149
Em pleno sertão da Bahia, junto ao rio Vaza-Barris, no vilarejo de Canudos, que crescera rapidamente dia e noite, em 1897, se concentravam os sertanejos aguerridos, afeitos às duras penas de viver junto a uma natureza agressiva... (Olímpio de Sousa Andrade, in Introdução a Canudos e Outros Temas.)

Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Guerra de Canudos. Sertão baiano, século XIX.

Citation preview

Page 1: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

������������ ���������������������������������������������������������������������������������������������� ���������������������������!���������"����#����������������������������������������!�����$$$%�&'�(�������)���*�����������+�����, ������������� ������-

Page 2: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A CAMPANHA DE CANUDOS

Page 3: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Mesa Di re to raBiê nio 2003/2004

Se na dor José SarneyPre si den te

Se na dor Pa u lo Paim1º Vice-Pre si den te

Se na dor Edu ar do Si que i ra Campos2º Vi ce-Presidente

Se na dor Ro meu Tuma1º Se cre tá rio

Se na dor Alber to Silva2º Se cre tá rio

Se na dor He rá cli to Fortes3º Se cre tá rio

Se na dor Sér gio Zam bi asi4º Se cre tá rio

Su plen tes de Se cre tá rio

Se na dor João Alber to Souza Se na dora Serys Slhes sa ren ko

Se na dor Ge ral do Mes qui ta Júnior Se na dor Mar ce lo Crivella

Con se lho Edi to ri al

Se na dor José SarneyPre si den te

Jo a quim Cam pe lo Mar quesVi ce-Presidente

Con se lhe i rosCar los Hen ri que Car dim Carl yle Cou ti nho Ma dru ga

João Almino Ra i mun do Pon tes Cu nha Neto

Page 4: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Edi ções do Se na do Fe de ral – Vol. 5

A CAMPANHA DE CANUDOS

Aris ti des A. Mil ton

Bra sí lia – 2003

Page 5: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

EDIÇÕES DO SENADO FEDERAL

Vol. 5O Con se lho Edi to ri al do Se na do Fe de ral, cri a do pela Mesa Di re to ra em 31 de ja ne i ro de 1997, bus ca rá edi tar, sem pre, obras de va lor his tó ri co

e cul tu ral e de im por tân cia re le van te para a com pre en são da his tó ria po lí ti ca, eco nô mi ca e so ci al do Bra sil e re fle xão so bre os des ti nos do país.

Pro je to Grá fi co: Achil les Mi lan Neto

Se na do Fe de ral, 2003Con gres so Na ci o nalPra ça dos Três Po de res s/nº – CEP 70168-970 – Bra sí lia – DFCEDIT@ce graf.se na do.gov.br http://www.se na do.gov.br/web/con se lho/con se lho.htm

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Mil ton, Aris ti des Au gus to.A Cam pa nha de Ca nu dos / Aris ti des A. Mil ton -- Bra sí lia :

Se na do Fe de ral, Con se lho Edi to ri al, 2003.

154 p. – (Edi ções do Se na do Federal ; v. 5)

1. Gu er ra de Ca nu dos (1897). 2. Bra sil, his tó ria. I. Tí tu lo. II. Sé rie.

CDD 981.0521

Page 6: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A CAMPANHA DE CANUDOS, DE ARISTIDES A. MILTON,RELATO DIRETO, OBJETIVO, DOCUMENTADÍSSIMO DOSACONTECIMENTOS OCORRIDOS NO ALTO SERTÃO DABAHIA NO FIM DO SÉCULO XIX – JUNTO COM O LIVROCANUDOS E OUTROS TEMAS, DE EUCLIDES DA CUNHA – MARCA A HOMENAGEM DO CONSELHO EDITORIAL DOSENADO FEDERAL AOS 100 ANOS DE PUBLICAÇÃO DE OS SERTÕES, OBRA-MESTRA DE EUCLIDES DA CUNHA

Page 7: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Aris ti des Mil ton

Nas ceu Aris ti des Au gus to Mil ton a 29 de maio de1848, na ci da de da Ca cho e i ra. Seus pri me i ros es tu dos fo ram na ter rana tal, sen do os se cun dá ri os no Gi ná sio Ba i a no, onde teve como com pa -nhe i ros a Cas tro Alves e Rui Bar bo sa. Se guin do, de po is, para Re ci fe, aí se for mou, pela Fa cul da de de Di re i to, em 1869. Em 1872, na Ba hia,tra ba lhou na im pren sa, como re da tor do Cor re io da Ba hia. Em suaci da de na tal, fun dou o Jor nal da Ca cho e i ra, onde pug nou pelo de sen -vol vi men to da ci da de. Foi, tam bém, juiz mu ni ci pal, em Len çóis e emMa ra cás, e de Di re i to, no Pi a uí.

Em 1881, as su miu a pre si dên cia de Ala go as e, mais tar de,foi che fe de po lí cia de Ser gi pe. Ingres san do na po lí ti ca, fi li ou-se ao Par ti doCon ser va dor, sen do ele i to de pu ta do pro vin ci al e, de 1886-1889, de pu ta doge ral.

Pro cla ma da a Re pú bli ca, foi ele i to de pu ta do à Cons ti tu in teFe de ral, sen do re e le i to na se gun da, ter ce i ra, quar ta e quin ta le gis la tu ras.A sua ação aí foi das mais pro fí cu as, es pe ci al men te na co mis são in cum -bi da do pro je to do Có di go Pe nal.

Tam bém es cri tor, apre ci an do os es tu dos his tó ri cos, di vul goutra ba lhos de va lor, como A Cam pa nha de Ca nu dos, A Re pú bli ca

Page 8: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

e a Fe de ra ção no Bra sil, A Cons ti tu i ção do Bra sil, e, ain da, Efe mé -ri des Ca cho e i ra nas, onde es tão en fe i xa dos, com um cri té rio e ho nes ti da -de inex ce dí ve is, os fa tos mais pal pi tan tes ocor ri dos na his tó ri ca ci da de.Por sua ter ra, a que ti nha pro fun do amor, tra ba lhou mu i to, fun dan do,ali, o Mon te Pio dos Artis tas Ca cho e i ra nos.

De po is de uma exis tên cia glo ri o sa, le gan do ao país um nomeima cu la do, fa le ceu Aris ti des Mil ton no Rio de Ja ne i ro, a 26 de ja ne i rode 1904.

ANTÔNIO LOUREIRO DE SOUSA

10 Aris ti des A. Milton

Page 9: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

I 1

QU AN DO O PAÍS, de po is de ver ju gu la da a re vol ta de

6 de se tem bro, se re pu ta va li vre do pe sa de lo, que por lon gos me ses oopri mi ra, e, res ta be le ci das afi nal a tran qüi li da de e a or dem, cria que aRe pú bli ca es ta va de fi ni ti va men te con so li da da, gra ves e ori gi na is acon te -ci men tos, ocor ri dos no Esta do da Ba hia, vi e ram so bres sal tar o es pí ri topú bli co, abrin do na his tó ria do Bra sil um novo sul co de lá gri mas e san gue.

A mes ma ten dên cia re vo lu ci o ná ria que, des de 1822 até 1848,trou xe ra pen den te da sor te das ar mas o fu tu ro do Impé rio, e, pre do mi -nan do ora aqui, ora aco lá, ce le bri za ra esse quar to de sé cu lo por uma agi -ta ção cons tan te, e lu tas fra tri ci das de pun gi ti va lem bran ça, ha via res sur -gi do na ple ni tu de de sua fu nes ta ener gia para per tur bar o re gi me, queem 1889 ti nha sido ina u gu ra do.

E se – den tre os pro ta go nis tas des ses mo vi men tos – des ta ca -vam-se ca rac te res que, ce den do a suas con vic ções po lí ti cas, eram es ti -mu la dos pelo de se jo de bem-ser vir à pá tria, ou tros obe de ci am sim ples -men te às su ges tões do amor-pró prio ofen di do, e ao im pul so de am bi çõescon tra ri a das.

1 Este tra ba lho foi es cri to por in cum bên cia do Insti tu to His tó ri co e Ge o grá fi coBra si le i ro, como se vê da ata de sua ses são ce le bra da em 17 de ou tu bro de 1897.

Page 10: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Como quer que fos se, às ins ti tu i ções re cen te men te ado ta dasim pu ta va-se in te i ra a res pon sa bi li da de do pru ri do de de po si ções, que aco -me te ra os Esta dos da União, bem como dos ex ces sos e vi o lên ci as, queem qua se to dos eles ao mes mo tem po se pra ti ca vam. Mas, a ver da de éque sob a mo nar quia tam bém se ti nham tes te mu nha do ce nas de de po si -ções e re bel dia, que em pa na ram-lhe o pres tí gio, com pro me te ram a pazpú bli ca e ge ra ram – não raro – o de sa len to e o ter ror.

A con se qüên cia, por tan to, a de du zir daí é que a ne nhum dosdous sis te mas de go ver no se pode com jus ti ça atri bu ir os er ros de quesão cul pa dos, uni ca men te, al guns es pí ri tos ir re qui e tos e cer tas cons ciên -ci as em pe der ni das, que apa re cem aliás em to dos os tem pos e si tu a ções.

Opor-se-ia, além dis to, à ra zão e à jus ti ça es ta be le cer con fron -to en tre uma épo ca qual quer que co me ça a es bo çar-se, atra vés das di fi -cul da des pró pri as de to das as ino va ções, e ou tra que se acha com ple ta -men te de se nha da, por já ter atin gi do a seu ter mo.

Em todo caso, for ço so é con fes sar que a cam pa nha de Ca nu -dos, a des pe i to de não re ve lar fe i ção par ti dá ria bem ca rac te ri za da, as si -na la con tu do um pe río do de gran des sur pre sas e re a is te mo res para a re -pú bli ca. E – o que mais é – ten do sido ex plo ra da por uma po li ti ca gemper ver sa, ser viu mu i tas ve zes de pre tex to para agres sões in jus tas ao Go -ver no, e afron tas in sen sa tas ao povo ba i a no.

Antes de tudo, en tre tan to, é pre ci so re co nhe cer que tão tris teluta ci vil po de ria ter ir rom pi do du ran te a mo nar quia, vis to como foraem 1864, ain da, que prin ci pi a ram a se acu mu lar os in fla má ve is, cuja ex -plo são pro du ziu o in cên dio vo raz de que foi te a tro o ser tão de mi nhater ra.

Não há ne gar – que, no iní cio da cam pa nha, pro pa lou-se in -sis ten te men te – que os ini mi gos da re pú bli ca re me ti am mu ni ções e ar -mas a Antô nio Con se lhe i ro, em bar can do-as na es tra da de fer ro Cen traldo Bra sil, com en de re ço à es ta ção das Sete La go as, don de se gui am paraseu des ti no. O Go ver no de Mi nas Ge ra is pro vi den ci ou no sen ti do deapu rar a exa ti dão des se fato, e a im pren sa deu no tí cia de que um des ta -ca men to de po lícia ha via ti ro te a do com os tro pe i ros in cum bi dos da que -le ser vi ço. E por toda par te en tão se es pa lhou que Ca nu dos era o re du to da mo nar quia e a guar da avan ça da da res ta u ra ção.

12 Aris ti des A. Milton

Page 11: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

É cer to, po rém, não se ter nun ca pro va do que os mo nar quis -tas es ti ves sem de in te li gên cia com os ha bi tan tes de Ca nu dos; pelo con -trá rio, se li qui dou que não pas sa va de ba le la o bo a to, que cir cu la ra, deha ve rem mu i tos den tre eles en vi a do so mas avul ta das ao Con se lhe i ro,em cujo acam pa men to al guns até de ve ri am se en con trar.

Não con tes to que os mo nar quis tas ane las sem a vi tó ria dos fa -ná ti cos, na es pe ran ça de ti rar dela pro ve i to as saz apre ciá vel; mas, na es -sên cia, a ques tão era ou tra.

Um ho mem alu ci na do pela dou tri na re li gi o sa, que ele pró prio cri a ra, al te ran do a seu ta lan te a or to do xia apren di da de seus pais, con se -guiu fa na ti zar uma po pu la ção nu me ro sa, pela qual era tido em con ta deapós to lo in subs ti tu í vel, e ver da de i ro ins pi ra do de Deus.

É exa to que ele ata cava a re pú bli ca, me nos po rém pela pre -ten são de res ta u rar a mo nar quia do que pela von ta de de ver ain da es ta -be le ci dos os ins ti tu tos, como – por exem plo – o do ca sa men to re li gi o so, que a Cons ti tu i ção de fe ve re i ro ha via subs ti tu í do, in cor ren do por istono de sa gra do dos tra di ci o na lis tas im pe ni ten tes.

O Con se lhe i ro hos ti li za va a re pú bli ca por ter esta de cre ta do a se pa ra ção do Esta do e da Igre ja, me di da re pe li da por quan tos não apro -fun da ram ja ma is os en si na men tos de Cris to, ou não têm for te e en ra i za -da a sua fé.

Ele se in sur gia con tra a re pú bli ca, por que esta ou sa ra en fren -tá-lo em Ma ce té, dan do as sim o si nal de que não re co nhe cia aque le es ta -do no es ta do, cons ti tu í do à som bra de uma to le rân cia im per doá vel, emme nos ca bo das au to ri da des e da lei.

Cum pre, po rém, re co nhe cer que era pre ci so ser um ho memfora do co mum para se im por à mul ti dão por meio da pa la vra e do ges -to, como Antô nio Con se lhe i ro o fa zia, a des pe i to de fal tar-lhe a elo -qüên cia dos ora do res de es col, e a ma jes ta de gran di o sa dos pro fe tas bí -bli cos.

Enver gan do uma tú ni ca de pano co mum e cor azul, com abar ba e os ca be los in ton sos, ar ri ma do a um no do so bas tão, mos tran donas fa ces a pa li dez dos as ce tas, e nos pés tra zen do as san dá li as de pe re -gri no, o fa ná ti co de Ca nu dos vi via ro de a do de cen te nas de ad mi ra do rese pro sé li tos.

A Cam pa nha de Ca nu dos 13

Page 12: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Assim das cer ca ni as des se lu gar, como de pon tos mais afas ta -dos, até onde che ga va a fama do san to, vi nham tro ços de ho mens e mu -lhe res, ve lhos e cri an ças, do en tes e sãos, com o fim de ou vir e con sul tarao Bom Je sus, nome por que era tra ta do o Con se lhe i ro, o qual não pas sa -va de um lou co, de um so nha dor das cou sas do Céu. Qu a se to dos, car -re ga dos de ima gens, acur va dos de ba i xo dos an do res, can tan do – pe lases tra das – la da i nhas e sal mos; cada um que ren do ha u rir no ver bo de tãosin gu lar per so na gem a es pe ran ça e o con so lo, como be ber-lhe nosexem plos a li ção da pre ce e da te na ci da de.

“Algu ma cou sa, mais do que a sim ples lou cu ra de um ho mem, era ne ces sá ria para este re sul ta do, e essa al gu ma cou sa é a psi co lo gia daépo ca e do meio, em que a lou cu ra de Antô nio Con se lhe i ro achou com -bus tí vel para ate ar o in cên dio de uma ver da de i ra epi de mia ve sâ ni ca.”2

Ao nas cen te ar ra i al, por tan to, vi nham ter qua se to dos os diasgran des ca ra va nas, com pos tas de pes so as cré du las e sim ples, pro ce den -tes de Mun do Novo, Entre-Rios, Inham bu pe, Tu ca no, Cum be e ou trospon tos, as qua is se cons ti tu íam logo após dis cí pu los e de fen so res danova se i ta.

Mu i tas den tre elas ti nham de i xa do, sem o mí ni mo pe sar, o sí -tio em que ha bi ta vam des de a in fân cia; aban do nan do, sem sa u da des, olar e a fa mí lia; e to das as pi ra vam à fe li ci da de de per ten cer às fa lan ges do fa ná ti co, por ele edu ca das a prin cí pio na es co la do mis ti cis mo e da reza,con ver ti das de po is em cen tro de re a ção e aven tu ras.

Re a li za va-se, des tar te, uma das leis que re gem a psi co lo gia das mul ti dões; fa zia-se sen tir, as sim, a in fluên cia in dis cu tí vel da imi ta ção.

Os de sor de i ros, que ti nham com ba ti do alhu res às or dens dofa mi ge ra do Vol ta Gran de, bem como os que ha vi am fu gi do das La vrasDi a man ti nas, acos sa dos por au to ri da des cum pri do ras do seu de ver, for -ma ram afi nal o gros so das for ças do Con se lhe i ro.

Eram to dos eles, mais ou me nos, do tipo de João Aba de, Ma -cam bi ra e Pa jeú; de uma va len tia as som bro sa; afe i tos à vida dos ser tõesagres tes; ha bi tu a dos a en ca rar a mor te com afo i te za e des dém. Como écor ren te, o ser ta ne jo pos sui uma or ga ni za ção ro bus ta, e uma ca pa ci da de

14 Aris ti des A. Milton

2 Dr. Nina Ro dri gues – Re vis ta Bra si le i ra, 3º ano, tomo XI.

Page 13: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

de re sis tên cia, que pas mam; dis tin gue-se por uma ener gia fran ca men tein dô mi ta.

Ver da de i ra raça de he róis, dig nos de ou tros ide a is, me re ce do -res de mais no bre e ale van ta do des ti no!

Atra í dos, no en tan to, por in for ma ções exa ge ra das, e con vi tesins tan tes que re ce bi am, pa ren tes e ami gos dos que es ta vam já ins ta la dosem Ca nu dos, iam se re u nin do a es tes, com en tu si as mo e fer vor. Con tri -bu ía tam bém para au men tar a po pu la ção do ar ra i al a gran de leva de cri -mi no sos, que se lhe vi nham in cor po rar, per su a di dos de que por essemodo evi ta vam a pu ni ção de seus de li tos, por nada po de rem con tra oCon se lhe i ro a po lí cia e a jus ti ça do país. O po vo a do cres cia a olhos vis -tos, e se trans for ma ra numa ci da de, con tan do para cima de 5.000 pré di os.

Mas, o in tu i to, que le va va a Ca nu dos a ma i or par te des sa gen -te, fora o de apren der a pra ti car as cou sas san tas; o prin ci pal mó vel quea ins pi ra va era, com cer te za, a con quis ta da sal va ção eter na. O Con se -lhe i ro a to dos aco lhia bon do sa men te, e lhes ace i ta va os do na ti vos e pre -sen tes, dan do às ve zes por es cam bo sor tes de ter ra, que de ve ri am ser cul -ti va das em be ne fí cio co mum. Do mi na va ele e su pe rin ten dia tudo, des deo san tuá rio até à úl ti ma das chou pa nas, e era ser vi do sem pre com obe -diên cia e pres te za.

Des se con cer to de tan tas von ta des, en tre gues e sub me ti das àin fluên cia e di re ção de uma só, de cor re ram sur pre en den tes efe i tos, cujaim por tân cia bem se pôde – den tro em pou co – aqui la tar, e que te ri ampas ma do o mun do in te i ro se hou ves se por aca so ocor ri do em ou tropaís.

Pre ven do even tu a li da des, que a re bel dia de sua ati tu de po si ti -va men te pro vo ca va, os ha bi tan tes de Ca nu dos tra ta ram de se ga ran tircon tra qual quer mo vi men to, que vi sas se per se gui-los ou de sa lo já-los. Edaí pro ce deu que eles edi fi ca ram suas ca sas, aten den do a um pla no dede fe sa, mais ou me nos es tra té gi co; e se pre mu ni ram de mu ni ções e ar -mas, que nos mo men tos opor tu nos tor na ri am mais efi ca zes a sua ab ne -ga ção e va len tia.

E foi des se modo que se for mou aque la nova Ven déia, com -pa rá vel à da Fran ça pe los aci den tes to po grá fi cos, que am bas ofe re ci am,na tu re za es pe ci al do solo, de vo ta men to cego a uma su pers ti ção e a um

A Cam pa nha de Ca nu dos 15

Page 14: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

erro, pre tex to re li gi o so tam bém como jus ti fi ca ti va de uma con du ta an ti -pa trió ti ca, in sen sa ta e cri mi no sa afi nal.

Para ser mais per fe i ta a se me lhan ça, que as sim fica in di ca da, o ja gun ço3 ba i a no usa va de pro ces so igual ao dos in sur re tos da gle ba fran -ce sa. Ele ca ça va os sol da dos re pu bli ca nos de den tro dos ma ta ga is ondecos tu mava se ocul tar, como os ou tros ti nham ata ca do o Exér ci to na ci o -nal, a fu zil, “de cima das es car pas, atra vés das se bes tra i ço e i ras; tendo-oqua se pri si o ne i ro em ver da de i ros ca la bou ços de pe dra: de um lado e ou -tro a li nha vi o len ta e es ca bro sa dos des pe nha de i ros, além o ca tin gal es -pes so, im pe ne trá vel, pre nhe dos mis té ri os hor rí ve is da em bos ca da e damor te”.

Urgia, con tu do, fa zer tal gen te en trar na or dem eco nô mi ca eju rí di ca; tor na va-se im pres cin dí vel que ces sas se de uma vez essa ame a çacons tan te à paz pú bli ca.

Quem era, no en tan to, esse ho mem que aos 60 anos de ida decon gre ga va em tor no de sua in di vi du a li da de tão gran des ele men tos deação e re a ção? Don de ti nha vin do? De que me i os usa va para se fa zeramar e ser vir? O que pre ten dia, in sur gin do-se con tra os po de res po lí ti -cos da na ção? Como con se gui ra ser o he rói des sa epo péia, cu jas es tro fes o fra gor das tem pes ta des há de re pe tir por mu i tos anos, pe ne tran do atéàs frin chas das ser ras que al can ti lam o nor te da Ba hia?

Antô nio Vi cen te Men des Ma ci el, co nhe ci do de po is por Antô nio Con se lhe i ro, nas ce ra em Qu i xe ra mo bim, da an ti ga pro vín cia do Ce a rá.Des cen dia de uma fa mí lia, cu jos mem bros – na ma i or par te – so fri amde ali e na ção men tal. Seu pai – Vi cen te Men des Ma ci el – fora um doscé le bres Ma ciéis, cuja co ra gem tor na ra len dá rio esse nome de cli na do na his tó riacri mi nal da que le Esta do; era ne go ci an te, ho mem bo ni to, a tez li ge i ra men te mo re na,vi go ro so e in te li gen te, mas re tra í do, ta ci tur no, mau, e pe ri go sa men te des con fi a do, bemque mu i to cor tês, ob se qui a dor e hon ra do. Ti nha mo men tos ter rí ve is de có le ra, prin ci -pal men te se to ca va em ál co ol. Era de uma va len tia in dô mi ta, e meio sur do.4 A mãede Antô nio Con se lhe i ro cha ma va-se Ma ria Ma ci el, mas era ge ral men teco nhe ci da pelo ape li do de Ma ria Cha na.

16 Aris ti des A. Milton

3 Ja gun ço é o in di ví duo que vive ha bi tu al men te en vol vi do em de sor dem, por con tapró pria ou alhe ia.

4 João Brí gi do, Pu bli ca ções di ver sas, págs. 108 a 109.

Page 15: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

De po is de ter de i xa do a es co la pri má ria, Antô nio Vi cen te,que era de ín do le dó cil, in te li gen te e aves so aos pra ze res, ha via ini ci a doo es tu do da lín gua la ti na, e du vi do so não é que lo gras se apro ve i tar doen si no de seus pro fes so res, por quan to dis pu nha de cer ta cul tu ra que demu i to lhe va leu no de sem penho do pa pel que es co lhe ra para al can çarno me a da.

Um mé di co ilus tra do es cre via, em 1897:“Antô nio Con se lhe i ro é se gu ra men te um sim ples lou co. Mas,

essa lou cu ra é da que las, em que a fa ta li da de in cons ci en te da mo lés tia re -gis tra com pre ci são ins tru men tal o re fle xo, se não de uma épo ca, pelome nos do meio em que elas se ge ra ram.” E acres cen ta va: “a cris ta li za -ção do de lí rio de Antô nio Con se lhe i ro, no ter ce i ro pe río do de psi co sepro gres si va, re fle te as con di ções so ci o ló gi cas do meio em que se or ga ni -zou”.5

Antô nio Ma ci el, po rém, se ca sa ra em tem po com uma pa ren ta,fi lha de Fran cis ca Ma ci el, irmã de seu pai. Não foi, to da via, fe liz em seular. De sa vin do-se com a so gra, li qui dou sua casa co mer ci al, e trans fe -riu-se em 1859 para So bral, onde ser viu de ca i xe i ro e, de po is, de es cri vãode paz. Daí, se pas sou para Ipu, sua mu lher foi rap ta da pelo sar gen toJoão de Melo, co man dan te do des ta ca men to de li nha, o qual en tre tan tode i xou-a mor rer es mo lan do em So bral.

Antô nio Ma ci el, não que ren do ser tes te mu nha de sua pró -pria ver go nha, se re ti rou com des ti no à ci da de de Cra to. Mas, pas san dopelo lu gar de no mi na do Paus Bran cos, de mo rou-se em casa de seucu nha do, Lou ren ço Cor re ia Lima, a quem – du ran te um aces so de lou -cu ra – le ve men te fe riu. Do Cra to par tiu para a pro vín cia, hoje Es ta do,da Ba hia, onde en trou pela pri me i ra vez em 1874.

Fi ze ra toda a vi a gem por ter ra. A pou co e pou co, foi o Con se lhe i ro exe cu tan do o pla no

que ti nha tra ça do, e gra ças à sua ha bi li da de e boa for tu na, che ga ra a cap -tar sim pa ti as e ad mi ra ção qua se ge ra is, em uma lar ga fa i xa da zona ser ta -ne ja. É que ele ob ser va va um re gi me só brio, se não for ti fi can te, o quesem pre ma ra vi lha, por ser ex ce ção. Só co mia ce re a is, re pou sa va não raro

A Cam pa nha de Ca nu dos 17

5 Re vis ta Bra si le i ra, tomo XI, “Estu do” pelo Dr. Nina Ro dri gues.

Page 16: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

so bre o chão, não re ce bia de es mo la se não a quan tia de que res tri ta men tepre ci sas se.

Pa dres hou ve, que lhe ce de ram o púl pi to de suas igre jas, paraque daí dou tri nas se ele as mul ti dões ig na ras: fato aliás con de na do poruma pas to ral do ar ce bis po me tro po li ta no.

E, de 1874 até 1876, Antô nio Con se lhe i ro as sim vi veu.Nes se úl ti mo ano, po rém, o de le ga do do ter mo de Ita pi cu ru

re qui si tou do che fe de po lí cia da pro vín cia a for ça ne ces sá ria para con terAntô nio Con se lhe i ro e seus se qua zes, que es ta vam co me ten do ex ces sosde toda na tu re za, ten do mes mo al guns den tre eles in sul ta do a pri me i raau to ri da de da co mar ca.

Sa tis fe i ta a re qui si ção alu di da, foi efe tu a da a di li gên cia, con -for me se verá do ofí cio, que pas so a co pi ar:

“De le ga cia da vila de Ita pi cu ru, 28 de ju nho de 1876 – Ilmo. Sr. –Ao Sr. Alfe res Di o go Antô nio Ba hia, co man dan te da for ça que V. S.re me teu a esta vila por mi nha re qui si ção, não só para man ter a or dem e ores pe i to de vi dos à au to ri da de, como para con du zir o pre so Antô nioVi cen te Men des Ma ci el, en tre guei não só o mes mo pre so, como ain da o ou tro, de nome Pa u lo José da Rosa, que se acha vam aqui de ti dos poror dem de V. S. para se rem re me ti dos à se cre ta ria, se gun do me or de nouem ofí cio de 15 de abril úl ti mo.

“Em pre sen ça da for ça, de sis ti ram os fa ná ti cos do pla no en tre eles com bi na do da des mo ra li za ção à au to ri da de, pois só essa pro vi dên -cia os fa ria con ter des se pro pó si to; sen do cer to que ago ra pro pa lam –que fa rão na vol ta do seu santo Antô nio, como cha mam o pri me i ro dospre sos; o que con tam por cer to.

“À vis ta des se mau pla no que, em face das cir cuns tân ci as,exe cu ta rão, peço a V. S. para dar pro vi dên ci as, a fim de que não vol te odito fa na ti za dor do povo ig no ran te; e cre io que V. S. as sim o fará, por -que não de i xa rá de sa ber da no tí cia, que há me ses apa re ceu, de ser elecri mi no so de mor te na pro vín cia do Ce a rá.

“Tam bém apro ve i to a oca sião para re me ter a V. S. pelo mes -mo al fe res os in di ví du os de no mes José Ma nu el e Estê vão; o pri me i rore cru tei para o exér ci to, vis to não apre sen tar isen ção al gu ma, não ter pai e mãe, e não ter em pre go ne nhum co nhe ci do, se não o de lará pio; pois

18 Aris ti des A. Milton

Page 17: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

há pou cos dias fur tou a uma po bre vi ú va 60$, que ela re ser va va de suaseco no mi as para suas pre ci sões, e os deu qua se todo a mu lhe res per di das. E se gun do, por de nún cia que tive de ser ca ti vo de uma vi ú va, re si den teno Por to da Fo lha, na pro vín cia de Ser gi pe, e an dar aqui cons tan te men -te em bri a ga do, e in sul tan do as au to ri da des, como há pou co aca ba depra ti car com o Dr. Juiz de di re i to des ta co mar ca.

“Esses in di ví du os são fa na ti za dos, e par ti dá ri os do pre so Antô nioVi cen te Men des Ma ci el.

“Deus guar de a V. S. Ilmo. Sr. Dr. João Ber nar des de Ma ga -lhães, m.d. che fe de po lí cia des ta pro vín cia. – O de le ga do em exer cí cio,Fran cis co Pe re i ra da Assun ção.”

Com o fim de ave ri guar a pro ce dên cia da im pu ta ção que sefa zia ao Con se lhe i ro, en vi ou-o logo de po is o che fe de po lí cia da Ba hiaao seu co le ga do Ce a rá, como cons ta do ofí cio a se guir:

“Se cre ta ria da po lí cia da pro vín cia da Ba hia, em 5 de ju nho de 1876 –2ª sec ção – Nº 2.182 – Ao dr. Che fe de po lí cia do Ce a rá.

“Faço apre sen tar a V. S. o in di ví duo, que se diz cha mar Antô -nio Vi cen te Men des Ma ci el, co nhe ci do por Antô nio Con se lhe i ro, que sus -pe i to ser al gum dos cri mi no sos des sa pro vín cia, que an dam fo ra gi dos.

“Esse in di ví duo apa re ceu ul ti ma men te no lu gar de no mi na doMis são da Sa ú de, em Ita pi curu, e aí, en tre gen te ig no ran te, dis se-se en vi -a do de Cris to, e co me çou a pre gar, le van do a su pers ti ção de tal gen te ao pon to de um fa na tis mo pe ri go so.

“Em suas pré di cas plan ta ra o des res pe i to ao vi gá rio da que lafre gue sia e, cer ca do de uma mul ti dão de adep tos, co me ça ra a de sas sos se gar a tran qüi li da de da po pu la ção.

“Em vir tu de da re cla ma ção, que re ce bi do exm. Sr. Vi gá rioca pi tu lar, con tra o abu si vo pro ce di men to des se in di ví duo, que ia, alémde tudo, em bol san do os di nhe i ros com que, cré du los, iam lhe en chen doas al gi be i ras os seus fiéis, man dei-o bus car à ca pi tal, onde obs ti na da -men te não quis res pon der ao in ter ro ga tó rio que lhe foi fe i to, como veráV. S. do auto jun to. Era uma me di da de or dem pú bli ca de que não de viaeu pres cin dir.

“Entre tan to, se porven tu ra não for ele aí cri mi no so peço emtodo o caso a V. S. que não per ca de so bre ele as suas vis tas, para que

A Cam pa nha de Ca nu dos 19

Page 18: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

não vol te a esta pro vín cia, ao lu gar re fe ri do, para onde a sua vol ta tra rácer ta men te re sul ta dos de sa gra dá ve is, pela exal ta ção em que fi ca ram oses pí ri tos dos fa ná ti cos com a pri são do seu ído lo. – J. B. de Ma ga lhães.”

O che fe de po lí cia do Ce a rá, de cor ri dos que fo ram al gunsme ses, gas tos em pes qui sas, res pon deu – “que não po de rá con ser varpre so o Con se lhe i ro, por não se achar este ali pro ces sa do, nem ter co -me ti do cri me al gum”.

Mas, an tes de ser co nhe ci do esse fato, a ima gi na ção po pu larse ex pan diu, com pon do os mais cu ri o sos e sen sa ci o na is ro man ces.

Assim é que nuns con ta va-se – que Antô nio Con se lhe i ro, in -vo lun ta ri a men te em bo ra, ma ta ra a pró pria mãe, no mo men to em queesta, dis far ça da de tra jes mas cu li nos, ba tia – por alta no i te – à ja ne la daal co va da nora, pro cu ran do com se me lhan te ar dil de mons trar ao fi lho –que a es po sa lhe era in fi el.

Em ou tros ro man ces, re la ta-se – que o fa ná ti co ce a ren se as -sas si na ra a con sor te, im pe li do por sus pe i tas, que os acon te ci men tos dene nhum modo jus ti fi ca ram.

De ma ne i ra que a vida ori gi nal do Con se lhe i ro era to ma dapor mu i ta gen te à con ta de ex pi a ção e pe ni tên cia.

Cer to é que, uma vez res ti tu í do à li ber da de, Antô nio Ma ci elvol tou para o an ti go te a tro de suas fa ça nhas, a con ti nu ar na mes ma vidade agi ta ção e pré di ca. Per cor reu ele en tão vá ri as lo ca li da des da Ba hia,de mo ran do-se mais tem po em Mon te San to, Cum be, Bom-Con se lho eMaç a ca rá. Por toda par te, en tre tan to, con quis ta va a no me a da es pe ci al de be a to, pois con su mia qua se todo o seu tem po na edi fi ca ção de igre jas ece mi té ri os. Além dis to, con se gui ra le van tar – na co mar ca de Ita pi curu –um novo po vo a do a que pusera o nome de Bom Je sus.

Foi por oca sião de achar-se o Con se lhe i ro aí, que o de le ga dode po lí cia res pec ti vo di ri giu ao che fe de po lí cia da Ba hia este cu ri o soofí cio:

“Vila de Ita pi cu ru, 10 de no vem bro de 1876 – De le ga cia de po lí cia.“Ilmo. sr. – É de meu de ver le var ao co nhe ci men to de V. S.

que, no ar ra i al do Bom Je sus, exis te uma sú cia de fa na ti za dos e mal va -dos que põem em pe ri go a tran qüi li da de pú bli ca. Há 12 anos, pou comais ou me nos, com pe que nas in ter rup ções, fez sua re si dên cia nes te

20 Aris ti des A. Milton

Page 19: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ter mo Antô nio Vi cen te Men des Ma ci el, vul go Antô nio Con se lhe i ro, que,por suas pré di cas, tem abu sa do da cre du li da de dos ig no ran tes, ar ras tan -do-os ao fa na tis mo.

“Ha ven do sus pe i tas de que ele fos se cri mi no so no Ce a rá, pro -vín cia de seu nas ci men to, foi no ano de 1876 pre so por or dem do dr.Che fe de po lí cia da que la épo ca e para ali re me ti do. Re gres san do pou code po is, fez nes te ter mo seu acam pa men to, e pre sen te men te está no re -fe ri do ar ra i al cons tru in do uma ca pe la a ex pen sas do povo. Con quan toesta obra seja de al gum me lho ra men to, aliás dis pen sá vel para o lu gar, to -da via os ex ces sos e sa cri fí ci os não com pen sam este bem, e, pelo modopor que es tão os âni mos, é mais que jus to e fun da do o re ce io de gran des des gra ças.

“Para que V. S. sa i ba quem é Antô nio Con se lhe i ro, bas ta di zer que é acom pa nha do por cen te nas e cen te nas de pes so as, que ou vem-noe cum prem suas or dens de pre fe rên cia às do vi gá rio des ta pa ró quia. Ofa na tis mo não tem mais li mi tes, e as sim é que, sem medo de erro e fir -ma do em fa tos, pos so afir mar que ado ram-no como se fos se um deusvivo. Nos dias de ser mões e ter ço, o ajun ta men to sobe a mil pes so as. Na cons tru ção des sa ca pe la, cuja fé ria se ma nal é de qua se cem mil-réis, dé -cu plo do que de via ser pago, es tão em pre ga dos ce a ren ses, aos qua isAntô nio Con se lhe i ro pres ta a mais cega pro te ção, to le ran do e dis si mu -lan do os aten ta dos que co me tem, e esse di nhe i ro sai dos cré du los e ig -no ran tes, que, além de não tra ba lha rem, ven dem o pou co que pos su eme até fur tam para que não haja a me nor fal ta, sem fa lar nas quan ti as ar -re ca da das que têm sido re me ti das para ou tras obras do Cho roxó, ter mode Ca pim Gros so. É in cal cu lá vel o pre ju í zo que a esta ter ra tem ca u sa do Antô nio Con se lhe i ro. Entre os ope rá ri os fi gu ra o ce a ren se Fe i to sa,como che fe, que com os de ma is fa na ti za dos fi ze ram do re fe ri do ar ra i aluma pra ça de ar mas, in ti man do a ci da dãos, como o ne go ci a dor Mi guelde Agui ar Ma tos, para mu da rem-se do lu gar com sua fa mí lia, em 24 ho -ras, sob pena de mor te. Ha ven do de sin te li gên cia en tre o gru po de Antô -nio Con se lhe i ro e o vi gá rio de Inham bu pe, está aque le mu ni ci a do comose ti ves se de fe rir uma ba ta lha cam pal, e cons ta que es tão à es pe ra que o vi gá rio vá ao lu gar de no mi na do Jun co para as sas si ná-lo. Faz medo aostran se un tes pas sa rem por ali, ven do aque les mal va dos mu ni dos de ca ce -

A Cam pa nha de Ca nu dos 21

Page 20: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

tes, fa cas, fa cões, cla vi no tes, e ai da que le que for sus pe i to de ser in fen soa Antô nio Con se lhe i ro!

“Ne nhum dos vi gá ri os das fre gue si as li mí tro fes tem con sen ti -do nos lu ga res de sua ju ris di ção esta hor da de fa ná ti cos, só o da qui atem to le ra do, e ago ra é tar dio o ar re pen di men to, por que sua pa la vra não será ou vi da. Há pou co, man dan do cha má-lo para pôr a ter mo a este es -ta do de cou sas, a res pos ta que lhe man dou Antô nio Con se lhe i ro, foi –que não ti nha ne gó ci os com ele; e não veio. Con sta que os vi gá ri os dasfre gue si as têm lido a pas to ral do exm. sr. Arce bis po, pro i bin do os ser -mões e mais atos re li gi o sos de Antô nio Con se lhe i ro, e exor tan do opovo para o ver da de i ro ca mi nho da re li gião: nes ta ain da não foi lida,sem dú vi da pelo re ce io que tem o vi gá rio de se re vol ta rem con tra ele osfa na ti za dos.

“O ci da dão Mi guel de Agui ar Ma tos, com ou tros, tem vin dope dir pro vi dên ci as, as qua is te nho de i xa do de dar por não con tar comfor ça su fi ci en te para em pre en der esta di li gên cia, que, se for ma lo gra da,pi o res se rão ain da os re sul ta dos.

“Cum pre di zer que Antô nio Con se lhe i ro, que ves te uma ca -mi so la de pano azul, com bar bas e ca be los lon gos, é mal cri a do, ca pri -cho so e so ber bo.

“Não con vin do esta ame a ça cons tan te ao bem pú bli co, e an -tes cum prin do pre ve nir aten ta dos e des gra ças, so li ci to de V. S. um des ta -ca men to de li nha para dis per sar o gru po de fa ná ti cos. Re no vo a V. S. osmeus pro tes tos da mais su bi da es ti ma, con si de ra ção e res pe i to. Deusguar de a V. S. – Ilmo. Sr. Dr. Do min gos Ro dri gues Gu i ma rães, m. d.che fe de po lí cia des ta pro vín cia. – Luís Gon za ga de Ma ce do.”

Embo ra ne nhum fato po si ti vo hou ves se ain da de nun ci a do,por par te do Con se lhe i ro, in ten tos ver da de i ra men te cri mi no sos, bemcer to é – que os fa zen de i ros e pro pri e tá ri os, re si den tes na zona por elefre qüen ta da, mos tra vam-se re ce o sos e alar ma dos. Nem era, cer ta men te,para tran qüi li zar a gran de co mi ti va de Antô nio Con se lhe i ro, for ma daex clu si va men te de pes so as fa na ti za das, en tre as qua is ele do mi na vacomo mes tre in fa lí vel, e se nhor ab so lu to.

“Em pe re gri na ções re li gi o sas e ati tu de pa cí fi ca, em co me ço,es ses gru pos, cres cen do dia a dia pelo con tá gio do fa na tis mo, en tre ga -vam-se por úl ti mo à prá ti ca de cri mes, per tur ba vam a or dem pú bli ca,

22 Aris ti des A. Milton

Page 21: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

im pe di am à mão ar ma da a co bran ça de im pos tos, in va di am e sa que a vam vá ri as fa zen das, e ame a ça vam po vo a ções.”6

Re al men te, não tar dou mu i to – que os sec tá ri os do su pos toprof e ta, aban do nan do a sua pri mi ti va po si ção de sim ples ado ra do res doBom Je sus, como ao Con se lhe i ro de no mi na vam, se con ver tes sem to dosnuma le gião de ja gun ços, que fo ram pra ti can do por aque les ar re do resvá ri os atos in frin gen tes da lei.

Daí pro ce deu que, em 1893, foi man da da ao en con tro deAntô nio Con se lhe i ro, uma for ça de 35 pra ças de po lí cia, co man da daspelo te nen te Vir gí lio de Alme i da. Mas essa di li gên cia, bem como ou trade mes ma na tu re za que se lhe se guiu, e fi nal men te uma ter ce i ra cons -tan te de 80 pra ças de li nha, pro du zi ram – to das – re sul ta do ne ga ti vo.7

Cor ria o ano de 1893, quan do Antô nio Con se lhe i ro, após umen con tro, em Ma ceté, com cer to des ta ca men to po li ci al do que se ori gi -na ram mor tes de par te à par te, pa rou de fi ni ti va men te em Ca nu dos, en -tão sim ples fa zen da de gado, ten do ape nas a casa do va que i ro, se bemque ser vi da por di ver sas es tra das, por onde po di am trans por tar-se re cur -sos de todo gê ne ro, e si tu a da à mar gem do Vaza-Bar ris, na co mar ca deMon te Santo.

É de crer – que o Con se lhe i ro mu i to de in dús tria pre fe ris seesse lu gar, por quan to ao pri me i ro re lan ce se im pu nha como um pon tona tu ral e van ta jo sa men te es tra té gi co.

O ban do fa na ti za do, con tu do, se bem que já in cu tis se cer tote mor, ocu pou-se em Ca nu dos da edi fi ca ção de uma pe que na ca pe lapara cu jas obras o seu che fe pe dia – sem ces sar – o con cur so do povo;as se gu ran do – que quan tos o co ad ju vas sem no seu em pe nho, com es -for ço pes so al ou com di nhe i ro, se ri am per do a dos dos seus pe ca dos porDeus, de quem ele se in cul ca va emis sá rio es pe ci al e re pre sen tan te naTer ra.

Como, em todo o caso, não ti ves sem ces sa do os re ce i os deaten ta dos, que de uma hora para ou tra aque la gen te aglo me ra da e des te -mi da po de ria pra ti car, e, do mais, ti ves sem fra cas sa do as di li gên ci as or -

A Cam pa nha de Ca nu dos 23

6 Re la tó rio do che fe de po lí cia da Ba hia, em 1898, pág. 4.7 Ain da em 1897, um gru po de ja gun ços do Con se lhe i ro pren de ra, em Cho ro xó, Ho rá -

cio Pa che co de Me ne ses, juiz de paz; e, de po is de o ter fe i to an dar 60 qui lô me -tros, o pôs em li ber da de me di an te 6:200$, por quan to o res ga tou.

Page 22: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ga ni za das para cha má-la ao de ver, o Dr. Jo a quim Ma nuel Ro dri guesLima, que era a esse tem po go ver na dor da Ba hia, co gi tou nou tro meioque se lhe afi gu ra va mais efi caz e ade qua do ao fim que se vi sa va en tão.

E com esse no bi lís si mo pro pó si to se en ten deu com o pre la do da ar qui di o ce se, fi can do en tre os dois as sen ta da a ida do ca pu chi nho fr.João Evan ge lis ta de Mon te Mar ci a no, a quem foi co me ti da a mis são defa zer o Con se lhe i ro tor nar com sua gen te para o grê mio da Igre ja, eobe diên cia às leis e au to ri da des do país.

Des de o dia 13 até 21 de maio de 1895, o dig no re li gi o so per -ma ne ceu no ar ra i al de Ca nu dos.

Mas, in fe liz men te, não lo grou ele re a li zar seus in tu i tos, e todo o tra ba lho, que en tão des pen de ra, se es te ri li zou di an te da te i mo sia e daig no rân cia que os fa ná ti cos os ten ta vam.

Mu i to me lhor, po rém, do que eu po de ria fazê-lo, o pró prio fr. João vai nar rar o ocor ri do, como se verá do seu re la tó rio, que eu tomo a li ber da de de re gis trar aqui:

“Exm. e Rev mo. Sr. – Não ig no ra V. Ex. Rev ma. que o Exm. eRev mo. Sr. Arce bis po, nas vés pe ras de sua vi a gem para a vi si ta ad li mi naapos to lo rum, con fi ou-me a ár dua mis são de ir ao po vo a do de Ca nu dos,fre gue sia do Cum be, onde se es ta be le ceu o in di ví duo co nhe ci do vul gar -men te por Antô nio Con se lhe i ro, a fim de pro cu rar pela pre ga ção daver da de evan gé li ca, e ape lan do para os sen ti men tos da fé ca tó li ca, queesse in di ví duo diz pro fes sar, cha má-lo e aos seus in fe li zes as se clas aosde ve res de ca tó li cos e de ci da dãos, que de todo es que ce ram, e vi o lamha bi tu al men te com as prá ti cas as mais ex tra va gan tes e con de ná ve is,ofen den do a re li gião e per tur ban do a or dem pú bli ca. Com pre en den dobem as gra ves di fi cul da des da ta re fa, ace i tei-a como fi lho da obe diên cia,e con fi a do só na mi se ri cór dia e no po der in fi ni to d’Aquele que, para fa zer o bem, ser ve-se dos mais fra cos e hu mil des ins tru men tos, e não ces sa deque rer que os mais in ve te ra dos pe ca do res se con ver tam e se sal vem.

“Mu ni do, en tão, de fa cul da des e po de res es pe ci a is, se guiacom pa nha do de um ou tro re li gi o so – fr. Ca e ta no de S. Léu; e, hoje, de -sem pe nhada como nos foi pos sí vel a in cum bên cia re ce bi da, ve nho re la -tar mi nu ci o sa men te a v. ex. rev ma. o que ob ser va mos, e qual o re sul ta do dos nos sos es for ços, em par te frus tra dos, para que te nha V. Ex. Rev ma.

24 Aris ti des A. Milton

Page 23: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ciên cia de tudo, e pro vi den cie como for con ve ni en te, na qua li da de dego ver na dor do ar ce bis pa do.

“Prin ci pi a rei por di zer – que par tin do a 26 de abril, só a 13 de maio con se gui mos en trar no po vo a do de Ca nu dos, ape sar do nos so em -pe nho em trans por tar-nos o mais de pres sa pos sí vel. As di fi cul da des emob ter con du ção e se en con trar aga sa lho nas es tra das, e gui as co nhe ce do -res do ca mi nho, re tar da ram a vi a gem, for çan do-nos uma de mo ra demu i tos dias no Cum be, que ain da fica a 18 lé guas de Ca nu dos.

“Ain da tão dis tan tes, já de pa rá va mos os pre nún ci os da in su -bor di na ção e da anar quia de que ía mos ser tes te mu nhas, e que se fa zemsen tir por mu i tas lé guas em der re dor do re fe ri do po vo a do.

“Três lé guas an tes de che gar ao Cum be, avis ta mos um nu me -ro so gru po de ho mens, mu lhe res e me ni nos, qua se nus, aglo me ra dos em tor no de fo gue i ras, e, acer can do-nos de les, os sa u da mos; per gun tan -do-lhes eu – se era aque la a es tra da que con du zia ao Cum be.

“Seu pri me i ro mo vi men to foi lan çar mão de es pin gar das efa cões, que ti nham de lado, e jun ta rem-se to dos em ati tu de agres si va.Pen san do acal má-los, dis se-lhes que éra mos dois mis si o ná ri os que se ti nhamper di do na es tra da, e que ri am sa ber se era lon ge a fre gue sia. Res pon de ram:não sa be mos, per gun tem ali; e apon ta ram uma casa vi zi nha.

“Era uma guar da avan ça da de Antô nio Con se lhe i ro, essa gen teque ha vía mos en con tra do.

“Anun ci a da, no Cum be, à mis sa con ven tu al do do min go, 5 de maio, a mis são que ía mos dar em Ca nu dos, não foi para os ha bi tan tesdes se po vo a do uma sur pre sa a nos sa che ga da, no dia 13 às 10 ho ras dama nhã.

“A fa zen da Ca nu dos dis ta duas lé guas do Ri a cho das Pe dras,no lado opos to à ser ra Ge ral. A uma lé gua de dis tân cia, o ter re no éin cul to, po rém óti mo para a cri a ção mi ú da, prin ci pal men te nas che i as do rio Vaza-Bar ris.

“Um qui lô me tro adi an te des co bre-se uma vas ta pla ní cie mu i tofér til re ga da pelo rio, na ba i xa de um mon te, de cuja emi nên cia jáse avis tam a casa an ti ga da fa zen da Ca nu dos, a ca pe la edi fi ca da porAntô nio Con se lhe i ro, e as mi sér ri mas ha bi ta ções dos seus fa na ti za dosdis cí pu los.

A Cam pa nha de Ca nu dos 25

Page 24: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Pas sa do o rio, logo se en con tram es sas ca si nho las tos cas,cons tru í das de bar ro e co ber tas de pa lha, de por ta, sem ja ne la, e nãoar ru a das. O in te ri or é imun do, e os mo ra do res, que – qua se nus – sa íamfora a olhar-nos, ates ta vam, no as pec to es quá li do e qua se ca da vé ri co, aspri va ções de toda es pé cie que cur ti am. Vi mos de po is a pra ça, de ex ten sãore gu lar, la de a da de cer ca de 12 ca sas de te lha, e nas ex tre mi da des – emfren te uma à ou tra – a ca pe la e a casa de re si dên cia de Antô nio Con se -lhe i ro. À por ta da ca pe la, e em vá ri os pon tos da pra ça, api nha vam-seper to de 1000 ho mens, ar ma dos de ba ca mar te, gar ru cha, fa cão, etc.,dan do a Ca nu dos a se me lhan ça de um acam pa men to de be du í nos.

“Eles usam ca mi sa, cal ça e blu sa de azu lão, gor ro azul à ca be ça,al per ca tas nos pés. O ar in qui e to e o olhar, ao mes mo tem po, in da ga dore si nis tro, de nun ci a vam cons ciên ci as per tur ba das e in ten ções hos tis.

“Alo ja mo-nos numa casa de pro pri e da de do Rev mo. vi gá riodo Cum be, que nos acom pa nha va e ali não ha via vol ta do, des de que –há cer ca de um ano – so fre ra gran de de sa ca to. Logo após a nos sa che -ga da, no de cur so ape nas de duas ho ras, pude ver o se guin te, que dá ame di da do aban do no e des gra ça, em que vive aque la gen te: pas sa ram aen ter rar oito ca dá ve res, con du zi dos por ho mens ar ma dos, sem o mí ni mosi nal re li gi o so. Ouvi tam bém – que isso é um es pe tá cu lo de to dos osdias, e que a mor ta li da de nun ca é in fe ri or, de vi do às mo lés ti as con tra í -das pela ex tre ma fal ta de as se io e pe nú ria dos me i os de vida, o que dálu gar até a mor re rem de fome.

