arquitetura brutalista

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    1/24

    X SEMINRIO DOCOMOMO BRASILARQUITETURA MODERNA E INTERNACIONAL: conexes brutalistas1955-75Curitiba. 15-18.out.2013 - PUCPR

    BRUTALISMO PAULISTA: UMA ESTTICA JUSTIFICADA POR UMA TICA?

    Maria Luiza Adams Sanvitto

    Universidade Federal do Rio Grande do SulAv. Iguau, 206 apto 702

    Porto Alegre RS [email protected]

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    2/24

    ! 2

    RESUMO

    BRUTALISMO PAULISTA: UMA ESTTICA JUSTIFICADA POR UMA TICA?

    A ideia de Brutalismo em arquitetura est ligada expresso dos materiais utilizados em seu estado natural.O que se espera desta arquitetura que, atravs de sua apreciao, seja possvel identificar os materiaisque concretizam o projeto arquitetnico atravs da edificao. Os revestimentos so considerados como

    dissimuladores. A arquitetura brutalista demonstra os materiais utilizados, e a tcnica que permite suaexecuo. Procura deixar bem claro o que vedao ou estrutura. No existe um critrio seletivo do quedeva ou no estar vista. Tudo aparente. Existe uma preocupao com a expresso dos materiais emdetrimento de superfcies bem acabadas. A ideia de beleza associada verdade construtiva. A edificaodeve ser honesta, demonstrando seus materiais assim como a tcnica construtiva adotada.

    A polmica sobre o Brutalismo, como uma tendncia arquitetnica ligada tica ou esttica, instigouautores como Banham, participante da formao do movimento. A difuso do movimento resultou emposturas diferenciadas: para alguns foi uma arquitetura com consideraes principalmente ticas e paraoutros de cunho estticas. Segundo Bruno Zevi, foi uma tica para os que pretendiam restaurar aintegridade originria e agressiva do movimento moderno, e uma esttica para quem buscasse umenriquecimento de superfcies e volumes.Na Inglaterra, nos primeiros anos da dcada de 50, surge em torno do casal Smithson um movimento crticode uma vanguarda ligada arte e a arquitetura, contra o que consideravam ser uma acomodao do

    Movimento Moderno. Em 1955 Reyner Banham referiu-se a esta iniciativa num artigo para a revistaArchitectural Reviewao referenci-lo como Novo Brutalismo Ingls. Posteriormente, na publicao The NewBrutalism de 1966, Banham discorre sobre o Brutalismo dividindo-se entre atributos ticos e estticos produo dos Smithson.No Brasil, o Brutalismo Paulista foi uma arquitetura extremamente marcada por um discurso tico, sendoeste seu ponto de contato com Novo Brutalismo Ingls. A ideologia deste movimento paulista, preocupadocom questes sociais e com a "verdade dos materiais", tem a mesma postura tica da arquitetura inglesaque teve nos Smithson seus maiores defensores. Por outro lado, a influncia formal est vinculada a LeCorbusier: ao concreto bruto aplicado aos prismas puros, e busca da univolumetria utilizados peloarquiteto franco-suo.Influenciado por correntes estrangeiras, o brutalismo adquiriu caractersticas prprias no Brasil. Pelassemelhanas que manteve com suas origens possvel identific-las. Pelas diferenas que desenvolveuconseguiu autonomia e afirmao.

    O desenvolvimento do trabalho est centrado num questionamento sobre princpios ticos e/ou estticospresentes no Brutalismo Paulista, considerando os preceitos da doutrina moderna onde uma opopuramente esttica seria inconsequente.

    Palavras-chave: Brutalismo; Concreto Bruto; Escola Paulista

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    3/24

    ! 3

    ABSTRACT

    PAULISTA BRUTALISM: AN AESTHETIC JUSTIFIED BY ETHICS?

