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ARQUÉTIPOS, FANTASMAS E ESPELHOS* Maurício Waldman** *Sociólogo (USP), Mestre em Antropologia (USP) e Doutor em Geografia (USP). Dentre muitas publicações, Maurício Waldman é autor de “Ecologia e lutas sociais no Brasil” (Contexto, 1992), “Meio ambiente e antropologia” (SENAC, 2006), co-autor da “Coleção tecendo o saber” (Fundação Roberto Marinho, 2007) e de “Memória d’África - A temática africana em sala de aula (Cortez, 2007, juntamente com Carlos Serrano). Atualmente, desenvolve projeto na área de relações internacionais enfocando a África austral e possui uma home page, a http://www.mw.pro.br. E-mail: [email protected] RESUMO: Este texto é o desdobramento final de Imaginário, Espaço e Discriminação Racial, artigo publicado no exemplar nº 14 da Revista GeoUsp (2003, pp. 45-63). Assim sendo, em continuidade este texto assinala os vínculos existentes entre o espaço, tanto nas suas dimensões concretas quanto nas imaginárias, com a questão da discriminação racial, articulando ambas temáticas por sua vez com a relação mantida entre as sociedades e a natureza. Para além da localização do racismo exclusivamente em nível da concretude social, o ensaio busca evidenciar, pois uma cartografia e a uma geografia imaginária, entendida como matriz para a revivificação e/ou ressemantização de dinamismos espaciais excludentes. Neste contexto, a eclosão de uma interpretação linear e progressiva do tempo social, firmada na supressão do espaço pelo tempo, uma inferência entendida neste material como específica à modernidade, é vista como básica para a origem de formas genuinamente racistas de discriminação. Por conseguinte, o racismo seria pertinente exclusivamente ao padrão civilizatório ocidental e a nenhum outro. A discriminação racial seria resultante de uma civilização que suprimiu o espaço em função do tempo, processo este articulado com a negação do outro e das pulsões da natureza. Por fim, o texto busca esclarecer a respeito das conseqüências da discriminação e sobre a reconstrução das diferenças, tais como estas se especificam no contexto da Globalização PALAVRAS-CHAVE: Imaginário; Arquétipo espacial; Territorialidade; Tempo-espaço; Civilização Ocidental; Discriminação racial. ABSTRACT: These are the final considerations of Imaginary, Space and Racial Discrimination, article published on GeoUsp, nº 14 (2003, 45-63), the academic journal of University of São Paulo’s Geography College. Therefore this text assigns, in continuity, the relation of space, even in concrete dimensions as if in his imaginary one, with racial discrimination, and also articulates both themes within the relations among societies and environment. More than localize the racism exclusively in a concrete social level, this essay seeks to evidence the cartography and imaginary geography, understood as a matrix to revivification and/or re-conception of excluding spatial dynamism. In this context, the emerging of linear and progressive interpretation of social time, based on suppression of space by time, an inference understood in this material as a modern specificity, exclusively for the western civilized pattern and no other. The racial discrimination would result of a civilization that took of the space for time, articulated with other negation process and nature rhythm. Eventually, this text seeks clarify the consequences of racial prejudice and the reconstruction of differences, as these specificities in a Globalization context. KEY WORDS: Imaginary; Spatial archetype; Territoriality; Time-space; Western civilization; Racial prejudice. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 23, pp. 44 - 64, 2008

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ARQUÉTIPOS, FANTASMAS E ESPELHOS*

Maurício Waldman**

*Sociólogo (USP), Mestre em Antropologia (USP) e Doutor em Geografia (USP). Dentre muitas publicações, Maurício Waldman é autor de “Ecologiae lutas sociais no Brasil” (Contexto, 1992), “Meio ambiente e antropologia” (SENAC, 2006), co-autor da “Coleção tecendo o saber” (Fundação

Roberto Marinho, 2007) e de “Memória d’África - A temática africana em sala de aula (Cortez, 2007, juntamente com Carlos Serrano). Atualmente,desenvolve projeto na área de relações internacionais enfocando a África austral e possui uma home page, a http://www.mw.pro.br.

E-mail: [email protected]

RESUMO:Este texto é o desdobramento final de Imaginário, Espaço e Discriminação Racial, artigo publicado noexemplar nº 14 da Revista GeoUsp (2003, pp. 45-63). Assim sendo, em continuidade este textoassinala os vínculos existentes entre o espaço, tanto nas suas dimensões concretas quanto nasimaginárias, com a questão da discriminação racial, articulando ambas temáticas por sua vez com arelação mantida entre as sociedades e a natureza. Para além da localização do racismoexclusivamente em nível da concretude social, o ensaio busca evidenciar, pois uma cartografia e auma geografia imaginária, entendida como matriz para a revivificação e/ou ressemantização dedinamismos espaciais excludentes. Neste contexto, a eclosão de uma interpretação linear eprogressiva do tempo social, firmada na supressão do espaço pelo tempo, uma inferência entendidaneste material como específica à modernidade, é vista como básica para a origem de formasgenuinamente racistas de discriminação. Por conseguinte, o racismo seria pertinente exclusivamenteao padrão civilizatório ocidental e a nenhum outro. A discriminação racial seria resultante de umacivilização que suprimiu o espaço em função do tempo, processo este articulado com a negação dooutro e das pulsões da natureza. Por fim, o texto busca esclarecer a respeito das conseqüênciasda discriminação e sobre a reconstrução das diferenças, tais como estas se especificam no contextoda GlobalizaçãoPALAVRAS-CHAVE:Imaginário; Arquétipo espacial; Territorialidade; Tempo-espaço; Civilização Ocidental; Discriminação racial.

ABSTRACT:These are the final considerations of Imaginary, Space and Racial Discrimination, article published onGeoUsp, nº 14 (2003, 45-63), the academic journal of University of São Paulo’s Geography College.Therefore this text assigns, in continuity, the relation of space, even in concrete dimensions as if inhis imaginary one, with racial discrimination, and also articulates both themes within the relationsamong societies and environment. More than localize the racism exclusively in a concrete sociallevel, this essay seeks to evidence the cartography and imaginary geography, understood as a matrixto revivification and/or re-conception of excluding spatial dynamism. In this context, the emergingof linear and progressive interpretation of social time, based on suppression of space by time, aninference understood in this material as a modern specificity, exclusively for the western civilizedpattern and no other. The racial discrimination would result of a civilization that took of the spacefor time, articulated with other negation process and nature rhythm. Eventually, this text seeksclarify the consequences of racial prejudice and the reconstruction of differences, as these specificitiesin a Globalization context.KEY WORDS:Imaginary; Spatial archetype; Territoriality; Time-space; Western civilization; Racial prejudice.