“Re fe i tos um pou co da nos sa pe no sa vi a gem, di ri gi mo-nospara a ca pe la, onde se acha va en tão Antô nio Con se lhe i ro, as sis tin do aostra ba lhos de cons tru ção. Mal nos per ce be ram, os ma go tes de ho mensar ma dos cer ra ram fi le i ras jun to à por ta da ca pe la; e, ao pas sar mos, dis -se ram to dos – lou va do seja Nos so Se nhor Je sus Cris to: sa u da ção fre qüen te eco mum, que só re cu sam em rom pi men to de hos ti li da des.

“Entran do, acha mo-nos em pre sen ça de Antô nio Con se lhe i ro,que sa u dou-nos do mes mo modo.

“Ves tia tú ni ca de azu lão, ti nha a ca be ça des co ber ta, e em pu -nha va um bor dão. Os ca be los cres ci dos, e sem ne nhum tra to, a ca í remso bre os om bros; as hi sur tas bar bas gri sa lhas, mais para bran cas, olhosfun dos, ra ras ve zes le van ta dos para fi tar al guém; o ros to com pri do, e deuma pa li dez qua se ca da vé ri ca, o por te gra ve e ar pe ni ten te: da vam-lhe

26 Aris ti des A. Milton

Page 25: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ao todo uma apa rên cia que não pou co te ria con tri bu í do para en ga nar eatra ir o povo sim ples e ig no ran te em nos sos ser tões.

“As pri me i ras pa la vras que tro ca mos fo ram so bre as obras,que se cons tru íam, e ele con vi dou-nos a exa mi ná-las, gui an do-nos a to -das as di vi sões do edi fí cio.

“Che ga dos ao coro, apro ve i tei a oca sião de es tar mos qua sesós, e dis se-lhe – que o fim que eu ia era todo de paz, e que as sim mu i to es tra nha va só en xer ga va ali ho mens ar ma dos; e não po dia de i xar decon de nar que se re u nis sem num lu gar tão po bre tan tas fa mí li as en tre -gues à oci o si da de, e num aban do no e mi sé ria tais, que di a ri a men te se da -vam de oito a nove óbi tos.

“Por isso, de or dem e em nome do Sr. Arce bis po, ia abrir uma san ta mis são, e acon se lhar o povo a dis per sar-se, e a vol tar aos la res e ao tra ba lho, no in te res se de cada um e para o bem ge ral.

“Enquan to di zia isto, a ca pe la e o coro en chi am-se de gen te, e ain da não aca ba ra eu de fa lar, já eles a uma voz cla ma vam: Nós que re mosacom pa nhar o nos so Con se lhe i ro. Este os fez ca lar, e, vol tan do-se para mim,dis se:

“ ‘É para mi nha de fe sa que te nho co mi go es tes ho mens ar -ma dos, por que V. Rev ma. há de sa ber – que a po lí cia ata cou-me, e quisma tar-me no lu gar cha ma do Ma ce té, onde hou ve mor tes de um lado eou tro lado.

“ ‘No tem po da mo nar quia de i xei-me pren der, por que re co -nhe cia o Go ver no; hoje não, por que não re co nhe ço a re pú bli ca.’

‘“Se nhor’”, re pli quei eu, ‘“se é ca tó li co, deve con si de rar que aIgre ja con de na as re vol tas, e, aca tan do to das as for mas de Go ver no –en si na que os po de res cons ti tu í dos re gem os po vos em nome de Deus.

“ ‘É as sim por toda par te. A Fran ça, que é uma das prin ci pa isna ções da Eu ro pa, foi mo nar quia por mu i tos sé cu los; mas há mais de 20 anos é re pú bli ca: e todo o povo, sem ex ce ção dos mo nar quis tas de lá,obe de ce às au to ri da des e às leis do go ver no.

‘“Nós mes mos, aqui no Bra sil, a prin ci pi ar dos bis pos até aoúl ti mo ca tó li co, re co nhe ce mos o Go ver no atu al. So men te vós não que -re is su je i tar? É mau pen sar esse, é uma dou tri na er ra da a vos sa.’

A Cam pa nha de Ca nu dos 27

Page 26: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Inter rom peu-me um da tur ba, gri tan do com ar ro gân cia: V.Rev ma. é quem tem uma dou tri na fal sa, e não o nos so Con se lhe i ro. Des ta vez ove lho im pôs si lên cio, e por úni ca res pos ta me dis se: Eu não de sar mo a mi -nha gen te, mas tam bém não es tor vo a san ta mis são.

“Não in sis ti no as sun to, e, acom pa nha dos da mul ti dão, sa í -mos to dos, indo es co lher o lu gar para a la ta da e pro vi den ci ar para queno dia se guin te prin ci pi as sem os exer cí ci os.

“Fe i to isso, e quan do me re ti ra va, os fa ná ti cos le van ta ram es -tron do sos vi vas à San tís si ma Trin da de, ao Bom Je sus, ao Di vi no Espí ri -to San to, e ao Antô nio Con se lhe i ro.

“Mis si o nan do em vá ri as fre gue si as vi zi nhas, eu ha via já co lhi doin for ma ções so bre Antô nio Con se lhe i ro e seus prin ci pa is sec tá ri os;mas es tan do en tre eles, quis – an tes de dar prin cí pio à mi nha pre ga ção – ave ri guar o que re al men te eles eram, e o que fa zi am.

“Do que vi e ouvi apu rei o que pas so a re gis trar, para que seapre cie me lhor o ocor ri do.

“Antô nio Con se lhe i ro, cujo nome de fa mí lia é Antô nio Vi -cen te Men des Ma ci el, ce a ren se, de cor bran ca tos ta da ao sol, ma gro, alto de es ta tu ra, tem cer ca de 65 anos, e pou co vi gor fí si co, pa re cen do so frer al gu ma afec ção or gâ ni ca, por fre qüen tes e vi o len tos aces sos de tos se aque é su je i to.

“Com uma cer ta re pu ta ção de aus te ri da de de cos tu mes, en -vol vem-no tam bém, e con cor rem para au men tar a cu ri o si da de de que éalvo e o pres tí gio que exer ce, umas va gas mas in sis ten tes su po si ções daex pi a ção ri go ro sa de um cri me co me ti do, aliás em cir cuns tân ci as ate -nu an tes.

“Nin guém pode fa lar-lhe a sós, por que seus pre to ri a nos não ode i xam, ou re ce an do pela vida do che fe, ou para não lhes es ca par ne -nhum de seus mo vi men tos e re so lu ções. Antô nio Con se lhe i ro, in cul can do zelo re li gi o so, dis ci pli na e or to do xia ca tó li ca, não tem nada dis to; poiscon tes ta o en si no, trans gri de as leis, e des co nhe ce as au to ri da des ecle siás -ti cas, sem pre que de al gum modo lhe con tra ri am as idéi as ou ca pri chos; e, ar ras tan do por esse ca mi nho os seus in fe li zes se qua zes, con sen te ain daque eles lhe pres tem ho me na gens que im por tam em cul to, e pro pa lem em seu nome dou tri nas sub ver si vas da or dem, da mo ral e da fé.

28 Aris ti des A. Milton

Page 27: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Os ali ci a do res da se i ta se ocu pam em per su a dir ao povo deque todo aque le que qui ser se sal var pre ci sa vir para Ca nu dos, por quenos ou tros lu ga res tudo está con ta mi na do e per di do pela re pú bli ca; ali,po rém, nem é pre ci so tra ba lhar: é a ter ra da pro mis são, onde cor re umrio de le i te, e são de cus cuz de mi lho os bar ran cos.

“Quem ti ver bens dis po nha de les, e en tre gue o pro du to daven da ao bom Con se lhe i ro, não re ser van do para si mais do que um vin -tém em cada 100$. Se pos su ir ima gens tra ga-as para o san tuá rio co mum.

“O que se guir isto à ris ca terá di re i to a ves tuá rio e ra ção, econ tam-se em tais con di ções para mais de 800 ho mens e 200 mu lhe resno sé qui to do co nhe ci do fa ná ti co.

“As mu lhe res se ocu pam em pre pa rar a co mi da, co ser, e en fe i -tar os gor ros de que usam os ho mens; e à no i te vão can tar ben di tos nala ta da, acen den do fo gue i ras quan do é tem po de frio.

“Os ho mens es tão sem pre ar ma dos, e dia e no i te mon tamguar da a Antô nio Con se lhe i ro; pa re cem ido la trá-lo e cada vez que eletrans põe o li mi ar da casa em que mora, é logo re ce bi do com ru i do sasacla ma ções, e vi vas à Santíssima Trin da de, ao Bom Je sus e ao Di vi noEspí ri to San to.

“Entre essa tur ba de so ri en ta da há vá ri os cri mi no sos, se gun do me afir ma ram, ci tan do-se até os no mes, al guns dos qua is eu re ti ve,como o de João Aba de, que é ali cha ma do o che fe do povo, na tu ral de Tu -ca no, réu de dois ho mi cí di os, e o de José Ve nân cio, a quem atri bu emde zo i to mor tes.

“O san to ho mem fe cha os olhos a es tas tra ves su ras, e aco lhe osino cen tes, para que não os ve nha a per der a re pú bli ca!

“Qu an to a de ve res e prá ti cas re li gi o sas, Antô nio Con se lhe i ronão se ar ro ga ne nhu ma fun ção sa cer do tal, mas tam bém não dá ja ma is o exem plo de apro xi mar-se dos sa cra men tos; fa zen do crer com isto quenão ca re ce de les, nem do mi nis té rio dos pa dres: e as ce ri mô ni as do cul to a que pre si de, e que se re pe tem mais a mi ú do en tre os seus, são mes cla -das de si na is de su pers ti ção e ido la tria, como é – por exem plo – o cha -ma do be i jo das ima gens, a que pro ce dem com pro fun das pros tra ções, ecul to igual a to das, sem dis tin ção en tre as do Di vi no Cru ci fi ca do e daSan tís si ma Vir gem e qua is quer ou tras.

A Cam pa nha de Ca nu dos 29

Page 28: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Antô nio Con se lhe i ro cos tu ma re u nir, em cer tos dias, o seupovo para dar-lhes con se lhos, que se res sen tem sem pre do seu fa na tis moem as sun to de re li gião, e da sua for mal opo si ção ao atu al re gi me po lí ti -co; mas, ou para mos trar di fe ren ça com o mis si o ná rio, ou por ter meiode dar ins tru ções se cre tas, abs te ve-se de fa lar em pú bli co, en quan to láes ti ve.

“Abri a mis são em 14 de maio, e já nes se dia con cor re ramnão me nos de 4.000 pes so as; dos ho mens, to dos os que po di am ma ne -jar uma arma lá es ta vam, car re gan do ba ca mar tes, gar ru chas, es pin gar -das, pis to las e fa cões: de car tu che i ra à cin ta e gor ro à ca be ça, na ati tu dede quem vai à guer ra. O Con se lhe i ro tam bém veio, tra zen do o bor dão;co lo ca va-se ao lado do al tar, e ou via aten to e im pas sí vel: mas, comoquem fis ca li za, e de i xan do es ca par al gu ma vez ges tos de de sa pro va ção,que os ma i o res da grei con fir ma vam com in ci si vos pro tes tos.

“Su ce deu isto de um modo mais no tá vel, num dia em que euex pli ca va o que era, e como de via fa zer-se, o je jum; pon de ran do que eleti nha por fim a mor ti fi ca ção do cor po, e o re fre a men to das pa i xões pelaso bri e da de e tem pe ran ça, mas não o ani qui la men to das for ças por umalon ga e ri go ro sa pri va ção de ali men tos; e que por isso a Igre ja, parafa ci li tar, dis pen sa va em mu i tos dias de je jum a abs ti nên cia, e nun capro i biu o uso dos lí qui dos, em mo de ra da quan ti da de.

“Ou vin do – que se po dia je ju ar, mu i tas ve zes, co men do car ne ao jan tar, e to man do, pela ma nhã, uma chá ve na de café, o Con se lhe i roes ten deu o lá bio in fe ri or, e sa cu diu ne ga ti va men te a ca be ça, e os seusprin ci pa is as se clas rom pe ram logo em apar tes, ex cla man do com ên fa seum den tre eles: ora, isto não é je jum; é co mer a far tar.

“Fora es sas li ge i ras in ter rup ções, a mis são cor reu em paz atéo quar to dia, em que eu pre guei so bre o de ver de obe diên cia à au to ri da -de, e fiz ver – que sen do a re pú bli ca o go ver no cons ti tu í do no Bra sil to -dos os ci da dãos, in clu si ve os que ti ves sem con vic ções con trá ri as, de vi am re conhecê-lo e res pe i tá-lo. Obser vei – que nes se sen ti do já se pro nun -ci a ra o Sumo Pon tí fi ce re co men dan do a con cór dia dos ca tó li cos bra si -le i ros com o po der ci vil; e con cluí de cla ran do – que se per sis tis sem em de so be de cer e hos ti li zar um Go ver no que o povo bra si le i ro qua se nasua to ta li da de ace i ta ra, não fi zes sem da re li gião pre tex to ou capa deseus ódi os e ca pri chos, por que a Igre ja Ca tó li ca não é, nem será nun ca,

30 Aris ti des A. Milton

Page 29: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

so li dá ria com ins tru men tos de pa i xões e in te res ses par ti cu la res, ou comper tur ba do res da or dem pú bli ca.

“Estas mi nha pa la vras ir ri ta ram o âni mo de mu i tos, e des delogo co me ça ram a fa zer pro pa gan da con tra a mis são e os mis si o ná ri os,ar re dan do o povo para vir as sis tir à pre ga ção de um pa dre ma çom, pro tes -tan te e re pu bli ca no; e di ri gin do-me, quan do pas sa vam, e até ao pé do púl pi to, ame a ças de cas ti go e até de mor te.

“Espa lha ram – que eu era emis sá rio do Go ver no, e que, dein te li gên cia com este, ia abrir ca mi nho à tro pa, que vi ria de sur pre sapren der o Con se lhe i ro e ex ter mi nar a to dos eles.

“E, pas san do de pa la vras a fa tos, ocu pa ram com gen te ar ma -da to das as en tra das do po vo a do, pon do-o em es ta do de sí tio, de modoa não po der nin guém en trar nem sair, sem ser an tes re co nhe ci do, comofi ze ram ao pró prio vi gá rio da fre gue sia, de ten do-o à boca da es tra da,quan do às 7 ho ras da no i te, ten do se au sen ta do por jus to mo ti vo, re -gres sa va para Ca nu dos.

“Ro guei a Deus que am pa ras se a mi nha fra que za, e sem meafas tar da cal ma e da mo de ra ção, com que deve fa lar um mis si o ná rio ca -tó li co, em um dos dias se guin tes ocu pei-me do ho mi cí dio, e, de po is decon si de rar a ma lí cia enor me e a ir re pa ra bi li da de des se cri me, en trei amos trar – que não eram ho mi ci das só os que ser vi am-se do fer ro ou do ve ne no para, de em bos ca da ou de fren te, ar ran car a vida a seus se me -lhan tes; e que tam bém eram, até cer to pon to, aque les que ar ras ta vamou tros a acom pa nhá-los em seus er ros e de sa ti nos, de i xan do-os de po ismor rer, di zi ma dos pe las mo lés ti as, à min gua de re cur sos e até de pão,como acon te cia ali mes mo: en tão per gun tei-lhes – quem eram os res -pon sá ve is pela mor te e pelo fim mi se rá vel de ve lhos, mu lhe res e cri an -ças, que di a ri a men te pere ci am na que le po vo a do em ex tre ma pe nú ria eaban do no.

“Saiu den tre a mul ti dão uma voz la mu ri o sa, di zen do as sim: Éo bom Je sus, que os man da para o Céu.

“Exas pe ra va-os a fra nque za e a ener gia, com que o mis si o ná -rio lhes cen su ra va os maus fe i tos, e não per di am oca sião de ru gir con traele, mas não se ani ma vam a pôr-lhe mãos vi o len tas, por que ha via maisde 6.000 pes so as as sis tin do à mis são, e a mor par te era gen te de fora,que só a isto vi e ra, e re a gi ria cer ta men te se eles me to cas sem.

A Cam pa nha de Ca nu dos 31

Page 30: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Li mi ta ram-se a in jú ri as, ace nos, di tos ame a ça do res, até o dia20 de maio, sé ti mo da mis são, em que já não se con ti ve ram nes sas ma ni -fes ta ções iso la das, e or ga ni za ram um pro tes to ge ral e es tre pi to so dogru po ar re gi men ta do.

“Des de às 11 ho ras da ma nhã, João Aba de, cha ma do o Che fedo Povo, foi vis to a per cor rer a pra ça, api tan do im pa ci en te, como a cha -mar sol da des ca a pos tos con tra al gu ma agres são ini mi ga, e a gen te foi se re u nin do, até que ao meio-dia es ta va a pra ça co a lha da de ho mens ar ma -dos, mu lhe res e me ni nos, que a que i mar fo gue tes, e com uma al ga zar rain fer nal, di ri gi ram-se para a ca pe la, er guen do vi vas ao Bom Je sus, aoDi vi no Espí ri to San to e ao Antô nio Con se lhe i ro; e de lá vi e ram até nos -sa casa, dan do fo ras aos re pu bli ca nos, ma çons, e pro tes tan tes, e gri tan do –que não pre ci sa vam de pa dres para se sal var, por que ti nham o seu con -se lhe i ro.

“Nes sa de sa ti na da pas se a ta an da ram aci ma e aba i xo pelo es -pa ço de duas ho ras, dis per san do-os afi nal, sem irem além.

“À tar de ver be ran do a ce gue i ra e a in sen sa tez dos que as simha vi am pro ce di do, eu mos trei – que ti nha sido aqui lo um de sa ca to sa -críle go à re li gião e ao sa gra do ca rá ter sa cer do tal; e que, por tan to, pu nhater mo à san ta mis são, e como ou tro ra os após to los às por tas das ci da des que os re pe li am, eu sa cu dia ali mes mo o pó das san dá li as, e re ti ra va-me,anun ci an do – que, se a tem po não abris sem os olhos à luz da ver da de,sen ti ri am um dia o peso es ma ga dor da jus ti ça di vi na, à qual não es ca -pam os que in sul tam os en vi a dos do Se nhor, e des pre zam os me i os desal va ção.

“E os de i xei, não vol tan do mais à la ta da, nem me pres tan do a exer cer o meu mi nis té rio em lu gar ou ato pú bli co.

“A sus pen são re pen ti na da san ta mis são pro du ziu nos cir -cuns tan tes o efe i to de um raio, de i xan do-os atô ni tos e im pres si o na dos,os que ain da não se ha vi am alis ta do na Com pa nhia do Bom Je sus, que nãore ce bi am do Con se lhe i ro a co mi da e a rou pa, e não de pen di am delepor tan to, de ram-me ple na ra zão e, re pro van do for mal men te os des va ri osde tal gen te, co me ça ram a sair do po vo a do, já que i xo sos, e com ple men tede si lu di dos das vir tu des de Antô nio Con se lhe i ro.

“Os ou tros, co nhe cen do-se em gran de mi no ria, e ava li an doque essa re ti ra da em mas sa re dun da ria em no tó rio des cré di to de les, en -

32 Aris ti des A. Milton

Page 31: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

vi a ram-me às pres sas uma co mis são, em que en tra ram os mais exal ta -dos, e que veio pe dir-me – em nome do Antô nio Con se lhe i ro – a con ti -nu a ção da mis são, ale gan do – que não de vi am so frer os ino cen tes pe loscul pa dos, e que as sim fi ca ria o povo pri va do do sa cra men to do cris mae de ou tros be ne fí ci os es pi ri tu a is, que só no fim da mis são se lu cra vam.

“Des co brin do-lhe, ao mes mo tem po, a ma nha e a fra que za,re sis ti aos pe di dos; e de i xei que o meu ato, mais fe liz do que mi nhas pa -la vras, aca bas sem de ope rar a dis per são da que las mul ti dões, pre sas imi -nen tes do fa na tis mo de um in sen sa to, ser vi do por im be cis, ou ex plo ra -do por per ver sos.

“Ha vi am-se fe i to já quan do en cer rei de cho fre os meus tra ba -lhos da mis são, 55 ca sa men tos de aman ce ba dos, 102 ba ti za dos e mais400 con fis sões.

“No dia em que de vía mos par tir, fui pela ma nhã cha ma dopara uma con fis são de en fer mo, e acu di sem he si ta ção, se guin do unsho mens ar ma dos, que ti nham vin do cha mar-me a esse fim.

“Che gan do à casa in ter ro guei o do en te se que ria con fes sar-se, e res pon den do que sim, pedi aos tais ho mens ar ma dos que sa ís sem para não ou vir a con fis são. Eles não se mo ve ram, e um per fi lou-se e bra dou:Cus te o que cus tar não sa í mos.

“Obser vei, en tão, ao do en te – que nem eu po dia ou vir a con -fis são, nem ele es ta va obri ga do a fazê-la em tais cir cuns tân ci as e ime di a -ta men te re ti rei-me, pro tes tan do em voz alta, da por ta da casa, e na rua, con tra aque la afron to sa vi o la ção das leis da re li gião e da ca ri da de.

“Re do brou, en tão, a fú ria da que les des va i ra dos, e vo mi tan doin sul tos e im pre ca ções, e ju ras de vin gan ça, to ma ram a en tra da da casaem que me hos pe da ra, e onde já me achava.

“A mi nha mis são ter mi na ra; a se i ta ha via le va do o ma i or gol -pe que eu po dia des car re gar-lhe: e con ser var-me por mais tem po nomeio da que la gen te, ou sair-lhe ain da ao en con tro, se ria re ma ta da im -pru dên cia, sem a mí ni ma uti li da de.

“Os com pa nhe i ros de vi a gem es pe ra vam-nos, com os ani ma is ar re a dos, nos fun dos da casa. Dan do cos tas aos mí se ros pro vo ca do res,de lá mes mo se gui mos, e, gal gan do a es tra da, ao olhar pela úl ti ma vez o po vo a do, con do í do da sua tris te si tu a ção, como o di vi no Mes tre di an te

A Cam pa nha de Ca nu dos 33

Page 32: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

de Je ru sa lém, eu sen ti um aper to n’alma, e pa re ceu-me po der tam bémdi zer-lhe:

‘“Des co nhe ces te os emis sá ri os da ver da de e da paz, re pe lis tea vi si ta da sal va ção; mas aí vêm tem pos em que for ças ir re sis tí ve is te si -ti a rão; bra ço po de ro so te der ru ba rá e, ar ra san do as tuas trin che i ras, de -sar man do os teus es bir ros, dis sol ve rá a se i ta im pos to ra e ma lig na, que te re du ziu ao seu jugo odi o so e avil tan te.’

“Hoje, lon ge des sa in fe liz lo ca li da de, e po den do in for marsem res sen ti men to e com toda a exa ti dão e jus ti ça, eu re ca pi tularei o ex -pos to di zen do o se guin te:

“A mis são de que fui en car re ga do, além da van ta gem deapreen der e de nun ci ar a im pos tu ra e per ver si da de da se i ta fa ná ti ca, nopró prio cen tro de suas ope ra ções, teve ain da um benéfico efe i to, que foi o de ar ran car-lhe inú me ras pre sas, de sen ga nan do a uns das vir tu des su -pos tas, e pre munin do ou tros con tra as dou tri nas e prá ti cas abu si vas ere pro va das de Antô nio Con se lhe i ro e de seus fa ná ti cos dis cí pu los. Des -cre ram dele, e fe liz men te já o aban do na ram mul ti dões con si de rá ve is depovo que, re gres san do a suas ter ras, mal di zem da hora em que o se gui -ram, e vão res ga tar o seu erro pela obe diên cia às le gí ti mas au to ri da des epelo tra ba lho.

“Onde não che ga rem as vo zes dos que co lhe ram tão amar gaex pe riên cia, faça-se ou vir a pa la vra au to ri za da dos pas to res das al mas,de nun ci an do o ca rá ter abo mi ná vel e a in fluên cia ma lé fi ca da seita, e elade cer to não lo grará fa zer no vos pro sé li tos.

“Entre tan to, com pra zen do-me em con sig nar que só se con -ser vam atu al men te ao lado do Con se lhe i ro aque les que já es ta vam in -cor po ra dos na le gião por eles in ti tu la da Com pa nhia do Bom Je sus, no in te -res se da or dem pú bli ca e pelo res pe i to de vi do à lei, ga ran to a in te i ra ve -ra ci da de do que in for mo, e acres cen to:

“A se i ta po lí ti co-re li gi o sa, es ta be le ci da e en trin che i ra da emCa nu dos, não é só um foco de su pers ti ção e fa na tis mo, e um pe que nocis ma na Igre ja ba i a na; é prin ci pal men te um nú cleo, na apa rên cia des -pre zí vel, mas um tan to pe ri go so e fu nes to, de ou sa da re sis tên cia e hos ti -li da de ao Go ver no cons ti tu í do no país.

34 Aris ti des A. Milton

Page 33: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Enca ra dos o ar ro jo das pre ten sões e a so be ra nia dos fa tos,pode-se di zer que é aqui lo um Esta do no Esta do; ali não são ace i tas asleis, não são re co nhe ci das as au to ri da des, não é ad mi ti do à cir cu la ção opró prio di nhe i ro da re pú bli ca.

“Antô nio Con se lhe i ro con ta a seu ser vi ço mais de mil com -pa nhe i ros de ci di dos, en tre eles os ho mens, em nú me ro tal vez de 800,sem pre ar ma dos, e as mu lhe res e cri an ças dis pos tas de modo a for ma -rem uma re ser va que ele mo bi li za, e põe em pé de guer ra, quan do jul gapre ci so.

“Quem foi alis ta do na Com pa nhia di fi cil men te po de rá li ber -tar-se, e vem a so frer vi o lên ci as, se fi zer qual quer re cla ma ção, como su -ce deu du ran te mi nha es ta da a um po bre co i ta do que, por exigir a res ti -tu i ção das ima gens que ha via tra zi do, foi pos to em pri são.

“A mi lí cia fa ná ti ca só dá en tra da no po vo a do a quem bem lhe apraz, aos ami gos do Go ver no, ou re pu bli ca nos co nhe ci dos ou sus pe i -tos ela faz logo re tro ce der, ou to le ra que en trem, mas tra zen do-os emvis ta e pron ta a ex pul sá-los; quan to aos in di fe ren tes, e que não se de ci -dem a en trar na se i ta, es ses po dem vi ver ali, e têm li ber da de para seocu par de seus in te res ses, mas cor ren do gran des ris cos, en tre es tes o de se rem al gum dia ines pe ra da men te sa que a dos os seus bens, em pro ve i toda San ta Com pa nhia; sor te esta pou co in ve já vel, que ain da re cen te men tecou be a um cer to ne go ci an te que lá se es ta be le ce ra, vin do da ci da de doBon fim.

“Na que la in fe liz lo ca li da de, por tan to, não tem im pé rio a lei, eas li ber da des pú bli cas es tão in te i ra men te coar ta das.

“O de sa gra vo da re li gião, o bem so ci al e a dig ni da de do po der ci vil pe dem uma pro vi dên cia, que res ta be le ça no po vo a do de Ca nu dos o pres tí gio da lei, as ga ran ti as do cul to ca tó li co e os nos sos fo ros de povoci vi li za do. Aque la si tu a ção de plo rá vel de fa na tis mo e anar quia deve ces -sar para hon ra do povo bra si le i ro, para o qual é tris te e hu mi lhan te –que, ain da na mais in cul ta nes ga de ter ra pá tria, o sen ti men to re li gi o sodes ça a tais aber ra ções, e o par ti da ris mo po lí ti co des va i re em tão es tul tae ba i xa re a ção.

“Re le ve-me V. Ex. Rev ma. a ru de za das con si de ra ções que ex -pe di, e a pro li xi da de des ta ex po si ção, cujo in tu i to é mos trar – o quan toes for çou-se o hu mil de mis si o ná rio por de sem pe nhar a ta re fa que lhe

A Cam pa nha de Ca nu dos 35

Page 34: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

foi con fi a da, e in te i rar a V. Ex. Rev ma. de quan to ocor reu por essa oca -sião, e da ati tu de re bel de e be li co sa, que Antô nio Con se lhe i ro e seus se -qua zes as su mi ram e mantêm con tra a Igre ja e o Esta do, a fim de que,dan do às in for ma ções pres ta das o va lor que me re çam, de li be re V. Ex.Rev ma. so bre o caso, como em seu alto cri té rio e re co nhe ci do zelo jul -gar con ve ni en te.

“Deus guar de a V. Ex. Rev ma. – Exmo. e Rev mo. Sr. cô ne goCla rin do de Sou sa Ara nha, dig no go ver na dor do ar ce bis pa do do Esta do da Ba hia – fr. João Evan ge lis ta de Mon te Mar ci a no , mis si o ná rio apos tó li coca pu chi nho.”

Antô nio Con se lhe i ro, en tre tan to, con ti nu a va a se es for çarpela edi fi ca ção da ca pe la, em cu jas obras fr. João Evan ge lis ta o en con -tra ra; e, ter mi na da que foi ela, em pre en deu a cons tru ção de uma gran deigre ja, para o que dis pu nha já de gros so ca pi tal, an ga ri a do me di an te es -mo las, en vi a das de vá ri os lu ga res, al gu mas até por pes so as abas ta das,cuja ve ne ra ção pelo San to Ho mem cada dia acen tu a va-se mais.

Para le va rem a cabo o edi fí cio pro je ta do, era ne ces sá ria, po -rém, cer ta quan ti da de de ta bu a do, que só no Ju a ze i ro po de ria ser maisfa cil men te ob ti da. Com este pro pó si to, pois, foi a essa ci da de um cer toMa cam bi ra, emis sá rio do Con se lhe i ro. E, ten do efe tu a do a de se ja dacom pra, des pa chou a ma de i ra pelo rio S. Fran cis co aba i xo, até o Ja ca ré,sí tio que dis ta de Ju a ze i ro 100 qui lô me tros, mais ou me nos. Ali, o Con -se lhe i ro aguar da va a che ga da de sua en co men da, que – fez trans por tarpara Ca nu dos à ca be ça de de vo tos, des de mu i to dis pos tos a se me lhan tesa cri fí cio.

Cor ria já o ano de 1896 quan do o ci ta do Ma cam bi ra di ri giuuma car ta ao co ro nel João Evan ge lis ta Pe re i ra de Mel o, pe din do-lhe –que com pras se em Ju a ze i ro nova por ção de ta bua do, cu jas di men sões egros su ra de ter mi na va. Logo que hou ve abun dân cia de ma de i ra no mer -ca do, o co ro nel pre ve niu dis to ao mis si vis ta. E en tão se es pa lhou – queo Con se lhe i ro es ta va se pron ti fi can do para ir ao Ju a ze i ro es co lher, elepró prio, o ma te ri al de que ca re cia.

E, como su ce de com qua se to dos os bo a tos, esse foi se avo lu -man do de mo men to a mo men to, de modo que – den tro em pou co – ano tí cia se ti nha trans for ma do numa ame a ça tre men da.

36 Aris ti des A. Milton

Page 35: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O Con se lhe i ro, in va din do a ci da de, – or de na ria um sa que ge -ral ao co mér cio. Em se gui da, ti ra ria uma vin gan ça ca bal do juiz de di re i -to da co mar ca de quem não gos ta va, por fa tos acon te ci dos em BomCon se lho, onde esse ma gis tra do ha via an te ri or men te ser vi do.

Apon ta-se como ca u sa do ra de to das es sas no vi da des uma car -ta, es cri ta pelo co ro nel Fran cis co de Sa les Sil va, ci da dão co nhe ci do, edig no de cré di to.

Acha vam-se as cou sas nes te pé, quan do che gou às mãos dogo ver na dor um te le gra ma ur gen te, pas sa do pelo juiz de di re i to da co -mar ca do Ju a ze i ro, e con ce bi do nos ter mos a se guir:

“Ju a ze i ro, 29 de ou tu bro de 1896 – Con se lhe i ro Go ver -na dor – No tí ci as trans mi ti das por po si ti vo con fir mam bo a toda vin da do per ver so Antô nio Con se lhe i ro, re u ni do a ban -di dos; par ti rão Ca nu dos 2 vin dou ro. Po pu la ção re ce o sa.Ci da de sem ga ran ti as. Re qui si to enér gi cas pro vi dên ci as. – O juiz de di re i to, Arlin do Le o ne.”

Ape sar do que fica ex pos to, o co ro nel João Evan ge lis ta Pe re i rade Melo e ou tros ci da dãos qua li fi ca dos de Ju a ze i ro não acre di ta vam nosbo a tos, que por toda par te cir cu la vam, de in ten ções hos tis atri bu í das aoCon se lhe i ro e seu sé qui to. Ten tan do acal mar os âni mos, ex ci ta dos porno vas pro gres si va men te alar man tes, o re fe ri do co ro nel as se gu ra va – que o as ce ta de Ca nu dos não pe ne tra ria na ci da de; pois ain da quan do acom -pa nhasse a sua gen te, se ria com cer te za para guar dar a re mes sa de ta -bua do em Ja ca ré, como já de ou tra fe i ta ha via pra ti ca do.

O ju í zo as sim ex pen di do não ca lou, con tu do, no âni mo dapo pu la ção so bres sal ta da; e daí re sul tou a ex pe di ção do te le gra ma, que já de i xei tras la dado.

O go ver na dor – con se lhe i ro Luís Vi a na, em res pos ta ao juizlhe pon de rou – que não po dia mo ver for ça, in du zi do por sim ples bo a tos; mas ao mes mo tem po, lhe re co men dou – que, man das se vi gi ar as es tra das em dis tân -cia, e, ve ri fi ca do o mo vi men to dos ban di dos, avi sas se por te le gra ma, pois o Go ver nofi ca va pre ve ni do para en vi ar in con ti nen ti, num trem ex pres so, a for ça ne ces sá riapara re cha çá-los e ga ran tir a ci da de.

Era esta a si tu a ção quan do, a 4 de no vem bro, o Dr. Arlin doLe o ne di ri giu novo te le gra ma ao go ver na dor, nos ter mos que se vão ler:

A Cam pa nha de Ca nu dos 37

Page 36: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Con se lhe i ro go ver na dor – Pe dro Se ra fim, emis sá rioCon se lhe i ro, che ga do fa zen da Te nen te Mota afir ma – Tervin do es pe rar ban di dos sa í dos, on tem Ca nu dos, pas san do es -tra da Ma ni ço ba, dis tan te da qui oito lé guas. Tra je to todo 40lé guas. Re ce io que es pi as, pos tos na es tra da, che guem tem poim pos sí vel dar pro vi dên ci as sa tis fa ze rem. Con vém múl ti plosmo ti vos evi tar com ba te den tro da ci da de. Se ra fim afir ma sé -qui to Con se lhe i ro ser su pe ri or a 1000 cla vi no te i ros. Nega in -ten ções per ver sas, li mi tan do 9 dias Con se lhe i ro con du ção ta -bua do. O de sâ ni mo do mi na a po pu la ção, apre en si va da pos -si bi li da de de in va são, an tes da che ga da de for ça.”

Das pró pri as pa la vras do te le gra ma se vê – que o co ro nelJoão Evan ge lis ta pa re cia es tar com a ver da de, quan do con tes ta va o pro -pó si to si nis tro, ge ral men te atri bu í do ao Con se lhe i ro. O emis sá rio des tetam bém ne ga va-lhe in ten ções per ver sas, e as si na la va como mo ti vo de sua vi a -gem ao Ju a ze i ro a con du ção do ta bu a do.

Entre tan to, o go ver na dor ha via – por ca u te la – re qui si ta do do ge ne ral co man dan te do dis tri to mi li tar 100 pra ças de li nha, a fim de se -gui rem para aque la ci da de ao pri me i ro avi so do juiz de di re i to res pec ti -vo. Se me lhan te me di da fora di ta da pela cir cuns tân cia de exis tir, en tão,na ca pi tal do Esta do um nú me ro li mi ta do de pra ças de po lí cia, por es tar a ma i or par te de las em Je quié, Len çóis, e ou tros pon tos, onde a or dempú bli ca ti nha sido al te ra da.

De ma ne i ra que, logo de po is da re cep ção do te le gra ma de 4,o go ver na dor pôde fa zer se guir para Ju a ze i ro um for te des ta ca men to do 9º Ba ta lhão de Infan ta ria do Exér ci to, sob o co man do do te nen te Ma -nu el da Sil va Pi res Fer re i ra, que ali de ve ria pro ce der de acor do com ojuiz de di re i to da co mar ca.

A 7 de no vem bro, esse mes mo ma gis tra do te le gra fa va aogo ver na dor as sim:

“Re qui si to or dem a te le gra fis ta para re ter qual quer te le -gra ma, por ven tu ra ex pe di do, no ti ci an do par ti da ex pe di çãocon tra o Con se lhe i ro. For ça che gou. Envi do es for ços paracum prir as or dens de v. ex. – Arlin do Le o ne.”

38 Aris ti des A. Milton

Page 37: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

As or dens a que esse te le gra ma alu de re la ci o na vam-se com amar cha da for ça, que o go ver na dor pu nha à dis po si ção do juiz de di re i -to, con fi an do em que este com bi na ria com o te nen te Pi res Fer re i ra ome lhor meio de re pe lir a gen te do Con se lhe i ro.

E, efe ti va men te, en tre os dois fi cou as sen ta do – que con vi nhasair ao en con tro dos ban di dos, a fim de evi tar que eles in va dis sem a ci da de.

Algu mas pes so as, no en tan to, se in sur gi ram con tra a de li be ra -ção as sim to ma da; e den tre elas o co ro nel João Evan ge lis ta, que ao pró -prio co man dan te da for ça fez ver – que era ver da de i ra aven tu ra ar ris -cá-la numa luta in ques ti o na vel men te te mer ária, à vis ta da de si gual da dede con di ções em que as duas par tes con ten do ras se en con tra ri am.

Re pe li das – em de fi ni ti va – as ob ser va ções por esse modo ex -ter na das, e ace i to – como fi ca ra – o al ve drio de ir ata car o Con se lhe i rono pon to mes mo onde ele en tão se acha va, de ca mi nho para o Ju a ze i rocon for me se di zia, não quis o já ci ta do co ro nel se re cu sar ao ser vi ço,que dele exi gi am, em nome do Go ver no e da paz pú bli ca. For ne ceu,por tan to, a ca va lha da e os gui as de que o te nen te Pi res Fer re i ra ca re ciapara re a li zar o seu pla no de ata que.

E, a 12 de no vem bro, a for ça – as sim pre pa ra da – par tiu doJu a ze i ro. Sem que, du ran te todo o per cur so de 192 qui lô me tros que fez,hou ves se en con tra do o me nor obs tá cu lo à sua vi a gem, no dia 19 acam -pou ela no ar ra i al de Uauá, que fica dis tan te de Ca nu dos 114 qui lô me -tros apro xi ma da men te.

Na ma nhã de 21, os se qua zes do Con se lhe i ro, em nú me ro de130, mais ou me nos, aco me te ram de sur pre sa esse des ta ca men to. Tra -vou-se um vi go ro so com ba te, em que mor re ram – da tro pa do Go ver no – 1 ofi ci al e 10 pra ças, fora mais de 20 que sa í ram fe ri das; ten do os ja -gun ços per di do tam bém cer ca de 100 ho mens.

O te nen te re tro ce deu, de cla ran do – que se dis pu ses se de umre for ço de 100 sol da dos te ria mar cha do so bre Ca nu dos.

Antes de se re ti rar, con tu do, a for ça pu se ra fogo ao ar ra i al, oque não se com pa de ce aliás com a ra zão e a jus ti ça. Por quan to, nemUauá era ha bi ta do pela gen te do Con se lhe i ro, que ali es ta va ape nas depou sa da, nem que o fos se – nada acres cen ta va ao bri lho da di li gên cia

A Cam pa nha de Ca nu dos 39

Page 38: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ta ma nho des co me di men to, que até po de ria pre ju di car in te res ses de ou -tros bra si le i ros, alhe i os in te i ra men te ao con fli to.

Nos tem pos que cor rem, no es ta do atu al da ci vi li za ção, e pe -ran te os prin cí pi os do di re i to das gen tes mo der no, tais ex ces sos não po -dem ser jus ti fi ca dos, so bre tu do tra tan do-se de uma guer ra ci vil.

Cir cuns tân ci as di ver sas, po rém, con cor re ram para que a for ça, co man da da pelo te nen te Pi res Fer re i ra, che gas se a Ju a ze i ro qua se emcom ple ta de ban da da. Aban do na ra ela em Uauá gran de quan ti da de demu ni ções de guer ra, e al gum ar ma men to mes mo, par te do qual foi pos -te ri or men te ob tido pelo já ci ta do co ro nel Evan ge lis ta, que em tem po re -me teu-a para o che fe de po lí cia da Ba hia. Por toda a es tra da, ve ri fi -caram-se al gu mas de ser ções.

Do tra ta men to dos fe ri dos, que pe no sa men te al can ça ramaque la ci da de, se en car re gou, com a ma i or so li ci tu de, o Dr. Antô nio Ro -dri gues Cu nha Melo, que a to dos con se guiu sal var, sen do-lhe ne ces sá riopara isso pra ti car di ver sas ope ra ções ci rúr gi cas.

Pou cos dias de po is, o des ta ca men to se re co lhia a seu quar tel,na ca pi tal do Esta do.

Em avi so de 11 de de zem bro, o Mi nis té rio da Guer ra man -dou lou var o te nen te Pi res Fer re i ra pelo modo por que se por ta ra ante ain va são de mal fe i to res no ar ra i al de Uauá, e bem as sim o sar gen to Ana cle to e o sol -da do Ca e ta no (sem mais nada) dos qua is fi ze ra o re fe ri do te nen te es pe ci al men ção.

Para co nhe ci men to ca bal do in ci den te, to da via, me pa re ceacer ta do trans cre ver aqui a par te, dada a res pe i to do com ba te pelo pró -prio te nen te Pi res Fer re i ra.

Do co te jo dela com o que já de i xei re la ta do re sul ta rá, na tu ral -men te, toda a ver da de dos acon te ci men tos, que mu i to im por ta não sejade tur pa da ja ma is.

Le i a mos, pois, o in te res san te do cu men to. “COMBATE DE UAUÁ – Logo que che ga mos ao ar ra i al, no dia

de ze no ve, man dei es ta be le cer o ser vi ço de se gu ran ça, pos tan do guar dasavan ça das nas qua tro es tra das que ali con du zem em dis tân cia con ve ni en te,a fim de evi tar qual quer sur pre sa; no me ei o pes so al de ron da, e con ser -vei toda a for ça no acan to na men to. O dia vin te pas sou-se sem ne nhumin ci den te no tá vel, a não ser o aban do no do ar ra i al à no i te, e fur ti va men te,

40 Aris ti des A. Milton

Page 39: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

por qua se to dos os ha bi tan tes. Das in for ma ções que co lhi cons ta queas sim pro ce de ram com re ce io da gen te do Antô nio Con se lhe i ro. Incli -no-me, po rém, a crer que se acha vam man co mu na dos com esta paraatra i ço a rem a for ça pú bli ca, como o fi ze ram, pois que até os pou cos que fi ca ram no ar ra i al não fo ram ofen di dos pe los ban di dos, e ga ran ti ram-me an tes do com ba te que ali não ha via fa ná ti cos, nem adep tos do Antô nioCon se lhe i ro; que este e o seu povo se acha vam em Ca nu dos, de ondenão sa i ri am, não obs tan te te rem eles a cer te za quan do isso me afir ma -ram de que os men ci o na dos ban di dos se acha vam a qua tro lé guas dedis tân cia, di ri gi dos por Qu in quim Co yam, e vi ri am ata car a for ça na ma -dru ga da do dia ime di a to.

“Às cin co ho ras da ma nhã do dia vin te e um, fo mos sur pre -en di dos por um ti ro te io par ti do da guar da avan ça da, co lo ca da na es tra da que vai ter a Ca nu dos. Esta guar da, ten do sido ata ca da por uma mul ti -dão enor me de ban di dos fa ná ti cos, re sis tiu-lhes de no da da men te, fa zen -do fogo em re ti ra da. Por essa oca sião o sol da do da se gun da com pa nhiaTe o tô nio Pe re i ra Ba ce lar, que por se achar mu i to es tro pi a do não pôdeacom pa nhar a guar da, foi de go la do por um ban di do. Ime di a ta men te,dis pus a for ça para a de fen si va, fa zen do co lo car em dis tân cia con ve ni en -te do acan to na men to uma li nha do ati ra do res, que ca u sou logo enor mes cla ros nas fi le i ras dos ban di dos. Estes, não obs tan te, avan ça ram sem pre,fa zen do fogo, aos gri tos de viva o nos so Bom Je sus! Viva o nos so Con se lhe i ro!Viva a mo nar quia, etc., etc., etc., che gan do até al guns a ten ta rem cor tar afa cão os nos sos sol da dos. Um de les tra zia al ça da uma gran de cruz dema de i ra, e mu i tos ou tros tra zi am ima gens de san tos em vul tos. Avan ça -ram e bri ga ram com in crí vel fe ro ci da de, ser vin do-se de api tos para exe -cu ção de seus mo vi men tos e ma no bras. Pelo gran de núme ro que apre -sen ta ram fo ram por al gu mas pra ças cal cu la dos em três mil! Há, porém,nis so exa ge ro, pro ve ni en te de erro de apre ci a ção; se ri am uns qui nhen -tos, mais ou me nos, os que nos ata ca ram, di vi di dos em vá ri os gru pos,que pro cu ra vam en vol ver a nos sa for ça e apo de rar-se do ar ra i al, o quenão con se gui ram de vi do às enér gi cas pro vidên ci as que to mei, efi caz -men te au xi li a do pe los ofi ci a is e a dis ci pli na das pra ças. Con se guiu, en -tre tan to, gran de nú me ro de les, apo de rar-se de al gu mas ca sas aban do na -das, que se acha vam des guar ne ci das por in su fi ciên cia da for ça e de onde nos fi ze ram al gum mal, sen do ne ces sá rio in cen di ar as di tas ca sas, a fim

A Cam pa nha de Ca nu dos 41

Page 40: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

de de sa lo já-los, o que con se gui mos de po is de al gum tra ba lho. Che ga dos a esta fase do com ba te, de po is de mais de qua tro ho ras de luta, co nhe -cen do que eles já se acha vam des mo ra li za dos, pela di fi cul da de com queres pon di am ao nos so fogo e por que já ten ta vam fu gir, pas sei a to mar aofen si va, e fiz per se gui-los até meia lé gua de distâ ncia, mor ren do mu i tos de les nes sa oca sião, e fi can do o res to com ple ta men te des ba ra ta do. Nãole vei mais lon ge a per se gui ção e man dei to car a re ti rar, por cons tar-meachar-se um gran de re for ço de les um pou co adi an te, e por es tar a nos sagen te can sa da e sem ali men tar-se des de a vés pe ra. Além dis so cum -pria-me re u nir os ele men tos que me res ta vam, a fim de re sis tir a umanova agres são que porven tu ra se des se. Se ria pou co mais ou me nosmeio-dia, quan do ter mi nou essa luta, com o re gres so de nos sas pra çasao acan to na men to, sem que du ran te a per se gui ção ti ves se so fri do pre ju í -zo al gum. Na fase mais agu da do com ba te, houve fogo in ces san te e re -nhi do de par te a par te, du ran te mais de qua tro ho ras. Todos os ofi ci a is,in fe ri o res e pra ças por ta ram-se nes sa gra ve emer gên cia com um he ro ís -mo e uma dis ci pli na sem par, o que mu i to con cor reu para o seu bomêxi to, fal tan do-me pa la vras com que pos sa ex pri mir o pro ce di men to no bre, cor re to e en tu si as ma dor de que de ram exu be ran tes pro vas, hon -ran do as sim a cor po ra ção a que per ten ce mos.

“Os ini mi gos de i xa ram no cam po e den tro das ca sas queocu pa vam mais de cen to e cin qüen ta ca dá ve res, sen do in cal cu lá vel onú me ro de fe ri dos que ti ve ram e dos que fo ram mor rer pela es tra da, ouden tro de ca a tin gas. As nos sas per das fo ram aliás in sig ni fi can tes quan toao nú me ro, sen do, po rém, do lo ro sa men te sen sí ve is e la men tá ve is, porte rem sido vi ti ma dos pe las ba las dos ban di dos o dis tin to e te me rá rioal fe res Car los Au gus to Co e lho dos San tos, o bom e des te mi do se gun do-sar -gen to Emé te rio Pe re i ra dos San tos Ba hia, os va lo ro sos cabo-de-es qua draMa nu el Fran cis co de Sou sa, ans pe ça da Antô nio Jo a quim do Bon fim,sol da dos Her cu la no Fer re i ra de Ara ú jo, Vi to ri no José dos San tos e JoãoCri sós to mo de Abreu, além do já men ci o na do Ba ce lar, que foi de go la do no co me ço da ação, ten do sido as sim a pri me i ra ví ti ma. Fi ca ram fe ri dos: gra ve men te – ca bos-de-es qua dra Ce sá rio João dos San tos, Ma nu elAntô nio do Nas ci men to, Pe dro Leão Men des de Agui ar, ans pe ça das Ti -bur ti no de Oli ve i ra Lima, Pa cí fi co Se ve ri a no da Sil va, José Ma ria Go -mes, Mi ner vi no Belo da Cruz, sol da dos José Antô nio Mo re i ra, Ca si mi ro

42 Aris ti des A. Milton

Page 41: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

de Fre i tas Pas sos, João Fer re i ra de Pi nho e Vir gí lio Ma nu el dos Reis; le -ve men te – ca bos-de-es qua dra Ata ná sio Fé lix de San ta na e Sa lus ti a noAlves de Oli ve i ra; ans pe ça das – João Evan ge lis ta de Lima e Ra fa el Pe re i -ra Car do so; sol da dos – Antô nio Bis po de Oli ve i ra e Fe li ci a no José dosSan tos. Fa le ce ram, tam bém na luta, os pa i sa nos Pe dro Fran cis co de Mo -ra is e seu fi lho João Ba tis ta de Mo ra is, que nos ser vi ram de gui as, e quese por ta ram com ga lhar dia na oca sião do com ba te, jun tan do-se à for ça e en fren tan do os ban di dos. Eram am bos ca sa dos e de i xa ram a fa mí lia sem re cur sos. Per de mos, por tan to, um ofi ci al, um in fe ri or, um cabo-de-es qua dra,um ans pe ça da e qua tro sol da dos, que com os dois pa i sa nos gui as dão umto tal de dez ho mens mor tos no re fe ri do com ba te. Me cum pre ain dano tar que al guns ca sos de mor te se de ram por ex ces sos de bra vu ra, pra ti -ca dos pe las ví ti mas que se ex pu nham sem ne ces si da de às ba las do ini mi go.Os ca dá ve res do ofi ci al e das pra ças fo ram cu i da do sa men te se pul ta dosna ca pe la do ar ra i al, os dos ban di dos fi ca ram in se pul tos por não dis por mos de tem po, de pes so al, nem dos ins tru men tos ne ces sá ri os para o en ter ra -men to de les. Fo mos for ça dos a re ti rar para o Ju a ze i ro, na tar de do mes mo dia do com ba te, não só para evi tar o mal que po de ria ad vir da de com -po si ção de tan tos cor pos, como tam bém pela fal ta de ví ve res e ou trosre cur sos em Uauá.

