcellos divide com o(s) outro(s) a responsabilidade de contar os

crimes praticados por policiais militares conferindo, dessa maneira, credibilidade a

sua história. E isso é possível porque o dizer do outro funciona como uma prova

do que o autor de Rota 66 está dizendo.

Além disso, ao recorrer ao discurso relatado, o jornalista-escritor não

precisa, em todos os momentos, fazer afirmações categóricas no intuito de

convencer o leitor. Ou seja, essa função é repassada, deixada por conta de

dizeres outros – que podem ser de familiares das vítimas, de sobreviventes,

peritos, médicos ou dos próprios policiais – que explicitam de que lugar cada um –

inclusive Barcellos – fala. Isto é, o discurso relatado coloca em cena os

posicionamentos favoráveis ou contrários – não apenas de quem realmente

proferiu o dito, mas, também, do jornalista-escritor – às mortes que são citadas no

livro-reportagem. O que permite que o leitor também tome partido – ou seja,

conclua se a polícia mata para se defender dos bandidos ou mata por matar

independentemente de quem seja a vítima. Exemplo 9:

Neste momento, os soldados dos fusquinhas da Radiopatrulha continuam envolvidos na caçada aos três rapazes. Lurian Ferreira, da RP 1528, e mais três motoristas de RPs continuam se esforçando em uma corrida pelas ruas próximas, na esperança de chegar na frente ao local do tiroteio. A vantagem é de Lurian, que usa a esperteza ao entrar na Alasca pela contramão. Chega na esquina da Argentina alguns segundos antes das outras RPs. Revólver engatilhado, ele se joga no gramado da calçada e se posiciona para o ataque. O motorista da Rota 17 manobra de ré, para levar os rapazes ao hospital. Quase o atropela. O soldado Lurian ainda se arrasta ao ouvir o comentário de alguém que está examinando as grandes manchas de sangue no asfalto. _ Três mortes numa única noite. Isso vai dar prêmio! O comando vai adorar. (BARCELLOS, 2003, p.65)

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Exemplo 10:

Na maca ao lado, o desconhecido 2350 é João Augusto Diniz Junqueira. Guazzelli controla o choro. Sente o corpo todo tremer. Ele nunca tinha visto uma pessoa morta. Agora é obrigado a examinar o cadáver de seu melhor amigo. O funcionário o orienta a encontrar os pontos de entrada dos tiros. _ Dois no peito, um aqui nesse braço. Tem tiro na nuca, veja só... E um lá embaixo, na sola do pé. E tem mais! Rota é Rota, garotão. Se a gente procurar bem sempre encontra mais um tiro. Procura aí... (BARCELLOS, 2003, p.71)

Afirmei anteriormente que a citação na forma de discurso direto tem

predomínio em Rota 66, assim como essa última função do DD é preponderante.

Exatamente por isso, opto por oferecer um número maior de exemplos. O a seguir

é o de número 11:

Diante de um Conselho de Justiça Militar, formado por um juiz civil, dois majores e dois tenentes da PM, os matadores foram julgados inocentes. A reação da mãe de Francisco Noronha no Tribunal é de revolta: _ Na rua, venceu a brutalidade dos covardes. A vitória aqui é da farsa e da hipocrisia. Dona Maria Junqueira, mãe de Augusto, recebe o veredicto com indignação: _ É ridículo, é vergonhoso. Só faltou o júri dar um troféu de honra ao mérito aos matadores do meu filho. A viúva espanhola Maria Del Fuentes Consuelo Medeiros de Pierre, mãe de Pancho, não se conforma com a impunidade. _ Se a lei fosse cumprida nesse país, meu fi lho jamais seria morto. Muito menos eu teria que assistir a esse júri tão deprimente. (BARCELLOS, 2003, p.117-118)

Exemplo 12:

Pela fresta da janela do quarto, Bossato observa a movimentação no quintal e comenta nervosamente com as mulheres: _ É a Rota... Eles vão me matar. _ Calma, meu fi lho, eles só querem prender você. _ Rota não prende, mãe. Rota só mata. Eles vieram me matar, vocês vão ver. (BARCELLOS, 2003, p.124)

As quatro citações de Rota 66 apresentadas acima como exemplos para

essa segunda função/forma do DD no livro-reportagem em análise colocam em

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cena pessoas diferentes, com posicionamentos diferentes que são explicitados por

seus discursos. Falas que são recuperadas pelo jornalista-escritor para, mesmo

que implicitamente, mostrar que o posicionamento assumido por ele é o

verdadeiro e, assim, conquistar o leitor para a sua causa. Retomo as falas desses

exemplos para evidenciar minha afirmação:

Exemplo 9: "Três mortes numa única noite. Isso vai dar prêmio! O comando vai

adorar". O DD coloca em cena o posicionamento de um PM para mostrar o

pensamento generalizado dos membros da Rota perante as mortes. Ou seja, o

discurso relatado demonstra que, para esses policiais militares, eficiência é

sinônimo de eficácia – quanto mais pessoas forem mortas, mais os policiais da

Rota estão "cumprindo seu dever".

Exemplo 10: "Dois no peito, um aqui nesse braço. Tem tiro na nuca, veja só... E

um lá embaixo, na sola do pé. E tem mais! Rota é Rota, garotão. Se a gente

procurar bem sempre encontra mais um tiro". A fala é de um funcionário do

Instituto Médico Legal, isto é, de uma pessoa que, pela sua profissão, está,

rotineiramente, em contato com pessoas mortas pelos policiais da Rota e, por

isso, está autorizada a afirmar que as vítimas dos "policiais-matadores" nunca são

mortas por um único tiro e, sim, são vítimas de "fuzilamentos" – palavra esta

usada com freqüência por Barcellos ao descrever as circunstâncias das mortes

relatadas no livro-reportagem.

Exemplo 11: "Na rua, venceu a brutalidade dos covardes. A vitória aqui é da farsa

e da hipocrisia"; "É ridículo, é vergonhoso. Só faltou o júri dar um troféu de honra

ao mérito aos matadores do meu filho"; "Se a lei fosse cumprida nesse país, meu

filho jamais seria morto. Muito menos eu teria que assistir a esse júri tão

deprimente". Indignação. Esse é o sentimento refletido pelas falas das mães dos

três rapazes mortos. Indignação pela morte injustificada dos filhos. Indignação

pela ação dos PMs da Rota que para elas não são policiais e sim matadores –

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posicionamento similar ao do autor do livro-reportagem que em muitos momentos

se refere aos membros da Rota como "policiais-matadores". E é essa indignação –

compartilhada pelas mães das vítimas e por Barcellos – que o jornalista-escritor

quer despertar, também, nos leitores ao colocar em cena esses relatos.

Exemplo 12: "Rota não prende, mãe. Rota só mata. Eles vieram me matar". O

dizer de Bossato evidencia a imagem que parte da população tem dos policiais

militares integrantes da Rota. Ou seja, são matadores. Imagem que é reforçada

com o relato posterior da ação dos PMs e com a morte de Bossato pelos policiais

como ele mesmo previa em sua fala. Assim, Barcellos – mais uma vez – recorre

ao discurso do outro para confirmar seu posicionamento e, dessa maneira,

convencer aos leitores de que a "Rota não prende. Rota só mata".

DD – função 3

Os diálogos são o terceiro grupo de discurso direto em Rota 66. O

jornalista-escritor recorre a eles com o objetivo de contrapor dois posicionamentos.

Assim, os diálogos têm como função colocar em cena P1 (posicionamento 1) que

é igual ao posicionamento de Caco Barcellos – mas não apenas dele, de todos

que, como ele, acreditam que a PM age (e nesse caso, agir significa matar)

indiscriminadamente e tem como alvo preferencial pessoas pobres – e pobre para

os policiais da Rota é sinônimo de vagabundo, bandido; e o de P2 que é igual ao

posicionamento da polícia e das pessoas que julgam os policiais como homens

que só matam para se defender e defender a sociedade (e desta estão excluídas

as pessoas das classes sociais de menor poder aquisitivo, moradoras da

periferia). Esses diálogos podem ser entre P1 e P2, como nos exemplo 13 e 14, e

entre P1 e P1, como nos exemplos 15 e 16. Exemplo 13:

Durante a semana fui testemunha de cenas de injustiça, abuso de poder, covardia. Minha reação me trouxe problemas de todos os lados. Um deles foi com o próprio fotógrafo, um profissional experiente em cobertura policial.

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_ Os soldados estão invadindo o barraco aos pontapés e tu não estás fotografando. Por que não? _ Porque não é importante. Cuide do seu trabalho que eu cuido do meu, tá legal? _ Como não. Deixaste de registrar uma invasão a domicílio. Isto é crime. _ Crime foi o assassinato do major. _ Se um dia fizerem isso na tua casa, vais gostar também? _ Casa não é barraco. Isso aqui é esconderijo de bandido, vale tudo. (BARCELLOS, 2003, p.51)

P1 = Barcellos = morador de barraco é um cidadão como qualquer outro e, por

isso, a polícia não pode invadir essas casas sem autorização da justiça. Ao fazer

isso os policiais estão cometendo um crime. Ou seja, os PMs estão agindo

indiscriminadamente.

P2 = fotógrafo = policiais da Rota = barraco não é casa; morador de barraco não é

cidadão, é bandido. E nesse caso, tudo é permitido, a ação é em legítima defesa.