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Ensaio dedicado ao schtetl de Lagoff, naPolônia do Congresso, que durante séculos foio espaço de vida dos meus ancestrais paternos.Juntamente com seus moradores, ele foieliminado na voragem da Segunda GrandeGuerra. Desde então, seus est ilhaçossobrevivem apenas na memória dos tempos-espaços idos. Mas mesmo assim,compartilhando de outros tempos e de outrosespaços, estes fragmentos são uma advertênciaeterna de que os ausentes, quandosignificativos, estão sempre presentes (1993/5753).

ESPAÇO E IMAGINÁRIO DA NEGAÇÃO

As concepções de tempo e de espaçosempre estiveram na base da organização dasdiferentes sociedades humanas. Elas estãomaterializadas na organização do espaçogeográfico e encontram expressão emarquétipos figurativos, como na iconologia e naiconografia.

O aparato simbólico, mais que umamanifestação cultural, responde pelasnecessidades objet ivas de reprodução dequalquer sistema. O poder lembra CarlosSERRANO, não se caracteriza apenas pelaapropriação do espaço, a sujeição de pessoas ougrupo de pessoas, mas também, pela manipulaçãode signos e símbolos, numa apropriação destes(1989: 89).

Todas estas inferências estão ordenadasem padrões percept ivos, aos quais temosdenominado de Arquétipos Espaciais. A partirdestes arquét ipos, discernimos modelosidentitários através dos quais são colocados emação os mecanismos modeladores dos corpos,tanto do social, no seu aspecto propriamentesociológico, quanto dos humanos em seu strictusensu, processos de modelagem que atuam emparalelo e estão intimamente relacionados entresi.

Expressão de um determinado Modo deRelação com a Natureza, o Arquétipo induzdirecionamento dos f luxos presentes no

inconsciente, ele mesmo parte da natureza quehabita o corpo do homem, emanação sem a qualnão seria possível pensar a dimensão dohumano.

No caso do sistema capital ista, talarquétipo estabeleceu, a partir de seu processode mundial ização, várias estratégias deexclusão. Dentre estas, a nota mais importantereportaria a um território imaginário para o qualforam deportados todos os inimigos potenciaisda artificialidade, noção esta, já observamos,matriz da formulação de uma hierarquia racial.

Desta forma, o repúdio do natural emfavor do artificial, redundou em prefiguraçõessobrenaturais, localizadas em uma topologia doinconsciente geralmente denominada como esferado irracional . Esta racionalização,desdobramento direto da noção deprogressividade, não-perdurabilidade e maisadiante, não-natureza, coloca a dessacralizaçãodo mundo como o cerne das atenções do novosistema em expansão. “Nesta perspectiva, oirracional passou a representar os mitos queforam varridos com o advento da razão livre,l ivre dos deuses, l ivre de concepçõesmetafísicas, livre do além-homem” (DIÓGENES,1992:3).

Esta profunda alteração dos padrõessensíveis que sempre caracterizaram associedades humanas em geral e que hojedemarcam a maior encruzilhada de que ahumanidade jamais teve notícia, atenderam auma estratégia deliberada de colocar povos aregiões a serviço da acumulação de capital. Emfunção desta necessidade, foram profanados emortif icados todos os espaços, criados oureelaborados outros signos, símbolos eestigmas, cruciais para a organização do espaçohabitado e qualificação de seus habitanteshumanos e não-humanos.

A eclosão do tempo linear e progressivo,que sucede a partir das cidades - o espaço deliberdade do capital - como sublinhavam Karl Marxe Friedrich Engels - vai originar uma vastaoperação de ressemantização do excluído, dooutro em geral, em vias de ser submetido ou já

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subjugado. Certamente, na antiguidade clássicae durante toda a Idade Média, nos momentosnos quais os europeus viam-se como vítimasiminentes de movimentos em larga escala depovos alienígenas que ameaçavam submergi-los (caso, por exemplo, dos persas, dos hunos,dos árabes, dos mongóis, dos tártaros e dosturcos), foram elaboradas imagensestereotipadas do outro.

A atribuição de estereótipos negativos(tão mais negativos quanto maior fosse aameaça, aparente ou real) estava presentena repulsa que os gregos devotavam aospersas, no preconceito dos romanos contra asinquietas tribos germânicas que pressionavama longínqua fronteira norte do império, no anti-semit ismo do cr istão medieval, quecaracterizava os judeus como povo deicida ealiados do anti-Cristo.

Entretanto, nada foi semelhante nopassado da humanidade à reinvenção dadiferença estabelecida a par t ir doRenasc imento. Respondendo pelasnecessidades de um sistema - o Capitalista -que emerge de dentro das entranhas doFeudal ismo, o novo imaginário vol ta-se,desenfreadamente, não só contra o outro defora (o não-europeu em geral), mas tambémcontra o outro de dentro (o europeu não-burguês).

Esta genera lização visceral danegatividade, explica-se pela propensão doespaço capital ista reproduzir-se tanto naescala do horizontal (através das “GrandesDescobertas”, por exemplo), quanto navertical (pelo revolucionamento das relaçõesde produção). O fortalecimento do capitalismosó poderia advir do desmantelamento decé lulas espac iais autárquicas e auto-suficientes, da desagregação daheterogeneidade das concepções de tempo-espaço que grassavam de alto a baixo noedifício da sociedade feudal. Ao mesmo tempo,voltava-se contra o negro-africano, o índio, oasiático, seus tempos e seus espaços.

A criação de um novo imagináriohistórico-cultural dito nacional, foi a principal peçaelaborada com vistas a excluir tudo o que nãofosse branco, ocidental e burguês. Nesteimaginário, a burguesia reinventou a totalidadeda história humana, criou personagens novos,privilegiou os detalhes que melhor se ajustavamao padrão proposto e ao mesmo tempodesqualif icou ou negou o que não lheinteressava. Atuando como pólo organizador, oimaginário ocidental gestou novos modelosident ítár ios, inspirados no geral, naressemantização da herança lingüística e dealguns “ancestrais míticos”, hipotéticos povosfundadores das diversas nacionalidades.

Por isso mesmo, uma mitologia nacionalpassa a provar que bretões, provençais,alsacianos, borgonheses e normandos, seriamfranceses (isto é, descendentes dos francos), eque bávaros, renanos, turíngios, pomeranos,silesianos e prussianos, seriam todos alemães(ou seja, descendentes dos alamanos). Melhorainda, esta pretensiosa mitologia prescrevia queem cada destes novos espaços nacionais, emgeral um conjunto dispare de dialetos, detradições locais e de particularismos, sempreteriam formado a França ou a Alemanha. O mesmosucedeu por toda a Europa, na qual cedo outarde a totalidade das populações viu-sesubitamente investida do privilégio de pertencera esta ou aquela “nacionalidade”.

