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FACULDADE DE ARQUITECTURA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto para o Vale de Carnide Ana Carolina Salvador Taveira Cardoso (Licenciada em Arquitectura pela FAUTL) Relatório do Projecto Final de Mestrado Integrado em Arquitectura com especialização em Arquitectura Orientador Científico: Professora Doutora Isabel Ortins de Simões Raposo, Professora Associada FAUTL. Co-orientador: Professora Doutora Alexandra Cláudia Rebelo Paio, Professora Auxiliar do I.S.C.T.E. Júri: Presidente: Doutora Graça Saraiva Vogais: Doutora Isabel Ortins de Simões Raposo Doutora Alexandra Cláudia Rebelo Paio Doutor Yves Cabannes Lisboa, FAUTL, Maio, 2012

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FACULDADE DE ARQUITECTURA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE

Sustentabilidade Participada: Um Projecto para o Vale de Carnide

Ana Carolina Salvador Taveira Cardoso

(Licenciada em Arquitectura pela FAUTL)

Relatório do Projecto Final de Mestrado Integrado em Arquitectura com especialização em

Arquitectura

Orientador Científico: Professora Doutora Isabel Ortins de Simões Raposo, Professora Associada

FAUTL.

Co-orientador: Professora Doutora Alexandra Cláudia Rebelo Paio, Professora Auxiliar do I.S.C.T.E.

Júri:

Presidente: Doutora Graça Saraiva

Vogais: Doutora Isabel Ortins de Simões Raposo

Doutora Alexandra Cláudia Rebelo Paio

Doutor Yves Cabannes

Lisboa, FAUTL, Maio, 2012

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

I

AGRADECIMENTOS

“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.

Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

Fernando Pessoa

Aos horticultores do Vale de Carnide agradeço o carinho e alegria com que me receberam em suas hortas e

partilharam as suas vivências.

Às minhas Orientadoras, Prof. Doutora Isabel Raposo e Prof. Doutora Alexandra Paio agradeço a disponibilidade

pessoal e a motivação constante.

A todos aqueles que contribuíram com a sua amizade neste percurso, agradeço a infinita paciência e o estímulo.

Ao Miguel agradeço o apoio incondicional, o sistemático encorajamento e por amparar sempre as minhas

dúvidas.

À minha família agradeço o carinho e a dedicação.

À minha mãe Anabela e ao meu tio Emídio agradeço o acompanhamento permanente e o amor inquestionável.

À memória do meu pai José, que esteve sempre presente no meu coração.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

II

Palavras-chave: Espaço agrícola, hortas urbanas, sustentabilidade urbana, processo participativo, arquitectura

sustentável

RESUMO

A falta de qualidade ambiental, o uso indevido do meio ambiente natural e a dependência alimentar das cidades

face ao exterior, tem suscitado o interesse pelo papel dos espaços agrícolas nos actuais modelos de

desenvolvimento. A ligação entre estes espaços agrícolas e a concepção e planeamento do ambiente construído

surge como nova área de estudo, reflectindo por um lado, uma nova consciência das questões ambientais, e por

outro a importância do sistema alimentar no funcionamento das cidades e comunidades urbanas. Esta relação

poderá não só fomentar uma produção, distribuição e consumo alimentar mais sustentável como poderá

transformar a própria concepção arquitectónica e urbanística, ao nível da projecção de edifícios e espaços

urbanos, contribuindo para a sustentabilidade urbana. Contudo, mudança alguma é alcançável sem uma forte

adesão dos cidadãos.

O Vale de Carnide, localizado na periferia de Lisboa, com grande extensão de hortas urbanas, serviu como caso

de estudo e palco para o desenvolvimento de uma estratégia de intervenção territorial, através de um projecto de

arquitectura sustentável, integrado e multidimensional, baseado no envolvimento dos actores na investigação

que sustenta o projecto, como ensaio de um processo participativo.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

III

Keywords: Agricultural spaces, urban gardens, urban sustainability, participative process, sustainable

architecture

ABSTRACT

The lack of environmental quality, the misuse of the natural environment and dependence on food from exterior

sources, the cities have raised interest in the role of agricultural spaces in their current development models. The

link between these agricultural spaces and the design and planning of the built environment emerges as a new

area of study, reflecting on one hand, a new awareness of environmental issues, and on the other hand the

importance of food system in the functioning of cities and urban communities. This relationship may stimulate a

production, distribution and food consumption more sustainable and can also transform their architectonic and

urbanistic conception on the level of projection of buildings and urban spaces, contributing to urban sustainability.

Significant change however can’t be achieved without a strong participation of the citizens.

The Carnide Valley, located on the periphery of Lisbon, with large extension of urban gardens, which served as a

case study and a stage for the development of a strategy for territorial intervention through a project of

architecture, sustainable, integrated and multidimensional, based on the involvement of actors in research that

supports the project, as a testing of a participatory process.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

IV

ÍNDICE GERAL

Página

INTRODUÇÃO

1. Enquadramento e pertinência do tema ................................................................................................................ 1

2. Objectivo do trabalho ........................................................................................................................................... 2

3. Caso de estudo .................................................................................................................................................... 2

4. Questões de partida............................................................................................................................................. 2

7. Metodologia da investigação ............................................................................................................................... 3

8. Estrutura da investigação .................................................................................................................................... 6

1. O PANORAMA DAS CIDADES DO SÉCULO XXI: O PROBLEMA DA INSUSTENTABILIDADE

1.1. Crescimento populacional das cidades............................................................................................................. 8

1.2. Da industrialização à cidade emergente do século XXI: o problema da expansão urbana ............................ 11

1.3. Desenvolvimento urbano sustentável ............................................................................................................. 12

1.3.1. Sustentabilidade urbana ................................................................................................................ 14

1.3.2. Sustentabilidade participada .......................................................................................................... 15

1.4. Metabolismo das cidades ............................................................................................................................... 16

2. O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE

2.1. O Campo que alimenta a Cidade .................................................................................................................... 19

2.2. A Cidade que alimenta a Cidade: Agricultura Urbana .................................................................................... 22

2.2.1. Porquê produzir alimentos na cidade? ......................................................................................... 25

2.2.2. Hortas urbanas e peri-urbanas ...................................................................................................... 27

2.2.3. Tipos de hortas urbanas ................................................................................................................ 29

2.3. Agricultura Urbana nas Redes Verdes Contínuas Urbanas ............................................................................ 30

2.3.1. Inserção da Agricultura Urbana na Estrutura Ecológica Urbana: Estrutura Ecológica

Municipal e o Plano Verde de Lisboa ...................................................................................................... 30

2.3.1.1. Parque Periférico de Lisboa.......................................................................................... 33

2.3.1.2 Agricultura Urbana: Uma nova estratégia para a Estrutura Ecológica Municipal

de Lisboa ................................................................................................................................... 35

2.3.2. Infra-estrutura produtiva: O conceito das CPUL – Continuous Productive Urban Landscape ....... 38

2.3.2.1. Workshop internacional em Istambul: Golden Horn Istanbul, Reinventing a

Productive Landscape ............................................................................................................... 40

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V

3. RELAÇÃO: HOMEM - AMBIENTE CONSTRUÍDO – NATUREZA – PRODUÇÃO ALIMENTAR

3.1. A geração ecológica: O papel dos arquitectos na construção de habitats mais sustentáveis e

produtivos .............................................................................................................................................................. 45

3.2. A necessidade de uma abordagem integrada e participativa ......................................................................... 46

3.3. Uma cidade em constante renovação: Escalas e produção ........................................................................... 47

3.4. Relação simbiótica entre edifício, homem e natureza .................................................................................... 48

3.4.1. Institute for Forestry and Nature Research (Alterra), Wageningen, Holanda ................................. 49

3.5. Educação para a sustentabilidade: Espaços educativos e produtivos ........................................................... 54

3.5.1. Edible Schoolyard, Nova Iorque, Estados Unidos ......................................................................... 55

3.5.2. Gary Comer Youth Center, Chicago, Estados Unidos ................................................................... 57

3.6. Reutiliza, Readapta, Produz: Projectos participativos e comunitários ............................................................ 58

3.6.1. Artscape Wychwood Barns, The Stop Community Food Centre, Toronto, Canadá ...................... 59

4. SUSTENTABILIDADE PARTICIPADA NO VALE DE CARNIDE – O CAMPO NA CIDADE

4.1. Uma freguesia de contrastes: Carnide............................................................................................................ 64

4.2. Dinâmica demográfica da periferia ................................................................................................................. 66

4.3. Bairro Padre Cruz – Um bairro social localizado entre a urbanidade e a ruralidade ...................................... 67

4.3.1. A população do Bairro Padre Cruz ................................................................................................ 70

4.3.2. Equipamentos e a comunidade educativa do Bairro Padre Cruz: Relações sociais e

intergeracionais ....................................................................................................................................... 71

4.4. Um percurso pelo Vale de Carnide ................................................................................................................. 72

4.5. Conhecer e compreender para intervir: Descrição e construção do processo participativo ........................... 77

4.5.1. Os Horticultores do Vale de Carnide ............................................................................................. 79

4.5.2. Caracterização do espaço das hortas: Informalidade .................................................................... 80

4.5.3. As práticas de cultivo ..................................................................................................................... 81

4.5.4. As hortas como mecanismo de coesão social ............................................................................... 82

4.5.5. Projecto educativo “Terras com cor” .............................................................................................. 84

4.6. Considerações finais do capítulo e contributos para a proposta de intervenção ............................................ 86

5. ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO: CENTRO DE AGRICULTURA URBANA - CAU

5.1. Conceito do Projecto ...................................................................................................................................... 89

5.2. O Lugar .......................................................................................................................................................... 90

5.3. O Centro de Agricultura Urbana: Materialização do conceito ........................................................................ 91

5.3.1. Natureza morfológica, acessos e percursos ............................................................................................... 91

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

VI

5.3.2. Natureza programática ................................................................................................................................ 92

5.4. As dimensões da sustentabilidade inerentes ao projecto ............................................................................... 94

6. CONCLUSÃO .................................................................................................................................................... 96

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................................................... 98

ANEXOS

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ÍNDICE DE IMAGENS

Figura da Capa: Vista das hortas do Vale de Carnide, Carnide, 2011.

Fonte: Autoria própria

Figura 1 P8: Imagem de satélite das luzes das cidades do mundo

Fonte: Craig Mayhew e Robert Simmon/NASA via UNEP - United Nations Environment Programme

Figura 2. P11: Visão nocturna de vias urbanas e viadutos em Xangai, na China.

Fonte: Jacob Silberberg via UNFPA, state of world population 2007. Unleashing the Potential of Urban Growth.

Figura 3. P11: Mulher a olhar do cimo de um morro, onde mora, lá para baixo, para a cidade, em Caracas,

Venezuela.

Fonte: Brigitte Hiss via UNFPA, state of world population 2007. Unleashing the Potential of Urban Growth.

Figura 4. P11: Vista do Empire State Building sobre Manhattan, Nova Iorque, 2008.

Fonte: Autoria própria

Figura 5. P13: Conceito de Desenvolvimento Sustentável e a sua articulação com os processos de

Desenvolvimento Económico, Comunitário e Ecológico

Fonte: Internacional Council on Local Environmental Initiatives (1996) via CESUR, 2010

Figura 6. P16: Lixo nas ruas da cidade de Roma, Itália

Fonte: Ciro Fusco via MOSTAFAVI, Mohsen e DOHERTY, Gareth (2010) P-37

Figura 7. P16: Corredores de lixo em Dharavi, India

Fonte: Noorie Sadarangani via MOSTAFAVI, Mohsen e DOHERTY, Gareth (2010) P-98

Figura 8. P16: Esgoto

Fonte: Lake Scientist. Disponível online em: http://www.lakescientist.com/learn-about-lakes/water-

quality/pollution.html

Figura 9. P17: Metabolismo linear das cidades

Fonte: ROGERS, Richard e GUMUCHDJIAN, Philip (2008) P-31

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Figura 10. P17: Metabolismo circular das cidades

Fonte: ROGERS, Richard e GUMUCHDJIAN, Philip (2008) P-31

Figura 11. P19: Vista das hortas do Vale de Carnide. Ao fundo, edifícios residenciais de Carnide, 2011

Fonte: Autoria própria

Figura 12. P20: Os solos férteis ao longo do Rio Nilo, Egipto.

Fonte: Autoria própria

Figura 13. P20: Antigos Socalcos agrícolas da cidade do Machu Picchu, Perú.

Fonte: Autoria própria

Figura 14. P20: Cidade Medieval, relação cidade-campo

Fonte: Disponível online em: http://professor-alexsandroregmunt-historia.blogspot.com/p/normal-0-21-false-false-

false.html

Figura 15. P21: Planta da cidade de Lisboa, 1875.

Fonte: Joäo Carlos Bon de Souza. Biblioteca Nacional digital. Disponível online em: http://purl.pt/3648/2/

Figura 16. P21: Arrabaldes de Lisboa, Senhor Roubado, 1905

Fonte: Disponível online em: http://olhai-lisboa.blogspot.com/2011/04/arrabaldes-de-lisboa_14.html

Figura 17. P23: Modelo da Cidade Jardim de Howard, 1898

Fonte: Disponível online em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.042/637

Figura 18. P23: Broadacre City, Frank Lloyd Wright, 1934

Fonte: Disponível online em: http://www.dkolb.org/sprawlingplaces/images/fullsize/sinzimg032.jpg

Figura 19. P25: The Urban Food System

Fonte: Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas

Públicas, artigo: “Achieving the CPUL (Continuous Productive Urban Landscape) City, moving from theory to

practice”, André Viljoen, e Katrin Bohn, Seixal, Abril de 2011

Figura 20. P28: Cartaz da campanha Dig For Victory, Reino Unido, 1942.

Fonte: Campanha lançada pelo Ministro da Agriculta Sir Reginald Dorman-Smith, em 1939, Reino Unido.

Disponível online no site da Imperial War Museums:

http://www.iwmshop.org.uk/product/12796/Dig_For_Victory_Poster

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Figura 21. P28: Hortas urbanas junto à Torre de Londres, 1939–1945

Fonte: VILJOEN, Andre (ed.); BOHN, Katrin; HOWE, Joe (2005)

Figura 22. P28: Hortas urbanas numa manhã de domingo em Clapham Common, Londres, 1939–1945

Fonte: VILJOEN, Andre (ed.); BOHN, Katrin; HOWE, Joe (2005)

Figura 23. P32: Sistema de Corredores Estruturantes

Fonte: Adaptado do Plano Verde de Lisboa. Disponível online em: http://www.cm-

lisboa.pt/archive/doc/estrutura_ecologica.pdf

Figura 24. P32: Sistema de Corredores / Unidades Estruturantes Municipais

Fonte: Adaptado do Plano Verde de Lisboa. Disponível online em: http://www.cm-

lisboa.pt/archive/doc/estrutura_ecologica.pdf

Figura 25. P33: Identificação dos Sistema de Corredores e Unidades Estruturantes Municipais

Fonte: Adaptado do Plano Verde de Lisboa. Disponível online em: http://www.cm-

lisboa.pt/archive/doc/estrutura_ecologica.pdf

Figura 26. P34: Conceito do Parque Periférico de Lisboa: Estruturas Militares; Espaços Verdes, Aldeias e

Quintas Históricas

Fonte: Adaptado do Plano Verde de Lisboa. Disponível online em: http://www.cm-

lisboa.pt/archive/doc/estrutura_ecologica.pdf

Figura 27. P35: Espaços Hortícolas a criar e requalificar, PDM de Lisboa

Fonte: Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas

Públicas, artigo: “Agricultura Urbana: Uma nova estratégia para a Estrutura verde de Lisboa”, José Sá

Fernandes, Rita Folgosa, Duarte Mata e Graça Ribeiro, Câmara Municipal de Lisboa, Seixal, Abril de 2011

Figura 28. P36: Parque Hortícola do Vale de Chelas, Lisboa. Plano Geral, 2009 do Centro de Estudos de Arq.

Paisagista “Prof. Caldeira Cabral”.

Fonte: Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas

Públicas, artigo: “Agricultura Urbana/Periurbana porquê?”, Manuela Raposo Magalhães, Centro de Estudos de

Arquitectura Paisagista Professor Francisco Caldeira Cabral, Seixal, Abril de 2011

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Figura 29. P36: Parque Hortícola do Vale de Chelas, Lisboa

Fonte: Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas

Públicas, artigo: “Agricultura Urbana: Uma nova estratégia para a Estrutura verde de Lisboa”, José Sá

Fernandes, Rita Folgosa, Duarte Mata e Graça Ribeiro, Câmara Municipal de Lisboa, Seixal, Abril de 2011

Figura 30. P37: Parque agrícola da Alta de Lisboa – PAAL

Fonte: Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas

Públicas, artigo: “Inserção de Agricultura Urbana em Estruturas Ecológicas. O papel das políticas públicas.

Aplicação a um caso de estudo na Alta de Lisboa, Jorge Cancela, AVAAL, Seixal, Abril de 2011

Figura 31, 32 e 33. P38: Conceito de CPUL

Fonte: Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas

Públicas, artigo: “Achieving the CPUL (Continuous Productive Urban Landscape) City, moving from theory to

practice”, André Viljoen, e Katrin Bohn, Seixal, Abril de 2011

Figura 34 e 35. P40: Localização da área em estudo na cidade de Istambul, Fener, Balat e Haskoy

Fonte: Autoria própria

Figura 36. P40: Homem muçulmano no bairro Balat, nota-se a multiculturalidade existente.

Fonte: Autoria própria

Figura 37. P40: Edifício degradado no bairro Haskoy.

Fonte: Autoria própria

Figura 38. P40: Passeio com 30 cm de altura, o que demonstra a falta de acessibilidade nas ruas. Bairro Haskoy

Fonte: Autoria própria

Figura 39 e 40. P40: Os terrenos baldios são utilizados pela população como extensão das actividades diárias.

Bairro Balat

Fonte: Autoria própria

Figura 41. P41: Conceito do grupo de trabalho: Green Network

Fonte: Autoria própria

Figura 42. P42: Estratégia global do grupo de trabalho

Fonte: Autoria própria

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Figura 43. P43: Conectividade entre os espaços verdes promovendo a continuidade pedonal, estratégia do

grupo de trabalho

Fonte: Autoria própria

Figura 44. P49: Objectivos da Arquitectura bioclimática.

Fonte: Autoria própria

Figura 45. P50: Processo metabólico circular a aplicar aos edifícios, considerando o ciclo da energia, dos

recursos (materiais e resíduos) e da água.

Fonte: Autoria própria

Figura 46. P51: Átrio-jardim

Fonte: Disponível online em: http://behnisch.com/projects/22

Figura 47. P52: Relação entre a natureza, a produção de O2, o Homem e a emissão de CO2

Fonte: Disponível online em: http://behnisch.com/projects/22

Figura 48. P52: Vista do edifício pelo exterior

Fonte: Disponível online em: http://behnisch.com/projects/22

Figura 49. P52: Planta do Piso Térreo

Fonte: Disponível online em: http://behnisch.com/projects/22

Figura 50. P52: Maquete do edifício e sua envolvente

Fonte: Disponível online em: http://behnisch.com/projects/22

Figura 51. P55: Crianças do Edible Schoolyard

Fonte: Disponível online em: http://changeobserver.designobserver.com/feature/dan-wood/22728/

Figura 52. P55: Edible Schoolyard em fase de construção

Fonte: Disponível online em: http://inhabitat.com/nyc/edible-schoolyard-new-york-update-jake-gyllenhaal-gets-

his-hands-dirty/ediblegarden10/?extend=1

Figura 53. P56: Render da Edible Schoolyard e do jardim produtivo exterior

Fonte: Disponível online em: http://www.archdaily.com/47183/edible-schoolyard-work-ac/

Figura 54. P56: Render da Edible Schoolyard e do jardim produtivo exterior

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Fonte: Disponível online em: http://www.archdaily.com/47183/edible-schoolyard-work-ac/

Figura 55. P56: Planta da Edible Schoolyard

Fonte: Disponível online em: http://www.archdaily.com/47183/edible-schoolyard-work-ac/

Figura 56. P56: Render da cozinha comunitária da Edible Schoolyard

Fonte: Disponível online em: http://www.archdaily.com/47183/edible-schoolyard-work-ac/

Figura 57. P57: Cobertura produtiva do Gary Comer Youth Center

Fonte: Disponível online em: www.asla.org

Figura 58. P57: Vista aérea do Gary Comer Youth Center

Fonte: Disponível online em: www.asla.org

Figura 59. P57: A cobertura produtiva do Gary Comer Youth Center funciona como sala de aula ao ar livre

Fonte: Disponível online em: www.asla.org

Figura 60. P57: Crianças a plantarem na cobertura produtiva do Gary Comer Youth Center

Fonte: Disponível online em: www.asla.org

Figura 61. P59: Artscape Wychwood Barns

Fonte: Disponível online em: Googlemaps

Figura 62. P59: Planta do Artscape Wychwood Barns

Fonte: Disponível online em: http://www.yelp.ca/biz_photos/G1BjZ_L_oYchjUTI6A-k7g?select=Co-

TFLs8BdYngTzH-IMw3Q

Figura 63. P59: Identificação dos pavilhões existentes no Artscape Wychwood Barns

Fonte: Disponível online em: http://www.flickr.com/photos/artscape/3035528067/in/set-72157609236332395/

Figura 64. P60: Planta do pavilhão Green Barn

Fonte: Disponível online em: http://www.thestop.org/green-barn-campaign/

Figura 65. P61: Vista interior da estufa, The Stop Community Food Centre

Fonte: Atelier du Toit Alisopp | du Toit Architects Limited. Disponível online em:

http://www.dtah.com/projects/architecture/adaptive-reuse/wychwood/

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Figura 66. P61: Vista interior do espaço comunitário adjacente à cozinha, The Stop Community Food Centre

Fonte: Atelier du Toit Alisopp | du Toit Architects Limited. Disponível online em:

http://www.dtah.com/projects/architecture/adaptive-reuse/wychwood/

Figura 67. P61: Homem a apanhar tomates no pátio exterior, The Stop Community Food Centre

Fonte: Disponível online em: https://www.facebook.com/groups/thestopcfc/photos/

Figura 68. P61: Vista interior da cozinha comunitária, The Stop Community Food Centre

Fonte: Disponível online em: https://www.facebook.com/groups/thestopcfc/photos/

Figura 69. P61: Legumes colhidos no pátio exterior, The Stop Community Food Centre

Fonte: Disponível online em: https://www.facebook.com/groups/thestopcfc/photos/

Figura 70. P61: “The Stop Community Food Centre Farmers' Market”, um mercado de agricultores que funciona

aos sábados de manhã no pavilhão “Covered Street Barn”

Fonte: GORGOLEWSKI, Mark; KOMISAR, June e NASR, Joe (2011)

Figura 71. P61: “The Stop Community Food Centre Farmers' Market”

Fonte: Disponível online em: http://thestop.org/the-stop%27s-farmers%27-market

Figura 72. P64: Localização da freguesia de Carnide na cidade de lisboa

Fonte: Adaptado do Google Earth

Figura 73. P66: Dinâmica Demográfica em Lisboa 1990-2007

Fonte: INE, CML, 2009

Figura 74. P67: Localização da Quinta da Penteeira,

Fonte: Desconhecida

Figura 75. P67: Quinta da Penteeira, onde vai ser construído um Bairro Padre Cruz, Década de 50.

Fonte: Judah Benoliel via Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa

Figura 76. P67: Rua Rio Sever, 1962

Fonte: Artur Inácio Bastos via Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa

Figura 77. P67: Rua Rio Sever, 1962

Fonte: Artur Inácio Bastos via Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

Fonte: Autoria Própria

Figura 111. P90: Área de intervenção do projecto, vista sobre a envolvente.

Fonte: Autoria Própria

Figura 112. P91: Acessos e percursos

Fonte: Autoria Própria

Figura: 113. P91: Sistema de vistas do edifício

Fonte: Autoria Própria

Figura 114. P94: Actores envolvidos no projecto

Fonte: Autoria Própria

Figura 115. P94: Dimensões da sustentabilidade consideradas na concepção do projecto

Fonte: Autoria Própria

Figura 116 e 117. P95: Materialidades observadas durante o percurso realizado pelo Vale de Carnide

Fonte: Autoria Própria

Figura 118. P95: Esquema conceptual sobre a materialidade do projecto

Fonte: Autoria Própria

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ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico1. P19: Esquema das etapas metodológicas do processo de investigação

Fonte: Autoria própria

Gráfico 2. P9: Evolução percentual de população residente em áreas urbanas, nos países desenvolvidos, nos países em desenvolvimento e população urbana total, à escala mundial, entre os anos 1950-2050

Fonte: United Nations, World Urbanization Prospects: The 2009 Revision. Adaptado da Tabela 2: Percentage of Population Residing in Urban Areas by Major Area, Region and Country, 1950-2050, Population Division, Department of Economic and Social Affairs, United Nations

Gráfico 3. P9: Evolução em número da população rural e população urbana ao nível mundial, entre os anos 1950 e 2050 Fonte: United Nations, World Urbanization Prospects: The 2009 Revision. Adaptado da tabela 3: Urban

Population by Major Area, Region and Country, 1950-2050 e tabela 4: Rural Population by Major Area, Region

and Country, 1950-2050, Population Division, Department of Economic and Social Affairs, United Nations

Gráfico 4. P10: Evolução em número de população rural e população urbana em Portugal, entre os anos 1950 e 2050 Fonte: United Nations, World Urbanization Prospects: The 2009 Revision. Adaptado da tabela 3: Urban

Population by Major Area, Region and Country, 1950-2050 e tabela 4: Rural Population by Major Area, Region

and Country, 1950-2050, Population Division, Department of Economic and Social Affairs, United Nations

Gráfico 5 P29: Evolução das hortas urbanas entre os anos de 1987 e 2008

Fonte: Câmara Municipal de Lisboa, Departamento de Planeamento Urbano, Relatório do estado do

ordenamento do território REOT, 20 Janeiro de 2009 versão preliminar, disponível online em:

http://habitacao.cm-lisboa.pt/documentos/1238771728D1ySW7zj9Hn25NA7.pdf. Consultado no dia 12 de

Outubro de 2011. Adaptado do gráfico: Evolução das hortas urbanas e das áreas de agricultura indiferenciada

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

1

INTRODUÇÃO

O presente trabalho constitui o relatório do projecto final de Mestrado Integrado em Arquitectura –

Especialização em Arquitectura e pretende abordar a questão da importância dos espaços agrícolas na cidade e

a sua relação com o ambiente construído de modo sustentável e participativo, tomando como caso de estudo o

Vale de Carnide, situado em Lisboa, na freguesia de Carnide.