    The concept of Brutalism in architecture is linked to the expression of the materials utilized in their naturalstate. This architecture is expected to enable the identification, through its appreciation, of the materials thatmake the architectural project concrete through building. Coatings are considered dissimulators. The

    Brutalist architecture reveals the utilized materials and the technique allowing its accomplishment; it tries tomake clear what is gasket and what is structure. There are no selective criteria regarding what should orshould not be visible. Everything is apparent. There is concern regarding the expression of materials insteadof well finished surfaces. The idea of beauty is thus related to organizational truth. The construction must behonest, revealing both the materials and the adopted technique.The polemics about Brutalism as an architectural tendency linked to ethics and aesthetics instigated authorssuch as Banham, one of the founders of the movement. The movements diffusion resulted in differentopinions: for some, Brutalism was concerned mainly with ethics, while for others it was concerned withaesthetics. According to Bruno Zevi, it was ethical for those who aimed at restoring the original andaggressive integrity of the modern movement and it was aesthetical to those who looked for enrichingsurfaces and volumes.During the first years of the 1950s in England emerged a critical movement centered on the Smithsoncouple, an avant-garde movement connected to art and architecture against what critics thought to be an

    accommodation of the Modern Movement. In 1955 Reyner Banham referred, in an article to the ArchitecturalReview, to such attitude as New English Brutalism. Later, in The New Brutalism in 1966, Banham talked atlength about Brutalism and about ethic and aesthetic features of the Smithsons work.In Brazil the Paulista Brutalism, from So Paulo, was an architecture deeply marked by ethical discourse,that being its intersection with the New English Brutalism. The ideology of the Paulista movement, concernedwith social matters and with the truth of the material stands by the same ethical attitude as the Englisharchitecture, which had in the Smithsons its greatest defenders. On the other hand, the formal influence isconnected to Le Corbusier: the raw concrete applied to pure prisms and the search for the monovolumeused by the Swiss-franc architect.Influenced by foreign tendencies, Brutalism acquired specific features in Brazil. By the similitude itmaintained with its origins, it is possible to identify such features. And by developing its differences, it gainedautonomy and affirmation.The present research is developed around the questioning of the ethic and/or aesthetic principles present inthe Paulista Brutalism, taking into consideration the modern precepts in which a purely aesthetic attitudewould be irresponsible.

    Keywords: Brutalism; Raw concrete; Paulista School.

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    4/24

    ! 4

    Brutalismo Paulista: uma esttica justificada por uma tica?

    Os materiais em seu estado bruto

    A exposio dos materiais em seu estado bruto tem precedncia na obra de Le Corbusier:primeiramente em alguns elementos no Pavilho Suo, entre 1930/32, como os pilotis em

    concreto a vista no trreo e no revestimento em pedra na parede externa da base expandida; na

    extensa parede interna que expe sua textura em pedra no atelier de Le Corbusier no edifcio de

    apartamentos Porte Molitor, em 1933; nas paredes em pedra para as casas de lazer em torno de

    1935; e finalmente, assumindo predominncia na Unit dhabitation, com projeto de 1947 e obra

    concluda em 1952, um marco arquitetnico contemporneo a Escola de Hunstanton. Assim como

    o projeto dos Smithson, a Unit explora a textura das superfcies construdas atravs das

    potencialidades expressivas do concreto bruto reconhecidas pelo seu autor como beton brut.Nesta obra Le Corbusier tratou o concreto armado de maneira inovadora, com as formas

    montadas de forma cuidadosa, deixando vista a textura da madeira realada pela mudana de

    direo no alinhamento das tbuas.

    Fig. 1 e 2 Pavilho Suio, Le Corbusier

    BOESIGER, GIRSBERGER, 1995, p. 111-112

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    5/24

    ! 5

    Fig. 3 Porte Molitor, Le Cobusier Fig. 4 Casa em Mathes, Le Corbusier

    BOESIGER, GIRSBERGER, 1995, p. 66 BOESIGER, GIRSBERGER, 1995, p. 70

    Fig. 5 Unit dhabitation, Le corbusier

    Le Corbusier Oeuvre complte, vol 5, p. 202

    J apontado como precedente da Escola de Hunstanton, o projeto de Mies van der Rohe para os

    edifcios do Illinois Institute of Technology segue os mesmos princpios que aprovaram o uso do

    concreto bruto na Unit. A exposio dos tijolos nas vedaes e da estrutura em ao revelando

    sua montagem pode ser comparada ao tratamento dado por Le Corbusier s superfcies de

    concreto, deixando com que o material fale por si mesmo.