Este fenômeno de modelagem dasnacionalidades possuía relação siamesa com aformação dos mercados nacionais, com a criaçãodas moedas únicas e com o fortalecimento doabsolutismo real. Foram decretadas línguasnacionais, geralmente com base em um dialetocom maior proeminência literária (caso dotoscano, na Itália) ou política (o falar da corte,na França). A imposição de um código lingüísticounificado em nível de cada “nação”, normatizoudireta ou indiretamente um conjunto de padrõesde compreensão da realidade, poisprogramando os eventos de maneiracompletamente diferente, estas línguas criarammundos sensoriais dantes difusos ouinexistentes1 .

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Os rebatimentos dos ajustes entãoimplementados no espaço europeu, atingiramigualmente as relações proxêmicas, que foraminteiramente remodeladas. Elas tiveram impactodireto na programação dos receptores adistância (olhos, ouvidos e nariz) e nosreceptores imediatos (pele, membrana emúsculos). Os espaços auditivo, visual e olfativoforam ressocializados a partir da preocupaçãode perceber, reconhecer e de impor padrõesestéticos adequados às pretensões e objetivossocialmente hegemônicos.

Tal domesticação da sensibilidade éinseparável do processo de domesticação docorpo, ou melhor, corpos: masculino e feminino,negro e branco, criança e adulto, braçal eintelectual, rico e pobre. No caso da classetrabalhadora, esta domest icação incluiuprocessos particularmente mort if icadores,brutais e violentos2 .

Assim, muito antes de inaugurar omassacre das populações indígenas, escravizarmilhões de africanos e submeter os povos daÁsia e Oceania, a criação das novas identidades

nacionais européias (por sinal dificilmenteidentificáveis no tecido étnico europeu algunsséculos antes), ensejou um genocídio semprecedentes de centenas de grupos, de seusfalares, de seus gostos, de suas festividades,de suas relações sócio-ambientais, que emquase todos os casos desapareceram parasempre3 .

Por conseguinte, e ao contrário dopensado por muitos, o fortalecimento dasmonarquias nacionais européias não seespecificou unicamente na discriminação contraos judeus, muçulmanos ou ciganos, mastambém contra todos os que fossem diferentesno próprio âmbito europeu, aí incluídos osetnicamente assemelhados. Milhares decomunidades camponesas, seus hábitos etradições seculares foram destroçados para quepudesse vingar o tempo progressivo e o espaçoartificial que o acompanhava alguns passosatrás. Foi posteriormente a uma imensaoperação de “purificação étnica” realizada emsolo europeu que as potências colonialistaslançaram-se à imposição de seu domínio noalém-mar.

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O RETORNO DOS BÁRBAROS

Esta peça alegórica elaborada pelo fascismo italiano é exemplar da ressemantização dos estereótipos étnicos e raciaisna sua relação com o espaço. Na imagem, há uma clara retomada do velho mito dos bárbaros que assediam o mundo

civilizado, confundido com a península. O texto no alto da imagem também adverte qual é o elemento comum aos“inimigos”: são todos os que não falam a nossa língua (Reproduzido de SILVA, 1975:80).

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A formação do Estado Espanholexemplifica as linhas gerais deste processo.Primeiramente foi selada a unificaçãomonárquica, pela união dos Reinos de Castelae Aragão (1479). Sucede-se rapidamente aofensiva contra o último reduto muçulmano naPenínsula Ibérica (o Reino de Granada) e aexpulsão dos judeus espanhóis (gerando adiáspora sefaradita). Após esta purificaçãoétnica, inicia-se então - a partir da “Descoberta”da América - o genocídio do negro e do indígenaamericano. A interconexão entre estesacontecimentos transparece mesmo em nívelcronológico: a destruição do Reino mouro deGranada, o banimento dos judeus e a viagemde Cristóvão Colombo (considerada como marcoda opressão do negro e do indígena) sãoeventos que ocorreram num mesmo (e fatídico)ano: 1492.

Este mosaico de medidas foi referendadopor um Arquétipo Espacial específico daconsciência social que passa a impregnar oocidente. Ao contrário dos arquét ipos dopassado, este não inclui as emanações ou fluxosnaturais. É um arquétipo divorciado da Naturezaenquanto piso geográfico. Ele esboça umadimensão espacial totalmente art if icial egeometrizada, expressão da matematização dotempo e de sua autonomia frente a quaisqueroutros fluxos temporais. Este arquétipo exaltatraços meliorativos como o alto, o reto, o limpo, oracional e o não-sexual. Exclui o impuro, o sujo, oinferior, o prazer e o espontâneo. Nele, o processode significação se ensaia antes mesmo daconstituição dos signos.

Assim sendo, é perceptível um imagináriotopológico nitidamente diferenciado de seuprecedente feudal. Na Idade Média, o ArquétipoEspacial estava eivado de conotações hojeentendidas como arcaicas ou ingênuas.Explicitar iam este imaginário medieval: aexplicação ptolomaica do universo, com umaTerra plana ocupando seu centro; Jerusalémcomo o omphalos do mundo habitado e emdecorrência disto, do universo; o registro, nosmapas medievais, de toda sorte de bestas eanimais fantásticos, procedentes de umabiologia maravilhosa; o domínio de concepções

mágicas relativas aos ventos, às mares, aosvulcões, aos terremotos e tufões; crença de queo espaço habitado coexistiria com o Jardim doÉden e com reinos imaginários como o dePrestes João e assim por diante.

Com a constituição do novo ArquétipoEspacial esboçado com base em um sistema querepudiava os f luxos da natureza, novasprefigurações ganham substancia social,ocupando o lugar das antigas. Este novoarquétipo irá assegurar a hegemonia dainterpretação progressiva do tempo social eexcluir um conjunto de elementos míticos quedeixam de possuir sentido com o avanço daModernidade.

Nada melhor espelha as injunções destenovo arquétipo que a Cartografia que passa aser desenvolvida no ocidente1 . O eurocentrismo,acompanhado da laicização do espaço, passa aimperar nas representações cartográficas. AEuropa é representada na parte superior dosmapas, posição antes ocupada pela Ásia (casodo Mapa de Roda medieval ou Orbis Terrarum).Jerusalém, que era costumeiramente destacadano centro do mundo, perde esta localização coma descoberta da rotundidade da Terra.

As representações cartográficaspassaram a ser, como reflexo da matematizaçãodo tempo, rigorosamente esquadrinhadas poruma rede de coordenadas geográficas,“garantindo segurança e exatidão das viagensmarít imas e sucesso dos negócios dosmercadores europeus” (SEVCENKO, 1984:11).Expressão do domínio espacial crescente doCapital ismo, as grandes viagenstransoceânicas, como a Viagem de Colombo(1492), a chegada de Vasco da Gama nas Índias(1502) e a circunavegação do globo por Fernãode Magalhães e Sebastião Del Cano (1519/1522), são indissociáveis dos avanços dageometria, da física, da matemática e daastronomia.