Exemplo 14:

Para os moradores da favela, a cena faz parte da rotina de brutalidade. Só os mais atentos notam: eles estão especialmente agitados esta noite. Um soldado foi morto dias atrás, um cabo se feriu nesta tarde em um confronto com assaltantes. Agora os matadores querem se vingar em alguém da favela Heliópolis. De preferência um ladrão. Os negros são os mais visados. O motorista breca. A Veraneio se arrasta 2, 3 metros. As portas se abrem. Os matadores avançam contra o servente de obra Francisco Pedro da Silva, de 18 anos, que está voltando a pé do trabalho. _ Pode segurar que é esse aí... – grita o sargento. _ Cadê as armas? – exige o soldado depois de dar um tapa na cara de Francisco. Em seguida puxa-o pela corrente do pescoço em direção a uma obra, enquanto os dois colegas fardados esmurram suas costas. _ Por que correu, vagabundo? – pergunta Maurício, que o empurra com um pedaço de pau e ameaça bater. _ Não corri. Estou ofegante porque caminhei muito do ônibus até aqui – explica Francisco com segurança. A equipe examina os documentos de Francisco. Carteira de trabalho assinada, certidão de nascimento... convence. O tipo de conversa também não é a de um malandro. Resolvem liberar. _ Se não correu, vai correr agora... Corre, desgraçado! – grita o soldado. _ Não corro, não sou ladrão – retruca o operário, já indo embora. (BARCELLOS, 2003, p.212-213)

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P1 = Barcellos = Francisco Pedro da Silva = trabalhador independente da idade,

da cor, da classe social, do lugar onde mora não tem motivos para temer a polícia

ou os vingadores, ou seja, pessoas que agem indiscriminadamente.

P2 = policiais da Rota = morador de favela e negro é ladrão e, por isso, pode ser

parado a qualquer momento sem ser considerado inocente o que justifica

empurrões, tapas e, até mesmo, sua morte.

Exemplo 15:

Por força do trabalho e pelas histórias de minha vida pessoal, já conheço bem os métodos de ação das polícias militares, criadas poucos anos antes pela ditadura em vários estados do país. O chefe da editoria de polícia da Folha da Manhã, meu amigo Licínio de Azevedo, também, está surpreso. _ Os garotos são da fina flor da sociedade, famílias tradicionais. O bairro deles é o mais rico... Como explicar isso, Caco? _ É estranho. A Rota foi criada para combater guerrilheiros. Faz tempo que a guerrilha acabou... _ Talvez sejam de alguma nova organização... _ Mas o motorista do Fusca tem 17 anos. Guerrilheiro com essa idade, Licínio? _ Não podemos esquecer que ultimamente os PMs andam caçando criminosos comuns... _ Mas só criminoso pobre. Rico jamais! (BARCELLOS, 2003, p.33)

P1 = Barcellos = Licínio de Azevedo = Rota deixou de cumprir sua função

(combater a guerrilha) e passou a matar criminosos comuns. E, nesse caso,

qualquer pessoa pobre é suspeita.

Exemplo 16:

Neste caso de Pixote, como o caminho técnico já está praticamente inviabil izado, o depoimento das testemunhas adquire maior importância na procura da verdade. Explico isso para Helena, mais aliviada pela chegada do marido Serginho. Depois de sair do trabalho, ele evitara voltar para casa, por medo de sofrer represálias da polícia. Agora Serginho ouve a mulher contar a morte de seu melhor amigo. Eles permitem que eu grave o relato de Helena. _ Ouvi um barulho de um pontapé na porta e logo depois o soldado avisar que achou Pixote, que estava embaixo da cama da vó. _ E Pixote falou alguma coisa?

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_ Primeiro gritou: "Ai, ai, ai"... _ E depois? _ Fez um apelo, desesperado. _ Qual foi? _ "Pelo amor de Deus, não me mate, eu tenho uma fi lha pra criar!" _ E os PMs disseram alguma coisa? _ Dispararam sete, oito tiros. (BARCELLOS, 2003, p.306)

P1 = Barcellos = Helena e o marido Serginho = polícia mata por matar e não para

se defender. Afinal, que perigo oferece uma pessoa acuada?

DD – marcas textuais e tipográficas

Após evidenciar as formas e as funções do discurso direto é preciso, ainda,

tratar sobre a forma como esse tipo de discurso citado é introduzido no livro-

reportagem Rota 66. Afinal, segundo Maingueneau (2003, p.143), o DD, em textos

escritos, deve, necessariamente, vir acompanhado de marcas textuais –

identificação do locutor e verbo dicendi (ou seja, verbos que indicam enunciação)

– e/ou de marcas tipográficas – como dois pontos, travessão, aspas e itálico.

Essa marcação/delimitação do discurso outro segue uma regularidade em

todo o livro-reportagem analisado. Isto é, o autor de Rota 66, ao escrever, optou

por introduzir a citação na forma de discurso direto usando, na maioria das vezes,

apenas o travessão como marca tipográfica. Assim, das 102 ocorrências de DD,

na primeira parte, apenas 22 não são introduzidas somente por travessão; na

segunda parte, são 24 citações que não seguem essa regularidade num total de

108; e, na terceira e última parte, ocorre a maior parte das exceções percebidas:

58 em 112 citações em discurso direto.

Essa decisão por não explicitar textualmente os elementos introdutores do

discurso direto, acredito, refletem o perfil do autor e, também, o perfil da obra.

Afinal, além de ser livro é reportagem, e antes de ser escritor ele é jornalista e

como tal deve ir direto ao fato, ao essencial. Regularidade esta que é facilmente

percebida no exemplo seguinte (17):

O motorista do Fusca azul, Francisco Noronha, sem tirar o pé do acelerador, reduz da quarta marcha para a terceira, em seguida para a

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segunda, e, ao girar o volante à esquerda, a roda dianteira bate no canteiro divisor de pista. Sem perder o controle, imediatamente ele gira à direita e segue em direção à calçada oposta. Sobe o meio-fio. Quase atropela um grupo de jovens, que tenta proteção junto ao muro. Ao desviar deles, por sorte, bate com a traseira em um poste na esquina. O Fusca se alinha sobre a calçada da Brasil, com a frente apontada para a direita, que está livre para a fuga. _ Atenção, tigrão. Prioridade na rua Maestro Chiafarelli. É Maestro Chiafarell i, QSL, tigrão? A prioridade agora é Maestro Chafarell i. Três elementos Fusca azul. QSL. QSL, tigrão? Câmbio. Os cinqüenta tigres estão espalhados pela cidade, cinco em cada uma das dez Veraneios cinza. Tão logo ouvem a ordem da Central de Operações, via rádio, começam a voar baixo em direção ao Jardim América. (BARCELLOS, 2003, p.15-16)

Além de possibilitar a percepção do que foi dito anteriormente sobre a

principal regularidade das marcas introdutoras do DD em Rota 66, o exemplo

acima também revela que é bastante freqüente a supressão das frases

introdutoras contendo a identificação de quem fala, principalmente, e o verbo de

apresentação do dizer outro.

A designação é mais freqüente nas citações onde são colocados em cena

dois, ou mais, locutores. Já os verbos dicendi ocorrem de forma a evidenciar um

fazer o leitor vivenciar o momento da enunciação. Afinal, esses verbos

especificam o tipo de fala e traduzem atitudes, intenções, estados emocionais do

locutor (RISSO, 1978). Especificidades que podem ser percebidas no próximo

exemplo (18):

Depois da cena de ciúme, Iara está decidida a sair do carro e não dá muita importância ao último diálogo deles, onde Noronha revela que – se tudo acontecer como está combinado com os amigos – esta noite, para ele, ainda será longa e agitada. _ Ô, meu! Você vai dormir cedo ou ainda vai pra gandaia? _ Vou ao Paulistano. Tem um lance aí. Periga pintar um gravador. Já temos um canal pra vender em Santos, coisa do Pancho. _ Não é barra-pesada, não, Noronha? _ Não se preocupe, será a última vez. (BARCELLOS, 2003, p.20)

A identificação do locutor (e, por vezes, também do interlocutor) e/ou o

verbo dicendi podem anteceder a citação em discurso direto como no exemplo

anterior ou virem após as falas citadas com no exemplo a seguir (19):

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Os matadores têm pressa. Deixam os rapazes no plantão para o delegado averiguar se são pessoas condenadas ou não pela Justiça e voltam à Veraneio, onde os dois soldados já estão ansiosos. _ Vamos deixar esses dois aí também. Eu posso levá-los – sugere Rotundo. _ Como é, você está mijando? Quer adoçar a ocorrência? – retruca Maurício sem esconder a irritação. _ Puta cagada. Está cheio de testemunhas aí. Não há motivo pra isso – alerta Rotundo sem muita convicção. _ Liga essa merda e vamos embora, porra – ordena Maurício. _ Fica frio, Rotundo – acalma Matínez, pondo fim na discussão. _ Temos que ir atrás dos cabritos – lembra Maurício, referindo-se à necessidade de procurar armas particulares para simular um tiroteio com os menores. (BARCELLOS, 2003, p.218)

Na segunda metade do livro-reportagem analisado, o jornalista-escritor

recorre, algumas vezes, a um segundo marcador gráfico do discurso direto: os

dois pontos. O que pode ser percebido neste exemplo de número 20:

Do primeiro ao último minuto o sargento Antônio Bueno assistiu ao julgamento aos prantos, sem nada falar. Resistiu calado até às ironias dos colegas. Logo após o veredicto do júri, o tenente Scobar, amigo dos matadores, foi um dos que mais o provocaram: _ Se conforma, Bueno. Seu fi lho era bandido, tinha que morrer! (BARCELLOS, 2003: p.235)

Não é possível estudar o discurso citado – direto ou indireto – sem falar dos

verbos dicendi. Afinal, eles são um aspecto integrado e importante na estrutura da

citação. Pois, além do introduzirem a fala do outro, eles também têm – como disse

acima - uma função expressiva. Por isso, é que os manuais de redação dos

jornais determinam que os jornalistas priorizem a utilização de alguns verbos e

não usem outros. O verbete "verbos declarativos" do Novo Manual da Folha de S.