1. Enquadramento e pertinência do tema

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a 31 de Outubro de 2011, a população mundial atingiu os 7

bilhões de pessoas e prevê-se um aumento para 9 bilhões em 2025. A mais elevada taxa de crescimento

populacional ocorreu nas cidades: Em 1950, 29% da população mundial habitava em áreas urbanas, em 1965, a

população urbana aumentou para 36% e em 1990 elevou para 50% (Rogers, 2008). Desta forma, o tamanho das

cidades modernas tomou uma escala espacial impressionante.

Aliado ao crescimento demográfico e à dimensão das cidades, verificamos actualmente que estas importam

grandes quantidades de energia, recursos e alimentos para satisfazerem as necessidades da população urbana.

A necessidade de percorrer longas distâncias, torna-as cada vez mais dependentes face ao exterior, do

transporte e de técnicas de conservação dos alimentos. Consequentemente, tem-se verificado um aumento da

quantidade de resíduos produzidos, a exploração desmesurada dos recursos naturais, a resultante degradação

dos ecossistemas naturais e a diminuição da qualidade de vida, com implicações directas nas condições de

saúde da população.

Neste sentido e tendo em conta o cenário actual de crise e a procura de cidades mais sustentáveis, é de

particular relevância que se discuta, por um lado, o papel dos espaços agrícolas urbanos nos actuais modelos de

desenvolvimento, devido aos seus contributos para a sustentabilidade urbana – observam-se benefícios

económicos, ambientais, sociais educativos -, e por outro, a ligação entre estes espaços agrícolas e a

concepção e planeamento do ambiente construído, que tem surgido como nova área de estudo. Esta relação

poderá não só fomentar uma produção, distribuição e consumo alimentar mais sustentável, como poderá

transformar a própria concepção e suas funções na projecção de edifícios e espaços urbanos, contribuindo para

um desenvolvimento urbano mais sustentável.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

2

2. Objectivo do trabalho

Pretende-se produzir um exercício de reflexividade entre a investigação e o desenvolvimento de uma estratégia

de intervenção, através de um projecto de arquitectura integrado e multidimensional, baseado nos resultados da

participação dos actores para os quais o projecto se destina e focando a questão da produção alimentar

3. Caso de estudo

A motivação da escolha do caso de estudo derivou da realização de um trabalho no âmbito da cadeira de

Laboratório de Projecto VI, que incidia sobre o Bairro Padre Cruz e a área envolvente que englobava o Vale de

Carnide. A análise deste território e a observação das vivências ai existentes, despertaram a atenção para a

presença de várias hortas urbanas que surgiram ao longo dos tempos sem um ordenamento prévio e

respondendo às necessidades dos ocupantes. Os horticultores que se apropriaram destes terrenos são

maioritariamente habitantes do Bairro Padre Cruz e a maioria apresenta fortes ligações à prática agrícola.

Atendendo à tradição agrícola do lugar e às potencialidades destes espaços na vertente social, económica,

ambiental e educativa, considerou-se pertinente explorar estas dimensões num exercício projectual.

4. Questões

Várias questões se colocaram em torno do desenvolvimento do trabalho e do lugar:

S.Q. Qual será o impacto que as questões agrícolas têm no desenho dos espaços urbanos e edifícios?

S.Q. De que forma a ligação entre os espaços agrícolas e o ambiente construído contribui para a

sustentabilidade urbana?

S.Q. De que forma a arquitectura pode contribuir para o desenvolvimento da comunidade focando a

questão do fornecimento alimentar a nível local e segurança alimentar em geral?

S.Q. Qual a importância dos processos participativos?

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

3

No entanto, foi colocada uma questão de fundo e orientadora que serviu de fio condutor para a realização do

mesmo:

Q. Qual pode ser o papel do arquitecto na relação do ambiente construído e o sistema alimentar das cidades?

Com base nestas questões colocou-se a hipótese da importância de um equipamento de proximidade que

operasse como mecanismo de coesão e educação, envolvendo os horticultores e as escolas locais num

processo participativo, dada a vontade local de intervir neste sentido.

5. Metodologia da investigação

O trabalho de investigação inerente ao presente relatório baseou-se num modelo de investigação misto, isto é,

de carácter qualitativo e quantitativo. Optou-se pelo recurso a várias técnicas de recolha e análise de informação

para um melhor entendimento do caso de estudo.

O gráfico 1 apresenta esquematicamente as etapas metodológicas do processo de investigação.

Numa primeira fase, efectuou-se a recolha e análise bibliográfica sobre as temáticas abordadas no relatório, que

se enriqueceram com o estudo de casos de referência, a participação em conferências e num workshop

internacional, visando a fundamentação do trabalho.

Numa segunda fase, primeiramente foi realizada a recolha e análise documental e cartográfica sobre o caso de

estudo e posteriormente pretendeu-se integrar os horticultores do Vale de Carnide no acto da pesquisa e

desenvolver com estes actores um processo participativo. Nesta fase, optou-se pela combinação de várias

técnicas de recolha de informação: o inquérito por questionário (quantitativa), as entrevistas exploratórias, a

observação directa do tipo participante, as conversas e os encontros informais (qualitativas), ao passo que para

o tratamento dos dados recolhidos foram utilizadas a análise estatística e a análise de conteúdo.

Esta fase será detalhada no Capítulo 4.

A terceira fase corresponde à análise dos casos de referência e dos resultados da participação dos actores na

fase anterior mencionada, a partir da qual elaborou-se um programa base prévio para a estratégia de

intervenção.

A quarta e última fase do processo metodológico corresponde à concretização da estratégia de intervenção.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

4

Não foi possível em tempo útil (antes da defesa da tese) realizar a etapa final de restituição dos resultados da

pesquisa e do projecto à comunidade por dificuldades logísticas e constrangimentos temporais, mas perspectiva-

se a realização do mesmo.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

5

OBSERVAÇÃO DIRECTA

DO TIPO PARTICIPANTE

CASOS DE

REFERÊNCIA

INQUÉRITO POR

QUESTIONÁRIO E

ENTREVISTAS

EXPLORATÓRIAS

PESQUISA

DOCUMENTAL

ESTADO DA ARTE

METODOLOGIA MISTA: QUALITATIVA E QUANTITATIVA

ELABORAÇÃO DO PROGRAMA BASE

RESTITUIÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA E DO PROJECTO À COMUNIDADE

CONSTRUÇÃO DA VISÃO GLOBAL

S.Q. qual será o impacto que as questões agrícolas têm no desenho dos espaços urbanos e edifícios? S.Q. de que forma a ligação entre os espaços agrícolas e o ambiente construído contribui para a sustentabilidade urbana? S.Q. de que forma a arquitectura pode contribuir para o desenvolvimento da comunidade focando a questão do fornecimento alimentar a nível local e segurança alimentar em geral? S.Q. qual a importância dos processos participativos?

Q. QUAL PODE SER O PAPEL DO ARQUITECTO NA RELAÇÃO DO AMBIENTE CONSTRUÍDO E O SISTEMA ALIMENTAR DAS CIDADES?

DEFINIÇÃO DO

TEMA

A RELAÇÃO ENTRE O ESPAÇO AGRÍCOLA URBANO E O AMBIENTE CONSTRUÍDO; PRODUÇÃO ALIMENTAR

NA CIDADE

ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE

SUSTENTABILIDADE PARTICIPADA: UM PROJECTO PARA O VALE DE CARNIDE

TÍTULO

RECOLHA

CARTOGRÁFICA

CONFERÊNCIAS E WORKSHOP INTERNACIONAL

ESTUDO PRELIMINAR

REVISÃO

BIBLIOGRÁFICA

CONCLUSÕES

Gráfico 1: Esquema das etapas metodológicas do processo de investigação - projecto

CASO DE ESTUDO – VALE DE CARNIDE

HIPOTESE - PROJECTO

ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

6

6. Estrutura da investigação

A estrutura do presente trabalho encontra-se organizada em 5 capítulos. O capítulo 1 e 2 correspondem ao

enquadramento dos conceitos que suportam a investigação, nomeadamente a problemática do crescimento

populacional das cidades, o conceito de desenvolvimento sustentável, o problema do metabolismo linear das

actuais cidades e o papel do espaço agrícola na cidade e na transformação desse metabolismo linear em

circular.

No capítulo 3 aborda-se a relação da produção alimentar com a concepção e planeamento do ambiente

construído e a contribuição do arquitecto no processamento metabólico circular das cidades, recorrendo a casos

de referência que fundamentam esta relação e que servirão de base para a elaboração da estratégia de

intervenção.

O capítulo 4 corresponde à caracterização do caso de estudo, o Vale de Carnide, onde é apresentada a sua

caracterização histórica, física e socioeconómica. Neste capítulo é apresentado o processo participativo

realizado com os horticultares do Vale de Carnide, cujos resultados permitiram traçar objectivos para a

elaboração do programa base da estratégia de intervenção.

Por último, o capítulo 5 é dedicado à elaboração da estratégia de intervenção, baseada nos resultados da

participação dos actores para os quais o projecto se destina e na análise dos casos de referência abordados no

capítulo 3.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

7

1. O PANORAMA DAS CIDADES DO SÉCULO XXI: O PROBLEMA DA

INSUSTENTABILIDADE

1.1. Crescimento populacional das cidades

1.2. Da industrialização à cidade do século XXI: Problemas da expansão urbana

1.3. Desenvolvimento Urbano Sustentável

1.3.1. Sustentabilidade urbana

1.3.2. Sustentabilidade participada

1.4. Metabolismo das cidades

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8

1. O PANORAMA DAS CIDADES DO SÉCULO XXI: O PROBLEMA DA

INSUSTENTABILIDADE

1.1. Crescimento populacional das cidades

Segundo o relatório State of world population 2007, Unleashing the Potential of Urban Growth, realizado pela

United Nations Population Fund, em 2007, a primeira explosão demográfica urbana ocorreu com a

industrialização e o consequente êxodo rural para as cidades, e aconteceu na Europa e América do Norte a

partir do início do século XVIII durante dois séculos (entre 1750 e 1950). Esta primeira fase de urbanização

registou um aumento de 408 milhões de habitantes a viver nas cidades (passou de 15 para 423 milhões), o que

corresponde a uma percentagem de 10% para 52% da população urbana. A segunda fase de crescimento da

população urbana ocorre nos dias de hoje, principalmente nas regiões menos desenvolvidas.

O século XX foi marcado por um aumento populacional nas áreas urbanas de 427 milhões de pessoas em 1950,

para 930 milhões de habitantes em 2010. Em 2008, pela primeira vez na história da humanidade a população

urbana superou a rural (ver gráfico 3) e actualmente, mais de 50% da população mundial vive em cidades,

estando previsto que, dentro de quarenta anos, aumente para 70% da população total do planeta (ver gráfico 2).

Estima-se que já existam 20 Megacidades (aglomerados urbanos com mais de 10 milhões de habitantes), muitas

delas localizadas em países em desenvolvimento, que correspondem a 4% da população mundial e representam

9% da população urbana. (UNFPA, 2007:9)

Figura 1: Imagem de satélite das luzes das cidades do mundo

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

9

Gráfico 2: Evolução percentual de população residente em áreas urbanas, nos países desenvolvidos, nos países em desenvolvimento e população urbana total, à escala mundial, entre os anos 1950-2050

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050

Países desenvolvidos Países em desenvolvimento População urbana total

Per

cent

agem

1.000.000

2.000.000

3.000.000

4.000.000

5.000.000

6.000.000

7.000.000

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050

População rural População urbana

Gráfico 3: Evolução em número de população rural e população urbana à escala mundial, entre os anos 1950 e 2050

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10

Em Portugal, observa-se no gráfico 4 que quase metade da população já habita nas áreas urbanas,

maioritariamente concentrada nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Num país de forte tradição rural,

observa-se cada vez mais o abandono do campo para a cidade o que provoca graves mudanças em ambas as

realidades.

Perante este cenário, mesmo acreditando que as cidades apresentem um enorme potencial para melhorar a

qualidade de vida das pessoas, a inadequada gestão ecológica, social, económica e territorial desta mudança de

relação cidade-campo pode transformar as oportunidades em desastres.

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

7.000

8.000

9.000

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050

Portugal

População rural População urbana

Gráfico 4: Evolução em número de população rural e população urbana em Portugal, entre os anos 1950 e 2050

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11

1.2. Da industrialização à cidade do século XXI: Problemas da expansão urbana

A primeira explosão demográfica da população urbana ocorrida com a industrialização e o consequente êxodo

rural para o meio urbano, transformou profundamente as cidades e a vida urbana. Com o crescimento

exponencial da população urbana e a consequente pressão urbanística exercida sobre as cidades, originaram-se

graves desequilíbrios na relação do construído com as componentes naturais, agravados pela falta de um

planeamento territorial sustentado e a incapacidade de controlar as modificações da paisagem, em termos de

qualidade ambiental e cultural (Magalhães, 2001:21).

Prevalece um modelo de desenvolvimento que sobrepõe as necessidades económicas às necessidades de

melhoria das condições de vida da população urbana (Pinto:2007), com graves implicações territoriais,

ambientais e sociais que rapidamente se fizeram sentir.

O crescimento descontrolado das cidades actuais do século XXI assente nos interesses imobiliários e numa

infra-estrutura viária cada vez mais vasta, tem vindo a fragmentar a cidade em unidades intransponíveis,

isolando os bairros uns dos outros, resultando na perda ou na falta da coesão social das comunidades e do

sentido de lugar e sentimento de pertença dos seus moradores. Com a expansão da cidade e o fenómeno da

sub-urbanização, as áreas periféricas não têm sido assumidas como partes constituintes da mesma. Muitas

destas áreas são ocupadas por classes mais baixas, em bairros degradados sem condições de habitabilidade e

enquanto nos centros urbanos se concentram as classes médias e altas, o que contribui para aumentar a

fenómeno da segregação social baseada no rendimento, raça, etnia, religião e função (Rueda, cit in Alves,

2010:90). Consequentemente verifica-se um aumento da marginalidade, violência e criminalidade e perante o

cenário de desemprego e falta de resposta às necessidades básicas aumenta o nível de pobreza da população

urbana. A nível global a percentagem de pobres urbanos está hoje estimada em 30% e deverá atingir os 50%

em 2020 (UN-HABITAT, 2004).

Figura 2: Visão nocturna de vias urbanas e viadutos em Xangai, na China

Figura 3: Mulher no cimo de um morro, onde mora, olha lá para baixo, para a cidade, em Caracas, Venezuela

Figura 4: Vista do Empire State Building sobre Manhattan, Nova Iorque

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12

As cidades tornaram-se fragmentadas, dispersas, desordenadas e sem identidade, prevalecendo a falta de

qualidade dos espaços públicos, particularmente, dos espaços verdes que surgem apenas como resíduos do

conjunto edificado no interior da malha urbana, não existindo uma articulação e continuidade entre eles (CEU,

2003; Alves, 2010).

Aliando a crescente concentração da população nas áreas urbanas à urbanização descontrolada e à

fragmentação do território, a cidade tradicional foi-se degradando, perdendo o equilíbrio que havia entre a

população, recursos naturais e meio ambiente (Rogers, 2008:3). Este desequilíbrio, deriva da invasão e

degradação dos ecossistemas naturais, da ocupação dos solos produtivos, do aumento das superfícies

impermeáveis e da consequente perda da biodiversidade. Paralelamente, as cidades são o centro do consumo

de recursos, bens e serviços, que importam do exterior para satisfazerem as necessidades da população urbana

e em consequência, tornaram-se as maiores produtoras de resíduos e poluição, sendo causadoras pelo menos

de três quartos da poluição global (Rogers, 2008:27). Isto traduz-se numa drástica pegada ecológica, na

diminuição da qualidade de vida, com implicações directas nas condições de saúde da população (CIAUS,

2011:1).

Face à insustentabilidade das cidades actuais e à incapacidade do actual modelo de desenvolvimento resolver

os problemas territoriais, sociais e ambientais, é fulcral pensar num modelo alternativo que apresente ideias

globais de interesse colectivo e de consciência global. Desta forma, a gestão sustentável do ambiente urbano

apresenta-se como um dos maiores desafios do futuro para obter cidades mais sustentáveis e coerentes (CEU,

2003).

1.3. Desenvolvimento Sustentável

Os anos 70 do século XX marcaram um ponto de viragem na consciencialização das sociedades modernas face

às consequências ambientais derivadas da expansão urbana desmedida, o que impulsionou constantes debates

a nível internacional sobre a ligação do modelo de desenvolvimento económico e a preservação do meio

ambiente.

Em 1972, pela primeira vez foi introduzido na agenda política internacional a dimensão ambiental como

condicionadora e limitadora do modelo tradicional de crescimento económico, realizando-se em Estocolmo a

Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano. A partir de então, as várias Convenções Mundiais

realizadas tiveram como principal objectivo o estabelecimento de medidas que reduzissem o impacto ambiental

global.

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13

Um novo conceito apresentado por Maurice Strong é largamente difundido a partir de 1974 por Ignacy Sachs, o

ecodesenvolvimento, que evolui nos anos 80 para o conceito de desenvolvimento sustentável anunciado em

1987 no Relatório de Brundtland – Our Common Future - elaborado pela Comissão para o Ambiente e

Desenvolvimento das Nações Unidas que defendeu um “desenvolvimento que dê resposta às necessidades do

presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de assegurarem as suas próprias

necessidades,"1 através da preservação dos ecossistemas naturais. Este relatório critica os padrões de

produção e consumo vigentes e aponta para a sua incompatibilidade com o desenvolvimento de sociedades

mais sustentáveis, apontando a necessidade de ideias globais de interesse colectivo e de consciência global.

O conceito de Desenvolvimento Sustentável resulta de um longo processo de reflexão, em que se procurou

compatibilizar o crescimento económico com o ambiente. A introdução de uma nova vertente que no início não

tinha sido analisada, a componente social/cultural, permitiu promover um desenvolvimento mais integrado. A

partir de então estas três vertentes, económica, social e ecológica, passaram a ser abordadas como partes

integrantes do desenvolvimento sustentável (Cesur, 2009).

1 Our Common Future, From One Earth to One World, an Overview by the World Commission on Environment. Oxford:University Press, 1987

Figura 5: Conceito de Desenvolvimento Sustentável e a sua articulação com os processos de Desenvolvimento Económico, Económico, Comunitário e Ecológico

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14

1.3.1. Sustentabilidade urbana

O principal desafio do Desenvolvimento Sustentável está na solução dos problemas actuais à escala global,

contudo, a sua acção é essencialmente através de uma escala local e é neste sentido que nos últimos tempos

têm sido abordadas estratégias da sua aplicabilidade em meio urbano, visto que, as cidades são as maiores

causadoras dos problemas actuais.

Neste sentido, na Conferência do Rio, realizada em 1992 é estabelecido um conjunto de objectivos, políticas,

metas e medidas de acção que promovem o desenvolvimento sustentável ao nível local e urbano, resultando na

Agenda Local para o século XXI (AL21) (CESUR, 2010: 17). Como resultado na inactividade por parte dos

governos do mundo, dez anos depois, em 2002, foi realizada a Cimeira da Terra, em Joanesburgo, onde foram

apresentadas as linhas de acção que visavam regular uma transição para cidades mais sustentáveis, baseadas

nos seguintes pressupostos:

Um modelo de cidade compacta e contida na sua expansão, que promovesse um desenvolvimento

policêntrico do território que fosse mais eficiente na utilização dos recursos de solo e energia e

permitisse uma maior sustentabilidade dos transportes.

A conservação dos espaços de importância ecológica, nomeadamente os espaços de produção

agrícola, contribuindo para restabelecer a biodiversidade em meio urbano.

A protecção, conservação, reabilitação do espaço construído, o que implica melhorar as suas

condições de uso e reutilização para novos usos, contrariando a urbanização extensiva e a

consequente segregação socioespacial. Desta forma, importa igualmente recuperar a função urbana de

terrenos obsoletos e degradados, dando-lhes novas funcionalidades como é o caso da agricultura

urbana.

A qualificação dos espaços públicos e a promoção de uma mistura de usos e grupos sociais,

favorecendo a segurança e a coesão social e intergeracional.

A valorização dos recursos renováveis em alternativa aos não renováveis, como é o caso dos

recursos energéticos de origem fóssil.

A valorização da reciclagem como forma de reduzir a poluição e os resíduos urbanos produzidos.

(CESUR, 2010:27)

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

15

Todos estes pressupostos exigem uma mudança no consumo e modos de vida da população urbana através do

desenvolvimento de uma cultura social e cívica que permita priorizar o interesse colectivo ao nível local e global.

(CESUR, 2010:14-16)

Em suma, a transição para comunidades mais sustentáveis e coerentes depende de um desenvolvimento

urbano sustentável: ao nível físico está ligado às necessidades básicas essenciais ao bem-estar do ser humano,

não só através do acesso aos bens materiais como a subsistência e a protecção/abrigo, mas também a um

ambiente limpo e seguro, conseguido através da preservação dos ecossistemas naturais que lhes fornecem

recursos e da diminuição da produção de resíduos e emissões de poluentes, minimizando os impactos

ambientais à escala local e global; ao nível económico liga-se à questão do emprego e da distribuição de

rendimento; ao nível social relaciona-se com as necessidades de segurança, saúde, lazer e auto-estima da

população, contribuindo para a consolidação de um espírito comunitário, o sentido de identidade e pertença das

comunidades; e por último, é necessário o desenvolvimento de uma governança urbana baseada numa

democracia moderna e participativa por parte de todos os actores da sociedade (Hallsmith, in CESUR, 2009: 15;

CEU, 2003).

1.3.2. Sustentabilidade Participada

A cidade é um lugar de sinergias, fruto da complexa inter-relação dos factores económicos, sociais, políticos,

culturais e ecológicos que determinam a sua organização espacial e a qualidade do ambiente urbano, que por

sua vez influenciam a qualidade de vida dos seus cidadãos. Neste sentido, “cidade e cidadão influenciam-se

mutuamente num verdadeiro ecossistema urbano.”2

Como tal, o envolvimento dos cidadãos no planeamento e concepção do ambiente urbano é uma componente

essencial na transição para uma cidade mais sustentável e coerente (CEU, 2003).

Se por um lado, o fomento à intervenção participativa dos cidadãos permite uma melhor identificação dos

problemas sentidos pela comunidade e oportunidades de desenvolvimento, por outro, a promoção de um

envolvimento entre os vários domínios de preocupação e de actuação - técnicos, decisores, políticos e a

população, - potencia o sucesso das medidas que vierem a ser propostas, rumo a um território mais sustentável,

o que poderá contribuir para o desenvolvimento de uma cidadania activa que estimule uma maior coesão social,

sentido de identidade e sentimento de pertença dos habitantes urbanos. (CESUR, 2010:17)

2 Ramos, Maria Celeste D’Oliveira (2005), Lisboa na minha ideia de cidade – como exemplo de cidade multifacetada, Coelho, António

Baptista, et al. (orgs), Humanização e vitalização do espaço público, Lisboa: LNEC, p-64.

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Um modelo de desenvolvimento alternativo que apresente ideais de interesse colectivo e de consciência global

só é possível através da participação activa de todos os actores da vida urbana, potenciando “um entendimento

partilhado das questões de sustentabilidade urbana” (CESUR, 2010:141).

1.4. Metabolismo das cidades

A consciencialização das sociedades modernas face aos problemas ambientais e ecológicos e a sua

incompatibilidade com o caminho que a cidade tem seguido, originou novas abordagens sobre a interacção das

cidades com o ambiente natural e seus recursos, baseadas nos novos pressupostos trazidos pelo conceito de

desenvolvimento sustentável. Tal como já foi abordado na Cimeira da Terra, uma das estratégias da

sustentabilidade urbana parte do esforço da redução do consumo através da eficiência e de uma reutilização

maximizada dos recursos (Girardet, in Rogers, 2001).

Neste sentido, surgem no âmbito da ecologia urbana, estudos sobre o metabolismo das cidades, com o intuito

de compreender os mecanismos de transformação e degradação de energia e de matéria ocorridos na cidade

(Bettini, in Gomes, 2010:56).

Segundo Richard Rogers, as cidades devem ser vistas como sistemas ecológicos, funcionando como

organismos que absorvem recursos e emitem resíduos (Rogers, 2008). Contudo, são organismos que dependem

de fontes externas de recursos, alimentos, bens de serviços para atender às necessidades do homem. Embora

as cidades cubram apenas cerca de 2% da superfície da Terra, consomem cerca de 75% dos seus recursos

Figura 6: Lixo nas ruas da cidade de Roma, Itália

Figura 7: Corredores de lixo em Dharavi, India

Figura 8: Esgoto

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(Wackernagel e Rees; Garnett, in Travaline, 2008:9), e produzem imensos resíduos e poluição que originam

graves problemas ambientais e ecológicos, comprometendo a qualidade de vida das populações.

A reflexão sobre os problemas dos actuais modelos de funcionamento das cidades levou vários estudiosos,

como Virginio Bettini, Abel Wolman e Herbert Girardet a identificá-los como processos metabólicos de carácter

linear, com um elevado processamento de energia e uma grande produção de resíduos e poluição (Gomes,

2010). Neste sentido, Herbert Girardet,

estudioso da ecologia urbana, propõe a

substituição destes “metabolismos” lineares

(ver figura 9) por “metabolismos” circulares,

(ver figura 10) onde o consumo seja reduzido

através da implantação de eficiências e onde a

reutilização de recursos seja maximizada. Este

processo, de uso e reutilização, que conserva

os recursos não-renováveis e insiste no uso de

renováveis, de minimização das entradas de

matérias-primas e maximização da reciclagem,

proporciona uma diminuição da poluição e

resíduos produzidos, um aumento da eficiência

da cidade e a redução do seu impacto no meio

ambiente (Girardet in Rogers, 2007:30; Gomes, et al, 2010:63).