Const ituindo uma representaçãomatematizada e laicizada do espaço geográfico,a cartografia moderna expulsa dos mapasaquelas representações típicas da iconografia

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judaico-cristã, como o Paraíso Terrestre, a Arcade Noé e a Torre de Babel, que haviam sidocostumeiras nos mapas medievais duranteséculos. Desapareceram também diversoscontinentes insólitos , tais como Thule, aHiperbórea e Atlântis. Criaturas fantásticas,como sát iros, serpentes marinhas, grifos,basiliscos, a ave roc, as harpias, o odradec, osunicórnios, as salamandras e os antílopes deseis patas são empurrados para uma reservaimaginária do natural, pois são incompatíveis comum espaço cada vez mais geometrizado.

Tais símbolos, seres e territórios, emalguns casos acompanhados dos povos e daspopulações que haviam const ituído seusinterlocutores concretos, migram penosamentepara o domínio das lendas, do folclore popularou então para a esfera do irracional. Desta

derradeira fortaleza, estes excluídos, agorametamorfoseados em criaturas monstruosas,lançam-se, vez por outra, em investidas noespaço do sono e dos sonhos, gerandopesadelos e sobressaltos.

Fora dos limites europeus, este processoé repetido pela desterritorialização dos não-ocidentais e conseqüentemente, pelaressemantização de seus espaços. As massascontinentais são nominadas ou rebatizadas aogosto da cultura européia e incorporadas aomapa-múndi a despeito de estarem ou nãoefetivamente ocupadas. Simbolicamente, noentanto, já fazem parte de uma expectativaespacial futura e mais do que isto, umaprefiguração, consignada no plano semânticoinclusive, quanto à sua estereotipia2 .

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QUATRO EXEMPLOS DA “TOPOGRAFIA CRISTÁ DO UNIVERSO”

Estas quatro ilustrações são representativas de uma Topografia Cristã do Universo, incorporando diversos significadossimbólicos e conotações míticas. Nestes quatro exemplos, em razão das prefigurações que habitavam o imagináriomedieval as dimensões relativas às cidades e aos países estão dilatadas ou hipertrofiadas. Assim temos: (I): Um

exemplar do Mapa de Roda (ou T no O), de autoria de Isidoro, Bispo de Sevilha (570/636 d.C.), que impressionouvividamente a mentalidade do homem medieval. Foram confeccionados centenas destes mapas durante toda a Idade

Média. Eles preservaram a divisão da Terra em zonas idealizadas pelos gregos (Europa, Ásia e África) sendo conotadas,implícita ou explicitamente, pela noção de centralidade de Jerusalém, cidade situada na charneira dos continentes.

Também identificavam as áreas de dispersão dos filhos de Noé (Sem, Cam e Jafet) e em vários casos, a localização doParaíso Terrestre; (II): Mapa Retangular de Beato (Séc. VII d.C.), monge beneditino espanhol, orientado para Leste, “ondefica o Jardim do Éden”; (III): Representação feita pelo sábio armênio Cosmes Indicopleustes (VI d.C.) da concepção de

Mundo Tabernáculo, por ela defendida. As terras emersas irradiam-se a partir de uma grande montanha (Ararat?) comCristo, Filho de Deus, adornando a abóbada celeste; (IV): Mapa datado da época de Carlos V e executado entre 1364 a

1372, com Jerusalém no centro do mundo e indicando a direção dos doze ventos.

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Para o caso do assim chamado VelhoMundo, caso da Europa, África e da Ásia, utiliza-se uma toponímia cujas origens perdem-se emmeio ao passado greco-romano. Europacorresponde a uma amante de Zeus nos mitosgregos, relacionada mit icamente com acivil ização minóica, e, não sem razãoincorporada com uma referência central para aidentidade Ocidental pela Renascença.

O continente africano é tomado como oconjunto de terras situadas ao sul do que osromanos haviam definido como Afri, antigamentehabitada pelos garamantes, númidas, líbios emauritânios. Quanto a Ásia, originalmenterestrita à Anatólia e suas imediações, foiespacialmente expandida de forma a abarcaros povos situados a Leste desta península, valedizer, os árabes, tártaros, mongóis, indianos,populações thais e indonesianas, assim comoos habitantes de Katai (China) e Cipango (Japão).

Os outros cont inentes, consist indoem territórios absolutamente novos para oseuropeus, também terminaram incorporadospelo regime de anexação simbólica. A Oceania,conforme sugere a própria denominação,encontra seu critério definido no fato de seusinumeráve is arqu ipé l agos esta remseparados por mares br av ios etempestuosos. A América, por sua vez, ouNovo Mundo, dantes uma massa continentaldesconhecida pelos europeus - patente emdenominações como Terra Incógnita, usuaisem muitos mapas seiscent istas - evoca aatuação de um dos exploradores europeus,Américo Vespúcio.

Toda esta renominação const i tu iuuma autentica violência simbólica, apagandoquase de uma hora para outra, a totalidadedas formulações espaciais anteriormenteexistentes, fruto de especulações milenaresdas geografias sensíveis de um universomúlt iplo e heterogêneo formado por não-brancos, não-ocidentais e não-burgueses 1 .

A Cartografia Ocidental é um dosepifenômenos que evidenciam o caráterexcludente de um Arquét ipo Espacial

encarnando uma visão de mundo de caráterracionalizante. Tal Arquétipo materializou-se porintermédio de uma reorganização nacional doespaço geográfico, pelo agenciamento de novosenquadramentos de segregação espacial (casodos guetos e das senzalas) e sumamente, pelareinterpretação de todas as escalascompreendidas entre o homem enquanto self desi mesmo e o universo (Ver neste sentido,BYINGTON, 1992).

Est e mov iment o encarna umaequação per versa ent re o natu ra l e oartificial, da qual emanam as prefiguraçõessobrenaturais do racismo. Em conseqüência,o espaço tornou-se agente viabil izador esimultaneamente, desencadeador de umahierarquia racial. Ele expressa uma esferado rac ional que expurgou, pe laart ifícialização do mundo, tudo o que nãocondizia com sua auto-imagem, terminandopor atribuir à natureza - negada e combatida -os lineamentos de negatividade que observamaterializado no outro2 .

Esta radical representação de mundoexp ressa a p retensão de um pad rãocivilizatório, o Ocidente, em mundializar ummodo de espac ia l i zação que sesubst ant ivando apenas como igual a s imesmo, somente pode conceber o outro soba ótica da extrema diferença. O racismo seimpõe como um paradigma fundamentado emum processo exp l íc i t o de “condenar edes ter ra r va l e d izer, deste r r i to r ia l i zarpessoas, raças e culturas em favor de umatotal i zação ident if icatór ia prat icada pe ladominação alienante” (CHEBABI, 1992: 108).

