Arquétipo Grande Mãe

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    UMA REFLEXO SOBRE O ARQUTIPO

    DA GRANDE ME NO CONE DE NOSSA

    SENHORA ME DO BOM CONSELHO

    Reginaldo de Abreu Araujo da Silva

    Mestrando em Cincias da ReligioPUC-SP

    [email protected]

    Resumo: O objetivo deste artigo refletir sobre o arqutipo da Grande Me, a partir da abordagem junguiana,

    analisando o quadro ou cone de Nossa Senhora Me do Bom Conselho. O ponto de partida a devoo dos frades da

    Ordem de Santo Agostinho, que administram o Santuario Maddona Del Buon Consiglio, em Genazzano, na Itlia, e

    tm-na como Me especial de sua Ordem religiosa. Perscrutando as figuras da me e do filho, presentes no quadro, a

    reflexo recair sobre elementos do arqutipo da Grande Me e do arqutipo da Criana, concluindo que essa obra

    religiosa est carregada de elementos da psique humana, entre os quais o encontro dialtico do desejo de refgio e

    aconchego com o desejo de luz e de conscincia.

    Palavras-chave: arqutipo; cone; me; criana.

    Abstract: The objective of this article is to think about the Great Mother archetype, in the Jungian approach,

    analyzing the painting or icon of Our Lady, Mother of Good Counsel. The point of departure is the devotion of Saint

    Augustine Order friars, who manage Santuario Maddona Del Buon Consiglio, in Genazzano, Italy, and have Her as

    special mother of their religious Order. We will scrutinize the figures of the mother and the son, present in the

    picture, in order to reflect on the elements of the Great Mother archetype and the Child archetype. We conclude that

    this religious masterpiece is fraught with elements of the human psyche, such as the dialectic meeting between the

    refuge and protection desire and the light and conscience desire.

    Key-words: archetype; icon; mother; child.

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    Introduo

    Este artigo visa fazer uma reflexo acerca do arqutipo da Grande Me, a partir da psicologia

    junguiana, analisando o quadro ou cone de Nossa Senhora Me do Bom Conselho. Esse ttulo

    de Nossa Senhora tem a devoo difundida e cultivada na Igreja Catlica, de modo especial

    pelos frades da Ordem de Santo Agostinho, os quais administram o Santuario Madonna Del

    Buon Consiglio, em Genazzano, na Itlia, onde est a representao mundial dessa devoo, e

    tm-na como Me especial de sua Ordem.

    Sua representao na arte catlica atravs da iconografia, ou seja, sua imagem representada

    especificamente por um cone ou um quadro, no havendo uma esttua, quadro esse que ser o

    objeto de estudo desta reflexo e que ser apresentado na pgina 49, permitindo a visualizao

    dos aspectos e elementos estudados.

    Por se tratar de Nossa Senhora Me do Bom Conselho, poderemos enveredar pela trilha da f

    catlica na Me e no Filho, o Menino Jesus, o que permitir perceber a existncia de

    caractersticas do arqutipo da Grande Me ou a Me Deusa ou o Grande Feminino, assim como

    do arqutipo da criana. Como base da reflexo junguiana, sero adotadas as obras Histria da

    origem da conscincia e A Grande Me: um estudo fenomenolgico da constituio feminina do

    inconsciente, ambas de

    Erich Neumann (1968, 1974), e o captulo A psicologia do arqutipo da criana de Carl

    Gustav Jung (2003), na sua obra Os arqutipos e o inconsciente coletivo. Para ajudar a elucidar

    os elementos do quadro, ser utilizado o livro Nossa Senhora do Bom Conselho, do padre

    agostiniano Matias Boar (1997). Esperamos, assim, alcanar o objetivo de fazer a reflexo

    psicolgica do elemento religioso.

    Os frades agostinianos e

    Nossa Senhora Me do Bom Conselho

    Faremos uma reflexo junguiana sobre o cone de Nossa Senhora Me do Bom Conselho, ttulopelo qual os frades da Ordem de Santo Agostinho tm uma devoo especial Nossa Senhora.

    A Ordem de Santo Agostinho, em seu Calendarium Liturgicum pro Anno 2005 (Ordo Sancti

    Augustini, 2005, p. 5), refere-se em latim a Beatae Mariae Virginis, Matris Boni Consilli.