Neste metabolismo circular, o elemento chave é o ciclo. O ciclo funciona como princípio ecológico da natureza,

visto que, os organismos alimentam-se de matérias e energia que por sua vez produzem resíduos, contudo, os

resíduos de uma espécie são os alimentos de outra e desta forma a matéria circula continuamente (Gomes,

2010:69).

Neste sentido, o desafio das cidades actuais está na transformação do seu processo metabólico linear em

circular, no qual os resíduos são transformados em recursos, recorrendo à reciclagem e reutilização dos

mesmos, sendo processados em ciclos fechados e contínuos, contribuindo para o desenvolvimento urbano

sustentável.

Figura 9: Metabolismo linear das cidades Figura 10: Metabolismo circular das cidades

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2. O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE

2.1. O Campo que alimenta a Cidade

2.2. A Cidade que alimenta a Cidade: Agricultura Urbana

2.2.1. Porquê produzir alimentos na cidade?

2.2.2. Hortas urbanas e peri-urbanas

2.2.3. Tipos de hortas urbanas

2.3. Agricultura Urbana nas Redes Verdes Contínuas Urbanas

2.3.1. Inserção da Agricultura Urbana na Estrutura Ecológica Urbana: Estrutura Ecológica Municipal e o

Plano Verde de Lisboa

2.3.1.1. Parque Periférico de Lisboa

2.3.1.2 Agricultura Urbana: Uma nova estratégia para a Estrutura Ecológica Municipal de Lisboa

2.3.2. Infra-estrutura produtiva: O conceito das CPUL – Continuous Productive Urban Landscape

2.3.2.1. Workshop internacional em Istambul: Golden Horn Istanbul, Reinventing a

Productive Landscape

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2. O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE

“…A vida morre dentro da cidade. A vida das plantas e dos pássaros, que já não têm espaços verdes e de vida

porque o betão os ocupou, e a dos homens que são atropelados ou respiram o ar da cidade poluída (…). Porque

não há cidade amena e confortável sem a natureza viva dentro da cidade...” In COELHO (2005)

2.1. O Campo que alimenta a Cidade

“A relação simbiótica entre a paisagem produtiva e o sistema de assentamento humano é tão antiga quanto a

civilização. [Contudo] durante os últimos 200 anos, esta relação milenar tem sido deteriorada pela constante

separação entre a cidade e a paisagem" (Hough, in Howe, Bohn e Viljoen, 2005).

Desde a sedentarização do Homem, com o surgimento das primeiras aldeias mesolíticas, que o espaço agrícola

adquiriu um papel fulcral no desenvolvimento das civilizações, tendo sido desenvolvida uma relação de equilíbrio

entre o Homem e a Natureza, através da manipulação cuidada do território e da gestão equilibrada dos recursos.

Figura 11: Vista das hortas do Vale de Carnide. Ao fundo, edifícios residenciais de Carnide, 2011

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Com o surgimento das primeiras cidades, na Mesopotâmia esta relação manteve-se. Desenvolvidas ao longo

dos vales férteis dos rios Nilo, Tigre, Eufrates e Indo, garantiam a fertilidade do solo e a facilidade de irrigação e

transporte, apresentando um alto nível de auto-suficiência (ver figura 12). Dependentes do solo fértil,

desenvolveram um complexo sistema hidráulico que evitava inundações e garantia o armazenamento das águas

para a agricultura nas estações secas, tirando o máximo partido deste recurso natural – o solo.

Nas cidades semidesérticas da Pérsia, através de aquedutos subterrâneos levavam água da montanha ao oásis,

e ai era realizada uma produção intensiva de alimentos utilizando os resíduos produzidos nas cidades (Hough, in

Howe, Bohn e Viljoen, 2005). Já no século XV, a antiga cidade de Machu Picchu, construída no topo de uma

montanha, no vale do rio Urubamba, actual Perú, foi projectada para ser uma cidade nutricionalmente auto-

suficiente com um sistema complexo de captação e distribuição de água, e seus socalcos destinados ao cultivo

de alimentos (ver figura 13).

Na Idade Média, embora o campo estivesse separado fisicamente da cidade medieval pelo seu sistema de

muralhas, a cidade apresentava um forte carácter rural, por um lado, devido à sua pequena dimensão, e por

outro, devido aos costumes de um povo muito ligado ao campo, o campo que “vivia” do outro lado das muralhas

e que abastecia a cidade (ver figura 14). Com a ausência de sistemas de transportes e de técnicas sofisticadas

de conservação de alimentos, as pessoas tinham que crescer perto dos alimentos que produziam (Lewcock, in

Howe, Bohn e Viljoen, 2005:97). Devido às suas dimensões controladas, as cidades conseguiam garantir o

acesso aos recursos necessários à sua subsistência - alimento, água e energia - nas proximidades.

Com o aumento populacional dentro das muralhas, a cidade alastrou-se para fora deste perímetro invadindo o

campo e esbatendo-se a separação entre cidade e campo. Em entrevista à “Traços Urbanos”, o arquitecto

Gonçalo Ribeiro Telles afirma que a “cidade e o campo estiveram sempre interligados, são indispensáveis. Não

Figura 12: Os solos férteis ao longo do Rio Nilo, Egipto

Figura 13: Antigos Socalcos agrícolas da cidade do Machu Picchu, Perú

Figura 14: Cidade Medieval, relação cidade-campo

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existe cidade sem campo, nem campo sem cidade. (…) Há uma interface entre os dois que nasceu com o

abatimento das muralhas, (…).Eles fazem parte da mesma unidade de planeamento. Quando não existe essa

interligação e planeamento surge o caos de que é exemplo a Área Metropolitana de Lisboa, assim como tantos

outros locais.”3

Nos dois últimos séculos, a cidade foi-se expandindo, as distâncias aumentaram com a construção de estradas e

caminhos-de-ferro, a industrialização tomou conta das cidades, e foi-se perdendo progressivamente o equilíbrio

da cidade com o meio natural.

As cidades portuguesas, como Lisboa, até aos

anos sessenta do século XX apresentavam

uma extensa área em seu redor, dedicada à

agricultura e à pecuária, que, estava rodeada

de aldeias periféricas com “hortas” essenciais

para a sobrevivência da cidade. Este “anel

envolvente de Lisboa, aquilo a que se

chamava o termo de Lisboa e que

actualmente é o seu subúrbio, era uma

sucessão de quintas que aliavam ao recreio o

uso lúdico e gozo da amenidade de lugares e percursos (…), cá mantinha-se simultaneamente a produção de

frescos e fruta em hortas e pomares.” 4 A cidade apresentava assim, uma intrínseca ligação entre as suas

formas e padrões e o seu sistema de abastecimento alimentar que tinha essencialmente um carácter regional.

3 Entrevista disponível na página da internet: http://o-planeta-diario.weblog.com.pt/2005/10/goncalo_ribeiro_telles_tece_fo.html 4 Aurora Carapinha citada por Telles, G. R. et. al. Documentos de arquitectura, Edição Associação de Estudos Documentos de

Arquitectura, Lisboa, Outono de 2000, in Entrevista a Gonçalo Ribeiro Telles, p-35

Figura 16: Arrabaldes de Lisboa, Senhor Roubado, 1905

Figura 15: Planta da cidade de Lisboa, 1875.

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Com o crescimento exponencial da população urbana, iniciou-se um processo de suburbanização da cidade de

Lisboa nos anos 60 e 70 do século XX e a maior parte do espaço disponível da periferia que envolve a cidade

antiga, nomeadamente os espaços verdes, jardins e hortas foi ocupado com construção (Benevolo in Alves,

2010), desaparecendo o equilíbrio auto-sustentável da relação espaço construído – espaço agrícola envolvente.

Citando as palavras do arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles: “A cidade tem que deixar de se desenvolver em suces-

sivos anéis de construção na sua orla periférica. O campo tem que estar à porta da cidade com toda a sua

riqueza. As pessoas devem poder ir lá sem terem de se deslocar centenas de quilómetros.” 5

Actualmente, os sistemas agro-alimentares são dominados pela globalização, e o abastecimento de alimentos

das nossas cidades depende de fontes cada vez mais distantes e consequentemente, de transporte barato e de

técnicas de conservação. Produzidos através de uma agricultura industrializada e distante, os alimentos são

posteriormente, distribuídos em armazéns localizados junto das estradas e em grandes superfícies comerciais

fora das cidades. Hoje em dia, em qualquer supermercado urbano encontramos uma variedade de produtos

alimentares vindos de todos os cantos do mundo. Se por um lado, este sistema alimentar industrial das cidades,

proporcionou uma quadruplicação da produção alimentar mundial, por outro, provocou efeitos colaterais no meio

ambiente natural e na saúde da população, nomeadamente a baixa qualidade nutricional e o aumento do

consumo de energia – no uso de pesticidas, adubos sintéticos, sistemas de irrigação, uso de máquinas,

transporte e processamento.

Esta separação entre as cidades e as suas fontes de alimentação estão directamente ligados a muitos

problemas que ocorrem actualmente, nomeadamente as alterações climáticas, a poluição, a insegurança do

abastecimento energético, e a pobreza urbana (Gorgolewski, Komisar, Nasr, 2011:13).

2.2. A cidade que alimenta a cidade: Agricultura Urbana

A necessidade da reintegração da natureza na cidade resultou da reacção aos problemas sociais e ambientais

derivados do crescimento desmesurado das cidades na era industrial, o que conduziu, no final do século XIX e

início do século XX, ao aparecimento de conceitos e propostas que promoviam a introdução dos espaços verdes

no tecido urbano (Alves, 2010:139). A integração da agricultura no planeamento das cidades passou a fazer

parte de muitas propostas que surgiram na altura.

Em 1898, Ebenezer Howard apresenta o seu modelo de Cidade Jardim (figura 17), onde explora a incorporação

de agricultura no planeamento urbano, em que cidade e campo são interligados através de um sistema circular

funcional, formando uma pequena comunidade auto-suficiente, assente na indústria e agricultura local. Este

5 Numa entrevista ao jornal Público. Disponível na página da internet: http://blogues.publico.pt/olhos-barriga/2011/12/19/ribeiro-telles-esta-

a-falar-e-nos-estamos-a-ouvir/

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sistema de cidade era constituído por anéis concêntricos com diferentes funcionalidades, contendo uma zona

urbana cujas funções eram separadas por corredores verdes concêntricos, nomeadamente um parque central de

recreio e um cinturão verde que limitava a expansão da cidade e contribuía para a melhoria da atmosfera

urbana. A zona agrícola encontrava-se separada dos usos industriais e residenciais e envolvia o núcleo urbano

central, promovendo a proximidade da agricultura com a cidade, mas mantendo a sua separação. Do centro

partiam seis boulevards arborizados que dividiam a cidade em seis partes e atravessavam-na penetrando no

espaço rural (Telles, 1997 in Alves:135), ligando todos os espaços verdes concêntricos através de uma rede

verde contínua.

Em meados do século XX, Frank Lloyd Wright no seu modelo de cidade, a Broadacre City (ver figura 18)

defendia, contrariamente à Cidade Jardim de Howard onde a zona agrícola cercava o núcleo da cidade, a

inclusão dos espaços agrícolas na cidade, sendo o ambiente construído e a agricultura vistos como parte

integrantes da mesma paisagem. Os espaços agrícolas mesclavam-se num modelo de cidade dispersa e de

baixa densidade, formando uma região homogénea e de vida agrária (Viljoen, Bohn e Howe, 2005).

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em vários países ocidentais, muitos espaços dentro da cidade

foram convertidos em áreas de produção de alimentos, nomeadamente Inglaterra e Alemanha, contudo após a

guerra e com a globalização e o desenvolvimento de sistemas de alimentação industriais, o crescimento de

alimentos dentro ou próximo das áreas urbanas foi largamente reduzido. Contrariamente à maioria destes

países, para muitos países em desenvolvimento a produção de alimentos em meio urbano é uma característica

central da vida quotidiana, e a escala de produção é muitas vezes surpreendente para os padrões ocidentais.

Também, em muitas cidades chinesas, como Xangai e Pequim, 85% dos vegetais consumidos pelos seus

Figura 17: Modelo da Cidade Jardim de Howard, 1898

Figura 18: Broadacre City, Frank Lloyd Wright, 1934

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24

habitantes são produzidos dentro da cidade, sendo auto-suficientes neste tipo de produção (Hough, in Viljoen,

Bohn e Howe, 2005:97).

Actualmente, considerando o modelo de funcionamento linear das cidades, descrito no capítulo anterior, aliado à

crise económica em que vivemos, ao impacto das recentes mudanças climáticas, ao constante crescimento

populacional, à crescente urbanização e ao inesperado futuro em matéria de reservas alimentares, a agricultura

praticada em espaço urbano começou novamente a ser abordada e tornou-se num dos assuntos mais debatidos

na actualidade e tem crescido em larga escala em vários pontos do mundo. Segundo a FAO 6, em 1998, mais de

800 milhões de pessoas, dedicavam-se à agricultura urbana, correspondendo a 15% de toda a produção

mundial de alimentos.

A Agricultura urbana tem sido considerada como uma estratégia urbana para redução de consumos energéticos,

adaptação a alterações climáticas e aumento da biodiversidade, contribuindo para um aumento da resiliência

das populações, através da criação de mecanismos de abastecimento local de alimentos frescos, oferecendo às

pessoas meios de subsistência, contribuindo para a redução da pobreza urbana.

Segundo o arquitecto Ribeiro Telles “Hoje a cidade estendeu-se pelo território e não pode deixar de ter

agricultura. […]. O espaço natural da grande cidade tem de ser muito maior do que antes [e deve] incluir a

circulação da água, da matéria orgânica, da vida silvestre […]. Em Lisboa já não temos o campo à porta.

Por exemplo, Paris está com culturas de milho dentro da cidade. E a interligação em Portugal tem de ser desse

género. Aqui todos os vazios têm de ser preenchidos […]. Os vazios estão simplificados em áreas de

oportunidade. […]. O que não é construído é uma área de oportunidade. Em França, a agricultura é exercida por

urbanos [30 por cento] e não agricultores” 7

Mougeot (1999) propõe a seguinte definição: “a agricultura urbana é considerada como um conceito dinâmico

que compreende uma variedade de sistemas agrícolas, que vão desde a produção para a subsistência e o

processamento caseiro até á agricultura totalmente comercializada […] [e pode ser] praticada dentro (intra-

urbana) ou na periferia (periurbana) dos centros urbanos (sejam eles pequenas localidades, cidades ou até

megacidades), onde cultiva, produz, cria, processa e distribui uma variedade de produtos alimentares e não

alimentares, (re)utiliza largamente os recursos humanos e materiais e os produtos e serviços encontrados dentro

e em torno da área urbana, e, por sua vez, oferece recursos humanos e materiais, produtos e serviços para essa

mesma área urbana.” Desta forma, segundo o mesmo autor, a agricultura urbana “relaciona-se com a

conservação e recirculação de recursos, recreio e terapia, educação e segurança alimentar, desenvolvimento

comunitário, arquitectura sustentável e gestão de espaços exteriores” (2006: Xiv) integrando o sistema

económico e ecológico urbano e complementando a agricultura rural nos sistemas locais de alimentação. 6 Organização para a Agricultura e Alimentação das Nações Unidas

7 Em entrevista a Ribeiro Telles disponível página da internet: http://o-planeta-diario.weblog.com.pt/2005/10/goncalo_ribeiro_telles_tece_fo.html, realizada em Outubro de 2005

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25

A agricultura urbana tem sido promovida por organizações internacionais como o Programa Habitat II das

Nações Unidas e em muitos países já faz parte de uma política territorial sustentável.

2.2.1. Porquê produzir alimentos na cidade?

A agricultura praticada em meio urbano representa uma actividade com variadas vantagens e benefícios para a

população urbana, não só ambientais, como ecológicas, socioculturais, económicas e ainda educativas.

Os espaços agrícolas enquanto espaços verdes urbanos contribuem favoravelmente para o ambiente, através

da redução do impacto ambiental; da regularização microclimática do espaço urbano, levando a situações

climatéricas mais confortáveis e contribuindo para diminuir os efeitos negativos do contínuo construído, através

do controlo da humidade, da termoregularização, da absorção de dióxido de carbono e aumento do teor em

oxigénio; da protecção contra a erosão do solo (Magalhães et al., 1991:82-83); bem como da manutenção da

biodiversidade e da formação de microclimas.

Figura 19: The Urban Food System

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26

No que se refere ao metabolismo das cidades abordado no primeiro capítulo, dada a intensidade energética

despendida na produção de alimentos, no uso de fertilizantes e no transporte dos alimentos, a redução na

disponibilidade de fontes de energia, em especial do petróleo, terá um impacto significativo neste sistema.

Segundo a organização The World Wildlife no Reino Unido, 30% das emissões totais de gases resultam de

sistemas de abastecimento comercial de alimentos (Gorgolewski, Komisar e Nasr, 2011:13).

Neste sentido, a integração da produção alimentar nas cidades contribui para a diminuição do consumo de

energia. Ao reduzir a distância entre produtor e consumidor, reduz a dependência de cadeias de abastecimento

alimentares distantes. Quando a produção alimentar é feita de forma orgânica, por um lado, contribui para a

diminuição do consumo de energia através do não recurso a fertilizantes e adubos químicos prejudiciais ao meio

ambiente e à saúde da população e, por outro, contribui para transformação de resíduos em recursos através da

técnica da compostagem8, através da qual são reutilizados os resíduos orgânicos domésticos para composto

orgânico para adubar a terra. Desta forma, a produção alimentar nas cidades, designada de agricultura urbana,

contribui para um metabolismo circular em modelos alternativos que promovam o desenvolvimento sustentável

das cidades. Outra das funções ambientais dos espaços agrícolas está relacionada com a infiltração das águas

da chuva no solo livre diminuindo o escoamento das águas nas vias públicas (Pinto, 2007:54-55).

Entre as funções socioculturais, a agricultura urbana apresenta uma componente de recreio e lazer, permitindo o

contacto com os fenómenos biológicos em meio urbano, possibilitando a observação da alternância das

estações e a aprendizagem sobre a flora e fauna (Magalhães et al 1991:93-94; Magalhães, 2001:383)

aumentando a consciência ambiental. Este contacto com a natureza proporciona igualmente, momentos de

descanso e descompressão, apresentando funções terapêuticas, que promovem a redução do stress e a

melhoria da saúde mental, contribuindo para o bem-estar das populações urbanas.9 Ainda relativamente ao bem-

estar, a agricultura urbana contribui para a segurança alimentar, através de uma alimentação mais saudável,

mais barata e segura. Ao nível social, fomentam a inclusão social, as relações sociais e intergeracionais,

contribuindo para estimular o sentimento de pertença e sentido de lugar das comunidades.

Em relação às vantagens económicas inerentes aos espaços agrícolas, a venda dos excedentes da produção

alimentar poderá fortalecer a base económica das famílias mais carenciadas, e mesmo a produção destinada

apenas para auto-consumo ou consumo comunitário contribui para a diminuição da pobreza urbana (Pinto, 2007.

54-55).

O incentivo da participação da população urbana enquanto prática comunitária contribui para o surgimento de

movimentos e mercados de agricultores urbanos, possibilitando a oferta local de alimentos o que poderá também

8 A compostagem é um processo biológico em que os microrganismos transformam a matéria orgânica, como estrume, folhas, papel e restos de comida, num material semelhante ao solo a que se chama composto. Informa 9 Citado no Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, realizado no Seixal, 2011

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27

motivar a comunidade encarar esta prática como uma actividade cultural. Tudo isto contribui para o

desenvolvimento local e para a sustentabilidade urbana.

No que se refere à educação, a agricultura urbana apresenta um papel fundamental na implementação de

sistemas agro-alimentares de base local. Se por um lado, o conhecimento sobre os seus alimentos fomenta a

participação dos cidadãos na tomada de decisões sobre o sistema agro-alimentar de um modo mais informado,

por outro, o envolvimento dos cidadãos em organizações alternativas agro-alimentares permite-lhes aprender a

usar os seus direitos como cidadãos na mudança do sistema agro-alimentar dominante. (Travaline, 2008:58)

Relativamente aos jovens, o seu conhecimento sobre a sua alimentação e sobre os alimentos num geral,

também é muito limitada (Dillon et al., in Travaline, 2008:59) e a própria Organização Mundial de Saúde

recomenda educar as crianças com idade escolar sobre alimentação e nutrição (Wilkinson, in Travaline,

2008:59), contribuindo para uma alimentação mais saudável e evitando problemas de obesidade, além de

contribuir para um contacto com os processos naturais.

Contudo, uma alimentação saudável e o uso do solo de forma sustentável também requer conhecimento, e neste

sentido, é necessário educar as pessoas sobre técnicas de cultivo sustentáveis. Concludentemente, através da

agricultura urbana as pessoas não só aprendem sobre alimentação saudável como ganham valiosas habilidades

práticas na produção, transformação e comercialização que poderão ser úteis na procura de emprego (Brown &

Carter, Howe, Smit & Bailkey, in Travaline, 2008:60).

2.2.2. Hortas urbanas e peri-urbanas

As hortas urbanas e peri-urbanas representam uma tipologia de espaço verde que surge de forma espontânea

no território, ocupando os espaços intersticiais, dentro ou nas áreas periféricas das cidades, onde se cultivam

legumes, hortaliças, árvores de fruto, ervas aromáticas e plantas ornamentais. O seu surgimento está

particularmente ligado às épocas de maior expansão urbana e de migração da população rural para a cidade

durante a Revolução Industrial, como resposta às necessidades de subsistência de pessoas que viviam em

condições precárias e que possuíam baixos recursos económicos (Castel´ Branco et al., 1985).

Tal como já foi referido, durante o período de guerra, em vários países da Europa, muitos espaços dentro da

cidade foram transformados em áreas extremamente produtivas. Na Alemanha, os Schrebergärten 10,

inicialmente designados de “jardins para os pobres” surgiram com o período de industrialização e urbanização na

Europa durante o século XIX e durante o período de guerra tornaram-se essenciais para a sobrevivência da

10 Estes allotment gardens são terrenos entre 200 e 400 m de tamanho usados principalmente para a horticultura para consumo doméstico que surgiram como serviço público social na luta contra a fome e a pobreza derivadas da Revolução Industrial. Durante a Segunda Guerra Mundial existiam em Berlim cerca de 200 000 destas hortas e actualmente, existem mais de 1,4 milhões na Alemanha que ocupam uma área de cerca de 47,000 ha e desempenham um papel importante não só na produção de frutas e vegetais frescos, mas também para a recreação e conservação da natureza nas cidades. Este último tornou-se a razão mais importante para a conservação destas hortas nas cidades. Informação disponível online em: http://www.cityfarmer.org/germanAllot.html

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

28

população. No caso do Reino Unido, por exemplo, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939 o

Ministro da Agricultura lançou a campanha 'Dig for Victory’ que incentivava a população a produzir os seus

próprios alimentos, transformando os seus jardins privados em mini-hortas. Em 1944, já parques urbanos tinham

sido transformados em campos, e mais de um milhão de toneladas de legumes estavam a ser cultivadas nestas

hortas urbanas (ver figuras 18, 19 e 20).

Em Portugal, o fenómeno das hortas urbanas iniciou-se nos anos 40 do século XX, com a intensificação da

migração dos rurais para as cidades, verificando-se que em 1947 ocupavam 39 ha do solo, tendo aumentado na

década de 70 para 123 ha11 com o retorno de muitos emigrantes, soldados e residentes nas ex-colónias,

observando-se uma explosão de uma agricultura de complemento nas áreas periféricas, que apresentavam um

carácter bastante instável devido ao processo de suburbanização. No interior das cidades este fenómeno surge

fundamentalmente junto a bairros de “lata” ou zonas degradadas, ou junto a bairros sociais, de renda económica,

quase sempre em terrenos municipais (Castel´ Branco et al., 1985). Em 1987 as hortas urbanas atingem cerca

de 305 ha da ocupação do solo, contudo, como podemos observar no gráfico 5, verifica-se que em 1995 as

hortas reduzem-se para apenas 118 ha, em 2001 para 102 ha e em 2006 e 2008 para 84 ha.12

Actualmente, as hortas urbanas têm vindo a assumir-se como um fenómeno cada vez mais incontornável das

áreas urbanas em várias partes do mundo e no município de Lisboa, embora ainda seja um fenómeno de micro-

escala tem surgido novamente um interesse crescente da população e da Autarquia.

11 Câmara Municipal de Lisboa, Departamento de Planeamento Urbano, Relatório do estado do ordenamento do território REOT, 20 Janeiro de 2009 versão preliminar, disponível online em: http://habitacao.cm-lisboa.pt/documentos/1238771728D1ySW7zj9Hn25NA7.pdf. Consultado no dia 12 de Outubro de 2011

12 Idem

Figura 20: Cartaz da campanha Dig For Victory, Reino Unido, 1942

Figura 21: Hortas urbanas junto à Torre de Londres, 1939–1945

Figura 22: Hortas urbanas numa manhã de domingo em Clapham Common, Londres, 1939–1945

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29

2.2.3. Tipos de hortas urbanas

As hortas urbanas funcionam não só como espaços de alimentação, mas também de convivência, economia,

educação, desenvolvimento comunitário e gestão de espaços verdes. Segundo Sousa (1999) 13, as hortas

urbanas podem ser classificadas como Hortas Sociais, Hortas de Recreio, Hortas de Recreio colectivas e Hortas

Pedagógicas.