O r ac ismo, subproduto de uma,espac ial i zação ar t i f i c ia l izante, não podedeixar de confundir-se com aquela dimensãocolocada como diametralmente oposta aoimpério da razão, ou seja, o irracional. Adiscriminação racial transparece como umemocional invert ido, que no plano socialc i r cunsc reve uma ideol og ia e no dopsi quismo, uma patol og ia ( JAHODA etACKERMAN, 1969).

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Neste sentido, o Arquétipo Espacial doOcidente, ao valor izar o geométrico e omatemático, o retilíneo e o uniforme, guardaíntimas relações com a discriminação racial. Emdesajuste com os dinamismos corporais,orgânicos, naturais e cósmicos que sempreforam valorizados pelas culturas antigas, estearquétipo molda estereot ipias e traçospejorativos para com o outro, que sempre é algoque não é. A Artificialidade, concretizada emPróteses (SANTOS, 1988) cada vez mais rígidas,reproduz a mais violenta construção teórica deexclusão do outro jamais idealizada. Tendo oprimado do racional como princípio ordenadorgeral, ela é necessariamente excludente ediscriminadora.

No Ocidente, “a racionalização do mundovem carregada daquela angúst ia mít icaradicalizada travestida de controle, de certeza,de onipotência, de exatidão, da verdade, donão-medo. O homem seria o mentor doprogresso, o construtor de sua história, otransformador da Natureza, e com isso, mudariaa feição do mundo e a de si próprio. Progressovem signif icar domínio, em relaçõesreconhecidamente assimétr icas, onde sejustifica em seu nome a morte das “culturasatrasadas”, de povos que entravam odesenvolvimento, das tradições que insistem emmanter crenças fora dessa “nova” ordemuniversal” (DIÓGENES, 1992:3).

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No entanto, o tr iunfo da razão, daracionalidade e por extensão, o esmagamentodo não-racional, cobram um alto tributo emtermos de uma angústia civilizatória. Ao lado doArquétipo Espacial que permeia a atuação doHomem ocidental nos espaços que cria para simesmo e nos alheios que pretende dominar,sedimenta-se lenta, mas inexoravelmente, umterritório cheio de torvelinhos e pulsões,mortificação e sofrimento, profanação e terror,ansiedade e ódio.

Neste âmago, convivem todos ossentimentos reprimidos, formando uma reservapulsante do irracional, resultado direto do avançoconstante da artificialidade. Quando extravasamesta delimitação territorial, tais pulsões seatiram decididamente na tarefa de conspurcar,violentar e profanar, macular o belo, o gentil, ovirtuoso, o piedoso e o maravilhoso. Em especial,elas encontram o seu alvo nas formas que foram

eliminadas do espaço, desqualificadas pelotempo, atiradas para fora da História e daGeografia.

Este território pleno de sentimentosreprimidos, de fluxos pervertidos do inconscientesocial, está circunscrito a um mapa, a umaCartografia, cujos significados topológicosdecorrem daquela dessacralização dos valorese das crenças que durante a maior parte dahistória humana constituíram seu espólio maisvalioso.

Uma geografia peculiar ganha, em níveldo imaginário, contornos cada vez mais nítidosna medida em que novos prisioneiros sãodesembarcados neste espaço. Com o avançodo modo de espacialização capitalista, umcontinente inteiro passa a ser colonizado porfantasmas e aparições. É povoado por seresprofundamente temidos, pois neles, apesar datortura e da profanação, ainda são

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reconhecíveis os traços do humano, ou melhor,do demasiadamente humano.

Formam-se cor rentes mig ratór iasformadas pelos seres fantásticos expulsosdos mapas medievais e posteriormente, dosque habitavam as geografias sensíveis dospovos de an tanho . Chegam tambémprisioneiros acorrentados, vi l ipendiados emald i tos, que antes respondi am pe lai r r ad iação do lúd ico e do sensual ,condenados ao exílio em função do trabalhoprodutivo e exaustivo.

Gradat i vamente, este con t inenteterminou por abarcar e aprisionar tudo o quenão fosse branco, oc identa l e burguês,epílogo de uma estratégia montada por umacivilização em guerra total contra o outro e ouni verso . Malgr ado o Oci dent e tenhaalcançado v i tór i as objet i vas sobre aNatureza, sobre o outro e inclusive sobre simesmo (ao negar aquelas característicasque compartilha com “os diferentes”), estepadrão civilizatório, mesmo não querendo,tem que se defrontar a todo o momento comas sombras, com os negat ivos e com asimagens que nega.

Nes te espaço che i o de tensõesacumuladas, uma pressão continua ameaçaromper de vez a fina crosta da racionalidade,vazando para a superf ície. Neste subsolopsíquico, formado à custa da erosão dasformas que dantes existiam em parceria como humano, imperam a desol ação , adegradação, os impulsos do extermínio, daviolência e da morte. Num sentido não sómetafórico este subsolo pode t ragar osindivíduos a evidenciar o que literariamente jáfoi descrito como uma metamorfose1 .

De considerável influência sobre opsiquismo humano, a negação dos desejos, doafeto, da imaginação, da fantasia e a absolutaexclusão do outro de si mesmo, explícito no nãoreconhecimento das características comuns quepodem levar os humanos, em diferentes escalassensíveis, a solidarizarem-se entre si - tarefaesta que o Ocidente desempenhou cominigualável maestr ia - respaldam at itudesperversas comparti lhadas por todas asmanifestações de racismo no Ocidente.

Os resultados desta opção civilizatóriaem favor da quebra dos vínculos com a sombra,com o reflexo e o bloqueio do olhar na direçãodo outro, foram dramáticos. O Ocidente, em suamarcha triunfante rumo à universalização dointercambio, acabou excluindo não só o outrode fora, mas principalmente, o outro de si mesmo.

A propensão em submeter, em destruirtudo o que não se ajustasse ao paradigma dauniformidade, da homogeneidade e de um“universal” que seria sua cópia transplantadapara todos os cantos da Terra, levou a CivilizaçãoOcidental a gerar, de dentro de suas vísceras,uma patologia específ ica, suscitadora danegação da vida, tendo na discriminação racialuma de suas vertentes mais poderosas.

Tal imaginário da negação retoma ereatualiza, fortalece e rearticula o que Freuddenominava de Mal-estar da cultura, cujossintomas reportam a um subsolo psíquico quea razão ocidental teima em negar, ignorar oudesqualificar2 . Em contraste com o onipresenteespelho planetário construído às expensas dasformas antigas pré-existentes, da negação dohumano ou do humano que existe no outro, aCivilização Ocidental vive atormentada com apossibilidade de que esta fina superfície de vidroresplandecente se rompa.

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A REAPRESENTAÇÃO DOS ALIENÍGENAS E AICONOGRAFIA PSICOLÓGICA DA BESTIALIDADE

Peça anti-semita proveniente da Itália Fascista. Na imagem superior, há uma recuperação do bestiário medieval,composto por semimonstros e inumanos. Na segunda, o mito de identificação com base em critérios ditos “psicológicos”,

ou seja, comportamentais, legitimadores da bestialidade (Reproduzido de SILVA, 1975:80).