Paulo recomenda:

Use apenas para introduzir ou finalizar falas dos personagens da notícia, não para qualificá-las ou para insinuar qualquer opinião a respeito delas. Evite, assim, verbos como admitir, reconhecer, lembrar, salientar, ressaltar, confessar, a não ser quando usado em sentido estrito. Nenhum deles é sinônimo de dizer. Ao empregá-los de modo inadequado, o jornalista confere caráter positivo ou negativo às declarações que reproduz, mesmo que não tenha a intenção. Use de preferência os verbos

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dizer, declarar e afirmar, os mais neutros. (NOVO MANUAL DE REDAÇÃO da Folha de S. Paulo, 1994, p.116)

Recomendação fundamentada na preocupação com a objetividade. Pois,

com exceção de dizer que aparenta neutralidade, os outros verbos delocutivos

expressam, segundo Benites (2002, p.112), pressupostos (por exemplo: revelar,

repetir, replicar, concluir, reconhecer, confessar, ordenar, suplicar); caracterizam a

forma ou o tom em que se dá a fala (como sussurrar, murmurar, segredar,

cochichar); revelam sentimentos, estados de espírito, emoções (por exemplo:

gemer, suspirar, lamentar-se, explodir, berrar, gritar). Ou seja, os verbos

declarativos apresentam um conteúdo implícito.

Dessa maneira, é possível dizer que os verbos delocutivos são, também,

valorativos. Valores estes que não são omitidos no livro-reportagem. Afinal,

embora seja jornalismo também é literatura. E, assim, o jornalista-escritor não se

limita a colocar em cena a fala do outro. Fá-lo para encaminhar o leitor a uma

determinada conclusão. Em Rota 66, os verbos usados para introduzir o discurso

do(s) outro(s) por Barcelos são:

VERBOS/OCORRÊNCIAS 1ª PARTE 2ª PARTE 3ª PARTE

ACALMAR p.218

ACUSAR p.114 p.323

ADMITIR p.78

ADVERTIR p.157, p.159, p.216

AFIRMAR p.147,p.170,p.177,

p.178,p.179,p.182,

p.216, p.220, p.239

p.271, p.341, p.348

ALEGAR p.154,p.180 (2

vezes),p.197, p.237

ALERTAR p.35 p.156,p.159, p.181,

p.189, p.209, p.218

p.342 (2 vezes),

p.346

AMEAÇAR p.215 p.260, p.265

ARGUMENTAR p.211

AVISAR p.21, p.25 p.159,p.214, p.215,

p.226

p.265,p.271, p.298,

p.339

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p.226 p.339

BERRAR p.27

BRINCAR p.157

COCHICHAR p.29 p.313, p.332

COMENTAR p.19, p.77 p.158,p.159, p.215,

p.225

p.266,p.267, p.334,

p.343

CONCLUIR p.197

DECLARAR p.18

DESCULPAR-SE p.214

DIVULGAR p.158

DIZER p.16, p.19, p.23,

p.30, p.48, p.67

p.159, p.182, p.202 p.271,p.280, p.285,

p.287, p.342

EXIGIR p.213 p.339

EXPLICAR p.30 (2 vezes) p.160, p.213, p.225 p.264,p.301, p.306,

p.307, p.335, p.341

FALAR p.23, p.28 p.302, p.310

GARANTIR p.147, p.153, p.182 p.249, p.348

GRITAR p.16, p.25, p.26,

p.62 (2 vezes)

p.212,p.213, p.215,

p.216 (2 vezes),

p.225, p.237

p.266,p.267,p.270,

p.279,p.299,p.302,

p.314 (2 vezes),

p.325, p.343, p.347

IMAGINAR p.78

IMPLORAR p.219 p.341

INDAGAR p.189 p.332

INFORMAR p.147

INSISTIR p.23 p.220

INTERVIR p.343

JURAR p.27 p.326

LEMBRAR p.218

MURMURAR p.28

OBSERVAR p.67 p.346

ORDENAR p.218 p.342, p.343

PEDIR p.189, p.219

PERGUNTAR p.23,p.31,p.67, p.71 p.156 (2 vezes),

p.159,p.189, p.213,

p.215, p.219, p.220

p.253,p.265, p.341,

p.348

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p.215, p.219, p.220

PREVENIR p.58

PROTESTAR p.343

QUESTIONAR p.23

REGIR p.271, p.325

RELATAR p.95

REPETIR p.41, p.77, p.83

RESPONDER p.23 p.156 (2 vezes),

p.158 ,p.159 (2

vezes),p.209,p.215,

p.218, p.225

p.260,p.264, p.266,

p.343

RETRUCAR p.31 p.213, p.218

REVELAR p.20 (2 vezes),

p.61, p.79,p.89

p.184 p.340

SUGERIR p.218 p.253,p.298, p.301,

p.332

VIBRAR p.220, p.221

Acusar, alertar, ameaçar, berrar, exigir, gritar, ordenar e revelar são

exemplos de verbos usados por Barcellos e que, implicitamente, colocam em cena

julgamentos, posicionamentos. Assim como o discurso relatado que em Rota 66,

em alguns momentos, tem como função explicitar e/ou contrapor o

posicionamento do jornalista-escritor e o da Polícia Militar.

Posicionamentos esses que, numa perspectiva de analista do discurso,

considero como formações discursivas e formações ideológicas48. Acredito que,

ao colocar em cena a fala do outro e ao informar, o jornalista-escritor não apenas

relata/narra os fatos, mas também, se posiciona e, nesse momento,

confirma/deixa vazar suas filiações ideológicas.

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ROTA 3 – O ethos do jornalista-escritor e as paixões susc itadas pelo livro-reportagem

"Caco Barcell os é um j ornali sta que tem lado. [...] Para ele, estar de um lado n ão significa distorcer a reali dade, mas aprofund ar discordâncias, radicalizar diferenças . [...] Caco Barcellos é um j ornali sta que está do lado da maioria"

Narciso Kalil i 49 - Rota 66, 2003

Mesclando jornalismo e literatura, o livro-reportagem não é apenas um nem

somente outro; é, sim, um gênero a parte. Da mesma maneira, seu autor não é

apenas jornalista nem somente escritor. Assim como sua escrita não se enquadra

em apenas um desses dois gêneros discursivos. Porém, acredito que, apesar

dessas características híbridas, o conteúdo continua sendo jornalístico e

cumprindo a função de informar para, a partir daí, levar a sociedade a querer e a

procurar mudanças.

Diferentemente do jornalismo diário, o livro-reportagem não tem a

pretensão de ser isento, imparcial, neutro e objetivo. Nesse tipo de discurso, o

jornalista-escritor toma partido, posiciona-se. Ou seja, em suas páginas está toda

a subjetividade de seu autor. E, apesar disso ou por isso, dependendo do ponto de

vista, obtêm de seu(s) leitor(es) credibilidade. E, aqui, chego a um ponto

fundamental que pretendo desenvolver nessa reflexão-conversa.

A confiança conferida pelo leitor ao discurso do jornalista-escritor

provavelmente é construída pelas emoções suscitadas pelo autor, ao escrever, em

seu interlocutor. Mas, como esse sentimento é despertado? A resposta a essa

pergunta, acredito, pode estar nos estudos aristotélicos sobre a retórica. Nesse

sentido, vou analisar o livro-reportagem e, principalmente, o posicionamento do

jornalista-escritor ao se dirigir ao leitor a partir de uma retomada dos conceitos de

ethos e de paixão (pathos) do filósofo grego Aristóteles.

Antes de dar início à análise é necessário dialogar teoricamente sobre a

questão do estabelecimento do ethos. Para isso, minha opção é por começar

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pelos estudos contemporâneos voltados para a lingüística para, em seguida, falar

sobre as idéias aristotélicas.

No Brasil, Fiorin é um dos pesquisadores que, ultimamente, tem incluído o

ethos em seus estudos sobre a linguagem. Para ele, as pessoas ao se colocarem

nas posições de autor e/ou de leitor passam a ser simulacros de autor e de leitor;

ou seja, tornam-se imagens construídas pelo discurso. "São esses simulacros que

determinam todas as escolhas enunciativas, sejam elas conscientes ou

inconscientes, que produzem os discursos" (FIORIN, 2004, p.1).

Relacionar as pesquisas lingüísticas ao estudo do ethos é uma opção, já há

alguns anos, de/para pesquisadores franceses. Um deles é Maingueneau (2004)

para quem o ethos revela, através da enunciação, a personalidade do orador.

Dessa maneira, ele afirma que a função do ethos é legitimar a maneira de dizer do

enunciador. Ou seja, "a qualidade desse ethos remete, com efeito, à imagem

desse fiador50 que, por meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade

compatível com o mundo que ele deverá construir no enunciado"

(MAINGUENEAU, 2004, p.99).