    Traduzindo esse ttulo para o portugus, temos Nossa Senhora, Me do Bom Conselho. Assim,

    para os agostinianos, ela a me da Ordem Agostiniana. E eles adotam essa me como a

    padroeira de muitas parquias, conventos, colgios e mosteiros, utilizando sempre as referncias

    de Me e de Bom Conselho como pontos-chave de sua devoo. No Catalogus Ordinis Sancti

    Augustini (O.S.A.), encontramos todas as denominaes e sua localizao. Por exemplo, emSuffolk, Reino Unido, h o mosteiro de ClareMother of Good Counsel Priory (Priorado Me

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    vida sob a direo do Esprito deConselho e aderiu intimamente ao divino Conselho. [...]

    Foi cumulada por Deus dos dons do Esprito, entre os quais sobressai o esprito de

    Sabedoria e o dom do Conselho. A riqueza desses dons Ela comunica prazerosa aos filhos e

    discpulos, aconselhando-os que executem o que Cristo lhes mandar fazer. (Boar, 1997, pp.

    3-5)

    Desse modo, surgiu a imagem de Nossa Senhora como a Me do Bom Conselho, aquela que d

    a todos o melhor conselho, isto , fazer o que Cristo mandar, conforme captulo 2, versculo 5

    do Evangelho de Joo. 1 O Pe. Matias continua nos contando de onde veio a imagem que,

    segundo relatam, apareceu milagrosamente em Genazzano.

    Os fiis pensavam que a Imagem teria vindo do Cu. Mas, dias depois, dois peregrinos

    estrangeiros desvendaram o mistrio. Eram dois albaneses que, fugindo da perseguio dos

    turcos, vinham da cidade de Esctari (Albnia) acompanhando a prodigiosa Imagem, que,pelo mesmo motivo, abandonara o Santurio onde ela era venerada. Os afortunados

    peregrinos vinham seguindo a Imagem atravessando rios, vales e montanhas, escalando

    alturas e cruzando precipcios, inclusive o mar Adritico, que passaram a p firme sem

    experimentar fome, sede e fadiga. Chegando s portas da Cidade Eterna, a Imagem

    desapareceu de suas vistas. Foram dias de angstia sua procura.

    Por fim, nasce o sol da esperana. Corre a notcia do que sucedera na cidade de Genazzano.

    Para l se dirigem e constatam ser a mesma encantadora Imagem que eles vinham seguindo.

    Caem de joelhos exultantes de felicidade e, com demonstraes de extraordinria emoo,

    narram ao povo estupefato as maravilhas de sua divina Rainha. Agora, l esto eles para

    cantar um hino de louvor e agradecimento s misericrdias de Maria. Infelizes as almas que

    se fazem credoras do abandono de to carinhosa Me! (Ibid., p. 6)

    A imagem de que fala o Pe. Matias o cone que vamos analisar. Esse cone um quadro cuja

    cpia chegou ao Brasil em 1785 pelas mos do padre jesuta Jos de Campos Lara, que voltava

    da Itlia.

    Estando no porto de Civita Vechia, espera de um navio, apresentou-se lhe um jovem

    desconhecido, dizendo: Naquele navio que aparece ao longo, voc poder viajar; leveconsigo este quadro com a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho. No lugar onde for

    venerada esta Imagem, ter incio de novo a Companhia de Jesus. Com to rico presente, o

    Pe. Lara viajou at o Rio de Janeiro [...] dirigindo-se, em seguida, para a cidade de Itu (SP),

    lugar de sua residncia. [...] Em 1867, os Padres Jesutas fundaram nessa cidade de Itu o

    Colgio So Lus, sendo nele venerada a Imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho at o

    ano de 1917, poca em que, ao trasladar o Colgio para a cidade de So Paulo, na Av.

    Paulista, quiseram que tambm aqui a bendita Imagem ocupasse um lugar de destaque. [...]

    em 1899, chegavam ao Brasil os primeiros Religiosos Agostinianos e, posteriormente, novos

    1Todas as citaes e referncias aos textos bblicos esto em Bblia Sagrada (1990).