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Ela é tomada de pânico cada vez que avoragem do reprimido pulsa por detrás dapelícula que permite encantar-se consigoprópria. Mais que qualquer outro temor, estacivilização doente, angustiada, insatisfeita e,sobretudo anti-humana, está continuamenteatormentada pelo receio de ser afogada portudo o que abomina e odeia.

Os gregos antigos já haviam concluídoque Narciso, encantado consigo próprio eindiferente a tudo que não fosse seu própriobrilho, somente poderia caminhar para a morte.No mito renovado que é o Ocidente, cujogigantesco espelho confunde-se hoje com oscontornos do planeta, o racismo - supremamanifestação de um delírio autista, de umaglória centrada em si mesma, ou ainda, danegação do amor - poderá finalmente tragar seupróprio criador, desnorteado com o labirinto domal que ele mesmo criou.

PONDERAÇÕES, ADVERTÊNCIAS ECONCLUSÕES

Ante a um desafio tão profundo quantodiscutir a discriminação racial, seria difícil esgotaresta problemática em alguns poucosparágrafos. Podemos, no entanto, elencar, combase nos argumentos e orientaçõesamealhadas, algumas conclusões gerais comrelação ao tema que nos propusemos discutir.

Sinteticamente seriam:

1. A questão do racismo é indissociável dasinterpretações do tempo social, com as quais searticulam as diferentes estratégias de organizaçãodo espaço, este último entendido como um lequeque apreende os mais diversos estratos,coordenados, no caso da Modernidade, por umArquétipo Espacial racionalizante e, portanto,promotor da artificialidade. Neste sentido, aModernidade evidencia um enrijecimento crescentedo espaço, que tende a materializar-se em umEspaço-Prótese, no qual estaria caracterizado otriunfo total e definitivo do tempo linear e progressivosobre todos os demais fluxos, tanto os naturaisquanto os da natureza e do homem.

É assim que um texto recente refere-sea um predomínio dos meios, suscitando novasformas de sociabilidade: “Nos meios decomunicação, mas também na arquitetura, nourbanismo, política, educação, as formas desociabilidade acompanham profunda mutaçãocultural que redefine os comportamentos, asatitudes, permit indo a emersão de novastécnicas, novos modos de ser e comunicar” (...)“Essa mutação, a racionalização visceral danatureza pela técnica, foi descrita por Heideggercom o nome de Ge-Stell. Consiste, sobretudonuma vasta operação de prótese (telas, vídeos,máquinas intel igentes, automatizações,tecnocratismo) sobre o real tradicional, inclusiveo próprio sujeito humano, que começa a perdertodas as velhas representações de unidade ouentidade. Dos meios tecnológicos emergem deorganização social descomprometidas com finsético-sociais” (1992: 45).

Esta tendência está refletida, porexemplo, na tecnif icação das polít icas deinterdição a de controle espacial. Nos dias dehoje, os muros, paliçadas e muralhas queoutrora vedavam a China, o Egito e o ImpérioRomano do assédio dos semimonstros,fantasmas, aparições e bárbaros, foramsubstituídos por cercas eletrônicas, municiadascom sensores de raios infravermelhos, visorespanópticos e alarmas automáticos. Orastreamento dos al ienígenas é tambémacompanhado por satélites em órbita geo-estacionária, capazes de focalizar o menorobjeto e detectar o menor sinal de perturbação.

Este Espaço-Prótese em processo deformatação implica numa recontextualizaçãogeneralizada da discriminação. Esta se ampliainclusive pela adição de novos excluídospotenciais ao padrão clássico composto pelosnão-ocidentais, não-brancos e não-burgueses.Este parece ser, seguramente, o caso dositalianos do Mezzogiorno. Os profundosdesequilíbr ios estruturais da Nova OrdemInternacional também garantem oaprovisionamento de novas explosões deviolência racial, tanto nos paises centrais quantonos periféricos.

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Quanto à aos países da antiga URSS,valhas rivalidades conotaram situações deguerra aberta, caso do conflito entre a Armêniae o Adzerbaidjão, assim como acirraram osconflitos internos na Moldova, na Geórgia e nointerior da própria Rússia. A Europa assistiuainda a questão dramática dos muçulmanos daBósnia, vítimas de uma política de purificaçãoétnica encetada pelo redivivo nacionalismosérvio. Estes novos diferentes, somam-se àcategorias mais ant igas, como os negros,judeus, ciganos e indígenas, que por sua vezsão objeto de uma ofensiva rediscriminatória.

A discriminação racial recrudesce emmomentos em que a universalização perversa(SANTOS, 1978) é reforçada por padrões ditoshigh tech, como antenas parabólicas, circuitosintegrados, telefonia celular, redesinformatizadas, fibras óticas, técnicas desensoriamento remoto, inteligência artificial, fac-símile e imagens de alta resolução. Este sistemade corredores de circulação é acessívelexclusivamente à minoria que pode monitorarcircuitos, fluxos e próteses.

Desta forma, na nova Aldeia Global (MCLUHAN et FIORE, 1971), na qual o tempoprogressivo dispõe da maior mobilidade de todasua história, os movimentos dos homens estãoparadoxalmente bloqueados, contidos esujeitos a um controle cada vez mais severo,em vista da formação de uma imensa massa dedesvalidos desespacializados que acodem semcessar para as arenas territoriais de afluênciada Modernidade.

Há quem considere esta massa dedesvalidos como o cerne de um imenso arrastãoplanetário, obrigando a uma redobrada vigilânciadas entradas e saídas dos espaços centrais.Estes novos alienígenas, granjeados agora poruma série de denominações tornadas universaispela mídia, tais como Outsider, Ausslander,Disabled Persons, Clandestinos ou Boat People,procuram burlar as linhas de defesa desteimenso muro que separa o Norte do Sul doplaneta. Porém, apesar de constantementecontidos, detidos ou expulsos, suas

movimentações cont inuam simplesmenteincontroláveis. Eles resultam de pré-condiçõesobjetivas que tem restringido cada vez mais oespaço de parcelas consideráveis doshumanos1 .

Em face deste cenário intranqüilo etumultuado, que promete projetar as maisaterradoras probabil idades de domínio dohomem sobre o próprio homem (via engenhariagenética, implantação dos closed sistems -ecossistemas fechados, etc), o combate aoracismo não pode ser desvinculado do resgatedo tempo e tampouco da releitura da dimensãoespacial. Esta questão remete obrigatoriamentea luta ant i-racista para um referencialambientalista, construído na perspectiva dosinteresses populares, pela eliminação de todasas formas de genocídio, etnocídio e ecocídio(FORUM GLOBAL, 1992).