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    6/24

    ! 6

    Fig. 6 Alumni Memorial Hall, Illinois Institute of Tecnology, Mies van der Rohe

    CARTER, 1999, p.71

    Brutalismo como tica

    Definir o termo Brutalismo no uma tarefa fcil. Na arquitetura, de uma maneira geral, est

    ligado expresso dos materiais utilizados em seu estado natural. O que se espera desta

    arquitetura que, atravs de sua apreciao, seja possvel identificar os materiais que

    concretizam o projeto arquitetnico atravs da edificao. A arquitetura brutalista demonstra os

    materiais utilizados e a tcnica que permite sua execuo. Interna e externamente, procura

    distinguir vedao ou estrutura, levando o uso de revestimentos a uma categoria de dissimulao.

    No existe um critrio seletivo do que deva ou no estar vista e onde o rigor pode chegar

    exposio das canalizaes. O Brutalismo se caracteriza pela expresso dos materiais emdetrimento de superfcies bem acabadas, onde a idia de beleza associada verdade

    construtiva. A edificao deve ser honesta, demonstrando seus materiais assim como a tcnica

    construtiva adotada.

    A origem do termo Brutalismo nos leva Inglaterra durante o primeiro lustro dos anos 50, ligado a

    uma vanguarda liderada por Alison e Peter Smithson, atravs de uma arquitetura que se

    caracterizou pela expresso dos materiais. Contemporneo ao florescimento do movimento,

    Reyner Banham teve importante papel na difuso do Brutalismo, situando esta expresso como

    um qualificativo ligado a questes ticas e estticas atravs do livro The New Brutalism: Ethic or

    Aesthetic, publicado em 19661. No incio desta publicao Banham relata a origem do termo

    atravs de uma verso mitolgica. A criao do qualificativo brutalista seria atribuda ao filho de

    Gunnar Asplund, registrada em uma carta a Eric de Mar, reproduzida na revista Architectual

    Reviewem agosto de 1956. Na Sucia, no incio dos anos 50, Hans Asplund teria usado o termo

    neobrutalistade modo jocoso entre arquitetos ingleses, os quais levaram ao seu pas de origem,

    onde passou a ser usado nos debates sobre arquitetura. Na Inglaterra o vocbulo sofreu

    alteraes na sua verso e significado. Passou de Neobrutalismo para Novo Brutalismo. Segundo

    Reyner Banham o primeiro se refere a estilo - neoclssico, neogtico -, enquanto que o segundo

    traz consigo uma conotao tica.

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    7/24

    ! 7

    Fig. 7 The New Brutalism: Ethic or Aesthetic, capa original

    Seja qual for o significado considerado por Asplund para o termo brutalismo, os ingleses

    passaram a us-lo aplicado arquitetura moderna, em suas formas mais puras, especialmente

    obra de Mies van der Rohe. Divulgado no exterior, o Illinois Institute of Technology de Chicago

    (1945-1947) uma clara referncia para a Escola de Hunstanton. Com a obra concluda em 1954,

    este projeto dos Smithson foi fruto de um concurso fechado em 1949, portanto anterior ao

    qualificativo atribudo a Hans Asplund. A Escola de Hunstanton foi considerada o primeiro edifcio

    brutalista, inclusive por Peter Smithson, em uma afirmao para a imprensa em 1953: ... o

    construdo , seguramente, o primeiro expoente do Novo Brutalismo na Inglaterra...2Assim como

    no IIT de Mies, o tijolo e o ao so deixados vista, assim como as instalaes eltricas e

    hidrulicas e outros servios esto expostos.