O ethos como desdobramento contemporâneo da retórica tradicional

também foi tema de Barthes. Esse autor, em seus estudos, salientou a

característica essencial do ethos em qualquer discurso, seja ele oral ou escrito:

"são os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa

sua sinceridade) para causar boa impressão: são os ares que assume ao se

apresentar. [...] O orador enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: eu sou

isto, eu não sou aquilo" (BARTHES apud MAINGUENEAU, 2004, p.98).

Porém, essas informações sobre quem é o enunciador contidas no

enunciado não são auto-elogios, o que poderia, ao contrário de captar a atenção,

levar o ouvinte ao desinteresse. O segredo do orador ao estabelecer seu ethos é,

segundo Ducrot, atribuir a si mesmo uma imagem favorável que seduza o ouvinte

e isso ele consegue com "a fluência, a entoação, calorosa ou severa, a escolha

Ã Ä Å Æ Ç Ç È É Ê Ë Ì Í Æ È Î Ï Ë Ì Î Ì Æ Ë Ð Ì Ç È Ï Î Æ Ñ Ì Î Ë Î Ò È Æ Ð Ñ Ó Ô Õ Ê Ë Ì Ì Ö Ì É Ì Ç É Ñ × Æ Ø Ó Æ Ù Ú Ç Ð Æ Ò Ñ Î Ç Ø Ó Ë Û Ü Ñ Ð Ì Ç Ì ËÐ È Ç Ò Ë Ó Ç Ñ × Ú Ñ Ó Ì Ç Ý Ñ Î Ç Õ Ù Ì Ö Ý Ì Ö Æ Ö Ì Ï È Ø È É Æ Û Ü Ñ Ð Ñ Ì Î Ë Î Ò È Æ Ð Ñ Þ

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das palavras, os argumentos (o fato de escolher ou negligenciar tal argumento

pode parecer sintomático de tal qualidade ou de tal defeito" (DUCROT, 1987,

p.188-189).

Das citações anteriores é possível recuperar algumas palavras-chave para

entender o (que é o) ethos: imagem de acordo com Ducrot e Fiorin; caráter

segundo Barthes; e personalidade para Maingueneau. Quaisquer dessas três

designações podem ser atribuídas como definições de ethos que, na concepção

aristotélica, é o caráter do orador (não necessariamente real) como um efeito do

discurso que o torna digno de fé e, assim, possibilita a persuasão.

O ethos foi abordado, por Aristóteles, de duas maneiras distintas: como

ética, em Ética a Nicômaco, e como caráter, em Retórica. E é esse último que é

retomado pela Lingüística. Abordar a retórica aristotélica pressupõe tomar como

ponto-de-partida o decoro, ou seja, as vozes do discurso que são o orador e o

auditório; em outras palavras, o ethos e o pathos.

Assim, como foi exposto acima, o ethos – para Aristóteles – é o

estabelecimento da imagem (ou do caráter) de quem está falando pelo próprio

orador, sem que o auditório perceba, através do discurso. Dessa maneira, ao

construir sua imagem o orador tem como objetivo conquistar/captar a

benevolência, a boa vontade do auditório. Pois, só assim, é que o ethos vai atingir

seu objetivo que é funcionar como prova dos argumentos do orador.

O auditório ao aceitar essas provas, ou seja, ao dar credibilidade ao ethos,

à imagem, ao caráter do orador, estabelece com este um pathos. Em outras

palavras, o pathos é a reação do auditório a partir da fala do orador. Ou ainda, é o

efeito que o orador obtém no auditório.

Após o exposto, é possível concluir que o ethos é um meio de persuasão.

Porém esta só se concretiza em função do pathos que determina a forma como o

discurso é construído. Ou seja, o auditório só reage – tanto positiva quanto

negativamente – a um orador que mexe com as suas paixões. Sentimentos que

são determinados pela maneira como o orador manipula as emoções da platéia.

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Segundo Aristóteles, "as paixões são todos aqueles sentimentos que,

causando mudanças nas pessoas, fazem variar seus julgamentos" (2000, p.5). De

maneira simplificada é possível dizer que as paixões medem e exprimem a

identidade e a diferença entre os homens. Proximidade e distância que se

revelam, no discurso, através de 14 paixões que são descritas por Aristóteles em

Retórica.

Assim, Aristóteles define a cólera como o desejo de vingar-se de um

manifesto desprezo que é julgado como não merecido. Ou seja, é um brado contra

a diferença imposta, injusta ou assim percebida. Sua causa é a crença de que se

sofre injustamente. Dessa maneira, o colérico se volta, sempre, contra um

indivíduo em particular. Já a calma é a inibição e o apaziguamento da cólera,

podendo ser encarada como a melhor expressão da indiferença em uma relação.

O amor , na concepção Aristotélica, é o lugar da conjunção, da associação,

sendo comparado – então – à amizade. "Seja amar o querer para alguém o que se

julga bom, para ele e não para nós, e também o ser capaz de realizá-lo na medida

do possível" (ARISTÓTELES, 2000, p.23). Já a causa da inimizade é o ódio que

não é o mesmo que a cólera. Esta "provém daquilo que nos toca pessoalmente",

aquele "surge mesmo sem nenhuma ligação pessoal; de fato, se supomos que

uma pessoa tem tal ou tal caráter, nós a odiamos" (ARISTÓTELES, 2000, p.29). A

primeira volta-se contra o indivíduo, o segundo contra classes de pessoas.

O temor é definido por Aristóteles como um desgosto, uma preocupação

que é resultado da suposição de que algo mau/ruim pode acontecer. "São

temíveis aquelas coisas que parecem possuir grande capacidade de arruinar, ou

de causar danos que levam a grande desgosto" (ARISTÓTELES, 2000, p.31).

Dessa maneira, mesmo os indícios são temíveis. Afinal, o perigo está na

aproximação do que é temido. O contrário do temor é a confiança. Sentimento

este que é definido como a esperança "acompanhada da suposição de que os

meios de salvação estão próximos" (ARISTÓTELES, 2000, p.35).

"Se sente vergonha diante daquelas faltas que parecem vergonhosas, seja

para nós mesmos, seja para aqueles com quem nos preocupamos; ora tais são

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todos os atos que provêm de um vício" (ARISTÓTELES, 2000, p.39), de uma

injustiça. Ou seja, a vergonha é resultado de atitudes que podem levar a desonra,

a má reputação. Vale ressaltar, seguindo o pensamento aristotélico, que a

vergonha se estabelece por se ter consideração por alguém. Já a indiferença pelo

outro e/ou pelos mesmos motivos que levam à vergonha são características da

imprudência.

Um outro tipo de paixão é o favor . Ou seja, "o serviço pelo qual, diz-se,

aquele que possui concede ao que tem necessidade, não em troca de alguma

coisa, nem com o fim de obter alguma vantagem pessoal, mas no interesse do

favorecido" (ARISTÓTELES, 2000, p.51).

Compaixão e indignação são dois sentimentos que se contrapõem. Afinal,

o primeiro é um "pesar por um mal que se mostra destrutivo ou penoso, e atinge

quem não o merece" (ARISTÓTELES, 2000, p.53). Essa paixão só é despertada

pelo fato de se acreditar que existem pessoas honestas. Afinal, só quem tem esse

tipo de caráter é digno de compaixão. Já a indignação é "o pesar pelos sucessos

imerecidos" porque "é injusto o que acontece contrariamente ao mérito"

(ARISTÓTELES, 2000, p. 63).

As três últimas paixões descritas por Aristóteles são a inveja que tem

origem no desejo de se possuir algo acreditando que isso pode aumentar a

superioridade ou diminuir a inferioridade em relação a alguém; a emulação que é

o julgar-se digno de bens que não se possui, sendo possível adquiri -los; e o

desprezo que é o contrário da emulação.

Após percorrer essa trilha teórica, chega o momento da aventura da

análise. Caminhos que se cruzam, nessa conversa, no livro-reportagem Rota 66 –

a história da polícia que mata, do jornalista-escritor Caco Barcellos. O primeiro

passo, julgo, na estrada da "aventura-análise" é situar a obra.

Sete anos de pesquisa e de investigação jornalísticas resultaram nas 350

páginas de Rota 66. O livro-reportagem, dividido em três partes e em 23 capítulos,

é escrito em forma de romance. Porém, sua forma não esconde sua função

jornalística: informar e denunciar a morte de civis por policiais militares.

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A leitura das primeiras 1.725 edições do NP51 resultaram na descoberta de 274 pessoas mortas em supostos tiroteios pela cidade de 70 a 75. É um número impressionante, mesmo se comparado com a matança de grupos de extermínio. Significa mais que o dobro das vítimas do temível Esquadrão da Morte de São Paulo, por exemplo, formado por policiais civis, atuante no começo dessa mesma década de 70. Supera também o número de baixas de um período negro da repressão política no país, nas décadas de 60 e 70. Os agentes do Exército e da Polícia Civil, envolvidos no combate de ativistas políticos, são acusados pela execução de 269 pessoas – 144 oficialmente mortos, 125 desaparecidos. O saldo da matança da PM, somente até 1975, já é maior, portanto, que o número de mortos e desaparecidos políticos durante todo o período de 21 anos de ditadura militar. (BARCELLOS, 2003, p.89)

O ponto-de-partida da obra é um fato, uma notícia que ganhou as páginas

dos jornais em 1975. "A Veraneio cinza nunca esteve tão perto. A 200, 300

metros, 15 segundos: a sirene parece o ruído de um monstro enfurecido. [...] Os

motoristas, assustados, abrem caminho com dificuldade" (BARCELLOS, 2003,

p.15). Assim, a narrativa tem início com a perseguição – seguida pela morte – de

três rapazes da classe média-alta de São Paulo por policiais militares de uma das

unidades da Ronda Extensiva Tobias de Aguiar, a Rota 66.