2. É preciso ressaltar o relativo atrasodas posturas críticas ao status quo frente aoformidável pacote de medidas que prenunciamdesde já a implantação de um projeto políticocontrário aos interesses dos povos, a começarpelos do próprio Norte, aparentementecondenados a gozar de uma instávelprosperidade com base na opressão de umavasta multidão de outros.

Mesmo esta afluência não escapa dequest ionamentos profundos. Ela estámaterializada em metrópoles ecologicamenteinviáveis, nas quais reina uma onipresentesolidão humana, combinada com um padrão deconsumo perdulário com base em bensdescartáveis. Uma desutilidade qualitat ivaexplicitada na oferta de uma parafernáliaeletrônica ou de lazer teledirigido, substituiprogressivamente a qualidade de vida comoparâmetro de bem-estar (Vide SODRÉ, 1992:48).

Neste sentido, é preciso resgatar aconhecida advertência de Milton SANTOS pelaqual “a maioria das teorias espaciais sãoestát icas e fazem com muita facil idadeabstração do homem” (1978: 19). O espaço nãopode ser reduzido a um patamar epistemológico

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que o restrinja às suas manifestações concretas,das quais é extremamente difíci l, emconformidade com o que o próprio textoprocurou evidenciar, desvincular os importantesvínculos mantidos com a esfera do imaginário.

Urge reelaborar os conceitos relativos aoespaço, art iculando em uma mesmaargumentação o pensar o espaço e o produzir oespaço, possibilitando o entendimento de como opoder se inscreve nos solos e nos discursos(MORAES, 1988: 135). O espaço apreendedimensões sensíveis que tem sido manipuladasa todo instante pelo poder, transformando-asem signos e abrindo caminho para os corredoressemânticos da discriminação, especificando-senas mais diferentes modalidades (no tocanteao universo concentracionário (Vide BLIKSTEIN,1987).

Na medida em que, conforme salientaMaurice MERLEAU-PONTY, o advento da ordemhumana confunde-se com o advento da funçãosimbólica e que esta só encontra o realadiantando-o no imaginário (1980: 203), torna-se evidente o importante papel a serdesempenhado pelas heranças etno-culturaisdo passado quanto à constituição de umaalternativa real ao tempo-espaço daModernidade.

Nesta ordem de preocupações, ascomunidades tradicionais, ou como poderiatambém ser sugerido, as comunidades locais, aopautarem uma apropriação ao mesmo tempoobjetiva e subjetiva do espaço e ordená-losimbolicamente de forma a capacitá-lo a ser umelemento de resistência ao modo deespacialização hegemônico (SODRÉ, 1992: 53),estão tanto questionando uma espacialidadeestéril e desumanizada quanto suscitando umanova metodologia de conhecimento e de culturapolít ica, pela qual “o passado torna-sepresente. na tarefa de traduzir novas formasde verdade” (DIÓGENES, 1992 : 7).

Por fim, se é verdade que o desafio emconstruir uma nova teorização do tempo-espaçona perspectiva dos oprimidos está colocada paraa academia (e nesta, para os geógrafos e

antropólogos, especialistas nas duas categoriasconceituais, respectivamente o espaço e acultura, que estamos discutindo), não é possívelpensar este resgate do espaço, do tempo e dacultura sem a participação dos movimentossociais. No século XXI, a situação deModernidade impõe aos seus pólos críticos anecessidade de articular esforços em camposque tradicionalmente estiveram estanques esem contato entre si.

3. Em decorrência do que já foi exposto,a confrontação com o Espaço-Prótese implica emuma reinterpretação do sujeito humano, umarequalifícação do homem, de seus tempos e deseus espaços. Na artificialidade rígida queirrompe das entranhas do tempo l inear eprogressivo, estão colocadas as maisaterradoras probabilidades de dominação, umadmirável mundo novo cheio de brumas, dechuva ácida intermitente, de plásticos, decorrosivos, de penumbra, de vazio, de solidãoe de altos edifícios.

Aparentemente, desenvolve-se nos diasde hoje uma colonização do imaginário queparece inspirar-se em um conto de Jorge LuisBorges: Tlön, Uqbar, Orbis Tertius. Nestainstigante narrativa, o escritor argentino retratauma seita que reconstrói o universo através deimagens, de objetos e informaçõessilenciosamente introjetadas no mundo real,uma atividade que gradativamente vai erodindoas formas existentes e ao esvaziá-las, insereprefigurações fictícias, que aos poucos se tornamrealidade.

Uma nova seita nos dias de hoje utiliza-se de estratégias de consumo simbólico pelasquais, está moldando por dentro o conjunto dahumanidade. Estes novos parâmetros e novossignos estão lentamente se imiscuindo emnosso cotidiano. Eles não são percebidos, poiscomo no conto de Borges, eles são notórios. Estescorredores semânticos estão cr iando umarealidade virtual na qual ensaia-se o diálogosobrenatural do mito da Modernidade, que temnela mesma seu único interlocutor, visto quetodos os demais mitos já estariam mortos,

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sugados ou definitivamente expurgados damente humana.

Neste diá logo sobrenatural , estásugerida inclusive uma nova carne, adaptadaàquela prenunciada pelo cineasta canadenseDavid Cronemberg, pela qual a tela, seria aret ina dos olhos da mente . O homem seencont ra hoje, na posição de cr iar,verdadeiramente, a totalidade do mundo emque vive e ao qual os etólogos se referem comoseu biótopo. Ao criar este mundo, está naverdade, determinando que tipo de organismoserá (apud HALL, 1981: 15).

Este pensamento assustador, diantedo pouco que conhecemos do próprio homem,reflete a constatação de uma profundainflexão histórica em curso, desdobramentofinal do Arquétipo Espacial decorrente do modode espacialização capitalista. Muito mais que uminesperado atalho da história, tais seqüelasconstituem um resultado óbvio e previsível. Aar t if i cia l idade absoluta e o caráterostens ivamente ant i -humano destametamorfose pressupõem uma arquitetura dedominação frente a qual o nazi-fascismo nãopassaria de uma aventura de principiantes.

Assim, uma requalifícação do paradigmahumano é fundamental para todos aquelesque, concreta ou potencialmente, antagonizamcom esta nova versão de Fausto que é aModernidade. Cumpre com certeza um papelestratégico nesta reformulação, a questão dadiversidade humana, na qual todos são emalgum momento, o outro dos outros . Apercepção da relação Eu-Out ro, “comoexpressão de arquétipos comuns ao individual,ao social e à natureza, nos permitirá observarum fato da maior importância, ou seja, que oArquétipo da Alteridade é comum ao amor, àDemocracia, à Ciência e à Ecologia” (BYINGTON,1992:141, grifos meus).