    Fig. 8 e 9 Escola de Hunstanton, Alice e Peter Smithson

    VIDOTTO, 1997, p. 23

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    8/24

    ! 8

    O discurso de Banham ao longo de seu livro segue a linha de valorizao da tica, como um

    conceito que vem a caracterizar a esttica da arquitetura dos Smithson pela expresso dos

    materiais em seu estado bruto: ...porm o que os Smithson entendiam por Brutalismo nesta poca

    inclua certamente uma tica social, a qual davam mais valor do que a esttica formalarquitetnica3. Desta forma, a esttica do Novo Brutalismo seria conseqncia de uma tica.

    Conceito que teria sido difundido pelos Smithson mediante declaraes e cartas enviadas a

    revistas inglesas de arquitetura. Banham cita uma de suas manifestaes: Este respeito e amor

    aos materiais um modo de realizao da afinidade que pode se estabelecer entre os edifcios e

    o homem est na raiz do chamado Novo Brutalismo4.Conclui que as declaraes dos Smithson

    sobre a importncia dos materiais contriburam para generalizar a idia de que o Novo Brutalismo

    se baseia, principalmente, na clara manifestao dos materiais e nas superfcies no recobertas

    ou polidas.

    Na verso de Banham, a insistncia das declaraes sobre a importncia dos materiais, quase a

    expensas de todos demais aspectos da arquitetura no surpreende. Alm disto, a idia de que o

    Novo Brutalismo se baseia, principalmente, na clara manifestao dos materiais e nas superfcies

    no recobertas ou polidas considerada senso comum. No entanto, ainda segundo Banham, este

    carter no faz justia ao que pensavam os Smithson naquele momento. A afirmao,

    Consideramos a arquitetura como resultado direto de um sentimento da vida, d um indcio de que

    as preocupaes dos Smithson iam muito alm da expresso dos materiais5. Isto pode ser

    confirmado em publicao em abril de 1957 na revista Architectural Design onde, entre outras

    coisas, afirmam que:

    Toda discusso sobre o Brutalismo pode se equivocar se no se leva em conta o fato de que

    o Brutalismo tenta ser objetivo com a realidade, os objetivos culturais da sociedade, suas

    exigncias, suas tcnicas, etc. O Brutalismo se defronta com uma sociedade de produo

    em massa e arranca uma rude poesia das confusas e poderosas foras com as quais

    trabalha. At agora o Brutalismo tem sido discutido estilisticamente, enquanto sua essncia

    tica.6

    Ou uma esttica

    Alm de contemporneo ao movimento liderado pelos Smithson na Inglaterra, Banham esteve

    envolvido com a divulgao do Novo Brutalismo. Seu livro contribuiu para que o debate sobre a

    arquitetura brutalista ficasse circunscrito s questes ticas. o que demonstra a primeira metade

    do texto, atravs de seus argumentos em prol da nova tendncia que procuram respaldo num

    posicionamento tico.

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    9/24

    ! 9

    Banham exemplifica a arquitetura que revela seus materiais com outras obras alm da prtica

    inglesa, mais alm de Le Corbusier ou da precedncia de Mies van der Rohe. Embora haja uma

    predominncia de exemplares ingleses, Banham cita o Museu de Arte da Universidade de Yale de

    Louis Kahn, o Orfanato de Aldo van Eyck em Amsterdam, Vladimir Bodiansky em Casablanca,

    Bresciani, Valds, Castillo e Huidobro em Santiago do Chile, ou ainda Atelier 5 na Sua. Nisto

    reside uma contradio, pois se a origem da considerao desta arquitetura como brutalista foi

    inglesa, sua concretizao excede este limite geogrfico.