Os policiais da Rota metralham o motor, o vidro traseiro, que se estilhaça. Atingem em cheio a cabeça de Augusto Junqueira. O impacto da rajada lança o corpo do amigo para a frente. Num mesmo movimento, ele bate contra o banco de Noronha, depois vai se inclinando à esquerda até o rosto encostar no vidro lateral, que fica manchado de muito sangue. (BARCELLOS, 2003, p.60)

Um tiro atravessa o braço direito erguido para proteção do rosto. O outro tiro fratura a perna esquerda. Dois disparos atingem o peito, ferimentos fatais no lado do coração. Pancho cai de bruços. Agora está sendo metralhado pelas costas. Um tiro penetra na sola do pé. O corpo ainda se mexe. Pontaria na nuca, em seguida mais um disparo fatal: Pancho, o forte, não se movimenta mais. [...] Francisco Noronha, caído no chão, apenas respira, enquanto os PMs avançam em sua direção, atirando contra o seu corpo. A perna esquerda é atingida por quatro tiros de metralhadora. Os braços e o tronco também são perfurados. [...] Mesmo baleado nove vezes, Francisco Noronha ainda respira. Um dos PMs chega bem perto. Dispara dois tiros. Um ao lado da boca. O outro, disparado a 1 metro de distância, atinge o peito, em cima do coração. (BARCELLOS, 2003, p.64)

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Esse caso – que ficou conhecido por Rota 66 e, por isso, o nome do livro –

é apenas o primeiro a ser descrito por Caco Barcellos. A ele, o jornalista-escritor

soma lembranças da infância em um bairro da periferia de Porto Alegre – "Chegou

a minha hora de correr desta maldita Radiopatrulha. Sou um menino tímido, bem-

comportado, nada fiz de errado mas sei que devo fugir" (BARCELLOS, 2003, p.25)

– e fatos que presenciou e/ou registrou durante o exercício da profissão – "depois

de 73, eu já não sofria como antes. Tornei-me testemunha dos sofrimentos dos

outros. Já era repórter" (BARCELLOS, 2003, p.31).

E foi para contar o "sofrimento dos outros" e denunciar os responsáveis por

esse sofrimento que foram necessários sete anos de apuração, pesquisa e

investigação. Trabalho que possibilitou ao autor descrever em Rota 66, além do

caso Rota 66, outros 42 casos de pessoas mortas – executadas ou fuziladas nas

palavras de Barcellos – por membros da Polícia Militar de São Paulo. Afirmar isto

é o mesmo que dizer que a cada oito páginas do livro-reportagem o jornalista-

escritor insere um novo exemplo de morte. Um deles é o de José Luís de Assis, de

18 anos, morto em 1974 quando passeava de carro com três amigos:

Martínez52 desconfiou deles. Houve perseguição. Era uma noite em que chovia intensamente. Durante a fuga, o Dodge derrapou no asfalto molhado, subiu na calçada e parou contra um poste. Na hora do acidente, três rapazes fugiram a pé. José Luís teria resistido à ordem de prisão e usado a porta do carro como escudo durante a troca de tiros com a polícia. De acordo com a versão oficial, Martínez escapou da morte por milagre. As carteiras de habilitação e de identidade estavam no bolso esquerdo da camisa e barraram a estrada dos projéteis em seu coração. Apesar da história parecer inverossímil, a ação do sargento foi considerada exemplar pelos comandantes da PM. (BARCELLOS, 2003, p.195)

Conteúdo informativo, denúncias, comentários e narrativas em primeira

pessoa que renderam a Caco Barcellos, em 1994 – menos de um ano após a

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publicação do livro-reportagem –, seu primeiro prêmio Jabuti na categoria não-

ficção53 e a venda de muitos exemplares – Rota 66 já está na 34ª quarta edição.

Após esse rápido vôo panorâmico sobre Rota 66, nossa reflexão-conversa

vai se concentrar, especificamente, nos capítulos e trechos que são escritos em

primeira pessoa. Faço essa opção por acreditar que, ao eleger essa escrita

marcadamente subjetiva, Caco Barcellos deixa indícios em seu discurso de que

paixões o movem. Em outras palavras, ao se assumir como eu-enunciador, o

jornalista-escritor está construindo junto ao leitor sua imagem; firmando junto a

este um caráter digno de fé; ou seja, estabelecendo seu ethos.

No livro-reportagem em questão, a personalidade do jornalista-escritor

Caco Barcellos é formada a partir de três paixões: confiança, compaixão e

indignação. Sendo o despertar no leitor das duas últimas indispensável para a

captação da benevolência, da boa vontade do auditório. Possibilitando, assim, o

estabelecimento efetivo do ethos e, também, criando condições para a realização

da primeira paixão citada.

Indignação e compaixão, segundo Aristóteles, são dois sentimentos que se

contrapõem. Em Rota 66 essa afirmação não apenas é verdadeira como pode ser

ampliada: indignação e compaixão são sentimentos que se contrapõem e a

existência de um pressupõe – e justifica – a existência do outro.

Ou seja, no livro-reportagem analisado, o jornalista-escritor sente

compaixão pelas pessoas (e também por suas famílias) que são mortas sem

justificativa pela polícia – "pesar por um mal que se mostra destrutivo ou penoso, e

atinge quem não o merece" (ARISTÓTELES, 2000, p.53). Aqui, vale ressaltar que,

para o autor, a morte não é justificada nem para os criminosos e, muito menos,

para os trabalhadores que nunca cometeram crimes.

Ao começar a fazer este l ivro, meu objetivo era denunciar a ação dos matadores ofic iais contra civis envolvidos em crimes na cidade. O balanço final do meu trabalho, em junho de 92, acabou surpreendendo a

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mim mesmo. Os c riminosos não representam a maioria entre as pessoas mortas pelos poli c iais mili tares . O resultado da minha investigação, que abrange o período de 22 anos de ação dos matadores, mostra que a maior parte dos c iv is mortos pela PM de São Paulo é constituída pelo cidadão comum que nunca praticou um crime: o inocente. O resultado do confronto do nosso Banco de Dados com os arquivos da Justiça Civil revela que 65 por cento das v ítimas da PM eram inocentes. [...] de cada dez pess oas mortas pelos poli c iais mil itares, menos de quatro tiv eram partic ipação em algum crime. Mais de seis tinham o passa do limpo. Suas fichas nos foram devolvidas com um carimbo de duas palavras: nada consta. [...] Identificamos 2.027 inocentes assassinados pelos matadores da PM. (BARCELLOS, 2003, p.327-328, grifo do autor, grifos meus)

As palavras e os trechos destacados permitem uma melhor percepção de

como essa compaixão se manifesta no discurso do autor e como as mesmas

informações que despertaram nele esse sentimento são usadas para suscitar um

efeito de sentido possível de ser lido pelo leitor: o pesar pelos danos que atingiram

quem não merecia. Afinal, dificilmente alguém pode permanecer insensível ao

saber que 2.027 pessoas, que nunca se envolveram em crimes, cidadãos comuns,

trabalhadores e estudantes, inocentes, morreram a partir de tiros disparados por

policiais.

Da mesma maneira, provavelmente, os PMs passam a ser percebidos pelo

leitor, assim como são vistos por Barcellos, como matadores oficiais. Assim, é

possível afirmar que a indignação do jornalista-escritor – "pesar pelos sucessos

imerecidos" (ARISTÓTELES, 2000, p.63) – volta-se contra os policiais que são

pagos com dinheiro da população para defendê-la e, na realidade, são matadores

institucionalizados dessa mesma população. "Integrantes de um esquadrão da

morte oficial" (BARCELLOS, 2003, p.154, grifo do autor) que "agem

espontaneamente, sem nenhum critério prévio. Escolhem suas vítimas a partir de

uma simples desconfiança" (p.96).

Desconfiança essa que aumenta quando os cidadãos apresentam algumas

características: "Jovem, pobre, negro ou pardo. Nossas primeiras observações no

Instituto Médico Legal nos ajudaram a conhecer um pouco do perfil das vítimas"

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(BARCELLOS, 2003, p.142). Pessoas semelhantes aos amigos do garoto Caco

Barcellos e, também, parecidas com ele a não ser pela cor da pele.

E são seus discursos sobre suas memórias da infância que despertaram,

em primeiro lugar, a indignação em relação à polícia e a compaixão pelas pessoas

que, sem merecer, são perseguidas por ela. "O delegado considera todo mundo

suspeito. Ao prender alguém, sempre aplica o inverso da lei. Em vez de provar a

culpa do suspeito, costuma exigir que o detido prove sua inocência"

(BARCELLOS, 2003, p.26).

Para o autor, todos do bairro – inclusive ele e os amigos – são

considerados suspeitos pelos policiais porque são pobres: "esses homens da

polícia nos vêem como inimigos" (p.26). E, por isso, merecem um tratamento

diferenciado que não respeita nem as leis, nem os direitos dos cidadãos

independentemente de sua cor e/ou classe social: "o espancamento na delegacia"

(p.28).

Porém, apenas estabelecer seu ethos e captar a benevolência do leitor com

base em lembranças de sua história logo no segundo capítulo do livro-reportagem

não é suficiente. Esse caráter precisa ser reafirmado freqüentemente para, assim,

manter a boa vontade do auditório na continuação da leitura (afinal, são 350

páginas).