O conceito de bem, adverte LoreleyGARCIA, “é moral, geográfico e atemporal”(1985: 25). É, pois no domínio da sensibilidade,

do tempo a do espaço, que se materializa onovo, o transformador e a retomada do própriohomem, através do “desafio de umrelacionamento sempre novo com a vida e amorte” (LEÃO, 1992: 228). É nesta busca donovo, do fluente, do vívido e pelo resgate dasesferas sensíveis negadas por um mundo queexcluiu de suas preocupações questão tãoessencial quanto o desprendimento de si mesmoe a procura do outro como algo inerente àident idade humana, que se estabelece ointeiramente humano.

“Fluindo na direção da morte, a vida dohomem arrastaria, consigo, inevitavelmente,todas as coisas humanas para a ruína e adestruição, se não fosse a faculdade humanade interrompê-las e iniciar algo novo,faculdade inerente à ação como pereneadvertência de que os homens, embora devammorrer, não nascem para morrer, mas paracomeçar” (Hanna Arendt, citada in DIÔGENES,1992: 8).

É neste anseio pelo inesperado, peloreequlíbrio, pelo relacionar-se, que os homensrecuperam o espaço do sonho e da esperança,e com ele, a perspectiva de um novo projetopolítico. Conseqüentemente, a diversidade,humana e a não-humana, devem estarnecessariamente contempladas como pauta depreocupações da humanidade.

A Modernidade, alertamos ao longodeste texto, foi construída com o recurso deum imaginário excludente e negador do outro.A discussão sobre a discriminação, ao envolvero paradigma da alteridade, é um dos temasque mostram problemáticas insolúveis nosmarcos do imaginário vigente. Porém, aotorná- las transparentes, a discussão dadiscriminação é de molde a catalizar um outroimaginário, esposado por milhões de homense mulheres que apesar de excluídos, negados,desqualif icados e oprimidos como nunca,ainda assim insistirão em construir sua própriaHistória.

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Notas

1 “A própria percepção que o homem tem do mundoem torno de si, é programada pela língua quefala” (HALL, 1981: 15).

2 No Século XVI, por exemplo, a população ruralinglesa, expropriada e expulsa de suas terras eem seguida, compelida à vagabundagem, foi“enquadrada na disciplina exigida pelo trabalhoassalariado por meio de um grotesco terrorismolegalizado que empregava o acoite, o ferro embrasa e a tortura” (MARX, 1975:854).

3 “Geralmente fala-se muito que os europeusdestruíram as civilizações dos Maias e Astecas,quando da conquista da América, mas nosesquecemos que eles primeiro eliminaram osdiferentes dentro da própria Europa. Onde estãoos godos, visigodos e celtas, por exemplo? Nopróprio continente europeu, quem não erahegemônico, quem não era dominante, tambémfoi destruído” (PORTO GONÇALVES, 1992: 6).

4 A Cartografia sempre espelha as prefiguraçõesespaciais de uma dada cultura ou civilização. Osmapas, ao resultarem de uma seleção de dadosimplementada em atendimento ao que éconsiderado relevante para um imaginárioespacial, guardam forte identidade com oarquétipo que os influenciou. Desta feita, aCartografia faz uso, consciente ou não, de umaparato simbólico cujas significações decorremdas expectativas espaciais pertinentes a umdeterminado padrão civilizatório e sendo assim,seu papel extrapola mera apreensão ou aferiçãoobjetiva do espaço.

5 A estereotipia é evidente, por exemplo, notopônimo África. Embora de difícil averiguação,“essa palavra parece, para muitos autores, daruma idéia aproximada de calor, ausência de frio”(MUNANGA, 1984: 161). A tropicalidade da Áfricaconstituiu, por sua vez, um dado que foisucessivas vezes explorado para “confirmar” umainferioridade tida como inerente ao negro-africano, quando não um resultado do meionatural deste continente.

6 A Cartografia Arcaica espelhava outras acepções,ditas “cósmicas”, nas quais transpareciam asfortes articulações do dinamismo social com osfluxos naturais presentes no espaço geográfico.

Os antigos mapas egípcios, chineses emesopotâmicos reproduziam, por exemplo, aconcepção de que o espaço habitado era orebatimento de um arquétipo celestial (ELIADE,1978), e le mesmo povoado por deusesresponsáveis pela emanação de poderosas forçaspresentes no ambiente natural.

7 “Todas essas conjecturas nos servem para entenderque todas as razões que se montam minuciosa e”objetivamente” para caracterizarnormativamente as diferenças e traçá-las comodiversidades portadoras do caos, tem sidomaneiras de manter-se numa reflexão que tantofagocita o objeto, tornando-o fantasma do sujeitoque o estuda, quanto aliena a subjetividade deste”(CHEBABI, 1992:110) .

8 Em texto consagrado a análises literárias, GiselaPANKOW (1988), ao abordar a problemática dohomem e de seu espaço vivido - ou seja, seucorpo - salienta que os processos dedesintegração da personalidade encontram suatradução em metamorfoses, nas quais o fenômenodo corpo dissociado é objeto das mais atrozesexperimentações. É o que está ilustrado por FranzKAFKA em obra homônima. A metamorfose deGregor Samsa, o personagem central, em ummonstruoso inseto (por sinal não especificado),mostra uma transformação pela qual umindivíduo foi simbolicamente tragado por seusubsolo psíquico, prefigurado na imagem doinseto.

9 Em 1931, Sigmund Freud terminava seu célebreensaio O Mal-estar da Cultura, com as seguintespalavras de advertência sobre as possibilidades dedestruição total conferidas pelo processo deracionalidade na técnica e na ciência à violênciahumana: “os homens alcançaram um domínio talsobre as forças da natureza que se lhes tornoudifícil hoje em dia servir-se delas para seexterminarem até o último. Eles sabem disto, e daíprovém uma boa parte da inquietação atual, deseu mal-estar e de sua angústia. É de se esperarque o outro dos dois poderes celestes, o Eros eternofaça um esforço em afirmar-se na luta contra seuadversário, o Thanatos, também eterno. Mas quemé que poderá prever o resultado e o desfecho?”(citado in LEÃO, 1992:225).

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10 A intensidade deste deslocamento pode ser medidaatravés dos números referentes à detenção deimigrantes ilegais mexicanos pela polícia dos EUA,um caso considerado paradigmático. Nos anos1980, a média anual (1986/89) seria de 522.750detidos em San Diego, 111.000 em Phoenix,225.000 em El Paso e 162.500 em San Antonio(dados in WORLD MEDIA, 1991). Em 1990, a

polícia deteve um milhão de pessoas quetentavam atravessar ilegalmente a fronteira(idem). A repressão à imigração clandestina nospaíses da Comunidade Econômica Européiatambém se volta contra um formidávelcontingente de clandestinos oriundos do Ex-LesteEuropeu, do Magreb, Caribe, sub-continenteindiano e da África Negra.

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Trabalho enviado em fevereiro de 2008

Trabalho aceito em março de 2008

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