    Fig. 10 Museu da Universidade de Yale, Fig 11 Blocos habitacionais, Casablanca, Vladimir Bodiansky

    Louis Kahn http://movingcities.org/movingmemos/colonial-modern-book-review

    GIURGOLA, 1989, p. 56

    Fig. 12 Orfananto, Amsterdam, Aldo van Eyck

    http://www.google.com.br/search?q=aldo+van+eyck

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    10/24

    ! 10

    Fig. 13 Portales, Chile, Bresciani, Fig. 14 Grupo de casas Halen, Sua, Atelier 5Valds, Castillo e Huidobro http://www.google.com.br/search?q=atelier+5+halen

    OYARZUN, 2006, p. 45

    Na segunda metade de seu livro, ao tratar O estilo brutalista, Banham abandona a plena

    convico de uma postura tica:

    O Brutalismo chegou, certamente, a ser uma arquitetura, um idioma, um estilo vernculo;

    esttica bastante universal para expressar uma variedade de modalidades arquitetnicas,

    inclusive perdendo algo do fervor moral que iluminou suas primeiras pretenses de ser uma

    tica.7

    Desta forma, a justificativa da arquitetura brutalista com base numa tica passa a ser tratada por

    Banham como uma pretenso no lugar de um argumento que procura sustentar um estilo. Depois

    de todo esforo na defesa de uma tica, Banham chega ao final de seu livro declarando-se um

    sobrevivente que retoma lembranas. A idia de sobrevivente pode se reportar a uma batalha, a

    qual ele parece se declarar como um perdedor ao reconhecer que o brutalismo nunca conseguiu

    se desvincular de uma referencia esttica.8

    Brutalismo Paulista: a tica

    No panorama internacional, em relao s questes polticas mais avanadas que vigoraram em

    vrios pases, os anos 60 representaram um perodo de crena no socialismo. Por outro lado, a

    vinculao de vanguardas polticas de direita ou esquerda com movimentos arquitetnicos

    pioneiros um fato identificvel na histria. A Arquitetura Moderna, no incio de seu

    desenvolvimento no Brasil, serviu para demonstrar um pas em busca de desenvolvimento atravsda industrializao. Produziu obras que manifestavam a imagem de modernidade que o Estado

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    11/24

    ! 11

    Novo pretendia. De maneira semelhante, nos anos 60, o Brutalismo Paulista mantinha vnculos

    com os princpios socialistas, alguns dos quais podem ter servido de apoio ideolgico para sua

    produo. Paradoxalmente, os Estados Unidos, pas capitalista, tambm teve participao na

    formao do iderio brutalista. Os princpios socialistas incluam a inteno de eliminar o dficit

    habitacional. A admirao pelo american way of life fazia parte da influncia norte-americana.

    A busca das origens da tendncia brutalista em So Paulo nos leva sua afinidade com o Novo

    Brutalismo ingls, no que diz respeito preponderncia das questes ticas no projeto de

    arquitetura, e obra tardia de Le Corbusier em relao utilizao do concreto bruto.

    O Brutalismo Paulista foi uma tendncia que partia de um discurso defendendo uma postura tica

    para a sociedade. Foi messinica e salvadora na medida em que propagou novas idias em

    busca de um mundo melhor. Acreditava na verdade, na correo, na virtude e na igualdade dos

    homens. Esta ideologia conduzia solues arquitetnicas nas quais nada havia a esconder.

    Sugeria a vida comunitria decorrente da utilizao do espao nico. As segregaes no eram

    bem aceitas, assim como as compartimentaes evitadas.

    Fig. 15 FAU/USP, Vilanova ArtigasFERRAZ, 1997, p. 109

    A expresso desta ideologia pode ser confirmada pelas palavras de Vilanova Artigas, a respeito

    do projeto para a FAU, por ocasio da prova didtica do concurso que lhe devolveu a titularidade

    nesta mesma escola em 1984:

    Pensei que este espao fosse a expresso da democracia. Pensei que o homem na

    Faculdade de Arquitetura teria o vio e que nenhuma atividade aqui seria ilcita, que no

    teria de ser vista por ningum, e que os espaos teriam uma dignidade de tal ordem que eu

    no podia pr uma porta de entrada, porque era para mim um crime.9

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    12/24

    ! 12

    O espao nico e a continuidade interior-exterior eram vistos como um ato de liberdade, que

    permitiam a livre circulao. A fora moral que orientava esta arquitetura desconsiderava o vcio, o

    pecado, a privacidade, e por isto o espao fechado era descartado. Defendia o espao nico

    como liberdade em detrimento da privacidade que a compartimentao pode oferecer. O privado

    era de alguma forma associado ao ilcito.