As Hortas Sociais podem ser de uso individual ou familiar, e têm como principal objectivo satisfazer as

necessidades alimentares de pessoas e/ou famílias de baixos recursos económicos, ou contribuir para o

respectivo rendimento através da eventual venda de excedentes. Verifica-se que em Lisboa são as mais

frequentes.

As Hortas de Recreio podem ser de uso individual ou familiar e normalmente ficam localizadas junto das

residência dos utentes e têm como principal finalidade o recreio.

13 Citado em: Câmara Municipal de Lisboa, Departamento de Planeamento Urbano, Relatório do estado do ordenamento do território REOT, 20 Janeiro de 2009 versão preliminar, disponível online em: http://habitacao.cm-lisboa.pt/documentos/1238771728D1ySW7zj9Hn25NA7.pdf. Consultado no dia 12 de Outubro de 2011

0

50

100

150

200

250

300

350

1987 1995 2001 2006 2008

Hortas Urbanas

Gráfico5: Evolução das hortas urbanas de Lisboa entre os anos de 1987 e 2008

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30

As Hortas de Recreio Colectivas tal como o nome indica são de uso colectivo e têm como principal finalidade o

recreio e/ou educação ambiental. Em Lisboa verifica-se que este tipo de hortas é praticamente inexistente.

Em relação às Hortas Pedagógicas, geralmente são de uso colectivo, constituem um instrumento de educação

ambiental, promovendo o contacto com a natureza, alimentação saudável e a qualidade de vida, quer de

escolas, quer de outras associações realizadas para o efeito.

2.3. Agricultura Urbana nas Redes Verdes Contínuas Urbanas

Citando Maria Celeste D’Oliveira Ramos, (in Coelho, 2005:64) “…cidade e cidadão influenciam-se mutuamente

num verdadeiro ecossistema urbano. (…) Não há cidade sem corredores ecológicos (secos e húmidos) e

culturais que atravessam transversalmente todo o tecido urbano ligando “as pontas da grande Cidade” ao seu

coração, espaços de natureza e cultura aqui, ali já, quase ao pé de cada porta, onde a agricultura peri-urbana

tenha lugar definitivo e incontestado.”

2.3.1. Inserção da Agricultura Urbana na Estrutura Ecológica Urbana: Estrutura Ecológica Municipal e o

Plano Verde de Lisboa

A consciencialização ocorrida no século XX, face à crise ecológica e ambiental, à delapidação dos recursos

naturais e à componente natural que deixou de se fazer sentir no meio urbano devido ao crescimento

desmesurado das cidades, levou não só ao surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável mas

também ao conceito de Contínuo Natural, já empiricamente iniciado por Frederick Olmsted - com a criação de

um sistema de parques articulados entre si por corredores verdes, os parkways, que ligavam o centro da cidade

à envolvente rural, dando origem ao Emerald Necklace, em Boston – pretendendo-se que a natureza “envolvente

penetre na cidade de modo tentacular e contínuo, assumindo diversas formas e funções que vão desde o

espaço de lazer e recreio ao de enquadramento de infraestruturas e edifícios, aos espaços de elevada produção

de frescos agrícolas e à protecção e integração de linhas ou cursos de água” (Magalhães, 1992:11; Magalhães,

2001:107).

Para que este propósito seja alcançado, defende-se a criação de novos espaços, e a recuperação dos

existentes, sendo a sua ligação feita por “corredores verdes”, que integram percursos de peões ou de veículos

(Magalhães, 2001:107; Magalhães 1992:11).

É neste princípio de continuidade, que assenta o conceito de Estrutura Ecológica Urbana, que para além das

funções ecológicas, integra as recreativas e as culturais, visando promover a multifuncionalidade.

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31

Em Portugal, este conceito é difundido a partir dos anos 40 do século XX, pelo Prof. Francisco Caldeira Cabral

(Magalhães, 2001:106), mas é apenas consagrado legalmente em 1987 pela Lei de Bases do Ambiente14. A sua

aplicação num Plano Verde para Lisboa (1994) deve-se ao arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, ao

propor um instrumento de planeamento que pretende assegurar em meio urbano a preservação dos princípios

que regem a REN (Reserva Ecológica Nacional), de modo a garantir o seu equilíbrio ecológico, bem como as

áreas defendidas pela RAN (Reserva Agrícola Nacional). Esta visa “defender e proteger as áreas de maior

aptidão agrícola e garantir a sua afectação à agricultura, de forma a contribuir para o pleno desenvolvimento da

agricultura portuguesa e para o correcto ordenamento do território” 15

Desta forma, a Estrutura Ecológica Urbana é definida como um “continuum naturale”, integrado em meio urbano,

que pretende dotar a cidade, por forma homogénea, de um sistema constituído por diferentes biótopos e por

corredores que os interliguem, representados, quer por ocorrências naturais, quer por espaços existentes ou

criados para o efeito, que sirvam de suporte à vida silvestre. (Magalhães, 2001:408; Magalhães 1992:13)

“Quando uma cidade é construída tomando em conta o meio em que se insere, respeita o «espírito do lugar

natural», (Magalhães, 2001:404) mas isto só é possível “através da preservação da estrutura ecológica,

constituída pela expressão espacial das componentes mais sensíveis dos ecossistemas, representada pelos

factores de ambiente “visíveis” como o relevo, a hidrografia, o solo e a vegetação.” (Magalhães, 2001:405) Como

tal, a Estrutura Ecológica Urbana desempenha um papel fundamental na preservação dos ecossistemas naturais

em meio urbano.

Como já foi mencionado, a cidade de Lisboa até aos anos 60 do século XX, apresentava uma envolvente rural

onde predominavam as quintas de recreio, as hortas, os olivais e as searas integradas numa rede de matas e

sebes de ulmeiros e oliveiras. O crescimento casuístico da cidade descorou estes elementos naturais e

desrespeitou os seus valores culturais e patrimoniais, tendo sido destruídos espaços e percursos de recreio

tradicionais fundamentais para o abastecimento de frescos dos mercados de Lisboa. 16

Por conseguinte, a Estrutura Ecológica Municipal (EEM) enquanto instrumento de planeamento municipal,

pretende “estabelecer a continuidade e complementaridade dos sistemas naturais e culturais, a sustentabilidade

ecológica e física do meio, [- circulação e qualidade da água e do ar e o ciclo da matéria orgânica -] a

biodiversidade e a valorização e dinamização do património arquitectónico e paisagístico, através dos corredores

de ligação que suportam redes de mobilidade [pedonal e ciclável] e estabelecem relações de continuidade,

14 Lei nº 11/87 de Abril – art. 5º 2d, onde é definido como um ʺsistema contínuo de ocorrências naturais que constituem o suporte da vida silvestre e da manutenção do potencial genético e que contribui para o equilíbrio e estabilidade do territórioʺ. 15 Lei nº 196/89 de Junho – art. 1º.

16 Câmara Municipal de Lisboa, Gabinete Vereador José Sá Fernandes, Proposta para a Estrutura Ecológica Municipal, 2006, disponível

na página da internet: http://www.esquerda.net/media/propostaplanoverde.pdf

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32

constituindo oportunidades para múltiplas funções e usos urbanos” 17 nomeadamente, espaços de descanso e

lazer e de contacto com a Natureza, bem como espaços de jardinagem e horticultura, em articulação com a

estrutura edificada, “constituindo, sempre que possível, corredores que deverão prolongar-se para os restantes

concelhos” 18, através de um sistema contínuo de ocorrências naturais que incluam áreas de agricultura.

Desta forma, a Estrutura Ecológica Municipal pretende estabelecer estas relações de continuidade através de

um Sistema de Corredores e Unidades Estruturantes Municipais (figuras 23, 24 e 25) fundamentais para o

funcionamento e qualidade do sistema urbano no seu conjunto e cujo conceito “decorre da constatação do facto

de nas áreas urbanas consolidadas, não estruturadas, fragmentadas e desordenadas do território metropolitano,

o espaço livre, não edificado, ser já de dimensão e configuração que o remete para espaço residual.”19

17 Câmara Municipal de Lisboa, Relatório da Proposta de Plano, versão final da revisão do PDM, Julho de 2011, disponível na página da

internet: http://pdm.cm-

lisboa.pt/downloads/elementos_acompanhamento/02_Relatorio_da_Proposta_de_Plano/02_Relatorio_da_Proposta_Julho_2011.pdf

18 Câmara Municipal de Lisboa, Relatório da Proposta de Plano, versão final da revisão do PDM, Julho de 2011, disponível na página da internet: http://pdm.cm-lisboa.pt/downloads/elementos_acompanhamento/02_Relatorio_da_Proposta_de_Plano/02_Relatorio_da_Proposta_Julho_2011.pdf 19 Câmara Municipal de Lisboa, Relatório de Caracterização síntese, versão final da revisão do PDM, Julho de 2011, disponível online em: http://pdm.cm-lisboa.pt/downloads/discussao_publica_relatorio_ponderacao/04_Discussao_Publica_Relatorio_de_Ponderacao.pdf

Figura 23: Sistema de Corredores Estruturantes

Fonte: Adaptado do Plano Verde de Lisboa

Figura 24: Sistema de Corredores / Unidades Estruturantes

Municipais

Fonte: Adaptado do Plano Verde de Lisboa

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33

O Sistema de Corredores/Unidades Estruturantes inclui:

1 Parque de Monsanto

2 Parque Periférico

3 Anel interior

4 Zona ribeirinha

5 Corredor Verde de Monsanto / Av.Liberdade

6 Corredor Verde Oriental

7 Corredor do Vale de Alcântara

8 Corredor da Alta de Lisboa

9 Corredor de Telheiras

2.3.1.1. Parque Periférico de Lisboa

As origens do Parque Periférico de Lisboa, localizado nas freguesias periféricas de Lisboa, embora sem o

carácter unitário (Parque), remontam ao 1938, quando a Câmara Municipal de Lisboa sob a presidência de

Duarte Pacheco, contratou o arquitecto–urbanista Étienne de Gröer, para elaborar juntamente com os serviços

técnicos da câmara um programa base para a implementação de um plano director em Lisboa - Plano Geral de

Urbanização e Expansão de Lisboa. Assim foi elaborado o Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa -

PGUEL (Etienne de Groer) – que foi concluído em 1948,20 e que previa uma cintura rural periférica, à

semelhança do que acontecia na cidade-jardim de Howard. Em 1959, o plano do GEU21 pretendia preservar os

espaços reservados às culturas hortícolas, “nuns casos de horta familiares, de tradição muito antiga em Lisboa

(…) e noutros casos de explorações hortícolas para o abastecimento da cidade. O maior interesse urbanístico e

social está evidentemente ligado às hortas familiares, que têm em Lisboa aspectos inteiramente semelhantes

aos que se encontram em França e Alemanha. (…) Além do interesse que possam apresentar para cada família,

os conjuntos de hortas são espaços verdes que praticamente não traz em encargos para o município e

representam um espaço apreciável que se mantém economicamente em máxima intensificação cultural.

20 Reis, 1999 e Câmara Municipal de Lisboa, Evolução do Planeamento Urbano de Lisboa, PDM, disponível na página da internet: http://pdm.cm-lisboa.pt/ap_2.html 21 Gabinete de Estudos de Urbanização da Câmara de Lisboa

1

2

8

9 3

6

4

4

5 7

Figura 25: Identificação dos Sistema de Corredores e

Unidades Estruturantes Municipais

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34

Não convém, portanto, eliminar os espaços dedicados à cultura hortícola e quando se destinem a esse fim novas

áreas convém atender as características do solo e clima para que seja possível obter o fim em vista.”22

Actualmente, segundo o Plano Verde para a cidade de Lisboa, no qual o novo PDM23 se baseou, tal como já foi

observado no ponto anterior o Parque Periférico é considerado uma Área Ecológica Estruturante a consolidar,

que corresponde à coroa ecológica periférica que abrange o Vale de Carnide, Carnide, Paço do Lumiar, Lumiar,

Vale da Ameixoeira, Ameixoeira e Charneca do Lumiar e contêm as estruturas militares, os espaços verdes,

incluindo os espaços verdes produtivos e as aldeias e quintas históricas. “A sua materialização justifica-se não

só pela sua função ecológica, mas também pelo conjunto de atributos de natureza conservacionista ou

regeneradora dos núcleos antigos” 24 e como tal, “qualquer área do Parque Periférico, definido e identificado no

plano verde [não pode],ser subtraída para a construção de edifícios e/ou de infra-estruturas que afectem a

essência natural do parque.”25

22 Plano Director de Urbanização de Lisboa, 1959, cit in Reis, 1999:51 23 Plano Director Municipal

24 Câmara Municipal de Lisboa, Gabinete Vereador José Sá Fernandes, Proposta para a Estrutura Ecológica Municipal, 2006, disponível online em: http://www.esquerda.net/media/propostaplanoverde.pdf 25 Idem

Figura 26: Conceito do Parque Periférico de Lisboa: Estruturas Militares; Espaços Verdes, Aldeias e Quintas Históricas

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35

2.3.1.2 Agricultura Urbana: Uma nova estratégia para a Estrutura Ecológica Municipal de Lisboa

Perante os complexos problemas urbanos enumerados ao

longo deste relatório, nomeadamente o impacto das

alterações climáticas, a pobreza urbana, a dependência dum

sistema alimentar industrial e distante, a segregação social e

a fragmentação e dispersão do território, considera-se que a

implementação de uma Estrutura Ecológica Urbana coerente

e produtiva poderá ser uma das soluções para a sua

resolução. Dada a crise económica actual, a implementação

de soluções de baixa manutenção, no caso das matas

urbanas, parques ambientais e agricultura urbana extensiva,

apresentam um elevado retorno ambiental e social e

contribuem economicamente para o desenvolvimento local

das comunidades.26

Segundo o Vereador do Ambiente, José Sá Fernandes, actualmente “Lisboa apresenta cerca de 77 ha de áreas

agrícolas e hortícolas, na generalidade de cariz espontâneo” e a “revisão do Plano Director Municipal em curso,

cujo Plano Verde foi considerado como esqueleto fundamental, procurou albergar boa parte destes valores,

havendo necessidade em investir na qualificação das áreas municipais agrícolas” 27, apresentadas na figura 5 e

que correspondem ao Parque hortícola do Vale de Chelas (1), o Parque da Quinta da Granja (2), as hortas dos

jardins de Campolide (3), o Parque Hortícola de Telheiras (4), as hortas da Graça (5), o Parque Periférico / Vale

da Ameixoeira (6), o Vale Fundão (7), as hortas do Rio Seco (8), a Quinta do Zé Pinto (9), as hortas do Parque

Bensaúde (10), o Parque Periférico / Bº Padre Cruz (11), núcleo de Carnide (12), Madre de Deus (13), a Quinta

Conde D´Arcos (14) e o Parque Oeste (15).

26 Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas Públicas, artigo: “Agricultura Urbana: Uma nova estratégia para a Estrutura verde de Lisboa”, José Sá Fernandes, Rita Folgosa, Duarte Mata e Graça Ribeiro, Câmara Municipal de Lisboa, Seixal, Abril de 2011 27 Idem

3

3 1

7

13

5

8

3 9

4

10 2

12

15 6

14 11

1

Figura 27: Espaços Hortícolas a criar e requalificar, PDM de Lisboa

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36

Neste âmbito, destaca-se o projecto do Parque Hortícola do Vale de Chelas, cuja 1ªfase foi concluída em 2011 e

o Parque Agrícola da Alta de Lisboa, aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, que visa a operacionalização

parcial do Parque Periférico de Lisboa, inserindo-se no Parque Oeste como seu complemento programático.

O Parque Hortícola do Vale de Chelas, situado a montante da Bacia hidrográfica do Vale Central de Chelas e

inserida na Estrutura Ecológica Municipal, será o maior Parque Hortícola em meio urbano do país. Nasceu da

necessidade de prover o vale das condições necessárias à prática de agricultura urbana, uma actividade já há

muito desenvolvida de forma espontânea nesta área. Com uma área de cerca de 15 hectares, dos quais 6,5 são

destinados ao uso hortícola, numa primeira fase cerca de 400 talhões de cultivo, cada um com 150 m2 de área

já foram instalados.28 Segundo o Vereador Sá Fernandes uma parte deles destina-se aos cerca de 100 hortelãos

que já ocupavam o local e os restantes ficam reservados para um concurso público. “O Município tem formado

28 Lisboa é Muita Gente. Associação de defesa da estrutura ecológica, do ambiente, do património cultural, da reabilitação, da interculturalidade e da solidariedade social, em Lisboa. Informação disponível online em: http://lisboaemuitagente.blogspot.com/2010_11_01_archive.html

Figura 29: Parque Hortícola do Vale de Chelas, Lisboa

Figura 28: Parque Hortícola do Vale de Chelas, Lisboa. Plano Geral, 2009

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37

os hortelões para a prática de técnicas de agricultura biológica, [compostagem de resíduos e utilização apenas

de produtos biológicos na cultura] prevendo-se no futuro que parte destes produtos possam vir a ser

enquadrados na estratégia dos Mercados Municipais da Cidade”. 29

Enquanto espaços verdes de baixo custo, tanto na sua implementação como na manutenção - podendo reduzir o

esforço de manutenção até cerca de 70% -, as hortas urbanas facilitam a consolidação da estrutura verde

através de corredores ecológicos contínuos. Desta forma, possibilitam uma maior funcionalidade e resiliência de

todo o sistema natural e um aumento da biodiversidade, contribuindo para a sustentabilidade ambiental. 30

Inserido no Parque Oeste, o Parque Agrícola da Alta

de Lisboa – PAAL, irá ser implementado na Alta de

Lisboa, localizada nas freguesias do Lumiar,

Charneca e Ameixoeira) numa zona com cerca de

17.000 m2, na Quinta dos Cântaros, por cima da pista

de atletismo Moniz Pereira e junto ao Eixo Norte-Sul.

Este projecto partiu da Associação para a Valorização

Ambiental da Alta de Lisboa – AVAAL, criada em

2009, por um grupo de cidadãos residentes na Alta de

Lisboa e visa a recuperação da Quinta dos Cântaros

para fins agrícolas com o objectivo de melhorar os

conhecimentos ambientais e a qualidade alimentar da

população, em particular dos estratos sociais de

menores rendimentos. Está prevista a constituição de áreas destinadas a hortas sociais, pedagógicas, de

recreio, individuais ou colectivas e hortas de recreio adaptadas a cidadãos portadores de deficiência, bem como

a aplicação de práticas sustentáveis, nomeadamente, a produção biológica, a compostagem de resíduos e

outras actividades complementares. Pretende-se ainda, a formação em eco-tecnologias e desenvolvimento local

e fomentar a coesão social das várias classes sócio-económicas residentes na Alta.31

29 Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas Públicas, artigo: “Agricultura Urbana: Uma nova estratégia para a Estrutura verde de Lisboa”, José Sá Fernandes, Rita Folgosa, Duarte Mata e Graça Ribeiro, Câmara Municipal de Lisboa, Seixal, Abril de 2011 30 Idem

31 Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas Públicas, artigo: “Inserção de Agricultura Urbana em Estruturas Ecológicas. O papel das políticas públicas. Aplicação a um caso de estudo na Alta de Lisboa, Jorge Cancela, AVAAL, Seixal, Abril de 2011

Figura 30: Parque agrícola da Alta de Lisboa - PAAL

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38

2.3.2. Infra-estrutura produtiva: O conceito das CPUL – Continuous Productive Urban Landscape

Considerando a vasta gama de benefícios e vantagens da inserção da produção alimentar na cidade,

mencionados ao longo deste capítulo, nomeadamente as vantagens associadas à multifuncionalidade destes

espaços produtivos e o seu contributo para um desenvolvimento urbano sustentável e dada a complexidade e

dimensão das cidades, a agricultura urbana começa a ser abordada como um objectivo estratégico e de infra-

estrutura.

É neste sentido que surge o conceito de paisagem urbana produtiva contínua (Continuous Productive Urban

Landscape – CPUL)32, que começou a ser desenvolvido em Londres, por volta de 2004, pelos arquitectos André

Vijoen e Katrin Bohn.

Segundo estes arquitectos, as CPULs baseiam-se numa pesquisa emergente internacional e representam uma

estratégia conceptual, que integra a agricultura nos novos modelos de desenvolvimento da cidade. Trata-se de

uma combinação coerente de planeamento e desenho de paisagens contínuas - incorporando o conceito de

contínuo natural abordado nos pontos anteriores - e paisagem urbana produtiva, englobando as dimensões da

viabilidade económica, sociocultural e ambiental, através do estabelecimento de novos padrões de produção de

alimentos e de emprego e funcionando dentro de uma estratégia de paisagem. O conceito de CPUL funciona

numa lógica de rede de espaços verdes abertos em meio urbano, geridos e plantados, de forma a serem

ambientalmente e economicamente produtivos, conectando-se deste o centro da cidade às zonas envolventes

rurais e interligando-se com o ambiente construído urbano (Viljoen, 2005), numa relação simbiótica entre

urbano/rural e construído/não construído.

32 Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas Públicas, artigo: “Achieving the CPUL (Continuous Productive Urban Landscape) City, moving from theory to practice”, André Viljoen, e Katrin Bohn, Seixal, Abril de 2011

Figura 31, 32 e 33: Conceito de CPUL

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39

No livro “Continuous Productive Urban Landscapes: Designing Urban Agriculture for Sustainable Cities” (2005),

os arquitectos apresentam esta visão de integração das CPULs nas cidades existentes e futuras e defendem

que os benefícios da agricultura urbana só terão um impacto significativo nas cidades quando esta for

introduzida numa escala semelhante a outros tipos de infra-estrutura urbana, como estradas, abastecimento de

energia e saneamento básico. Neste sentido, a agricultura urbana pode ser encarada como uma nova infra-

estrutura sustentável, como o vento ou a energia solar, visto que, reconhece a realidade de recursos finitos e

gera um retorno, potencia a redução dos resíduos urbanos, reutilizando os resíduos orgânicos localmente, -

através da compostagem – e pode reduzir os custos significativos associados à eliminação de resíduos,33

contribuindo desta forma, para a transformação do actual metabolismo linear das cidades num metabolismo

circular defendido por Herbert Girardet.

Viljoen destaca ainda a importância do carácter económico ligado a esta nova infra-estrutura, salientando que a

agricultura urbana praticada na maior parte dos países europeus apresenta maioritariamente uma função de

recreio, aspecto que segundo ele tem que mudar, transformando-a numa agricultura comercial, reduzindo a

necessidade de importar alimentos essenciais através da ligação directa com os mercados locais, enfatizando a

distribuição local de alimentos para consumo imediato. Desta forma é criada uma nova dinâmica através das

conexões entre produção, comercialização e consumo na cidade.

Dada a complexidade, a dimensão e o grau de urbanização das cidades do século XXI, as CPULs apresentam

uma nova abordagem na relação entre o espaço produtivo e o ambiente construído. Para além de proporem uma

intensificação horizontal dos espaços verdes, aplicada directamente sobre o solo, propõem igualmente uma

intensificação vertical destes espaços, aplicada em edifícios ou plataformas construídas verticalmente e que

podem ser utilizados para a vegetação ou agricultura. É esta relação entre o espaço produtivo e o ambiente

construído que fomenta o próximo capítulo e serve de base para o projecto final integrado neste relatório.

33 Congresso Internacional de Agricultura Urbana e Sustentabilidade, Painel 1 – Planeamento e Políticas Públicas, artigo: “Achieving the

CPUL (Continuous Productive Urban Landscape) City, moving from theory to practice”, André Viljoen, e Katrin Bohn, Seixal, Abril de 2011

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2.3.2.1. Workshop internacional em Istambul: Golden Horn Istanbul, Reinventing a Productive Landscape

No âmbito do workshop “Golden Horn Urban Rehabilitation, Reinventing a Productive Landscape”, promovido

pela Green Engines 34 e realizado em Julho de 2011, em Istambul, foi proposto aos participantes uma estratégia

de regeneração urbana de uma área de Istambul, localizada na região do Golden Horn, um estuário natural que

durante o Império Otomano e Bizantino foi um porto natural e o centro de comércio do Mediterrâneo e do Oriente

e que em meados do século XX foi transformado numa área industrial que provocou graves mudanças ao nível

ambiental, territorial e sociocultural. A área em estudo (ver figuras 32 e 33) situava-se entre a Haliç Bridge (Ponte

Golden Horn) e a ponte Ataturk e incluía os bairros Balat e Fener, essencialmente residenciais e localizados na

margem sul do Golden Horn, e o bairro Haskoy, localizado na margem norte, onde dificilmente se consegue

diferenciar o que é residencial e o que é industrial. A conexão entre as duas margens é feita através de um ferry,

depois da demolição da antiga ponte Galata. A multiculturalidade é uma característica comum destes bairros, tal

como o baixo nível de educação e o baixo rendimento dos habitantes. Estes dois últimos tiverem efeitos

colaterais sobre a falta de participação e compromisso social na preservação e manutenção dos bairros,

34 A Green Engines é uma plataforma de pesquisa que explora as potencialidades de paisagens produtivas de modo e gerar um território auto-sustentável. Funciona em colaboração com Universidades, Municípios, pesquisadores e profissionais e trabalha com estudos de casos específicos, que são estudados e testados dentro da investigação independente e workshops internacionais. Informação disponível online em: http://greenengines.studiomeb.com/. Consultado a 30 de Julho de 2011

Figura 34 e 35: Localização da área em estudo na cidade de Istambul, Fener, Balat e Haskoy

Figura 36: Homem muçulmano no bairro Balat, nota-se a multiculturalidade existente.

Figura 37: Edifício degradado no bairro Haskoy.

Figura 38: Passeio com 30 cm de altura, o que demonstra a falta de acessibilidade nas ruas. Bairro Haskoy

Figura 39 e 40: Os terrenos baldios são utilizados pela população como extensão das actividades diárias. Bairro Balat

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

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resultando na degradação do edificado e do espaço público que geraram a actual insegurança pública e imagem

negativa. Além disso, outros problemas sentidos ligam-se à falta de conexão da cidade com as frentes de água,

a ausência de espaços verdes e uso insuficiente dos existentes, falta de condições para os peões e as áreas

industriais obsoletas.