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    grupos de Padres e Religiosas da mesma Ordem contriburam para maior divulgao da

    devoo Nossa Senhora do Bom Conselho, no Brasil. (Boar, 1997, pp. 6-7)

    A seguir, podemos observar o cone da Me do Bom Conselho, conforme a capa do Livro do

    Pe. Matias Boar:

    NOSSA SENHORA ME DO BOM CONSELHO

    O arqutipo da Grande Me e o cone

    de Nossa Senhora Me do Bom Conselho

    Comparando os nossos estudos do arqutipo da Grande Me em Erich Neumann e do arqutipoda Criana em C. G. Jung com as definies do Pe. Boar acerca do quadro de Nossa

    SenhoraMe do Bom Conselho, podemos fazer uma profunda reflexo junguiana.

    O Pe. Boar diz que na imagem contemplamos a Me eo Filho intimamente unidos. Maria

    segura o Filho com ambas as mos. [...] para ns que Ela cuida dele. Protege e envolve o

    Filho nas dobras de seu manto (1997, pp. 7-8).

    Aqui j comeamos a vislumbrar o arqutipo da Grande Me, pois lembramos o que diz

    Neumann: Tudo o que grande e envolvente e que contm, circunda, envolve, protege,

    preserva e nutre qualquer coisa pequena pertence ao reino maternal primordial (1968, p. 31).Em Nossa Senhora Me do Bom Conselho, vemos esse envolvimento, essa proteo, como

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    afirma o Pe. Boar. Ela faz vislumbrar esse reino maternal primordial e, nas palavras do Pe.

    Boar, citadas acima, so infelizes aqueles que acreditam estar abandonados de to carinhosa

    Me. Observando o quadro, vemos ainda esse aspecto do refgio no colo da Me assim como

    percebemos o ego infantil.

    Que admirvel! Jesus se apoia em Maria e se refugia no seu Imaculado Corao. o fruto na

    rvore que o deu ao mundo. Deus, que sustenta o mundo, descansa no colo de Maria e se

    acolhe sob seu manto. [...] Isso h de inspirar-me ilimitada confiana porque Me onipotente

    por graa, sustento de minha fraqueza, refgio e asilo dos pecadores. (Boar, 1997, p. 9)

    Neumann diz que o homem vivencia o ego infantil quando envolto e sustentado pela grande

    Me Natureza, embalado nos seus braos, o homem entregue a ela para o bem ou para o mal

    (1968, p. 31).

    Na relao da me e da criana que vemos no quadro da Me do Bom Conselho, podemos

    encontrar o estgio da uroboros maternal que:

    [...] se caracteriza pela relao entre a criana pequena e a me que alimenta, mas , ao

    mesmo tempo, um perodo histrico em que a dependncia do homem com relao terra e

    natureza alcana o auge. Ligada a ambos os aspectos, h a dependncia do ego e da

    conscincia diante do inconsciente, cuja predominncia determina esse estgio da existncia.

    (Ibid., 1968, p. 50)

    Encontramos, tambm, na Me do Bom Conselho, a identidade da personalidade feminina com

    o corpo-vaso: o recipiente onde se forma a vida. Podemos perceber que Nossa Senhora o vaso

    que preserva, contm e protege, comparando com as definies de Neumann. Nossa Senhora

    tem:

    [...] as funes bsicas do Feminino a quem cabe nutrir, dar calor, proteger, amparar, sem

    mencionar as funes do dar vida e do parir [...]. O Feminino parece ter essa grandeza

    porque aquilo que contido, protegido e nutrido, que recebe calor e amparo, sempre o

    pequenino, o desamparado e o dependente, completamente merc do Grande Feminino.

    (Neumann, 1974, p. 49)

    Ainda segundo Neumann, no simbolismo do ventre-vaso h a funo de conter. E o pequenino

    est contido. O estar contido pode ser tambm simbolizado pelos seguintes exemplos: ninho,

    bero, leito, navio, carroa, esquife. E o carter vaso do feminino pode ser simbolizado por

    vestimentas, tais como a camisa, o vestido, o casaco, o vu (cf. 1974, pp. 50-51).

    Observando atentamente o quadro da Me do Bom Conselho, vemos que a me protege e

    envolve o Filho nas dobras de seu manto (Boar, 1997, p. 8). Essa uma caracterizao do

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    estar contido do Filho Jesus no ninho do manto da me e tambm esse manto simboliza o

    carter vaso do feminino de que fala Neumann, assim como o vu, que na imagem cobre a

    cabea da Me e continua a envolver o Filho (ibid., p. 8).