    Fig. 16 Residncia Telmo Porto, So Paulo, Fig. 17. Residncia Fernando Millan, So Paulo,

    Vilanova Artigas Paulo Mendes da Rocha

    FERRAZ, 1997, p. 158 ACAYABA, 1986, p. 341

    Fig. 18 Residncia do arquiteto, Marcos Acayaba

    ACAYABA, 1986, p. 393

    O ensaio da arquitetura para o povo era transposto para a casa burguesa. A ideologia comunitria

    estava presente nos projetos residenciais da tendncia brutalista dos anos 60 em So Paulo, onde

    a continuidade espacial exigia tolerncia dos usurios. A contemplao visual que o espao nico

    permitia era mais valorizada do que a coexistncia, sem conflitos, de diferentes atividades no

    interior de uma edificao. A expresso de uma nova ordem social assumiu maior importncia do

    que as questes programticas. A falta de compartimentao e privacidade requeriam

    benevolncia e respeito. O grande espao podia ser belo apreciao, mas, por outro lado,

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    13/24

    ! 13

    deixava a individualidade em segundo plano. A transigncia com a diversidade de atividades era

    pr-requisito para os usurios destas residncias. A casa do burgus era o exerccio da casa para

    o povo. O luxo e o requinte no faziam parte dos princpios brutalistas, possivelmente

    considerados suprfluos perante os ideais socialistas da intelligentsiabrasileira da poca.

    A Escola Carioca teve seu apogeu nas dcadas de 40 e 50, principalmente devido aos esforosde Lcio Costa e Oscar Niemeyer. O auge do Brutalismo Paulista foi posterior, na dcada de 60. A

    falta de contemporaneidade destas correntes no tira a validade de um paralelo, uma vez que

    representam influncias externas s quais foram acrescidas caractersticas prprias do Brasil.

    Se por um lado a Escola Carioca, atravs de Lcio Costa, reconhecia a utilizao dos conceitos

    acadmicos numa verso nacional10, o mesmo no acontecia com a Escola Paulista, pelo menos

    com tal abrangncia. Segundo Marlene Acayaba, a arquitetura de So Paulo dos anos 60 deu

    nfase ao projeto social em detrimento do carter simblico11. A adjetivao simblica referida ao

    carter existiu na tradio acadmica, na qual a simbologia foi atributo do carter.

    A publicao de Julien Guadet, Elements et Theorie de l'Architecturede 1904, que resume e

    simplifica a teoria da cole des Beaux-Arts desenvolvida ao longo da tradio acadmica,

    conceitua duas variedades de carter: 1)carter programtico, que procura revelar a finalidade do

    edifcio, ligado ao seu uso; 2)carter genrico, que se preocupa em representar a cultura, a poca

    ou o lugar.

    O que se verificou que a expresso do uso na forma arquitetnica - o carter programtico-

    era um aspecto que no preocupava o Brutalismo Paulista. As mesmas formas arquitetnicas

    eram utilizadas em residncias, escolas, bancos e clubes. Por outro lado, o carter genrico

    tinha presena no iderio desta corrente arquitetnica pelo vnculo que mantinha com os

    problemas sociais do pas manifestados nas palavras de Vilanova Artigas:

    Do sofrimento do nosso povo, posso dizer que participei profundamente. Algum ter

    olhos para um dia ler nas formas que projetei todo esse sofrimento. Ver-se- uma potica

    traduzida.12

    A preocupao com a inovao formal e de detalhes outro aspecto que pode ser visto comorepresentativo de uma poca ou lugar. O uso de novas formas e novos detalhes poderia

    demonstrar a fora de uma cidade em crescimento que festejava o progresso e a industrializao.