Dessa maneira, seu discurso vai demonstrar que as injustiças policiais

presenciadas quando ainda era criança fizeram com que enxergasse alguns fatos

de maneira diferente de muitos de seus colegas de profissão desde quando

começou a trabalhar como repórter. E por isso, por ser diferente, ele é digno de fé

e seus escritos merecem confiança por parte do leitor.

Assim, o jornalista-escritor apresenta seu ponto de vista como provocador

de conflitos junto a seus pares, um deles relatado em Rota 66. Um assalto a uma

farmácia de Porto Alegre terminou com a morte de um major da PM – Antônio

Pompílio Fonseca. Fato que revoltou os outros policiais e provocou uma operação

que seguia "métodos iguais aos dos tempos recentes da repressão política"

(BARCELLOS, 2003, p.50):

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Durante a semana fui testemunha de cenas de injustiça, abuso de poder, covardia. Minha reação me trouxe problemas de todos os lados. Um deles foi com o próprio fotógrafo, um profissional experiente em cobertura policial. _ Os soldados estão invadindo o barraco aos pontapés e tu não estás fotografando. Por que não? _ Porque não é importante. Cuide do seu trabalho que eu cuido do meu, tá legal? _ Como não. Deixaste de registrar uma invasão a domicílio. Isto é crime. _ Crime foi o assassinato do major. _ Se um dia fizerem isso na tua casa, vais gostar também? _ Casa não é barraco. Isso aqui é esconderijo de bandido, vale tudo. (BARCELLOS, 2003, p.51)

Ter uma perspectiva diferente à de outros repórteres policiais também

gerou um segundo tipo de conflito: com as famílias das vítimas da PM. "Rebelião,

tiroteio, terremoto, guerra. [...] Temo pela vida em todos esses momentos. Mas

nada se compara ao medo que eu sinto quando vou fazer a cobertura do velório

de uma pessoa morta pela Polícia Militar" (BARCELLOS, 2003, p.48). Temor

justificado por ele com o relato de uma represália que sofreu durante o velório do

menino Rubens Martins, de 12 anos:

A peixeira está a 50 centímetros dos olhos, duas outras facas espetam minhas costas. À frente, o irmão do menor fuzilado, armado de porrete, ameaça me bater. Estou cercado por mais de cinqüenta homens, mulheres, crianças, moradores da favela do Buraco Quente. Estão revoltados pela morte do menino Rubens Martins, de 12 anos, assassinado pela Rota. Dizem que eu também sou culpado. Na verdade, a revolta é contra a imprensa, considerada inimiga. Reconheço que eles em parte têm razão. Sou o primeiro jornalista a chegar na favela, já com quinze horas de atraso. Mesmo sem nenhum levantamento no local, a notícia já foi divulgada, de uma forma parcial. Sobretudo os programas policiais de rádio só destacaram a versão oficial, neste caso, a mentira dos policiais. (BARCELLOS, 2003, p.48)

"Tive que argumentar durante horas para evitar a agressão" (BARCELLOS,

2003: p.49). Os argumentos apresentados por Caco Barcellos, que convenceram

a família e os amigos de Rubens Martins de que é um jornalista policial diferente

dos outros, são os mesmos usados por ele para persuadir também o leitor nas 350

páginas do livro. Ou seja, o desentendimento foi contornado por ele quando

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conseguiu conquistar a confiança dessas pessoas. E se foi considerado digno por

quem estava envolvido no problema, também o deve ser pelo leitor. Assim, ele

mantém seu ethos ao incorporar, às situações verídicas, informações que

confirmam suas afirmações.

Ao reafirmar seu caráter, Barcellos pode seguir dizendo que essas

situações acontecem porque "o modelo de jornalismo polêmico, adotado por

radialistas como Afanázio54, tem ajudado a criar, [...], uma imagem negativa do

repórter na periferia da cidade" (BARCELLOS, 2003, p.49). Por isso, na opinião do

autor, o trabalho dele e dos jornalistas em geral "é confundido com o de policiais.

Pior: somos vistos como inimigos, agentes de um poder que incentiva a polícia a

matar pobres suspeitos de serem criminosos" (p.49). Porém, como o jornalista-

escritor já "demonstrou" ser diferente – e diferente aqui significa estar do lado da

maioria, ou seja, de quem morre vítima de uma polícia de extermínio – é possível

que ele dê prosseguimento a sua história contando com a credibilidade do leitor.

A confusão entre os policiais e a imprensa que é responsável pelo conflito

com as famílias das vítimas da Polícia Militar, segundo o jornalista-escritor, não é

feita exclusivamente por elas. A própria PM, na perspectiva de Caco Barcellos,

também incorpora essa visão. Isso porque os policiais estavam "habituados a lidar

com jornalistas que limitam seu trabalho a reproduzir a versão oficial como

verdade absoluta" (BARCELLOS, 2003, p.49).

Mas, se o ethos que o autor de Rota 66 vem estabelecendo desde o início é

verdadeiro, aqui, mais uma vez, ele tem de demonstrar, para o leitor, que não é

como a maioria. Ou seja, que não se contenta com as respostas simplistas e, por

isso, instiga os policiais a fazerem declarações que expliquem as ações violentas

e as mortes de civis. Para isso, o jornalista-escritor recorre, mais uma vez, ao caso

da morte do major Antônio Pompílio Fonseca e as conseqüentes represálias da

polícia à população:

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_ O senhor não poderia evitar tanta violência, sargento? _ Eles são os violentos. Eles mataram o nosso colega... _ Mas vocês já invadiram todos os barracos dessa rua. Impossível todo mundo ser culpado... _ Problema deles. Nada a declarar sobre o tema. _ O senhor tem mandado judicial pra invadir residência? _ Nada a declarar. Mais alguma pergunta? _ Se o bairro fosse rico, também invadiriam casas? _ Nada a declarar no momento, positivo? (BARCELLOS, 2003, p.51)

Esse trecho usado como exemplo por Caco Barcellos não apenas evidencia

que o jornalista-escritor não se contenta com a resposta padrão da Polícia Militar

"nada a declarar" e sua variação "sem declarações", como também marca a opção

do jornalista por tomar partido, o da maioria de pobres do país que sofre, indo

contra alguns dos princípios básicos do jornalismo – como o apartidarismo, a

objetividade, a neutralidade e a isenção. Ou seja, seu caráter diferente dos outros

jornalistas; sua personalidade de quem está preocupado em "mostrar a verdade,

doa a quem doer"; seu ethos de quem procura denunciar e, assim, mudar a

sociedade – mesmo que, para isso, seja necessário agir sozinho e, também, sofrer

injustiças como a demissão que seguiu a publicação da matéria que retratou as

"cenas de injustiça, abuso de poder, covardia" (BARCELLOS, 2003, p.50) dos

policiais em represália a morte do major Antônio Pompílio de Fonseca.

_ O comandante manda perguntar se tu já leste os jornais hoje, repórter. _ O senhor viu que a declaração do comandante saiu na íntegra, sem cortes?55 _Tu leste alguma notícia de tortura nos outros jornais, repórter? _ De fato, não. E o comandante leu sobre a tortura? Ele vai tomar alguma providência? Ele vira-se de frente, dedo em riste para o teto, ameaçador. _ Esta notícia denigre a imagem da Brigada Militar. Tu és o culpado, repórter. _ Eu não torturo ninguém, tenente. Seus comandados é que torturam. _ Tu vais pagar por isso. O comandante está envergonhado... _ Se tortura é motivo de vergonha, tenente, a solução é muito simples: basta não torturar. _ Estás demitido. Por favor, nunca mais apareça neste quartel. _ Até amanhã, tenente! _ Até nunca!

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Achei estranho o tenente falar em demissão. Mas, ao voltar à redação, descobri que ele estava bem informado. [...] Três anos depois de virar repórter, eu estava de volta à antiga profissão. Sou novamente motorista de táxi. Ou melhor: Repórter provisoriamente na praça. (BARCELLOS, 2003, p.53-54)

Nesse momento, a conversa poderia tomar um caminho que nos levasse –

a você, leitor, e eu – a colocar um ponto final. Porém, acredito que, é possível

seguir adiante e, assim, deixar alguns pontos mais para reflexão. Após o estudo

do ethos e sua aplicação, julgo que podemos pensar novamente à Retórica

aristotélica com um objetivo: aproximá-la de um dos pontos fundamentais da

Análise do Discurso de linha francesa (AD), as formações imaginárias (FI).

Afinal, segundo Aristóteles, o ethos (ou o caráter do orador) é estabelecido

em função do pathos (ou do auditório), das paixões (das reações) que se quer

despertar. Da mesma maneira que o ethos pode ser construído, não sendo

propriamente o caráter do orador, as formações imaginárias não são os sujeitos

físicos, mas as imagens que o locutor e o interlocutor formam de si, do outro e,

também, do que estão falando (PÊCHEUX, 2001, p.82). "São essas projeções que

permitem passar das situações empíricas – os lugares dos sujeitos – para as

posições do sujeito no discurso. Essa é a distinção entre lugar e posição"

(ORLANDI, 2003, p.40).

As formações imaginárias podem ser evidenciadas, de acordo com a

proposta de Pêcheux, a partir de quatro questões – duas referentes às imagens de

A (o sujeito produtor do discurso) e duas referentes as imagens de B (o sujeito

receptor desse mesmo discurso):

- IA(A) (imagem do lugar de A para o sujeito colocado em A): "Quem sou eu para lhe falar assim?" - IA(B) (imagem do lugar de B para o sujeito colocado em A): "Quem é ele para que eu lhe fale assim?" - IB(B) (imagem do lugar de B para o sujeito colocado em B): "Quem sou eu para que ele me fale assim?" - IB(A) (imagem do lugar de A para o sujeito colocado em B): "Quem é ele para que me fale assim?" (PÊCHEUX, 2001, p.83).