    Outra caracterstica do arqutipo da Grande Me que podemos perceber no cone o que

    Neumann chama de incesto urobrico. O Pe. Boar chama a ateno para o fato de que esto

    Me e Filho estreitamente unidos. [...] As pulsaes do Corao da Me so um eco das

    pulsaes do Filho. Ambos funcionam no mesmo ritmo, em perfeita sintonia (ibid., p. 11).

    Essa estreita unio remete compreenso de que o incesto urobrico vem a ser:

    [...] uma forma de penetrao na me, de unio com ela, contrastando com outras formas de

    incesto posteriores. [...] um deixar-se tomar passivamente, um submergir no pleroma, um

    perecer no oceano do gozo e morrer no amor. [.. .] O incesto que chamamos de urobrico o

    abandono de si mesmo e o regresso. a forma de incesto do ego infantil, que ainda se achamuito prximo da me e ainda no encontrou a si mesmo. (Neumann, 1968, pp. 32-33)

    No cone da Me do Bom Conselho temos, ao lado do arqutipo da Grande Me, o arqutipo da

    Criana, representado pelo Menino Jesus, arqutipo que indica a condio de futuro, de tornar-

    se. Para Jung, a criana significa algo que sedesenvolve rumo autonomia. Ela no pode

    tornar-se sem desligar-se da origem: o abandono pois uma condio necessria, no apenas

    um fenmeno secundrio. Para tal, necessrio umsmbolo que lhe mostre a exigncia do

    desligamento da origem (2003, p. 169). Mas, enquanto esse desligamento no acontece,

    enquanto esse smbolo no aparece,

    [...] a criana permanece uma projeo mitolgica que exige uma repetio pelo culto e uma

    renovao ritual. O Menino Jesus, por exemplo, permanece uma necessidade cultual,

    enquanto a maioria das pessoas ainda incapaz de realizar psicologicamente a frase bblica:

    A no ser que vos torneis como ascriancinhas. (Ibid., p. 169)

    O arqutipo da criana no Menino Jesus mantm a sua caracterstica cultual tambm porque,

    como diz Jung, esse arqutipo expressa a totalidade do ser humano. Ela [a criana] tudo o

    que abandonado, exposto e ao mesmo tempo o divinamente poderoso, o comeo insignificante

    e incerto e o fim triunfante(ibid., p. 178).

    O Menino Jesus lembra o limite humano, pois homem, e, ao mesmo tempo, lembra o infinito

    de Deus, pois Deus. Isto que permite a sua imagem de eterna criana, apresentada no cone,

    pois, para Jung,

    [...] a eterna criana no homem uma experincia indescritvel, uma incongruncia, uma

    desvantagem e uma prerrogativa divina, um impondervel que constitui o valor ou desvalorltimo de uma personalidade. (Jung, 2003, p. 179)

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    Voltando a contemplar o cone do ponto de vista do arqutipo da Grande Me, somos

    incentivados pelo Pe. Boar a nos dar conta de que h um desejo de acesso luz, pois h uma

    luz que envolve o rosto de Nossa Senhora e quem iluminado porestes raios torna-se sinal de

    luz para os homens (1997, p. 10). A luz no rosto da me o sinal de que h um desejo, um

    impulso de conscincia, pois, como nos diz Neumann, a luz e a conscincia andam juntas

    (1968, p. 36). Assim, esse quadro que apresenta a me to natural com seu filho nos braos

    remete-nos evoluo que h em direo conscincia que nonatural na natureza (ibid., p.

    32).

    A prece do Pe. Boar perante o quadro da Me do Bom Conselho, pedindo- lhe Me, que eu

    saiba escutar os reclamos de minha conscincia [...] (1997, p. 12) configura mais intensamente

    a busca da conscincia, o apelo para que se comece a experimentar a conscincia.

    Dissemos acima que os frades agostinianos tm explicitamente a me espiritual na Me do Bom

    Conselho, por isso dirigem a ela preces, pedidos de intercesses, fazem-lhe homenagens,

    dedicando-lhe suas igrejas e obras. So frades da Igreja Catlica que, por tradies antigas,

    cultivam a permanncia do hbito religioso, isto , uma vestimenta em forma de vestido e que

    tem como complemento uma correia com a qual so cingidos, conforme se pode constatar no

    artigo 59 do captulo IV da 2. parte da Regra e Constituies da Ordem de Santo Agostinho