“Os ban di dos es ta vam ar ma dos em gran de par te com ca ra bi -nas Com bla in e Chu chu, ou tros ti nham ba ca mar tes, gar ru chas e pis to -las, e qua se to dos tra zi am, além das ar mas de fogo, gran des fa cões, fo i -ces e ma cha dos. O Dr. Antônio Alves dos San tos, mé di co ad jun to doExérci to, que acom pa nhou a for ça, pres tou re a is ser vi ços du ran te ocom ba te, tra tan do as pra ças fe ri das com in te res se e des ve lo, mos tran -do-se na al tu ra da hu ma ni tá ria mis são que lhe fora con fi a da; ten do, po -rém, de po is de ter mi na da a luta apre sen ta do sin to mas de de sar ran jomen tal, en tre guei os fe ri dos logo que che guei ao Ju a ze i ro aos cu i da dosdo fa cul ta ti vo ci vil Dr. Antônio Ro dri gues da Cu nha Melo, que se en -car re gou do tra ta men to, fa zen do-o com de di ca ção, so li ci tu de e in te res -se, ope ran do até al gu mas pra ças, no que foi au xi li a do pelo ci rur giãoden tis ta Brígi do Pi men tel, que mu i to se pres tou du ran te al guns dias com in can sá vel zelo.

“ARMAMENTO – O fu zil Mann li cher, de que se acha ain da ar -ma do o ba ta lhão, con quan to seja de re pe ti ção e de gran de al can ce, com

A Cam pa nha de Ca nu dos 43

Page 42: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

seu pro je til do ta do de uma for ça de pe ne tra ção ex tra or di ná ria, e dan doao tiro uma jus te za ad mi rá vel, con tu do não com pen sa com es sas boasqua li da des, ali a das a mu i tas ou tras que pos sui, o pre ju í zo re sul tan te daex tre ma de li ca de za de seu me ca nis mo que fa cil men te se es tra ga, fi can do o fu zil re du zi do a sim ples arma bran ca, quan do adap ta do no ex tre modo cano o com pe ten te sa bre-pu nhal. Bas ta um pou co de po e i ra ou umsim ples grão de are ia, in tro du zi do na câ ma ra, para que não pos sa o fer -ro lho fun ci o nar. Acon te ce, além dis so, que com o fogo um pou co pro -lon ga do os car re ga do res não po dem en trar no de pó si to com o nú me rode car tu chos re gu la men tar, di la ta-se o aço do cano que, au men tan do dediâ me tro, di fi cul ta a in tro du ção dos car tu chos para o tiro sim ples, nãopo den do a arma fun ci o nar como as de re pe ti ção. Daí um gran de nú me -ro de ar mas in ca pa zes para o seu mis ter na oca sião opor tu na, comoacon te ceu du ran te o com ba te em que tive de tomá-las das mãos das pra -ças, a fim de ver se con se guia fazê-las fun ci o nar, sen do in fru tí fe ros to -dos os es for ços nes se sen ti do. Mes mo em mu i tas das ar mas que fun ci o -na vam, o ex tra tor, peça de gran de de li ca de za, per di da a ne ces sá ria jus te -za e en fra que ci da a mola, de i xa va de ex tra ir o car tu cho, que ti nha de serex tra í do a mão, o que pre ju di cou a ra pi dez do tiro. Esse ar ma men to não con vém ao nos so exér ci to, por não dis por ain da este de me i os de trans -por te fá cil, rá pi do e cô mo do, de que dis põem os exér ci tos eu ro pe us;não me re ce a con fi an ça dos ofi ci a is, nem das pra ças que de les se uti li -zam, por não po de rem con tar, com se gu ran ça, com seus bons efe i tosnuma emer gên cia qual quer.

“Não obs tan te os as sí du os cu i da dos que tive pela boa con ser -va ção do ar ma men to das pra ças, pois que como é in tu i ti vo do es ta dodele de pen de ria, em gran de par te, em uma dada cir cuns tân cia, a vi tó riaou a der ro ta de nos sa for ça, ain da as sim tive o des pra zer de ob ser var oque ve nho de re fe rir. Du ran te o com ba te mu i tas ar mas fi ca ram tam béminu ti li za das por ou tros mo ti vos, umas per de ram os res pec ti vos fer ro lhos que sal ta ram com a vi o lên cia do cho que na de fe sa à arma bran ca, ou tras ti ve ram as co ro nhas par ti das a ta lhos de fa cão ou por ba las; al gu mas fi -ca ram com a ca mi sa do cano inu ti li za da por bala, mu i tas sem seus sa -bres-pu nha is, e ain da ou tras com os de pó si tos ar re ben ta dos. A po e i ra eas es ca bro si da des das es tra das, o ca lor de um sol abra sa dor e in su por tá vel,as con di ções em que fo ram fe i tas as mar chas, sem co mo di da de de or -

44 Aris ti des A. Milton

Page 43: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

dem al gu ma, tudo isso, frus tran do os meus pre vi den tes cu i da dos, de ram o re sul ta do aci ma apon ta do. Acon te ce ain da que es sas ar mas, que ser vi -ram na cam pa nha de S. Pa u lo e Pa ra ná, em mil oi to cen tos e no ven ta equa tro, já se acha vam bas tan te usa das, ten do a mor par te de las so fri docon ser tos. Ou tras fos sem as con di ções de re sis tên cia e so li dez de seume ca nis mo, e me lhor te ria sido o re sul ta do ob ti do na luta.

“FARDAMENTO – O das pra ças que com pu se ram a for ça demeu co man do fi cou bas tan te es tra ga do, em es ta do mes mo de não po der con ti nu ar a ser vir, de vi do à ação dos ra i os so la res, da chu va e da po e i ra,e ain da do uso cons tan te que dele fi ze ram, por ne ces si da de, pois quenão só mar cha vam, como dor mi am com ele, à no i te, so bre o solo nu ebar ren to das es tra das, pela fal ta de bar ra cas; e tam bém pela ne ces si da dede con ser var-se a for ça sem pre em ar mas em sí ti os cuja to po gra fia nosera des co nhe ci da, e onde não nos po día mos fiar em in for ma ções adre de pre pa ra das, com o in tu i to de nos ilu dir. Mu i tas pra ças ti ve ram ain da al -gu mas pe ças de seus uni for mes per di das por com ple ta men te inu ti li za -das, como fos sem tú ni cas de fla ne la cin zen ta e cal ça de pano ga ran ça,ras ga das pe los ga lhos das ár vo res e es pi nhos das pi ca das, es tra da, etc.Algu mas per de ram na mar cha as gra va tas de cou ro, ou tras ti ve ram nocom ba te os gor ros e os ca po tes cri va dos de ba las ou cu ti la dos a fa cão,em far ra pos e en san güen ta dos. Ain da ou tras per de ram os gor ros, le va -dos pe las ba las. O cal ça do in ca paz de re sis tir a uma mar cha tão lon ga, epor tão maus ca mi nhos, es tra gou-se, fi can do um gran de nú me ro de pra -ças des cal ças.

“DISCIPLINA – Foi man ti da em toda sua ple ni tu de, sem queti ves se ha vi do in fra ção al gu ma dig na de nota, du ran te todo pe río do demeu co man do. Qu ar tel da Pal ma, na Ba hia, 10 de de zem bro de 1896. –Ma nu el da Sil va Pi res Fer re i ra, te nen te.”

Ape sar da se gu ran ça com que o te nen te Pi res Fer re i ra fala dodes ba ra ta men to dos fa ná ti cos, a ver da de é – que a opi nião pú bli ca doEsta do não se sa tis fez com a vi tó ria, apre go a da por esse mi li tar.

Fos se por que Ca nu dos não ti nha sido ata ca do, fos se por que a re ti ra da da for ça im pres si o na ra mal os es pí ri tos, fos se en fim por que ossol da dos vol ta ram para Ju a ze i ro numa com ple ta de sor dem; cer to é –nin guém acre di tou que aque le tri un fo pu des se ser vir de cor re ti vo à gen -

A Cam pa nha de Ca nu dos 45

Page 44: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

te do Con se lhe i ro, ou pro du zir qual quer efe i to fa vo rá vel à tran qüi li da dedas pa ra gens que ela es ta va alar man do.

Mu i to pelo con trá rio, cres ceu com a no tí cia da ocor rên cia opres tí gio do ve lho ce a ren se.

Os seus an ti gos cor re li gi o ná ri os re do bra ram-lhe a con fi an ça,e fi ze ram ma i or pra ça do seu va lor.

E a emi gra ção para Ca nu dos au men tou des me di da men te.Foi com cer te za im pres si o na do por es ses fa tos que, a 22 de

de zem bro de 1896, o co mis sá rio de po lí cia do mu ni cí pio de Pom bal re -sol veu ofi ci ar ao che fe res pec ti vo, nos ter mos que se se guem:

“Exmo. Sr. – Cor re-me o de ver de le var ao vos so co nhe ci -men to, além do es ta do de afli ção em que se acha a po pu la ção des te mu -ni cí pio, em con se quên cia do ter ror que têm in cu ti do as ame a ças de de -vas ta ção e ani qui la men to, que to dos os dias lhe fa zem os fa ná ti cos deAntô nio Con se lhe i ro, as ocor rên ci as pos te ri o res ao com ba te de Uauá,que se têm dado no ter ri tó rio des te ter mo e nos cir cun vi zi nhos.

“Pa re ce que se de cor rerem mais al guns dias, sem que se tra venovo com ba te en tre as for ças le ga is e os se qua zes de Antô nio Con se -lhe i ro, a po pu la ção des te mu ni cí pio e a dos li mí tro fes fi ca rão re du zi dasa me nos da me ta de, ten do em vis ta os nu me ro sos gru pos que têm sa í do em di re ção a Ca nu dos, no pro pó si to de re for çar os fa ná ti cos de Antô -nio Con se lhe i ro.

“To dos os dias che gam a esta vila no tí ci as ver da de i ras, tra zi -das por pes so as que mo ram à mar gem das es tra das que con du zem a Ca -nu dos, da pas sa gem de gran des gru pos de ho mens ar ma dos, que se di ri -gem para ali, no em pe nho por eles con fes sa do de se ba te rem e mor re -rem pelo seu Bom Je sus, pois tal é o modo por que eles tra tam esse ho -mem per ni ci o so, que tan tos ma les já tem ca u sa do a esta zona ser ta ne ja,se ri a men te ame a ça da por ele, e pe los seus, de ma i o res da nos.

“Ain da hoje tive in for ma ção de te rem sido en con tra dos, on -tem, en tre as fa zen das Sal ga do e Jun co, no ex tre mo des ta fre gue sia coma do Maç a ca rá, cen to e mu i tos ho mens ar ma dos, que di zi am ir para Ca -nu dos “cor tar sol da dos”. Estes e to dos que lá es tão as se ve ram – quenão têm medo de mor rer, por quan to a mor te para eles, se gun do a ga -

46 Aris ti des A. Milton

Page 45: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ran tia que lhes dá Antô nio Con se lhe i ro, im por ta uma mu dan ça para oCéu.

“Infe liz men te, não são so men te os mu ni cí pi os des ta zona que têm con tri bu í do com re for ços nu me ro sos para a con ti nu a ção da luta en -tre Antô nio Con se lhe i ro e o Go ver no, pois é pú bli co e no tó rio nes tavila, por no tí ci as vin das de di ver sos pon tos do rio São Fran cis co, que de di ver sas lo ca li da des da que le ser tão têm des ci do para Ca nu dos gran descon tin gen tes de ho mens ar ma dos e de mu ni ções bé li cas.

“Con tam como cer to – que so men te da Vár zea da Ema, mu -ni cí pio de Ca pim Gros so, que é um homi zio de cri mi no sos da que le ter -mo e de ou tros, fo ram du zen tos e mu i tos ho mens ar ma dos, e de Ro de -los, ter mo de Cur ral dos Bois, tre zen tos e tan tos.

“As au to ri da des de vá ri os mu ni cí pi os, além de mu i tos ou trosci da dãos, que têm de al gu ma sor te fe i to opo si ção à pro pa gan da dos su -pos tos mi la gres do cé le bre fa ná ti co, es tão ame a ça dos de mor te por ele e pelo seu sé qui to. A no tí cia da re ti ra da da tro pa de li nha ca u sou pro fun -do e ge ral de sâ ni mo em todo este ser tão, e ins pi rou gran de vi gor aos fa -ná ti cos, que vêem nis to um mi la gre do san to cuja vi tó ria eles já ga ran -tem. Sa ú de e fra ter ni da de. – Exmo. Sr. Dr. che fe de Po lí cia e se gu ran çada Ba hia. – O co mis sá rio de po lí cia, Alcides do Ama ral Bor ges.”

Como quer que fos se, o go ver no ca re cia res ta be le cer a suafor ça mo ral, in con tes ta vel men te aba la da.

E com esse fim tra tou ele de or ga ni zar uma ou tra ex pe di ção,que de ve ria ser mais res pe i tá vel pelo nú me ro de sol da dos, que a com pu -ses se, tan to quan to mais bem apa re lha da para o cam po de ação, em quete ria de agir.

O ma jor Fe brô nio de Bri to, do 9º de Infan ta ria do Exér ci to,foi no me a do en tão para co man dar essa for ça, que se ria for ma da por300 pra ças de li nha e 100 da po lí cia ba i a na. Mas, da que las ape nas 100pu de ram par tir.

Com a di li gên cia se gui ram 8 ofi ci a is do Exér ci to e três docor po de po lí cia, um mé di co, um far ma cêu ti co e um en fer me i ro com acom pe ten te am bu lân cia, além de um ca nhão Krupp, ca li bre 8, con ve -ni en te men te guar ne ci do, e acom pa nha do de al gu ma mu ni ção.

A Cam pa nha de Ca nu dos 47

Page 46: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O co man dan te da ex pe di ção foi au to ri za do pelo go ver na dor a des pen der por con ta do Esta do o que jul gas se ne ces sá rio para bom êxi toda in cum bên cia, que lhe es ta va co me ti da. E se ex pe di ram, si mul ta ne a -men te, di ver sas pro vi dên ci as no sen ti do de se lhe pres ta rem to dos osme i os de trans por te e ou tros ele men tos de que vi es se a ca re cer du ran tea sua mar cha.

O juiz de di re i to do Ju a ze i ro re ce beu, en tão, or dem de setrans por tar para a vila de Qu e i ma das, que fica mais per to de Ca nu dos, eonde de ve ria ele au xi li ar a mo bi li za ção da for ça ex pe di ci o ná ria.

No dia 25 de no vem bro, en tre tan to, pas sou esse ma gis tra doum te le gra ma ao go ver na dor par ti ci pan do-lhe que o Con se lhe i ro dis pu nhade um nú me ro su pe ri or a mil ho mens, ar ma dos, mu ni ci a dos e bem en trin che i ra dos.

Na mes ma data, a ex pe di ção se pôs a ca mi nho, e a 26 en trouela em Qu e i ma das, de onde aque le juiz te le gra fou de cla ran do nada ter fal -ta do ao ma jor, que es ta va sa tis fe i to.

A seu tur no, o ma jor Fe brô nio ex pe diu des pa chos te le grá fi -cos, tan to ao go ver na dor como ao che fe de po lí cia da Ba hia. Ao pri me i -ro di zia pa re cer-lhe – a ele – po der ata car Ca nu dos com van ta gem, bas tan dopara isto de 400 a 500 e pou cos ho mens; ao se gun do as se gu ra va – que os co -mis sá ri os de Ser ri nha e de Qu e i ma das ti nham se mos tra do in can sá ve is, as sim como o juiz de di re i to de Ju a ze i ro, que com ele acha va-se des de a vés pe ra.

Ven ci das que fo ram pe que nas di fi cul da des, a co lu na mar choucom des ti no a Mon te San to, onde pre ten dia des can sar al guns dias, an tes de em pre en der o ata que con tra Ca nu dos. Mas, em che gan do ao sí tio de -no mi na do Can sa nção, dis tan te 25 qui lô me tros – mais ou me nos – da -que la vila, re ce beu or dem do ge ne ral Fre de ri co Sólon de S. Ri be i ro, co -man dan te do res pec ti vo dis tri to, para re gres sar a Qu e i ma das.

Assim re sol ven do, o ge ne ral ma ni fes ta va jun ta men te a idéia deor ga ni zar uma se gun da co lu na, que de ve ria ter à fren te um ca pi tão, sen doque am bas fi ca ri am des de logo sob o co man do ge ral de um co ro nel.

O go ver na dor do Esta do, ten do ciên cia des se pla no, man doupon de rar ao co man dan te do dis tri to – que era des ne ces sá ria a se gun daco lu na pro je ta da, bas tan do que fos se en vi a do o co ro nel Pe dro Ta ma rin do com cem pra ças es ta ci o nar em pon to in ter me diá rio, de onde pu des se acu dir

48 Aris ti des A. Milton

Page 47: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

a qual quer re qui si ção ur gen te, in for man do ao mes mo tem po ao go ver no das ocor rên ci as, e so li ci tan do as me di das que fos sem con ve ni en tes.

O ge ne ral, po rém, não re qui si tou do go ver na dor os re cur sosin dis pen sá ve is para a par ti da do co ro nel Ta ma rin do. E quan do o che fede po lí cia foi sa ber da ra zão des se fato, ob te ve como res pos ta – que seti nha or de na do o re gres so do ma jor Febrô nio de Bri to para Qu e i ma das,em vir tu de de ha ver este te le gra fa do, ale gan do fal ta de víve res e água para con ti nu ar a sua mar cha.

O go ver na dor fez tor nar o che fe de po lí cia à pre sen ça do ge -ne ral para lem brar-lhe – que, em tais con di ções se ria pre fe rí vel que a for ça se guis -se para Mon te San to, re la ti va men te per to do lu gar onde já se acha va ela, eque so bre tu do dis pu nha de man ti men tos em abun dân cia. O co man dan -te do dis tri to re cu sou se me lhan te al vi tre, ale gan do o re ce io de ser sa cri -fi ca da a for ça nes sa vila.

A esse tem po, o ma jor Febrônio de Bri to, apre ci an do a or dem que ha via re ce bi do, te le gra fa va ao ge ne ral Só lon nos ter mos que se vãoler em se gui da: Re gres sar Qu e i ma das con si de ro im pru dên cia. Pen so mo men to urge avan çar Ca nu dos. De mo ra tem pre ju di ca do in di zí vel en tu si as mo, que tive fe li ci da dein cu tir for ça.

Do con fron to des se te le gra ma com a res pos ta do ge ne ral, aci -ma in di ca da, se con clui – que hou ve pelo me nos um equí vo co la men tá -vel na apre ci a ção dos acon te ci men tos.

Des de quan do o ma jor Febr ônio pen sa va ser ur gen te avan çarso bre Ca nu dos, e ne nhu ma pro vi dên cia re cla ma va nes te sen ti do, não sepode con ce der – que sen tis se fal ta de víve res e água; pois em tais con di -ções não po de ria su ge rir aque le pa re cer. Não é de cer to ad mis sí vel – queo res pon sá vel por uma di li gên cia de ta ma nha im por tân cia con si de ras seim pru dên cia tor nar ao pon to de sua par ti da e, pelo con trá rio, acon se -lhas se o ata que ime di a to, se re al men te ca re ces se de pro vi sões para a co -lu na con fi a da ao seu co man do, e que ti nha de tra var com os ja gun çosuma luta, cujo al can ce e du ra ção era im pos sí vel com cer te za cal cu lar.

A or dem de re gres so, po rém, não foi mo di fi ca da. De modoque, mu i to em bo ra a con tra gos to, o ma jor Febrô nio teve que vol tar para Qu e i ma das; obe de ceu re sig na do ao su pe ri or hi e rár qui co.

A Cam pa nha de Ca nu dos 49

Page 48: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O Go ver no do Esta do, con tu do, dis sen tin do da me di da as sim to ma da, e aten den do à con ve niên cia de guar ne cer Mon te San to, ater ra -da por cons tan tes ame a ças, e, mais do que qual quer ou tra, ex pos ta à in -va são dos ja gun ços, de ter mi nou ao con tin gen te do re gi men to po li ci al que, sob o co man do do ca pi tão Vir gí lio Pe re i ra de Alme i da, fa zia par te daex pe di ção, se des li gas se dela e fos se aguar dar or dens e re for ços na que lavila.

Entre men tes, o ge ne ral Só lon era exo ne ra do do co man do dodis tri to, já por ha ver o go ver na dor, es cre ven do ao vice-pre si den te da re -pú bli ca, dito – que jul ga va pre ju di ci al à Ba hia a per ma nên cia aí do re fe -ri do mi li tar, tal era a pre ven ção do es pí ri to des te so bre os ne gó ci os lo ca is; já por ter o mi nis tro in te ri no da Gu er ra – ge ne ral Di o ní sio de Cer que i rain for ma do – que aque le seu co le ga ex ce de ra as or dens re ce bi das, e con -sen ti ra na pu bli ca ção dos pla nos de ata que a Ca nu dos.

O co ro nel Sa tur ni no Ri be i ro da Cos ta Jú ni or, as su min do in te -ri na men te o co man do do dis tri to, re sol veu apro ve i tar a idéia, e sa tis fa zer os de se jos do ma jor Febrô nio, fa zen do-o mar char con tra Ca nu dos.

Ten do re ce bi do, nes te sen ti do, a co mu ni ca ção ne ces sá ria, res -pon deu – no dia 20 de de zem bro – o ma jor Fe brô nio com o te le gra mase guin te:

“Cum pri rei vos sas or dens, aguar dan do o trem. Ca nhão se gueama nhã, e 15 pra ças do en tes. For ças exér ci to pre ci sam re mon ta 100 ho -mens, pelo me nos, e ofi ci a is. Se gue um acom pa nhan do do en tes. Jul gocon ve ni en te man de is subs ti tu ir al fe res Ara ú jo, do 5º. Man dai bom ar ti -lhe i ro. Ca nu dos po dia a esta hora es tar sen do li qui da do, se não fos semcon tra ri e da des a que me sub me te ram, aba ten do até in di zí vel en tu si as mo da for ça. Vida pú bli ca tem des tes re ve zes.”

Da le i tu ra des te des pa cho se con clui – quan to fora pe no so ao ma jor Febrô nio de Bri to obe de cer à or dem de re gres so, que ino pi na da -men te lhe ha via sido trans mi ti da. Ele de i xa va trans pa re cer ali toda a má -goa que o afli gia, por ter per di do a me lhor opor tu ni da de de ba ter os as -se clas do Con se lhe i ro; nem ou tras po di am ser as con tra ri e da des a quealu dia o dig no mi li tar.

Se com pre en de rá me lhor men te este acer to, co te jan do aque lete le gra ma com ou tros pas sa dos em data an te ri or pelo re fe ri do ma jor.

50 Aris ti des A. Milton

Page 49: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Assim é que, em 27 de no vem bro, di zia ele ao che fe de po lí cia:“Aguar do or dens. Ofi ci a is e pra ças es ta du a is cor re tís si mos.

Ban di dos en gros sam Ca nu dos. Cre io de belá-los de fi ni ti va men te. Estána mi nha honra de sol da do.”

E não foi isto só. No dia se guin te, o co man dan te da ex pe di -ção se ex pri mia des te modo:

“Aqui bo a tos de sen con tra dos sem po si ti vi da de van da lis moban di dos. Pes soa on tem che ga da de Tri un fo in for ma Con se lhe i ro terman da do guar ne cer to das es tra das Ca nu dos evi tar fuga par te sua gen te,exe cu tan do al guns pre ten di am. Cre io ha ver pâ ni co co vil per ver so. Ansi o soen trar ope ra ções de fi ni ti vas Ca nu dos. Te le gra fo ao ge ne ral ur gên cia vin -da for ça para êxi to com ple to.”

Ain da, a 7 de de zem bro, o major Febr ônio di ri gia ao co man -dan te do dis tri to o te le gra ma aba i xo:

“Bo a tos Con se lhe i ro in se gu ros, de vi do ig no rân cia trans mis so -res. Cre io po der ata car Ca nu dos com van ta gem, fa zen do ba i xar for ça edis por nú me ro for mar co lu nas de ata que e as sal to que pre ten do. Bas ta -rão de 500 a 400 e pou cos ho mens. Di zem ha ver gros so ban di dos foratrês lé guas re ce ber for ça. Me lhor. Urge ope ra ções se jam de fi ni ti vas. Emtem po co mu ni ca rei pla no, obe de cen do con di ções to po grá fi cas.”

Ora, não se con ci lia o de se jo, as sim ma ni fes ta do, de en trar em ope ra ções de fi ni ti vas para de be lar os ban di dos, nem tam pou co a pre sun ção dere i nar en tre eles o pâ ni co, nem fi nal men te o pen sa men to de ser aque le pas so im pos to pela hon ra mi li tar, com a de cla ra ção, que sete dias de po is atri bu iu-seao ma jor Fe brô nio – de não po der mar char, por ca rên cia de ví ve res eágua.

So bre le va não es que cer – que o co man dan te da ex pe di ção,que a 7 de de zem bro acre di ta va po der ata car Ca nu dos com van ta gem, de po is,a 14, ain da con si de ra va uma im pru dên cia re gres sar a Qu e i ma das, quan do oque ur gia era avan çar so bre Ca nu dos.

E for ço so é con vir: a or dem para o re gres so do ma jor Fe brô nionão con tra ri a ra so men te a este mi li tar. Ela ti nha im pres si o na do de sa gra -da vel men te quer as au to ri da des, quer os ha bi tan tes de Mon te San to,como se in fe re de vá ri os te le gra mas en tão pu bli ca dos.

A Cam pa nha de Ca nu dos 51

Page 50: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Em todo o caso, não se fez de mo rar o go ver na dor em sa tis fa -zer a so li ci ta ção do ma jor Febr ônio, qua nto à re mon ta por este aven ta -da. De sor te que, den tro de al guns dias, o efe ti vo das for ças ex pe di ci o -ná ri as atin gia ao nú me ro de 600 ho mens, pois que ti nha sido re for ça do,não só com as 100 pra ças do exér ci to pe di das, mas tam bém com ou trastan tas da po lí cia ba i a na.

O Dr. Félix Gas par de Bar ros e Alme i da, che fe da po lí cia ese gu ran ça pú bli ca, se guiu nes sa oca sião para Qu e i ma das, a fim de con fe -ren ci ar com o re fe ri do ma jor so bre os me i os de mo bi li zar mais fá cil epron ta men te a for ça, para cujo for ne ci men to pro vi den ci ou ele, tan to ali,quan to em di ver sos pon tos da es tra da de fer ro, de modo que pou cos dias de po istoda ela mar chou mu ni da dos ele men tos que re qui si ta ra o seu co man dan te.

Em Mon te San to, se re u niu de novo à ex pe di ção o con tin gen -te da polí cia ba i a na, que dela se ti nha dias an tes des li ga do.

Con vém re gis trar – que hou ve em pe nho de ci di do em au xi li ara ex pe di ção, já por par te das au to ri da des, já por par te dos ci da dãos mais qua li fi ca dos. Pro va-o de so be jo o te le gra ma que, em 25 de de zem bro, oma jor Febr ônio fez pas sar ao mes mo che fe de po lí cia:

“Co ro nel Fe lis ber to”, di zia ele, “aca ba re me ter-me 20 ani ma is grá tis, só ven cen do con du to res. Ma i or di fi cul da de aqui fal ta ar re i os tra -ção. Não apa re cem. Des pe sas con du to res se rão car go co mis sá rio Mon te San to, au xi li ar ati vo.”

Era a con fir ma ção do que já o mes mo ma jor ha via ex ter na do, re la ti va men te aos co mis sá ri os de po lí cia de Qu e i ma das e Ser ri nha, note le gra ma de 26 de no vem bro a que atrás alu di.

Mas, to dos es ta vam de acor do em que o ata que ao re du to deCa nu dos po dia ser ten ta do com van ta gem, pois re pu ta vam su fi ci en tespara essa em pre sa as for ças de que se com pu nha a se gun da ex pe di ção.

Di zia um te le gra ma as si na do pelo juiz de di re i to Dr. Ge nesFon tes e por mais 50 ci da dãos den tre os me lho res do lu gar:

“Au to ri da des, po pu la ção Mon te San to, em nome, vida e hon -ra, fa mí lia bra si le i ra, pede fa ça is quan to an tes mar char for ça co man doma jor Fe brô nio, de ti da qua tro lé guas aquém Mon te San to, a fim ne u tra -li zar as sal to pre su mi do, ou pre pa ra ti vos fuga ban di dos. For ça atu al pode mar char Ca nu dos van ta jo sa men te, se não en ten der des guar dar Mon te

52 Aris ti des A. Milton

Page 51: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

San to até re u nião de fi ni ti va. Ban di dos en co va dos Ca nu dos de mons trampâ ni co, aba ti men to mo ral.”

Por sua vez, o pro mo tor pú bli co da men ci o na da co mar ca deMon te San to, o Dr. Ho nó rio de Lima, di zia:

“Co mu ni co-vos que on tem che gou a esta vila uma for ça dore gi men to po li ci al, co man da da por um ca pi tão. Ou tros sim, te nho a hon -ra de co mu ni car-vos ter che ga do ao meu co nhe ci men to a sa í da da for çafe de ral sob o co man do do ma jor Fe brô nio de Bri to, acam pa da a qua trolé guas de dis tân cia des ta vila, e aqui de há mu i to es pe ra da. A de mo ra dache ga da das for ças a esta vila está ani man do a Antô nio Con se lhe i ro, eseus se qua zes ame a çam vir a esta vila sol tar pre sos e as sas si nar as au to -ri da des. Côns cio de vos so pa tri o tis mo e de se jo pro va do de tor nar umare a li da de a pa ci fi ca ção de nos sos ser tões, e cum prin do o de ver de pôr àvos sa dis po si ção os meus ser vi ços, peço li cen ça para afir mar – que asfor ças de que é co man dan te o ma jor Fe brô nio de Bri to são, a meu ver,su fi ci en tes para le var a efe i to a pa ci fi ca ção.”

Ambos os te le gra mas, ago ra ci ta dos, fo ram ex pe di dos em 14de de zem bro, isto é, na mes ma data em que o re fe ri do ma jor te le gra fa raao co man dan te do dis tri to, opi nan do – que re gres sar a Qu e i ma das eraim pru dên cia.

Sa li en tou mais ain da o co mis sá rio de po lí cia de Mon te San too fu nes to erro, quan do em 17 de de zem bro, tam bém por te le gra ma, seex ter nou por este modo: se não fos se im pe di da a mar cha do ma jor Febr ônio, es -ta va li qui da da a ques tão e res ti tu í da a paz ao Esta do.

Qu a se ao mes mo tem po, um ca pi tão de po lí cia, que fora aMon te San to com re for ço, e a in cum bên cia de ve ri fi car a si tu a ção realdos ja gun ços, en tre ou tras in for ma ções, es cre via – que a for ça es ta va an si o sapara dar com ba te ao Con se lhe i ro, o qual não ti nha mais de 1000 com ba ten tes, comar mas atra sa das.

A tudo isso se jun ta va a cir cuns tân cia de ha ver o co man dan teda 1ª ex pe di ção dito ao go ver na dor – que se dis pu ses se de mais 100 pra ças em Uauá, te ria ba ti do a gen te de Antô nio Con se lhe i ro, e to ma do Ca nu dos.8

A Cam pa nha de Ca nu dos 53

8 Men sa gem do Cons. L. Vi a na, di ri gi da à Assem bléia Le gis la ti va da Ba hia, em 7 deabril de 1897.

Page 52: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Não será de ma is re cor dar aqui que, ten do che ga do a Mon teSan to, de po is de três dias de mar cha a ex pe di ção co man da da pelo ma jor Febr ônio de Bri to, foi re ce bi da com as ma i o res de mons tra ções de en tu -si as mo e ale gria. Des per ta ra ela a má xi ma con fi an ça a to dos que re ce a -vam as agres sões dos fa ná ti cos, e pen sa vam – que mu i to im por ta va pôrco bro àque le es cân da lo, e ter mi nar aque la ver go nha de Ca nu dos.

E se hou ve, ao de po is, quem cri ti cas se a de mo ra de 17 dias,que a ex pe di ção teve ali, se com pre en de o fato per fe i ta men te bem. Nes -se es pa ço de tem po, o Con se lhe i ro po de ria pre pa rar me i os mais efi ca -zes de de fe sa, re u nir os seus pro sé li tos au sen tes, re ce ber au xí lio de todaor dem, re me ti dos de fora. Acres cia – que a pas ta gem es ta va já ra re an do, e tal vez den tro em pou co de sa pa re ces se de todo, o que pre ju di ca riaimen sa men te a ca va lha da ao ser vi ço da ex pe di ção.

Mas o co man dan te des ta jus ti fi ca va a sua de mo ra com a fal tade sol do para a for ça fe de ral, o que fez o go ver na dor da Ba hia adi an tar20:000$000 pe los co fres es ta du a is, a fim de aten der àque le pa ga men to,re mo ven do con se guin te men te o obs tá cu lo ale ga do.

No tou-se, con tu do, que, du ran te a per ma nên cia da for ça emMon te San to, nin guém hou ves se su ge ri do a idéia de se ex plo rar ca u te -lo sa men te o ter re no, es co lher sí ti os com agua das e pon tos para de pó si -tos de pro vi sões, como me i os de pre ve nir aci den tes da luta pres tes a setra var.

As mu ni ções é que fo ram to ma das por ba lan ço, ve ri fi can -do-se en tão a exis tên cia – em Mon te San to – de 110.000 car gas para asar mas Mann li cher e de 60.000 para as ar mas Com bla in.

Tudo, pois, leva a crer – que o co man dan te da ex pe di ção des -pen dia o tem po em re co lher e pon de rar no tí ci as acer ca das po si ções que o Con se lhe i ro ocu pa va, e do nú me ro de com ba ten tes de que este dis pu -nha; con quan to pou co pu des se com isto adi an tar, pois as in for ma çõesob ti das eram po si ti va men te con tra di tó ri as. E de fato, os acon te ci men tos pos te ri o res vi e ram con ven cer de que o ma jor Febr ônio não con se gui raapo de rar-se da ver da de.

De cor ri das, en tre tan to, al gu mas se ma nas, a ex pe di ção le van -tou acam pa men to, de con for mi da de com as or dens trans mi ti das peloco ro nel Sa tur ni no, que as ha via com bi na do com o con se lhe i ro go ver na -dor do Esta do.

54 Aris ti des A. Milton

Page 53: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Trans pôs ela vi to ri o sa men te as gar gan tas es tre i tas das ser rasde Ca i pã e Cam ba io. Na ar ti lha ria, que le va va, pu nha o ma jor Fe brô nioas es pe ran ças mais li son je i ras. Afi gu ra va-se-lhe mes mo que, logo aospri me i ros dis pa ros, os ser ta ne jos ba i a nos, ca ren tes de ins tru ção mi li tar,des co nhe ce do res das es co las de tiro, sem ca nhão que pu des sem opor ao ca nhão que os ame a ça va, te ri am que se ren der ou fu gir.

Assim, po rém, não su ce deu.A 16 de ja ne i ro de 1897 as for ças es ta du al e fe de ral, ao man -

do do ma jor Febr ônio de Bri to, ti nham à vis ta as avan ça das da gen te deAntô nio Con se lhe i ro. No dia se guin te, de po is do ne ces sá rio re co nhe ci -men to, ve ri fi cou-se que os fa ná ti cos, va len do-se das con di ções na tu ra isdo ter re no, de si gual e mon ta nho so, de onde sur gia uma ro cha viva, for -man do uma pre ci o sa trin che i ra, acha vam-se co lo ca dos em po si çõesmag ní fi cas, de modo que era tão di fí cil quan to ar ris ca do ata cá-los porpon tos di fe ren tes.

No dia 18 a for ça se mo veu, se bem que cus to sa men te; e, dis -pos ta a ar ti lha ria como mais con vi nha, rom peu esta o fogo às 10 ho rasda ma nhã, sen do se cun da da pela in fan ta ria. Era a res pos ta en de re ça daaos ja gun ços, que des de cedo es ta vam ati ran do con tra os sol da dos dale ga li da de.

O com ba te du rou 5 ho ras, inin ter rup to e re nhi do. À 1 horada tar de, ain da os fa ná ti cos não ti nham ce di do um pas so se quer. O ma -jor Fe brô nio, en tão, re u niu to dos os ofi ci a is, e di vi diu a co lu na para oas sal to, que se efe tu ou fe liz men te. Aban do na da afi nal a trin che i ra, ocom ba te con ti nu ou me nos nu tri do, sen do os ja gun ços de sa lo ja dos de suas po si ções ao lon go da es tra da.

Às 3 ho ras da tar de, a for ça acam pou a 6 qui lô me tros dis tan -tes de Ca nu dos. No te a tro da ação ja zi am mor tas qua tro pra ças, exis tin -do mais de 20 fe ri das. Além des tas, dous ofi ci a is do exér ci to e um dapo lí cia ba i a na acu sa vam fe ri men tos tam bém. Não foi pos sí vel co nhe cercom exa ti dão as per das, que a gen te do Con se lhe i ro so freu, mas fo ramelas as saz con si de rá ve is. E é for ço so, con fes sar – que, de lado a lado, sepra ti ca ram ver da de i ros pro dí gi os de va lor.

Nem tudo, en tre tan to, fi ca ra ter mi na do.

A Cam pa nha de Ca nu dos 55

Page 54: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

No dia 19, pe las 7 ho ras da ma nhã, no mo men to em que afor ça le gal se mo via de Ta bu le i ri nho para em pre en der o ata que a Ca nu -dos, foi ino pi na da men te en vol vi da por uma enor me mas sa de ini mi gos.Hou ve al guns mo men tos de in de ci são, ca u sa da pela sur pre sa do fato;mas a or dem logo de po is se res ta be le ceu, tor nan do-se em se gui da for -mi do lo so e ge ral o com ba te.

E, para re sis tir ao ím pe to da agres são, que si mul ta ne a men teir rom pia da fren te, da re ta guar da e dos flan cos, o co man dan te da ex pe -di ção man dou for mar qua dra do; acon te cen do que a ar ti lha ria foi en tãopu xa da a pul so, por fal ta de ani ma is, como ele pró prio nar rou no “te le -gra ma par te”, que fez ex pe dir ao che fe do dis tri to mi li tar.

A to dos ad mi ra va a pres sa com que re fa zi am-se os di fe ren tesgru pos de ja gun ços .

Quem qui ser, no en tan to, aqui la tar a bra vu ra e o de no do, com que se pe le jou nes sa nes ga de ter ri tó rio, até en tão des co nhe ci da, bas ta rása ber – que os ja gun ços vi nham, im pe li dos por uma in tre pi dez in do má -vel, mor rer abra ça dos aos ca nhões, quen tes ain da do vo mi tar das ba las e das me tra lhas! Inves ti am com ar dor e de ses pe ro, pró pri os de fa ná ti cos,ain da em cima con ven ci dos de que, se mor res sem, res sus ci ta ri am logode po is para go zar nes te, ou nou tro mun do me lhor, exis tên cia fol ga daem meio de de lí ci as e pra ze res en ton te ce do res.

E ja zi am já pros tra dos, apro xi ma da men te, 700 ca dá ve res decor re li gi o ná ri os do Con se lhe i ro. Dos sol da dos da le ga li da de seis ha vi am tom ba do, mor tos tam bém; sem fa lar em mais de 60, que sa í ram con tu -sos ou fe ri dos.

A ação ia em meio, ain da, quan do o ma jor Febr ônio pre viuque não po de ria sus ten tá-la; e, con sul tan do a opi nião dos ofi ci a is, queser vi am sob seu co man do, re sol veu a re ti ra da para Mon te San to, ondeiria aguar dar or dens, re que rer con se lho de guer ra, e pe dir quem o subs -ti tu ís se na ma lo gra da ex pe di ção.

Des gra ça da men te, não foi in cru en ta a ma no bra exe cu ta dacom esse in tu i to. Mon te San to dis ta 104 qui lô me tros, mais ou me nos, de Ta bu le i ri nho. De re gres so, a for ça le gal so freu cin co ba i xas, ain da.

Eram 6 e meia ho ras da tar de. Só en tão foi que o ma jorFe brô nio jul gou tudo sal vo, e pôde al can çar uma boa po si ção de fen si va.

56 Aris ti des A. Milton

Page 55: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

A des pe i to da di fe ren ça dos nú me ros, que fica aí con sig na da,nin guém acre di tou – que Antô nio Con se lhe i ro se hou ves se con si de ra do ba ti do pela for ça do Go ver no. Mu i to pelo con trário.

A cir cunstância de não ter o ma jor Febr ônio pe ne tra do emCa nu dos, de que aliás tão per to se acha ra, vi nha se re u nir ao in su ces sode Uauá para agra var mais ain da a si tu a ção, já de si mes ma sin gu lar e de -li ca da.

Efe ti va men te. Se por uma par te os ja gun ços ti ra vam des sesacon te ci men tos mo ti vo para do brar de co ra gem e para cres cer de ou sa -dia, de ou tro lado a dú vi da e o sus to in va di am to dos os es pí ri tos que,pro fun da men te so bres sal ta dos, ex plo di ram num gri to so le ne e al te ro sode aler ta pela pá tria e pela re pú bli ca.

De bal de, o ma jor Fe brô nio afir ma va que, se hou ve ra tidome i os rá pi dos de mo bi li zar o pes so al, em tudo su fi ci en te, se ria ine vi tá -vel o tri un fo, não obs tan te o ini mi go dis por de nú me ro su pe ri or a 5.000com ba ten tes. De bal de, tam bém, ele ale ga va que se lhe ha via es go ta do amu ni ção de ar ti lha ria, e pou co res ta va da de in fan ta ria, no mo men to em que se ti nha de ci di do pela re ti ra da, com pa rá vel no seu con ce i to à deBour ba ki so bre as fron te i ras da Su í ça. De bal de, fi nal men te, o co man -dan te da ex pe di ção lem brou – que me lhor lhe te ria sido dar o as sal topor Je re mo a bo e por Ma ça ca rá.

De bal de, por quan to a to dos pa re ceu que ao mes mo co man -dan te cum pria re cla mar das au to ri da des com pe ten tes qua is quer me di -das, que por ven tu ra su pu ses se ne ces sá ri as para levar a bom ter mo o seuco me ti men to. E só na hi pó te se de lhe se rem elas ne ga das, ou re pu di a doal gum pla no su ge ri do por si, po de ria en tão cul par o Go ver no pelo mauêxi to da di li gên cia em pre en di da.

Sabe-se, porém, que só pelo ar se nal de guer ra da Ba hia fo ram for ne ci dos à ex pe di ção 49.500 car tu chos em ba la dos para ca ra bi nasMann li cher e 50 ca ra bi nas des te sis te ma.

Sabe-se, igual men te, que com a mes ma ex pe di ção se gui ram o1º-sar gen to da com pa nhia de ope rá ri os mi li ta res do dito ar se nal – JoãoBa tis ta de Me di na, e o sol da do João Ba tis ta Mon te i ro, para se en car re gar dos pe que nos co nser tos de que vi es sem a ca re cer as ar mas de fogo daspra ças des ta ca das. E que le va ram eles con si go uma for ja por tá til, per -ten cen te ao re gi men to po li ci al do Esta do, uma pe que na ban ca da, uma

A Cam pa nha de Ca nu dos 57

Page 56: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

sa fra, e mais fer ra men ta in dis pen sá vel no caso, fora mu i tas mo las em es -pi ral, de so bres sa len te.

Pelo alu di do ar se nal, ain da, fo ram re me ti dos com des ti no àex pe di ção dous ca nhões Krupp 7,5 com os res pec ti vos re pa ros, ar mõese com pe ten tes ar re i os de tra ção; bem como três me tra lha do ras Nor den -felt, che ga das da Ca pi tal Fe de ral no pa que te Olin da, que an co rou nopor to da Ba hia em 5 de de zem bro de 1896.

Assim, pois, é para acre di tar – que um erro de apre ci a ção foia ca u sa úni ca de não ter sido com ple ta a vi tó ria das ar mas le ga is, noscom ba tes fe ri dos em ja ne i ro. O co man dan te da ex pe di ção teve de en -fren tar nú me ro de ja gun ços ma i or do que pen sa ra exis tir em seu ca mi nho. Nem isso ad mi ra, vis to que eram bem ra ros aque les que não par ti lha -vam da mes ma ilu são.

Para pro vá-lo exis tem, de cer to, os te le gra mas do juiz de di re i -to e do pro mo tor de Mon te San to, que já fi ca ram trans cri tos. Encon -tra-se, igual men te, a car ta con fi den ci al de um ca pi tão de po lí cia que, a17 de de zem bro, co mu ni ca va ao che fe da se gu ran ça o se guin te: Há mu i to exa ge ro nos bo a tos aí es pa lha dos; Con se lhe i ro não terá mais de 1000 pes so as, in clu -si ve mu lhe res e me ni nos. Cons ta que têm ha vi do mu i tas de ser ções das fi le i ras doCon se lhe i ro, e con ta ram-me que ten do ele man da do 60 ho mens es co lhi dos mon ta remuma trin che i ra a 13 qui lô me tros do re du to, eles apro ve i ta ram e fu gi ram à no i te.

O pró prio go ver na dor da Ba hia no ofí cio que, em 11 de de -zem bro de 1896, en de re ça ra ao co man dan te do res pec ti vo dis tri to mi li -tar, com re fe rên cia à 2a co lu na, que es ta va sen do or ga ni za da sob o co -man do do ca pi tão Sal va dor Pi res de Car va lho e Ara gão, as sim se ex ter -na ra:

“Sem que me seja dado en trar na apre ci a ção da ex pe di çãopro je ta da, e con quan to não cons te do vos so ofí cio o to tal do con tin gen tede que ele tra ta, me pa re cia não ser in su fi ci en te para o fim al me ja do afor ça, que já se acha em mar cha, vis to com por-se ela de nú me ro su pe ri ora 300 pra ças e con si de rar exa ge ra das as in for ma ções, pres ta das em re la -ção ao gru po di ri gi do por Antô nio Con se lhe i ro.”

Era na tu ral, pois, que de pos se des sas opi niões mais ou me -nos au to ri za das, o ma jor Fe brô nio de Bri to não con tas se en con trar a re -sis tên cia, que efe ti va men te os ja gun ços lhe opu se ram.

58 Aris ti des A. Milton

Page 57: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Mas, a con fis são fran ca des sa ver da de ne nhum de sar po de riatra zer ao co man dan te da ex pe di ção e, an tes, o pou pa ria à in jus ti ça deatri bu ir ao go ver na dor do Esta do, e aos seus ami gos, in ten ções e pla nosin com pa tí ve is com o sen ti men to mais vul gar de pa tri o tis mo e le al da de.

Uma ques tão que le van tou-se en tre cer tas pes so as in flu en tesde Qu e i ma das, a pro pó si to da hos pe da gem ace i ta pelo ma jor Fe brô nio,não era de mol de a fazê-lo vir pu bli car na im pren sa uma car ta, em quetrans pa re cia o pro pó si to de acu sar o Go ver no do Esta do, e se le ramcon ce i tos me nos jus tos a res pe i to dos acon te ci men tos que, in fe liz men te, es ta vam se de sen ro lan do. E de ma is, essa car ta foi dada à luz an tes mes -mo de che ga rem ao seu des ti no as “par tes ofi ci a is” re fe ren tes ao su ces -so, o que não se pode qua li fi car de pru den te nem de cor re to.

So bre le va pon de rar – que o co man dan te do dis tri to mi li tarha via as su mi do a res pon sa bi li da de da jor na da. E tan to que, re co lhi do ao quar tel o pri me i ro con tin gen te pres ta do, or ga ni za ra ele a nova ex pe di -ção, man da ra pou co de po is que esta re gres sas se, e, fi nal men te, a obri ga -ra a mar char so bre Ca nu dos. Re sul tou des tes fa tos uma tro ca de te le gra -mas ex pli ca ti vos en tre o go ver na dor con se lhe i ro Luís Vi a na, o vice-pre -si den te da Re pú bli ca, Dr. Ma nu el Vi to ri no Pe re i ra, e o mi nis tro da Gu -er ra in te ri no, ge ne ral Di o ní sio Evan ge lis ta de Cas tro Cer que i ra, tra tan do to dos eles da au to no mia do Esta do, que a mu i tos pa re ce ra anu la da pelain ter ven ção fe de ral. Assim, por tan to, se al gu ma fal ta se no tou, de cer toque não po dia ter ela par ti do das au to ri da des ci vis.

E que o pró prio ma jor Fe brô nio com pe ne trou-se, afi nal, daca u sa ver da de i ra dos acon te ci men tos de Ta bu le i ri nho, se co lhe do te le -gra ma que, de Qu e i ma das, ele pas sou ao co man dan te in te ri no do dis tri -to mi li tar, em 25 de ja ne i ro, fa zen do esta con fis são sin ce ra: Os úni cos ho -mens que in for ma ram a ver da de fo ram o te nen te-co ro nel Antô nio Reis e o va que i roJo a quim Ca lum bi, que afir ma ram ter con se lhe i ris tas 8.000 ho mens. Pela mé dia,pos so ga ran tir nú me ro su pe ri or a 5.000.

Não se ri am tan tos, pro va vel men te, em todo caso, eram maisdo que se cal cu la ra: dis pon do eles, não de ar mas atra sa das ex clu si va -men te, como se su pu nha, mas tam bém de al gu mas ou tras mo der nas,aban do na das pela ex pe di ção que o te nen te Pi res Fer re i ra ha via co man -da do.

A Cam pa nha de Ca nu dos 59

Page 58: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Para me lhor apre ci a ção do as sun to vou tras la dar a or dem dodia, que o ma jor Fe brô nio de Bri to fez pu bli car, com re fe rên cia aoscom ba tes de 18 e 19 de ja ne i ro. Ela ser vi rá de com ple men to ao que jáde i xei dito a res pe i to, e é con ce bi da nos ter mos que se vão ler:

“COMANDO DAS FORÇAS EM OPERAÇÕES AO NORTE DOESTADO – Aquar te la men to em Mon te San to, 29 de ja ne i ro de 1897. Ordem dodia nº 4.

“Co lhi das as par tes dos srs. co man dan tes de co lu nas e do sr.ca pi tão mé di co de 4ª clas se, en car re ga do do ser vi ço sa ni tá rio das for -ças, so bre o com ba te de 18, em que foi as sal ta da a for mi dá vel trin che i rana tu ral da ser ra do Cam ba io, ta lha da em ro cha viva, e de 19, quan do osce le ra dos do fa ná ti co Antô nio Con se lhe i ro, que dali fo ram ex pe li dos àviva for ça, aco me te ram o acam pa men to às 7 ho ras da ma nhã, quan dotoda a co lu na se mo via para dar, em Ca nu dos, ao co vil des ses ban di dos,o as sal to de fi ni ti vo e li qui da ção dos mes mos, jul ga-se este co man do ha -bi li ta do a fa zer pú bli cas as ocor rên ci as des ses me mo rá ve is dias, e suasmi nú ci as, já su fi ci en te men te de ta lha das em te le gra ma – par te que, em24 do cor ren te, di ri gi ra ao sr. co ro nel co man dan te do 3º Dis tri to Mi li tare, por in ter mé dio des te, ao dr. che fe de se gu ran ça pú bli ca.

“No as sal to de 18, hou ve par ci al men te – é cer to – mu i ta ga -lhar dia. No ser vi ço da ar ti lha ria, vi com san gue-frio e boa di re ção, o sr.2º-te nen te Hi lá rio Fran cis co Dias, que con ser vou-se fir me no seu pos to, ape sar de fe ri do, em bo ra le ve men te, no co me ço da ação, que prin ci pi ouàs 10 ho ras da ma nhã, e ter mi nou às 3 da tar de.

“A luta foi em pre en di da pelo 33º Ba ta lhão de In fan ta ria, napar te de seu con tin gen te de guar da avan ça da, sob o co man do dos srs.alfe res Her mí nio Pin to da Sil va e Emí lio de Car va lho Mon te ne gro, quecon ser va ram-se em seus pos tos, dan do prin cí pio à ação. Os au xí li os fo -ram de po is pres ta dos pe los con tin gen tes do 9º e 21º de in fan ta ria, euma par te da for ça de po lí cia do Esta do, sob o co man do do he rói cote nen te Ven ces lau Mar tins Leal, que caiu com fe ri men tos gra ves – bra va e te me ra ri a men te – na trin che i ra.