A estratégia estabelecida pelo grupo de trabalho focou-se em três pontos principais:

- Na qualificação do edificado e do espaço público, através: (1) da introdução de espaços verdes e potenciando

os existentes; (2) da reabilitação do espaço público e do edificado promovendo a participação social, de modo a

contribuir para o sentido de identidade e o sentimento de pertença da população; (3) da reconstrução da antiga

ponte Galata ligando as duas margens; (4) da reabilitação das áreas industriais inactivas e sua reutilização para

um espaço comunitário e da promoção de uma mistura de usos. Neste sentido pretendia-se restabelecer a

percepção de segurança pública perdida, promovendo uma nova centralidade.

- Na criação de uma rede contínua de espaços verdes multifuncionais - de recreio, educacionais, de intercâmbio

e de uso produtivo – que promovessem experiências de proximidade e actuassem como serviços de apoio para

a vida diária, que permitissem criar uma continuidade pedonal e que promovessem a biodiversidade e qualidade

ambiental da população.

- Na inserção da agricultura urbana como estratégia para o desenvolvimento urbano sustentável, através da

criação de 4 tipologias de espaços verdes ligados à habitação, escolas, edifícios religiosos e parques urbanos,

tornando estes espaços verdes produtivos ambientalmente e economicamente e funcionando como espaços de

coesão social, territorial e intergeracional.

Figura 41: Conceito do grupo de trabalho: Green Network

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

42

Arsenal

Commutity Center - Market Streets rehabilitated

Religious green spaces

Residencial green spaces Educational green

Schools Museum Urban Park Cemetery Religious buildings

Arsenal

Industry

Figura 42: Estratégia global do grupo de trabalho

RELIGIOUS GREEN SPACES

COMMUTITY FOOD CENTER

EDUCATIONAL

GREEN SPACES

RESIDENCIAL GREEN SPACES

RECONSTRUCT THE OLD GALATA BRIDGE -

PEDESTRIAN CROSSING

SUSTAINABLE MOBILITY PRODUCTIVE URBAN PARK -

RELATION TO THE WATER AND

THE CITY

STREET TRADING

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43

Considerando a actual insustentabilidade das cidades e o problema da dependência alimentar face ao exterior,

ficou claro o contributo da Agricultura urbana no desenvolvimento urbano sustentável, podendo concluir-se que a

sua integração em paisagens contínuas poderá não só fomentar uma produção, distribuição e consumo

alimentar mais sustentável como poderá transformar a gestão de espaços urbanos abertos e a própria projecção

de edifícios. Neste sentido, a participação no presente workshop foi de extrema relevância visto que possibilitou

materializar os conceitos abordados ao longo deste capítulo.

Figura 43: Conectividade entre os espaços verdes promovendo a continuidade pedonal, estratégia do grupo de trabalho

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

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3. RELAÇÃO: HOMEM - AMBIENTE CONSTRUÍDO – NATUREZA – PRODUÇÃO ALIMENTAR

3.1. A geração ecológica: O papel dos arquitectos na construção de habitats mais sustentáveis e

produtivos

3.2. A necessidade de uma abordagem integrada e participativa

3.3. Uma cidade em constante renovação: Escalas e produção

3.4. Relação simbiótica entre edifício, homem e natureza

3.4.1. Institute for Forestry and Nature Research (Alterra), Wageningen, Holanda

3.5. Educação para a sustentabilidade: Espaços educativos e produtivos

3.5.1. Edible Schoolyard, Nova Iorque, Estados Unidos

3.5.2. Gary Comer Youth Center, Chicago, Estados Unidos

3.6. Reutiliza, Readapta, Produz: Projectos participativos e comunitários

3.6.1. Artscape Wychwood Barns, The Stop Community Food Centre, Toronto, Canadá

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3. RELAÇÃO: HOMEM - AMBIENTE CONSTRUÍDO – NATUREZA – PRODUÇÃO ALIMENTAR

“A procura da sustentabilidade do espaço que habitamos deixa de ser uma mera moda para a passar a

constituir-se como um imperativo ético determinante, colectivo e sem heróis (…).”

Duarte Cabral de Mello (cit in Tirone, 2008)

3.1. A geração ecológica: O papel dos arquitectos na construção de habitats mais sustentáveis e

produtivos

O conceito de desenvolvimento sustentável foi criado para garantir que deixemos a cidade em bom estado para

as gerações futuras. Contudo, embora se tenha dedicado muita atenção à definição dos princípios do

desenvolvimento sustentável, muito pouco se fez para se introduzir esse conceito nos valores da sociedade

(Edwards, 2005:31) e nas prática sociais. Contudo, as novas gerações de arquitectos apresentam uma

consciência sobre a questão da sustentabilidade, que as gerações anteriores não tinham, visto que detiveram na

sua formação uma maior aproximação aos conceitos de eficiência energética, reciclagem e biodiversidade.

Neste sentido, apresentam ferramentas para projectar os edifícios e os espaços urbanos de um modo mais

sustentável, integrando “os habitats naturais no processo de desenvolvimento do projecto arquitectónico,

incluindo reservatórios de água e zonas húmidas, plantio de árvores, coberturas-jardim, fachadas cobertas de

trepadeiras, áreas de terreno com vegetação natural (florida e silvestre)”; usando “materiais de construção

ecológicos, contribuindo para a manutenção da biodiversidade local ou regional”, não contaminando o ambiente

com materiais poluentes e reduzindo a emissão de gases derivados do transporte de materiais desde longas

distâncias; e promovendo o “contacto dos seres humanos com a natureza. Isto envolve o plantio de espécies

vegetais, tanto no interior quanto no exterior das edificações, e o aproveitamento das vistas para priorizar a

percepção ou a visibilidade da paisagem natural” (Edwards, 2005:34-35).

A continuidade das superfícies impermeáveis existentes nas cidades impossibilitam a absorção das águas

pluviais que rapidamente são escoadas para as canalizações artificiais, e sobrecarregam os sistemas de

drenagem. Neste sentido, é preciso promover soluções naturais para absorver as águas pluviais, através de

pavimentos permeáveis e a captação das águas pluviais para o uso interno do edifício ou para a irrigação de

espaços verdes adjacentes que contribuem para a permeabilização do solo. Os arquitectos e a sociedade em

geral deverão compreender a importância da relação entre o aquecimento global, o uso do solo e o ambiente

construído (Edwards, 2005:35-36).

Programas como a LEED (Leadership in energy and environmental design), têm incentivado o desenvolvimento

de abordagens inovadoras de aproveitamento de energia, economia de água e sua captação para irrigação, a

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inserção de coberturas verdes, paredes vivas, e outros elementos compatíveis com políticas mais sustentáveis

de produção de alimentos em meio urbano (Gorgolewski, Komisar e Nasr, 2011:11).

Intrinsecamente ligado às questões ecológicas, o interesse pelo papel dos espaços agrícolas nos actuais

modelos de desenvolvimento e o seu contributo para um desenvolvimento urbano sustentável, abordado no

capítulo anterior, reflecte uma nova consciência da importância da alimentação e do sector agrícola no

funcionamento das cidades e comunidades e tem atraído uma atenção significativa e está a ganhar o

reconhecimento entre os arquitectos. Por conseguinte, vários arquitectos têm liderado o caminho no

desenvolvimento de propostas para a agricultura urbana que apresentam possíveis respostas aos problemas de

abastecimento alimentar nas cidades e segurança alimentar, demonstrando o impacto desses problemas na

concepção e planeamento da cidade e seus edifícios.

Tendo em consideração as novas premissas da sustentabilidade urbana, o contributo da agricultura urbana e a

necessidade da sua integração à escala da cidade, versado no capítulo anterior, os exemplos que serão

abordados neste capítulo, mostram a importância da participação dos arquitectos na reintegração dos valores da

produção de alimentos ao nível local/urbano e a possível mudança de valores ecológicos e socioeconómicos.

(Gorgolewski, 2009), contribuindo para a construção de habitats mais sustentáveis e produtivos.

3.2. A necessidade de uma abordagem integrada e participativa

A sustentabilidade urbana é uma responsabilidade de todos. Uma cidade produtiva e resiliente necessita cada

vez mais de uma abordagem transdisciplinar e participativa – como se referiu nos capítulos anteriores -, e desta

forma, o seu sucesso depende do envolvimento conjunto de técnicos, cidadãos e políticos, de modo a

transformar paisagens urbanas em paisagens produtivas e conectar comunidades, alimentação e ambiente.

Os arquitectos poderão ter um papel determinante na inserção da produção alimentar nas cidades, mas só

conseguirão fazê-lo se impulsionarem a participação pública nos sistemas agro-alimentares de base local e

encararem o acto de projectar com uma visão transdisciplinar e participativa.

São necessários projectos dinâmicos e criativos que integrem a comunidade, de modo a criar um sentido de

pertença por parte dos cidadãos envolvidos, aumentando o acesso a produtos frescos e ao mesmo tempo,

projectar de forma ambientalmente responsável. Sendo utilizadas as questões alimentares como ponto de

partida, poderão resultar projectos integrados que conseguirão agregar outros desafios nomeadamente os

problemas ambientais, a inclusão social e o contexto cultural, através de projectos comunitários e práticas de

construção sustentável (Gorgolewski, Komisar e Nasr, 2011:15).

Esta abordagem integrada e participativa é um dos objectivos do projecto final abordado no último capítulo deste

relatório. Deste modo, pretende-se neste capítulo, apresentar exemplos concretos que atestem esta proposta.

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3.3. Uma cidade em constante renovação: Escalas e produção

Tendo em conta o contributo da agricultura urbana para o desenvolvimento sustentável das cidades, já

mencionado nos capítulos anteriores, podemos observar que as cidades do século XXI estão constantemente

em renovação e densificação e apresentam áreas urbanas com uma variedade de oportunidades para a

introdução da agricultura urbana que engloba múltiplas escalas de produção: desde a pequena escala de um

canteiro de um apartamento, à grande escala cultivada em extensões de terra na periferia da cidade.

Estas áreas urbanas que podem ser reutilizadas, recicladas, reabilitadas e readaptadas, transformando espaços

urbanos e edifícios já existentes ou criando novos espaços, possibilitam conectar as formas construídas á

produção, processamento, distribuição e comercialização de alimentos. E esta conexão pode originar variados

projectos que vão desde escolas, a espaços habitacionais, comerciais ou outros locais onde ocorre o consumo

de alimentos (Gorgolewski, Komisar e Nasr, 2011).

Por conseguinte, ao analisar as oportunidades dos diferentes locais existentes na cidade, para além da grande

potencialidade dos espaços residuais - que normalmente são transformados em hortas espontâneas mas que

através de um planeamento sustentado podem ser integrados na estrutura verde da cidade, tal como

mencionado no capítulo anterior -, podemos observar outras sinergias possíveis entre a produção de alimentos e

o ambiente construído, nomeadamente:

Em centros urbanos e áreas residenciais extremamente densificados e com escassos espaços verdes,

onde se poderão adoptar estratégias de integração da produção de alimentos nos edifícios

habitacionais, institucionais ou comerciais, através de coberturas produtivas, paredes “vivas”, canteiros

e jardins suspensos e incentivar a criação de mercados de agricultores; em áreas industriais inactivas

que poderão ser reabilitadas e transformadas em espaços para agricultura urbana, aproveitando as

estruturas pré-existentes, incorporando mercados e pequenas empresas agrícolas, construindo estufas,

jardins e coberturas produtivas;

Em áreas periféricas da cidade, que apresentam um grande potencial para a produção de alimentos,

devido à disponibilidade de terras maioritariamente municipais - como é o caso do parque periférico de

Lisboa -, podem ser convertidos em espaços comunitários produtivos, bem como proporcionar

oportunidades para a integração de recreação e educação através de actividades agrícolas, ou podem

ser utilizadas para a produção agrícola extensiva;

Em zonas habitacionais de baixa densidade, onde a produção de alimentos se pode realizar nos

quintais privados das habitações;

Nas grandes superfícies comerciais na beira das cidades, e nos complexos empresariais e

governamentais, as suas grandes áreas para estacionamento podem ser cedidas em parte para a

prática da horticultura.

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Nas infra-estruturas inactivas, como ferrovias que podem ser reabilitadas e transformadas em parques

urbanos produtivos, como ocorreu em Nova Iorque, cuja linha ferroviária foi transformada num parque

urbano sobrelevado.

Ao mesmo tempo, os problemas relativos aos resíduos sólidos da cidade, às águas residuais e águas pluviais

podem ser transformados em oportunidades se forem tratados e reutilizados como fontes de nutrientes ou

irrigação (Gorgolewski, Komisar e Nasr, 2011:14-15) através da inserção de sistemas inovadores de

aproveitamento de energia, economia de água e sua captação para irrigação, em espaços urbanos e nos

edifícios, e deste modo, poderão contribuir para a transformação do metabolismo actual das cidades – abordado

no primeiro capítulo.

Contudo, tal como já foi defendido anteriormente, para que estas oportunidades se transformem em projectos

dinâmicos e criativos, é necessário uma abordagem participativa e transdisciplinar englobando os vários actores

locais, técnicos e as entidades governamentais.

3.4. Relação simbiótica entre edifício, homem e natureza

Na análise sobre o metabolismo das cidades realizada no primeiro capítulo, entende-se que o consumo aumenta

a utilização de recursos, gera resíduos e produz CO2. Neste sentido, tendo em conta que o sector da construção

civil é responsável por mais de 50% do consumo de recursos mundiais e produção de CO2 é necessário

considerar os aspectos da sustentabilidade na concepção e planeamento do ambiente construído, tendo em

conta o consumo de energia e outros recursos e o consequente impacto nos ecossistemas naturais e na

biodiversidade.

Segundo Tirone (2008:25), na Europa, cerca de 85% do impacto energético-ambiental que resulta do meio

edificado, corresponde à fase de operação – vida útil do edifício - e aproximadamente 15% corresponde à fase

de construção e de demolição. Deste modo, é fundamental reduzir este impacto energético-ambiental do meio

edificado através da implementação de estratégias bioclimáticas que aumentem a eficiência do desempenho.

As estratégias bioclimáticas destinam-se a orientar a concepção do edifício tirando partido das condições

climáticas de cada local, considerando as variáveis: sol, vento e água de modo a atingir as condições de conforto

térmico adequadas, reduzindo ao mesmo tempo os consumos energéticos para atingir esses fins (Gonçalves e

Graça, 2004). Neste sentido, um projecto bioclimático deverá ter em consideração a escolha da implantação e

da orientação do edifício, de forma a optimizar os ganhos solares no mesmo.

Como estratégias de aquecimento nos meses de Inverno ou em climas mais frios, apontam-se: a necessidade

de restringir a perdas por condução, aplicando materiais isolantes nos elementos construtivos (paredes,

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coberturas, pavimentos e envidraçados); a restrição das perdas por infiltração e restrição do efeito da acção do

vento no exterior do edifício – execução de caixilharias de janelas com uma vedação eficiente, protecção dos

ventos dominantes com vegetação e escolha de uma boa localização para o edifício e promover os Ganhos

Solares – sistemas solares passivos para aquecimento (Gonçalves e Graça, 2004:11).

Entre as estratégias de arrefecimento no Verão e em climas mais quentes apontou-se: a necessidade de

promover a ventilação natural; a restrição dos ganhos solares; a promoção do arrefecimento por evaporação e a

promoção do arrefecimento por radiação (Gonçalves e Graça, 2004:12).

Consequentemente estas estratégias tornam-se mais económicas devido à redução do consumo de energia e de

outros recursos, ao longo de toda a vida útil dos edifícios.

Relativamente ao consumo dos recursos naturais (materiais e resíduos) é fundamental na selecção dos

materiais para a construção, considerar a sua durabilidade, o potencial de reutilização e de reciclagem e o seu

impacto sobre a qualidade do ar (Tirone, 2008: 26), considerando o ciclo de vida dos materiais, seguindo a lógica

de metabolismo circular abordado no primeiro capítulo.

Neste sentido, é necessário: Reduzir os materiais aplicados no edificado; Reutilizar materiais provenientes de

demolições ou desmontagens; Reciclar materiais; Recuperar antes de substituir e eliminar materiais, reflectindo

se têm outro destino possível de modo a não causar problemas ambientais. (Tirone, 2008: 27) e dar prioridade à

utilização de matérias locais reduzindo as distâncias de transporte e consequentemente as emissões de CO2.

Arquitectura Bioclimática

Espaços saudáveis e confortáveis

Integração no meio

ambiente

Uso eficiente da energia e recursos

Figura 44: Objectivos da Arquitectura bioclimática

Fonte: Autoria própria

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Além disso é necessário analisar o ciclo da água e aplicar medidas de optimização da mesma evitando perdas

desnecessárias. Um bom exemplo são os sistemas de captação das águas pluviais para utilização nas

instalações sanitárias ou para irrigação, e utilizado na maior parte dos exemplos apresentados neste capítulo.

Concludentemente o processo metabólico do edifício deverá ser circular, sendo necessário ter em consideração

o ciclo da energia, dos recursos (materiais e resíduos) e da água, estabelecendo uma relação simbiótica entre

edifício, homem e natureza.

Gestão de recursos Reciclagem/Reutilização

Tratamento

Consumo

Recursos Resíduos

Figura 45: Processo metabólico circular a aplicar aos edifícios, considerando o ciclo da energia, dos recursos

(materiais e resíduos) e da água.

Fonte: Autoria Própria

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51

3.4.1. Institute for Forestry and Nature Research (Alterra), Wageningen, Holanda

O Institute for Forestry and Nature Research, agora conhecido como Alterra – fundado no ano 2000 é o resultado

de uma fusão entre o Winand Staring Centre for Integrated Land, Soil and Water Research (SC-DLO), o Institute

for Forestry and Nature Research (IBN-DLO) e parte do Research Institute for Agrobiology and Soil Fertility (AB-

DLO) -, é um centro de pesquisa ambiental localizado em Wageningen, na Holanda, e faz parte da Wageningen

University and Research Centre (Wageningen UR). Projectado pelo atelier Behnisch Architekten e concluído em

1998, foi um projecto-piloto da União Europeia que pretendia aplicar os conceitos ecológicos abordados na

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em

1992. O projecto previa uma redução máxima de emissões de dióxido de carbono e pretendia-se que o edifício

fosse construído dentro de um orçamento padrão, para demonstrar que as estratégias de construção durável e

sustentável podiam ser realizadas sem um investimento desmedido.35

35 Informação disponível na página da internet do atelier Behnisch Architekten: http://behnisch.com/projects/22

Figura 46: Átrio-jardim

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Como tal, resultou num projecto versátil, flexível - capaz de se adaptar à evolução das necessidades do Instituto

- e sustentável, baseado em três princípios ecológicos fundamentais: reduzir o consumo energético; reduzir o

consumo de água e evitar a utilização de materiais com impacto ambiental negativo.

O edifício encontra-se em perfeita harmonia com a envolvente natural, onde todos os locais de trabalho estão

em contacto com jardins interiores e exteriores, onde foram introduzidos elementos naturais tais como:

vegetação diversificada, lagoas, pântanos e canais de águas que permitiram criar microclimas variados,

resultando numa relação simbiótica entre o edifício, o homem e a natureza.

O edifício tem 11 798.686 m2 e é organizado em quatro alas que formam um ‘E’. Os laboratórios de investigação

encontram-se na ala longitudinal a norte que conecta com as outras três alas transversais com orientação este-

oeste onde se encontram os escritórios, uma biblioteca, salas de reuniões e uma cafetaria. O edifício é

organizado de modo a que os escritórios e as salas comuns tenham vista para os jardins e as várias alas

conectam-se por corredores abertos que contactam com esses espaços ajardinados.

Entre as alas transversais localizam-se dois átrios-jardim cobertos por clarabóias que apresentam uma

tecnologia padrão das estufas hortícolas (Figura 44) e são incorporadas com aberturas de ventilação ajustáveis

Figura 47: Relação entre a natureza, a produção de O2, o Homem e a emissão de CO2 Figura 48: Vista do edifício pelo exterior

Figura 49: Planta do Piso Térreo Figura 50: Maquete do edifício e sua envolvente

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e dispositivos de sombreamento. Estes átrios-jardim não só fornecem o foco das actividades diárias e funcionam

como áreas de reunião informal como também, são um componente integral do conceito energético do edifício.

Estes átrios-jardim funcionam como uma extensão da natureza exterior, estendendo-se para sul e contêm uma

diversidade de plantas e lagoas que controlam a temperatura interna do edifício melhorando a sua eficiência

energética, a qualidade do ar e proporcionam sombreamento. Além disso fornecem luz natural e ventilação a

todos os espaços.

Neste sentido, foram aplicados três princípios ecológicos fundamentais na concepção deste edifício: a redução

do consumo energético; a redução do consumo de água; evitar a utilização de materiais com impacto negativo

para o ambiente.

Para a realização do primeiro princípio recorreu-se à energia solar passiva, através da utilização dos átrios-

jardim envidraçados, já mencionados, que funcionam como moderadores climatéricos e da escolha da

orientação do edifício este-oeste que permite beneficiar ao máximo da luz solar.

As clarabóias dos átrios-jardim quando são abertas nos meses frios, durante o dia permitem maximizar o ganho

solar e ao serem fechadas à noite reduzem a perda de calor. No Verão, ao serem fechadas durante o dia

permitem reduzir o ganho solar directo excessivo, mantendo a ventilação natural proporcionada pelas aberturas

laterais das clarabóias, e ao serem abertas à noite permitem que o pátio funcione como chaminé térmica.

A vegetação e as lagoas dos átrios criam um processo de resfriamento evaporativo, reduzindo as temperaturas

internas e humidificam o ar. As coberturas-jardim também podem funcionar como um sistema ecológico de

arrefecimento e aquecimento do espaço interior.

Enquanto moderadores climatéricos, os jardins interiores permitem a utilização de grandes extensões de vidro

nas fachadas exteriores a sul. Na fachada dos escritórios e laboratórios situados a norte foi escolhido um vidro

com alto grau de isolamento térmico permitindo ao mesmo tempo um contacto com o exterior e o resto da

superfície apresenta um desempenho térmico adequado para a sua orientação norte e nas fachadas este e

oeste utilizou-se um sistema de parede com painéis de fibra de cimento.

No Verão, os escritórios localizados de frente para os átrios-jardim são ventilados através das janelas e cada

escritório tem um extractor que estimular a circulação de ar. Os átrios-jardim através da interacção das estufas,

vegetação, superfícies de água, ventilação natural e a refrigeração nocturna conseguida pela abertura das

clarabóias eliminam a necessidade de refrigeração mecânica, mantendo um conforto térmico que permite a sua

utilização tanto de verão como de Inverno. O sombreamento localizado, a ventilação lateral das clarabóias, o

sombreamento em janelas individuais, dentro e fora do átrio, e um sistema de ar canalizado no Verão reduz

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ainda mais as cargas de refrigeração. Nas unidades técnicas como a cozinha, biblioteca e os laboratórios

embora seja utilizado o ar condicionado mecânico, foi mantido um sistema a um mínimo.

No Inverno, na cobertura da ala norte, aplicou-se um sistema de recuperação de calor directo com cada espaço

que permite ajustar os níveis de ventilação e reduzir o consumo de energia térmica em 60%.

Optou-se pela utilização de materiais com baixa energia incorporada, tendo sido usados produtos fabricados

industrialmente para evitar o desperdício e minimizar o consumo de energia e foi considerado o impacto

ambiental dos materiais seleccionados e a energia gasta durante a extracção, fabricação, transporte, instalação,

demolição e reciclagem. Por exemplo, as tiras laminadas de madeira utilizadas nas janelas foram fabricadas no

local, minimizando o impacto ambiental negativo do transporte e os custos. Alguns materiais que apresentavam

um impacto ambiental negativo, como o aço galvanizado utilizado nas galerias e estrutura das clarabóias dos

átrios, devido ao seu teor de zinco, foram substituídos por outros materiais que permitiam um maior equilíbrio no

resultado final.

Beneficiou-se a iluminação natural sempre que possível, através de janelas que fornecem iluminação do exterior

e dos átrios-jardim. A ala dos laboratórios incorpora um sistema de isolamento térmico transparente que permite

a penetração da luz natural nos espaços a uma profundidade de 7 metros e as superfícies do piso dos átrios

apresentam uma cor clara para garantir iluminação natural adequada sobre as salas do piso térreo.

Para reduzir do consumo de água implantou-se um sistema de captação da água da chuva através das

coberturas jardim, utilizando a água recolhida nas instalações sanitárias, funções de limpeza e para irrigação da

vegetação do jardim. A água da chuva em excesso é purificada e dirigida para o ciclo da água natural.

Por último, procurou-se utilizar materiais recicláveis (aço, vidro, betão) e renováveis (madeira), sempre que

possível e ao nível dos acabamentos, foram utilizados vernizes e tintas sem impactos negativos para o

ambiente.

3.5. Educação para a sustentabilidade: Espaços educativos e produtivos

“A educação é a primeira ferramenta para a formação de uma consciência ambiental, a ser reforçada

posteriormente pela formação e experiência profissional. (…) [e] é um poderoso instrumento de mudança (…) a

educação ambiental em particular pode introduzir as crianças em idade escolar na interdisciplinaridade da

sustentabilidade.” (Edwards, 2005:31)

No segundo capitulo, foi mencionado a importância da agricultura urbana na educação de crianças e adultos,

neste ponto pretende-se estudar dois exemplos concretos de projectos educativos e produtivos que colocam em

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práticas as vantagens já mencionadas, nomeadamente a promoção do contacto com os processos naturais, uma

melhor compreensão sobre alimentos, nutrição e sistemas agro-alimentares alternativos, práticas sustentáveis

de cultivo de alimentos e uso do solo, com implicações sociais ambientais e ecológicas ao nível local/urbano

vantajosas e contribuindo ainda para o intercâmbio inter-geracional.