    (Unio dos Agostinianos do Brasil, 2003). Segundo a lenda transmitida oralmente pelos frades,

    a correia utilizada de longa data, pois Santa Mnica, a me de Santo Agostinho, teria tido um

    sonho com Nossa Senhora, que lhe entregara um hbito com uma correia e lhe dissera que seu

    filho, Agostinho, se converteria e utilizaria aquele hbito com a correia. H aqui um duplo

    aspecto de ligao forte com o arqutipo da Grande Me, ou seja, a vestimenta com a correia se

    originam com base num sonho com a Me, Nossa Senhora, e a vestimenta caracterstica dos

    homens que se castram por causa do Reino do Cu, conforme o captulo 19, versculo 12c do

    Evangelho de Mateus e conforme tambm o artigo 61 do captulo IV da 2 parte da Regra e

    Constituies da Ordem de Santo Agostinho (Unio dos Agostinianos do Brasil, 2003). Essa

    castrao, hoje simblica, explicada por Neumann como a dos jovens que personificam aprimavera e que pertencem Grande Me, so os seus servos, a sua propriedade, porque so os

    seus filhos e a sua gerao. Neumanndiz que os eunucos so os ministros esacerdotes eleitos

    da grande Me Deusa. So os que sacrificaram a ela o que para ela o mais importanteo falo

    (1968, p. 56). Neumann tambm nos explica que no culto da Grande Me a castrao uma

    forma de destinao do portador do falo, o jovem deus (ibid., p. 59).

    O aspecto da vestimenta em forma de vestido lembra o uso de roupas femininas, que

    preservado nas vestes dos padres catlicos de hoje no qual o sacrifcio levado ao pontoda

    identificao com a Grande Me (ibid., p. 60).

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    Porm, preciso lembrar aqui que, em nossos dias e em nossa sociedade patriarcal, devido

    crescente autoconscientizao e ao fortalecimento da masculinidade, a identificao com a

    Grande Me sofre uma passagem para o segundo plano (cf. Neumann, 1968, p. 82), gerando nos

    seres humanos a angstia do vazio dessa identificao. Da valores vitais aos seres humanos,

    como o afeto, o acolhimento, o amor, que acabam soterrados pela fragmentao gerada pelo

    patriarcado, precisam ser resgatados pelo culto do Arqutipo do Feminino ou da Grande Me, o

    que, como pudemos ver, possibilitado pela contemplao de Nossa Senhora Me do Bom

    Conselho.

    Concluso

    Este artigo pretendeu refletir psicologicamente um smbolo religioso, que o quadro de Nossa

    Senhora Me do Bom Conselho, objetivando detectar nele os elementos do arqutipo da Grande

    Me e do arqutipo da Criana, os quais so explicitados pela psicologia junguiana.

    Pde-se perceber nitidamente o vnculo entre os elementos psicolgicos e uma produo

    artstica religiosa. A Me do Bom Conselho uma Grande Me. O Filho, o Menino Jesus, que,

    do ponto de vista da f, , ao mesmo tempo, o Deus do Universo e o menino nascido de Maria,

    permite ao ser humano ver-se no aconchego da Grande Me, embalado no ninho do Grande

    Feminino. Nossa Senhora Me do Bom Conselho, que vista pelos frades agostinianos como

    Me, pde ser compreendida claramente como o Grande Feminino, como vimos, pois toda a

    representao do seu corpo, isto , seus braos, seu colo, seu olhar,tudo denota os aspectos da

    Grande Me que protege, acolhe e nutre o Filho. Tambm os detalhes de suas vestes completam

    essa compreenso.

    Ficou claro que ao produzir a imagem da Me do Bom Conselho, a f catlica deixou revelar

    contedos da psique humana, explicitando a constituio do arqutipo do feminino e, ao

    mesmo, do ser humano que se revela desejoso do aconchego da Grande Me, desejo expresso na

    figura do Menino. Alm disso, pde-se perceber o desejo humano de chegar conscincia pela

    luz expressa no rosto da Me. H a ideia do aconchego, do nutrir-se da Grande Me, e h

    tambm o desejo da conscincia.

    A figura de Nossa Senhora Me do Bom Conselho uma oportunidade para que as pessoas se

    vejam, se aconcheguem. Por isso, sua devoo to difundida e aceita. Ao mesmo tempo, sua

    luz impele conscincia. Da o encontro, que intrnseco natureza humana, do sentir-se

    aconchegado e do sentir-se impelido ao crescimento.

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    Santo Agostinho. Belo Horizonte, Grfica e Editora O Lutador.