“Na oca sião em que or de nei o as sal to, ope rou pela di re i tacom uma pe que na for ça o sr. te nen te de po lí cia Po li car po Cos ta, que sehou ve com va len tia e de no do na per se gui ção e de sa lo ja men to dos ban -di dos, en quan to que os 2os-sar gen tos Ana cle to Alves Ri be i ro e Edu ar do

60 Aris ti des A. Milton

Page 59: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

da Cos ta Nu nes, pre sen te mais tar de o sr. ca pi tão José Jo a quim deAndra de, co man dan te da 2ª co lu na, os seus su bal ter nos pra ti ca ram atosde ad mi rá vel bra vu ra so bre as ser ras da es quer da.

“No ser vi ço dos ca nhões e me tra lha do ras, guar ne ci dos pelocon tin gen te do 5º de Arti lha ria, ao co man do do sr. al fe res Antô nio deAra ú jo Lima, hou ve or dem e pres te za nas ma no bras, es tan do na que les o 1º-sar gen to Jú lio Mel quía des de Je sus, como nas me tra lha do ras os2os-sar gen tos Ma nu el Au re li a no da Sil va Le i te e Iná cio Go mes de Agui are Sil va, que se con ser va ram com cal ma e fir me za em seus lu ga res.

“No com ba te de 19, to dos se con ser va ram em seus pos tos,re pe lin do com o ma i or he ro ís mo os ím pe tos dos fe ro zes ca ni ba is, quan -do en vol ve ram a co lu na. Lou vo, por tan to, por sua bra vu ra ex cep ci o nal,o sr. te nen te Ven ces lau Mar tins Leal, que im por tan tís si mos ser vi ços te -ria ain da pres ta do, se não fos se fe ri do hon ro sa men te no co me ço daação de 18, aos srs. al fe res Ho nó rio Do min gues de Me ne ses Dó ria, fe ri -do tam bém nes se dia, na li nha de fogo, pela sua per sis tên cia e san gue-frio na luta, Eu tí cio Co e lho Sam pa io, a quem sem pre vi com cal ma e in te res -se nas avan ça das, bem como ao sr. 2º-te nen te Hi lá rio Fran cis co Dias.Lou vo ao des te mi do sar gen to Ana cle to Alves Ri be i ro, in con tes ta vel -men te um sol da do va lo ro so e bra vo, a quem con fi ei o ser vi ço de rom -per a fren te na re ti ra da de 19, fe i to pe ri go so e bem exe cu ta do, onde fora fe ri do, não aban do nan do seu pos to; ao 1º-sar gen to Mo des to Antô nioMar ques, pelo seu san gue-frio e ex cep ci o nal des pren di men to no com ba -te, e aos de ma is in fe ri o res ci ta dos, bem como aos do 9º, 33º e 26º, aquinão re fe ri dos, es pe ci fi can do o sar gen to Agri pi no Car va lho, que se tor -na ram bons au xi li a res em to dos os com ba tes, como os da for ça po li ci al.Lou vo ain da aos srs. te nen te Po li car po Cos ta e al fe res Ma u rí cio Mar quesGu i ma rães, meus au xi li a res de pes soa, que se pres ta ram es pon ta ne a men teao as sal to, bem como aos ca bos Mar co li no Pe re i ra da Cos ta e José Te i -xe i ra Ser rão, do 9º, que se por ta ram com bra vu ra e de no do, o pri me i roaté com ím pe tos de va lor in ve já vel, como tudo apre ci ei, e ain da ao cabode ar ti lha ria Fran cis co Eu gê nio Pi men ta, pela sua va len tia e san gue-frio,no ser vi ço do ca nhão de que era che fe. Tam bém cabe lou var, pelo seucom por ta men to nos com ba tes, ao sr. al fe res Alme rin do Fer re i ra Te lesde Me ne ses, de quem faz re fe rên ci as o sr. co man dan te da 1ª co lu na emsua ‘par te’ e ain da por sua cons tân cia nas ope ra ções.

A Cam pa nha de Ca nu dos 61

Page 60: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Agra de ço ao sr. ca pi tão José Jo a quim de Andra de a per sis -tên cia que teve em seu pos to na ação, man ten do a dis ci pli na e a or dem,a ao sr. al fe res Antô nio Ber nar do da Fon se ca Gal vão; ao sr. ca pi tão Vir -gí lio Pe re i ra de Alme i da, co man dan te da for ça po li ci al, a de di ca ção comque cum pria as mi nhas or dens, e a dis ci pli na que man te ve em sua for ça.Os elo gi os do sr. al fe res Iná cio Men do Fi lho se con têm na ‘par te’ des semes mo sr. ca pi tão, que sa li en ta a con ser va ção no com ba te, ain da de po isde fe ri do le ve men te, do re fe ri do sr. al fe res.

“A for ça po li ci al, ape sar de não mu i to ades tra da nas ar mas,por tou-se na al tu ra do sol da do dis ci pli na do, em com ba te fir me ao ladode seus ca ma ra das.

“Infe liz men te, nada te nho a opor à men ção de in cor re ção,que faz em sua alu di da ‘par te’ o re fe ri do sr. ca pi tão Vir gí lio, so bre opro ce di men to re tra í do dos srs. te nen te João Au re li a no Fer re i ra da Sil vae al fe res Ca e ta no de Sá Bar re to Vi las bo as.

“Cum pre-me ain da agra de cer aos srs. dr. Esve ral di no Cí ce rode Mi ran da, che fe do ser vi ço de sa ú de, e Edgar do Hen ri que Alber taz zi,pela so li ci tu de com que pen sa ram os fe ri dos, qua se em aban do no peloavan ço en tu siás ti co da co lu na, e ain da na li nha de fogo, com cal ma ehum anida de, au xi li a dos pelo sr. dr. Ga bri el Arcan jo Du tra de Andra de.

“To dos bem se con du zi ram no pe no so tra ba lho da re ti ra da,em que só a cal ma e a or dem pu de ram sal var a co lu na e sua hon ra.

“Dez fo ram os már ti res tom ba dos e mu i tos os fe ri dos, nes sas lu tas, cu jas gló ri as en tre la ça das ao luto dos ca ma ra das fe ri dos se al te i ampor so bre cer ca de 900 a 1000 ban di dos, di zi ma dos na ação; sen do queo tri un fo se ria com ple to, se os me i os de mo bi li da de o fos sem tam bém,bem como su fi ci en te o nú me ro das for ças em ope ra ções. Então a pró -pria fome e a sede se ri am ne u tra li za das. – Fe brô nio de Bri to, ma jor.”

Bem fá cil é cal cu lar a sur pre sa, que a no tí cia des ses acon te ci -men tos ca u sou por toda par te. A vi tó ria da au to ri da de não ha via sidocom ple ta. Ca nu dos con ti nu a va de pé, ten do esta ver da de re per cu ti doex ten sa e do lo ro sa men te no país in te i ro.

Era um pu nha do de pra ças de li nha, dis ci pli na das e aguer ri -das, que ser ta ne jos ig no ran tes e sem tá ti ca obri ga vam à re ti ra da, em quesó a cal ma e a ordem pu de ram sal var a co lu na e sua hon ra.

62 Aris ti des A. Milton

Page 61: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Mas o Bra sil, que des de mu i to es ta va ha bi tu a do a ver o seuexér ci to sair vi to ri o so e glo ri fi ca do de to das as re fre gas e si tu a ções, es tre -me cia de sus to di an te da que la ocor rên cia, que lhe pa re cia pre ju di car –de leve em bo ra – o pres tí gio das ar mas re pu bli ca nas.

Por isto, a opi nião pú bli ca se le van tou como um só ho mempara exi gir – que se con ti nu as se a luta, até que esta pro du zis se um re sul -ta do sa tis fa tó rio e dig no para a le ga li da de. Do nor te ao sul do país cor reu– des de logo – um frê mi to de pro fun da in dig na ção. Ca nu dos co me çou a ser apon ta do como o va lha cou to de re bel des, cujo tim bre con sis tia emlu di bri ar a re pú bli ca, for man do um go ver no à par te, e pre ten den douma in de pen dên cia que, por ser ab sur da, os co lo ca va mais ain da fora da lei.

Como de cos tu me, a ima gi na ção po pu lar apo de rou-se do fato para lhe em pres tar pro por ções des co mu na is; e o vul to de Antô nio Con -se lhe i ro, sa in do da pe num bra, en trou en tão na luz ple na da pu bli ci da dee do re no me.

Algo de so bre na tu ral e ma ra vi lho so se atri bu ía ao do mi na dorde Ca nu dos. Cada qual con ta va a seu res pe i to um epi só dio, uma par ti cu la ri -da de, uma no tí cia ex tra va gan te ou cu ri o sa. Nem mes mo fal ta va quempro cu ras se ex pli car o im pre vis to dos dois en con tros como efe i tos deta u ma tur gia.

Nes sa oca sião se es pa lhou, por exem plo, que o Con se lhe i ronão olha va para mu lher al gu ma, e que, além de se ali men tar com par ci -mô nia ini gua lá vel, sub me tia-se a fla gí ci os es tu pen dos.

E não era tudo ain da. Os dis cí pu los mais en tu si as tas pro pa la vam – que o seu mes tre e pai, o Con se lhe i ro, to dos os dias, à hora de ter mi -na da, en tra va em êx ta se para se co mu ni car com o pró prio Deus.

Era quan to bas ta va para a fan ta sia do povo alar-se e se ex pan dir.A ver da de é – que a cri se se agra va ra bas tan te com esse gol pe

ines pe ra do, so fri do pela 2a ex pe di ção.Por quan to, se de uma par te os ja gun ços ti nham o di re i to de

en va i dar-se com a re ti ra da da for ça le gal, por ou tra par te o prin cí pio daau to ri da de es ta va com pro me ti do, se não se ri a men te aba la do, com a per ma -nên cia da ci da de la de Ca nu dos.

A Cam pa nha de Ca nu dos 63

Page 62: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Não ha via, pois, que va ci lar. Era in dis pen sá vel agir sem de ten -ça, a fim de res ta be le cer a paz e a or dem, con di ção ne ces sá ria para di -fun dir o pro gres so e fir mar a li ber da de.

Ain da bem que o poder pú bli co teve a ní ti da com pre en são de suas res pon sa bi li da des, e, como adi an te se verá, pro cu rou cum prir leal ede sas som bra da men te o seu de ver.

64 Aris ti des A. Milton

Page 63: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

II

A or dem, pen sa Mon ta lem bert, é o su pre mo fim dali ber da de.

E se esta cons ti tui o gran de es co po e o for mo so ide al da re -pú bli ca, for ço sa men te aque la é con di ção in dis pen sá vel à exis tên cia des sa for ma de go ver no, que o nos so país por sua vez ad otou.

Pre ju di ca por tan to a li ber da de do ci da dão, e se re ve la con se -guin te men te in ca paz de pre en cher a sua ele va da mis são so ci al, a au to ri -da de que não pode ga ran tir a or dem pú bli ca, res ta be le cen do-a pres tes ecom ple ta men te onde quer que esta seja per tur ba da.

San tís si mo di re i to – o da li ber da de, é cer to; mas lei ne ces sá ria– a da or dem, não há negá-lo.

Se o exer cí cio da li ber da de é in com pa tí vel, al gu ma vez, com ama nu ten ção da or dem, te mos en tão sé rio pe ri go para o povo, que as sim fica en tre gue a to das as con tin gên ci as do aca so, à ex plo ra ção dos maisau da zes, e à ti ra nia dos mais for tes, co lo ca do en tre as pon tas de um di le -ma pa vo ro so: a li cen ça ou a anar quia, a de gra da ção ou a mor te.

Deus, que nos do tou com uma alma per fe i ta men te li vre, en -cer rou-a con tu do num cor po, que obe de ce a leis psi co ló gi cas in va riá ve is,con quan to har mô ni cas. Assim, em toda a na tu re za cri a da.

Page 64: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Há li ber da de para as aves, que gor je i am sim ples men te porins pi ra ção de sua pró pria von ta de; como há tam bém para o ho mem,que pen sa e se lo co mo ve a seu mero ar bí trio. A or dem, po rém, rege edo mi na o con cer to me lo di o so das es fe ras, a tra je tó ria imu tá vel dos as -tros, o pla no di vi na men te es té ti co do uni ver so.

E a so ci e da de nem um só dia te ria sub sis ti do, se a li ber da defos se por aca so a úni ca for ça a im pe li-la; por que, se a li ber da de gera, aor dem no en tan to é que cria; se a li ber da de pro duz, é a or dem to da viaque con ser va; se a liberdade tem as ful gu ra ções do re lâm pa go que ofus -ca num mo men to, a or dem di fun de a luz de um lam pa dá rio, bran da mas pe re ne, como a que jor ra do foco des lum bran te do Sol.

O que se es ta va pas san do no ser tão da Ba hia re cla ma va a ma i orso li ci tu de. Ha via ali um fe nô me no a es tu dar e um pro ble ma a re sol ver.Até a len da ia em pol gan do já o caso para con fun di-lo e di fi cul tá-lo.

Não con vi nha, pois, per der um mo men to que fos se, en ca ra da a ques tão por qual quer de suas fa ces e sob to dos os seus as pec tos.

Assim o Go ver no da União, ten do re ce bi do as co mu ni ca çõesofi ci a is, acer ca das ocor rên ci as da das com a se gun da ex pe di ção man da -da a Ca nu dos, cu i dou sem de mo ra de pro vi den ci ar no sen ti do de res ta -be le cer o im pé rio da lei, que ali fora pos ter ga da, e de apa gar a im pres são lan ci nan te pro du zi da pelo de sas tre de ja ne i ro, em to dos os ân gu los des -te vas to país.

O Po der Exe cu ti vo da Re pú bli ca, mu i to sen sa ta men te, en ten -deu – que a hon ra da pá tria e o fu tu ro das ins ti tu i ções cor ri am o ris code ser sa cri fi ca dos nes sa emer gên cia que, por sua gra vi da de, tan to a uma como a ou tro po de ria ser fa tal.

Era pro vá vel, se não cer to, que os ad ver sá ri os da si tu a ção po lí -ti ca do mi nan te vi es sem a lu crar com qual quer de sas tre, que al gum diaso fres sem as ar mas lega is; pois as sim eles co bra ri am for ças e es tí mu los,em pro ve i to de seus in te res ses, e as pi ra ções in sen sa tas.

Mu i to em bo ra Antô nio Con se lhe i ro es ti ves se agin do por con -ta pró pria, nada im pe dia, con tu do, que os res ta u ra do res ti ras sem par ti do das vi tó ri as, que os fa ná ti cos de Ca nu dos con se guis sem por aca so ob ter; por quan to elas des mo ra li za ri am pro fun da men te as au to ri da des cons ti tu í das,

66 Aris ti des A. Milton

Page 65: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

en fra que ce ri am bas tan te a con fi an ça pos ta no Exér ci to, e di fun di ri am por toda a par te a des cren ça, o pas mo e o ter ror.

Impu nha-se, por con se guin te, a ur gên cia de fa zer sen tir aosja gun ços a re le vân cia de seus de ve res de ci da dãos, pu nin do se ve ra men te a re bel dia, com que eles es ta vam se com pro me ten do e cri an do, ao mes motem po, di fi cul da des e pe ri gos para toda a re pú bli ca.

E – nota cu ri o sa que con vém per pe tu ar – o go ver na dor aquem dias de po is acu sa vam com acri mô nia, por não per se guir fe roz -men te o Con se lhe i ro e de se jar até mes mo o in su ces so da ex pe di ção, ti -nha sido o pri me i ro a te le gra far ao vice-pre si den te da Repú bli ca, en tãoem exer cí cio, acen tu an do – que era ques tão de hon ra pros se guir nacam pa nha, en ce ta da con tra os ou sa dos ser ta ne jos.

Me lhor será, cer ta men te, co pi ar as pró pri as pa la vras com queo con se lhe i ro Luís Vi a na ter mi na va o seu te le gra ma, ex pe di do em 26 de ja ne i ro ao mi nis tro in te ri no da Guer ra:

“Não é pos sí vel”, pon de ra va o go ver na dor, “aban do nar a per -se gui ção aos fa ná ti cos, tão pre ju di ci a is à or dem e à re pú bli ca. Se ria con -ve ni en te a re mes sa, com ur gên cia, de um con tin gen te bem co man da do e mu ni ci a do, a fim de ope rar con jun ta men te com o co ro nel Ta ma rin do.

“A de mo ra das ope ra ções tem pre ju di ca do enor me men te adi li gên cia.

“Con fio que V. Ex., tão in te res sa do na ma nu ten ção da or demquan to este Go ver no, or de na rá au xí lio pron to, co mu ni can do-me as pro -vi dên ci as que to mar, a fim de que aqui che gan do en con trem tudo dis -pos to por par te des te Go ver no, e te rem se gui men to a seu des ti no.”

A ver da de é – que o Go ver no Fe de ral de sen vol veu gran de ati -vi da de, com o dig no pro pó si to de sal var a sua for ça mo ral aba la da, ecas ti gar os se di cio sos im pe ni ten tes.

Nes se em pe nho, aliás, o Go ver no sen tia-se for ti fi ca do pelaopi nião da gran de ma i o ria do país, que se con fes sa va sur pre en di da pelapro vo ca do ra ati tu de do Con se lhe i ro e seus se qua zes, e ao mes mo tem po exi gia – que fos sem eles pu ni dos para tran qüi li da de da po pu la ção eexem plo a fu tu ros agi ta do res.

O Go ver no, por tan to, de li be rou man dar a Ca nu dos uma bri -ga da, com qua tro bo cas-de-fogo que, re u ni das às ou tras que es ta vam já

A Cam pa nha de Ca nu dos 67

Page 66: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

no ser tão, for ma ri am to das uma só ba te ria; e con fi an do tudo ao co man -do do co ro nel Antô nio Mo re i ra Cé sar, ex pri miu a es pe ran ça de que ogo ver na dor da Ba hia não so men te apla u di ria esse pla no, mas ain da au xi -li a ria a sua re a li za ção por to dos os meios pos sí ve is.

E o Go ver no da União, fe liz men te, não se ti nha en ga na do. Ogo ver na dor da Ba hia deu-se pres sa em res pon der ao dr. Ma nu el Vi to ri -no Pe re i ra, vice-pre si den te, en tão na pre si dên cia da Re pú bli ca; e fê-loem ter mos cla ros e pre ci sos, de cla ran do – que se pron ti fi ca va para dis por to -dos os ele men tos, que pu des sem apro ve i tar a nova ex pe di ção, de modo a po der ela se -guir sem de mo ra para o te a tro dos acon te ci men tos.

De fato, o che fe de po lí cia teve or dem de par tir para Qu e i ma das,pon to es co lhi do para re u nir-se e apa re lhar-se a ex pe di ção, e ali pre pa rar to dos os re -cur sos que de vi am ser pos tos à dis po si ção do co ro nel Mo re i ra Cé sar.9

E, efe ti va men te, o che fe de po lí cia par tiu. “Lu tei”, dis se ele,“nos pri me i ros dias com em ba ra ços, que fe liz men te con se gui ven cer,gra ças à boa von ta de das po pu la ções ser ta ne jas em ge ral. Empre guei to -dos os es for ços ao meu al can ce para cum prir vos sas ins tru ções, queeram de sa tis fa zer to das as in di ca ções e re qui si ções do co man dan te dabri ga da, o co ro nel Antô nio Mo re i ra Cé sar, a quem por con ta do Esta dofor ne ci abun dan tes me i os de trans por te e mu ni ções de boca.

“Qu an do che gou a Qu e i ma das, onde me acha va, o alu di doco ro nel, já ti nha eu fe i to se guir para Mon te San to al gu mas mu ni ções deboca, que ha via com pra do, e to das de guer ra que en con trei em Qu e i ma -das; e logo de po is da che ga da dele àque la vila co me çou-se a fa zer o mo -vi men to das for ças, que em bre ves dias ter mi nou com a fa ci li da de e or -dem que sou be im pri mir ao ser vi ço o no tá vel mi li tar.”10

Não con vém, to da via, al te rar a nar ra ção cro no ló gi ca dosacon te ci men tos.

Assim, pois, an tes de tudo – re gis tra rei que o co ro nel Mo re i ra Cé sar apor tou à Ba hia na tar de de 6 de fe ve re i ro de 1897, a bor do dopa que te na ci o nal Ma ra nhão; sen do re ce bi do por to das as au to ri da des mi -li ta res e pelo ofi ci al de ga bi ne te do go ver na dor.

68 Aris ti des A. Milton

9 Men sa gem do go ver na dor da Ba hia ao Pre si den te da Re pú bli ca, em 15 de mar çode 1897.

10 Re la tó rio do Dr. Fé lix Gas par, apre sen ta do ao go ver na dor em mar ço de 1897.

Page 67: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Ao de sem bar car no ar se nal de ma ri nha, o co man dan te da 3ªex pe di ção foi sa u da do pela mul ti dão, que aí o aguar da va a fim de dar-lhe as boas-vin das, e ma ni fes tar-lhe a con fi an ça que o seu nome ins pi ra va.De po is de ter agra de ci do os cum pri men tos, com que tan to o pe nho ra -vam, se guiu para o pa lá cio da Vi tó ria o co ro nel Mo re i ra Cé sar, no in tu i tode vi si tar o go ver na dor, com o qual con fe ren ci ou por mu i tas ho ras.

Su fi ci en te men te in for ma do da si tu a ção, ten do além dis to ou -vi do as se gu ran ças do gran de in te res se, que o go ver na dor li ga va à pron -ta so lu ção do caso, e con ven ci do do au xí lio in con di ci o nal que, por par te do Esta do, lhe se ria pres ta do, o co ro nel Mo re i ra Cé sar se re ti rou do pa -lá cio ple na men te sa tis fe i to, e, o que mais é, dis pos to a se trans por tarsem de ten ça para Ca nu dos, onde es pe ra va in fli gir tre men da e exem plarder ro ta aos ja gun ços .

Com o co ro nel, en tre tan to, ha vi am par ti do o 7º Ba ta lhão deIn fan ta ria, con tan do 10 ofi ci a is e 460 sol da dos, de ba i xo do co man do do ma jor Ra fa el Au gus to da Cu nha Ma tos. Ti nham vin do tam bém a ar ti -lha ria e a ca va la ria da di vi são, cons tan do – aque la – de uma ba te ria do 2ºRe gi men to, com 59 pra ças, co man da das por um ca pi tão, um 1º-te nen tee dois 2º-te nen tes; e – esta – cons ti tu í da por um es qua drão do 9º Re gi -men to, com 60 pra ças, co man da das por um ca pi tão, dois te nen tes e qua -tro al fe res. Mu ni ções e equi pa men tos, em quan ti da de bas tan te.

Assim, o efe ti vo da bri ga da que ti nha de ope rar, in clu si ve o16º de In fan ta ria, su bi ria a 1.200 pra ças, 700 das qua is de in fan ta ria, to -das ar ma das a Mann li cher.

Para re gu la ri da de dos for ne ci men tos, e paga de sol do e ou tras des pe sas, o Mi nis té rio da Gu er ra cri ou ca i xa mi li tar jun to às for ças in di -ca das, no me an do para ser vi rem nela – o 3º ofi ci al da Con ta do ria ge ralde Gu er ra La u ri a no La u ren ti no das Tri nas, pa ga dor, Edu ar do da CruzRan gel e o al fe res José Antô nio Mou rão, aju dan tes.

Com o en car go es pe ci al de se en car re ga rem do le van ta men todas plan tas, e da exe cu ção dos pla nos de de fe sa, de que por aca so ne ces -si tas se o co man do ge ral, fo ram co mis si o na dos os en ge nhe i ros das obras mi li ta res – te nen tes Do min gos Alves Le i te e A. So a res do Nas ci men to.

A ar ti lha ria le va va guar ni ção de in fe ri o res para os seus ca -nhões Krupp, ali ge i ra dos.

A Cam pa nha de Ca nu dos 69

Page 68: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Na tar de de 7 de fe ve re i ro, o co ro nel Mo re i ra Cé sar en ce tou a vi a gem, to man do o trem de fer ro para Ala go i nhas, onde re ce beu ma ni -fes ta ções ine quí vo cas de apre ço e sim pa tia, que se es ten de ram a toda afor ça por ele co man da da.

Se gui ram, na mes ma oca sião, a ala di re i ta do 7º e todo o con -tin gen te do 33º Ba ta lhão de In fan ta ria, a co mis são de en ge nhe i ros, e ade mé di cos do cor po de sa ú de.

Ao res pec ti vo em bar que as sis ti ram vá ri as au to ri da des, en treas qua is o go ver na dor do Esta do, e o che fe do dis tri to mi li tar, além devo lu mo sa mas sa po pu lar, dan do to dos os mais ex pres si vos si na is de in -te res se pe los que par ti am, e ma ni fes tan do os mais vi vos de se jos de queti ves sem es tes um êxi to bri lhan te e fe liz.

Por que não se de mo ras se em Ala go i nhas, a ex pe di ção con ti -nu ou seu ca mi nho, e às 2 ho ras da ma dru ga da de 8 pas sa va pela Ser ri -nha, de onde o res pec ti vo co mis sá rio de po lí cia te le gra fou nes tes ter -mos:

“Co ro nel Mo re i ra Cé sar pas sou hoje (8), às 2 ho ras da ma -dru ga da. Ofe re ci lunch a to dos os ofi ci a is, que sa í ram sa tis fe i tos. Te nho pres ta do todo au xí lio ao dr. che fe de se gu ran ça. Estou fir me em au xi li ar-vos no que es ti ver ao meu al can ce, ain da que com sa cri fí cio. Sa u da ções. – Le o vi gil do Car do so Ri be i ro.”

No dia 8 mes mo, o co ro nel che gou a Qu e i ma das; e daí pas -sou ao Mi nis té rio da Gu er ra o te le gra ma, que eu vou trans cre ver:

“Estou em Qu e i ma das ati van do a re mes sa de pou cas mu ni -ções para Mon te San to, para o mais bre ve pos sí vel se guir para Ca nu dos.A for ça está mu i to ani ma da, sem ocor rer caso al gum de in dis ci pli na. Há mu i ta de di ca ção. O es ta do sa ni tá rio óti mo. O go ver na dor e mais au to ri -da des do Esta do têm sido em ex tre mo so lí ci tos em me au xi li ar. Só temo – que o fa ná ti co Antô nio Con se lhe i ro não nos es pe re.”

Era ain da o co man dan te da ex pe di ção quem se di ri gia ao go -ver na dor do Esta do, nos ter mos que se vão ler:

“Aqui che ga mos sem no vi da de. O dr. che fe de po lí cia, comoau to ri da des, tem em pre ga do to dos es for ços para re mo ver di fi cul da des.De se jo mu i to que o 20 de in fan ta ria Ser gi pe vá es ta ci o nar Jere mo a bo,

70 Aris ti des A. Milton

Page 69: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ou Bom Con se lho, de pre fe rên cia no pri me i ro pon to. Tam bém vou pe -dir isto mi nis tro da Guer ra.”

A 9, ain da de Qu e i ma das, o co ro nel Mo re i ra Cé sar te le gra fa va ao go ver na dor para ci en ti fi car-lhe que, em vir tu de da sua per mis são, epor que pa re cia ne ces sá ria, ti nha fi ca do com bi na da a per ma nên cia do dr. che fe de po lí cia na que la vila.

No dia 10, o con se lhe i ro Luís Vi a na re ce beu ou tro te le gra mada mes ma pro ce dên cia, e que di zia as sim:

“Dr. go ver na dor – Nada nos tem fal ta do. Só me pre o cu poapres sar mo vi men to, pois es tou con ven ci do qual quer de mo ra será pre -ju di ci al. Dr. che fe de se gu ran ça é fun ci o ná rio dis tin to e ca va lhe i ro in -can sá vel. – Mo re i ra Cé sar.”

Nes se mes mo dia, o co ro nel Pe dro N. B. Fer re i ra Ta ma rin dose guiu para o cen tro.

O che fe da 3ª ex pe di ção, além de en co mi ar – como se tem vis -to – as au to ri da des es ta du a is, que lhe não ha vi am re ga te a do o mais fran co apo io, e o mais leal con cur so, ar dia no de se jo de ata car a ci da de la de Ca -nu dos, con for me por ve zes ma ni fes tou, re ce an do – que os ja gun ços aban -do nas sem-na ame dron ta dos pela apro xi ma ção da for ça que ele co man da -va. Ha via, por con se qüên cia, da par te do co ro nel Mo re i ra Cé sar a con vic -ção de que se acha va apa re lha do con ve ni en te men te para ata car o ini mi go,e a má xi ma con fi an ça nos me i os com que ia dis pu tar-lhe a vi tó ria.

Nem ou tros sen ti men tos ex pri me o te le gra ma, que ele na tar -de do ci ta do dia 10 pas sou ain da ao go ver na dor, e eu vou re pro du zirago ra:

“Infor ma ções, que nos de ram, re ve lam um fato, que já fa ziami nhas cons tan tes pre o cu pa ções, isto é, sem pre e só re ce io fuga dos fa -ná ti cos. Com au xi lio che fe se gu ran ça, já pro vi den ci a mos Tu ca no ou virami gos. De se jo sa ber vos sa opi nião, caso co lu na re ce ba con fir ma çãono tí ci as, sen do que con si de ro em to dos os ca sos nos so úni co ob je ti vopren der os fa ná ti cos de Antô nio Con se lhe i ro.”

Mais ou me nos quan do es sas ocor rên ci as eram re gis tra das,apor ta va à Ba hia o va por San tos, con du zin do a seu bor do o ba ta lhão 16ºde In fan ta ria de li nha, sob o co man do do co ro nel Fran cis co Agos ti nhode Melo Sou sa Me ne ses, e com o efe ti vo de 300 pra ças de pré, além de

A Cam pa nha de Ca nu dos 71

Page 70: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

30 ofi ci a is. Esta va ar ma do a Mann li cher. E foi re ce bi do gen til men te pela po pu la ção da ci da de, do que é pro va a es plên di da ova ção por ela fe i ta aes ses mi li ta res, que che ga vam che i os de ci vis mo e de fé para se ba terpela ca u sa da le ga li da de.

Os acon te ci men tos, po rém, fo ram se de sen ro lan do gra du al -men te para ter mi nar, por mal nos so, num de sas tre tão emo ci o nan tequan to ines pe ra do.

No dia 11, o co ro nel Mo re i ra Cé sar se di ri giu no va men te aogo ver na dor, e o seu des pa cho te le grá fi co de mons tra a con vic ção, que odo mi na va, de te rem seu nome e sua fama o pres tí gio ca paz de fa zerde ban dar os ja gun ços, an tes mes mo dele en fren tá-los:

“Em vis ta das no tí ci as da fuga do Con se lhe i ro, apres sar ope -ra ções me pa re ce de gran de van ta gem; por isso po de rão vir do 16º deIn fan ta ria ape nas 100 ho mens para fi ca ram guar dan do Mon te San to,que é base de ope ra ções, e vir tam bém co ro nel Sou sa Me ne ses para co -man dan te des sa base de ope ra ções, pois nin guém, me lhor do que ele,nos po de rá pre pa rar lá re cur sos. Vin da 100 ho mens po de rá ser fe i tacom ur gên cia, o que não se dará ba ta lhão. Sa u da ções.” Pa la vras tex tu a isdo te le gra ma.

Eis o que pen sa va o che fe da ex pe di ção, quan do ain da emQu e i ma das. Acre di ta va na pos si bi li da de do Con se lhe i ro cor rer, e era na -tu ral, por tan to, que dis pen sas se o ba ta lhão, e se con ten tas se com al gu -mas pra ças para guar ne cer Mon te San to, que – bem ou mal – con si de ra va a base das ope ra ções. Pelo mais, ele se res pon sa bi li za va.

Ape sar, en tre tan to, de não se ter con fir ma do bo a to da fugados ja gun ços, o co ro nel Mo re i ra Cé sar, ain da as sim, no dia 17 de fe ve re i ro,le van tou o acam pa men to de Qu e i ma das, e a 18 se ins ta la va em Mon teSan to, para daí sair na ma dru ga da de 23 com toda a bri ga da, em de man -da do Cum be. O 9º Ba ta lhão par ti ra da ca pi tal do Esta do no dia 11.

Nes sa jor na da, po rém, ocor reu um in ci den te, que deve serre co nhe ci do, como ele men to da crí ti ca his tó ri ca in dis pen sá vel.

Na ma nhã de 18, vi a jan do em di re ção a Mon te San to, en tre olu gar de no mi na do Can san ção e a fa zen da La goa de Cima, o co ro nelMo re i ra Cé sar foi aco me ti do de uma sín co pe. Em fal ta ab so lu ta de mé -di cos, ao che fe da ex pe di ção so cor re ram os ofi ci a is do seu es ta do-ma i or.

72 Aris ti des A. Milton

Page 71: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Estes, to da via, to ma dos de sus to e de zelo, man da ram logo cha mar o dr. Esve ral di no de Mi ran da, que es ta va jun to ao 7º de In fan ta ria, no sí tiode no mi na do Qu i rin qui cal, aquém de Mon te San to.

Mas, o co ro nel den tre em pou co se sen tiu me lhor e, tor nan do a mon tar a ca va lo, pros se guiu na sua der ro ta.

Qu an do ti nha an da do cer ca de 13 qui lô me tros, o che fe da ex -pe di ção se en con trou com aque le fa cul ta ti vo, que tra zia con si go o far -ma cêu ti co mi li tar ca pi tão Aní sio Mo niz Go mes; e am bos o con du zi rampara uma casa da ci ta da fa zen da, onde apli ca ram-lhe um si na pis mo, quepro du ziu logo o mais be né fi co efe i to. Entre tan to, no dia 22 o in cô mo do se re pe tiu, sen do as sal ta do o co ro nel por uma ver ti gem, no mo men toem que es ta va a des can sar no sí tio de no mi na do La ji nha, que de mo raapro xi ma da men te 19 qui lô me tros além de Mon te San to. Ver da de é –que daí em di an te mais nada ele so freu, até que foi ví ti ma de sua te me ri -da de em fren te a Ca nu dos.

O di ag nós ti co da en fer mi da de não foi co nhe ci do a prin cí pio,mas pou co de po is as so a lhou-se – que o co ro nel Mo re i ra Cé sar pa de ciado mal sa gra do.

Ao pas so que es ses acon te ci men tos des do bra vam-se, par tiade Ser gi pe o Ba ta lhão 26º de In fan ta ria de li nha, se gun do os de se josma ni fes ta dos pelo che fe da ex pe di ção; e, ten do ele che ga do – no dia 26– à vila de Je re mo a bo, o juiz de di re i to da res pec ti va co mar ca ex pe diu ao go ver na dor o te le gra ma a se guir:

“Sa ú do-vos. Che gou on tem nes ta vila o Ba ta lhão 26º. Je re mo a boé ce le i ro abun dan te e co bi ça do pe los fa ná ti cos de Ca nu dos. Por tan to,ne ces si da de pri mor di al con ser ve is o ba ta lhão nes ta vila. Po pu la ção sa tis -fe i ta ga ran tia vida. – Ra i mun do Iná cio.”

A so li ci ta ção des se ma gis tra do foi aten di da, de modo que aex pe di ção fi cou as sim com pos ta: Ba ta lhões de In fan ta ria do Exér ci to 7º, 9º e 16º, um es qua drão do 9º Re gi men to de Ca va la ria de Li nha, uma ba -te ria de ar ti lha ria, e 200 pra ças – mais ou me nos – da po lí cia ba i a na.

Con ti nu an do no seu iti ne rá rio, a ex pe di ção par tiu na ma dru -ga da de 25 para a fa zen da Ca ja ze i ra, onde acam pou de po is de 15 qui lô -me tros de mar cha. O co ro nel Mo re i ra Cé sar ha via che ga do e as su mi doo co man do, na vés pe ra. Na tar de mes ma de 25, a ca va la ria e os en ge -

A Cam pa nha de Ca nu dos 73

Page 72: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

nhe i ros se gui ram para a Ser ra Bran ca, 6 qui lô me tros mais ou me nos adi -an te, a fim de as sen tar uma bom ba para for ne ci men to de água, vis tocons tar não ha ver ali este lí qui do em abun dân cia. Ao rom per do dia 26,toda a bri ga da se di ri giu por sua vez para a Ser ra Bran ca; e, ten do aí car -ne a do, pros se guiu de tar de, com des ti no à fa zen da Ro sá rio. Aí per ma ne -ceu a co lu na até o dia 2 de mar ço, quan do le van tou acam pa men to parao Ran cho do Vi gá rio, sí tio que está a 19 qui lô me tros equi dis tan te doRo sá rio e de Ca nu dos.

É ver da de – que, no mes mo dia 2, o co ro nel Mo re i ra Cé sarha via acor da do com o ma jor R. A. da Cu nha Ma tos mar char tão-so men te 10 qui lô me tros, dar des can so de um dia às pra ças, de po is abe i rar-se damar gem do Vaza-Bar ris, bom bar de ar o ar ra i al, e, quan do este se achas se bem da ni fi ca do, as sal tá-lo en tão com a in fan ta ria; mas, na ma nhã de 3mu dou ele de pla no re sol ven do ata car ime di a ta men te a ci da de la dosja gun ços.

E com este in tu i to a co lu na en ve re dou pela es tra da de Ca nu -dos, ob ser van do a or dem que se se gue:

Rom pia a van guar da uma com pa nhia de ati ra do res, com pos tade cer ca de 100 ho mens, do 7º Ba ta lhão, co man da da pelo te nen te Fi -gue i ra. Se guia-se o co ro nel Mo re i ra Cé sar, com o seu es ta do-ma i or, for -ma do por es tes ofi ci a is – ca pi tão Olím pio Cas tro, três te nen tes do exér -ci to e um al fe res, um ou tro te nen te da po lí cia ba i a na, e o vo lun tá rioFran ce li no Pe dre i ra de Cer que i ra. Logo após, o gros so do 7º Ba ta lhão,co man da do pelo ma jor Cu nha Ma tos, e a cuja re ta guar da vi nha o par -que de ar ti lha ria. Em quin to lu gar, mar cha va o 9º Ba ta lhão sob o co -man do do co ro nel Ta ma rin do. Em sex to, se en con tra va o con tin gen tedo Ba ta lhão 16º. Em sé ti mo, a am bu lân cia e o com bo io, pro te gi dos pela for ça da po lí cia es ta du al. E, cer ran do a gran de fila, via-se a ca va la ria,que com bo i a va o gado, des ti na do à ali men ta ção da bri ga da.

Du ran te o per cur so, su rgi ram vá ri os tro ços de fa ná ti cos, tan to pe los flan cos quan to pela van guar da, e até pela re ta guar da da co lu na;mas esta, des car re gan do so bre eles, fa cil men te os des tro çou.

Qu an do a apro xi ma ção de Ca nu dos foi anun ci a da, o po vo a do acha va-se a 6 qui lô me tros mais ou me nos; e o co ro nel Mo re i ra Cé sarman dou ati rar duas gra na das na que la di re ção, o que se fez pron ta men te. Foi, en tre tan to, um avi so aos ja gun ços.

74 Aris ti des A. Milton

Page 73: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

A co lu na, avan çan do sem pre, afi nal achou-se à vis ta do po vo a do. Se ri am 10 ho ras da ma nhã.

Dado o si nal da or de nan ça, a ar ti lha ria par tiu ace le ra da men te, pro te gi da pe los 7º, 9º e 16º Ba ta lhões de In fan ta ria, e se foi co lo car emuma co li na, dis tan te de Ca nu dos 800 me tros, quan do mu i to.

O ini mi go es ta va em fren te, e o co ro nel Mo re i ra Cé sar in sis -tiu na sua idéia de ata cá-lo des de logo, a des pe i to da mar cha de 20 qui lô -me tros, apro xi ma da men te, que a bri ga da já tra zia. Para se me lhan te de li -be ra ção mu i to con cor reu, de cer to, o re ce io de que os ja gun ços – à no i te – pu des sem sur pre en der no acam pa men to a ex pe di ção, com van ta gemdo per fe i to co nhe ci men to dos aci den tes lo ca is, e da to po gra fia doscam pos.

E como os sol da dos da le ga li da de se mos tras sem bas tan teani ma dos, o che fe quis apro ve i tar tão ex ce len te dis po si ção, dan do estavoz de co man do: ar ti lha ria a bra ços, para a fren te; or dem que foi cum pri daime di a ta men te sen do os qua tro ca nhões pos ta dos em ou tra co li na, adi -an te 400 me tros tal vez. Aí fi ca ram duas bo cas-de-fogo, ten do avan ça domais um pou co as duas ou tras, que des tar te acha ram-se pró xi mas dosprin ci pa is re du tos do Con se lhe i ro, sim bo li za dos nas duas igre jas do ar -ra i al. Eram 11 ho ras do dia.

As igre jas, edi fi ca das uma em fren te à ou tra, ofe re ci am as pa -re des la te ra is aos as sal tan tes, que ti nham fe i to alto um pou co an tes doVaza-Bar ris, além do qual – al guns me tros – am bas es ta vam si tu a das eco me ça va a gran de área, ocu pa da pe las ha bi ta ções dos fa ná ti cos.

De cor ri dos al guns mo men tos, gas tos em ob ser va ção rá pi da,o co ro nel Mo re i ra Cé sar or de nou – que o 7º Ba ta lhão avan ças se peloflan co es quer do do po vo a do, e o 16º adi an te pelo mes mo flan co. Qu an toao 9º, avan çou tam bém, mas para ata car pela di re i ta. A po lí cia ba i a na,se guin do-se ao 16º, in ves tiu pelo flan co es quer do, tam bém. E a ca va la -ria, adi an te da po lí cia, to mou a es tra da de Je re mo a bo; do lado qua seopos to àque le em que se pos ta ra a ar ti lha ria da ex pe di ção.

Dis pos tas des te modo as for ças, efe tu ou-se o as sal to, ini ci a dopelo 7º, em cuja re ta guar da se co lo cou o 16º, a fim de pro te gê-lo. O pri -me i ro, sob o co man do do ma jor Cu nha Ma tos, ata cou uma das igre jas; e des de logo, de sa lo jan do o ini mi go, apo de rou-se de onze ca sas do ar ra i al.

A Cam pa nha de Ca nu dos 75

Page 74: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Ao mes mo tem po, o 9º Ba ta lhão in ves tia, pelo flan co queocu pa va, so bre as duas igre jas; e a po lí cia aco me tia pelo flan co es quer -do, in va din do al gu mas e in cen di an do ou tras ha bi ta ções, ca u san do sen sí -ve is da nos ao ini mi go: até que se viu co a gi da a re cu ar, por se lhe te remes go ta do as mu ni ções das pa tro nas, e não ha ver quem as pu des se for ne -cer. Aque le ba ta lhão, sob o co man do do co ro nel Ta ma rin do, pou co de -po is achou-se em po si ção mu i to des van ta jo sa, so fren do vi vís si mo fogo;pelo que ten tou, de bal de em bo ra, atra ves sar o Vaza-Bar ris.

Afi nal, uma com pa nhia do 7º, ao man do do te nen te J. Fi gue i -ra, e ou tra do 9º, às or dens do al fe res A. Pa trí cio, con se gui ram va de ar orio; e am bas avan ça ram so bre as di tas igre jas, exa ta men te por que para aí se en ca mi nha vam vá ri os tro ços de fa ná ti cos, no in ten to ma ni fes to desubs ti tu ir os ou tros, que es tan do ne las en trin che i ra dos iam, con tu do, su -cum bin do, di zi ma dos pela ar ti lha ria que sem ces sar os al ve ja va.

Dos dois edi fí ci os, o mais ve lho fi cou bas tan te es tra ga do, oou tro, po rém, cons tru í do com pa re des do bra das, e che io de se te i rasbem se pa ra das por ma i néis re gu la res, nada so freu, não obs tan te es tarain da des co ber to, e lhe te rem ca í do den tro di ver sas gra na das.

Qu an to às duas com pa nhi as de ati ra do res, re gis tra ram elasmu i tas per das.

Con vém con sig nar – que, an tes de se re a li zar o as sal to, a ar ti -lha ria bom bar de ou Ca nu dos, por es pa ço de duas ho ras. E que na se gun -da co li na, pe núl ti ma ocu pa da pela mes ma ar ti lha ria, foi opor tu na men teins ta la do o hos pi tal de san gue, de cuja guar ni ção fi cou en car re ga do umpi que te da po lí cia ba i a na, co man da do pelo al fe res F. Re quião. Nes sehos pi tal con ta ram-se, ao en tar de cer, para cima de 200 fe ri dos. Qu an toao núme ro de mor tos, não foi pos sí vel ve ri fi cá-lo en tão.

No mo men to em que o co ro nel Mo re i ra Cé sar, de po is de terdis pos to do me lhor modo as for ças, re gres sa va do pon to onde, na es tra da de Je re mo a bo, a ca va la ria se en con tra va, e di ri gia-se con fi an te ao pos toem que se ti nha co lo ca do, bem per to da ar ti lha ria, foi fe ri do gra ve men te no ven tre.

Se ri am, pou co mais ou me nos, 3 ho ras da tar de.Re co lheu-se o co ro nel à bar ra ca, e fo ram-lhe aí fe i tos os pri -

me i ros cu ra ti vos. De po is, o con du zi ram numa pa di o la para o hos pi tal.

76 Aris ti des A. Milton

Page 75: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O co ro nel Ta ma rin do as su miu, logo, o co man do ge ral da ex -pe di ção; mas fê-lo des co nhe cen do o ver da de i ro es ta do das cou sas.

De 4 para 5 ho ras, em bo ra con ti nu as se ace so e ani ma do ocom ba te, não se con se guia, con tu do, man ter nele a or dem de se já vel. No en tan to, os fa ná ti cos, ape sar dos mu i tos cla ros aber tos em suas fi le i ras,lu ta vam com ar ro jo e va len tia me mo rá ve is. Não es mo re ci am, não re cu a -vam; pa re cia mes mo que se mul ti pli ca vam, pois sem pre que um de lestom ba va, mor to ou fe ri do, dois ou três ou tros vi nham subs ti tuí-lo, coma fi si o no mia ilu mi na da pe los lam pe jos da fé, com o âni mo ale van ta dope las su ges tões da bra vu ra.

As pon ta ri as, que eles fa zi am, qua se to das eram cer te i ras e fa -ta is. A jul gar pela qua li da de dos fe ri men tos, a gen te do Con se lhe i ro ati -ra va com ar mas Chu chu, Mann li cher e Com bla in.

O Ba ta lhão 16º foi co man da do pelo ca pi tão A. Vi la ri nho, aca va la ria pelo ca pi tão Álva ro Pe dre i ra Fran co, e a ar ti lha ria pelo ca pi tãoF. Sa lo mão.

No hos pi tal de san gue, os mé di cos de sen vol ve ram lou vá velati vi da de e zelo, dig nos de fran cos en cô mi os.

Eram 7 ho ras da no i te, quan do os cla rins e as cor ne tas de ramde re ti ra da:

“O som mo nó to no dos si nos das igre jas e os cân ti cos re li gi o -sos dos fa ná ti cos, a ago nia dos mo ri bun dos, e os ge mi dos dos fe ri dos,ain da mais agra va ram o de sâ ni mo dos re ti ran tes, já exa us tos de can sa ço,de fome e de sede.”11

Cer to é – que a ma no bra or de na da foi des fa vo rá vel em ex tre -mo à for ça le gal, obri ga da por tal modo a de i xar os re du tos já con quis -ta dos ao ini mi go, ao pre ço de mu i tas vi das pre ci o sas.

Em todo o caso, a no i te pas sou sem a me nor no vi da de. Nopo vo a do de Ca nu dos, não se fez du ran te ela um dis pa ro que fos se, nãoobs tan te ha ve rem con ver gi do para o cen tro dele to dos os com ba ten tesdo Con se lhe i ro. Por esse mo ti vo, al guns sol da dos pu de ram se apos sarde uma pe que na ven da de mo lha dos, onde co me ram e be be ram à far ta,sem que fos sem pres sen ti dos, e mu i to me nos in co mo da dos pelo ini mi go.

Cam pa nha de Ca nu dos 77

11 Jor nal do Co mér cio, do Rio, de 19 de no vem bro de 1898.

Page 76: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Na ma nhã do dia se guin te, de po is de ter ou vi do ao ma jorCu nha Ma tos e aos de ma is co man dan tes que ser vi am na ex pe di ção,re sol veu-se o co ro nel Ta ma rin do a dis por a re ti ra da para o Ro sá rio, com o fim de re or ga ni zar e re tem pe rar a co lu na, que de ve ria ten tar umse gun do as sal to a Ca nu dos.

No acam pa men to cor reu, po rém, que quan do essa de li be ra -ção fora co mu ni ca da ao co ro nel Mo re i ra Cé sar não lhe dera este o seuas sen ti men to. O co man dan te da ex pe di ção, com a im pa ciên cia e a te -me ri da de, que du ran te ela sem pre re ve lou, fos se por in fluên cia mór bi da, fos se por mal ava li ar os re cur sos de que os ja gun ços dis pu nham, que riaque se des se nova in ves ti da, ape nas ama nhe ces se; pois con ta va es ma garo ini mi go com al gum es for ço mais. Ele as sim o dis se ra a seu aju dan te –o ca pi tão Olím pio de Cas tro.

O pa re cer do co ro nel, en tre tan to, não foi ace i to; e pou cos mi -nu tos fal ta vam para cin co ho ras da ma nhã, quan do o che fe da ex pe di -ção, ce den do ao so fri men to e à dor, exa la va o der ra de i ro sus pi ro, emmeio de al guns ca ma ra das cons ter na dos. Víti ma do de ver e da te me ri da -de, o co ro nel Mo re i ra Cé sar ago ra re pou sa – ina ni ma do e frio – no ser -tão ba i a no, onde ele es pe ra va aliás co lher mu i tos lou ros para enas trarem sua fron te de re pu bli ca no e sol da do! É as sim que o des ti no sói res -pon der aos pla nos e de síg ni os do ho mem…

So a vam 6 ho ras da ma nhã do dia 4 quan do a co lu na co me çou ase mo ver para con ti nu ar a re ti ra da, que – cum pre con fes sá-lo – se fez en tão um pou co de sor de na da men te. O fa le ci men to do co ro nel Mo re i ra Cé sar ha -via, com cer te za, pro du zi do nas fi le i ras que ele co man da va um cer to desâ -ni mo, que se ex pli ca pela sur pre sa e ra pi dez do cho que re ce bi do.

Como quer que fos se, a co lu na mar chou até cer ca de três qui -lô me tros para trás; con se guin do-se, a re pe ti dos to ques de – alto à fren te – que a in fan ta ria não se dis tan ci as se mu i to da ar ti lha ria. Na van guar da fo -ram co lo ca dos os fe ri dos, que mon ta vam nos ca va los do re gi men to,bem como os ofi ci a is que ti nham di re i to a ca val ga du ra. Na re ta guar da,se guia toda a ar ti lha ria, guar ne ci da uni ca men te pela po li cia ba i a na, queas sim pro te gia a re ti ra da.

Às 8 ho ras, mais ou me nos, uma enor me mul ti dão de ja gun ços , que ino pi na da men te emer gi ra, ati rou-se fu ri o sa, cé le re, in dô mi ta, so bre

78 Aris ti des A. Milton

Page 77: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

a ar ti lha ria, tan to pe los flan cos quan to pela re ta guar da; e a ar ti lha ria, en -tão des guar ne ci da, caiu in fe liz men te em po der dos as sal tan tes.

Foi nes se mo men to, críti co e fu nes to, que jun to a um dos ca -nhões, onde era seu pos to – que dou ful mi na do o ca pi tão Sa lo mão, co -man dan te da bra va ar ti lha ria.

De po is... uma de ban da da ge ral se de cla rou. Nin guém maispôde se en ten der, nem co man dan tes nem co man da dos. A dis ci pli na mi -li tar de sa pa re ce ra in te i ra men te.

Os ja gun ços pro cu ra ram se apro ve i tar en tão das cir cunstânci as, eper se gui ram te naz men te os sol da dos da le ga li da de. Até ao Ro sá rio não lhes de ram quar tel. Foi por essa oca sião que imo la ram mu i tos ofi ci a is e pra çasde pré, con tan do-se en tre os pri me i ros – o co ro nel Ta ma rin do, o ca pi tãoVi la rinho, o te nen te Po li car po Cos ta, os al fe res Hi pó li to e Co e lho, bemcomo o ca pi tão Ba hia que, já fe ri do, vi nha car re ga do em uma pa di o la.