3.5.1. Edible Schoolyard, Nova Iorque, Estados Unidos

"Toda criança precisa de aprender a cozinhar, precisa de aprender a cultivar um jardim, a plantar sementes,

aprender sobre sustentabilidade, ser levado para um jardim, e ser capaz de colocar as mãos na Terra."

Alice Waters, fundadora do programa Edible Schoolyard

"Primeiro plantamo-lo, depois esperamos que cresça, depois comemo-lo!"

David, aluno da segunda série e aluno NYC Edible Schoolyard

Em 1996, Alice Waters, criou a Fundação Chez Panisse, para comemorar o vigésimo quinto aniversário de seu

restaurante, Chez Panisse, em Berkeley, Califórnia. A Fundação apoia um programa educacional nas escolas

públicas que visa a conscientização sobre a importância do crescimento e a preparação de alimentos locais e

saudáveis e os benefícios ambientais intrínsecos. Desta iniciativa resultaram três projectos educacionais: o

“School Lunch Reform”, o “Edible Schoolyard” e o The Edible Schoolyard Affiliate Network.

Figura 51: Crianças do Edible Schoolyard

Figura 52: Edible Schoolyard em fase de construção

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O projecto Edible Schoolyard começou na escola Martin Luther King Júnior, em Berkeley, Califórnia e consiste

num modelo de jardim orgânico com uma sala de aula interactiva que funciona como cozinha, visando integrar o

sistema alimentar no programa educacional das escolas públicas onde os alunos podem aprendem sobre a

conexão entre alimentos, saúde e meio ambiente. Em colaboração com a escola pública 216, o atelier Work AC

projectou a primeira Edible Schoolyard de Nova Iorque, que já se encontra em fase de construção e localiza-se

num parque de estacionamento.

O projecto é composto por três espaços que se interligam entre si, que conectam com um jardim produtivo

exterior de 4 hectares. O projecto inclui uma sala de aula com capacidade para 30 alunos que incorpora uma

cozinha com mesas comunitárias onde as crianças podem preparar e saborear as refeições em conjunto, com os

alimentos colhidos no jardim; uma estufa móvel que protege o solo nos meses de maior frio e recolhe nas

estações de calor e um sistema multifuncional constituído por uma variedade e de espaços circulares que

acomodam a área técnica do edifício: uma cisterna que armazena a água da chuva, uma estação para lavar as

loiças, uma estação onde se processa a compostagem e separação de resíduos, um galinheiro, uma estação de

armazenamento de ferramentas agrícolas e outros equipamentos, e um sistema de baterias que captam a

energia solar recebida através dos painéis fotovoltaicos existentes na cobertura.

Este projecto envolve não só as crianças de idade escolar, como os seus pais e o resto da comunidade, e

promove a consciência ecológica, demonstrando o potencial da integração da agricultura urbana nos programas

educacionais e o seu impacto na saúde, nutrição e meio ambiente.

Figura 53: Render da Edible Schoolyard e do jardim produtivo exterior

Figura 54: Render da Edible Schoolyard e do jardim produtivo exterior

Figura 55: Planta da Edible Schoolyard

Figura 56: Render da cozinha comunitária da Edible Schoolyard

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3.5.2. Gary Comer Youth Center, Chicago, Estados Unidos

O Gary Comer Youth Center, projectado por John Ronan e concluído em 2006, localiza-se em Illinois, num bairro

desfavorecido no lado sul de Chicago, Grand Crossing, onde existem poucos espaços verdes seguros onde as

crianças podem aprender sobre o mundo natural. Projectado para os jovens, o centro oferece várias actividades

educativas e recreativas onde estes podem passar o seu tempo após o horário escolar.

Na cobertura verde do edifício com 760 m2, a produção de alimentos e a educação caminham lado a lado. Este

espaço oferece aos jovens e aos idosos da comunidade, um espaço seguro de aprendizagem ao ar livre sobre

as plantas e alimentos. Localizado no topo do ginásio e do café, está rodeado por corredores de circulação que

Figura 57: Cobertura produtiva do Gary Comer Youth Center

Figura 58: Vista aérea do Gary Comer Youth Center

Figura 59: A cobertura produtiva do Gary Comer Youth Center funciona como sal de aula ao ar livre

Figura 60: Crianças a plantarem na cobertura produtiva do Gary Comer Youth Center

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servem salas de aula interiores. Ao percorrerem os corredores, os estudantes podem observar este jardim

produtivo.

Seis círculos metálicos que pontuam o jardim funcionam como clarabóias, iluminando os andares inferiores com

luz natural. Materiais reciclados, tais como tábuas de plástico, criadas a partir de pacotes de leite reciclados e

pneus reciclados dão forma aos caminhos pedonais que alinham estas hortas e as dividem em canteiros onde

são plantados repolhos, girassóis, cenouras, alfaces e morangos. Em apenas um ano cresceram mais de 1.000

quilos de alimentos, consumidos no café do centro e nos restaurantes locais.

Este jardim produtivo trouxe uma maior biodiversidade para a comunidade. Para além de ser habitado por

crianças e idosos, surgiram pássaros, abelhas, minhocas, lagartas e outros animais selvagens que raramente

eram vistos na região anteriormente. Este projecto trouxe vários benefícios para a comunidade local, não só

ambientais mas também económicos e sociais. Enquanto as crianças cultivam os alimentos aprendem sobre a

nutrição e o valor dos alimentos frescos. (Gorgolewski, Komisar e Nasr, 2011)

3.6. Reutiliza, Readapta, Produz: Projectos participativos e comunitários

Um dos princípios do desenvolvimento urbano sustentável, já mencionado no primeiro capítulo, é a protecção,

conservação e reabilitação do espaço construído. O constante crescimento das cidades implica não só melhorar

as condições de uso mas também a reutilização para novos usos, de modo a atender as necessidades da

sociedade e recuperar a função urbana de terrenos e edifícios obsoletos e degradados, dando-lhes novas

funcionalidades, fomentando assim, o desenvolvimento ao nível local de modo a estimular o sentimento de

pertença dos habitantes dos nossos bairros e cidades. Por conseguinte, são necessários projectos criativos e

dinâmicos de reutilização adaptativa que sejam economicamente e ambientalmente sustentáveis e que

fomentem igualmente o desenvolvimento sociocultural. Neste sentido, pretende-se analisar neste ponto,

exemplos que realizem estes objectivos.

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3.6.1. Artscape Wychwood Barns, The Stop Community Food Centre, Toronto, Canadá

Os Wychwood Barns foram construídos no início do século XX – entre 1913 e 1921 – e funcionaram até à

década de 80 como instalações de reparações e manutenção dos eléctricos de Toronto, tendo sido

posteriormente desactivados e mantiveram-se vagos até 2007. Em 2004, a organização Artscape36 em

colaboração com a organização The Stop37, propôs a reabilitação deste espaço, concretizada em 2008. A

iniciativa foi apoiada financeiramente pela Fundação George Metcalf Cedric Charitable, e contou com o apoio do

vereador Joe Mihevc e da comunidade de Toronto que acompanharam e participaram no projecto desde o início, 36 Organização sem fins lucrativos, fundada em 1980, que promove o desenvolvimento urbano através da reabilitação de edifícios subutilizados em Toronto, transformando-os em espaços de arte e cultura para a comunidade local. Informação disponível na página da internet: http://www.torontoartscape.org/about-us/vision-mission-mandate 37 Organização sem fins lucrativos, localizada no bairro Davenport West, em Toronto e que providencia comida saudável para a comunidade, incluindo um Banco Alimentar, um programa de acção comunitária, fornos de cozer e mercados, cozinha comunitária, sistemas educacionais de alimentação sustentável e agricultura urbana. A sua missão é “aumentar o acesso a comida de forma a manter a dignidade, construir saúde e comunidade e desafiar a desigualdade”. Informação disponível na página da internet: http://thestop.org/

Figura 61: Artscape Wychwood Barns

Figura 62: Planta do Artscape Wychwood Barns

Figura 63: Identificação dos pavilhões existentes no Artscape Wychwood Barns

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num processo conjunto com os projectistas - atelier Joe Lobko Architects, hoje em dia du Toit Allsopp Hillier | du

Toit Architects -, e os seus clientes, a a Artscape e a Stop Community Food Centre, dando origem ao “Artscape

Wychwood Barns”, um espaço comunitário multiusos com 5574.182 m², que reúne as artes e cultura,

preocupações ambientais, a preservação do património e agricultura urbana, promovendo um forte sentido de

comunidade. O projecto é composto por 5 pavilhões: Studio Barn; Covered Street; Community Barn; Green Barn

e o Fifth Barn que incorporam espaços para eventos, 15 estúdios para artistas, 26 estúdios para

trabalho/habitação para artistas locais, uma galeria de arte pública da comunidade que apresenta os trabalhos

dos artistas locais e residentes do centro, espaços de reunião para 12 organizações sem fins lucrativos de artes

e ambiente.

As iniciativas sustentáveis adoptadas no projecto, nomeadamente a cisterna para colectar as águas pluviais para

irrigação da estufa e uso nas instalações sanitárias e a adopção de uma estratégia energética eficaz que

combina um sistema “ground-source heat pump HVAC” com técnicas passivas de conservação de energia,

estratégias de iluminação, qualidade do ar e conforto térmico, possibilitaram a obtenção da certificação LEED

(Leadership in Energy and Environmental Design).

Este projecto oferece a oportunidade à organização The Stop de instalar o seu Centro Comunitário de Comida

(Community Food Centre - CFC), no pavilhão 4, Green Barn (fig. 64). Este pavilhão, com 929.030 m², funciona

como centro de educação e produção alimentar sustentável e incorpora uma estufa (fig. 65 e 66) - com janelas

de ventilação controladas por computador, um sistema de rega localizado e está projectada de modo a

maximizar a iluminação natural -, uma área de compostagem, um escritório, uma cozinha comunitária que abre

para uma espaço de reunião/eventos e um pátio exterior coberto que contém um forno em alvenaria, árvores de

fruto e plantas.

Figura 64: Planta do pavilhão Green Barn

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Figura 67: Homem a apanhar tomates no pátio exterior, The Stop Community Food Centre

Figura 68: Vista interior da cozinha comunitária, The Stop Community Food Centre

Figura 69: Legumes colhidos no pátio exterior, The Stop Community Food Centre

Figura 65: Vista interior da estufa, The Stop Community Food Centre

Figura 66: Vista interior do espaço comunitário adjacente à cozinha, The Stop Community Food Centre

Figura 70 e 71: “The Stop Community Food Centre Farmers' Market”, um mercado de agricultores que funciona aos sábados de manhã no pavilhão “Covered Street Barn”

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Neste centro realizam-se aulas de cozinha, workshops sobre alimentação e compostagem que estimulam a

comunidade a ganhar hábitos de alimentação mais saudáveis, incluindo um programa pós-escolar para crianças

com idades entre os 10 e os 12 anos de idade, com actividades de plantação e confecção de alimentos e ainda

workshops nocturnos e de fim-de-semana que incluem aulas de culinárias com master chefs e concertos para

angariação de fundos, noites de cinema com temas relacionados com comida e jardinagem, lançamento de

livros e workshop de fazer pão, realizados no pátio aberto onde se localiza o forno a lenha e onde se realizam

reuniões de fazer-a-própria-pizza, onde os membros da comunidade são encorajados a socializar e aprender a

incorporar vegetais nas comidas favoritas.

O “The Stop Community Food Centre Farmers' Market” (fig.70 e 71), um mercado de agricultores onde se vedem

os produtos locais, como café orgânico tostado localmente, sementes orgânicas, ervas, vegetais, queijos

artesanais, pães e compotas, funciona aos sábados de manhã, durante os meses frios, no pavilhão “Covered

Street Barn”, que funciona como uma rua coberta e nos meses quentes funciona ao ar livre, no parque que

circunda o edifício.

Desta forma, este centro não só incentiva a implementação de um sistema alimentar de base local, promovendo

o desenvolvimento económico local, mas também estimula o sentido de comunidade através de trocas socais e

ajuda as crianças a associarem comida saudável com divertimento. O sucesso do modelo CFC levou à

organização “The Stop” a dirigir um estudo em 2010 que analisa a possibilidade da criação de uma rede CFC em

cidades por Ontário, uma das dez províncias do Canadá (Gorgolewski, Komisar e Nasr, 2011).

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4. SUSTENTABILIDADE PARTICIPADA NO VALE DE CARNIDE

– O CAMPO NA CIDADE

4.1. Uma freguesia de contrastes: Carnide

4.2. Dinâmica demográfica da periferia

4.3. Bairro Padre Cruz - Um bairro social localizado entre a urbanidade e a ruralidade

4.3.1. A população do Bairro Padre Cruz

4.3.2. Equipamentos e a comunidade educativa do Bairro Padre Cruz:

Relações sociais e intergeracionais

4.4. Um percurso pelo Vale de Carnide

4.5. Conhecer e compreender para intervir: Descrição e construção do processo participativo

4.5.1. Os Horticultores do Vale de Carnide

4.5.2. Caracterização do espaço das hortas: Informalidade

4.5.3. As práticas de cultivo

4.5.4. As hortas como mecanismo de coesão social

4.5.5. Projecto educativo “Terras com cor”

4.6. Considerações finais do capítulo e contributos para a proposta de intervenção

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4. SUSTENTABILIDADE PARTICIPADA NO VALE DE CARNIDE

– O CAMPO NA CIDADE

4.1. Uma freguesia de contrastes: Carnide

Segundo Vieira da Silva, citado por Reis (1999: 3) “o território do Termo de Lisboa ficava todo a norte e a poente

da cidade”, no qual estavam incluídos os territórios que hoje correspondem às freguesias de Carnide, Lumiar e

Ameixoeira, – e que hoje estão inseridas no Parque Periférico de Lisboa. O seu povoamento data de épocas

recuadas, anteriores à romanização e o carácter eminentemente rural deste território remonta ao século I,

quando se inicia a ocupação sistematizada do Termo com explorações agrícolas sob forma de vilas rústicas

romanas.

Entre os séculos VIII e XII, durante o domínio muçulmano, intensificou-se a sua ocupação com a consolidação

de pequenos casais e o desenvolvimento de hortas e pomares que abasteciam a cidade, mas foi a partir do

século XVI que estas freguesias rurais do Termo encontram a sua primeira expressão urbana com a fixação dos

primeiros conventos e mosteiros e “nos séculos XVII e XVIII o aparecimento dum vasto conjunto de quintas de

lazer de nobres e burgueses citadinos (…) contribuem definitivamente para a fixação da população, serviçais e

assalariados agrícolas.” 38

38 Vieira da Silva, cit por Reis (1999: 9)

Figura 72: Localização da freguesia de Carnide na cidade de lisboa

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No final do século XIX, com a construção de duas fábricas de cerâmica nos arredores das povoações, e a

instalação de unidades fabris em freguesias vizinhas, impulsionaram a economia local e fomentaram a fixação

de operários em Carnide, propiciado por um largo abandono das quintas e mosteiros (Reis, 1999: 10).

Com o processo de sub-urbanização ocorrido a partir dos anos 60 do século XX, o espaço rural foi cedendo

lugar ao crescimento urbano desta área periférica e actualmente Carnide já é uma das maiores freguesias da

cidade, em extensão e em população, mas persiste em manter o seu carácter rural.

O património edificado encontra-se disperso, observando-se ao longo de azinhagas e caminhos o que resta das

antigas quintas. Muitos destes edifícios, com o seu recheio artístico e os equipamentos agrícolas, já

desapareceram ou encontram-se ameaçados pelo recente e acelerado processo de urbanização, contudo, o

espaço residual que envolve o ambiente construído ainda mantem a sua marca rural, onde o trabalho agrícola

persiste nas hortas espontâneas que aí se instalaram.

Como resultado, observa-se um território marcado por contrastes, quer em termos arquitectónicos, quer no que

diz respeito às características das suas populações, “entre o velho e o novo, o antigo e o moderno, o urbano e o

rural (…) [e marcado] por diversidades e singularidades, com pequenas «ilhas» dispersas e desarticuladas

funcional e urbanisticamente” 39

39 Identificação e perfil Histórico de Carnide, disponível online em: http://www.jf-carnide.pt/cr_historia.php

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4.2. Dinâmica demográfica da periferia

Segundo o relatório de caracterização síntese do novo PDM de Lisboa, a dinâmica demográfica da cidade nas

últimas três décadas é bastante negativa, caracterizada pela crescente diminuição populacional acompanhada

pelo seu envelhecimento, verificado principalmente nas zonas centrais da cidade. Contudo, este cenário é

contrariado na sua coroa periférica, especificamente nas freguesias de Carnide, Charneca e Lumiar, localizadas

a Norte e Noroeste do município que apresentam uma dinâmica demográfica bastante positiva e sustentada, o

que confirma a tendência de deslocação da população para a periferia da cidade em consonância com a

construção de novos fogos, quer de iniciativa privada quer pública no âmbito de acções de realojamento como é

o caso do Bairro Padre Cruz. Esta deslocação tendencial contribui para contrariar a desertificação e o abandono

de determinadas áreas da cidade, principalmente as centrais.40

É igualmente na coroa periférica que se verifica a maior densidade de jovens (com maior expressão em Carnide,

Lumiar e Ameixoeira) e a maior concentração de famílias numerosas (Charneca e Carnide), mas em

contrapartida, o valor da taxa de analfabetismo em algumas destas áreas periféricas, como Carnide e Charneca

é preocupante, o que demonstra o peso relativo elevado de famílias de estratos sociais mais desfavorecidos.

40 Relatório de Caracterização síntese da revisão do PDM de Lisboa, Julho de 2011 (97-108)

Figura 73: Dinâmica Demográfica em Lisboa 1990-2007

Fonte: INE, CML, 2009

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4.3. Bairro Padre Cruz – Um bairro social localizado entre a urbanidade e a ruralidade

Uma das “ilhas” dispersas e desarticuladas, funcional e urbanisticamente localizadas na freguesia de Carnide já

referenciadas, corresponde ao Bairro Padre Cruz, onde existia em tempos a Quinta da Penteeira. Em 1958,

quando a Câmara Municipal de Lisboa adquiriu a Quinta da Penteeira, o local ainda se encontrava distante do

centro da cidade e os poucos acessos existentes eram estreitas azinhagas e caminhos de terra batida.

A construção do bairro iniciou-se em 1959 e resultou de uma operação de realojamento de pessoas do centro

histórico de Lisboa, provenientes dos bairros que foram demolidos pela construção da Ponte 25 de Abril, tendo

sido também cedidas algumas casas a funcionários da Câmara Municipal de Lisboa. Até ao 25 de Abril de 1974,

o Bairro manteve-se confinado ao aglomerado original, a que hoje chamamos núcleo “antigo”, do qual fazem

parte casas térreas de alvenaria de 1 e 2 pisos (do tipo moradia em banda com quintal).

Nos anos 60 e 70 do século XX, o Bairro recebe novos habitantes oriundos não só de vários lugares da cidade

de Lisboa mas também de diferentes zonas do país. No segundo caso, salienta-se a vinda de pessoas com forte

tradição na área agrícola tendo rapidamente adaptado o espaço exterior das casas de alvenaria unifamiliares, às

Figura 76: Rua Rio Sever, 1962

Figura 77: Rua Rio Sever, 1962

Figura 74: Localização da Quinta da Penteeira,

Figura 75: Quinta da Penteeira, onde vai ser construído o Bairro Padre Cruz, Década de 50

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68

suas origens, através do cultivo de pequenas hortas e jardins. É nesta altura que começa a alastrar-se o

fenómeno das hortas urbanas em redor do bairro.

Nas décadas 80 e 90, foram construídos novos edifícios de habitação social nas áreas norte do bairro, para

alojarem indivíduos de várias etnias, vindos de diversos locais degradados da cidade. Ainda na década de 90

iniciou-se a construção do chamado Bairro Novo, cujos realojamentos na zona se deram através de programas

financiados pelo Ex-IGAPHE e Ex-INH.

Actualmente, o Bairro Padre Cruz é o maior bairro municipal da Península Ibérica com cerca de 8 000

habitantes, marcado por contrastes territoriais e populacionais característicos da própria freguesia onde se

localiza. Fragmentado devido às barreiras físicas que o delimitam, encontra-se confinado a norte com a encosta

que separa o Município de Lisboa do Município de Odivelas, junto à Serra da Luz, a sudoeste pelo quartel da

Pontinha, construído em 1901 e destinado à Guarda Fiscal, a nordeste pelo cemitério de Carnide, inaugurado

em 1966, que constitui o primeiro cemitério-jardim da cidade e a sul pelo terminal do metropolitano de Lisboa.

Localizado num território em que a urbanidade foi ganhando espaço ao longo dos tempos, ainda é preservada a

sua envolvente “rural”, marcada pela existência de hortas urbanas que foram sendo mantidas maioritariamente

por residentes deste Bairro. A compreensão da ligação estabelecida entre os residentes do Bairro Padre Cruz e

o espaço agrícola envolvente baseou-se no processo participativo realizado com os horticultores deste espaço e

descrito em detalhe mais à frente.

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Figura 79: Localização do Bairro Padre Cruz (a vermelho) e do espaço agrícola envolvente (a verde)

Figura 78: Vista do Bairro Padre Cruz. Rua do Rio Cávado que divide o “núcleo” antigo e o Bairro Novo.

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4.3.1. A população do Bairro Padre Cruz

Se por um lado o Bairro Padre Cruz se encontra afastado da vivência da cidade devido à sua localização

geográfica, por outro lado, verifica-se que a existência de problemas sociais está associada aos extractos da

população residente, em que predominam as classes média baixa e baixa. O modo como se fez o crescimento

urbanístico e o consequente aumento populacional, derivado das constantes acções de realojamento que se

foram justapondo no Bairro Padre Cruz dificultam não só a aproximação entre antigos e novos vizinhos, como

alteram por completo as dinâmicas locais, conduzindo a situações de incompreensão, isolamento e conflito

sociais e intergeracionais entre os habitantes, derivado da heterogeneidade de culturas e realidades económicas

distintas que marcam a população deste grande e heterogéneo bairro social.

Actualmente, a população do Bairro Padre Cruz é, na sua maioria, de nacionalidade portuguesa, no entanto,

existem alguns habitantes estrangeiros e naturalizados, provenientes maioritariamente dos países africanos de

língua oficial portuguesa, nomeadamente Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Segundo a análise sociocultural apresentada no relatório de avaliação externa do Agrupamento de Escolas do

Bairro Padre Cruz (AEBCP)41, a principal característica diz respeito aos baixos índices de escolaridade, tendo

em conta que cerca de 44% da população não possui qualquer nível de escolaridade, verificando-se um alto

nível de analfabetismo e somente 1% da população é detentor de um curso profissional médio ou superior.

Consequentemente, o índice de escolaridade reflecte-se, principalmente, na inserção laboral da população

activa, condicionando o seu acesso a empregos qualificados, constatando-se que 2% da população trabalha em

actividades do sector primário e cerca de 69% no sector terciário - maioritariamente da função pública -, mas em

tarefas de baixa qualificação e verifica-se ainda, um elevado número de pessoas sem ocupação. Neste sentido,

conclui-se que o nível económico da generalidade dos habitantes é baixo. Uma parte substancial da população

subsiste do Rendimento de Inserção Social (RIS) e verifica-se a existência de bolsas de pobreza, pontualmente

apoiadas por projectos dinamizados por instituições de solidariedade social implantadas na região.

Estas características da população reflectem-se na falta de acompanhamento dos filhos em idade escolar e

provocam um distanciamento e desvalorização da educação escolar aliados a uma precoce inserção na vida

activa ou mesmo em actividades marginais (furto, comércio de estupefacientes etc.) por parte das crianças e

jovens. O distanciamento e a desvalorização da educação escolar das crianças e dos jovens deste Bairro

derivam muitas vezes da existência de famílias mono parentais e desorganizadas que deixam a educação ao

cuidado dos avós, que por sua vez correspondem maioritariamente a uma população envelhecida com bastantes

carências não só socioeconómicas mas também educacionais. Este contexto constitui um dos factores

responsáveis pelo absentismo e pelo abandono escolar.

41 Disponível online em: http://www.ige.min-edu.pt/upload/AEE_2008_DRLVT/AEE_08_Agr_Bairro_Padre_Cruz_R.pdf

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

71

Perante este contexto, pode concluir-se que se trata de uma população profundamente carenciada, situação que

tende a passar de geração em geração, não havendo medidas socioeconómicas que combatam esta tendência.

4.3.2. Equipamentos e a comunidade educativa do Bairro Padre Cruz: Relações sociais e intergeracionais

Os equipamentos de utilização colectiva são essenciais para a socialização nos espaços urbanos e quando a

população residente beneficia da sua proximidade não só contribuem para a sua qualidade de vida como

também estimulam as relações de vizinhança e privilegiam a escala humana e do bairro42 e fomentam as trocas

sociais e intergeracionais.

Considerando o dinamismo populacional e residencial ocorrido nestes últimos anos no Bairro Padre Cruz e as

consequentes necessidades detectadas face ao ccontínuo realojamento de novas famílias, verifica-se que a taxa

de cobertura em equipamentos apresenta-se baixa ou insuficiente e a maioria dos existentes são deficitários, à

excepção da estrutura polivalente, localizada no centro do Bairro e que alberga o actual Centro Cultural de

Carnide, a Biblioteca Municipal Natália Correia e alguns serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa,

nomeadamente uma creche, um jardim-de-infância e um Centro de Dia.

Embora se note um enorme esforço por parte da Junta de Freguesia de Carnide e das instituições locais em

organizar actividades sociais e de carácter educativo, verifica-se que ainda são insuficientes dadas as

necessidades da população. As maiores dificuldades apontadas pela maioria das instituições locais relacionam-

se com a falta de recursos financeiros e a dificuldade em estimular a comunidade a participar nas actividades.