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Assim, os lugares sociais ocupados pelo sujeito produtor do discurso e pelo

sujeito receptor desse mesmo discurso são constitutivos do dizer. Este conceito de

formação imaginária foi desenvolvido por Michel Pêcheux a partir do conceito

lacaniano de imaginário. Dessa maneira, as formações imaginárias sempre são

resultados, também, de processos discursivos anteriores e, assim, se manifestam,

discursivamente, através das relações de força, de sentido e da antecipação.

Esse último mecanismo trata da capacidade de o locutor se colocar no lugar

do outro para, assim, poder dizer "de um modo, ou de outro, segundo o efeito que

pensa produzir em seu ouvinte" (ORLANDI, 2003, p.39). Ou seja, o sujeito recorre

à antecipação para estabelecer suas estratégias discursivas. Dessa maneira, se

antecipar significa, segundo Pêcheux, dirigir o processo argumentativo:

A antecipação de B por A depende da 'distância' que A supõe entre A e B: encontram-se assim formalmente diferenciados os discursos em que se trata para o orador de transformar o ouvinte (tentativa de persuasão, por exemplo) e aqueles em que o orador e seu ouvinte se identificam (fenômeno de cumplicidade cultural, 'piscar de olhos' manifestando acordo etc.) (PÊCHEUX, 2001, p.85, grifos do autor).

Para a AD, o lugar de onde fala o sujeito é constitutivo de seu dizer. Assim,

essas posições determinam as relações de força de um discurso. "Como nossa

sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são relações de força,

sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na

'comunicação" (ORLANDI, 2003, p.40). Já a relação de sentidos pressupõe que

um discurso sempre aponta para outros – já-ditos ou ainda por dizer. Nas palavras

de Orlandi, "um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou

possíveis" (2003, p.39).

Assim, segundo a AD, todo discurso é um jogo de imagens: dos dizeres

com os ditos que os sustentam; dos sujeitos com os lugares por eles ocupados na

sociedade; e dos sujeitos (dos discursos) com eles mesmos. Imagens essas que

também fazem parte da natureza do discurso aristotélico. Afinal, o orador torna-se

digno de fé através de imagens construídas pelo discurso e no discurso.

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Dessa maneira, Caco Barcellos, ao sentir indignação em relação aos

policiais-matadores e compaixão pelos cidadãos mortos por PMs sem motivo ou

explicação (pessoas que como ele, em um momento de sua vida, sofrem/sofreram

injustiças), forma algumas imagens: dele como jornalista que está do lado da

maioria e que, por ter feito parte dela e também pela profissão, segundo sua

perspectiva, tem por obrigação denunciar as injustiças praticadas em uma

sociedade; das famílias das vítimas e dos poucos sobreviventes – suas fontes –

que esperam denúncias partindo dele; da Polícia Militar e de seus policiais que

confiam na impunidade e, por isso, continuam matando indiscriminadamente e,

assim, é seu dever denunciar e acabar com essa arbitrariedade. O trecho a seguir

é revelador dessas formações imaginárias:

O Banco de Dados56 [...] também serviu para conhecermos a quantidade de vítimas e a confirmação de antigas suspeitas. Constatamos, por exemplo, que no mínimo 1.300 pessoas sem identificação foram mortas pela PM desde sua criação. Isso significa que quase a metade das vítimas da Polícia Militar em duas décadas, cujas mortes foram divulgadas, estava estranhamente sem documentos na hora do tiroteio. São os chamados mortos desconhecidos. Era a confirmação de um fato que não se constituía exatamente em novidade para mim, nem aos moradores da periferia de São Paulo. _ Eles atiram primeiro. Perguntam depois – é o que mais se ouve na periferia quando alguém pretende definir o tipo de ação dos matadores da PM. Além de confirmar a triste fama, o grande número de desconhecidos tem um significado mais grave. Mostra no mínimo uma grande contradição. É a prova de que os matadores escolhem grande parte de seus inimigos sem nada saber sobre suas vidas. O contraditório é que, depois de matá-los, afirmam nos inquéritos que os mortos eram conhecidos criminosos. (BARCELLOS, 2003, p.155)

O jornalista-escritor de Rota 66 forma ainda uma outra imagem. A de seus

interlocutores-leitores, que por fazerem parte da sociedade onde são cometidas

essas injustiças, esperam – assim como as famílias das vítimas e os

sobreviventes dos "tiroteios com a polícia" – que elas sejam denunciadas. E,

nesse caso, ninguém melhor para fazê-lo do que ele, um "jornalista diferente".

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Diferença marcada por seu ethos, ou caráter, ou personalidade, de quem –

talvez por ter sofrido e visto de perto injustiças parecidas – tem coragem para

denunciar. Porém, se as denúncias são movidas pela compaixão e pela

indignação, a coragem para fazê-las vem de uma terceira paixão, a confiança57.

Ou seja, o dínamo de Barcellos é a crença, a esperança de que "os meios de

salvação estão próximos" (ARISTÓTELES, 2000, p.35). Essa confiança pode ser

percebida no propósito de Barcellos ao delimitar a abrangência do Banco de

Dados: só terá fim "no dia em que os PMs deixarem de matar" (BARCELLOS,

2003, p.88).

Quando o jornalista-escritor não coloca limites na realização de seu

trabalho, evidencia sua confiança, sua certeza de que as denúncias feitas por ele

vão surtir resultados. Ou seja: a PM – a partir do momento em que as denúncias

são tornadas públicas – deixará de ser a "polícia que mata", não mais incentivará

o "extermínio" de cidadãos (sejam eles criminosos ou não) e passará a punir os

"policiais-matadores"; a imprensa, em geral, deixará de vestir a farda e passará

também a denunciar, a estar do lado da maioria; a sociedade, que após o livro não

mais poderá negar desconhecimento, deixará de ser omissa e passará a exigir

mudanças.

Mesmo que os resultados expostos acima (que são somente esperados)

não se concretizem e fiquem apenas no nível das expectativas, ainda assim o

trabalho a que se propôs Barcellos estará concluído. Afinal, sua função enquanto

jornalista estará cumprida. Afinal, a denúncia foi feita e as informações que

poderiam fazer a sociedade pedir mudanças estão nas 350 páginas de Rota 66.

O que justificaria, acredito – a partir das marcas lingüísticas – o livro-

reportagem terminar num tom de dever cumprido. Afinal, depois de sete anos de

pesquisa e investigação, Barcellos consegue – a partir de seu trabalho – evitar a

morte de dois menores, um branco e um negro, moradores da favela de Heliópolis,

a segunda maior de São Paulo.

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De acordo com o relado do jornalista-escritor, ele e os outros três

companheiros da equipe de reportagem da TV Globo se dirigiam para a região do

ABC paulista, onde fariam uma matéria para o Jornal Nacional, quando avistaram

os helicópteros das Polícias Civil e Militar sobrevoando a favela. Decidiram, então,

acompanhar o trabalho dos policiais.

Na favela, presenciaram e gravaram cenas de violência contra dois garotos.

Quando os policiais deixam o local com os menores no camburão, a equipe de

reportagem segue para a Delegacia da Polícia Civil que é o lugar para onde, por

lei, os detidos devem ser encaminhados. Depois de meia hora de espera, eles

decidem voltar a favela e, lá, os moradores agitados dizem que os meninos foram

levados para o posto da Polícia Militar. Na PM, a equipe de reportagem consegue

registrar mais agressões aos menores. Os policiais só param de bater nos garotos

quando percebem que estão sendo filmados.

Horas mais tarde, as imagens das agressões aos dois menores foram transmitidas para todo o país pelo Jornal Nacional. E divulgadas ao mundo, meses após, por meio de um relatório da Anistia Internacional. Vinte e quatro horas depois da denúncia, por ordem do comandante-geral da Polícia Militar, três dos PMs acusados foram expulsos da corporação. Fora as cenas de horror que presenciamos, lembrar o dia 20 de novembro de 1986 me deixa especialmente feliz ao acabar de escrever este l ivro. Naquele dia, acreditamos ter evitado registrar os nomes de duas vítimas em nosso Banco de Dados. (BARCELLOS, 2003, p.349-350)

Ao evitar essas duas mortes e denunciar as situações em que os PMS

matam – ou seja, não atiram, como dizem, para se defender e, também, não

disparam suas armas somente contra criminosos perigosos, como também

afirmam – o jornalista-escritor cumpriu, a partir de sua perspectiva, seu dever. E,

assim, depois de ter conquistado a benevolência de seu leitor e ter re-afirmado

inúmeras vezes seu ethos, baseado na indignação e na compaixão, fica

subentendido que é seu auditório – depois de 350 páginas, também indignado e

compadecido – que deve exigir mudanças. Em outras palavras, movido pela

indignação e pela compaixão, o jornalista-escritor investiga e denuncia confiante

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de que a indignação e a compaixão suscitadas no leitor sejam o caminho para a

transformação.

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CHEGADA? – Considerações (nada) finais

Chegada? Não.

Resultados? Não era essa minha pretensão. Apenas alguns apontamentos

em relação à inquietação maior a mover esse trabalho: a construção da

credibilidade num discurso jornalístico, que é o livro-reportagem, que não segue

os/as preceitos/normas/conceitos da objetividade, da imparcialidade, da isenção e

da neutralidade.