Qu an do en ce tou-se o com ba te, Ca nu dos tal vez abri gas se emseu re cin to oito mil pes so as, que to das pe le ja vam, cada qual na me di dade suas for ças, mas com a mes ma va len tia, sem ex ce tu ar as cri an ças emu lhe res. E ter mi na da a inol vi dá vel ação, tor na ram para seu re du to ossec tá ri os do Con se lhe i ro, ao tem po em que o res to da ex pe di ção to ma va a es tra da de Qu e i ma das. Pou cos, en tre tan to, fo ram os que se lem bra ram de en ve re dar pela pi ca da por onde ha via pas sa do a co lu na, e ha via sidoaber ta pelo cor po de en ge nhe i ros en tre Cum be e Ser ra Bran ca. A ma i orpar te dos re ti ran tes não ati na ram com esse des vio.

Jus to é re me mo rar, po rém, que a for ça po li ci al ba i a na se ba -teu com de no do e ga lhar dia. Das 150 pra ças, que ela pu se ra em li nha de fogo, um ter ço ape nas es ca pou com vida.

Trans la dan do, ago ra, a “par te ofi ci al” do com ba te, eu visofor ne cer to dos os do cu men tos ne ces sá ri os para se ins ti tu ir um ju í zo im -par ci al e se gu ro so bre tão cu ri o sos epi só di os da his tó ria de nos sa pá tria.

O ofí cio do ma jor Cu nha Ma tos diz as sim:“Ilus tre co ro nel Sou sa Me ne ses – Co mu ni co, e peço para o

fa zer ao Go ver no, a in fe liz nova que pas so a re la tar.“No dia 3 do cor ren te, le van ta mos acam pa men to no Ran cho

do Vi gá rio, e mar cha mos com di re ção a Ca nu dos. Na vés pe ra, o in di to soe bra vo co ro nel Cé sar com bi na ra co mi go só mar char lé gua e meia, dar

A Cam pa nha de Ca nu dos 79

Page 78: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

des can so de um dia às pra ças, no dia ime di a to mar char até à mar gem do Vaza-Bar ris, bom bar de ar bem com a ar ti lha ria e após isto dar o as sal tocom a in fan ta ria.

“No re fe ri do dia 3, po rém, fi cou de se jo so de li qui dar tudo, eas sim é que no lu gar em que pro me tia acam par man dou to car ofi ci a is, econ vi dou-nos a avan çar para to mar Ca nu dos.

“Esta idéia foi logo abra ça da pela ma i o ria dos ofi ci a is, e oco ro nel con ti nu ou a mar char.

“Che ga mos à mar gem do Vaza-Bar ris às 11 ½ ho ras do dia,es ten den do-se logo a for ça em or dem de ba ta lha. A ar ti lha ria fez unsseis ti ros, aliás bons, para den tro da ci da de, que é gran de, ha ven do qua se to dos ca í do na igre ja ve lha, que ser via de um dos mais for tes re du tos do ini mi go.

“Após os ti ros, deu o co ro nel or dem para o as sal to, fi can do eleem uma emi nên cia, do alto de cá, e pró xi mo à ar ti lha ria. Os con se lhe i ris tas,que ati ram ma ra vi lho sa men te com ca ra bi na, va ra ram o in fe liz co ro nelcom uma bala, aci den te este que me foi ime di a ta men te co mu ni ca do e aoTa ma rin do, mas que ocul ta mos.

“Fi cou en tão Ta ma rin do di ri gin do o as sal to, e, de po is de va -rar mos o rio, atra ves sa mos do modo se guin te: a po li cia e o 16º pela es -quer da, a ala es quer da do 7º e mais o 9º Ba ta lhão pela di re i ta, e eu coma ala di re ita pela fren te.

“Dado o si nal pre vi a men te com bi na do, de mos prin cí pio aoas sal to, ha ven do a ala di re i ta do 7º se apo de ra do logo de cer ca de 12 ca -sas, que ser vi am de pe que nos re du tos. A for ça po li ci al e o 16º, por suavez, ata ca ram ga lhar da men te a es quer da, mas ha ven do fi ca do sem mu ni -ção fo ram obri ga dos a re ti rar pre ci pi ta damen te. Isto deu lu gar a que oini mi go di ri gis se os seus fo gos es pe ci al men te para a ala di re i ta do 7º, e o fa zia com tan ta cer te za de tiro que pôs logo fora de com ba te gran de nu -me ro de ofi ci a is e pra ças.

“Ven do que es ta va sa cri fi can do inuti lmen te o meu pes so al,vis to que a polí cia se re ti ra va e a ala es quer da com o 9º mu i to pou co po -di am fa zer, fiz re ti rar a mes ma ala, e co lo quei-a na mar gem do rio, porde trás de uma cer ca.

80 Aris ti des A. Milton

Page 79: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Tal era a fu zi la ria, po rém, que o ini mi go fa zia – que os ofi ci a is e pra ças ca íam mor tos e fe ri dos, in clu si ve eu, que fui fe ri do le ve men te na coxa e ná de ga di re i ta.

“Sus ten ta mos o com ba te até 6 ½ ho ras da tar de, sem con se -guir mos to mar a ci da de, sen do cer to que logo no tei co bar dia por par tedas pra ças em ge ral.

“Afi nal, pou co an tes de vir a no i te, re ti ra mo-nos para a mar -gem de cá, onde fo mos acam par no cume de uma ser ra, que fica a unsse is cen tos me tros de Ca nu dos.

“Du ran te a re ti ra da per de mos mu i ta gen te, não obs tan te a ar -ti lha ria pro te ger com os seus es pa ça dos ti ros. A de sor dem ma ni fes -tou-se logo na tro pa, e tan to as sim que me vi lou co para con se guir for -mar um qua dra do para pro te ção ge ral du ran te a no i te, e es pe ci al men tedos fe ri dos, que su bi am a cer ca de 200. Os mé di cos, ape sar de tra ba lha -rem toda a no i te, não pude ram acu dir a to dos; e nós fi ca mos em po si -ção crí ti ca, por não ter mos gêne ros ali men tí ci os, nem água po tá vel, pois a do rio não se po dia ir bus car.

“O po bre Ta ma rin do fi cou aca bru nha do e sem ação, e às 11ho ras da no i te re u niu a ofi ci a li da de, isto é, co man dan tes de cor pos e fra -ções, e con sul tou-os so bre o pro ce di men to que de via ter, vis to es tar afor ça de sa ni ma da, e não ser pro vá vel que novo as sal to pro du zis se bomre sul ta do. To dos os co man dan tes fo ram de opi nião que, pela ma dru ga -da, se fi zes se uma re ti ra da em or dem, e de for ma a não aban do nar-seum só fe ri do.

“Às 5 ho ras da ma nhã fui cha ma do para ve ri fi car que o Cé saraca ba va de fa le cer, o que mu i to me con tris tou.

“Após ha ver mos tra ba lha do toda a no i te, re mo ven do fe ri dospara den tro do pre ten so qua dra do, bem como um enor me com bo io decar gue i ros com mu ni ções, pusemo-nos em mar cha, de ba i xo da fu zi la riado ini mi go.

“Nes ta oca sião, ve ri fi quei mais uma vez que a nos sa re du zi dafor ça es ta va bem aco bar da da, pois as pra ças que con du zi am os fe ri dos,bem como as que for ma vam as fa ces do qua dra do, só pro cu ra vam aba i -xar-se, até cor rer, sen do pre ci so que nós, os ofi ci a is, de sen volvê sse mos

A Cam pa nha de Ca nu dos 81

Page 80: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

gran de soma de ener gia para con ti nu ar a mar cha in ter rom pi da logo nasa í da.

“De po is de per cor rer mos uma ex ten são de cer ca de 200 me -tros, o ini mi go caiu-nos pe los flan cos e re ta guar da, pelo que a guar daavan ça da e ou tras mu i tas pra ças aban do na vam seus pos tos, e cor ri ampela es tra da, fu gin do.

“O Ta ma rin do man dou que eu ata cas se a fuga, e eu, acom pa -nha do por uns três ofi ci a is, cor ri à fren te, de revól ver em pu nho; maséra mos le va dos pela onda.

“Afi nal, foi um gran de gru po dos fu jões ata ca do pela re ta -guar da e flan co di re i to; e por esta oca sião fi ca mos aban do na dos, eu, oca pi tão Cam pos e o ca pi tão Si mões, do 9º, só fi can do umas cin co pra -ças, que tra va ram ti ro te io du ran te mu i to tem po.

“Ao mes mo tem po que isto se dava na fren te, o ini mi go cor -ta va a re ta guar da em duas par tes, sen do tão gran de a de sor dem, e o des -brio, que a ar ti lha ria foi toma da, mas não sem que seu ca pi tão Sa lo mãotudo en vi das se como re sis tên cia.

“Afi nal, foi mor to o ca pi tão, fe ri do o 1º-te nen te Pra del, emor ta qua se a ma i o ria da guar ni ção. Em se gui da, o Ta ma rin do é va ra dopor uma bala, os con du to res dos fe ri dos aban do na ram es tes, que são sa -cri fi ca dos. Extra vi ou-se um gran de núme ro de pra ças, e eu mi la gro sa -men te es ca pei.

“Te nho pro cu ra do re u nir os ex tra vi a dos, bem como con du zirpara aí, não só os que apa re cem, mas tam bém gran de nú me ro de fe ri dos.

“Cre io que este pon to será ata ca do den tro de pou cos dias, eacho que o co ro nel deve se aca u te lar.

“Ain da não pos so pre ci sar ao cer to o nú me ro de ofi ci a is epra ças pos tos fora de com ba te, mas ga ran to que fa le ce ram – o Cé sar, oTa ma rin do, o ca pi tão Ba hia, o te nen te Pi res Fer re i ra, os al fe res PoliCo e lho, Va ni que de Ma tos, Olím pio e ou tros ofi ci a is do 9º, 16º e po lí -cia, cu jos no mes ain da ig no ro, mas que bre ve men te co mu ni ca rei.

“À úl ti ma hora, in for ma ram-me que o ca pi tão Vi la rinho foitam bém mor to.

“Os ofi ci a is fe ri dos são pou cos, mas há ex tra vi a dos.

82 Aris ti des A. Milton

Page 81: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Antes de ha ver re la ta do esta tris te nova, de via ter dito que oCé sar er gueu um viva à mi nha pes soa, por ter de sa lo ja do o ini mi go domato, e, ape a ndo-se do ca va lo em que mon ta va, deu-me um aper to demão.

“O co ro nel não ima gi na como es tou, e es ta mos to dos, com ogran de de sas tre; mas tam bém es tou cer to de que não en con tra rá di fi cul -da des em des co brir o cul pa do. E mais nada. Cumbe, 5 de mar ço de1897. – Ma jor R. A . da Cu nha Ma tos.

“NOTAS À MARGEM – Mor tos do 9º ofi ci a is: al fe res Ta va res,Tra ja no Cos me dos Reis, te nen te Pi res Fer re i ra. Os fe ri men tos, em ge -ral, são le ves.

“Os gê ne ros ali men tí ci os, que dis se fal ta vam, são os que de vi amter nos bor na is, pois o de pó si to aqui está re ple to, têm sido re me ti dos.”

Como se aca ba de ver, o ma jor Cu nha Ma tos in si nua – quehou ve um cul pa do no in su ces so de que ele tão pe sa ro so deu con ta.Entre tan to, por mais tra tos que eu dê à ima gi na ção, não pos so des co brir a quem se deva im pu tar a res pon sa bi li da de do la men tá vel fato, se é quea gra ve alu são visa atin gir pes soa es tra nha ao co man do da for ça mi li tar.

Se em pe nhou-se um com ba te pre ci pi ta da men te, quer por es -tar fa ti ga do o pes so al da ex pe di ção, quer por não se ter fe i to em re gra ore co nhe ci men to do ter re no, em que ia ela ope rar, se com pre en debem – que esse erro só po dia ser co me ti do pe los di re to res da mes maex pe di ção.

Estes, além do mais, de vi am re cor dar-se do des ti no das ex pe -di ções an te ri o res, que fra cas sa ram, sem dú vi da, por não se ter me di doexa ta men te a es ta tu ra do ad ver sá rio a quem bus ca vam der ro tar.

Tais eram os ele men tos com que o co ro nel Mo re i ra Cé sar de -ve ra ter jo ga do para as sen tar o seu pla no de ba ta lha.

De modo que não de i xou de ser fu nes ta a re so lu ção, por eleto ma da, de al te rar o seu pri mi ti vo de síg nio para in ves tir ime di a ta men tecon tra o acam pa men to de Antô nio Con se lhe i ro.

Do bom êxi to da di li gên cia nin guém du vi da ra e, por tan to, orevés que ela so freu a to dos ca u sou sur pre sa e luto.

Mas qual a ra zão prin ci pal des se la men tá vel acon te ci men to?

A Cam pa nha de Ca nu dos 83

Page 82: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O pró prio ma jor Cu nha Ma tos, num te le gra ma pas sa do emdata de 13 de mar ço ao ge ne ral Di o ní sio de Cer que i ra, en tão mi nis trodo Ex te ri or, de cla rou que era o úni co a quem o co ro nel Mo re i ra Cé sar ou via àsve zes; que só com mu i to je i to con se gui ra por mais de uma oca sião fazê-lo mo di fi caror dens in con ve ni en tes; que o ti nha acon se lha do a dar des can so à tro pa an tes de em -pre en der o ata que, o qual ain da as sim con vi nha ser pre ce di do de um bom bar de io aopo vo a do; que, ape sar de pa re cer con cor dar com esse pla no, o co ro nel após a mar cha de três qui lô me tros apro xi ma da men te re u ni ra os ofi ci a is, e os con vi dara a dar o as sal tocon tra Ca nu dos, ao que eles não se opu se ram.

O te le gra ma acres cen ta – que o co ro nel, ten do dis pos to toda a bri ga -da em li nha de ba ta lha, não guar da ra re ser va para apo io, e que o ini mi go, bem res -guar da do, den tro de meia hora pu se ra me ta de dos as sal tan tes fora de com ba te, e fi ze -ra a ou tra me ta de re cu ar para o bar ran co do Vaza-Bar ris.

O te le gra ma, fi nal men te, con clui no ti ci an do – que o co ro nel Ta -ma rin do, que as su mi ra o co man do de po is do fe ri men to do co ro nel Mo re i ra Cé sar, fi -ca ra sem ação, e ten do por úl ti mo or de na do a re ti ra da, esta se efe tu a ra no meio dacon fu são e da de sor dem.

E ta ma nhas fo ram elas, que o ma jor Cu nha Ma tos re fe re ade so be diên cia for mal dos sol da dos aos seus su pe ri o res, o que o obri gou a dis pa rar o re vól ver so bre os fu gi ti vos, no in tu i to de fazê-los pa rar;mas, ain da as sim, não im pe diu que eles o aban do nas sem no mo men tomais crí ti co e fa tal. Os si nais re pe ti dos das cor ne tas nada po di am, nomeio da in dis ci pli na que então do mi na va.

Com cer te za, a mor te do co ro nel Mo re i ra Cé sar, a quem ossol da dos dis ti ngui am com a má xi ma con fi an ça, con tri bu iu bas tan te para esse re sul ta do fe liz.

Não obs tan te, é pre ci so con fes sar – que hou ve des cu i dos im -per doá ve is, além des ses que já de i xei as si na la dos. É ver da de que eles não che ga ram a pro du zir to das as con se qüên ci as de que se ri am ca pa zes, noen tan to ser vem para de mons trar a pou ca im por tân cia li ga da por che fesmi li ta res a uma si tu a ção re al men te di fí cil e pe ri go sa.

Assim é que Mon te San to, ape sar de ser uma po si ção dig na da ma i or so li ci tu de, fi cou sem de fe sa, e – o que mais é – sem guar ni çãobas tan te para or ga ni zá-la em caso de ne ces si da de.

84 Aris ti des A. Milton

Page 83: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O co ro nel Agos ti nho de Melo Sou sa Me ne ses, que es ta ci o na -va ali, dis pu nha ape nas de 70 pra ças dos di ver sos cor pos, das qua is aomu i to 20 eram ap tas para o ser vi ço, vis to que as ou tras es ta vam do en tes ou es tro pi a das.

O se gun do in con ve ni en te que se no tou – foi ter a bri ga da de i -xa do de to mar a es tra da de Cam ba io, que ha via já sido ex plo ra da peloma jor Fe brô nio de Bri to, e se gui do por ou tra in te i ra men te des co nhe ci da e de ma i or per cur so. Se por aca so o fez por te mer que os ja gun ços a es -pe ras sem por ali, cum pria-lhe pon de rar tam bém – que eram mu i to sen -sí ve is às des van ta gens da pre fe rên cia dada, não in fe ri or com cer te za àsdo al vi tre pre te ri do.

“E se Antô nio Con se lhe i ro dis pu ses se de for ças nu me ro sas,te ria man da do – pelo ca mi nho mais cur to – ata car Mon te San to, ba ter edes ba ra tar to tal men te a bri ga da pela re ta guar da e flan cos, bem como re -mo ver para o seu ar ra i al as mu ni ções de boca e guer ra de que ha viagran des de pó si tos em Mon te San to; ou com mais fa ci li da de ain da po de -ria ter fe i to tudo isso ata can do a bri ga da pela fren te, quan do ela re ti -rou-se pelo mes mo ca mi nho, em com ple ta de ban da da e de sor dem, de -po is de re cha ça da do as sal to ao ar ra i al de Ca nu dos.”12

É pos sí vel que es sas duas úl ti mas cir cuns tân ci as es ca pas semao co man dan te da ex pe di ção, por não con fi ar ele na tá ti ca dos ja gun ços .

Mas, a sú bi ta re so lu ção do ata que, nas con di ções co nhe ci dasde can sa ço da tro pa, e fal ta de ex plo ra ção do ter re no, in du bi ta vel men tefoi mal ins pi ra da.

O que, po rém, le vou o co ro nel a tomá-la?A opi nião mais cor ren te é que ele agiu sob a in fluên cia de

uma cri se ner vo sa.“Vi zi nho do ar ra i al de Ca nu dos”, diz um mé di co ilus tre com

re fe rên cia ao co ro nel Mo re i ra Cé sar, “vi zi nho do ar ra i al de Ca nu dos, no pon to es co lhi do para acam pa men to das tro pas fa ti ga das pela jor na da,pla ne ja do o as sal to para a ma nhã se guin te, toma-o de se jo de co me çar ape le ja nes te mes mo dia; e este de se jo é ir re freá vel, do mi na-o in te i ro, eca re ce de uma sa tis fa ção ime di a ta, que a obe diên cia ou o ter ror de seusco man da dos não sabe de modo al gum re cu sar. Na ação, sua ati tu de é a

A Cam pa nha de Ca nu dos 85

12 Jor nal do Co mér cio, de 19 de no vem bro de 1898.

Page 84: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

de um lou co des nor te a do, atra ves san do a li nha de fogo sem ver o pe ri -go, aos gri tos de viva a re pú bli ca; achan do-se à fren te dos com ba ten tes,no mais ace so da luta, ofe re cen do um alvo es plên di do às ba las ini mi gas.E uma de las veio-lhe des ti na da.

“Hoje, o peso de suas cul pas deve ser mu i to me nor... e a jus ti -ça o tor na ir res pon sá vel, pois ele obe de cia às de ter mi na ções de um es ta -do mór bi do, era um ins tru men to pas si vo de sua epi lep sia.”13

E a epi lep sia, como nin guém ig no ra, se pode fa zer o ho memdes cer até à ig no mí nia, pode tam bém ele vá-lo às cul mi nân ci as da gló ria.

A ciên cia ates ta – que Jú lio Cé sar e Na po leão fo ram dois ver -da de i ros epi lép ti cos, as sim como Ca lí gu la e Tor que ma da ou tras ví ti masdo mal sa gra do.

Pa re ce mes mo – que as sín co pes so fri das pelo Co ro nel Mo re i raCé sar, em ca mi nho para Ca nu dos, fo ram gran des aces sos da en fer mi da de que o tor tu ra va e se fa zia no tar por con vul sões par ci a is.

Sabe-se quan to o co ro nel fora acu sa do por atos pra ti ca dos no es ta do de Santa Ca ta ri na. Os ana is do Con gres so Na ci o nal guar dam dis -cur sos ve e men tes, con de nan do o pro ce di men to vi o len to, se não de su ma -no, que esse mi li tar ti ve ra para com seus con ci da dãos, co nhe ci dos ousim ples men te sus pe i ta dos de re vol to sos. Ago ra, en tre tan to, se pode me -lhor ava li ar o fato, se re co nhe cen do – que o co ro nel Mo re i ra Cé sar eraum do en te.

Des ta opi nião par ti lhou fran ca men te o de ca no da im pren sabra si le i ra, que a seu tur no se ocu pou de es tu dar o ca rá ter e os atos dote me rá rio de Ca nu dos. E foi ele que as sim se ex pri miu:

“Em La ji nha, en tre Mon te San to e Cum be, foi o co ro nel Mo -re i ra Cé sar aco me ti do de dois ata ques con se cu ti vos de epi lep sia, des sater rí vel en fer mi da de que, se gun do nos cons ta, co me çou a so frer emSan ta Ca ta ri na, aon de foi tra ta do pelo dr. Fran co Lobo.”14

Como quer que fos se, a mor te do co ro nel Mo re i ra Cé sar, e ocon se qüen te ma lo gro da ter ce i ra ex pe di ção a Ca nu dos ca u sa ram, em to -dos os ân gu los da re pú bli ca, a mais fun da e pun gi ti va sur pre sa. Os exal -

86 Aris ti des A. Milton

13 Ver Jú lio Afrâ nio Pe i xo to – Tese ina u gu ral, apre sen ta da à Fa cul da de de Me di ci na da Ba hia – 1897.

14 Jor nal do Co mér cio, de 19 de no vem bro de 1898.

Page 85: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ta dos, que tudo jul gam sem pon de ra ção nem cri té rio, não que ren doacre di tar na im pru dên cia, ou im pe rí cia do che fe de cujo va lor e for tu naha vi am tan to fi a do, ten ta ram ex pli car a seu je i to e sa bor o de sas tra doacon te ci men to.

A Ba hia é um re du to de mo nar quis tas, dis se-o cer ta im pren sa doRio de Ja ne i ro; es que ci da de que a qua se una ni mi da de da po pu la ção ba i -a na, ati va e la bo ri o sa, ti nha co la bo ra do de sin te res sa da e pro fi cu a men tepara o es ta be le ci men to do novo re gi me. De po is, quan do foi pre ci socon so li dar a re pú bli ca, a qua se to ta li da de dos re pre sen tan tes do gran dee opu len to esta do pres ta ra de ci di do apo io aos que se ba ti am pela vi tó ria das no vas ins ti tu i ções. E tan to bas ta va para co lo car o povo ba i a no numa es fe ra su pe ri or às in jus ti ças e agres sões des se pu gi lo de imo de ra dos, que não res pe i tam se quer as afli ções e do res da pá tria.

E mes mo quan do se re bus que, na lon ga sé rie de fa tos en tãore gis tra dos, um só que sir va de pro va àque la im pu ta ção des le al, não será pos sí vel en con trá-lo.

Mu i to pelo con trá rio, tudo quan to se pas sou na Ba hia, após o fra cas so da ter ce i ra ex pe di ção, de mons tra à sa ci e da de a par te di re ta elar ga, to ma da pelo go ver no e pe los ha bi tan tes na má goa e no in for tú -nio, que ful mi na ram a re pú bli ca emo ci o na da.

As ma ni fes ta ções pú bli cas de tris te za e luto fo ram nu me ro sase so le nís si mas. Exé qui as pom po sas em vá ri as igre jas; vo tos de con do -lên cia pe los con se lhos mu ni ci pa is; mo ções de pe sar lan ça das na ata daAsso ci a ção Co mer ci al e na de ou tras so ci e da des tam bém, ar ti gos elo -qüen tes e pa trió ti cos de to dos os jor na is que apa re ce ram tar ja dos depre to; – eis aí ou tros tan tos mo dos por que a Ba hia afir mou sua so li da -ri e da de com o re gi me atu al, e suas sim pa ti as ao exér ci to re pu bli ca no.

A in cre pa ção, por tan to, que al guns pe rió di cos do Rio de Ja ne i rolan ça ram con tra a pro bi da de po lí ti ca do povo ba i a no, ex pri me ape nas ode sa fo go de es pí ri tos ator do a dos pelo des fe cho im pre vis to de uma jor -na da de que se es pe ra vam re sul ta dos pron tos e bri lhan tes.

Fe liz men te, aos con ce i tos ime re ci dos da im pren sa ca ri o caopôs a im pren sa ba i a na a con tes ta ção mais po si ti va e for mal. Em te le -gra ma, da ta do de 14 de mar ço, os oito jor na is exis ten tes na ca pi tal does ta do pro tes ta ram enér gi ca e dig na men te, não só con tra a qua li fi ca çãode mo nar quis ta, con fe ri da à ma i o ria da po pu la ção, mas ain da con tra as

A Cam pa nha de Ca nu dos 87

Page 86: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

in si nu a ções pér fi das com que se de i xa va per ce ber – que as au to ri da deses ta du a is não eram es tra nhas às vi tó ri as de Antô nio Con se lhe i ro.

Os es tu dan tes das es co las su pe ri o res da Ba hia pu bli ca ram –por sua vez – um ma ni fes to. E nes se do cu men to, fir ma do a 9 de mar çode 1897, há um tre cho mu i to ex pres si vo, que ca lha per fe i ta men te aqui.

Diz ele: “Espí ri tos li ge i ros para os qua is uma apa rên cia ja ma is ca re ce rá de pro vas, fun dan do-se na pres su pos ta in di fe ren ça dos ba i a nos, e na ex tra va gan te acu sa ção de cum pli ci da de fic ta, ir ri só ria, ab sur da, dospo de res do es ta do na obra de le té ria de um gru po de ban di dos sem lei esem idéi as não he si ta ram em ati rar à Ba hia a in jú ria de uma sus pe i taemi nen te men te odi o sa, re vol ta do ra men te in jus ta.

“Por isso nós, es tu dan tes das es co las su pe ri o res des ta ci da de,re sol ve mos ex pli car pe ran te os re pu bli ca nos dos ou tros es ta dos as ra -zões de nos sa ati tu de, as qua is cons ti tu em ao mes mo tem po a jus ti fi ca -ção com ple tís si ma do pro ce di men to da Ba hia in te i ra.”15

Para con fir mar a opi nião de que o co ro nel Mo re i ra Cé sar nãocon ta ra com o va lor, o nú me ro e a dis ci pli na dos ja gun ços te mos o tes te -mu nho in sus pe i to do Dr. Ma nu el Vi to ri no Pe re i ra, en tão vice-pre si den -te da re pú bli ca e or ga ni za dor da 3ª ex pe di ção.

O emi nen te ba i a no, a pro pó si to, es cre veu: “Qu an do o go ver no lhe dava [ao ci ta do co ro nel] ple na li ber da de de ação e pu nha à sua dis po -si ção toda a for ça de que ele hou ves se mis ter, o dis tin to pa tri o ta re cu sa va, de cla ran do – que re qui si ta ria qual quer re for ço se fos se pre ci so, po rém de pa tri o tas, por que en ten dia não des fal car as guar ni ções da ca pi tal e das ci -da des prin ci pa is da União, por que es ta va con ven ci do de que esse mo vi -men to era au xi li a do em obe diên cia ao pla no de dis tri bu ir for ças para me -lhor fa ci li tar a exe cu ção dos in tu i tos e pla nos mo nar quis tas.”16

Eis aí bem pa ten tes os er ros, em que o ar ro ja do mi li tar in ci -diu. De i xa ra-se ar ras tar pela fal sa idéia – de que ha via uma vas ta cons pi -ra ção a com ba ter, e ao mes mo tem po apre ci a ra em mu i to pou co os re -cur sos e a bra vu ra dos fa ná ti cos do Con se lhe i ro. Os exal ta dos, po rém,que de tudo se apro ve i tam para pre ju di car aque les que por ín do le oucon vic ções não os po dem apla u dir, en ten de ram ser mag ní fi co o en se jo

88 Aris ti des A. Milton

15 Cor re io de No tí ci as, da ca pi tal da Ba hia, nº 1444, de 23 de mar ço de 1897.16 Ga ze ta de No tí ci as, do Rio de Ja ne i ro, edi ção de 9 de mar ço de 1897.

Page 87: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

para fa zer o go ver na dor da Ba hia e seus ami gos pas sa rem como res pon -sá ve is pe los acon te ci men tos ocor ri dos. Entre tan to, da ex po si ção im par -ci al que te nho fe i to se con clui, evi den te men te, quan to foi cor re ta e pa -trió ti ca a ati tu de man ti da por aque les ci da dãos.

O de sa pon ta men to po pu lar, con tu do, fora enor me. A no tí ciada re ti ra da da 3ª ex pe di ção, que an tes per de ra o che fe, em cuja boa es -tre la se con fi a ra de ma is, caiu qual ava lan che so bre a alma so bres sal ta dada na ção. Impu nha-se, pois, a ne ces si da de de um de sa fo go a ta ma nhades gra ça; e se nes sa ex pan são de um sen ti men to, aliás ex pli cá vel, foi-seaté às fron te i ras do cri me, a cul pa não cabe se gu ra men te ao povo, masaos seus pre ten sos di re to res, que con ver tem-no às ve zes em sim ples ins -tru men tos de pa i xões e ódi os in di vi du a is.

As ce nas que se de sen ro la ram, a esse tem po, na ca pi tal fe de ral ates tam a pro ce dên cia do meu con ce i to.

Co nhe ci das as no tí ci as de Ca nu dos por bo le tins afi xa dos àpor ta de vá ri os jor na is, no dia 7 de mar ço, um se na dor e dois de pu ta dos fe de ra is, de acor do com dois ou tros ci da dãos, as si na ram e fi ze ram dis tri -bu ir en tre o povo um con vi te para cer to me e ting, que se de via re a li zar às5 ho ras da tar de no Lar go de São Fran cis co de Pa u la.

A po lí cia, no en tan to, en ten deu ser me di da de pru dên cia pro i -bir – que o me e ting fos se le va do a efe i to, e nes te sen ti do com bi nou comos pro mo to res da re u nião. Fo ram, con se guin te men te, dis sol vi dos osgru pos que já se ti nham for ma do, mas eles, re com pon do-se pou co de -po is, des fi la ram pe las ruas prin ci pa is da ci da de, er guen do vi vas e mor ras,e per tur ban do des te modo a pú bli ca tran qüi li da de.

A casa da re da ção co mum à Li ber da de e à Ga ze ta da Tar de, ór -gãos am bos mo nar quis tas, foi in va di da pela onda po pu lar, a que tudoce deu e que nada pou pou. Qu a se ao mes mo tem po, ou tro gru po ir ri ta -do e nu me ro so ven cia, a gol pes de ma cha do e pi ca re ta, a re sis tên cia daspor tas do pré dio da Rua do Sa cra men to, em que os dois jor na is eramim pres sos. Todo o ma te ri al ti po grá fi co foi inu ti li za do, rá pi da e com ple -ta men te.

Sem mais de mo ra, o mes mo gru po se guiu para a Rua daAssem bléia, onde O Após to lo, fo lha re li gi o sa, ti nha as suas ofi ci nas, quefo ram va re ja das, e tudo quan to ne las exis tia fi cou en tre gue ao fu ror damul ti dão.

A Cam pa nha de Ca nu dos 89

Page 88: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

A po lí cia, acu din do afi nal, tra tou de pro vi den ci ar como lhecum pria; e den tro de meia hora as ruas mais fre qüen ta das acha vam-seocu pa das por for ças de in fan ta ria, e de ca va la ria tam bém.

Não obs tan te, às 8:45 da no i te, de ba i xo da chu va tor ren ci al que en tão caía, lon ga fila de po pu la res en ca mi nhou-se pelo Lar go da Ca ri o capara a Rua do Pas se io. Che gan do aí, toda essa gen te pa rou de fron te à casa de re si dên cia do co ro nel Gen til José de Cas tro, pro pri e tá rio da Ga ze ta daTar de e ge ren te do Li ber da de. E, no meio de vi vas es tre pi to sos e de in sul tosin fa man tes, fo ram que bra das as por tas e vi dra ças do pré dio, e de sa ca ta das as pes so as que nele se en con tra vam. Mas, por que en tre es tas não es ti ves se o co ro nel Gen til, os de sor de i ros fo ram pro cu rá-lo a ou tra par te, onde oas sas si na ram fá cil e fri a men te. Foi na no i te do dia 8. O co ro nel Gen tilacha va-se na es ta ção de São Fran cis co Xa vi er para to mar o trem que ode via con du zi-lo a Pe tró po lis, onde era in ten ção sua se re fu gi ar. Dere pen te, se viu cer ca do por um ma go te de pes so as ar ma das. Ele ten touain da re pe lir a agres são; mas, tra van do-se gra ve con fli to, o co ro nel foigra ve men te fe ri do a ti ros de re vól ver, e pou co de po is exa la va o der ra de i ro sus pi ro.

A tran qüi li da de pú bli ca, nes ses dias ne fas tos, es te ve pro fun -da men te al te ra da. A po pu la ção in te i ra sen tiu um mal-es tar in de fi ní vel. O pró prio mi nis tro da Jus ti ça se viu for ça do a des cer à rua, a fim de con ter com sua pre sen ça os per tur ba do res da or dem. Não fal tou mes mo quematri bu ís se ao ele men to mi li tar gran de co-par ti ci pa ção nos ex ces sos co -me ti dos. Daí re sul tou – que o Mi nis té rio da Gu er ra e a re par ti ção deaju dan te-ge ne ral do Exér ci to ex pe dis sem, aque le uma or dem do dia, eeste um avi so aos di re to res das es co las su pe ri or de guer ra, mi li tar, e prá -ti ca, da ca pi tal fe de ral, com re fe rên cia ao as sun to, que en tão ab sor via to -das as aten ções.

O se gun do des ses do cu men tos de cla ra va:“Que se tor nan do in dis pen sá vel ga ran tir a or dem e a tran qüi -

li da de, e para que não pa re ces se – que a pre sen ça de mi li ta res nas ruasera um in cen ti vo e aco ro ço a men to para ar ru a ças, e ce nas de vi o lên ciapra ti ca das por in di ví du os, que ex plo ra vam os sen ti men tos de má goa dapo pu la ção, os co man dan tes dos cor pos da res pec ti va guar ni ção fi zes sem re co lher a quar téis to dos os ofi ci a is efe ti vos e adi dos aos mes mos, de -ven do os que se acha vam com li cen ça e em tra ta men to apre sen tar-se ao

90 Aris ti des A. Milton

Page 89: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

quar tel-ge ne ral. Que ao ofi ci al de dia à pra ça com pe tia, como aos seusau xi li a res, fa zer re co lher pre sos os ofi ci a is e pra ças, que re cal ci tras semem cum prir a or dem as sim dada.”

A seu tur no, o mi nis tro da Gu er ra – in vo can do as mes mas ra -zões – man da va que os di re to res das re fe ri das es co las re co men das sem aos seusalu nos evi tas sem o mais pos sí vel seu com pa re ci men to às ruas, com o que da ri am elesnova pro va de sua cor re ção e pa tri o tis mo, tão so be ja men te ex pe ri men ta dos.

Gra ças às me di das do go ver no, e ao bom sen so da po pu la çãoem ge ral, no dia 11 a cal ma ti nha vol ta do a to dos os es pí ri tos, dan do lu -gar a que se apre ci as sem com im par ci a li da de os fa tos ocor ri dos.

E se com pre en deu, des de logo, que ou tras eram as ma ni fes ta -ções ca bí ve is no mo men to. Os jor na is co brin do-se de luto, o co mér ciocer ran do suas por tas, os te a tros de i xan do de fun ci o nar na no i te de 7 demar ço, como no dia se guin te acon te ceu com as re par ti ções pú bli cas daBa hia: – eis aí ou tras tan tas for mas por que a ca pi tal fe de ral de mons -trou seus sen ti men tos pelo fra cas so da 3ª ex pe di ção, e suas sa u da des pe -las ví ti mas aí sa cri fi ca das. O mais com pe tia ao go ver no, ao qual nin -guém fa ria a in jus ti ça de su por in di fe ren te à ines pe ra da ca tás tro fe.

Por isto, quan do mi lha res de pes so as di ri gi ram-se ao pa lá ciodo Ca te te para re que rer ao pre si den te a de cre ta ção do es ta do de sí tio, oSr. Dr. Pru den te de Mo ra is res pon deu-lhes – que esta me di da não eraain da ne ces sá ria, pois ele sen tia-se for te e pres ti gi a do pela opi nião dopaís, o que bas ta va para de fe sa da re pú bli ca.

É tem po de re gis trar umas da tas, re fe ren tes aos dois co ro néis, que os ja gun ços imo la ram.

Nas ce ra o co ro nel Antô nio Mo re i ra Cé sar no es ta do de SãoPa u lo, a 7 de ju lho de 1850. Pra ça a 29 de de zem bro de 1869, foi no me a do al fe res-alu no em 26 de de zem bro de 1874, al fe res a 31 de ja ne i ro e te -nen te – por es tu dos – a 29 de ju lho de 1877. Tam bém por es tu dos, forapro mo vi do a ca pi tão em 14 de maio de 1881. Ma jor – por me re ci men to– a 7 de ja ne i ro de 1890, a 17 de mar ço do mes mo ano re ce bia ele a pa -ten te de te nen te-co ro nel, ain da por me re ci men to. Co ro nel gra du a do a 3de mar ço e co ro nel efe ti vo, tam bém por me re ci men to, a 18 do mes momês de 1802, ti nha, além dis to, o cur so do es ta do-ma i or de 1ª clas se.

A Cam pa nha de Ca nu dos 91

Page 90: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O co ro nel Pe dro Nu nes Ba tis ta Fer re i ra Ta ma rin do nas ce ra,no Esta do da Ba hia, em 1837; ten do ju ra do ban de i ra em 22 de se tem bro de 1855, fora no me a do al fe res em 2 de de zem bro de 1860. Te nen te em18 de ja ne i ro de 1868, ca pi tão em 15 de ou tu bro de 1870, ma jor, porme re ci men to, em 23 de ja ne i ro de 1889, te nen te-co ro nel efe ti vo em 21de mar ço de 1891, em 7 de abril de 1802 ob ti ve ra, ain da por me re ci -men to, a pa ten te de co ro nel.

Um epi só dio, pela im pren sa opor tu na men te nar ra do, che goua im por-se com uns tons acen tu a dos de len da. Os jor na is pu bli ca ram –que o cabo Arnal do Ro que, or de nan ça e ami go do co ro nel Mo re i ra Cé -sar, ten do ajo e lha do jun to ao ca dá ver de seu co man dan te, que era le va -do numa pa di o la, fi ze ra em sua de fe sa fogo so bre o ini mi go. E, de po isde que i mar o úl ti mo car tu cho, ca í ra so bre os des po jos mor ta is do co ro -nel para ain da as sim li vrá-lo da sa nha dos ja gun ços.

A de di ca ção des se sol da do foi de can ta da em to das as cla ves, e para co me morá-la dig na men te deu-se até o seu nome a uma das tra ves -sas mais fre qüen ta das da ci da de do Rio.

Ve ri fi cou-se, po rém, que a his tó ria do cabo Ro que era sim ples pro du to de uma ima gi na ção de po e ta. Só em 1900 esse pra ça mor reu,vi ti ma do pela pes te bu bô ni ca, na ca pi tal fe de ral.

Entre men tes, o Go ver no co gi ta va da des for ra, que lhe era ur -gen te to mar. E por isto o mi nis tro da Guer ra, no dia 7 de mar ço, pas sou ao go ver na dor da Ba hia o te le gra ma que se vai ler:

“De or dem mi nha, ge ne ral Cos tal lat te le gra fou ao co ro nelSa tur ni no, a fim de pro vi den ci ar para que vol te a Qu e i ma das o co ro nelSousa Me ne ses, e ali de ve rá en trin che i rar-se, re u nir todo o pes so al dis -per so, ma te ri al e mu ni ções es pa lha das, opon do a pre ci sa re sis tên cia con -tra fa ná ti cos, na hi pó te se de mar cha rem con tra Qu e i ma das; mes mo por -que não de ve mos nos des cu i dar da es tra da de fer ro. Con fi an do na vos sa de di ca ção pela ca u sa que de fen de mos, es pe ro con ti nu e is a nos au xi li arcom tudo o que for pre ci so. Sa u da ções.”

Fe liz men te, os ja gun ços não se lem bra ram de per se guir os re ti -ran tes até lon ge: do con trá rio, tê-los-iam com ple ta men te es ma ga do. Vol -tan do pres tes à ci da de la de Ca nu dos, a gen te do Con se lhe i ro de mons -trou – que não ti nha pla no al gum de cam pa nha, nem ou tra cou sa pre -

92 Aris ti des A. Milton

Page 91: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ten dia que não fos se a per ma nên cia tran qüi la no seu cé le bre re du to, cuja pos se ab so lu ta dis pu ta va.

A si tu a ção, po rém, cada vez mais se com pli ca va. Era a ter ce i ra vez – que a for ça pú bli ca se via re pe li da pe los ja gun ços com per das nu -me ro sas e bem sen sí ve is. To dos os es for ços e sa cri fí ci os de san gue e dedi nhe i ro ti nham se inu ti li za do de en con tro à ob ce ca ção e à va len tia deum pu gi lo de ser ta ne jos fa ná ti cos. O país in te i ro vi bra va de in dig na ção e de pas mo di an te des ta ver da de con tris ta do ra. Cum pria, pois, ao Go ver -no agir sem de mo ra para de sa fron tar a lei e a so ci e da de agra va das.

E o Go ver no as sim fez, para hon ra sua e gló ria da pá tria bra -si le i ra.

A Cam pa nha de Ca nu dos 93

Page 92: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

III

NA GUER RA, uma opor tu ni da de per di da pro duz – nãoraro – con se qüên ci as de sas tro sas, as sim como – às ve zes – equi va le a umaver da de i ra der ro ta a re ti ra da, que o ge ne ral efe tua sem ter pri me i ra men -te em pe nha do to dos os re cur sos para evi tá-la.

Pelo me nos, era as sim que Napoleão pen sa va, quan do se obs -ti nan do em não aban do nar o cam po de ba ta lha, con se guia tri un far afi nal do ini mi go.

Fos se ins pi ra ção pró pria de seu gê nio mi li tar, fos se pela fénes sa es tre la que em 1806 ele mos tra va ao ge ne ral Ropp, como em 1811 ao car de al Fesch, sem que ne nhum dos dois lo gras se no en tan to lo -brigá-la no céu, não se pode ne gar – que a con fi an ça ex tre ma em si pró -prio, a fé ro bus ta no va lor dos seus co man da dos, e cer ta dose de ou sa -dia, fun da da na cons ciên cia de sua boa for tu na, em pres ta ram sem pre ao gran de ca pi tão des te sé cu lo o pres tí gio que o sal va va pela re sis tên cia e ocon dão que o imor ta li za va pela gló ria.

De ma is, uma sé rie lon ga de fa tos his tó ri cos pode ser vir decon fir ma ção a este pos tu la do, que a fi lo so fia po lí ti ca san ci o nou, de dataime mo ri al: o che fe que con fia nos des ti nos da pá tria não de ses pe ra nun ca, luta sem -pre com ener gia e sem des can so.

Page 93: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

A esse pro pó si to al guém17 cita Cé sar em Mun da, Con dé emSe nef, Nel son em Co pe nha gue, Na po leão mes mo em Ma ren go, Arco lee Eylau.

Já pon de rei – que a ter ce i ra ex pe di ção a Ca nu dos, além de terpre ci pi ta do o ata que aos ja gun ços de Antô nio Con se lhe i ro, veio a se ma -lo grar in te i ra men te com a mor te do co ro nel Mo re i ra Cé sar; por quan to,este ines pe ra do acon te ci men to exer ce ra so bre toda a co lu na em ope ra -ções fu nes ta in fluên cia su ges ti va.

E, con tu do, cum pre re co nhe cer – que mu i to ma i o res e maissan gui no len tos te ri am sido os efe i tos do novo in su ces so, se os as se clasdo gran de fa ná ti co hou ves sem le va do mais um pou co por di an te a per -se gui ção à for ça le gal, que se de ban da ra pre ci pi ta da men te.

Mas, os ja gun ços não in sis ti ram na pri me i ra idéia, e an tes, pas -sa do o ím pe to da re pul sa, se re co lhe ram à sua ci da de la, de i xan do que os agen tes e emis sá ri os do Go ver no fos sem dali afas tan do mais e mais,sem re ce io de ser in co mo da dos, como já fiz ver. De ma ne i ra que, nemnes se pe río do agu do da luta, nem nou tro qual quer, os fa ná ti cos deAntô nio Con se lhe i ro to ma ram ja ma is a ofen si va, li mi tan do sua ação àde fe sa do que eles con si de ra vam seu di re i to e sua li ber da de.

Ao Go ver no Fe de ral, en tre tan to, não se ria de co ro so pre te rir,e nem se quer adi ar, o de ver em que se acha va de res ta be le cer a sua for ça mo ral, aba la da pe los três re ve ses, que as for ças le ga is ha vi am su ces si va -men te so fri do. E, como tive atrás oca sião de sa li en tar, o go ver na dor daBa hia fi ze ra sen tir essa in de cli ná vel ne ces si da de ao pre si den te da Re pú -bli ca, se ofe re cen do para au xi liá-lo com ma i or em pe nho e vi gor.

Nova e mais po de ro sa ex pe di ção foi, con se guin te men te, or -ga ni za da com um cor po do exér ci to na ci o nal, cujo co man do cou be aoge ne ral Artur Oscar de Andra de Gu i ma rães que, a 18 de mar ço de 1897, apor tou à ca pi tal da Ba hia, acom pa nha do dos ba ta lhões 14º e 27º de In -fan ta ria, que ti nha sua pa ra da em Per nam bu co.

Cin co dias de po is, a 23, che gou à mes ma o ge ne ral-de-di vi são João To más de Can tuá ria, no me a do co man dan te do 3º Dis tri to Mi li tar.Mas, a 17, ha via já se gui do o ge ne ral Artur Oscar, com des ti no à vila deQu e i ma das, pon to es co lhi do para base de ope ra ções, e onde se tra ta va

96 Aris ti des A. Milton

17 Cor res pon dant me di cal, edi ção de fe ve re i ro de 1897.

Page 94: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

de re or ga ni zar as for ças, que ti nham efe tu a do a re ti ra da de Ca nu dos,após a mor te do co ro nel Mo re i ra Cé sar. A 9 de abril, an co rou no por toda Ba hia, para apo i ar as ope ra ções mi li ta res de Ca nu dos, uma di vi sãona val, ao man do do con tra-al mi ran te Car los Fre de ri co de No ro nha.

Com pe que nos in ter va los fo ram tam bém che gan do os ba ta -lhões do Exér ci to: 2º, 5º, 7º, 9º, 12º, 15º, 16º, 25º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 40º de Infan ta ria, 2º e 5º de Arti lha ria, 9º Esqua drão de Ca va la ria;con du zi dos al guns em trans por tes de guer ra, e ou tros em va po res mer -can tes con tra ta dos para esse ser vi ço es pe ci al. To dos os re fe ri dos cor pos par ti ram por sua vez, com o fim de se re u nir aos de ma is na vila in di ca da,e ali se ocu pa rem du ran te mu i tos dias em exer cí ci os de tá ti ca e pre pa ra -ti vos de mar cha.

A 13 de mar ço de 1897, ha via sido aber to um cré di to ex tra or -di ná rio de 2.000 con tos de réis, des ti na dos às des pe sas in dis pen sá ve is,que se te ri am que fa zer com as ope ra ções mi li ta res a re a li zar no Esta doda Ba hia. A 13 de agos to, foi aber to ou tro cré di to, de igual quan tia.

Devo, to da via, não pas sar em si lên cio um fato, que en tão ca u -sou do lo ro sa sur pre sa, ou an tes, ver da de i ra in dig na ção a quem quer queo tes te mu nhou, ou dele sou be a de sa gra dá vel e pun gi ti va no tí cia.

O ele men to mi li tar por nada se que ria con ven cer de que os ja -gun ços ani ma vam-se a en fren tá-lo por sua pró pria con ta e bra vu ra in do -má vel. Assim, para ex pli car os tri un fos in con tes tá ve is, que ti nham elesob ti do, en ten deu de atri buí-los a uma ca u sa ig no ta, su pe ri or, ir re mo ví vel.

Daí se ori gi nou, se gu ra men te, o re cur so de in sis tir em aver bar como sus pe i to e par ci al todo o povo ba i a no, que ofi ci a is e sol da dos tãoin jus tos, quan to exal ta dos, apon ta vam por ins ti ga dor de Antô nioCon se lhe i ro, cu jas idéi as res ta u ra do ras apla u dia e fo men ta va, no pa re cer de les.

Entre tan to, o modo de cas ti gar essa es tra nha e su pos ta in fi de -li da de ao re gi me vi gen te não de i xa va de ter bas tan te ori gi na li da de, e desu ge rir co men tá ri os cu ri o sos.

As pra ças, que pas sa vam pela ci da de de Sal va dor, de vi a gempara o ser tão, co me ti am ver da de i ros des man dos, per tur ban do a or dempú bli ca, le van do o sus to e o ter ror à po pu la ção in te i ra, que aliás de via se re pu tar ga ran ti da com a dis ci pli na e pa tri o tis mo do exér ci to bra si le i ro.

A Cam pa nha de Ca nu dos 97

Page 95: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

A im pren sa ar qui vou mu i tas provas da in cor re ção, com quegran de par te da for ça ex pe di ci o ná ria pro ce deu, en quan to se de mo rou na ca pi tal da Ba hia. Con fli tos com os sol da dos de po lí cia, as sal tos a bon -des, in va são de ca sas par ti cu la res, agres sões a pes so as iner mes, vi o lên cia con tra ho te le i ros e ven di lhões, de sa ca to a se nho ras in de fe sas, eis aí –numa sín te se mu i to rá pi da – os fru tos da pre ven ção in fun da da, com que de sem bar cou em ter ra dig na de aca ta men to e de amor a quar ta ex pe di -ção con tra Ca nu dos.

Ver be ran do tan tos ex ces sos, em de sa fo go de uma mágoa in -co er cí vel, um jor nal18 es cre veu en tão es tas li nhas ex pres si vas:

“Me nos cor re to tem sido o pro ce di men to de di ver sas pra çasdos ba ta lhões re cen te men te che ga dos a esta ca pi tal, com des ti no a Ca -nu dos.

“Na me lin dro sa emer gên cia em que nos acha mos, qui sé ra mos só ter pa la vras de me re ci do elo gio para enal te cer o com pro va do va lordo sol da do bra si le i ro; aci ma, po rém, dos nos sos de se jos está a com pe -ne tra ção do de ver, que nos man da di ri gir da qui so le ne ape lo, em nomeda pró pria dis ci pli na do exér ci to e da pacífica po pu la ção desta ca pi tal.

“No solo sa gra do da pá tria so mos ir mãos pe los vín cu los dana ci o na li da de, e pelo gozo das ga ran ti as, que des fru ta mos à som brapro te to ra da Cons ti tu i ção re pu bli ca na; e ne nhum mo ti vo há para quehos ti li da des ve nham so bre ssal tar o es pí ri to pú bli co, tor nan do sus pe i ta àcon fi an ça po pu lar a cor re ção des se exér ci to ar ma do para de fe sa da pá -tria.

“A far da ja ma is ex clu iu a bon da de e a jus ti ça, a po li dez e obe -diên cia às leis, a ele va ção de sen ti men tos e a dig ni da de de ca rá ter...