No caso dos equipamentos existentes ligados ao sector do ensino, além do jardim-de-infância já mencionado, o

Agrupamento de Escolas do Bairro Padre Cruz (AEBCP) é constituído por um jardim-de-infância, uma Escola do

42 Relatório de Caracterização síntese da revisão do PDM de Lisboa, Julho de 2011

Figura 80 e 81: Mercado do Bairro Padre Cruz e Lojas de Comércio Local

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

72

1º Ciclo do Ensino Básico (CEB) e pela Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos. Embora este Bairro não apresente

insuficiência de equipamentos para nenhum nível de ensino, exceptuando o Secundário, para o qual não há

oferta neste Território Educativo43, dada as características sociais, económicas e culturais da comunidade local

de onde provêm as crianças e jovens com idade escolar, este contexto reflecte-se no fraco investimento no

percurso escolar dos alunos, observando-se um elevado número de alunos carenciados (cerca de 69% dos

alunos do 1º ciclo e mais de 50% no ensino pré escolar)44 e com Necessidades Educativas Especiais (NEE),

bem como distúrbios de comportamento, indisciplina, violência, fracos resultados académicos e deficiente

adaptação ao quotidiano escolar, o que tem vindo a justificar a necessidade de turmas com um número reduzido

de alunos, como é o caso das turmas PIEF (Programa Integrado de Educação e Formação).

Neste sentido, considerando as fortes carências das crianças e jovens do Bairro Padre Cruz derivadas da

realidade socioeconómica onde estão inseridas, destaca-se a importância da construção de propostas

educativas estimulantes e inclusivas.

No contexto de desenvolvimento urbano sustentável abordado ao longo deste relatório, já foi referido o papel dos

espaços verdes em meio urbano e o seu inquestionável contributo para a qualidade de vida da população. Como

refere a Nova Carta de Atenas, “a qualidade ambiental que contribui para a harmonia social e vitalidade cultural

torna-se um dos factores chave do sucesso económico de uma cidade” (2003:19). No Bairro Padre Cruz,

verifica-se que muitos destes espaços se encontram ao abandono, principalmente no núcleo antigo, e os

existentes não são suficientes nem são apropriados para funcionarem como espaços colectivos e de uso

recreativo para a população residente.

Neste sentido, destaca-se a existência de hortas urbanas localizadas nas proximidades do Bairro. Estes espaços

são mantidos por indivíduos, maioritariamente do género masculino, que apresentam fortes ligações às

actividades agrícolas e além de contribuírem para a manutenção de grande parte do espaço residual localizado

em redor do Bairro, mais do que espaços de produção alimentar, funcionam como um equipamento colectivo e

recreativo de carácter informal que fomenta a socialização e as trocas culturais. Embora não se observe a

participação nesta actividade por parte da população jovem, verifica-se que já existem esforços nesse sentido.

Neste âmbito destaca-se o projecto educativo “Terras com Cor”45, que será detalhado mais à frente, cujos

principais objectivos prendem-se com a valorização destas hortas urbanas ao mesmo tempo que pretende

estimular o saber escolar, promover valores de cidadania e participação e fomentar as relações intergeracionais.

O Bairro Padre Cruz integra-se no conceito de “Bairros Críticos”, “que, pela concentração de problemas sociais,

pelo desfavorecimento e menor capacitação das suas populações, pela concentração de grupos mais

vulneráveis às diferentes formas de discriminação, pelo estigma social que lhes anda associado e pelo bloqueio

43 Carta Educativa de Lisboa, Março 2008 44 Idem 45 Toda a informação sobre o projecto foi fornecida pela Biblioteca Natália Correia

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73

de oportunidades […] constituem o mais urgente desafio em termos de promoção da cidadania e da coesão

social […].” 46 Neste sentido, é fundamental recorrer a uma pedagogia que promova este espírito de cidadania e

que estimule novos modelos de comportamento compatíveis com a coesão intergeracional, de modo a que tanto

os mais novos como os mais velhos participem no mesmo processo de construção social. Por conseguinte,

torna-se fundamental promover actividades e espaços de coesão social e intergeracional ao nível do Bairro que

estimulem o sentimento de pertença dos seus moradores.

46 Carta dos BIP/ZIP: Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa. Disponível online em: http://habitacao.cm-

lisboa.pt/documentos/1296666539S9jVV2bd4Fg17IH7.pdf

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74

4.4. Um percurso pelo Vale de Carnide

“Entre o Bairro Padre Cruz e os empreendimentos à volta de Carnide há um vale que é só hortas. Aquilo é muito

engraçado: está sempre cheio de gente a trabalhar, especialmente ao fim da tarde, e ao lado, debaixo das

oliveiras, estão mesas onde os tipos jogam à bisca. São polícias, reformados, condutores da Carris, contínuos

dos Ministérios.” 47

47 Conta Ribeiro Telles ao jornal Correio da manhã. Disponível online em: HORTAS ABRAÇAM LISBOA

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/actualidade/hortas-abracam-lisboa

Figura 83: Vista do Vale de Carnide

Figura 82: Localização do Vale de Carnide a cor.

Local de onde foi tirada a fotografia da figura 83

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75

O Vale de Carnide (figura 82 e 83), cuja designação deriva do Plano Verde de Lisboa, desenvolve-se na periferia

da cidade e encontra-se delimitado a noroeste pelo Bairro Padre Cruz e o quartel da Pontinha e a sudeste pelo

terminal do metropolitano de Lisboa e alguns empreendimentos de Carnide e nele ainda se faz sentir o Campo

na Cidade. Neste território repleto de ruralidade observam-se pastos, terrenos cultivados, preenchidos com

cores, texturas e cheiros que despertam os 5 sentidos, terrenos por cultivar ou pedaços de terra que

simplesmente aguardam ou se resguardam da urbanidade (figuras 92, 93 e 94).

Ao percorrer os caminhos tortuosos e escondidos de terra batida do Vale de Carnide (figuras 84,85 e 86), vai-se

ouvindo o quotidiano dos homens que ali, dedicam as mãos à terra. Ouvem-se trocas de palavras, experiências,

memórias e risos que se confundem com o silêncio e a quietude do lugar, despertam o olhar, apuram a

curiosidade e convidam a espreitar entre as ervas altas, tábuas de madeira e chapas metálicas transformados

em muros, portas e janelas (figuras 87, 88 e 89) que protegem espaços de cultivo e convívio. As diferentes cotas

do terreno revelam vistas privilegiadas sobre a envolvente urbana tão próxima deste pedaço de campo retalhado

por terrenos municipais e privados.

Ao penetrar as realidades escondidas por detrás das barreiras (figuras 90 e 91), observam-se as várias culturas

alinhadas, por trilhos de terra argilosa, ao longo dos quais se vão reconhecendo os alimentos que nos

habituámos a “colher” das prateleiras dos hipermercados e que aqui vão crescendo consoante o sol, o vento, a

água e as mãos de quem os colhem da terra. Nota-se a singularidade de cada pedaço de terra cultivado, onde

pequenos e grandes espaços, estreitos, compridos, amplos ou labirínticos, formam uma manta de retalhos

cozida pelo tempo e anunciando a informalidade do lugar. Bidões azuis que armazenam as águas da chuva e

dos poços locais encontram-se aqui e ali agrupados conforme as necessidades da rega. Latas de tinta viram

canteiros pendurados nas redes que separam as hortas. Pedaços de madeira, caixotes, tijolos e arames

transformam-se em abrigos, bancos e mesas onde se joga às cartas, tagarela-se com o vizinho e reúnem-se

famílias e amigos para sardinhadas em dias solarengos. E assim, se vai penetrando nas vivências da gente que

habita estas realidades, moldadas pelos saberes e tradições transmitidas de geração em geração. Passando de

observador a participante, a curiosidade do percurso é transformada numa vontade de partilha e as realidades

observadas transformam-se em realidades vivenciadas.

Ancorado à tradição agrícola do lugar e inserido no Parque Periférico, o caso de estudo escolhido para o

projecto final de curso é precisamente este território informal, repleto de ruralidade, saberes e tradições, o Vale

de Carnide.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

76

Figura 84, 85 e 86: Caminhos percorridos no Vale de Carnide

Figura 87, 88 e 89: Barreiras construídas pelos horticultores para protegerem as suas hortas

Figura 92, 93 e 94: Realidades observadas e vivenciadas

Figura 10 e 91: Realidades escondidas por detrás das barreiras

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77

4.5. Conhecer e compreender para intervir: Descrição e construção do processo participativo

Considerando a problemática do actual modelo de desenvolvimento, e tendo em conta que desde o surgimento

do conceito de desenvolvimento sustentável as fronteiras entre a vertente económica e a social têm vindo a

tonar-se cada vez mais interdependentes, têm-se observado nos últimos anos o aumento da discussão sobre

modelos de desenvolvimento alternativos que consideram a importância do envolvimento dos cidadãos no

planeamento e concepção do ambiente urbano, com vista à sustentabilidade urbana.

Neste sentido e no âmbito da escolha do Vale de Carnide como caso de estudo para o projecto final de curso,

procurou-se não só analisar o território em questão, recorrendo à análise cartográfica e fotográfica mas também,

identificar e compreender a população de horticultores que habita o local, nomeadamente as relações sociais

estabelecidas, não só entre os horticultores mas também com o resto da comunidade local, e as práticas

utilizadas no cultivo da terra. Para o efeito, ensaiou-se um processo participativo de modo a incluir a população

no acto da pesquisa, tendo como objectivo final, a construção de uma estratégia de intervenção integrada e

multidimensional apresentada no capítulo 5.

Visto que o trabalho de investigação inerente ao presente relatório baseou-se num modelo misto, isto é, de

carácter qualitativo e quantitativo, recorreu-se a várias técnicas de recolha e análise de informação para um

melhor entendimento do caso de estudo, com vista a responder às seguintes interrogações:

1) Qual é o perfil do horticultor?

2) Que relação o horticultor tem com o local, nomeadamente com o Bairro Padre Cruz?

3) Qual é o impacto destas hortas no desenvolvimento local?

4) Que técnicas são utilizadas pelos horticultores na prática da actividade agrícola? Importa perceber se

são utilizadas práticas sustentáveis, tendo em vista a segurança alimentar.

5) Que dificuldades sentem na prática da actividade agrícola neste território?

6) Os horticultores sentem necessidade de receber formação sobre práticas de agricultura sustentável?

Interessa compreender até que ponto os horticultores sentem que o conhecimento que possuem é

suficiente.

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78

7) Existe uma coesão sociocultural entre os horticultores? Observam-se situações de conflitualidade?

Numa primeira fase, entre os meses de Maio e Junho de 2011, realizou-se um inquérito por questionário (técnica

quantitativa), cujo formulário se apresenta em anexo, aplicado a uma amostra constituída por 20 indivíduos, num

universo de aproximadamente 100 horticultores.48 A estrutura do inquérito consta de 46 questões distribuídas por

cinco grupos e centra-se em questões relacionadas com a caracterização socioeconómica dos horticultores do

Vale de Carnide, as suas relações com o local, o espaço das hortas, as práticas de cultivo utilizadas e as

relações sociais estabelecidas entre os horticultores.

Durante a aplicação do inquérito verificaram-se alguns obstáculos que dificultaram a análise estatística dos

resultados. Se por um lado, a elevada percentagem de iliteracia por parte dos inquiridos diminuiu o número de

respondentes devido ao tempo despendido em cada questionário, por outro, a falta de compreensão de

determinadas questões e a pouca objectividade de algumas respostas apresentada pelos inquiridos, verificando-

se situações em que algumas questões foram ignoradas, coloca em causa a veracidade das mesmas. Desta

forma, entendeu-se que seria necessário complementar e cruzar a informação obtida com uma acção que

proporcionasse uma maior interacção e comunicação com os horticultores, permitindo explorar em maior

profundidade as respostas na situação de diálogo.

Neste sentido, numa fase seguinte, procurou-se estabelecer uma relação de proximidade com os horticultores

através de entrevistas exploratórias, da observação directa do tipo participante, de conversas informais e de

encontros com esta população (técnicas qualitativas). Nesta fase os actores locais foram assumindo a condução

dos acontecimentos o que permitiu estabelecer uma relação de confiança. Esta proximidade não só possibilitou

o registo fotográfico e videográfico das vivências quotidianas dos horticultores como também, proporcionou a

recolha de informação obtida em grupo facilitando a análise das dinâmicas sociais existentes. Deste modo foi

obtido um conhecimento impossível de conseguir na técnica quantitativa utilizada anteriormente.

Numa última fase pretendeu-se ouvir outros interlocutores no acto da pesquisa, de modo a proporcionar uma

visão global da realidade estudada. Nomeadamente foi possível estabelecer um contacto com o Presidente da

Junta de Freguesia de Carnide e abordar um conjunto de questões que já tinham sido aferidas ao longo do

processo de investigação, centradas no universo de horticultores existentes no Vale de Carnide, no espaço das

hortas, nas práticas de cultivo utilizadas e no impacto destas hortas no desenvolvimento local.

No decorrer da conversa tomou-se conhecimento de um projecto educativo que estaria a ser desenvolvido pela

Biblioteca Municipal Natália Correia em parceria com a Escola Básica 2º e 3º ciclo do Bairro Padre Cruz e que

envolvia as hortas urbanas, o que levou à inclusão deste projecto no processo de investigação, referido mais à

frente.

48 Devido ao carácter informal das hortas, não foi possível verificar ao certo quantos horticultores existem neste território. Contudo, segundo a Junta de Freguesia de Carnide estima-se em cerca de 100 horticultores.

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79

4.5.1. Os Horticultores do Vale de Carnide

O perfil dos horticultores baseou-se nos resultados do primeiro e segundo grupo de questões do inquérito

realizado na primeira fase do processo participativo. As variáveis destacadas correspondem à idade, género,

nível de escolaridade, ocupação, rendimento e ainda ao local de origem e à actual residência.

Dos resultados apresentados em anexo, salienta-se que 75% dos inquiridos apresentam idade superior a 60

anos e naturalmente já se encontram reformados, verificando-se a ausência da população jovem na prática da

actividade agrícola e apenas um elemento do género feminino.

Considerando que dos vinte inquiridos, apenas um não é morador do Bairro Padre Cruz, pôde-se constatar que

os resultados obtidos da amostra estudada vão ao encontro da caracterização da população do Bairro Padre

Cruz apresentada anteriormente, especificamente da sua população idosa, dada as faixas etárias dos indivíduos

horticultores inquiridos. Neste sentido, sobre o tempo de residência no bairro, verifica-se que cerca de 60% dos

inquiridos reside há mais de 20 anos no bairro e os outros 40% vivem entre os 10 e os 20 anos. Nenhum dos

inquiridos vive há menos de 10 anos, o que explica os fortes laços de amizade estabelecidos pela maioria dos

horticultores.

Ao nível socioeconómico, verifica-se que 50% dos inquiridos recebe menos que o Salário Mínimo Nacional

(observando-se casos de reformas inferiores a 300 euros) e da outra metade nenhum recebe mais que 700

euros mensais. Tendo em conta que 45% dos horticultores inquiridos não sabe ler nem escrever, outros 45%

possui apenas o 1º ciclo do ensino básico (4ª classe) e somente um dos inquiridos possui o ensino médio,

comprova-se que o baixo nível de instrução condiciona a actividade profissional, visto que 55% trabalha ou

trabalhou no sector secundário, em actividades ligadas à construção civil e 45% no sector terciário, em tarefas

de baixa qualificação e maioritariamente da função pública.

No que respeita ao local de origem, 75% dos inquiridos são naturais da região Norte e Centro de Portugal,

constatando-se que já possuíam experiência na actividade agrícola antes de migarem para Lisboa, Cinco vivem

no “núcleo” antigo há mais de 45 anos e além de terem adoptado o espaço exterior das suas casas unifamiliares,

Figura 95 e 96: Horticultores do Vale de Carnide

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80

através do cultivo de pequenas hortas, começaram a criar espaços de cultivo em redor do Bairro. Mesmo os

inquiridos que habitaram anteriormente em outros bairros de Lisboa, já possuíam hortas urbanas. Os outros 25%

são de origem cabo-verdiana e à excepção do único horticultor que não mora no Bairro Padre Cruz, constata-se

que também estes já possuíam conhecimento agrícola, adquirido no país de origem. Concludentemente, verifica-

se que desde a sua chegada à cidade de Lisboa, a maioria dos inquiridos concilia a sua actividade profissional

com a de agricultor urbano.

4.5.2. Caracterização do espaço das hortas: Informalidade

O fenómeno das hortas urbanas em Lisboa, embora esteja muito relacionado com a vinda dos rurais para a

cidade, tem vindo a crescer nos últimos tempos, em muitos casos por questões de necessidade. Nota-se

igualmente, um crescente incentivo por parte da autarquia, tal como podemos verificar nos exemplos

apresentados no capítulo anterior, que pretendem integrar estes espaços na Estrutura Ecológica Municipal, dado

os benefícios socias, económicos, ambientais e educativos já mencionados.

No caso do Vale de Carnide, trata-se de um território que se encontra em fase de estudo. Segundo o Vereador

Sá Fernandes, está previsto no novo PDM de Lisboa a operacionalização deste terreno pertencente ao Parque

Periférico, num espaço de produção e recreio. Note-se a importância da permeabilidade destes solos e a defesa

das linhas de água existentes nestes terrenos, constituintes do Sistema Húmido. É portanto fundamental, a

preservação destes espaços produtivos (Ver anexo 4: Estrutura Ecológica Municipal).

As hortas localizadas a norte da Avenida Prof. Francisco da Gama Caeiro, junto ao pavilhão Desportivo do Bairro

Padre Cruz e as hortas que se encontram confinadas pela Azinhaga Escura, Azinhaga das Cerejeiras e pela Rua

do Rio Almansor, encontram-se em terrenos privados cujos donos cederam os terrenos a estes horticultores

para efeitos de manutenção do terreno, as restantes hortas, encontram-se sobre terrenos municipais.

Segundo o Presidente da Junta de Freguesia, Paulo Quaresma, dado o carácter informal das hortas, as suas

dimensões variam muito. Os terrenos foram sendo ocupados ao longo dos tempos e muitos foram encurtados ou

alargados consoante as vontades e a disponibilidade de espaço, verificando-se muitas situações abusivas, que

em alguns casos são difíceis de controlar. De acordo com o autarca, já se demoliram algumas “barracas”.

“Possuírem pequenas instalações de apoio às hortas para guardar o material agrícola ainda se aceita, agora

construírem autênticas casas nestes espaços é que não. Alguns já lá tinham colchões e sofás onde dormiam” 49

comenta. Outra situação ocorrida foi a demolição de um “barracão” onde os horticultores guardavam animais.

Paulo Quaresma considera que “…ter animais de pequeno porte, como galinhas e coelhos até é vantajoso

49 Entrevista exploratória realizada na Junta de Freguesia de Carnide.

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81

porque contribuem para adubar os solos, agora quando começam a ter vacas e porcos, estes espaços deixam

de ser hortícolas para passarem a ser explorações pecuárias, o que não pode ser permitido.”50

Embora a maioria dos horticultores inquiridos não tenha demonstrado grande interesse no planeamento

sustentado destes terrenos, alguns até manifestaram vontade de contribuírem para a beneficiação do espaço

(através do pagamento de uma quantia em dinheiro) se isso possibilitasse o melhoramento do mesmo.

“Eu nem me importava de pagar para ter cá uma horta se eles arranjassem isto. Se fizessem o que estão a fazer

em Chelas por exemplo. Aquilo vai ficar lindo. Deviam fazer deste espaço um parque agrícola, como

mencionaste e deviam disponibilizar casas de madeira para guardar o equipamento. […] Nós fazemos da horta

um espaço de lazer, deviam dar mais condições”, comentou um dos horticultores.

Dos 45% que não possuem nenhuma instalação de apoio às hortas, a maioria manifesta essa vontade. “Em

França está tudo organizado e existem casinhas de madeiras para guardar as coisas. Deviam falar connosco

para entenderem o que precisamos,” comenta outro horticultor.

A inexistência de qualquer tipo de apoio às hortas prende-se com o carácter informal destes espaços. Neste

âmbito, Paulo Quaresma comentou a importância da formação de uma Associação entre os horticultores, “para

eles poderem defender o que é deles […] e poderem escoar os seus produtos para o comércio local, […] para os

restaurantes por exemplo. […] Aqui, no Jardim da luz havia uma feira informal onde os horticultores vendiam os

seus produtos e as pessoas vinham cá comprá-los porque sabiam de onde os produtos vinham e sabiam que

eram biológicos.”51

4.5.3. As práticas de cultivo

As hortas do Vale de Carnide são, essencialmente, utilizadas para horticultura intensiva ao ar livre, e o tipo de

culturas produzido é muito diversificado, tal como: alho-francês, alho, alface, couve-flor, batata, brócolos, couve,

tomate, cebola, pimento, feijão, ervilha, fava e morango, mas também árvores de fruto e flores. O recurso a

meios sofisticados é praticamente inexistente, verificando-se apenas o uso de bombas de sucção para retirar a

água dos poços que existem em alguns pontos, utilizando-a para a irrigação das hortas. Note-se as linhas de

água presentes nesta área. Na maioria dos casos, estes poços são partilhados pelos horticultores e a água

retirada é posteriormente armazenada em bidões. A recolha das águas da chuva é também ela armazenada em

recipientes semelhantes. O uso de pesticidas e fertilizantes é pouco frequente, na maior parte dos casos devido

aos gastos económicos, contudo, é usual a utilização de remédios químicos para afastar o caracol e a lagarta. A

maioria dos horticultores faz a adubagem dos solos com estrume, verificando-se que a utilização de adubos

químicos é praticamente inexistente.

50 Idem

51 Ibidem

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82

Pelos resultados do inquérito apresentados em anexo, pôde-se constatar que o destino dos resíduos orgânicos

domésticos produzidos pelos inquiridos é o lixo, há excepção de um caso que serve para a alimentação das

galinhas. Através da observação das práticas de cultivo, observa-se em alguns casos a utilização dos resíduos

vegetais da produção da horta, para efectuar a compostagem, embora com algumas limitações por

desconhecimento da técnica. A maioria os inquiridos já ouviu falar no conceito de agricultura biológica mas não

sabe o que é ou como aplicá-lo, o que poderia ser colmatado através de uma possível formação aos

horticultores. Considerando a frequente preocupação em poupar dinheiro na prática de cultivo, uma formação

poderia não só complementar os saberes dos horticultores com informação sobre modos de produção e práticas

mais sustentáveis mas também mais económicas.

Neste sentido, podemos tomar como exemplo o Projecto Horta à Porta - hortas biológicas da região do Porto.

Trata-se de um projecto que visa promover a qualidade de vida da população, através de boas práticas

agrícolas, ambientais e sociais. Disponibiliza aos participantes interessados em praticar a agricultura biológica e

a compostagem talhões de no mínimo 25 m2. Os futuros agricultores recebem também formação em agricultura

biológica e é disponibilizada água e um local para armazenar as ferramentas, sendo ainda disponibilizado um

compostor individual.

Neste âmbito, verificou-se através do inquérito, que somente 40% dos horticultores estaria disposto a frequentar

um curso de agricultura biológica, no entanto, ao longo do processo participativo, pôde-se constatar que

facilmente os horticultores são motivados pela vontade dos restantes. Sob esta perspectiva, reflectiu-se na

importância do fortalecimento da cooperação entre os horticultores através de uma possível organização de uma

Associação, já mencionada na conversa com o Presidente da Junta de Freguesia de Carnide.

4.5.4. As hortas como mecanismo de coesão social

Embora muitas das hortas se encontrem cercadas e trancadas, funcionam essencialmente como espaços

privilegiados de socialização, operando como espaços de coesão social onde são partilhados fortes laços de

vizinhança, produtos, sementes e experiências de vida. A vertente social das hortas urbanas ganha maior

dimensão neste contexto.

Considerando as características socioeconómicas dos horticultores, verifica-se que a maioria da produção

destina-se ao auto-consumo para os próprios horticultores ou familiares próximos, funcionando como

complemento económico em géneros agrícolas, do orçamento familiar. Numa entrevista a um dos horticultores

ele comenta: “A reforma dá para a renda da casa, para pagar a água, luz, gás e pouco sobra para comer. Isto

aqui vai dando umas coisinhas para encher o prato […] como não tenho dinheiro para ir passear e para andar a

fazer turismo entretenho-me a aqui.” Através dos inquéritos realizados e cujos resultados são apresentados em

anexo, observa-se que os factores de ordem social sobrepõem-se aos económicos, sendo poucas as pessoas

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

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que vendem os excedentes. O espaço das hortas é identificado essencialmente como espaço de convívio e

ocupação dos tempos livres. Numa outra entrevista, outro horticultor compara o espaço das hortas com “um

campo de fisioterapia”. Refira-se também o caso de um horticultor cuja actividade na horta ajudou-o a deixar de

beber. “Eu bebia muito, mas há 18 anos que não bebo graças a esta horta. Aqui eu esqueço-me disso” comenta

ele.

Considerando que a maioria dos inquiridos já se encontra reformada, verifica-se que 80% passa grande parte do

seu dia na sua horta ou nas hortas dos vizinhos e através das acções participativas com os horticultores foi

possível observar que as relações sociais estabelecidas entre os indivíduos são de grande proximidade. Mesmo

a população activa que frequenta a horta apenas aos fins-de-semana mostrou fortes laços de amizade em

relação aos outros horticultores. É frequente, os horticultores reunirem a família e amigos nos espaços das

hortas, em fins-de-semana solarengos. Os encontros realizados com os horticultores ocorreram em dias destes,

onde se puderam observar trocas de experiências e de produtos entre os presentes.

A partilha é um acto comum não só entre os horticultores mas também, para com as pessoas de fora. Este foi

um dos aspectos que facilitou a aproximação às suas vivências diárias. Quando surgem estudantes interessados

nestes espaços, é com entusiasmo que eles dão a conhecer as suas hortas, oferecem os seus produtos e

explicam as suas práticas. Numa primeira conversa informal estalecida com um dos horticultores ele comenta:

Figura 97, 98, 99, 100 e 101: Registo fotográfico dos encontros com os horticultores

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“Estava a ver que este ano ninguém aparecia por cá. Todos os anos vêm cá estudantes. Aparecem com

cadernos para apontar, tiram fotografias, fazem perguntas.” E quando lhe foi explicado o intuito da visita à sua

horta, prontamente ele responde “Anda comigo, eu mostro-te!”