Assim, em primeiro lugar, ouvi o que tinham a dizer os jornalistas sobre o

texto jornalístico. Discursos, evidenciaram as respostas, que são um exercício de

paráfrase, de repetição do mesmo, do velho discurso da objetividade jornalística.

Dizeres que apontam para a isenção, para o colocar-se à parte (como se isso

fosse possível) como único modo de fazer jornalismo. Quando esse discurso

passa a ser panfletário, no sentido de ter uma causa, deixa de ser jornalismo,

deixa de ser digno de credibilidade. Esse seria o caso, então, do livro-reportagem

que perderia o estatuto de jornalismo e manteria, apenas, a condição de literatura.

Porém, esse discurso jornalístico outro que é o livro-reportagem aciona

estratégias discursivas diferentes da máscara da objetividade para suscitar

respeito por parte leitor que passa, assim, a considerar como verdadeiro (e não

como ficção, apenas literatura) seu conteúdo. Durante essa (des)dissertação, e

tomando como foco de estudo Rota 66 – a história da polícia que mata do

jornalista-escritor Caco Barcellos, estudei e aponto dois desses mecanismos: a

heterogeneidade e a construção do ethos.

Barcellos, ao discursivizar, mostra-se (caráter/personalidade) como um

jornalista diferente. Diferente por, como cidadão, ter vivido/presenciado as

atrocidades, a falta de respeito com o morador da periferia, com o garoto pobre,

com os negros. Condição, história de vida que o "autoriza" a indignar-se com a

matança de inocentes, de trabalhadores promovida pela Polícia Militar. Condição,

história de vida que o "autoriza" a sentir compaixão por quem, como ele, sofre ou

sofreu as injustiças cometidas por policias. Porém, ele já não é mais um garoto

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pobre, morador da periferia, é jornalista e, por isso, (e mais que isso, por ser

diferente) tem condições de denunciar. Denúncias que o fazem ter certeza,

confiança de que os PMs deixarão de matar. Denúncias que suscitarão no leitor,

nos outros cidadãos, o desejo de mudança, resistência.

Por isso, afirmo, que o livro-reportagem é um discurso de resistência.

Primeiro porque o jornalista-escritor se revolta, se coloca contra a imposição da

imparcialidade como inerente ao bom/verdadeiro jornalismo. Depois, porque esse

jornalista ao se colocar como parte da sociedade e, então, como parte dos

acontecimentos aciona um fazer História. Ou seja, deixa de ser um sujeito apenas

reprodutor e passa a transformar.

Ao tomar os fatos e denunciá-los faz com que o livro-reportagem deixe de

ser apenas literatura, já que é livro, e jornalismo, já que é reportagem, pra ser,

também, História. O jornalista-escritor não é um historiador de ofício, mas um

participante dos acontecimentos e, ao discursivizá-los, cruza a prática jornalística

com a prática histórica. Aqui estou apenas ensaiando uma tese de que ao gênero

híbrido jornalismo-literatura descrito por Cosson (2002) seja acrescentado um

terceiro elemento: a história. Mas esses mecanismos discursivos do fazer História

no/através do livro-reportagem ainda precisam ser mais bem analisados.

Ainda sobre o ethos é preciso dizer que o jornalista-escritor, ao projetar as

imagens (formações imaginárias) de si e do outro no discurso, recorre à

antecipação (de quem é o sujeito-leitor e como ele reagirá às informações,

comentários e opiniões ) para estabelecer estratégias discursivas.

Assim, na tentativa de obter credibilidade, um dos mecanismos de que

lança mão é a heterogeneidade discursiva. Ou seja, a colocação em cena, além

do discurso do próprio jornalista-escritor, de discursos outros que pertencem à

mesma formação discursiva desse sujeito-jornalista e, também de discursos que

se situam fora dessa FD. Com isso, o autor cria um efeito de autenticidade,

mostra-se sério, confere ao seu discurso um efeito de verdade. É como se

dissesse ao leitor: "observe o que dizem os PMs, é praticamente uma acusação";

"atente ao que afirmam sobreviventes dos policiais, familiares das vítimas,

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médicos, legistas – Rota não prende, Rota Mata; Rota não atira para de defender,

Rota atira para matar; Rota fuzila, esses homens não são policiais, são matadores

fardados". Assim, ao mostrar que não diz sozinho, que não é o único indignado

com a situação, conquista o leitor para a sua causa. Ou seja, obtêm

respeito/credibilidade como jornalista.

Esses dois mecanismos discursivos são suficientes para especificar o

discurso do livro-reportagem? Com certeza, não. Os estudos e as análises

presentes nessa (des)dissertação são apenas o começo. Se existe um resultado,

é que, ainda, há muito o que se estudar sobre esse discurso jornalístico outro.

Aqui já apontei a relação com história. Mas não é só isso.

Os diálogos colocados em cena, por exemplo, em muitos momentos, são

situações de perguntas e respostas58. Assim, os questionamentos poderiam ser

analisados através de como essas perguntas são feitas e esse modo daria pistas

do posicionamento do jornalista-escritor. Para tornar mais claro cito as perguntas

do tipo confirmativo que inserem conteúdos ideológicos ao diálogo.

Analisar/caracterizar o livro-reportagem através da função-autor, proposta

por Foucault,também mostra-se bastante importante para caracterizar esse tipo de

discurso. Afinal, aqui, a autoria é um lugar de heterogeneidade onde se somam,

num único sujeito, as posições de jornalista, de escritor, de historiador do cotidiano

e, porque não, de cidadão.

Enfim, essa é somente uma parada para descansar e refletir – e, assim,

quem sabe, deslocar, problematizar, questionar, subverter, resistir. Parada para

organizar o pensamento onde fervilham outros roteiros por esse universo rico

onde se cruzam, convergem, livro-reportagem, Jornalismo, Análise do Discurso,

História. Afinal, estamos sempre de partida, sempre com o pé na estrada. A

viagem continua...

â ã ä å æ ç è é ê é è ë è ì í î å ï ð í ñ ò ê æ ó ô õ ö

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INTERLOCUTORES – Referências

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INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (Orgs.). Os múltiplos territórios da Análise do Discurso. Porto Alegre: Sagra-Luzzato, 1999 JAMESON, Fredric. Pós-modernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002 MALDIDIER, Denise. A inquietação do Discurso – (Re)Ler Michel Pêcheux hoje. Campinas: Pontes, 2003 LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas – o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Campinas: Editora da Unicamp, 1993 MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos Discursos. Curitiba: Criar, 2005 ______. Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998 MÜLLER, Mary Stela; CORNELSEN, Julce Mary. Normas e padrões para Teses, Dissertações e Monografias. 5.ed. Londrina: Eduel, 2003 ORLANDI, Eni. Discurso e Leitura. São Paulo/Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 2001 PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. 3.ed.Campinas: Pontes, 2002 ______; FUCHS, Catherine. A propósito da Análise Automática do Discurso: atualizações e perspectivas. In: GADET, Françoise; HAK; Tony (Orgs.). Por uma Análise Automática do Discurso – uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. p.163-252 ______. Análise de Discurso: três épocas. In: GADET, Françoise; HAK; Tony (Orgs.). Por uma Análise Automática do Discurso – uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2001a. p.311-318 ______. Papel da memória. In: ACHARD, pierre (et al.). Papel da Memória. Campinas: Pontes, 1999. p.49-57 ______. Sobre a (Des)-construção das Teorias Lingüísticas. Língua e Instrumentos Lingüísticos. Campinas: Pontes, n.2, p.7-32, jul-dez 1998 ______; WESSELIUS, J. A respeito do movimento estudantil e das lutas da classe operária: três organizações estudantis em 1968. In: ROBIN, Régine. História e Lingüística. São Paulo: Cultriz, 1977. p.265-282 ______. Ideologia e História das Ciências. In: ______; FICHANT, Michel. Sobre a História das Ciências. Lisboa: Editorial Estampa, 1971. p.17-57 POSSENTI, Sírio. Os limites do discurso – ensaios sobre discurso e sujeito. 2.ed. Curitiba: Criar, 2004

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SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. 13.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994 SARGENTINI, Vanice; NAVARRO-BARBOSA, Pedro (Orgs.). M. Foucault e os domínios da linguagem – Discurso, poder, subjetividade. São Paulo: Claraluz, 2004 SKINNER, Quentin. Razões e Retórica na Filosofia de Hobbes. São Paulo: Editora da Unesp, 1999 VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia II – ética e cultura. São Paulo: Loyola, 1993 ZOPPI-FONTANA, Mónica. Cidadãos Modernos – discurso e representação política. Campinas: Editora da Unicamp, 1997

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ANEXO

QUESTIONÁRIO JORNALISTAS 1) Quais são as características (qualidades) de um bom texto jornalístico? 2) Ao apurar uma notícia e redigir um texto, o que deve procurar o jornalista? 3) Que regras (éticas e textuais), essencialmente, devem ser cumpridas pelos jornalistas no exercício da profissão? 4) O que, na sua opinião, confere credibilidade a um tele-rádio-jornal? 5) Quais dessas características são mais importantes para o jornalismo? Enumere-as. Alguma (s) dela(s) não pode(m) ser considerada(s) inerente(s) ao jornalismo? Qual(is)? apartidarismo clareza concisão correção distanciamento engajamento exatidão ideologia

imparcialidade isenção objetividade opinião posicionamento precisão simplicidade subjetividade