“A Ba hia não é uma po pu la ção ven ci da, e pelo seu pas sa do,pelo seu hon ro so pre sen te, pela sua fi de li da de à Cons ti tu i ção ju ra da,não é me re ce do ra de se me lhan tes re pre sá li as, in dig nas na pes soa do ad -ver sá rio, quan to mais no seio de uma po pu la ção or de i ra, don de sa í ramos de fen so res da pá tria, aque las le giões de Alci des que, nos cam pos san -gui no sos do Pa ra guai, se tom ba ram, foi no chão da His tó ria. Ela sou be sem -pre, gar bo sa e en tu siás ti ca, pa gar o seu tri bu to de san gue; ela ja ma is ol -

98 Aris ti des A. Milton

18 A Ba hia, nº 353, de 26 de mar ço de 1897.

Page 96: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

vi dou glo ri fi car a me mó ria dos he róis sa cri fi ca dos nas aras da pá tria; eain da ago ra ela não re cu sa sa cri fí ci os em prol das ins ti tu i ções re pu bli ca nas.

“Que o sol da do bra si le i ro, dig ni fi can do a clas se, tam bémhon re o nome da Ba hia, não per tur ban do-lhe a paz em que ali cer ça assuas cren ças de mo crá ti cas.”

O pro ce di men to da sol da des ca, en tre tan to, re fle tia tam bém ain jus ta e er ra da opi nião que, con for me já se viu, vo ga va na Ca pi tal Fe de rala res pe i to da ati tu de, as su mi da pelo povo ba i a no ante os alar man tesacon te ci men tos de Ca nu dos.

Os in ci den tes, ocor ri dos após a mor te do co ro nel Mo re i raCé sar, en tre os qua is não foi de me nor im por tân cia o em pe nho comque gru pos de exal ta dos pro cu ra vam ho mens de re pre sen ta ção po lí ti capelo Esta do para des fe i teá-los, e tal vez mes mo agre di-los, de mons tramcomo se ti nha for ma do uma fal sa e tris te opi nião so bre a ver da de dosfa tos.

Como um pro tes to foi, en tão, pas sa do à im pren sa do Rio deJa ne i ro o te le gra ma que se se gue:

“A im pren sa ba i a na, unâ ni me, pe los ór gãos in fra de sig na dos,ci en te de que na Ca pi tal Fe de ral se pro cu ra for mar a fal sa opi nião de secon si de rar a Ba hia re du to da mo nar quia, pro tes ta em nome de to das asclas ses so ci a is, que le gi ti ma men te re pre sen ta, con tra tão in jus ta e ofen si -va sus pe i ta; e afir ma com in con tes tá ve is ver da des a opi nião re pu bli ca na des te Esta do e a sin ce ri da de do seu apo io às ins ti tu i ções vi gen tes. – 14de mar ço de 1897 – Cor re io de No tí ci as – Esta do da Ba hia – Jor nal de No tí ci as– Diá rio da Ba hia – Ga ze ta de No tí ci as – Phan te on – Diá rio de No tí ci as –Ci da de do Sal va dor.”

E para re ba ter a su po si ção in fun da da, um des ses jor na is19 es -cre veu:

“Os sa cri fí ci os do de vo ta men to e da ab ne ga ção pro va da, afra que za de cren ça, a tra di ção ori en tal de mo crá ti ca que con sa gra ram-nasua he ro í na len dá ria, de se i os ti tâ ni cos, é que re ves tem-na des ta gra vi da -de e com pos tu ra se re na, com que afron ta to das as di fi cul da des, se nho rade si, in te me ra ta, for te, e pru den te, enér gi ca, mas exem plar no cri té rio, e ad mi rá vel na su pe ri o ri da de de vis tas com que pro ce de sem pre.

A Cam pa nha de Ca nu dos 99

19 Cor re io de No tí ci as, de 15 de mar ço de 1897.

Page 97: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Injus ti ça cla mo ro sa, por tan to, é que se eri jam em opi niãocor ren te es sas su po si ções que vêm eco ar nes te meio como uma ofen sa à pu re za de nos sas cren ças, uma sus pe i ção à le al da de dos nos sos es for ços, uma in jú ria à gran de ma i o ria de ci da dãos que cons ti tu em a po pu la çãoati va, de ci di da, do povo ba i a no que, cal mo, la bo ri o so e pre ca vi do, man -tém-se vi gi lan te pela es ta bi li da de do re gi me.”

Tam bém não foi de bom efe i to o fato de te rem os ba ta lhões14º e 27º con ser va do as ban de i ras em fu ne ral, na mar cha que fi ze rampela ci da de em di re ção aos quar téis. Mu i to em bo ra se dis ses se – que eraum si nal de luto pelo in su ces so do ata que, ten ta do pelo co ro nel Mo re i ra Cé sar, a ex pli ca ção, con tu do, não sa tis fa zia; pois não cons ta va – que oal vi tre fos se se gui do por todo o exér ci to, mas ape nas to ma do pe los dois cor pos, que che ga vam à Ba hia – ao que cons ta va – com o cé re bro che iode idéi as in jus tas, e o co ra ção re ple to de pre ven ções ime re ci das.

A quar ta ex pe di ção, to da via, acha va-se em Qu e i madas.O Go ver no da Ba hia, para au xi liá-la, tra ta va de cri ar mais al -

guns ba ta lhões de po lí cia, e a 10 de maio um de les es ta va já na que la vila, con ve ni en te men te acam pa do.

A for ça de li nha, an tes dis to, fora di vi di da em duas co lu nas. A pri me i ra de las, co man da da pelo ge ne ral João da Sil va Bar bo sa, teve or -dem de ope rar por Mon te San to, e cons ta va de três bri ga das, a sa ber: apri me i ra, sob o co man do do co ro nel Jo a quim Ma nu el de Me de i ros,com pre en dia os Ba ta lhões 7º, 14º e 30º de Infan ta ria e o es qua drão deca va la ria; a se gun da, sob o co man do do co ro nel Iná cio Hen ri que deGou ve ia, era for ma da pe los Ba ta lhões 16º, 25º e 27º de Infan ta ria; ater ce i ra, fi nal men te, sob o co man do do co ro nel Antô nio Olím pio daSil ve i ra, se com pu nha do 9º e 15º Ba ta lhões de Infan ta ria e do 5º Re gi -men to de Arti lha ria de cam pa nha.

A se gun da co lu na, co man da da pelo ge ne ral Cláu dio do Ama ral Sa va get, cons ta va de três bri ga das tam bém, des ti na das to das a ope rarpelo ser tão do vi zi nho Esta do de Ser gi pe. A pri me i ra de las, cons ti tu í dape los Ba ta lhões 12º, 31º e 33º de Infan ta ria, e uma di vi são de ar ti lha ria, foicon fi a da ao co man do do co ro nel Car los Ma ria da Sil va Te les; a se -gun da, com pos ta dos ba ta lhões 34º, 35º e 40º de Infan ta ria, fi cou sob as or dens do co ro nel Ju lião Au gus to da Ser ra Mar tins; e a ter ce i ra, co man -

100 Aris ti des A. Milton

Page 98: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

da da pelo co ro nel Do na ci a no de Ara ú jo Pan to ja, com pre en dia os Ba ta -lhões de Infan ta ria 26º e 32º.

No dia 21 de maio, o ge ne ral Artur Oscar as su miu o exer cí ciodo car go de co man dan te do 3º Dis tri to Mi li tar, que fi cou acu mu lan do como de che fe das for ças em ope ra ção no cen tro da Ba hia.

A esse tem po, se tor na va sen sí vel a fal ta de for ça pú bli ca paraguar dar na ca pi tal as di fe ren tes re par ti ções, quer da União quer do Esta do.E foi para aten der a essa ne ces si da de que o mi nis tro da Jus ti ça per mi tiu oaquar te la men to do 5º Ba ta lhão da Gu ar da Na ci o nal, sob o co man do do te -nen te-co ro nel Ma nu el Lo pes Pon tes, de acor do com a re qui si ção fe i ta pelogo ver na dor da Ba hia.

Aquar te lou tam bém, mas fi can do em re ser va para mar char, nahi pó te se de ser so li ci ta do re for ço, o Ba ta lhão Pa trió ti co Mo re i ra Cé sar, queo te nen te-co ro nel Abdon Alves de Abreu ha via or ga ni za do.

Em Qu e i ma das, o co man dan te-em-che fe da ex pe di ção tra ta vade fa zer se gui rem para a vila de Mon te San to os ba ta lhões com po nen tes da pri me i ra bri ga da, à me di da que cada qual de les mos tra va-se su fi ci en te men te aguer ri do. Ao mes mo tem po, o ge ne ral Sa va get par tia para Ara ca ju de po isde ter com bi na do com o ge ne ral Artur Oscar o dia em que mais con vi riaten tar o as sal to à ci da de la de Ca nu dos; pois era dali que os ba ta lhões de sua bri ga da ha vi am de se guir, pelo in te ri or, para se jun ta rem ao gros so da ex pe -di ção.

Re u ni das, afi nal, em Mon te San to, as bri ga das per ten cen tes à pri -me i ra co lu na, pu se ram-se elas em mar cha para Ca nu dos no dia 21 de ju -nho, de ba i xo do co man do do ge ne ral João da Sil va Bar bo sa.

Apres sou, de cer to, o mo vi men to des sa co lu na o fato de se teres pa lha do a no tí cia da apro xi ma ção da ou tra co lu na, co man da da pelo ge ne -ral Sa va get; pos to que não hou ves se re ce io de se em pe nhar esta em qual -quer ata que ao re du to do Con se lhe i ro, sem ser de par ce ria com a pri me i ra:tal era a con fi an ça, que a to dos ins pi ra va o pres ti mo so mi li tar.

Eu dis se apres sou, por que três me ses eram já pas sa dos e to dosgas tos em pre pa ra ti vos, que pa re ce ram tal vez in ter mi ná ve is.

“A de mo ra nas ope ra ções con ti nu a va a im pres si o nar os ofi ci a ismais sô fre gos, e o Go ver no co me ça va tam bém a in qui e tar-se; por quan to

A Cam pa nha de Ca nu dos 101

Page 99: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

era cer to que ti nha acu mu la do de po de res e re cur sos ao co man dan teda ex pe di ção.

“Na Se cre ta ria da Gu er ra de vem exis tir mi nu tas de te le gra -mas, des se tem po, em que o mi nis tro con ci ta va o ge ne ral Artur Oscar aati var o mo vi men to das for ças, a fim de evi tar-se o mau efe i to, que essade mo ra já ia pro du zin do no es pí ri to pu bli co.”20

A pri me i ra co lu na, afi nal, es ta va em ca mi nho. Na sua re ta -guar da se guia, guar ne cen do os com bo i os de víve res e mu ni ções, umabri ga da co man da da pelo co ro nel Ma nu el Gon çal ves Cam pe lo Fran ça, edes te fa zia par te o 5º Cor po de Po lí cia ba i a no, ten do à sua fren te o ma -jor Sal va dor Pi res de Car va lho e Ara gão.

Sem gran des di fi cul da des, a pri me i ra co lu na re a li zou o seutra je to, de modo que a 27 de ju nho acha va-se ela em fren te a Ca nu dos,onde ti ro te ou com os ja gun ços du ran te al gum tem po.

A se gun da co lu na, en tre tan to, foi bas tan te hos ti li za da pe losfa ná ti cos, em gran de par te do per cur so que teve de fa zer. O ge ne ral Sa -va get se viu for ça do a dar com ba te, por mais de uma vez; e nas pas sa -gens de Co co ro bó e Tram bu bu, que são duas trin che i ras na tu ra is, ondeos ja gun ços ti nham-se abri ga do para ata car a mes ma co lu na, os sol da dosda le ga li da de pra ti ca ram ver da de i ros ras gos de he ro ís mo. O mes moacon te ceu em Ma cam bi ra.

Co co ro bó, po rém, dis ta ape nas 13 quilô me tros de Ca nu dos, e eram mag ní fi cas as po si ções, que a gen te de Antônio Con se lhe i ro aliocu pa va. Além dis to, toda ela os ten ta va, como de cos tu me, au dá cia in di -zí vel e te na ci da de in com pa rá vel. De ma ne i ra que, avis tan do a for ça le gal que se apro xi ma va, não ar re dou o pé, mas, ao contrário, re ce beu-a comener gia e fir me za, res pon den do com uma fu zi la ria bem nu tri da ao fogode que en tão se tor na ra o alvo.

Ou ça mos, no en tan to, ao pró prio ge ne ral Sa va get, que, se re -fe rin do às jor na das de 25 e 27 de ju nho, as sim se ex pri miu:

“Nes te úl ti mo dia, logo à sa í da, a van guar da, que era fe i ta pela 6ª Bri ga da, en con trou-se com o ini mi go em po si ção de com ba te, en trin -che i ra dos pe los ci mos dos cer ros e das ca sas, que la de i am a es tra da des -de o pon to don de par ti am até Ca nu dos. Aque la bri ga da, po rém, re for ça -

102 Aris ti des A. Milton

20 Dan tas Bar re to, Últi ma ex pe di ção a Ca nu dos.

Page 100: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

da a prin cí pio pelo 12º Ba ta lhão de Infan ta ria, e mais tar de pe los 31º,35º e uma ala do 40º, foi ex pul san do-o de po si ção em po si ção, e le van -do-o de ven ci da em sua fren te, ape sar da te naz re sis tên cia que ofe re cia,pelo fogo cer ra do e mor tí fe ro que sus ten ta va con tra a nos sa in fan ta ria.

“Só à car ga de ba i o ne tas é que se con se guia de sa lojá-los; masre pe li dos de uma po si ção, fa zi am-se for tes em ou tras mais adi an te, e as -sim su ces si va men te até à no i ti nha, quan do de todo des mo ra li za dos e to -tal men te ba ti dos e des ba ra ta dos, re co lhe ram-se aos seus re du tos de Ca -nu dos, a cuja vis ta foi bi va car a nos sa van guar da, de pro te ção a dois ca -nhões que, des de esse mo men to, ini ci a ram o bom bar de io do ar ra i al.

“As nos sas per das”, pros se gue o dis tin to ge ne ral, “cons ta ramde seis ofi ci a is mor tos e oito fe ri dos, trin ta e qua tro pra ças mor tas ecem fe ri das; ao todo – 148 ho mens fora de com ba te.”

Entre os pri me i ros, con tou-se o te nen te-co ro nel Tris tão Su -cu pi ra de Alen car Ara ri pe, co man dan te do ci ta do ba ta lhão 12.

O ge ne ral Sa va get, con tu do, pre ci sa va es tar nas ime di a ções de Ca nu dos, pois no dia 27 de ve ria con fe ren ci ar com o ge ne ral ArturOscar que, por sua par te, apres sa ra a mar cha da 1ª co lu na. Qu an do esta, po rém, che gou ao alto da Fa ve la, que de mo ra a mil e du zen tos me trosde Ca nu dos, as avan ça das do ba ta lhão 25 fo ram sur pre en di das pe los fa -ná ti cos. Entre tan to à voz do co man do, essa for ça se pôs logo em or dem de com ba te, e cru za ram-se os fo gos com a ma i or im pe tu o si da de. Note-se – queela já ti nha sido ata ca da no lu gar de no mi na do Angi co, onde – por es pa -ço de qua se uma hora – fora sus ten ta da uma ação re nhi dís si ma, dan doem re sul ta do a re ti ra da dos ja gun ços, que de i xa ram qua tro mor tos nocam po con tra dois que a ex pe di ção per deu.

Por que já ti ves sem pa ra do em dis tân cia con ve ni en te as ou trasfor ças, a ar ti lha ria, à me di da que che ga va ia to man do po si ção na cha pa da do oi te i -ro, sob a ação mor tí fe ra da fu zi la ria ini mi ga que pe los flan cos e pela fren te as hos ti li -za va de ses pe ra da men te. E a ar ti lha ria co me çou – den tro em pou co – abom bar de ar a ci da de la de Ca nu dos. Os es tra gos fo ram no tá ve is e re cí -pro cos, por que os ja gun ços res pon di am com ener gia e in sis tên cia ao fogo dos ca nhões, que es tron de a vam.

À no i te foi que o com ba te ces sou. Mas, en tão, era pre ci so evi -tar al gum ata que de sur pre sa, que a hora po de ria fa vo re cer. Por isso,quer nos flan cos, quer na re ta guar da, fo ram es ten di dos cor dões de se gu -

A Cam pa nha de Ca nu dos 103

Page 101: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ran ça. Fa ve la ti nha sido, efe ti va men te, atin gi da; mas a cir cuns tân cia domo men to, em que este fato ocor re ra, jun ta ao es ta do de can sa ço e fome das tro pas, não per mi tiu – que a po si ção con quis ta da fos se des de logore co nhe ci da em seus de ta lhes.

Pela ma nhã do dia 28, uma bri ga da mar chou com o fim – se -gun do cor reu – de to mar a es tra da ge ral, e daí avan çar so bre Ca nu dos.A ver da de, con tu do, é que para tal in ves ti da ne nhum pla no as sen ta doexis tia, e, nes tas con di ções, ela po de ria ser fa tal à 1ª co lu na.

Em todo o caso, o mo vi men to da que la bri ga da não pas soudes per ce bi do aos ja gun ços que, para em ba ra çá-lo, rom pe ram num fogobem nu tri do, que de mi nu to a mi nu to se foi ge ne ra li zan do.

Então, toda a in fan ta ria do exér ci to, acam pa da des de a vés pe -ra nes se alto me mo rá vel, co me çou a agir, e até às 11 ho ras do dia nãodeu tré guas à ja gun ça da.

Entre men tes, o co ro nel Thomp son Flo res, ata ca do com omá xi mo vi gor no mor ro da Fa zen da Ve lha, ape ou-se do ca va lo quemon ta va e foi au xi li ar o ma jor Cu nha Ma tos, co man dan te do 7º de In -fan ta ria, que es ta va em pe nha do na luta. Mas uma bala cer te i ra pros trouca dá ver o bra vo co ro nel!

O ma jor Cu nha Ma tos, en tão, as su miu o co man do da bri ga da; pou co de po is, en tre tan to, re ce bia dois gra ves fe ri men tos.

Os Ba ta lhões 7º e 9º de li nha es ta vam di zi ma dos.E a ação pros se guia vi go ro sa, tre men da e san gui no len ta!O ma jor Car los Fre de ri co de Mes qui ta, que ti nha subs ti tu í do

o ma jor Cu nha Ma tos, quan do este fora fe ri do, por sua vez caiu ba nha -do em san gue.

Mas, uma cir cuns tân cia, tão im pre vis ta quan to alar man te,ame a ça va dar à luta nova e si nis tra fe i ção. De to dos os la dos exi gi am-semu ni ções, que iam de ins tan te a ins tan te es cas se an do; ao pas so que docom bo io que as con du zia ne nhu ma no tí cia che ga va.

Afi nal, um ti ro te io re nhi do, que se fez ou vir à re ta guar da, veio ex pli car aque la de mo ra, so bre mo do in qui e ta do ra; os ja gun ços ha vi am de -ses pe ra da men te ata ca do o com bo io, quan do vi nha já per to, e lhe in ter -cep ta ram a pas sa gem no en ge nho de no mi na do Umbu ra na.

104 Aris ti des A. Milton

Page 102: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Nes se mo men to, o ge ne ral Artur Oscar me diu toda a ex ten -são do pe ri go que o si ti a va; e, para con ju rá-lo, fe liz men te se lem brou deen vi ar um emis sá rio ao ge ne ral Sa va get, com o fim de lhe pe dir que cor -res se em seu au xí lio, e sal vas se a ex pe di ção de um de sas tre imi nen te.

O al fe res ho no rá rio Hen ri que José Le i te foi en car re ga do dode sem pe nho des sa im por tan te mis são, e pe las 10 ho ras da ma nhã par tiu ele em rumo ao acam pa men to da 2ª co lu na. Ses sen ta mi nu tos de po is, oge ne ral Sa va get che ga va com as for ças de seu co man do, tra zen do, por -tan to, o so cor ro que lhe ha via sido em boa hora so li ci ta do.

Ver da de é – que o co man dan te da ex pe di ção nar rou – que àche ga da do seu di li gen te ca ma ra da, a 1ª co lu na es ta va já com ple ta men te se -nho ra da po si ção.

“Cor reu, não obs tan te, no acam pa men to, e isso não foi con -tes ta do, que ao che gar o ge ne ral Sa va get, o co man dan te-em-che fe re ce -be ra-o com a se guin te ex cla ma ção:

‘– Você sal vou-me de uma der ro ta!”21

Como quer que fos se, hou ve or dem para des ta car a 2ª Bri ga da,ao man do do co ro nel Ju lião Au gus to da Ser ra Mar tins, a fim de acu dirao com bo io, que con ti nu a va a ser ata ca do pe los ja gun ços e cuja es col ta,for ma da pelo 5º Cor po de Po lí cia ba i a no, era in su fi ci en te para de fen -dê-lo.

A bri ga da con se guiu ga ran tir efi caz men te o com bo io e, o que mais é, re a ver qua se toda a mu ni ção de que já os fa ná ti cos ha vi am seapo de ra do.

Foi en tão mo ti vo de re pa ro o fato do co ro nel Ma nuel Gon -çal ves Cam pe lo Fran ça an dar sem pre afas ta do do gros so da co lu na, que, aliás, o po de ria pro te ger em qual quer emer gên cia. E nin guém sa bia ex -pli car o mo ti vo por que fi ca ra ele com ple ta men te li vre em sua ação, demodo a se mo ver a seu pró prio ar bí trio, sem aten der à ne ces si da de de se pôr de acor do com os ou tros mem bros da ex pe di ção. Fe liz men te, essefato não pro du ziu to dos os efe i tos da no sos de que era sus ce tí vel, pos toque hou ves se ca u sa do a pe nú ria e a fome, que por lar gos dias a sol da -des ca su por tou.

Cam pa nha de Ca nu dos 105

21 Dan tas Bar re to, Últi ma ex pe di ção a Ca nu dos, pág. 105.

Page 103: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

À vis ta dos acon te ci men tos ocor ri dos, pa re cia achar-se con -clu í da a pri me i ra fase da 5ª ex pe di ção, que ten do pro pri a men te co me ça -do em Angi cos, onde os ja gun ços , ocul tos em suas trin che i ras de pe drassu per pos tas, ofe re ce ram com ba te, que lhes foi en tre tan to ad ver so, vi e rater mi nar no alto da Fa ve la.

Em 6 de ju lho, o ge ne ral Artur Oscar te le gra fa va ao Go ver noFe de ral por es tas pa la vras: “A se gun da co lu na ba teu-se des de 25, a pri me i rades de 27, mas a 28 – de po is de re nhi dos com ba tes – ocu pa mos o alto daFa ve la, de onde bom bar de a mos Ca nu dos. For ça mu i to ani ma da, ape sar dos gran des sa cri fí ci os. Bre ve te re mos a vi tó ria. Viva a re pú bli ca!”

E, re al men te, os sa cri fí ci os fo ram de vul to. Su bir com a ar ti -lha ria ser ras es car pa das e trans por are a is pro fun dos; atra ves sar a ca a tin -ga, eri ça da de ár vo res es pi nho sas, que fa zi am san grar fa ces e pés; ter es -cas so ali men to e sen tir fal ta de rou pa e de cal ça do: eis aí – num im per -fe i to su má rio – o que mu i tas ve zes as cir cuns tân ci as im pu se ram ao sol -da do re pu bli ca no. E ele tudo su por tou sem de sa len to, e ele a tudo se re -sig nou com pa tri o tis mo e fé. Mas as sim mes mo é que uma na ção sefor ma, e um povo se pre pa ra, a fim de cum prir os al tos des ti nos queDeus lhe tem re ser va do!

106 Aris ti des A. Milton

Page 104: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

IV

E A CIDADELA de Ca nu dos con ti nu a va a ser bom bar -de a da! De po is dar-se-ia o as sal to, na tu ral men te pro je ta do.

Ape sar, po rém, das me di das de pre ven ção to ma das, não forapos sí vel man ter li vres as li nhas de co mu ni ca ção en tre o acam pa men to ea vila de Mon te San to, que era, aliás, a base das ope ra ções.

As es tra das acha vam-se in fes ta das por gru pos de ja gun ços , ar -ma dos to dos, e to dos dis pos tos a ven der bem caro a vida. E esta cir -cuns tân cia im pe dia a li ber da de de trân si to, de cor ren do daí gran de ca rên -cia de man ti men tos para pro vi são das for ças ex pe di ci o ná ri as.

Como fos se co mu ni ca da ao go ver na dor da Ba hia a si tu a çãome lin dro sa, que as sim se de se nha va, man dou ele guar ne cer por des ta ca -men tos po li ci a is Cal de i rão, Ju e té, Ro sá rio e ou tros pon tos, onde a gen tede Antô nio Con se lhe i ro cos tu ma va se em bos car para me lhor agre dir oscon du to res dos com bo i os, que pas sa vam trans por tan do víve res.

Mon te San to, con tu do, fi ca va de sam pa ra da, em vir tu de da re -ti ra da des ses con tin gen tes de po lí cia, que até en tão ti nham-na guar da do. E para que daí ne nhum dano re sul tas se, o go ver na dor or de nou – quese guis se ime di a ta men te para aque la vila o Ba ta lhão Pa trió ti co Mo re i raCé sar. Ao mes mo tem po, ele pro vi den ci ou no sen ti do de se rem re me ti das,

Page 105: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

tan to para Mon te San to como para Qu e i ma das, abun dan tes mu ni çõesde boca.

O as sal to, po rém, não se re a li za va, por que o co man dan te daex pe di ção ale ga va cer to can sa ço da for ça, e fal ta de ali men ta ção sa dia.Acre di tou-se, con tu do, que den tro em bre ve en tra ria no acam pa men toum com bo io con du zin do gê ne ros de pri me i ra ne ces si da de, em por çãosu fi ci en te, como o de pu ta do do quar tel-mes tre-ge ne ral fre qüen te men teas se ve ra va. E por que já se tor nas se es tra nhá vel a de mo ra em che gar otão de se ja do re cur so, a 1ª Bri ga da foi man da da ao seu en con tro; e àmar cha for ça da ela se guiu até Mon te San to, ten do so fri do a de cep ção de não ha ver se quer avis ta do o com bo io, em todo o lon go per cur so que bi -zar ra men te ven ceu.

Qu an do o de ses pe ro pa re cia in va dir a alma de tan tos e tãode vo ta dos ser vi do res da le ga li da de, uma fa gue i ra es pe ran ça os veio en -cher de fé, e de ale gria tam bém.

Dois sol da dos do ba ta lhão 30, acom pa nha dos por um va que i -ro, co nhe ce dor das es tra das e des vi os da zona con fla gra da, apa re ce ramno acam pa men to de Fa ve la, como emis sá ri os de uma nova fe liz. Erameles por ta do res de um bi lhe te do co man dan te da 1ª Bri ga da, anun ci an do – que es ta va já de vol ta, na fa zen da de Ara ca ti, com 180 car gue i ros euma bo i a da; e si mul ta ne a men te pe din do – que um for te des ta ca men to a fos se pro te ger, so bre tu do para lhe fa ci li tar a tra ves sia de Ju e té à Fa ve la.A 2ª Bri ga da par tiu logo, com esse in tu i to; e a 13 de ju lho en tra va noacam pa men to o com bo io, de ba i xo de acla ma ções e vi vas es tri den tes.

A esse tem po já o ge ne ral Artur Oscar ava li a va as suas per dasem 700 ho mens, en tre mor tos e fe ri dos, in clu in do nes te nú me ro o ge ne -ral Sa va get.

Con si de ran do-se, en tre tan to, pre pa ra do para ata car a gen te do Con se lhe i ro, o che fe da ex pe di ção re sol veu tra var com ele um com ba te,que bem po de ria ser de fi ni ti vo. A 18 de ju lho, ao to que d’alvorada, osba ta lhões co me ça ram a des fi lar em si lên cio; e por que na po vo a ção deCa nu dos es ti ves se tudo qui e to e ca la do, não fal tou quem su pu ses se que– por uma sur pre sa – se ria ela ani qui la da.

Qu an do, po rém, os mais cré dulos em ba la vam-se nes sa docees pe ran ça, eis que um for te ti ro te io se tra vou nas avan ça das do batalhão davan guar da, cu jos ex plo ra do res trans pu nham o le i to do Vaza-Bar ris.

108 Aris ti des A. Milton

Page 106: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O já ci ta do Ba ta lhão 30º, de Infan ta ria, des ta ca ra para fren teda co lu na uma com pa nhia, que foi re pe lin do a ja gun ça da a re pe ti das car -gas de ba i o ne ta; e os co man dan tes da 3ª e 4ª Bri ga das tra ta ram de dis -por, en tão, os ou tros cor pos, do modo mais con ve ni en te a ga ran tir obom êxi to da ação em pe nha da.

Sob um fogo in ces san te, que vi ti ma va in cle men te os de fen so -res da le ga li da de, des ce ram eles uma co li na e su bi ram de po is ou tra, con -se guin do as sim che gar às pri me i ras ca sas de Ca nu dos. Qu an do os fa ná -ti cos per ce be ram – que ta ma nha van ta gem ti nha sido ob ti da pela for çado Go ver no, opu se ram-lhe uma re sis tên cia he rói ca e me mo rá vel, quehon ra ria a qual quer povo guer re i ro do mun do an ti go ou mo der no.

Do alto da Fa ve la se ob ser va va esse du e lo de mor te, em quedes gra ça da men te se ba ti am bra si le i ros con tra bra si le i ros. To dos os co ra -ções pal pi ta vam de an se io e de dor.

Por lar go tem po a vi tó ria con ser vou-se in de ci sa. Ra i ou, po rém, o mo men to de ser to ma da uma re so lu ção su pre ma, até por que al guns sol -da dos mos tra vam-se já in di fe ren tes à voz do co man do, aos si na is das cor -ne tas e cla rins. Ven do isto, não pou cos dos co man dan tes me te ram-se poren tre as fi le i ras, con fun din do-se com os seus su bor di na dos, nas pró pri asli nhas de fogo; e as sim, com esse exem plo de brio e de co ra gem, to dos os com ba ten tes re a ni ma ram-se. E en tão numa car ga ar ro ja da, ge ral, e fe bril,a en tu si as ma da mole dos de fen so res da lei se pre ci pi tou so bre osseus ad ver sá ri os, que fo ram pou co a pou co re cu an do.

De les, al guns pro cu ra ram re fú gio nas bar ran cas do Vaza-Bar -ris, ou tros pre fe ri ram as va las existentes aos fun dos de uma la ta da, queha via no qua dran te su do es te da pra ça, e onde es ta be le ce ram seu novocen tro de apo io e re sis tên cia.

Qu an to aos ve lhos, às mu lhe res e às cri an ças, cor re ram to dospara as ime di a ções do san tuá rio, em que o Con se lhe i ro cos tu ma va pon -ti fi car.

Em todo o caso, van ta jo sas po si ções es ta vam já con quis ta das, e era mis ter – que a co lu na por en quan to se li mi tas se a man tê-las. Os di -fe ren tes cor pos, em con se qüên cia da re fre ga sus ten ta da, se res sen ti amde cer ta de sor dem; mu i to en fra que ci da se en con tra va a li nha de ata que,pre ju di ca da por gran de nú me ro de ba i xas; ao pas so que os fa ná ti cos pa -

A Cam pa nha de Ca nu dos 109

Page 107: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

re ci am co brar no vos ele men tos de for ça e vi gor, como ates ta vam a cada ins tan te os es tra gos, que eles ca u sa vam no meio dos ba ta lhões.

Foi ex pe di do, nes ta de li ca da emer gên cia, um emis sá rio ao ge -ne ral Artur Oscar, pe din do-lhe re for ço, que de ve ria ser pres ta do pela 6ªBri ga da; mas esta se acha va já dis tri bu í da por ou tros pon tos, de sor teque, ne nhu ma re ser va exis tin do, se tor na va im pos sí vel aten der à re qui si -ção as sim fe i ta.

So bre as pro vi dên ci as a to mar con fe ren ci a ram, jun to ao ce mi -té rio, os co man dan tes das três bri ga das com pro me ti das na ação, quan -do uma bala veio alo jar-se no bra ço di re i to do co ro nel Car los Ma ria daSil va Te les, o qual den tro em pou co es ta va todo ba nha do em san gue.Ou tros ofi ci a is re ce be ram tam bém fe ri men tos gra ves, e al guns ali mes -mo exa la ram o der ra de i ro sus pi ro, como acon te ceu com o ca pi tãoNu nes de Sa les, que co man da va – in te ri na men te – o 5º Ba ta lhão. Foife ri do igual men te o co ro nel Ju lião Au gus to da Ser ra Mar tins.

Era bem de ver – que os ja gun ços re cru des ci am de au dá cia, emvir tu de da si tu a ção me lin dro sa, a que as for ças le ga is ha vi am che ga do.Pois a ver da de era – que as pra ças, além de mu i to re du zi das, es ta vamcom ple ta men te exa us tas; para po de rem elas atin gir às igre jas, te ri am que se ex por ao fogo in ces san te que cru za va das ca sas, re ple tas de exí mi oses co pete i ros; e a sus pe i ta de que o ar ra i al fora mi na do con tri bu ía paraavo lu mar o pe ri go.

O ge ne ral-em-che fe mes mo se mos tra va con ven ci do da ve ra -ci da de des se bo a to, e o trans mi ti ra para o Rio de Ja ne i ro em te le gra made 21 de ju lho.

Tal con jun to de cir cuns tân ci as acon se lha va, na tu ral men te, que não se ar ris cas se mais um pas so se quer para di an te. Por en quan to, bas ta riacon ser var as po si ções con quis ta das, mu i to em bo ra o cor dão de vi gi lân ciafi cas se co lo ca do, como efe ti va men te fi cou, em lu gar que não pa re cia ome lhor.

Os ja gun ços , con tu do, con ti nu a vam suas hos ti li da des. Nin guém po dia es tar tran qüi lo. Das igre jas e das ca sas ca i a das par ti am ti ros fre -qüen tes e cer te i ros. E só à no i te foi que se pôde dar se pul tu ra aos mor tos e re mo ver os fe ri dos para o hos pi tal de san gue.

110 Aris ti des A. Milton

Page 108: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O pior foi o re ce io de que os fa ná ti cos, pro te gi dos pelaes cu ri dão, ten tas sem al gu ma in ves ti da a de so ras, o que não lhes era di fí cil por co nhe ce rem a pal mos o ter re no em que se mo vi am. E o re ce io cres -cia à me di da que se che ga va ao co nhe ci men to exa to do es ta do da co lu na,in va di da pelo pâ ni co e pela de sor dem. Mas o Con se lhe i ro – por nos safor tu na – não sou be apro ve i tar a ex ce len te opor tu ni da de.

Co mu ni can do ao go ver na dor da Ba hia os acon te ci men tos que aca bam de ser nar ra dos, o ge ne ral Artur Oscar, em te le gra ma de 19 deju lho, as sim se ex pres sou:

“Ata quei on tem Ca nu dos pelo flan co es quer do e re ta guar da.Fal ta-nos uma pe que na par te. For ça do ini mi go su pe ri or à nos sa em nú -me ro. Não aban do na rei as po si ções, con quis ta das com tan tos sa cri fí ci os, pelo que vos peço re cur sos de for ças com ur gên cia. Mu i tas ba i xas, re du -tos cen tra is de di fi cí li mo as sal to.”

Era na tu ral, en tre tan to, que o co man dan te da ex pe di ção, pas -sa do que fos se o pri me i ro mo men to, pro cu ras se exa mi nar a sua ver da -de i ra si tu a ção em Ca nu dos, ve ri fi can do os re sul ta dos re a is, ob ti dos nain ves ti da efe tu a da no dia 18. E ele teve pres sa em fazê-lo. De po is deucon ta de quan to co lhe ra de sua ins pe ção, pas san do ao Go ver no Fe de ralum te le gra ma de onde ex tra io os tó pi cos a se guir:

“Após mi nu ci o so re co nhe ci men to hoje [23 de ju lho], cons ta -tei que ocu pa mos dois con si de rá ve is nú cle os de ca sas, dos cin co em que Ca nu dos se di vi de, res tan do-nos ain da a ma i or e mais im por tan te par te,onde se acham as igre jas nova e ve lha, sen do aque la o po de ro so re du tocen tral do ini mi go. De cla rou-me um ja gun ço, em de po i men to que me re ce ser aten di do, es ta rem as igre jas e as cir cun vi zi nhan ças mi na das com pól -vo ra, pelo que não jul go pru den te o as sal to nes sas con di ções. O sí tiocom ple to se ria o acon se lha do. Pes so al de que dis po nho é in su fi ci en te.Te nho 2.600 ho mens para a luta, pre ci san do ain da de 5.000.” Eis o queen tão di zia o ge ne ral Artur Oscar.

E acres cen ta va – que nes se nú me ro não en tra vam as pra ças,que es pe ci al men te pe dia para o ser vi ço da ar ti lha ria.

Qu an to às ba i xas que a ex pe di ção já ti nha so fri do, o ditoge ne ral as cal cu la va em mais de 800.

E elas ti nham de au men tar, por mal nos so.

A Cam pa nha de Ca nu dos 111

Page 109: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Assim foi que, pe las 8 ho ras da ma nhã do dia 24 de ju lho, osja gun ços ata ca ram va len te men te as for ças le ga is, a co me çar pela li nha queco bria o flan co di re i to das po si ções que elas ocu pa vam; e com ta ma nhaim pe tu o si da de o fi ze ram – que, den tro de pou cos mi nu tos, o com ba tees ta va ge ne ra li za do até à ex tre ma es quer da da li nha ne gra.

É de crer – que o ob je ti vo prin ci pal da te me rá ria in ves ti dafos se a pos se de um ca nhão que, es tan do as ses ta do no re fe ri do flan co,pre ju di ca va imen sa men te os fa ná ti cos, em cu jas fi le i ras es pa lha va ele amor te cada vez que tro a va.

A ver da de é – que os ja gun ços avan ça vam ce gos, obs ti na dos,in tré pi dos, para aque la boca-de-fogo, pro cu ran do tomá-la à sua guar ni -ção, sem que ao me nos re fle tis sem na de si gual da de das ar mas en tão emcon fli to.

E – com cer te za – se não fora a mor te do sub che fe Pa jeú,cuja bra vu ra to dos eles ad mi ra vam, cuja pre sen ça ser via a eles to dos dees tí mu lo e fi an ça, o en con tro da que le dia, po den do ser mu i to me nossan gui no len to e por fi a do, te ria pro du zi do por tan to con se qüên ci as maisde sas tro sas.

Di an te do ca dá ver hir to de Pa jeú, po rém, to ma ram-se os seus co man da dos de um te mor su pers ti ci o so e de uma an gús tia in co er cí vel.Ba te ram, por isso, em re ti ra da para ir no grê mio de seus cor re li gi o ná ri os agi tar a ban de i ra de no vas re pre sá li as e vin gan ças, como pre i to de re co -nhe ci men to e sa u da de à me mó ria do va lo ro so mes ti ço.

E os co man dan tes da li nha ne gra, des per ta da pela ocor rên ciaino pi na da que os ha via as sal ta do, tra ta ram logo de cons tru ir um en trin -che i ra men to, com o fim de de fen de rem mais efi caz men te as suas im -por tan tes po si ções.

Cer to é – que, a 29 do ci ta do mês de ju lho, o ge ne ral ArturOscar vi nha re ti fi car a sua pri me i ra co mu ni ca ção para ele var a 1.737 onú me ro das ba i xas, que a ex pe di ção já re gis tra va.

E todo esse des tro ço era con su ma do por ser ta ne jos que, bem lon ge de ob ser va rem as re gras de uma guer ra re gu lar, pe le ja vam à suama ne i ra: ocul tan do-se nos ma ta ga is para ati rar dali mais a sal vo, trans -pon do a pé – num só dia – se ten ta qui lô me tros e mais, e ven cen do es sas

112 Aris ti des A. Milton

Page 110: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

dis tân ci as, sem car re tas nem ba ga gens, pois con du zi am con si go mes mos a quan ti da de de man ti men tos in dis pen sá vel para não mor re rem à fome!

Tal vez pelo pas mo, que tan to va lor e ener gia lhe in cu ti am,ma ni fes tas se o che fe da ex pe di ção o de se jo ar den te de ver um ja gun ço vivo.Cus tou, po rém, mu i to a ser sa tis fe i ta a von ta de do ge ne ral Artur Oscar,que ain da a 29 de ju lho se la men ta va de não tê-lo con se gui do, ape sar dare com pen sa pe cu niá ria com que es ti mu la va a am bi ção de seus sol da dos.

Nem to dos es tes – é ver da de – cum pri am com es to i cis mo oseu de ver, de modo que vá ri as de ser ções fo ram sen do acu sa das, compre ju í zo da dis ci pli na e que bra do brio mi li tar; se bem que até cer topon to ex pli cá ve is pela fome que as pra ças es ta vam so fren do. Por tan to,des de que a co lu na se ti nha mo vi do de Mon te San to fora re ce ben domeia ra ção, e ape nas um quar to dela se lhe dera em Ca nu dos, onde mes -mo hou ve dias em que ne nhu ma co me do ria se dis tri bu iu. Não fo ram,no en tan to, so men te sol da dos que aban do na ram o seu pos to; al guns al -fe res o fi ze ram tam bém. Mas, os que sou be ram so frer e re a gir de ramexem plos dig nos de ser co me mo ra dos; e para com pre en dê-lo bas ta rá re -cor dar – que ha via for ças da ex pe di ção a 200 me tros ape nas de dis tân cia das for ças in do má ve is do Con se lhe i ro.

Como con se qüên cia dos ata ques efe tu a dos, a 30 de ju lhoexis ti am 1.200 fe ri dos apro xi ma da men te no acam pa men to do exér ci tole gal; e 300 den tre eles fo ram man da dos para a ca pi tal da Ba hia, em cu joshos pi ta is de ram en tra da. Inclu íam-se na que la ci fra 114 ofi ci a is, fora os40 que já ti nham ca í do mor tos.

O ge ne ral Artur Oscar, im pres si o na do por es tes cla ros, queiam sen do aber tos nas for ças de seu co man do, e pro me ti am de dia emdia au men tar, ins ta va com o mi nis tro da Gu er ra para que lhe re me tes seo re for ço de 5.000 ho mens que já lhe ha via pe di do. E o seu pla no era –le var o cer co à mar gem es quer da do Vaza-Bar ris, cor tan do to das as co -mu ni ca ções pelo nor te, con quan to a li nha as sim fi cas se mu i to del ga da esem re ser va, e fran ca a es tra da de Uauá, bem como a de Ca um bi e doCam ba io. Ao mes mo tem po, o che fe da ex pe di ção ape la va para os ofi ci a is,que ti nham ser vi do no Pa ra guai, em Ni te rói, no Rio de Ja ne i ro e no RioGran de do Sul, a fim de que dis ses sem – se ja ma is ha vi am vis to uma guer racomo a de Ca nu dos.

A Cam pa nha de Ca nu dos 113

Page 111: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

É o que cons ta de um te le gra ma seu da ta do de 29 de ju lho, edi ri gi do ao mi nis tro da Guer ra.

É cer to, po rém, que an tes mes mo de re ce ber qual quer pe di do, o Go ver no, pre ven do a ne ces si da de de al gum re for ço, en vi a ra para Ca -nu dos uma ou tra bri ga da de que foi co man dan te o ge ne ral Mi guel Ma ria Gi rard. Era ela for ma da pe los Ba ta lhões 22º de Infan ta ria, co man da dopelo co ro nel Ben to To más Gon çal ves, 24º, pelo te nen te-co ro nel Ra fa elTo bi as, e 38º, pelo co ro nel Fi lo me no José da Cu nha.

O efe ti vo do pri me i ro des ses cor pos ele va va-se a 500 pra çasde pré, in clu si ve 50 que se ti nham vo lun ta ri a men te alis ta do; o do se gun -do a 453, e o do ter ce i ro a 376, além do des ta ca men to, que es ta va noEspí ri to San to, e se re u niu na Ba hia. Em 19 de ju lho, a bri ga da de sem -bar cou, sob uma chu va de apla u sos e con gra tu la ções, na ca pi tal des seúl ti mo Esta do.

O go ver na dor fa ci li tou to dos os me i os de trans por te de quene ces si ta va o ge ne ral Gi rard para as mu ni ções que tra zia, e lhe for ne ceu– por con ta do Esta do – para cima de 300 mu a res. Assim apa re lha dos,no dia 28 de ju lho se gui ram para Qu e i ma das os Ba ta lhões 22º e 24º, eno dia 30 o Ba ta lhão 38º, acom pa nha do do co man dan te da bri ga da.Este, ao to mar o seu des ti no, pas sou des sa vila o te le gra ma se guin te:

“Exmo. Sr. go ver na dor da Ba hia – Gra ças aos me i os trans -por te for ne ci dos V. Exa. a bri ga da aca ba de par tir para Ca nu dos. Sa u da -ções. – Ge ne ral Gi rard.”

Por sua vez, o go ver no do Esta do ha via re for ça do tam bém afor ça po li ci al, que es ta va au xi li an do o Exér ci to na cru za da con tra o fa -na tis mo e a de sor dem.

Pa re cia que dis pon do, afi nal, de no vos e mais po de ro sos re -cur sos, gra ças aos qua is po de ria res ta be le cer as co mu ni ca ções fran cas eli vres en tre o acam pa men to e Mon te San to, o ge ne ral-em-che fe nãoti nha que va ci lar. O ata que aos pon tos da ci da de la, até en tão in có lu mes,im pu nha-se como con di ção de bom êxi to e pres tí gio para os sol da dosda re pú bli ca. O che fe da ex pe di ção, con tu do, foi de ou tro pa re cer; e,com o fim de jus ti fi cá-lo, ex pôs as ra zões, que vou su ma ri ar.

As for ças as sal tan tes or ça vam por 3.500 ho mens, mais ou me -nos, de po is que – em me a do de agos to – che ga ra a Ca nu dos a bri ga da

114 Aris ti des A. Milton

Page 112: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Gi rard, que aliás fora ata ca da pe los ja gun ços no lu gar de no mi na do Ran -cho Vi gá rio, e per de ra aí dois ofi ci a is, ten do a cus to de sem ba ra ça do oca mi nho, gra ças prin ci pal men te a um ras go de va len tia pra ti ca do peloca pi tão Go mes Car ne i ro, que co man da va o Ba ta lhão 15º. O ge ne ralArtur Oscar en ten deu – que aque le nú me ro de pra ças não bas ta va ain da para se ten tar a ação de fi ni ti va.

Acres cia – que era sen sí vel a fal ta de ofi ci a is su pe ri o res, tan toque qua se to dos os cor pos es ta vam sen do co man da dos por ca pi tães ete nen tes.

E a sus pe i ta de que as igre jas, onde a gen te do Con se lhe i ro se abri ga va, es ta vam mi na das de ex plo si vos, con tri bu iu mu i to para que oche fe da ex pe di ção se li mi tas se a man ter as po si ções con quis ta das, e re -cla mas se do Go ver no da União no vos re for ços, que se tor na vam – noseu con ce i to – in dis pen sá ve is.

Até que che gas sem eles, a ex pe di ção fi ca ra es pe ran do; sen doque não teve im por tân cia quan to ocor reu du ran te esse tem po. Ape nashá para men ci o nar – a des tru i ção das tor res da igre ja nova, após umbom bar de io cer ra do que du rou seis ho ras, ten do sido – dias an tes – ar -ru i na da a fron te i ra da igre ja ve lha, cujo sino vi e ra aba i xo. Tam bém sepode re gis trar – a in ves ti da que o co ro nel Olím pio da Sil ve i ra, à fren tedo ba ta lhão 27º, fez con tra a Fa zen da Ve lha, cujo re du to – guar ne ci dopor uns 20 ja gun ços – to mou de sur pre sa.

A opi nião pú bli ca, po rém, não se mos tra va sa tis fe i ta; ela exi -gia mu i to mais. A de mo ra em se pôr ter mo a uma luta que tan to emo ci -o na va o es pí ri to na ci o nal, dava lu gar a co men tá ri os de toda or dem.

Não hou ve des fa le ci men tos, é cer to; con fi a vam to dos na boadi re ção do Go ver no, e na jus ti ça da ca u sa, que ele de fen dia. Mas, não há ne gar – que o vul to de Antô nio Con se lhe i ro ia as su min do pro por çõescada vez mais fan tás ti cas, e o país in te i ro sa cu di do pelo es pan to e pelain qui e ta ção, vol ta va as vis tas para Ca nu dos, onde não fal tou quem acre -di tas se – que ia ser jo ga do o fu tu ro da re pú bli ca.

Um novo es for ço ain da, e a paz es ta ria res ta be le ci da, e a leise ria vin ga da.

A Cam pa nha de Ca nu dos 115

Page 113: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

V

MU I TOS E VA RI A DOS mo ti vos con cor ri am para o re tar da men to das ope ra ções mi li ta res em Ca nu dos, o que es ta va aliáscon tra ri an do o Go ver no, e sur pre en den do ao mes mo tem po a na ção.

Da ex pe riên cia co lhi da nas ex pe di ções an te ri o res, o ge ne ralArtur Oscar con clu ía para o pe ri go de em pre en der o as sal to de fi ni ti vo àci da de la do Con se lhe i ro, an tes de achar-se pre mu ni do dos ele men tos ca -pa zes de ga ran tir a vi tó ria às for ças le ga is, evi tan do-lhes por tan to umnovo de sas tre, cu jas con se qüên ci as po de ri am ser fa ta is às pró pri as ins ti -tu i ções.

Os ja gun ços man ti nham-se numa ati tu de de hos ti li da de gran de -men te no ci va. Os ti ros que eles fa zi am, sem in ter mi tên cia apre ciá vel,iam cer te i ros ao alvo. E nin guém ou sa va aven tu rar um pas so sem a má -xi ma ca u te la, pois que as ba las cho vi am de to dos os pon tos, em bo ra não se vis se quem as ati ra va com ta ma nha pre ci são.

Cer to é que, por um pe río do não cur to, as ope ra ções es ta ci o -na ram com ple ta men te.

Este fato, como se vê, era ex pli cá vel pela pru dên cia com queen tão con vi nha agir. E se ela foi tal vez de ma si a da, de veu-se à fal ta des saau dá cia, tão sim pá ti ca à for tu na, e belo pre di ca do dos gran des ca pi tães,

Page 114: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

an tes do que ao de se jo – aca ri ci a do por quem quer que fos se – de adi arim pa tri o ti ca men te o des fe cho da cam pa nha.

É ver da de que ofi ci a is su pe ri o res, como os co ro néis Sil va Te -les e da Ser ra Mar tins, além do ge ne ral Sa va get, se ti nham re ti ra do deCa nu dos, pela im pos si bi li da de de aí con ti nu a rem, fe ri dos como in fe liz -men te se en con tra vam. Não era, po rém, só dis to que pro vi nham gran desem ba ra ços ao mo vi men to da ex pe di ção.

No ta vam-se, por exem plo, no ser vi ço dos for ne ci men tos, ames ma ir re gu la ri da de e a mes ma de sor dem, que se ti nham fe i to sen tir em Mon te San to, de onde as for ças par ti ram re ce ben do ape nas meia ra ção.

Por esse mo ti vo, a pe nú ria che ga ra ao ex tre mo dos sol da dosdis pu ta rem – com as ar mas na mão – a pos se de um can til de água po tá vel.

Eles, que se da ri am por sa tis fe i tos com car ne, fa ri nha e sal, denada dis to ab so lu ta men te dis pu nham; pelo que eram for ça dos a se ali men -tar ape nas com o pro du to das ca ça das, que to dos os dias fa zi am, e mu i tasve zes com ra í zes de im bu ze i ros e de ou tras te re bin tá ce as. Algu mas pra çasnão ti nham mais o que ves tir. Acres cia que ain da se es ta va es pe ran do pelores to do re for ço, pe di do pelo che fe da ex pe di ção, que ain da o re pu ta va im -pres cin dí vel para com ple tar o sí tio já de mu i to ini ci a do.

Esse mau es ta do de cou sas era agra va do por al guns es cân da -los, que a po pu la ção ba i a na sa bia e co men ta va. Assim é que se con ta vaum ar dil, usa do por cer tos es pe cu la do res para usu fru í rem pro ven tos ilí -ci tos, numa qua dra em que era de ver de todo ci da dão or de i ro e ho nes to au xi li ar o Go ver no para de sa fron tá-lo das di fi cul da des, que tão in jus ta -men te o opri mi am.