4.5.5. Projecto educativo “Terras com cor” Através do contacto estabelecido com o Presidente da Junta de Freguesia de Carnide, tomou-se conhecimento

do projecto educativo “Terras com cor” desenvolvido pela Biblioteca Municipal Natália Correia em parceria com a

Escola Básica 2º e 3º ciclo do Bairro Padre Cruz, na qual se realiza parte da acção, o que possibilitou a

integração deste projecto no acto da pesquisa. Os principais objectivos do projecto prendem-se com a

valorização das hortas urbanas enquanto elemento característico da paisagem e do património local, o estímulo

ao saber escolar - nota-se que a acção é realizada com turmas PIEF constituídas por adolescentes com altos

níveis de absentismo escolar e com bastantes dificuldades em adaptarem-se de forma positiva ao saber escolar

-, a promoção de valores de cidadania e participação e o fomento de relações intergeracionais.

O projecto foi iniciado em 2011 e desde então já se realizaram várias acções dentro e fora da instituição escolar.

A primeira acção foi realizada dentro da Escola, na qual foram reunidos os professores e alunos da turma PIEF

para a apresentação do projecto. Após a passagem de um filme didáctico, no qual mostrou-se a problematização

da acção humana sobre os recursos naturais, foi fornecido aos alunos um pequeno questionário sobre questões

ambientais. Numa segunda acção realizou-se uma visita a uma horta local, a horta do senhor Manuel, com o

intuito de incentivar os jovens a interessarem-se pela comunidade em que vivem e a valorizarem estes espaços

agrícolas. Este contacto directo com as hortas permitiu não só o conhecimento sobre produtos alimentares e

práticas que desconheciam, mas também proporcionou troca de saberes e partilha de experiências entre

gerações. Além disso, os jovens puderam reflectir sobre a importância da escolaridade, visto que o senhor

Manuel nunca frequentou a escola. Numa terceira acção realizou-se o encontro “Verde na cidade”. Esta acção

contou com a participação de um técnico da Direcção Municipal de Ambiente Urbano/DSESA que explicou aos

alunos a importância das hortas em contexto urbano. Numa quarta acção foi realizada uma visita à Biocoop, uma

Cooperativa de Consumidores, direccionada para a comercialização e divulgação dos produtos provenientes de

agricultura biológica. Com esta acção os alunos puderam tomar contacto com o mercado de produtos biológicos,

ou seja, “de produtos que contribuam para uma alimentação e vida saudáveis e cuja produção respeite a

natureza e promova o desenvolvimento sustentável do Planeta.”52

Após a preparação do terreno por funcionários da Câmara Municipal de Lisboa, no passado dia 06 de Fevereiro

de 2012 começaram os trabalhos de implementação de uma horta pedagógica na escola, dando inicio à quinta

52 Biocoop. Disponível online em: http://www.biocoop.pt/index.html

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

85

acção, na qual participaram alunos, professores, técnicos e os olhares curiosos dos jovens que se juntavam em

redor dos “pequenos horticultores iniciantes”.

Figura 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109 e 110: Registo fotográfico da implementação da horta pedagógica na Escola Básica 2º e 3º ciclo do Bairro Padre Cruz

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

86

4.6. Considerações finais do capítulo e contributos para a proposta de intervenção

A interacção com diferentes interlocutores no acto da pesquisa permitiu a comparação de diferentes

perspectivas através de um exercício reflexivo entre a investigação e a construção da estratégia de intervenção.

A análise dos resultados obtidos ao longo do processo interactivo possibilitou comprovar a importância da

hipótese colocada no início da investigação, relacionada com a importância de um equipamento de proximidade

que operasse como mecanismo de coesão e educação, envolvendo os horticultores e as escolas locais e que

focasse a questão alimentar. Ao constatar-se que a vontade local, da sociedade civil e do poder local, começara

a intervir neste sentido, destacou-se a importância da construção de uma proposta estimulante e inclusiva que

assumisse a transmissão intergeracional de valores e práticas como uma vantagem primordial, por um lado para

estimular a população jovem a valorizar o património local, no qual as hortas urbanas estão inseridas,

acrescentando novas perspectivas sobre a comunidade onde vivem e aproximá-los de hábitos alimentares mais

saudáveis e por outro para fomentar a participação dos horticultores no processo de construção de uma

comunidade mais resiliente e inclusiva. Além desta valência, através do processo interactivo foi possível detectar

outras problemáticas nas vertentes económicas, sociais e ambientais que conduziram a estratégia de

intervenção.

Um dos maiores problemas apontados pelos horticultores foi a questão da insegurança sentida em determinadas

áreas do Vale de Carnide, associada a actos de criminalidade dentro e fora do espaço das hortas e verificados

principalmente no final do dia. Numa conversa com um dos horticultores este comenta: “ O que vale é que aqui

toda a gente se conhece e controla quem entra e quem não entra, mas á noite não podemos deixar aqui nada

senão roubam. Já me roubaram muitas vezes produtos, então agora com a crise ainda é pior. Tenho que levar

tudo para casa, até as ferramentas porque não tenho onde as guardar. Mas além, em frente ao campo militar é

pior, ali sim é que é perigoso porque não passa quase ninguém. Pelo menos aqui há sempre gente a passar

durante o dia [refere-se ao espaço das hortas em frente ao pavilhão desportivo do Bairro Padre Cruz, que

curiosamente são as únicas hortas que não estão cercadas e trancadas]”.

Perante esta problemática os horticultores foram questionados sobre possíveis resoluções e a única solução

apresentada foi o aumento de policiamento. Note-se que o espaço público tem que ser habitado para ser seguro

e neste caso, os espaços residuais presentes neste território onde se verifica uma ausência de actividade, são

os que oferecem maiores oportunidades ao crime. Segundo Jane Jacobs (2003:32) “A primeira coisa que deve

ficar clara é que a ordem pública, […] não é mantida basicamente pela polícia, sem com isso negar a sua

necessidade. É mantida fundamentalmente pela rede intrincada, quase inconsciente, de controles e padrões de

comportamento espontâneos presentes em meio ao próprio povo e por ele aplicados.” Neste sentido, podemos

constatar que os horticultores promovem a segurança pública deste espaço e a sua ausência nos terrenos

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

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localizados entre o campo militar e o terminal de metropolitano de Lisboa torna-os inseguros e evitáveis. Esta

constatação contribuiu para a escolha do local de intervenção, como se explica no próximo capítulo.

Outra problemática observada e já mencionada, está relacionada com a falta de apoio aos horticultores locais,

justificada pelo carácter informal da ocupação destes terrenos. Neste sentido e considerando a realidade

socioeconómica destes indivíduos, para a elaboração da estratégia de intervenção, reflectiu-se sobre a

introdução de valências que estimulassem o desenvolvimento local dos aspectos económicos e sociais baseado

no cooperativismo e apoiado num sistema alimentar de base local.

No que respeita às práticas de cultivo, notaram-se algumas lacunas que poderiam ser colmatadas com

formação. Por conseguinte, ponderou-se igualmente na introdução desta valência com vista ao uso sustentável

da terra e à produção de alimentos saudáveis.

Com base na análise reflexiva das problemáticas observadas, foi assim possível identificar possíveis soluções a

integrar num projecto de arquitectura que se pretende integrado e multidimensional e que se descreve descrito

no próximo capítulo.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

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5. ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO: CENTRO DE AGRICULTURA URBANA – CAU

5.1. Conceito do Projecto

5.2. O Lugar

5.3. O Centro de Agricultura Urbana: Materialização do conceito

5.3.1. Natureza morfológica, acessos e percursos

5.3.2. Natureza programática

5.4. As dimensões da sustentabilidade inerentes ao projecto

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

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5. ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO: CENTRO DE AGRICULTURA URBANA - CAU

5.1. Conceito do Projecto

Retomando as considerações finais do estudo empírico interactivo realizado, direccionadas para a questão da

transmissão intergeracional, da valorização do património local, da insegurança pública, da falta de apoio aos

horticultores locais, justificada pelo carácter informal da ocupação dos terrenos do Vale de Carnide, da realidade

socioeconómica da população local e das práticas de cultivo realizadas, estrutura-se o conceito do projecto em

torno destas questões.

Considerando que o Parque Periférico é estimado no novo PDM de Lisboa como uma Área Ecológica

Estruturante a consolidar, no qual é abrangido o Vale de Carnide e dada a tradição agrícola do lugar, no âmbito

da requalificação territorial deste Vale, a estratégia de intervenção visa a requalificação dos espaços residuais e

a recuperação dos espaços agrícolas existentes, transformando-os num parque urbano produtivo que possibilite

a unificação de áreas de recreio, áreas de uso produtivo e áreas de educação, numa rede de espaços colectivos

disponíveis à comunidade, promovendo assim, a participação activa da população na salvaguarda do património

cultural e natural e na percepção da segurança pública.

Integrado neste corredor verde produtivo, propõe-se a inclusão de um equipamento colectivo de proximidade,

direccionado para o desenvolvimento da comunidade nos aspectos sociais e económicos, combinando a

questão alimentar com a protecção do meio ambiente, resultando num Centro de Agricultura Urbana. Deste

modo, pretende-se que a proposta de Projecto Final se desenvolva numa relação simbiótica entre o espaço

construído, a paisagem produtiva e a comunidade, considerando na sua concepção as dimensões de

sustentabilidade: económica, social e ecológica. Com base nesta relação, pretende-se desenvolver uma nova

tipologia apoiada num modelo que funcione por um lado, como mecanismo de coesão e educação, envolvendo

os horticultores e a comunidade educativa, e por outro, como catalisador de um sistema alimentar sustentável

baseado na produção, processamento, consumo e comercialização localmente, através de uma gestão colectiva.

Neste sentido, a concepção projectual fundamenta-se numa dinâmica de funcionamento integrado, cujo

elemento chave é o ciclo, intimamente ligado à ideia de metabolismo circular defendido por Girardet.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

90

5.2. O Lugar

As singularidades inerentes a cada lugar, mais do que o sentido geográfico de localização, decorrem

principalmente da experiência humana, do modo de apropriação do espaço e da necessidade de raízes e de

segurança. Neste sentido, na escolha do local de intervenção procurou-se respeitar o espírito do lugar,

considerando as dinâmicas sociais inerentes e o meio natural em que será inserido o espaço construído.

Baseado nesta premissa, o Centro de Agricultura Urbana localiza-se numa zona mais acidentada do parque,

privilegiando-o de vários pontos de vistas sobre o sistema urbano e o sistema natural, funcionando como espaço

de transição entre o natural e o construído, entre a ruralidade e a urbanidade do lugar. Dada a sua localização e

funcionamento a diferentes horas do dia e estando associado a uma rede de espaços de uso colectivo, o Centro

contribui para a segurança pública do parque, operando como torre de vigia sobre o mesmo.

Tratando-se de um equipamento de uso colectivo, a condição de proximidade às populações-alvo foi um factor

determinante para a escolha da área de implantação do projecto. Neste sentido, a localização geográfica do

centro decorre da relação directa com a paisagem produtiva e da contiguidade a duas das escolas locais,

facilitando o seu intercâmbio dada a programática educacional do Centro. Desta forma, a organização

programática do projecto não só reflecte a forma como ele se implanta no território e se relaciona com a

envolvente, como também, reflecte o modo como as suas partes se interligam, diluindo-se num jogo de relações

entre o interior e o exterior, entre o natural e o urbano, entre o privado e o público. O projecto, dada a sua

natureza morfológica e programática, insere-se numa realidade essencialmente local, no entanto, a sua

aplicação noutras realidades semelhantes poderá ter implicações à escala da cidade, dados os benefícios

sociais, económicos e ecológicos intrínsecos.

Figura 111: Área de intervenção do projecto, vista sobre a envolvente.

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Figura 112: Acessos e percursos

Figura: 113: Sistema de vistas do edifício

5.3. O Centro de Agricultura Urbana: Materialização do conceito

5.3.1. Natureza morfológica, acessos e percursos

O Centro de Agricultura Urbana é constituído por três volumes sobrepostos que se adaptam ao terreno e que

seguem diversas orientações, criando diferentes níveis de acessibilidade, percursos e permanências que se

relacionam com o parque produtivo e com o tecido urbano circundante (figura 105). As deslocações entre

volumes formam espaços de estadia ao ar livre, proporcionando ao observador pontos de vista privilegiados

sobre a envolvente (figura 106). Um primeiro volume encontra-se à cota da Rua Prof. Sedas Nunes que conflui

no centro do Bairro Padre Cruz53. A entrada principal do Centro é feita por esta rua ou a partir do parque de

estacionamento localizado nas proximidades do edifício e o público é recebido num átrio central que polariza a

organização espacial do edifício, funcionando como distribuidor para todos os pisos e área social. O átrio

apresenta uma escadaria que por um lado, funciona como espaço de estadia e por outro, estabelece uma

relação de continuidade com uma cota superior. O segundo volume apresenta-se a este nível, dialogando com o

espaço produtivo de carácter pedagógico que está incluso ao CAU e que se apresenta distribuído em

plataformas, acompanhando o relevo. O terceiro volume apresenta dois acessos, possibilitando-o de funcionar

de modo independente dos outros volumes dada a natureza programática do mesmo, apresentada mais à frente.

Deste modo, um dos acessos é efectuado pelo átrio central e o segundo realiza-se a partir de uma cota superior

às plataformas produtivas, onde existe um segundo parque de estacionamento de apoio às actividades aqui

realizadas.

53 Assumiu-se o prolongamento desta ligação até à Pontinha já proposto no novo PDM de Lisboa.

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92

5.3.2. Natureza programática

A concepção do programa resultou da conjugação da análise dos casos de referência apresentados no capítulo

3 e das considerações finais do estudo empírico interactivo descrito no capítulo anterior. Neste sentido, com

base na viabilidade dos projectos apresentados e nas necessidades da população para a qual o equipamento se

destina, propõe-se um programa multifuncional e multidimensional e de certo modo de carácter experimental

dada a natureza das intenções.

Considerando então o carácter multifuncional do Centro, as valências propostas foram estruturadas em dois

conjuntos de actividades. O primeiro está relacionado com a valência de Educação/Formação e o segundo é

formado por actividades directamente relacionadas com a produção, o processamento, o consumo e a

comercialização dos produtos. Existe ainda uma área técnica de apoio às actividades principais que corresponde

ao suporte administrativo e aos serviços assistenciais a cada valência. Estes conjuntos de actividades ligam-se

ao conceito de ciclo fechado, em que “nada se perde, tudo se transforma”54 e cada um desempenha uma função

imprescindível para o funcionamento do todo. Neste sentido, é importante referir que as valências presentes não

se encerram no interior do edifício, existindo uma reciprocidade entre o espaço construído e o espaço produtivo

envolvente.

A valência educacional do projecto é direccionada a dois públicos-alvo: às crianças e jovens com idade escolar e

aos horticultores locais e possíveis interessados nas áreas de conhecimento como, agricultura biológica, gestão

inteligente dos recursos naturais e resíduos. Em relação ao primeiro, pretende-se a integração do sistema

alimentar no programa educacional das escolas públicas, dando oportunidade aos alunos de poderem aprender

sobre a conexão entre alimentos, saúde e meio ambiente, através de um contacto directo com o crescimento e a

preparação de alimentos, priorizando a relação com o Agrupamento de Escolas do Bairro Padre Cruz.

Relativamente ao segundo público, pretende-se complementar os saberes originários dos horticultores locais

através de informação sobre processos produtivos mais sustentáveis e participativos.

As instalações inerentes a esta valência abrigam uma biblioteca e uma videoteca, localizadas ao nível da rua,

oferecendo informação sobre as temáticas abordadas e ensinadas no Centro; uma sala polivalente que poderá

funcionar como espaço para exposições e eventos de palestras e simpósios, localizada no terceiro volume e

oficinas de trabalho flexíveis para o desenvolvimento de actividades relacionadas com a agricultura,

compostagem e reciclagem, localizadas no segundo volume. As plataformas produtivas funcionam como uma

extensão das oficinas, operando como salas de aula ao ar livre, unindo teoria e prática de forma contextualizada,

auxiliando no processo de ensino-aprendizagem e promovendo o trabalho colectivo entre os agentes sociais

54 Frase popular de Antoine Laurent de Lavoisier

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

93

envolvidos. Neste sentido, procurou-se através das actividades programadas proporcionar um contacto

intergeracional entre os dois públicos-alvo, através de trocas de saberes efectuadas nestes espaços produtivos.

No segundo conjunto de actividades, a matéria-prima derivada da produção hortícola, frutícola e animal realizada

nos espaços produtivos inclusos no Centro (horta pedagógica e estufa) e na sua envolvente, pode ser

processada em ateliers de transformação, incluindo uma padaria, doçaria e queijaria, localizados no segundo

volume, a uma cota superior à Rua Prof. Sedas Nunes e contíguos às hortas pedagógicas e à área animal. Os

produtos poderão ser vendidos no Centro e/ou direccionados para outros estabelecimentos comerciais locais ou

poderão ser preparados e consumidos nos espaços destinados a esse efeito: na cozinha comunitária que

incorpora uma sala comum adjacente e uma estufa - localizada à mesma cota que os ateliers -, no restaurante e

na cafetaria, localizados no terceiro volume e conectados com uma esplanada exterior. Note-se que todos os

espaços de consumo estão direccionados a sul e apresentam uma vista privilegiada para o parque.

Neste conjunto de actividades tudo funciona numa relação de reciprocidade, garantindo a continuidade do ciclo

da matéria orgânica, verificando-se que tanto os ateliers de transformação como os espaços de consumo estão

conectados a uma área onde se processa a compostagem e a separação de resíduos. Por conseguinte, o factor

de proximidade destas actividades determinou a organização programática do edifício.

Os espaços destinados ao comércio estão localizados à cota da rua e estabelecem uma relação directa com a

mesma, fomentando as vivências sociais inerentes a esta relação, contribuindo para a segurança pública.

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94

5.4. As dimensões da sustentabilidade inerentes ao projecto

A natureza morfológica e programática da tipologia proposta surgiu da vontade de potenciar novos espaços de

vivência, relacionados com a questão alimentar e ambiental, onde as conectividades sociais, económicas e

ecológicas pudessem interagir de forma equilibrada numa relação simbiótica entre o espaço construído e o

espaço produtivo. Neste sentido, são várias as dimensões da sustentabilidade que estão inerentes ao projecto.

No que respeita à dimensão sustentável da construção, à semelhança do Institute for Forestry and nature

Research analisado no capítulo 3, um dos princípios ecológicos que rege a concepção do edifício centra-se na

procura de eficiência energética. Deste modo, procurou-se adoptar estratégias bioclimáticas que permitissem

diminuir a necessidade de iluminação, ventilação e climatização artificial. Neste sentido o átrio central fornece luz

natural e ventilação a todos os níveis do edifício e a natureza morfológica do edifício possibilita-lhe beneficiar da

orientação solar, tirando o máximo partido da luz natural em todas as suas posições nas diversas horas do dia,

consoante as actividades exercidas. Os terraços existentes na maior parte das fachadas, possibilita a vivência

ao ar livre nos espaços que não se conectam com o exterior. Para a redução do consumo de água incorporou-se

um sistema de captação de águas da chuva para uso nas instalações sanitárias e irrigação dos espaços

produtivos inclusos no centro. Tal como já foi mencionado, considerou-se a gestão inteligente dos recursos e

Centro de Agricultura

Urbana

ECONÓMICA

Horticultores

Comércio local

Segurança alimentar

Sistema alimentar de base local

Novos postos de trabalho

SOCIAL

Escolas locais

Educação ambiental e nutricional

Hortas pedagógicas

Alimentação e práticas saudáveis

Coesão social e intergeracional

ECOLÓGICA

Arquitectura sustentável

Gestão de resíduos

Gestão de recuros naturais

Espaços de uso produtivo

Figura 114: Actores envolvidos no projecto

Figura 115: Dimensões da sustentabilidade consideradas na concepção do projecto

Agricultura urbana

Cidade

Escolas

Produtores locais

Bairro

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

95

resíduos, tendo sido incorporados áreas de compostagem e reciclagem contribuindo para o sistema cíclico do

edifício.

Em relação à materialidade do projecto,

procurou-se respeitar igualmente o

espírito do lugar, considerando o meio

natural em que será inserido e as

diversas materialidades observadas

durante o “percurso pelo Vale de

Carnide” descrito no capítulo anterior.

Retomando esta experiência sensitiva

destaca-se as diferentes

permeabilidades sentidas que

diferenciam o que é público e privado, a

vegetação constante, as “tábuas de

madeira e chapas metálicas transformados em muros, portas e janelas que protegem espaços de cultivo e

convívio”. Neste sentido, recorreu-se à utilização de materiais recicláveis e renováveis, destacando a presença

do aço, da madeira, do vidro e da vegetação.

Considerando o actual metabolismo linear das cidades, a introdução de um sistema alimentar de base local,

contribui para a diminuição do consumo de energia, ao reduzir a distância entre o produtor e o consumidor.

Neste âmbito, pode-se afirmar que a tipologia proposta, dada a sua natureza programática contribui para

fomentar esta relação, visto que para além da produção, incentiva ao consumo e à comercialização no próprio

Centro, potenciando o desenvolvimento local nos aspectos económicos e sociais. Ao nível económico pretende-

se gerar novos postos de trabalho e estimular os horticultores locais à comercialização dos excedentes, através

da formação e da assistência técnica. Para isso, é fundamental fomentar a cooperação entre os horticultores

Figura 116 e 117: Materialidades observadas durante o percurso realizado pelo Vale de Carnide

Figura 118: Esquema conceptual sobre a materialidade do projecto

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

96

através do seu envolvimento numa possível Associação, introduzindo novas práticas de gestão baseado num

sistema agroecológico na produção de alimentos saudáveis, que contribui para a segurança alimentar.

Numa dimensão social, pretende-se que através do centro, seja reforçada a solidariedade local, promovendo a

auto-estima dos seus actores que sentem a utilidade das suas tarefas, ocupando-se de forma saudável e

socialmente reconhecida por familiares, vizinhos e pela população em geral, contribuindo por um lado, para a

estimular o sentimento de pertença e as relações de vizinhança e por outro lado, fomenta as relações

intergeracionais ocorridas não só nas hortas pedagógicas mas em todas as actividades potenciadas pelo

programa educativo.

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

97

6. CONCLUSÃO

Da reflexão sobre o papel dos espaços agrícolas na cidade, verificou-se que perante a procura de cidades mais

sustentáveis, a integração dos espaços agrícolas urbanos nos actuais modelos de desenvolvimento tornou-se

uma nova preocupação para os planeadores do meio urbano, tendo sido observados variados exemplos que

demonstram os contributos destes espaços para a sustentabilidade urbana, englobando as vertentes:

económica, ambiental e social. No entanto, verificou-se que cada vez há menos espaço disponível nas cidades e

o ambiente construído vai invadindo todo o espaço livre para a produção e recreio. Neste sentido, procurou-se

entender de que forma esta relação poderia ser transformada e qual seria o papel do arquitecto na relação do

ambiente construído e o sistema alimentar das cidades. De modo a responder a esta questão orientadora,

procurou-se primeiramente “conhecer e compreender para intervir”, não só o lugar mas também a comunidade

que o habita. Desta forma, o exercício reflexivo proposto fundamentou-se numa relação de proximidade com a

comunidade, o que levou à integração da mesma no acto da pesquisa, com o objectivo final de elaborar uma

estratégia de intervenção sustentável e participativa que fomentasse um sistema alimentar de base local,

levando a uma mudança de valores sociais, ambientais e económicos, considerando a realidade do Vale de

Carnide como caso de estudo. Esta relação permitiu uma melhor identificação dos problemas sentidos pela

comunidade e oportunidades de desenvolvimento, contudo, devido a constrangimentos temporais e dificuldades

logísticas não foi possível restituir os resultados do exercício projectual, o que poderia fundamentar as medidas

que vieram a ser adoptadas, embora a sua comprovação apenas ser possível com a materialização do projecto.

Esta perspectiva corrobora a visão apresentada referente à importância da promoção de um envolvimento entre

os vários domínios de preocupação e de actuação – técnicos, decisores, políticos e a população, de modo a

preservar a património natural e cultural da freguesia de Carnide, valorizando a forte tradição agrícola do lugar, a

estimular uma maior coesão social, o sentido de identidade e o sentimento de pertença dos seus habitantes.

Sendo a questão alimentar o principal objectivo do exercício projectual desenvolvido e apresentado em anexo, o

Centro de Agricultura Urbana foi o resultado de uma prática reflexiva entre a investigação e o desenvolvimento

da estratégia de intervenção, que pretendeu vincular todas estas premissas, através de um equipamento de

proximidade que funcionasse em torno da necessidade de produção, processamento, comercialização e

consumo de alimentos localmente e englobando a vertente educativa e inserido num parque produtivo que se

vincula à escala da cidade. O objectivo era dar uma resposta integrada e multidimensional, baseada na relação

simbiótica entre urbano/rural e construído/não construído e indo ao encontro das necessidades apresentadas

pelos diferentes interlocutores locais, onde foi articulado as preocupações inerentes à dimensão ecológica da

construção, tendo em conta as preocupações de eficiências energética e sustentabilidade local, com base numa

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ARQUITECTURA E O ESPAÇO AGRÍCOLA NA CIDADE Sustentabilidade Participada: Um Projecto Para o Vale de Carnide

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estratégia de inclusão social e contribuindo para formação de uma comunidade solidária com um papel mais

integrado na sociedade.

O projecto poderia funcionar como protótipo para futuras intervenções, no entanto é fulcral respeitar o espírito do

lugar e o envolvimento da comunidade local para que a implementação desta nova tipologia seja viável, visto

que se trata de um projecto idealizado para a comunidade e derivado da sua participação. Deste modo, é

fundamental que se projecte a “forma para uma mudança” e não apenas a “ forma pela forma”.

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