Cor ria como cer to que dos bois e ca va los, for ne ci dos à ex pe -di ção, to dos quan tos iam fi can do pe las es tra das, por can sa ço ou ex tra -vio, eram de po is ajun ta dos, e re ven di dos aos pre pos tos do Go ver no,que destarte com pra va por bom mer ca do aqui lo que já era seu.

Se a mu i to cus to se pôde, afi nal, or ga ni zar um ser vi ço decom bo i os en tre Mon te San to e Ca nu dos, in cum bin do-se de di ri gi-lo aum ofi ci al do Ba ta lhão 17º, o ca pi tão Cas tro Sil va, ne nhum re sul ta docon tu do esta me di da pro du ziu. Sem pre com bom êxi to, os ja gun ços ata -ca vam to dos os com bo i os que pas sa vam para o acam pa men to, pos to

118 Aris ti des A. Milton

Page 115: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

que de les uni ca men te to mas sem as ar mas e as mu ni ções de guer ra.Qu an to ao mais, aban do na vam na es tra da, com re pug nân cia e des dém.

Do que fica aí nar ra do é na tu ral con clu ir – que o Go ver nopre ci sa va pro vi den ci ar ener gi ca men te para apres sar o de sen la ce de umaluta que, no co me ço, pa re ce ra sem con se qüên ci as, mas an da va já pre o -cu pan do se ri a men te os es pí ri tos, e pren den do as aten ções em todo opaís.

Re fe rin do-se a essa de li ca da si tu a ção, dis se o ge ne ral João To -más Can tuá ria:

“Co lo ca das nos sas for ças em con di ções des van ta jo sas, co me -ça ram a sur gir as ma i o res di fi cul da des; e es tas as su mi ram tais pro por -ções, alar man do o es pí ri to pú bli co, que – para movê-las – en ten deu oGo ver no fa zer se guir para o te a tro da ação o ilus tre mi nis tro da Guer ra, o nun ca as saz pran te a do ma re chal Car los Ma cha do de Bi ten court, quepar tiu des ta ca pi tal [Rio de Ja ne i ro] a 3 de agos to do ano fin do.”22

“Esta be le cen do seu quar tel-ge ne ral em Mon te San to”, con ti -nua o ci ta do mi li tar, “o inol vi dá vel ma re chal, com a ati vi da de e ener giapró pri as do seu aus te ro ca rá ter, pro mo veu to dos os re cur sos ne ces sá ri os a ace le rar as ope ra ções de guer ra; e tão acer ta da men te pro ce deu, tão efi -caz foi o seu con cur so que, pou co de po is de sua che ga da, fe cha va-se osí tio.”23

Con fir ma a pa la vra ofi ci al o que es cre veu quem to mou gran -de par te na cam pa nha:

“Em pou co tem po, o mi nis tro da Gu er ra con se guiu or ga ni zar um ser vi ço me tó di co de com bo i os, e des sa for ma a nos sa si tu a ção me -lho rou con si de ra vel men te.

“Vol ta va a ani ma ção dos pri me i ros tem pos; à épo ca do aba ti -men to fí si co subs ti tu ía uma fase de re la ti vo con for to.”24

É que o mi nis tro de tudo se ha via mi nu ci o sa men te in for ma -do, e a tudo se es for ça va por aten der.

Da ca pi tal da Ba hia o Ma re chal Bi ten court te le gra fa ra ao Go -ver no, em 14 de agos to, di zen do:

A Cam pa nha de Ca nu dos 119

22 Re la tó rio do mi nis tro da Gu er ra, em 1898, pág. 7.23 Idem, idem.24 Dan tas Bar re to, Últi ma ex pe di ção a Ca nu dos, pág. 191.

Page 116: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Estou con ven ci do de que um dos ma i o res ma les tem sido afome; ten do em pre ga do os ma i o res es for ços para con se guir gran des re -mes sas de gê ne ros, já al can cei me lho rar e es pe ro em bre ve com ple taresse ramo de ser vi ço. Para não au men tar o con su mo em Ca nu dos, man -dei Ba ta lhões 29º, 37º e 39º acam par pro vi so ri a men te em Mon te San to.Logo que mar cha rem to das as for ças, eu se gui rei para Qu e i ma das eMon te San to, a fim de au men tar os com bo i os, para o que já se re ú nemani ma is vin dos de lon ge.”

Vem a pêlo re cor dar aqui que, na si tu a ção afli ti va, a que ti nhache ga do o exér ci to em ope ra ções, mu i to lhe va leu o go ver na dor da Ba hia, pois mi ti gou-lhe a fome, na fra se do ge ne ral Sil va Bar bo sa, que a Impren sa,do Rio de Ja ne i ro, pu bli cou em 25 de ju lho de 1899.

Impor ta sa ber que o Go ver no Fe de ral, ten do re sol vi do man -dar para o cen tro das ope ra ções o mi nis tro da Gu er ra, de li be ra ra si mul -ta ne a men te mo bi li zar os Ba ta lhões de nos 4, 28, 29, 37 e 39 de Infan ta riade li nha, as sim como ace i tar os ofe re ci men tos, que das for ças po li ci a isres pec ti vas lhe ha vi am fe i to os Esta dos de São Pa u lo, Ama zo nas e Pará.

De modo que, a 6 de agos to, che ga ram à ca pi tal da Ba hia, não so men te o Ma re chal Bi ten court, mas ain da o 1º cor po da bri ga da po li ci alpa u lis ta, co man da do pelo te nen te-co ro nel Jo a quim Eles bão Reis, e osBa ta lhões 37º e 39º de li nha, de que eram, res pec ti va men te, co man dan -tes o te nen te-co ro nel Fir mi no Lo pes Rego e o co ro nel Cláu dio de Oli -ve i ra Cruz. O efe ti vo do cor po po li ci al de São Pa u lo su bia a 600, e odos ou tros dois ba ta lhões in di ca dos a 632 pra ças.

Fo ram su ces si va men te de sem bar can do, na que la ci da de, os ou -tros ba ta lhões de li nha, de sig na dos para a cam pa nha. No dia 10, o 29º,cujo co man dan te era o co ro nel João Cé sar Sam pa io, e que con ta va 28ofi ci a is e 280 pra ças de pré, no dia 16, o 28º, co man da do pelo te nen -te-co ro nel Antô nio Ber nar do de Fi gue i re do, com 47 ofi ci a is e 250 pra -ças de pré; no dia 19, o 4º Ba ta lhão de Infan ta ria, sob o co man do doma jor Fre de ri co Lis boa de Mara, com 17 ofi ci a is, 4 ca de tes e 252 pra çasde pré. Che gou tam bém, no dia 15, a bri ga da po li ci al do Pará, com pos ta de dois ba ta lhões de in fan ta ria com um efe ti vo de 580 pra ças, e co man -da da pelo co ro nel José So te ro de Me ne ses. No dia 21, fi nal men te, apor -tou à mes ma ci da de o va por na ci o nal Car los Go mes, con du zin do a seubor do o ba ta lhão de po lí cia do Esta do do Ama zo nas, com 28 ofi ci a is e

120 Aris ti des A. Milton

Page 117: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

300 pra ças de pré, sob o co man do do te nen te-co ro nel Cân di do JoséMa ri a no.

Escu sa do é re me mo rar a gen ti le za e o en tu si as mo, com queo Go ver no e o povo da Ba hia re ce be ram to dos es ses bra vos sol da dos,cujo no bi lís si mo em pe nho era de sa gra var a lei ofen di da, res ta be le cen doo pres tí gio da au to ri da de, que es ta va sen do de sa ca ta da por uma por çãode bra si le i ros de so ri en ta dos, pos to que va len tes e des te mi dos.

E por que ha via pres sa em cas ti gar es ses, que se ti nham re be -la do, e se mos tra vam cada vez mais im pe ni ten tes, os ba ta lhões tra ta ramde se guir logo para seu des ti no, de se jo sos de atin gir o lu gar, onde Antô -nio Con se lhe i ro fun da ra sua ci da de la e seu povo.

Assim foi que par ti ram para Qu e i ma das: a 9 do re fe ri do mêsde agos to, o ba ta lhão de po lí cia de S. Pa u lo; a 12, o 37º; a 13, o 29º; a14, o 39º, to dos três de Infan ta ria do Exér ci to; a 15, a bri ga da po li ci aldo Pará; a 19, o 28º, e a 24 o 4º, am bos es tes tam bém de Infan ta ria; e, fi -nal men te, a 27 o ba ta lhão de po lí cia do Ama zo nas.

No dia 22, en tre tan to, o aju dan te-ge ne ral pas sara ao go ver na -dor da Ba hia o te le gra ma, que se se gue:

“Nes te mo men to re ce bo te le gra ma co man dan te guar ni çãoso bre ne ces si da de de mé di cos e far ma cêu ti cos para for ça em ope ra çõesno in te ri or do Esta do. Ape lan do tra di ci o nal ci vis mo do povo ba i a no,peço vos so va li o so au xí lio na sa tis fa ção de tão ur gen te ne ces si da de, napar te que vos cou ber. Sa u da ções.”

Cor res pon den do pres su ro sa men te ao con vi te que, em con se -qüên cia des se des pa cho, lhes di ri gi ra o mes mo go ver na dor, as clas sesmé di ca e aca dê mi ca, de cu jos ser vi ços clí ni cos aliás o Go ver no já se es -ta va uti li zan do na ca pi tal da Ba hia, ma ni fes ta ram-se dis pos tas a mar charpara Ca nu dos. Dois fa cul ta ti vos, os Drs. Vir gí lio de Ara ú jo Cu nha eJoão Bel fort Sa ra i va de Ma ga lhães, bem como vá ri os es tu dan tes de me -di ci na, se ofe re ce ram ime di a ta men te para se re u nir à for ça em ope ra -ções no in te ri or do Esta do.

A 27 de ju lho uns, e a 3 de agos to ou tros, par ti ram to dos afi -nal: dois mé di cos e ses sen ta e dois aca dê mi cos para o cen tro, onde sepor ta ram com ab ne ga ção e zelo dig nos dos ma i o res en cô mi os, quer nos hos pi ta is de san gue, mon ta dos em Qu e i ma das e Mon te San to, quer no

A Cam pa nha de Ca nu dos 121

Page 118: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

acam pa men to de Fa ve la. Para cú mu lo das con tra ri e da des en tão sen ti das, al guns des ses jo vens ca ri do sos fo ram aco me ti dos de va río la, epi de miaque gras sou com in ten si da de na que las vi las, obri gan do a se abri rem hos -pi ta is de iso la men to; mas aí, jun to ao le i to dos en fer mos os es tu dan tespou pa dos pela pes te se re ve la ram mais ain da su bli mes de de di ca ção e de amor.

As pou cas no tí ci as que a esse tem po che ga vam do te a tro dosacon te ci men tos, não eram de na tu re za a mo de rar a im pa ciên cia, ma ni -fes ta da do nor te ao sul da re pú bli ca. De mais im por tan te o que se sou be foi ter o Ba ta lhão 25º de In fan ta ria avan ça do até 15 me tros da igre ja ve -lha, cujo ma de i ra men to – den tro em pou co – fi ca ra re du zi do às cin zas,em con se qüên cia do fogo que lhe pu se ra o al fe res Adol fo Lo pes daCos ta.

Des ses da nos vin ga vam-se os ja gun ços , ata can do a li nha ne gracom um vi gor ex cep ci o nal, que bem pa ten te a va a têm pe ra rija de suaen ver ga du ra, e a ro bus tez ina ba lá vel de sua fé.

Cons tou, en tão, que de al gu mas fá bri cas na ci o na is, exis ten tes noEsta do, se fa zi am re mes sas de pól vo ra ao Con se lhe i ro, o qual acu mu la vaas sim ele men tos para sus ten tar a cam pa nha, em que an da va em pe nha do.As au to ri da des com pe ten tes pro vi den ci a ram para a ci da de da Ca cho e i ra eou tros pon tos, a fim de que se pu ses se co bro ao abu so. Asse gu ro, po rém,que o bo a to era de todo in fun da do.

Não há ne gar, en tre tan to, que as úl ti mas pro vi dên ci as to ma -das ti nham le van ta do o âni mo das for ças ex pe di ci o ná ri as, em cujo de no -do e pa tri o tis mo con fi a va a re pú bli ca, in fe liz men te al vo ro ça da.

A sé rie de no vas me di das as sen ta das es ta va ain da por com ple -tar, mas era in dis pen sá vel ir até o fim com elas.

Então, o che fe de po lí cia Dr. Fé lix Gas par se trans fe riu para a vila de Qu e i ma das, a fim de re or ga ni zar o ser vi ço do trans por te de mu -ni ções de guer ra e de boca para Mon te San to. A 11 de agos to, o dig nofun ci o ná rio ini ci ou seus tra ba lhos, com êxi to mais bri lhan te; e até o fimde se tem bro os di ri giu com a ma i or so li ci tu de e com pe tên cia.

Pela ma nhã de 7 de se tem bro, no en tan to, en trou em Mon teSan to o mi nis tro da Gu er ra, acom pa nha do do seu es ta do-ma i or e doco ro nel Afon so Pe dre i ra de Cer que i ra, co man dan te do re gi men to po li ci al

122 Aris ti des A. Milton

Page 119: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

da Ba hia, que le va va con si go seis ofi ci a is, 100 pra ças de in fan ta ria e 20de ca va la ria, to das per ten cen tes ao dito re gi men to.

Já fi cou de vi da men te as si na la da a fe i ção nova, que a cam pa -nha to ma ra com a pre sen ça do ma re chal Ma cha do Bi ten court, que sou -be mul ti pli car-se para lhe im pri mir a di re ção mais acer ta da, pro ve i to sa, e eco nô mi ca pos sí vel.

A 12 de se tem bro, o ilus tre mi li tar te le gra fa va ao go ver na dorda Ba hia por es tas pa la vras:

“Re ce bi, on tem à tar de, uma ‘par te’ do ge ne ral Artur Oscar,co mu ni can do ha ve rem nos sas for ças der ru ba do as duas tor res da igre janova, to man do de sur pre sa a trin che i ra ini mi ga, que pro te gia a es tra dado Cam ba io e a Fa zen da Ve lha, em cu jas po si ções se man tém, e ten dotido pre ju í zo ape nas de qua tro sol da dos fe ri dos e um mor to.”

No mes mo des pa cho, o mi nis tro da Gu er ra agra de cia ao go -ver na dor a cer te za, que lhe dera, de pôr à sua dis po si ção em Qu e i ma das, den tro do pra zo de vin te dias, 200 mu a res de que a ex pe di ção mu i to ca -re cia. O fato vem cor ro bo rar a pro va exis ten te e ir re cu sá vel do em pe -nho e da le al da de, com que as au to ri da des da Ba hia se cun da vam to das o tra ba lho e os es for ços do Go ver no fe de ral para ter mi nar a luta ci vil, que tan to es ta va pe na li zan do o país.

A 10 de se tem bro, o te nen te-co ro nel Si que i ra de Me ne ses co -lo cou-se à fren te de três cor pos de in fan ta ria, a fim de des co brir o meiode se for ne cer água ao acam pa men to pe las es tra das do Cam ba io e doCalum bi; vis to que era es cas sa a quan ti da de do pre ci o so lí qui do, que po -dia ser con du zi da pela es tra da do Ro sá rio, por onde aliás vi a ja vam to dos os com bo i os, cujo ser vi ço ia sen do en tão fe i to com se ri e da de e fre qüên -cia. O dig no ofi ci al de sem pe nhou-se de sua co mis são com o má xi mosu ces so, e a ocu pa ção das po si ções mais im por tan tes da que las duas pri -me i ras es tra das im pe diu que os ja gun ços con ti nu as sem a se uti li zar de las,de sor te que ape nas po de ri am ser vir de ter ce i ra, que mar gi na va a Vár zea da Ema.

Em ca mi nho, o te nen te-co ro nel Si que i ra Men des apre en deucer ca de 20 ani ma is, que trans por ta vam car gas de Uauá para a ci da de lados fa ná ti cos; e teve oca sião de ver o modo en ge nho so por que se ti -nham es tes for ti fi ca do, cons tru in do abri gos ex ce len tes.

A Cam pa nha de Ca nu dos 123

Page 120: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O es sen ci al para eles era ver sem ser vis tos, con se guir que oad ver sá rio não ati nas se de pron to com as li nhas de onde par ti am os fo -gos con ver gen tes, es ti ves sem elas lo ca li za das no cen tro da ca a tin ga ema -ra nha da, ou nos al tos bar ran cos dos rios es go ta dos.

E os ja gun ços o con se gui ram por mu i tos dias cru éis.Fe liz men te, a 23 um ba ta lhão de po lí cia do Ama zo nas apos -

sou-se da es tra da da Vár zea da Ema; e, gra ças a esta cir cuns tân cia, o sí -tio se tor nou en tão com ple to, es tan do – de mais – ga ran ti do por al gunsba ta lhões, que ha vi am fi ca do de re ser va. Os ja gun ços não da vam, con tu -do, o me nor si nal de con tra ri e da de ou de sâ ni mo. Fos se por ig no ra rem aver da de i ra si tu a ção em que se en con tra vam, fos se por que em ne nhumcaso ela os ater ras se, exa to é – que eles opu nham re sis tên cia cada vezmais for mal e te naz. E não se li mi ta vam a isto só, pois a todo pro pó si tocha co te a vam da for ça le gal, su pon do-se tal vez in ven cí ve is. Ia a este ex -tre mo a in fluên cia su ges ti va de Antô nio Con se lhe i ro.

Mas, a re a li da de era de mol de a es mo re cer os mais va len tes.Fe cha do, como se acha va afi nal o sítio, a ren di ção dos fa ná ti cos se riaques tão de mais ou me nos tem po. Por que eles evi den te men te não po de -ri am re ce ber de fora mais au xí lio al gum, e os man ti men tos de que ain dadis pu nham es ta ri am con su mi dos num prazo cur to, bem como as mu ni -ções de guer ra, que já lhes iam fal tan do vi si vel men te.

No dia 25, en tre tan to, os três ba ta lhões de po lí cia do Ama zo -nas, a man do do te nen te-co ro nel So te ro de Me ne ses, de con cer to com o 37º de li nha, pu se ram-se em mo vi men to com di re ção a Fa zen da Ve lha e à es tra da do Cam ba io. E, ten do tido um en con tro com a ja gun ça da, tra -vou com ba te com ela, ven cen do-a de po is de mu i tos lan ces de he ro ís mo, pra ti ca dos de par te a par te. Na ação foi mor to um sol da do re pu bli ca no,e mais qua tro ca í ram fe ri dos. Cal cu lou-se em cer ca de 200 os cla rosaber tos nas fi le i ras dos re bel des. A ar ti lha ria, po rém, já di fi cil men te fun -ci o na va, por que, es tan do as li nhas da ex pe di ção mu i to pró xi mas da igre -ja nova, cor ri am o ris co de ser por ela ofen di das.

Como quer que fos se, es ta va to ma da a trin che i ra, que pro te -gia aque las duas im por tan tes po si ções; e, as sim, mais um pas so se adi an -ta ra para to car ao ter mo da luta me mo ran da.

Nem era isto só.

124 Aris ti des A. Milton

Page 121: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Por que o sí tio ti ves se sido es tre i ta do, em vir tu de das van ta -gens ul ti ma men te ob ti das pela for ça le gal, os ja gun ços fi ca ram pri va dosde abas te cer-se de água du ran te o dia; ape nas à no i te po di am fazê-lo,mas cor ren do sem pre ris co enor me, e nun ca apa nhan do toda a quan ti -da de de que ca re ci am. Nes sa fa i na obri ga da, mu i tos mor ri am de ina ni -ção e can sa ço, jun to ao le i to da Vaza-Bar ris, en tão qua se seco.

Bem se com pre en de – quan to essa cir cuns tân cia de ve ria terin flu í do para pi o rar a si tu a ção dos si ti a dos, que aliás não da vam in dí cioal gum de fra que za ou des fa le ci men to, mu i to em bo ra a cam pa nha hou -ves se to ma do fe i ção nova, fran ca men te fa vo rá vel às ar mas re pu bli ca nas.

O Con se lhe i ro, a des pe i to de tudo, não se ren dia! Ago ra nade fe nsa, como pou co an tes no ata que, re ve la va-se ele o mes mo ho mem: for te, per se ve ran te, cal mo, do mi na do por uma es pe ran ça no tri un fo, sócom pa rá vel à fa gue i ra se du ção do seu ide al.

Entre men tes, o ge ne ral Car los Eu gê nio de Andra de Gu i ma rãesque, a 17 de agos to, ti nha sido no me a do para ser vir nas for ças ex pe di ci o ná -ri as, e – des de os pri me i ros dias de se tem bro – acha va-se em Mon te San to,che gou em boa hora a Ca nu dos. A 27 des se mês, as su miu ele o co man doda 2ª co lu na, com pos ta da 4ª, 5ª e 6ª bri ga das. Os Ba ta lhões 4º, 28º, 29º e39º, to dos de Infan ta ria do Exér ci to, que ha vi am che ga do tam bém, pas sa -ram a cons ti tu ir mais uma bri ga da, cujo co man do foi con fi a do ao co ro nelJoão Cé sar Sam pa io. Ao mes mo tem po, foi de ter mi na do – que o Ba ta -lhão 28º fi cas se en cos ta do à 2ª bri ga da no ca mi nho do Ca lum bi.

Qu e ria aque le co ro nel, re cém-che ga do do Rio Gran de do Sul,en trar logo em ação, re ce o so – ao que se di zia – de não ter mais en se jo de se ba ter pela le ga li da de e pela or dem, pois acre di ta va que o sí tio ser vi riade pró xi mo epí lo go à luta ago ni zan te. Tra tou, por tan to, de su ges ti o nar oche fe da ex pe di ção para que este efe tu as se um novo as sal to às po si ções,ain da ocu pa das pe los ser ta ne jos in do má ve is. E o ge ne ral ce deu por fimaos de se jos do seu ca ma ra da, quan do lhe cum pria, ao con trá rio, re sis tir-lhecom a ma i or con vic ção e ener gia.

Assim me ex pri min do, sir vo de eco à opi nião ge ral men te sen -ti da e uni for me men te ex ter na da.

Des de que o sí tio es ta va com ple to, se gun do já pon de rei, enão ha via pos si bi li da de dos fa ná ti cos rom pe rem-no, pois lhes iam ra -re an do – cada vez mais – água, man ti men tos, pro vi sões, ao pas so que

A Cam pa nha de Ca nu dos 125

Page 122: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

as tro pas le ga is an da vam en tu si as ma das e far tas; pa re cia pre fe rí vel can saro ini mi go, con cen tra do en tão no seu úl ti mo re du to, cuja de fe sa ele as sim não po de ria pro lon gar por mu i tos dias.

O ge ne ral Artur Oscar, en tre tan to, pen sou de ou tro modo, efor ço so foi obe de cer às suas or dens; de modo que, a 1º de ou tu bro, re a -li zou-se o com ba te.

A 6ª bri ga da da 2ª co lu na, com pos ta do 4º Ba ta lhão de Infan -ta ria, co lo ca do na mar gem di re i ta do Vaza-Bar ris, do 29º e do 39º, dis -pos tos na trin che i ra ao sul de Ca nu dos, efe tu ou com im pa vi dez o as sal -to de com bi na ção com a 3ª bri ga da da 1ª co lu na, for ma da pe los Ba ta -lhões 57º, 25º e 35º. Ata cou ela a re ta guar da e os flan cos da igre ja nova,car re gan do à ba i o ne ta, a fim de de sa lo jar o ini mi go for te men te en trin che i ra do.

Este mo vi men to, po rém, não pro du ziu todo o efe i to que dele se es pe ra va. Os ja gun ços, in ter nan do-se nas ca sas do cen tro do po vo a do,úni cas aliás que es ta vam ain da em seu po der, di fi cul ta ram a exe cu ção dacar ga. Entra va ram o aces so às mes mas ca sas, de tal ma ne i ra que só portrês en tra das al guém po de ria se apro xi mar do gru po, que elas for ma -vam. Mas cada qual es ta va me lhor de fen di da, re sul tan do daí que quemquer que se aven tu ra va a as sal tá-las era re pe li do logo por um fogo cer ra -do e mor tí fe ro. Isto va leu aos fa ná ti cos a pos se de al gu mas trin che i ras,em que se man ti ve ram, não obs tan te as for ças as sal tan tes te rem sido au -men ta das com a 1ª e 5ª bri ga das. Eles, além de tudo, ha vi am “cons tru í -do den tro das ca sas uns fos sos, que fi ca vam aba i xo do solo, jun to daspa re des que se te i ra ram, e daí fa zi am um fogo mor tal men te cer te i ro, en -tre tan to fi ca vam a sal vo de nos sos fo gos. De ma is, uni das as ca sas umasàs ou tras, e co mu ni can do-se por sub ter râ ne os, to ma da uma de las es co a -vam para ou tras de onde al gu mas ve zes já ha vi am sido de sa lo ja dos”.25

Ape sar de tudo, às 7 ½ ho ras da ma nhã, dado o to que deavan çar, o 5º Cor po de Po lí cia da Ba hia to mou a po si ção que lhe forain di ca da, à re ta guar da da igre ja nova, e fir mou-a logo de po is com o con -cur so do 1º cor po, tam bém de po lí cia, do Esta do do Pará. O 1º Ba ta -lhão de bri ga da po li ci al de S. Pa u lo en trin che i rou-se ao lado es quer do da dita igre ja, de po is de ha ver-se apos sa do de mu i tas ca sas dos ja gun ços. Eo com ba te co me çou.

126 Aris ti des A. Milton

25 Ordem do dia nº 900, de 27 de no vem bro de 1897.

Page 123: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Se ri am se gu ra men te 11 ho ras quan do foi plan ta da a ban de i rana ci o nal, em meio às ru í nas da que le tem plo. As cor ne tas, os cla rins e ostam bo res ba te ram a mar cha de con ti nên cia, e as no tas ele tri zan tes dohino na ci o nal, to ca do pe las ban das mi li ta res, acor da ram o eco so no rodos ser tões en tris te ci dos; es ta va ga nha a vi tó ria, fi nal men te.

Mas, o que aí ocor re ra até cer to pon to iria cons ter nar os co ra -ções sin ce ra men te bra si le i ros. Entre ir mãos, é sem pre la men tá vel qual -quer con fli to; e se a guer ra – em tese – não pas sa de uma ca la mi da debru tal, quan do se tra va en tre ci da dãos da mes ma pá tria as su me as pro -por ções de um cri me he di on do.

O chão das ca sas de Ca nu dos, ao ces sar o fogo, es ta va co a lha dode ca dá ve res. Ho mens, mu lhe res e cri an ças ja zi am por ali numa pro -mis cu i da de es pan to sa. Po dia-se cal cu lar a dor in co er cí vel, com que al gunsdes ses en tes ha vi am se evo la do da Ter ra, aten den do-se para a ati tu de em que en con tra vam seus cor pos. Mãe e fi lhos es tre i ta dos pelo abra ço dader ra de i ra des pe di da, es po sos e aman tes com lá bi os fri os, co la dos numbe i jo de amor e de sa u da de.

Nas fi le i ras do exér ci to, os cla ros ti nham sido tam bém nu me -ro sos. Con ta ram-se, in fe liz men te, 467 ba i xas, en tre as qua is a do te nen -te-co ro nel Antô nio Tupi Fer re i ra Cal das, a do ma jor João José Mo re i rade Qu e i rós, a do ma jor Hen ri que Se ve ri a no da Sil va e a do ca pi tãoAntô nio Ma nu el de Agui ar e Sil va. To dos es tes bra vos ofi ci a is mor re ram,cum prin do com de di ca ção e le al da de o seu de ver.

Os ja gun ços per de ram cer ca de 900 com ba ten tes, e ou tras tan -tas mu lhe res e cri an ças, fora 90 pri si o ne i ros, que es ta vam gra ve men tefe ri dos. De i xa ram no cam po 600 ar mas, 4 ca nhões Krupp des mon ta dos, e mu i tas mu ni ções.

Nem ou tro re sul ta do de via pro du zir essa en car ni ça da esan gui no len ta ação.

De lado a lado, se pe le ja ra com he ro ís mo e bra vu ra. O de mô -nio da vin gan ça ins pi ra va toda aque la mul ti dão, com pos ta de sol da dosda le ga li da de e de fa ná ti cos do Con se lhe i ro. O fumo dos ca nhões e dases pin gar das as cen dia sem pre de mis tu ra com as im pre ca ções, e os ur ras, que par ti am ora de um, ora de ou tro dos dous cam pos opos tos, con for mea cada qual de les a de u sa da for tu na sor ria.

A Cam pa nha de Ca nu dos 127

Page 124: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Dis se um do cu men to ofi ci al: a ra i va to ca va o seu auge, e tan to o ini -mi go como os nos sos es que ci am-se da mi se ri cór dia; fu zi la vam-se a dois pas sos de dis tân -cia, ou ma ta vam-se à ba i o ne ta, a ma cha do, à faca, por to das as for mas, en quan to queas ca sas con quis ta das, ver da de i ros re du tos, eram de vas ta das pelo in cên dio.26

Um hor ror, em suma.Enquan to os co ro néis Antô nio Olím pio da Sil ve i ra, Jo a quim

Ma nu el de Me de i ros e João Cé sar Sam pa io, bem como os te nen tes-co ro -néis Fir mi no Lo pes Rego e Emí dio Dan tas Bar re to por ta vam-se comin ve já vel dis tin ção, con quis ta vam tam bém lou ros imar ces cí ve is o 1º Cor pode Po lí cia do Ama zo nas, o 1º e o 2º do Pará, jun ta men te com o va lo ro so5º Cor po de Po lí cia da Ba hia, cuja bra vu ra já com pro va da, tor nou-o dig no dore co nhe ci men to na ci o nal.27

O che fe da ex pe di ção se trans fe ri ra com o ge ne ral Car losEu gê nio para a Fa zen da Ve lha, de onde tes te mu nhou toda a ação, fi can doo ge ne ral Bar bo sa per to do seu quar tel-ge ne ral “na po si ção obri ga da doca nhão do cen tro”.

Qu an to aos in fe li zes fa ná ti cos, o seu elo gio está nas la cô ni caspa la vras com que o ge ne ral Artur Oscar con clu iu a par te que, em 5 deou tu bro, apre sen tou so bre o com ba te de 1º: é para la men tar que o ini mi gofos se tão va len te na de fe sa de ca u sas tão abo mi ná ve is.

Faz pena, de cer to, que tan to va lor e ta ma nha ab ne ga ção sedes pen des sem numa guer ra ci vil, a ma i or ca la mi da de que pode cair so breum povo. E no Bra sil, se é pos sí vel, mais fu nes ta ain da ela é.

País novo, des po vo a do, che io de mil ne ces si da des, pre ci sa depaz in ter na e da con fra ter ni za ção de to dos os seus fi lhos para pros pe rare pro gre dir, de sen vol ven do as for ças na tu ra is, que es tão por ora em re -pou so no seu seio opu len to e fe cun do.

Como quer que fos se, a fa mo sa ci da de la, cuja con quis ta noscus tou tan tas vi das e tan to di nhe i ro, es ta va qua se toda em po der dasfor ças le ga is. Não ha via, po rém, que fiar. Os adep tos do Con se lhe i ronão eram ho mens para es mo re cer, mes mo em fren te da mor te.

128 Aris ti des A. Milton

26 Ordem do dia da re par ti ção do aju dan te-ge ne ral do Exér ci to, de 27 de no vem brode 1897, nº 900.

27 Idem, idem.

Page 125: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Urgia, con se guin te men te, ga ran tir as po si ções ocu pa das, atépor que a no i te vi nha des cen do, e dela po di am se apro ve i tar os fa ná ti cosres tan tes para uma sur ti da às li nhas en tão de sa bri ga das. Assim é que fo -ram le van ta das as trin che i ras ne ces sá ri as, com uma pres te za e so li dezad mi rá ve is. E mais bem ins pi ra da não po de ria ter sido a idéia, con for me os fa tos pos te ri o res se in cum bi ram de mos trar.

Qu an do tudo pa re cia qui e to, por ter a fa di ga em pol ga do oscom ba ten tes, es ca pos ao fu ror da re fre ga, des car gas re pe ti das vi e ram acor -dar o acam pa men to, onde re i na va o si lên cio pró prio das ho ras so le nes.

O es pí ri to dos sol da dos es ta va che io das re cor da ções do lo ro -sas do dia, que ti nha há pou co ex pi ra do. O co ra ção de to dos eles ain dacho ra va a per da de ca ma ra das, tão bra vos quan to in fe li zes, que ali ti -nham su cum bi do em ho lo ca us to ao de ver.

As pro vo ca ções da ja gun ça da ob ti ve ram, não há dú vi da, a res -pos ta que me re ci am, mas con ti nu a ram du ran te toda a no i te com umain sis tên cia pas mo sa. E ca u sa va as som bro a im pa vi dez, o en tu si as mo, are so lu ção da que la gen te, que in ves tia se re na con tra as trin che i ras, ondealiás de pa ra va com o so fri men to e a mor te.

Além de im pe li dos pelo seu va lor in do ma do, a ver da de é –que os ja gun ços as sim pro ce di am le va dos tam bém pelo de ses pe ro, que asi tu a ção lhes in cu tia. Che ga ra, afi nal, o mo men to de com pre en de remque es ta vam com ple ta men te per di dos; e não se ria ca paz de sal vá-los,nem a bra vu ra in que bran tá vel de to dos eles, nem tam pou co os mé ri tos e vir tu des do che fe a quem com tan ta ab ne ga ção ser vi am.

De modo que ten ta vam tudo, mes mo o que se lhes afi gu ra vade te me rá rio, para aca bar a vida glo ri o sa men te. Ven ci dos, como se con -si de ra vam já, pre fe ri am con tu do mor rer des pe da ça dos pela bom ba epela me tra lha a se en tre gar de sar ma dos ao ad ver sá rio, em cuja isen ção ege ne ro si da de não po di am con fi ar. E não po di am, por que as ame a çaseram fre qüen tes e tre men das, ape sar de ser a va len tia, que eles re ve la -vam, pre di ca do sem pre dig no de con si de ra ção e res pe i to.

Por or dem su pe ri or, os sol da dos ti nham ate a do fogo à par teda po vo a ção em que os fa ná ti cos ha vi am se re fu gi a do. O in cên dio, ali -men ta do por ma te ri a is in fla má ve is, ir rom pia a um só tem po em di ver sos pon tos, pa vo ro so, de vas ta dor, vo raz. Por onde quer que os si ti a dos ten -tas sem mo ver-se, uma mu ra lha de cha mas im pe dia-lhes a pas sa gem.

A Cam pa nha de Ca nu dos 129

Page 126: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Mu lhe res e cri an ças, ater ra das e so lu çan tes, ajo e lha vam-se, im plo ran doem vão mi se ri cór dia e pi e da de. E os ho mens, alu ci na dos, pror rom pi amnas ma i o res e mais sel va gens im pre ca ções, es que ci dos de si mes mos, dahu ma ni da de in te i ra, de Deus tal vez.

Uma área ex ten sa do ter re no es ta va ilu mi na da pe las co lo ra -ções ru bras do fogo, que es pa da na va. Nem o cla rão das gran des que i ma -das, com que se pre pa ra o solo para a cul tu ra, no in te ri or do país, eracom pa rá vel a esse es pe tá cu lo me do nho.

Aqui lo tudo era hor ro ro so de ver-se. A que i ma da des trói pas ta -gens e tron cos, con so me os in se tos, mas fer ti li za com seus re sí du os oscam pos em der re dor. Entre tan to, o in cên dio, que la vra va em Ca nu dos,con su mia quar te i rões e quar te i rões de ca sas, car bo ni za va cen te nas deho mens, fa zia de tudo es com bros e des tro ços; in va dia toda aque la zonaaci den ta da de mor ros, aber ta em des fi la de i ros, pon te a da de gro tas e va -la dos, que tan to ti nham va li do à es tra té gia do Con se lhe i ro: e pelo am bi -en te es pa lha va es pes sa e lú gu bre fu ma ra da.

As ruas do po vo a do iam de sa pa re cen do uma a uma, pois, asca sas es ta la vam, ru íam, su ces si va men te, ata ca das pe las la ba re das que sees tor ci am si nis tras.

De quan do em quan do, o es tron do de uma ex plo são tor na vamais som brio e fu né reo o qua dro des sa enor me des gra ça.

Esca pan do, por fim, às fú ri as do in cên dio ir re pri mí vel, cres -cen te, ine xo rá vel, al gu mas po bres mu lhe res – tra zen do ao colo os fi lhi -nhos es pan ta dos – cor ri am para o acam pa men to na es pe ran ça de se remaco lhi das e pou pa das.

E o in cên dio con ti nu a va im pá vi do! O ven to, que so pra va rijo,ati ra va as fa gu lhas até distâ nci as con si de rá ve is.

Com pe que nos in ter va los, “lá den tro, por en tre as cha mas al -te ro sas de mais uma ha bi ta ção que ar dia, mu lhe res, ho mens e cri an çasde sa pa re ci am em bus ca da mor te, que pre fe ri am re so lu ta men te a essaen tre ga dis cri ci o ná ria, que não lhes ga ran tia o des ti no com que à úl ti mahora so nha ram”.28

Entre ga dis cri ci o ná ria, por que o vie vic tus fora pro nun ci a do peloge ne ral Artur Oscar, quan do o Be a ti nho se lhe apre sen ta ra na qua li da de

130 Aris ti des A. Milton

28 Dan tas Bar re to, Últi ma ex pe di ção a Ca nu dos, pág. 225.

Page 127: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

de par la men tar, pro pon do a ren di ção dos ja gun ços, con tan to que os de i -xas sem com as suas ar mas de caça to mar o ca mi nho que lhes apro vas -sem.

O Be a ti nho vol ta ra para con sul tar os seus cor re li gi o ná ri os, mas to dos es tes re pe li ram so bran ce i ra men te a con di ção que se lhes im pu -nha.

Fin do, pois, o pra zo do ar mis tí cio con ce di do para a res pos tados fa ná ti cos, as hos ti li da des re co me ça ram – de par te a par te – maisobs ti na das tal vez. Ao ter ce i ro dis pa ro das for ças le ga is, os ja gun ços acer -ta ram dar uma des car ga tre men da e fa tal. E des de en tão as ba las cru za -ram-se em to dos os sen ti dos, e a dor e a mor te con ti nu a ram na sua obra de lá gri mas e san gue. A no i te que so bre vi e ra pôs re ma te ao tris te epi só -dio, ge ra do por uma re sis tên cia de que bem pou cos exem plos a His tó ria co nhe ce.

Foi a esse tem po que se re sol veu o ar ra sa men to to tal de Ca -nu dos. Não qui se ram que sub sis tis se o me nor ves tí gio da que le foco deig no rân cia e re bel dia. Aliás, era fá cil con se gui-lo. O in cên dio de vo ra va ores to da ci da de la in fe liz. Por ca u te la, no dia se guin te ain da a fu zi la ria tra -ba lha va, e só ces sou no dia 5, quan do os sol da dos pu de ram pe ne trar nas úl ti mas ru í nas do po vo a do, já re du zi do a um ver da de i ro ar ca bou ço, aum mon tão de cin zas fri as.

E so bre es tas, de pé, como o gê nio do de ses pe ro e da có le ra,qua tro as se clas do Con se lhe i ro que fo ram, como mu i tos ou tros, mor tosali mes mo, sem gló ria e sem ne ces si da de.

Por que, é con ve ni en te re pe tir, há cer to nú me ro de leis, quede vem ser ob ser va das em to das as guer ras; e prin ci pal men te nas lu tas ci -vis, pois que es tas só cons ti tu em um cri me, mas quan do não se con ver -tem numa ver da de i ra apo te o se.

Con se guin te men te, elas não com por tam ri go res ex ces si vos,que em re gra só ser vem para ca var abis mos en tre ir mãos. O com pa tri o -ta não pode ser con fun di do com o ver da de i ro ini mi go, ja ma is! Aque leque se sa cri fi ca por uma pa i xão po lí ti ca, por um prin cí pio, por uma idéia qual quer, está mu i to aci ma de quem toma as ar mas para con quis tar na -ções mais fra cas, ou sa tis fa zer a sua pró pria co bi ça avil tan te e soez.

A Cam pa nha de Ca nu dos 131

Page 128: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“O ato de ma tar ou ofen der o ini mi go, im pos si bi li ta do – pelaren di ção ou pela cap tu ra – de re sis tir”, pon de ra Phil li mo re, no tá vel ma -gis tra do in glês, “é pe ca mi no so, bru tal, e in de fen sá vel. As leis da jus taguer ra ads cre vem o ven ce dor ao de ver de pou par os que de pu se ram asar mas, im pe tram quar tel, ou ja zem fe ri dos e in de fe sos. Matá-los é as -sas si nar. E os que o fa zem de vem mor rer pelo pa tí bu lo, não pelo fu zil.”

O Du que de Ca xi as, en tre nós, deu pro va in con cus sa de tercom pre en di do essa elo qüen tís si ma li ção, quan do – em Mi nas Ge ra is –não ace i tou o con vi te, que lhe ha vi am di ri gi do para as sis tir ao Te-Deumman da do can tar em ação de gra ças pelo ex ter mí nio de uma re vol ta. Oge ne ral, a quem se de via aliás a esplêndi da vi tó ria que ia ser fes te ja da,acen tu ou – que o mo men to era de orar pe los mor tos, e não de “exul tarpe los re sul ta dos de uma luta, que de via co brir de dó to dos os co ra çõesbra si le i ros”.

Idên ti co pro ce di men to ti nha tido L. Ho che, na Fran ça. Ele se em pe nha va pa tri o ti ca men te em pou par a efu são do san gue, só ata can doos re vol to sos, de po is que se per su a dia de não po der ligá-los à re pú bli ca.“Ele se con ven ceu”, como Lar rou sse sa li en ta, “de que se cum pria serin fle xí vel para com os agi ta do res re a lis tas, os qua is ex plo ra vam em pro -ve i to de sua sede de do mí nio a cre du li da de do povo, era pre ci so ao mes -mo tem po se mos trar che io de mo de ra ção e de bon da de para com asmas sas evi den te men te ce gas, ar ras ta das con tra o Go ver no que aca ba vade li ber tá-las.”

“Foi, gra ças a essa ati tu de”, acres cen ta Gam bet ta, “que sepôde ver quan to ha via de sen si bi li da de es qui si ta de ter nu ra de mo crá ti cade ver da de i ras en tra nhas ple béi as na que le so ber bo he rói.”

É que L. Hoche, ao ine xo rá vel ri gor até en tão em pre ga do,subs ti tu íra a mo de ra ção e a do çu ra; cer to de que para ter mi nar a guer rafra tri ci da, pre fe rí vel é sem pre re cor rer à mag na ni mi da de do que à for çae à vin gan ça.

Em Ca nu dos, po rém, se guiu-se ou tra ori en ta ção. Bas ta ria sus -ten tar o as sé dio por al guns dias mais e os ja gun ços te ri am se ren di do pelasede e pela fome. Escu sa va aque la gran de mor tan da de, com que o paísnada lu crou, mas an tes per deu na ame ni da de de seus cos tu mes, nos cré -di tos de seu pro gres so, na im por tân cia de sua ci vi li za ção.

132 Aris ti des A. Milton

Page 129: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Não se te ri am, com cer te za, tes te mu nha do as ce nas cons ter -na do ras que ali se de sen ro la ram. Esse mon tão de ca dá ve res car bo ni za -dos, essa quan ti da de de mu lhe res que mor re ram tru ci da das, essa por çãode cri an ças, que fo ram imo la das em ódio a seus pais; todo esse con jun to de cru el da des, pra ti ca das por bra si le i ros con tra bra si le i ros, des toa dossen ti men tos cris tãos, que fo ram sem pre o apa ná gio da nos sa raça.

Mas, o ex ter mí nio ab so lu to do con ten dor su plan ta do ti nha de ser acon clu são des sa luta la men tá vel.29

Nada, en tre tan to, jus ti fi ca se me lhan te mira.A ver da de é – que a vi tó ria ha via, afi nal, co ro a do as ar mas da

re pú bli ca; to cas sem, por tan to, as cor ne tas al vo ra das, rom pes sem as ban -das de mú si ca no hino na ci o nal, er gues sem ofi ci a is e sol da dos os vivasmais es tre pi to sos; mu i to jus to. Mas, na hora do tri un fo, era um cri me oex ces so de zelo, que se ma ni fes ta va em per se guir ou eli mi nar o com pa -tri o ta ven ci do. E quan to cam peão fa mo so e quan to he rói apro ve i tá velas sim se inu ti li zou para sem pre!

O mi nis tro da Gu er ra es ta va, en tão, em Mon te San to. Daí foique ele pas sou ao pre si den te da Re pú bli ca o te le gra ma que se se gue:

“6 de ou tu bro de 1897 – Te nho o pra zer de co mu ni car a v. ex.que ago ra, 7 ½ ho ras da ma nhã, aca bo de re ce ber ofí cio do ge ne ralArtur Oscar par ti ci pan do-me – que on tem às 4 ho ras da tar de, a ci da de -la de Ca nu dos caiu de fi ni ti va men te em nos so po der, e que os por me no -res vi rão de po is. Nes te mo men to des pa cho um pró prio, exi gin do que omes mo ge ne ral me de cla re o que é fe i to de Antô nio Con se lhe i ro. Cor di a is sa u da ções – M. Bi ten court, mi nis tro da Gu er ra.” E no dia se guin te eletrans mi tiu este ou tro des pa cho:

“Mon te San to, 7 de ou tu bro de 1897 – Urgen tís si mo – Sr. pre si -den te da Re pú bli ca – Pa ra béns a v. ex. e à re pú bli ca. Re ce bi ago ra ofí ciodo ge ne ral A. Oscar par ti ci pan do – que on tem foi re co nhe ci da a iden ti -da de da pes soa de Antô nio Con se lhe i ro, no ca dá ver en con tra do no san -tuá rio, o qual de mons tra ter Con se lhe i ro fa le ci do há 15 dias. De tudo sela vra rá um auto em Ca nu dos, sen do o ca dá ver fo to gra fa do. Cor di a issa u da ções. – M. Bi ten court.”

O hon ra do pre si den te da Re pú bli ca res pon deu as sim:

A Cam pa nha de Ca nu dos 133

29 Dan tas Bar re to, Últi ma ex pe di ção a Ca nu dos, pág. 232.

Page 130: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Rio de Ja ne i ro, 7 de ou tu bro de 1897 – Mi nis tro da Gu er ra.Mon te San to – A no tí cia da to ma da de Ca nu dos e da con fir ma ção damor te de Antô nio Con se lhe i ro foi re ce bi da com ge ra is apla u sos peloGo ver no e po pu la ção que, em suas ma ni fes ta ções de re go zi jo, acla macom ex pan si va ale gria o exér ci to na ci o nal. Peço a v. ex. que trans mi ta ao ge ne ral Artur Oscar e às for ças do seu co man do mi nhas cor di a is con -gra tu la ções pela ter mi na ção des sa cam pa nha ex cep ci o nal, de modo tãohon ro so para a Re pú bli ca quan to glo ri o so para o exér ci to na ci o nal, que,atra vés de tan tos sa cri fí ci os, aca ba de es cre ver mais uma pá gi na bri lhan -te para a nos sa His tó ria. Pa ra béns a V. Ex. a quem sa ú do cor di al men te.– Pru den te de Mo ra is.”

No dia 6, en tre tan to, se ti nha dado co me ço ao ar ra sa men to dapo vo a ção. Pu se ram, ain da, fogo ao res to que dela exis tia. A pre o cu pa çãodos ge ne ra is era não de i xar uma pa re de em meio, uma viga se quer in tac ta.Qu i se ram que ali se plan tas sem a so li dão e a mor te!

Cum pria, con tu do, ve ri fi car o des ti no do Antô nio Con se lhe i -ro. Dos seus mais des te mi dos pre pos tos ti nham mor ri do João Aba de,Jo a quim Ma cam bi ra, e Pa jeú; Vi la no va – em tem po – ha via fu gi do.

De po is de al gu mas es ca va ções no quar to do san tuá rio, que erao lu gar ul ti ma men te ha bi ta do pelo Con se lhe i ro, des co bri ram-lhe a se -pul tu ra, de onde foi re ti ra do o seu ca dá ver, a fim de lhe re co nhe cer aiden ti da de. Este tra ba lho foi pre sen ci a do pe los ge ne ra is Artur Oscar,Bar bo sa e Car los Eu gê nio bem como pe los drs. Ma jo res José de Mi ran -da Cu rio e A. Mou rão. De pu se ram, como tes te mu nhas, al guns ja gun ços .Con clu í do o auto, re la ti vo a essa di li gên cia, o cor po do Con se lhe i ro foide novo en cer ra do na cova.

Na opi nião dos dois mé di cos in di ca dos, a mor te do cé re brofa ná ti co ti nha ocor ri do há 12 dias, mais ou me nos, pas sa dos.

Então, hou ve quem se lem bras se de fa zer con tar quer as ca sas do ar ra i al, em bo ra já des tru í das, quer os ca dá ve res dos ja gun ços com ba -ten tes, que es ta vam ain da in se pul tos. Das pri me i ras acha ram-se – 5.200,dos úl ti mos – 647.

A pro cla ma ção, que foi pu bli ca da com a Ordem do Dia nº 145, vai aba i xo co pi a da:

134 Aris ti des A. Milton

Page 131: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Qu ar tel-ge ne ral do co man do-em-che fe, acam pa men to de Ca nu dos, 6 deou tu bro de 1897 – Viva a re pú bli ca dos Esta dos Uni dos do Bra sil! Estáter mi na da a cam pa nha de Ca nu dos. Des de on tem que os ba ta lhões dasfor ças ex pe di ci o ná ri as pas se i am suas ban de i ras so bre as ru í nas da ci da -de la, com a cons ciên cia de bem ha ve rem cum pri do o seu de ver.

“Du ran te 103 dias, des de o Ara ca ti, vos con ser vas tes em ri go -ro sa li nha de fogo, ba ten do-vos em Co co ro bó, Tra bu bu, Ma cam bi ra,Angi co, Umbu ra nas, Fa ve la e Ca nu dos, onde re pe lis tes três as sal tos, sus -ten tas tes oito com ba tes, e vos ba tes tes nos pos tos avan ça dos, dia por dia,hora por hora, sem nun ca ser des ren di dos des ses mes mos pos tos, semmos trar des fra que za nem can sa ço, fu zi lan do e sen do fu zi la dos, a 25 me -tros do ini mi go, à meia ra ção, sem mu dar des rou pa, va len tes sol da dos!

“Tive or gu lho de co man dar-vos. A re pú bli ca vos en che debên çãos. Nun ca viu-se uma cam pa nha como esta, em que am bas as par -tes sus ten ta vam fe roz men te suas as pi ra ções opos tas. Ven ci dos os ini mi -gos, vós lhes or de ná ve is – que le van tas sem um viva à re pú bli ca, e eles ole van ta vam à mo nar quia; e, em ato con tí nuo, ati ra vam-se às fo gue i rasque in cen di a vam a ci da de, con ven ci dos de que ti nham cum pri do os seusde ve res de fiéis de fen so res da mo nar quia. E que am bos, vós e eles, sois bra si le i rosam bos ex tre ma dos nas idéi as po lí ti cas.

“Va len tes ofi ci a is e sol da dos! A pá tria está tran qüi la sob aguar da de vós ou tros, que sois a sen ti ne la avan ça da da re pú bli ca.

“Viva a re pú bli ca dos Esta dos Uni dos do Bra sil! Vi vam asfor ças ex pe di ci o ná ri as no in te ri or des te Esta do! – Artur Oscar de Andra de Gu i ma rães, ge ne ral-de-bri ga da, co man dan te-em-che fe.”

De i xan do de par te al gu mas con si de ra ções, que esse do cu men tosu ge re, não me pos so fur tar, to da via, ao de ver de co te já-lo, numpon to, com ou tro do cu men to, cuja im por tân cia não po de rá ser con -tes ta da.

Res pon den do ao brin de, que lhe fora er gui do no ban que teofe re ci do pelo go ver na dor da Ba hia, em 25 de ou tu bro, o ge ne ral ArturOscar, de po is de acen tu ar – que sem pre fi ze ra jus ti ça à Ba hia, a quem vota ad -mi ra ção e re co nhe ci men to, de cla rou for mal men te:

“– Estar con ven ci do de que Antô nio Con se lhe i ro era mo nar -quis ta por fa na tis mo, pela re li gião, pois acre di ta va que a re pú bli ca, en tre

Cam pa nha de Ca nu dos 135

Page 132: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ou tras re for mas, nos ti nha dado o ca sa men to ci vil que era con de na dopor aque la. O seu mo nar quis mo, por tan to, era me ra men te re li gi o so, sem ade rên ci asà po lí ti ca ... Antô nio Con se lhe i ro era mo nar quis ta de motu pro prio, me noscomo um meio de fa zer mal à re pú bli ca do que com in tu i to de sus ten tar a re li gião.”

E o ge ne ral, por essa oca sião, dis se mais: que nun ca des co nhe -ce ra a ge ne ro si da de do povo ba i a no, atri bu to do povo ame ri ca no, e o va -lor do sol da do ba i a no; que mais uma vez o ti nha ve ri fi ca do. “Foi poristo”, con ti nu ou ele, “que no pe río do da luta, pro cu ra ra dar as po si ções maisar ris ca das, como meio de des fa zer umas tan tas pre ven ções, aos ba ta lhões ba i a nos 9º e16º de In fan ta ria, ofe re cen do-lhes o en se jo de con quis ta rem a áu rea do va -lor de seus fe i tos an te ri o res. Ain da mais, apro ve i ta ra o 5º Cor po de Po lí cia doEsta do para to das as co mis sões di fí ce is e ar ris ca das, e das qua is sou be ele se de -sem pe nhar, tor nan do-se cre dor de seus elo gi os e de suas dis tin ções.”

E já que falo em brin de, não de i xa rei de re cor dar esse ou tro,em que o go ver na dor be beu para mu i to al ti va men te de cla rar – que a Ba hiaera re pu bli ca na, por que que ria ser. Dig na res pos ta cum pre con fes sá-lo, aosca lu ni a do res do le gen dá rio Esta do, que nun ca pre ci sou ins pi rar-se se não no pa tri o tis mo de seus fi lhos, e tem por tim bre des pre zar a in ve ja e aper fí dia.

Cer to é que Ca nu dos es ta va con quis ta do. O mi nis tro da Gu er raco mu ni ca ra a al vis sa re i ra nova ao go ver na dor da Ba hia; e des de en tão,quer na ca pi tal, quer nas ou tras lo ca li da des do Esta do, não ti ve ram con taas ma ni fes ta ções do re go zi jo pú bli co, cada qual mais sig ni fi ca ti va, cadaqual mais es tron do sa. Nos ou tros Esta dos da re pú bli ca, me nor não foi a sa tis fa ção sen ti da; na Ca pi tal Fe de ral, as de mons tra ções ti ve ram cu nhover da de i ra men te po pu lar.

O Dr. Pru den te de Mo ra is re ce beu do país e do es tran ge i ro as mais vi vas e sin ce ras fe li ci ta ções.

A par te ofi ci al do me mo rá vel fe i to é a que se vai ler:“Co man do-em-che fe das for ças em ope ra ções no in te ri or do Esta do da

Ba hia e do 3º Dis tri to Mi li tar, 5 de ou tu bro de 1897.“Ao ci da dão ma re chal Car los Ma cha do Bi ten court, dig no mi -

nis tro da Gu er ra.

136 Aris ti des A. Milton

Page 133: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“PARTE – A ne ces si da de de evi tar que o ini mi go con ti nu as se,ain da que com di fi cul da de, a uti li zar-se do rio Vaza-Bar ris, úni co re cur so d’água de que dis pu nha, a con ve niên cia de cor tar a ação mor tí fe ra desua fu zi la ria, par ti da das igre jas ve lha e nova, onde en trin che i rara-se eca u sa va-nos con si de rá ve is ba i xas, e, ain da mais, para re du zir o pe rí me tro do sí tio a que es ta va su je i to, le vou-me a de ter mi nar um novo ata que àci da de la de Ca nu dos.

“Às 6 ho ras da ma nhã, con for me es ta va or de na do, a ar ti lha ria rom peu vi vís si mo fogo ao re du to ini mi go, ces san do meia hora de po is,ao to que do co man do-em-che fe, “in fan ta ria avan çar”.

“A 6ª bri ga da da 2ª co lu na, com pos ta do 4º Ba ta lhão deInfan ta ria, dis pos to na mar gem di re i ta do rio, do 29º e 39º na trin che i raao sul da ci da de la, de ve ria as sal tar si mul ta ne a men te com a 3ª bri ga da da1ª co lu na, com pos ta do 5º, 7º, 25º e 35º Ba ta lhões, a re ta guar da e flan cosda igre ja nova, car re gan do à ba i o ne ta, a fim de de sa lo jar o ini mi gofor te men te en trin che i ra do.

“Dado o as sal to, o ini mi go in ter nou-se nas ca sas do cen tro, as úni cas que ocu pa va, sen do di fí cil aos sol da dos car re gar à ba i o ne ta,pela la ta da aden tro, di an te dos em ba ra ços que ofe re ci am as ca sas agru -pa das e as cer cas exis ten tes, fi can do ape nas li vres três en tra das, onde osnos sos ca ma ra das nas in ves ti das eram re ce bi dos a des car ga e a nu tri dofogo.

“Assim pro te gi do, o ini mi go fi cara de pos se de al gu mas trin -che i ras que não foi pos sí vel to mar no mo men to, em bo ra as for ças as sal -tan tes re ce bes sem o au xí lio das 1ª e 5ª Bri ga das.

“O ini mi go cons tru iu den tro das ca sas uns fos sos que fi ca -vam aba i xo do solo, jun to das pa re des que se te i ra vam, e daí fa zi am umfogo mor tal men te cer te i ro; en tre tan to, fi ca vam a sal vo de nos sos fo gos.De ma is, uni das as ca sas umas às ou tras e co mu ni can do-se por sub ter râ -ne os, to ma da uma de las es co a va-se para ou tra, de onde al gu mas ve zes já ha via sido de sa lo ja do.

“Con quan to ca ís sem ví ti mas do de ver mi li tar e pa trió ti cosmu i tos dos nos sos bons com pa nhe i ros, re a li zou-se o que eu al me ja va, eque era to mar ao ini mi go a agua da de que dis pu nha, para re du zi-lo à sede,as igre jas, e inú me ras ca sas e fo jos, onde se abri ga va e fu gia à fu zi la ria de nos sas li nhas.

A Cam pa nha de Ca nu dos 137

Page 134: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Às 7 ½ da ma nhã, sen do man da do to car 5º Cor po de Po lí cia da Ba hia, avan çar, este to mou a po si ção, que lhe foi in di ca da à re ta guar da da igre ja nova, e re for ça do de po is com o 1º do Esta do do Pará, fir ma ramesta po si ção, ten do sido às 11 ho ras co lo ca da a ban de i ra da re pú bli ca nasru í nas da men ci o na da igre ja, to can do as ban das de mú si ca o hino na ci o -nal, se gui das pela mar cha de con ti nên cia das cor ne tas, tam bo res e cla -rins, e sa u da da pelo es tam pi do dos ca nhões e gri tos de en tu si as mo queacom pa nha ram as car gas a ba i o ne ta, e de ca lo ro sos vi vas à re pú bli ca.

“Eis re su mi da men te o que foi o as sal to efe tu a do a 1 do cor -ren te à ci da de la de Ca nu dos, e que trou xe ao ini mi go o seu com ple toani qui la men to. Des de en tão, a fome e a sede ha vi am de re du zi-lo a ren -der-se ou mor rer.

“É im pos sí vel des cre ver a in ten si da de dos fo gos ini mi gos e ocru za men to de ba las que so fri am as nos sas for ças, que os iam de sa lo -jan do, ora a bala, ora com bri lhan tes car gas à ba i o ne ta.

“Como sem pre, nes ta cam pa nha os nos sos bra vos sol da dosfo ram su bli mes de va lor e en tu si as mo. Avan ça va uma for ça nu me ro sa e,em pe que no es pa ço de tem po, di mi nu ía de me ta de, mas não re cu a va.Tam bém, como era na tu ral, a ra i va to ca va o seu auge, e tan to o ini mi gocomo os nos sos es que ci am-se da mi se ri cór dia.

“Fu zi la vam-se a dous pas sos de dis tân cia ou ma ta vam-se à ba i o -ne ta, a ma cha do, a faca, por to das as for mas, en quan to que as ca sas con -quis ta das, ver da de i ros re du tos, eram de vas ta das pelo in cên dio.

“Ao meio-dia, de fi ni das as nos sas con quis tas, aí co lo ca ram-se asnos sas for ças, en trin che i ran do-se. Esta va ter mi na do o com ba te, res tan doao ini mi go pou cas ca sas e fo jos.

“Os ge ne ra is João da Sil va Bar bo sa, co man dan te da 1ª Co lu na,e Car los Eu gê nio de Andra de Gu i ma rães, co man dan te da 2ª Co lu na,co lo ca dos, este na ba te ria Sete de Se tem bro, e aque le na 4ª ba te ria, aten -di am às pe ri pé ci as da luta, pro vi den ci an do acer ta da men te. E, ape sar dos la ços de pa ren tes co que me pren dem ao ge ne ral Car los Eu gê nio, devode cla rar que tan to este, como o ge ne ral João da Sil va Bar bo sa, por ta ram-se com va lor e tino.

“Os co ro néis Antô nio Olím pio da Sil ve i ra, co man dan te dabri ga da de ar ti lha ria, Jo a quim Ma nu el de Me de i ros, João Cé sar Sam pa io,

138 Aris ti des A. Milton

Page 135: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

e te nen tes-co ro néis Fir mi no Lo pes Rego e Emí dio Dan tas Bar re to, co -man dan tes das 1ª, 6ª, 4ª e 3ª Bri ga das de In fan ta ria, por ta ram-se combra vu ra, sa li en tan do-se en tre ele o des te mi do co ro nel João Cé sar Sam -pa io, que re ve lou al tas qua li da des de ex ce len te tá ti co, ope ran do na po si -ção mais ar ris ca da em que o ini mi go es ta va mais pertinaz.

“Os Ba ta lhões 4º, 5º, 7º, 25º, 29º, 35º, e 39º por ta ram-se combra vu ra e re co men do os no mes dos ofi ci a is a eles per ten cen tes, que sedis tin gui ram, men ci o na dos nas par tes de com ba te das co lu nas e res pec -ti vas bri ga das.

“A bri ga da po li ci al, co man da da pelo co ro nel José So te ro deMe ne ses, com pos ta dos 1º e 2º Cor pos do Pará e 1º do Ama zo nas, tor -nou-se dig na dos ma i o res en cô mi os pela sua bra vu ra e cons tan te de di -ca ção; não es que cen do de men ci o nar o va lo roso 5º Cor po de Po lí cia daBa hia, cuja bra vu ra, já com pro va da, tor nou-se dig na do re co nhe ci men to na ci o nal.

“Sin to o de ver de ins cre ver na pre sen ta par te, den tre aque lesque he ro i ca men te pa ga ram com a sua vida esse im pos to glo ri o so que anos sa pá tria exi ge, nas ho ras de sa cri fí cio, os no mes dos bra vos te nen te-co -ro nel Antô nio Tupi Fer re i ra Cal das, co man dan te da 5º Bri ga da, cujaes pa da va lia uma ga ran tia para a re pú bli ca, e ma jo res José Mo re i ra deQu e i rós e Hen ri que Se ve ri a no da Sil va, e ca pi tão Antô nio Ma nu el deAgui ar e Sil va, as sis ten te do co man do da 2ª Co lu na, que tom ba ram nocam po de hon ra, fir man do as sim na que le exem plo de va lor, que o Exér -ci to na ci o nal tem ab ne ga dos que sa bem mor rer no seu pos to.

“Todo o meu es ta do-ma i or cum priu mu i to bem o seu de ver,ten do uni ca men te de uti li zar-me dos ser vi ços do ca pi tão Abí lio Au gus to de No ro nha e Sil va meu as sis ten te do aju dan te-ge ne ral, 1º-te nen te Se -bas tião La cer da de Alme i da, e te nen te José Antônio Dou ra do, aju dan -te-de-cam po. San gui no len to foi esse com ba te, mas tam bém foi um novo pa drão de gló ri as para o Exér ci to bra si le i ro, foi mais um sa cri fí cio fe i tope los nos sos bra vos por amor à re pú bli ca, que tan to es tre me ce mos epela qual nos jul ga mos hon ra dos, ser vin do-a com as ar mas na mão.

“Con ta mos in fe liz men te 467 ba i xas en tre mor tos e fe ri dos,como cons ta das re la ções jun tas, mas o ini mi go per deu o du plo, além de mu lhe res e cri an ças em núme ro de 900, per deu po si ção, re cur sos, 600ar mas, 4 ca nhões Krupp des mon ta dos, ca i xas de guer ra, cor ne tas, mu ni -

A Cam pa nha de Ca nu dos 139

Page 136: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

ções e 90 pri si o ne i ros gra ve men te fe ri dos. É para la men tar que o ini mi -go fos se tão va len te na de fe sa de ca u sas tão abo mi ná ve is. Viva a repú bli -ca dos Esta dos Uni dos de Bra sil! Vivam as for ças ex pe di ci o ná ri as no in -te ri or do Esta do da Ba hia! – Artur Oscar de Andra de Gu i ma rães, ge ne -ral-de-bri ga da.”

Esta par te foi in se ri da na or dem do dia da re par ti ção do aju -dan te-ge ne ral, nº 900, de 27 de no vem bro de 1897.

Já em ou tra or dem do dia, nº 892, de 3 do ci ta do mês, o aju -dan te-ge ne ral ti nha pu bli ca do o avi so do Mi nis té rio da Gu er ra, de 29 de ou tu bro, con ce bi do nos ter mos que se se guem:

“A vi tó ria com ple ta das for ças le ga is pôs ter mo à cam pa nhacru el e mor tí fe ra, que du ran te lon gos me ses sus ten ta mos no in te ri or da Ba hia con tra as tro pas de fa ná ti cos, con cen tra dos e for ti fi ca dos em Ca -nu dos, onde, ape sar de ofe re ce rem a mais te naz e ines pe ra da re sis tên cia, fo ram com ple ta men te der ro ta dos no dia 5 des te mês, gra ças ao va lor,fir me za e de di ca ção pa trió ti ca de que mais uma vez deu pro vas o Exér -ci to bra si le i ro.

“As for ças que se em pe nha ram nes sa cam pa nha tão es pi nho -sa, sou be ram honrar as glori o sas tra di ções do nos so exér ci to man ten -do-se no pos to de sa cri fí ci os, que lhes in di cou o de ver mi li tar; e aí, lu -tan do com de no do e abne ga do pa ri o tis mo, su pe ran do enor mes di fi cul -da des de toda or dem, e su por tan do to dos os so fri men tos, en tre os qua is a per da de ofi ci a is dos mais dis tin tos, con quis ta ram com ple ta vi tó riacon tra os ob ce ca dos ini mi gos da paz públi ca.

“Os ser vi ços ex cep ci o na is, pres ta dos pe las for ças ex pe di ci o -ná ri as na Ba hia, fi ze ram-nas cre do ras da gra ti dão im pe re cí vel e da ad mi -ra ção da nação, que as tem ma ni fes ta do em to dos os pon tos do país. OExmo. Sr. Pre si den te da Repú bli ca que, em car ta, ma ni fes tou-me oscon ce i tos ex pen di dos, in ter pre tan do os sen ti men tos dos bra si le i ros eenun ci an do os seus pessoais, de ter mi na que, em re co nhe ci men to des sesno tá ve is ser vi ços, se jam lou va dos no mi na lmen te os ge ne ra is-de-bri ga daArtur Oscar de Andra de Gu i ma rães, co man dan te-em-che fe, João da Sil -va Bar bo sa, Cláu dio do Ama ral Sa va get e Car los Eugê nio de Andra deGu i ma rães e, em ge ral, to dos os co man dan tes de briga da e cor pos, to -dos os ofi ci a is su pe ri o res, su bal ter nos, in fe ri o res e pra ças quer do Exér -ci to, quer da Polí cia dos Esta dos do Ama zo nas, Pará, Ba hia e S. Pa u lo,

140 Aris ti des A. Milton

Page 137: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

que fi ze ram par te da que las for ças, pela de di ca ção, zelo e pe rí cia comque cum pri ram sua ele va da missão com glóri as para si e hon ra para a re -pú bli ca. Em cum pri men to, pois, des sa de ter mi na ção, de ve is man dar lou -var em nome de Exm. Sr. Pre si den te da Repú bli ca, os mes mos ge nera is,ofi ci a is e pra ças, o que farei tam bém em meu nome.”

Se em to dos os Es ta dos da repú bli ca foi re ce bi da comalacridade a notí cia da ter mi na ção da cam pa nha de Ca nu dos, no Esta doda Ba hia, como era de pre ver, o con ten ta men to po pu lar ex ce deu to dasas ra i as. As de mons tra ções ofi ci a is, que a res pe i to ti ve ram lugar, trans pi -ra ram também o mais sin ce ro jú bi lo e se re ves ti ram da má xi ma so le ni -da de.

O país in te i ro, li vre do pe sa de lo que tan to o ti nha afa di ga do,po dia en fim res pi rar a pul mões che i os. Dis si para-se a nuvem que to lda ra o ho ri zon te da pá tria bra si le i ra, es tan ca ra-se a fon te de bo a tos in sen sa -tos, eli mi na ra-se a ca u sa de gran des tri bu la ções e an se i os.

Por to das as for mas, o povo se mos trou en tu si as ma do e sa tis -fe i to. Per cor reu as ruas em pa ve sa das, acla man do o go ver no, o exér ci to e seus ge ne ra is, dan do-se pa ra béns pelo res ta be le ci men to da con cór dia eda paz.

O pre si den te da repú bli ca, o Con gres so na ci o nal, os go ver na -do res dos Es ta dos, to das as au to ri da des, en fim, fi ze ram sa li en tar o seucon ten ta men to.

O comér cio, as ar tes, as di ver sas clas ses so ci a is, com par ti lha -ram do pra zer, que prin ci pal men te os re pu bli ca nos sen ti ram.

Ban que tes, es pe tá cu los de gala, festins de toda ordem, querpú blicos, quer par ti cu la res, ates ta ram – que a fi bra na ci o nal ha via seretemperado ao ca lor do novo tri un fo, ob ti do pela au to ri da de e pela lei.

E por que as gló ri as de uma na ção ci vi li za da nun ca se po demse pa rar do res pe i to de vi do às víti mas, que caem cum prin do seu de ver,nem da sa u da de que des per tam sem pre dos com pa tri o tas imo la dos aum ide al, em bo ra fal so, os mor tos de Ca nu dos tam bém ti ve ram suacon sa gra ção es pe ci al.

A 28 de ou tu bro, ce le bra ram-se, na ca te dral do ar ce bis pa doda Ba hia, pom po sas exé qui as, em su frá gio das al mas de to dos que ha vi am

A Cam pa nha de Ca nu dos 141

Page 138: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

se fi na do, no cen tro do Es ta do, pe le jan do nes sa cam pa nha, que me lhornun ca ti ves se tido en se jo de se tra var.

Des tru í do in te i ra men te o po vo a do de Ca nu dos pelo ma cha do e pelo fogo, os ba ta lhões co me ça ram a vol tar. Pri me i ra men te os da po lí -cia do Ama zo nas, Pará, Ba hia e S. Pa u lo, que se re ti ra ram logo após ader ro ta dos ja gun ços . De po is, no dia 12, re gres sa ram tam bém os Ba ta -lhões 7º e 14º de Infan ta ria do Exér ci to. No dia 14 par ti ram mais três:os de nos 25º, 27º e 30º. Do dia 15 por di an te, to dos os ou tros vi e ramtor nan do aos seus quar téis.

Mas, por or dem do ge ne ral-em-che fe, a 6ª Bri ga da per ma -ne ceu em Ca nu dos, até que fo ram re mo vi dos para Mon te San to os fe ri -dos e pri si o ne i ros; e trans por ta das as mu ni ções de boca e de guer ra, ain -da exis ten tes, par te das qua is ti nha sido ar re ca da da na casa do Antô nioVi la no va, e nas de ou tros agen tes do Con se lhe i ro. Das ar mas mo der nasde que os ja gun ços es ta vam pro vi dos, con for me se pro pa la ra, ne nhu mafoi con tu do ar re ca da da.

Qu a se to dos os pri si o ne i ros eram mu lhe res e cri an ças; ne -nhum de les, ain da as sim, ar ti cu la va a me nor que i xa, nem dava aos seusad ver sá ri os o mais li ge i ro in dí cio de te mor ou des fa le ci men to. Esta vamto dos ema gre ci dos e anê mi cos; al guns exi bi am fe ri men tos de ca rá tergra vís si mo. E, se gun do o tes te mu nho de pes soa in sus pe i ta, des de quequal quer de les não po dia mais ca mi nhar ati ra va-se à be i ra da es tra da. Então pe dia que de i xas sem-no ali mor rer tran qüi lo, se não pre fe ris se matá-loime di a ta men te, à faca ou bala, como a ou tros ha vi am já fe i to. Para umacam pa nha de fa na tis mo re li gi o so30 cum pre con fes sar – que o cas ti go, in fli gi -do as sim, aco gu la va a me di da da jus ti ça e da ne ces si da de.

Não obs tan te, a ca pi tal da Ba hia, apre ci an do o acon te ci men to nas suas li nhas ge ra is, e pelo pris ma dos efe i tos be né fi cos que de ve ri am pro du zir, aco lheu fi dal ga men te as for ças ao che ga rem elas de Ca nu dos.Tam bém, com pe que na de mo ra, cada cor po se guiu para o lu gar de suapa ra da. Qu an to à di vi são na val que, des de abril, acha va-se em ope ra ções no Es ta do, a 18 de no vem bro vol ta ram para o por to do Rio de Ja ne i ro o cru za dor Qu in ze de No vem bro, a 24 o Tra ja no e o Andra da, e a 28 a Tim bi ra.

142 Aris ti des A. Milton

30 Dan tas Bar re to, Últi ma ex pe di ção a Ca nu dos.

Page 139: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

Fi ca ram ain da na Ba hia o cru za dor Par na í ba e o pa ta cho Ca ra ve las, porte rem sido des li ga dos da mes ma di vi são.

Nota in te res san te. A mo ci da de que fre qüen ta va a Fa cul da deLi vre de Di re i to da Ba hia des toou o con cer to de ova ções, en to na das aos re cém-vin dos de Ca nu dos; e lan çou ma ni fes to ex pli can do as ra zões porque não to ma va par te nos fes te jos.

Eis o que eles es cre ve ram:“À NAÇÃO – Os sig na tá ri os da pre sen te pu bli ca ção, alu nos

da Fa cul da de de Di re i to da Ba hia, ten do até ago ra es pe ra do em bal deque al gu ma voz se le va ntas se para vin gar o di re i to, a lei e o fu tu ro darepú bli ca, co ncu lca dos e com pro me ti dos no cru el mas sa cre que, comotoda a po pu la ção des ta ca pi tal já sabe, foi exer ci do so bre pri si o ne i ros in -de fe sos e ma ni e ta dos em Ca nu dos, e até um Qu e i ma das; e, jul gan do aomes mo tem po que, nem por ha ver cum pri do um de ver ri go ro so, é líci toao sol da do de uma na ção li vre e ci vi li za da co lo car-se aci ma da lei e dahu ma ni da de, pos ter gan do-as de sas som bra da men te, vêm de cla rar pe ran -te os seus com pa tri o tas – que con si de ram um cri me a jugulação dos mí -se ros ‘con se lhe iris tas’, apri si o na dos, e fran ca men te a re pro vam e con de -nam, como uma aber ra ção mons tru o sa que, se che gas se a pas sar sempro tes to, lan ça ria so bre o nome da pá tria o mes mo la i vo de san gui no -len ta atro ci da de que, re pe li do pela bran du ra cris tã de Me ne lick – o afri -ca no –, as sen ta hoje ver go nho sa men te so bre a em per ra da bar ba ria docres cen te oto ma no.

“Os alu nos sig na tá ri os sa bem que se ria im polí ti co e er ra do opro ce der de uma rep úbli ca que, imi tan do a an ti ga Ate nas, per se guis se os seus guer re i ros de vol ta das ba ta lhas ar ris ca das; mas, com pre en demtam bém, por ou tro lado, a gra ve ne ces si da de de que uma ge ral re pro va -ção caia como um raio de jus ti ça in fle xí vel, so bre aque le mor ti cí nio pra -ti ca do tal vez na ins ciên cia das leis sa gra das, que pro te gem na cul ta repú -bli ca bra si le i ra a vida sem pre res pe i tá vel de um pre so ma ni e ta do e semde fe sa.

“O Bra sil re pu bli ca no só há de pros pe rar, quan do es ti ve remcon so li da dos cer tos há bi tos, cer tas prá ti cas in dis pen sá ve is ao seu de sen -vol vi men to nor mal; a his tó ria da re pú bli ca atra ves sa o pe río do da con -so li da ção dos cos tu mes. Urge que, em vez de de i xá-las como um pre ce -den te fu nes tís si mo, pro fli gue mos to das as in jus ti ças, to das as ile ga li da -

A Cam pa nha de Ca nu dos 143

Page 140: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

des, com a se re na so bran ce ria de quem se sen te apo i a do pela ra zão epelo di re i to. Urge que es tig ma ti ze mos as iní quas de go la ções de Ca nu dos para que to dos se con ven çam, para que fi que in des tru ti vel men te as sen -ta do que a re pú bli ca, como qual quer go ver no ci vi li za do do sé cu lo XIX,re pe le com a mes ma in dig na ção e o mes mo hor ror a sé rie in te i ra dasobla ções san gui ná ri as, des de o ho lo ca us to des na tu ra do de Bru to, até aogui lho ti na men to em mas sa dos fe ro zes re pu bli ca nos de 1789.

“Nos tem pos de Ca ra ca la, a pri o ri da de des sas re i vin di ca çõesque o di re i to não des de nha, mes mo quan do in ten ta das em prol da ca u sa de mi se rá ve is mor tos, era re cla ma da como um hon ra pe los Pa pi ni a nosin cor rup tí ve is. Hoje, que os bra si le i ros se van glo ri am de pos su ir cul tu raigual à dos mais adi an ta dos po vos pro gres sis tas, se ria uma ver go nha sin -to má ti ca de ma i o res avil ta men tos para o fu tu ro, se a cons ciên cia na ci o -nal, aco var da da, emu de ces se di an te dos res pon sá ve is pe los tru ci da men -tos de Ca nu dos e Qu e i ma das. Com ba ten do na que las pa ra ge nas pelo res -ta be le ci men to da so be ra na au to ri da de das leis, nin guém ti nha lá o di re i tode des pre zá-la, ere gin do-se fora da luta em su pre mo ár bi tro da vida e da mor te, quan do a pró pria ma jes ta de da re pú bli ca não re cu sa ao maismi se rá vel e tor pe dos seus pri si o ne i ros o sa cra tís si mo e ini lu dí vel di re i to de de fe sa.

“Aque las mor tes pela ju gu la ção fo ram, pois, uma de su ma ni -da de so bre pos ta a fla gran te vi o la ção da jus ti ça.

“Já não há Ca ra ca las e, se os hou ve ra, os alu nos sig na tá ri os,que bran do em bo ra a es tron do sa har mo nia dos hi nos tri un fa is e o con -cer to atro a dor das de i fi ca ções mi ra cu lo sas, cumpri ri am, ape sar de les, oseu de ver, pro cla man do as pa la vras de jus ti ça e de ver da de que ali fi came que, porven tu ra, con cor re rão para im pe dir no fu tu ro a tris te re no va -ção de se me lhan tes atro ci da des.

“Fa cul da de de Di re i to da Ba hia, em 3 de no vem bro 1897. –Me tó dio Co e lho. – Abí lio de Car va lho. – Vi tal So a res. – Pe dro Li ci nho. – JoãoMo re i ra de Cas tro. – Elpí dio M. Ca na bra va. – Antô nio No gue i ra. – Jo a quimCân di do da Sil va Leão. – Po lí bio Men des da Sil va. – Artur Fer nan des de Oli ve i -ra. – Aris ton Mar ti ne le. – Má rio Ri be i ro da Sil va. – Hel vé cio Ri be i ro de Ara ú jo.– Raul Alves de Sou sa. – Ad. San tos Sou sa. – José M. Le i tão Fi lho. – Jo a quimC. Co e lho Bran dão. – Ma nu el Fer re i ra Cos ta. – Age nor Mar ti ne le. – Edu ar doTe i xe i ra. – Leôn cio Car do so de Sou sa – He rá cli to Car ne i ro Ri be i ro. – Le o cá dio

144 Aris ti des A. Milton

Page 141: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

P. Alves de Se i xas Fi lho. – Antô nio Go mes Ra ma gem. – Lú cio Bor ges Vi e i raFal cão. – Luís Go mes de Oli ve i ra. – Fran cis co Bor ges de Andra de. – Cel so Spí no -la. – Ber nar di no Ma du re i ra de Pi nho. – Pe dro de Albu quer que Gu a bi ra ba. –Raul Pas so. – Au gus to Pe dre i ra Maia. – Amé ri co da Sil ve i ra Nu nes. – Antô nioHen ri ques de Ca sa is. – Afon so G. C. Ma ci el Fi lho. – Qu in ti no Fon tes Fer re i ra. – João Mar tins da Sil va Te les. – Antô nio Gen til Tou ri nho. – João Ma ria L. Ta va res Jú ni or. – Adri a no Gu i ma rães. – Artur Dis nard Ma ri a ni Fi lho. – Pom pí lio Bor ges.”

É de toda jus ti ça aqui no tar – que en tre as pro vas de des ve loe ca ri nho tri bu ta dos aos fe ri dos, en vi a dos para os hos pi ta is da ca pi tal da Ba hia, me re cem men ção par ti cu lar os so cor ros dis tri bu í dos pelo Co mi têPa trió ti co, fun da do pelo ci da dão F. Wag ner.

Des gra ça da men te, o des ti no ha via re ser va do para epí lo go dos acon te ci men tos que fi cam nar ra dos uma cena bru tal e san gui ná ria, im -pró pria de um povo ci vi li za do cuja re pu ta ção em caso ne nhum deve serma cu la da.

O mi nis tro da Guer ra já se ti nha re co lhi do à Ca pi tal Fe de ral.E no dia 5 de no vem bro era es pe ra do da Ba hia o ge ne ral João da Sil vaBar bo sa, a quem o povo pre pa ra va fes ti va re cep ção, como ho me na gemaos bons ser vi ços por ele pres ta dos em Ca nu dos.

O dou tor Pru den te de Mo ra is, hon ra do pre si den te da re pú -bli ca, e o ma re chal Car los Ma cha do de Bi ten court, dig no mi nis tro daGu er ra, qui se ram as so ci ar-se às ex pan sões do re go zi jo po pu lar. Qu an do, po rém, com esse in tu i to acha vam-se am bos no arse nal de guer ra do Riode Ja ne i ro, o ans pe ça da do 10º Ba ta lhão de Infan ta ria do Exér ci to –Mar ce li no Bis po de Melo in ves tiu de pu nhal con tra o ve ne ran do che feda na ção.

Mas, a arma ho mi ci da, ten do res va la do, foi fe rir o ge ne ralLuís Men des de Mo ra is, e se cra var em che io no co ra ção do Ma re chalMa cha do de Bi ten court.

A re pú bli ca in te i ra es tre me ceu de in dig na ção, sa ben do a no tí ciado pa vo ro so aten ta do, que fora con ce bi do nas tre vas pelo ódio e pelain jus ti ça. E a voz unâ ni me do povo se le van tou para con de nar a per ver -si da de dos cri mi no sos, ao mes mo tem po que dig ni fi ca va a me mó ria daví ti ma ilus tre da de di ca ção e do de ver.

A Cam pa nha de Ca nu dos 145

Page 142: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

O Con gres so Na ci o nal, cor res pon den do aos ane los do paísin te i ro, vo tou uma pen são para am pa rar a fa mí lia do ma lo gra do mi li tar.

Mar ce li no Bis po, en tre tan to, re sol ve ra evi tar o jul ga men to,que o aguar da va; e, quan do me nos era de pre ver, su i ci dou-se na pri sãoonde es ta va re co lhi do. Dos man dan tes do cri me, o ca pi tão Dio cle ci a noMár tir, Umbe li no Pa che co e José de Sou sa Ve lo so fo ram já con de na dospelo júri. Os ou tros, po rém, não qui se ram ain da se sub me ter a jul ga -men to.

Pro fes san do idéi as pe cu li a res a res pe i to da cam pa nha de Ca -nu dos, que por ve zes ele qua li fi cou de mais im por tan te e pe ri go sa, dequan tas o Exér ci to bra si le i ro tem sus ten ta do, o ge ne ral Artur Oscar en -ten deu – que o Go ver no de ve ria con ce der uma re com pen sa es pe ci al àsfor ças, que ali ti nham com ba ti do sob seu co man do.

E, para obtê-la, apre sen tou ao Con gres so Na ci o nal, em 1900,pe ti ção fun da men ta da.

O Con gres so, po rém, quis ou vir so bre o as sun to ao mes mogo ver no que, pelo ór gão do Esta do-Ma i or do Exér ci to, pres tou a in for -ma ção que pas so a trans cre ver:

“Ao Con gres so Na ci o nal pede o ge ne ral Artur Oscar deAndra de Gu i ma rães a cri a ção de uma me da lha de campa nha para usodos ofi ci a is e pra ças, que to ma ram par te na ex pe di ção de Ca nu dos.

“Infor man do, devo lem brar – que essa ex pe di ção foi or ga ni -za da com o fim de res ta be le cer a or dem, per tur ba da no in te ri or do Es -ta do da Ba hia; que, na pe no sa luta ali tra va da to ma ram par te ex clu si va -men te bra si le i ros, en tão di vi di dos em dois cam pos opos tos: de um lado– os que se de i xa ram ar ras tar pela ce gue i ra de um fa na tis mo inex pli cá -vel; de ou tro – os que, na que la con jun tu ra do lo ro sa, sou be ram cum pririn tre pi da men te o seu de ver.

“Assim, se a me di da in di ca da tem por fim re cor dar fe i tos deab ne ga ção e bra vu ra de uma gran de gera ção do nos so Exér ci to, fe i tosque já fo ram de vi da men te apre ci a dos e pre mi a dos pelo Go ver no, con -for me cons ta dos atos ofi ci a is, que fo ram re gis tra dos nos res pec ti vos as -sen ta men tos dos ofi ci a is e pra ças, que a com pu nham, ser vi rá tam bémpara re cor dar a cruenta luta na qual um mes mo san gue cor reu: o san gue bra si le i ro.

146 Aris ti des A. Milton

Page 143: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

“Em tais con di ções, a cri a ção da me da lha para co me mo raruma luta in te stina como essa, in te i ra men te lo ca li za da no in te ri or de umdos Es ta dos da União, po derá fe rir a ge ne ro si da de, que de vem guar daros ven ce do res para com os ven ci dos, e ao mes mo tem po tra du zir sen ti -men tos de odi o si da de, que por bem da co mu nhão so ci al con vém pro -cu rar ex tin guir.

“Pen so, por tan to, não po der su fo car com o meu voto o pe di -do do ge ne ral Artur Oscar. Ca pi tal Fe de ral, 9 de ju nho de 1900: – JoãoTo más de Can tuá ria, ge ne ral-de-di vi são.”

No Con gres so não se tem tra ta do mais des se as sun to e é depre su mir que ele fi que en ter ra do nos ar qui vos.

Eis aí, no en tan to, o que foi a cam pa nha de Ca nu dos. Mo vi -men to mal ins pi ra do, su ge ri do por um fa na tis mo ir re pri mí vel, teve asor te que me re ceu. Mas é for ça con fes sar que jus ta men te ele ser viu decri sol ao va lor e à te na ci da de de nos sos com pa tri o tas; pa ten te an do poruma face a re sis tên cia dos ja gun ços , que lem bra tal vez a de He i tor emTróia, ou a de Ver cin ge tó rix na pra ça de Ale sia, e por ou tra face a pa -ciên cia e ab ne ga ção do sol da do bra si le i ro, que nes te par ti cu lar a ne -nhum ou tro cede, den tre os mais afa ma dos do mun do.

Foi em todo o caso uma cru el fa ta li da de, essa me mo rá velcam pa nha. O enor me sa cri fí cio de vi das e di nhe i ro, que ela nos cus tou,bem po de ria ter sido pou pa do, se não por amor à repú bli ca, pelo me nos em ho me na gem à pá tria, que há de cho rar eter na men te o san gue dossete mil fi lhos seus, der ra ma do sem ne ces si da de.

Mas, como o gran de in for tú nio des sa fe i ta não pôde ser evi ta -do, sir va-nos ao me nos ele de exem plo e li ção. Que a cam pa nha de Ca -nu dos te nha fe cha do de vez o ci clo das nos sas lu tas ci vis, pois que elas,nada de fe cun do e pro ve i to so pro du zin do, po dem aliás com pa rar-se aesse pássa ro fan tás ti co, de que nos fala Hoff mann, e que, de po is de terde vo ra do os ou tros, a si mes mo se de vo ra.

Não nos ilu da mos. A fe li ci da de do Bra sil só pode re sul tar dotra ba lho e da paz.

A Cam pa nha de Ca nu dos 147

Page 144: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Índi ce Ono más ti co

A

ABADE, João – 14, 29, 32, 134ABREU, Abdon Alves de – 101ABREU, João Cri sós to mo de – 42AGUIAR, Pe dro Leão Men des de – 43ALBERTAZZI, Edgar do Hen ri que – 62ALCIDES – 98ALMEIDA, Fé lix Gas par de Bar ros e – 48ALMEIDA, Se bas tião La cer da de – 139ALMEIDA, Vir gí lio Pe re i ra de – 23, 50, 62ANACLETO (sar gen to) – 40ANDRADE, Ga bri el Arcan jo Du tra de –

62ANDRADE, José Jo a quim de – 61, 62ANTÔ NIO VI CEN TE – Ver CON SE -

LHE I RO, Antô nioARAGÃO, Sal va dor Pi res de Car va lho e

– 58, 102ARANHA, Cla rin do de Sou sa – 36ARARIPE, Tris tão Su cu pi ra de Alen car –

103ARAÚJO (al fe res) – 50ARAÚJO, Her cu la no Fer re i ra de – 42ARTUR OSCAR – Ver GUIMARÃES,

Artur Oscar de AndradeASSUNÇÃO, Fran cisco Pe re i ra de – 19

B

BACELAR, Te o tô nio Pe re i ra – 41, 42BAHIA, Di o go Antô nio – 18, 79, 82BAHIA, Emeté rio Pe re i ra dos San tos – 42

BARBOSA, João da Sil va – 100, 101,120, 128, 134, 138, 140, 145

BARRETO, Emí dio Dan tas – 128, 159BEATINHO – 130, 131BISPO, Mar ce li no – Ver MELO, Mar -

ce li no Bis po de BITENCOURT, Car los Ma cha do – 119,

120, 123, 134, 136, 145BONFIM, Antô nio Jo a quim do – 38BORGES, Alci des do Ama ral – 43BOURBAKI (ge ne ral) – 57BRITO, Febrô nio de – 47, 48, 49, 50, 51,

52, 53, 54, 55, 56, 58, 59, 60, 62, 85

C

CAETANO (sol da do) – 40CALDAS, Antô nio Tupi Fer re i ra – 127, 159CALÍGULA – 86CALUMBI, Jo a quim – 59CAMPOS (ca pi tão) – 82CANTUÁRIA, João To más de – 96, 119,

147CA RA CA LA – 144CARDOSO, Ra fa el Pe re i ra – 43CARLOS EUGÊNIO – Ver GUIMA-

RÃES, Car los Eu gê nio de Andra deCARVALHO, Agri pi no – 61CASTRO SILVA – 118CASTRO, Gen til José de – 90CASTRO, Olím pio de – 74, 78, 82CAXIAS (du que de) – 132CERQUEIRA, Adol fo Pe dre i ra de – 122

Page 145: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

CERQUEIRA, Di o ní sio Evan ge lis ta deCas tro – 50, 59, 84

CERQUEIRA, Fran ce li no Pe dre i ra de – 74CÉSAR – Ver CÉ SAR, Antô nio Mo re i raCÉSAR – Ver JÚLIO CÉSARCÉSAR, Antô nio Mo re i ra – 68, 69, 70,

71, 72, 74, 75, 76, 78, 79, 81, 83, 84,85, 86, 88, 91, 92, 96, 97, 99, 100

COELHO (al fe res) – Ver COELHO,Poli

COELHO, Poli – 79, 82CONDÉ (ge ne ral) – 96

CONSELHEIRO – Ver CONSELHEIRO, Antô nio

CONSELHEIRO, Antô nio – 12, 13, 14,15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24,25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34,35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 46, 47, 50,51, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 60, 63, 66,67, 71, 72, 75, 77, 83, 85, 88, 92, 96,97, 102, 107, 108, 109, 113, 115, 117,121, 122, 124, 125, 127, 128, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 142

COSTA JÚNIOR, Sa tur ni no Ri be i ro da– 50, 54

COSTA, Adol fo Lo pes da – 122COSTA, Mar co li no Pe re i ra da – 61COSTA, Po li car po – 60, 61, 79COSTALLAT (ge ne ral) – 92COYAM, Qu in quim – 41CRUZ, Cla ú dio de Oli ve i ra – 120CRUZ, Mi ner vi no Belo da – 38CUNHA, Fi lo me no José da – 114CUNHA MA TOS – Ver MA TOS, Ra -

fa el Au gus to da Cu nhaCUNHA, Vir gí lio de Ara ú jo – 121CURIO, José de Mi ran da – 136

D

DIAS, Hi lá rio Fran cis co – 60, 61DÓRIA, Ho nó rio Do min gues de Me ne ses

– 61DOURADO, José Antô nio – 139

E

ESTÊVÃO – 18

F

FE LIS BER TO (co ro nel) – 52FEBRÔNIO – Ver BRI TO, Febrô nio de

FERREIRA, Ma nu el da Sil va Pi res – 38,39, 40, 45, 59, 82, 83

FIGUEIRA, J. – 76FIGUEIREDO, Antô nio Ber nar do de – 120

FONTES, Ge nes – 52FRANÇA, Ma nu el Gon çal ves Cam pe lo –

102, 105FRANCO, Álva ro Pe dre i ra – 77

G

GALVÃO, Antô nio Ber nar do da Fon se ca– 62

GAMBETTA – 132GASPAR, Fé lix – 122GIRARD, Mi guel Ma ria – 114, 115GOMES CARNEIRO – 115GOMES, Aní sio Mo niz – 73GOMES, José Ma ria – 43GOUVEIA, Iná cio Hen ri que de – 100GUIMARÃES, Artur Oscar de Andra de

– 96, 101, 102, 103, 105, 106, 108,110, 111, 112, 115, 117, 124, 125,128, 130, 135, 140, 146, 147

GUIMARÃES, Car los Eu gê nio deAndra de – 125, 128, 134, 138, 140

150 Aris ti des A. Milton

Page 146: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

GUIMARÃES, Do min gos Ro dri gues – 22GUIMARÃES, Ma u rí cio Mar ques – 61

H

HEITOR – 147HI PÓ LI TO (al fe res) – 79HOCHE, L. – 132HOFFMANN – 147

J

JESUS, Jú lio Mel quía des de – 61JOÃO EVAN GE LIS TA – 38JOSÉ MA NU EL – 18JOSÉ VE NÂN CIO – 29JÚLIO CÉSAR – 86

L

LEAL, Ven ces lau Mar tins – 60, 61LEITE, Do min gos Alves – 69LEITE, Hen ri que José – 105LEITE, Ma nu el Au re li a no da Sil va – 61LEONE, Arlin do – 37, 38LÉU, Ca e ta no de S. – 24LIMA, Antô nio de Ara ú jo – 61LIMA, Ho nó rio de – 53LIMA, João Evan ge lis ta de – 43LIMA, Jo a quim Ma nu el Ro dri gues – 23, 24LIMA, Lou ren ço Cor re ia – 17LIMA, Ti bur ti no de Oli ve i ra – 43LOBO, Fran co – 86

M

MACAMBIRA, Jo a quim – 14, 36, 134MACEDO, Luís Gon za ga de – 22MACHADO BITENCOURT – Ver

BITENCOURT, Car los MachadoMACIEL, Antô nio – Ver CONSELHEI-

RO, Antô nio

MACIEL, Antô nio Vi cen te Men des –Ver CON SE LHE I RO, Antô nio

MACIEL, Fran cis ca – 17MACIEL, Ma ria – 16MACIEL, Vi cen te Men des – 16MAGALHÃES, João Ber nar des de – 19, 20MAGALHÃES, José Bel fort Sa ra i va de –

121MARA, Fre de ri co Lis boa de – 120MARCIANO, João Evan ge lis ta de Mon te

– 24, 36MARIA CHANA – Ver MACIEL, Ma riaMARIANO, Cân di do José – 121MARQUES, Mo des to Antô nio – 61MARTINS, Ju lião Au gus to da Ser ra –

100, 105, 110, 118MÁRTIR, Di o cle ci a no – 145MATOS, Mi guel de Agui ar – 21, 22MATOS, Ra fa el Au gus to da Cu nha – 69,

74, 75, 78, 79, 83, 84, 104MATOS, Va ni que de – 82MEDEIROS, Jo a quim Ma nu el de – 100,

128, 138MEDINA, João Ba tis ta de – 57MELO, Antô nio Ro dri gues da Cu nha –

40, 43MELO, João de – 17MELO, João Evan ge lis ta Pe re i ra de – 36, 37MELO, Mar ce li no Bis po de – 145MENDO FILHO, Iná cio – 62MENESES, Alme rin do Fer re i ra Te les de –

61MENESES, Fran cis co Agos ti nho de

Melo Sou sa – 71, 72, 79, 85, 92MENESES, José So te ro de – 120, 124,

139MESQUITA, Car los Fre de ri co de – 104

A Cam pa nha de Canudos 151

Page 147: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

MIRANDA, Esve ral di no Cí ce ro de – 62, 73MON TA LEM BERT – 65MONTEIRO, João Ba tis ta – 57MONTENEGRO, Emí lio de Car va lho – 60MORAIS, João Ba tis ta de – 43MORAIS, Luís Men des de – 144MORAIS, Pe dro Fran cis co de – 43MOREIRA CÉ SAR – Ver CÉSAR,

Antô nio Mo re i raMOREIRA, José Antô nio – 43MOURÃO, José Antô nio – 69, 134

N

NAPOLEÃO – 86, 95, 96NASCIMENTO, A. So a res do – 69NASCIMENTO, Ma nu el Antô nio do – 43NELSON (al mi ran te) – 196NUNES DE SALES – 110NUNES, Edu ar do da Cos ta – 60, 61

O

OLÍMPIO – Ver CAS TRO, Olím pio deOLIVEIRA, Antô nio Bis po de – 43OLIVEIRA, Sa lus ti a no Alves de – 43

P

PAJEÚ – 14, 112, 134PANTOJA, Do na ci a no de Ara ú jo – 101PASSOS, Ca si mi ro de Fre i tas – 43PATRÍCIO, A. – 76PEDRO TAMARINDO – Ver

TAMARINDO, Pe dro Nu nes Ba tis taFer re i ra

PE DRO SE RA FIM – 38PEREIRA, Ma nu el Vi to ri no – 59, 68, 88PHILLIMORE – 132

PIMENTA, Fran cis co Eu gê nio – 61PIMENTEL, Brí gi do – 44PINHO, João Fer re i ra de – 43

PI RES FER RE I RA – Ver FER RE I RA,Ma nu el da Sil va Pi res

PRA DEL (1º-te nen te) – 82PRUDENTE DE MORAIS – 91, 134,

136, 145

Q

QUEIRÓS, João José Mo re i ra de – 127,139

R

RAIMUNDO INÁCIO – 73RANGEL, Edu ar do da Cruz – 69REGO, Fir mi no – 120, 128, 139REIS, Antô nio – 59REIS, Jo a quim Eles bão – 120REIS, Tra ja no Cos me dos – 83REIS, Vír gí lio Ma nu el dos – 43REQUIÃO, F. – 76RIBEIRO, Ana cle to Alves – 60, 61RIBEIRO, Fre de ri co Só lon de S. – 48,

49, 50RIBEIRO, Le o vi gil do Car do so – 70ROPP (ge ne ral) – 95ROQUE, Arnal do – 92ROSA, Pa u lo José da – 18

S

SALOMÃO, F. – 77SAMPAIO, Eu tí cio Co e lho – 61SAMPAIO, João Cé sar – 120, 125, 128,

138, 139SANTANA, Ata ná sio Fé lix de – 43

152 Aris ti des A. Milton

Page 148: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

SANTOS, Antô nio Alves dos – 43SANTOS, Car los Au gus to Co e lho dos – 42SANTOS, Ce sá rio João dos – 43SANTOS, Fe li ci a no José dos – 43SANTOS, Vi to ri no José dos – 42SATURNINO (co ro nel) – Ver COSTA

JÚNIOR, Sa tur ni no Ri be i ro daSAVAGET, Cláu dio do Ama ral – 100, 102,

103, 105, 118, 140SERRÃO, José Te xe i ra – 61SILVA, Abí lio Au gus to de No ro nha e –

139SILVA, Antô nio Ma nu el de Agui ar e – 127,

139SILVA, Fran cis co de Sa les – 37SILVA, Hen ri que Se ve ri a no da – 127, 139SILVA, Her mí nio Pin to da – 60SILVA, Iná cio Go mes de Agui ar e – 61SILVA, João Au re li a no Fer re i ra da – 62SILVA, Pa cí fi co Se ve ri a no da – 43SILVEIRA, Antô nio Olím pio da – 122, 138SIMÕES (ca pi tão) – 82SIQUEIRA DE MENESES – 123SIQUEIRA MENDES – 123SÓLON (ge ne ral) – Ver RIBEIRO, Fre de -

ri co Só lon de S.SOUSA, Ma nu el Fran cis co de – 42SOUSA MENESES – Ver MENESES,

Fran cis co Agos ti nho de Melo Sou sa

T

TAMARINDO, Pe dro Nu nes Ba tis taFer re i ra – 48, 49, 71, 74, 76, 77, 78,79, 80, 81, 82

TAVARES (al feres) – 83TELES, Car los Mi ran da da Sil va – 100,

110, 118THOMPSON FLORES – 104TOBIAS, Ra fa el – 114TORQUEMADA – 86TRINAS, La u ri a no La u ren ti no das – 69

V

VELOSO, José de Sou sa – 146VERCINGETÓRIX – 147VIANA, Luís – 37, 59, 67

VILANOVA, Antônio – 134, 142VILARINHO, A. – 77, 79, 92VILASBOAS, Ca e ta no de Sá Bar re to –

62VIRGÍLIO (ca pi tão) – Ver ALMEIDA,

Virgí lio Pe re i ra deVOLTA GRANDE – 14

W

WAGNER, F. – 145

A Cam pa nha de Canudos 153

Page 149: Aristides Milton = a Campanha de Canudos

A Cam pa nha de Ca nu dos, de Aris ti des Au gus to Mil ton, foi com pos to em Ga ra mond, cor po 12, e im pres so em

pa pel ver gê are ia 85g/m2 , nas ofi ci nas da SEEP (Se cre ta ria Espe ci al de Edi to ra ção e Pu bli ca ções), do Se na do Fe de ral,

em Bra sí lia. Aca bou-se de im pri mir em abril de 2003, de acor do com o pro gra ma edi to ri al e pro je to grá fi co

do Con se lho Edi to ri al do Se na do Fe de ral.