    Embora muitos elementos de arquitetura que apresentavam detalhes inovadores fossem

    executados artesanalmente, eram sempre projetados imaginando sua potencialidade de

    industrializao e produo em srie. Os arquitetos do Brutalismo Paulista projetavam e

    detalhavam residncias tendo em mente a expresso de uma sociedade melhor que contava com

    a indstria para atingir seus objetivos.

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    14/24

    ! 14

    Fig. 19 Esquadrias residncia do arquiteto, Paulo Mendes da Rocha

    PION, 2002, p. 55

    Atravs da caracterizao arquitetnica, as obras do Brutalismo Paulista demonstram o esprito da

    poca, mas omitem o uso que abrigam, fazendo com que um mesmo partido seja utilizado para os

    mais diferentes programas. Nesta produo as solues arquitetnicas assumiam formas

    similares nas quais a estrutura, enfatizada pelo uso do concreto armado aparente, assumia o

    papel de definidor do partido e referencial para a criao de formas.

    Marlene Acayaba afirmou que a arquitetura de So Paulo dos anos 60 valorizou o espao em

    detrimento da forma13. Neste aspecto o contraponto da Escola Carioca, a qual enfatizava a

    forma. Para os arquitetos paulistas dos anos 60 o mais importante foi o espao criado, em

    contraposio Escola Carioca que havia dedicado muito dos seus esforos elaborao formal.

    A valorizao do espao pelo Brutalismo Paulista estava, no entanto desacompanhada da

    caracterizao programtica. O espao era genrico podendo abrigar diferentes usos. Com

    postura diversa a Escola Carioca valorizou a forma, considerou a caracterizao programtica, e o

    espao criado foi especfico para o uso determinado.

    O Brutalismo Paulista trabalhou com um conjunto de regras compositivas que ordenava as partes

    da edificao. Princpios como univolumetria, utilizao de um ncleo ordenador, unificaoespacial interna, continuidade interior-exterior e configurao de espaos por volumes fechados

    assim o demonstram. Por outro lado, as questes de carter ficaram vinculadas expresso de

    uma arquitetura prpria de So Paulo, em que a partir das residncias os arquitetos procuraram

    criar um jeito paulistano de morar14. Estes princpios foram padronizados e transpostos para os

    demais programas, excluindo a demonstrao dos atributos de uso.

    A obra do Brutalismo Paulista foi criada por arquitetos politizados, imbudos de um ideal de

    melhoria social. Acreditavam na construo de um pas novo, participando desta tarefa atravs de

    seu trabalho. Na primeira metade da dcada de 60 esta tendncia foi doutrinria, propagando

    solues arquitetnicas que pretendiam ser modelo para a construo de uma sociedade mais

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    15/24

    ! 15

    justa. Foi uma tendncia austera. Embora os representantes da Escola Carioca no fossem

    alheios aos problemas do pas, o exerccio de sua profisso no estava ligado soluo dos

    mesmos. Respondiam, atravs de sua produo, aos anseios de representatividade de uma

    clientela. O Brutalismo Paulista foi doutrinrio assim como a Escola Carioca foi representativa. O

    primeiro demonstrou austeridade assim como a segunda expressou requinte. Atravs de sua via

    formalista, at o fim dos anos 50, a arquitetura do Rio de Janeiro estimulou o prazer e o conforto.

    Nos anos 60, a arquitetura paulista rebateu esta suposta frivolidade com uma produo carregada

    de austeridade e um discurso embasado numa tica.

    Brutalismo Paulista: a esttica

    Em seu artigo, Brutalismo caboclo e as residncias paulistas15, publicado em maro de 1985,

    Marlene Acayaba considera as origens europias do Brutalismo e sua adaptao brasileira.Aponta o Brutalismo Ingls e a obra de Le Corbusier do perodo ps-guerra como influncias para

    o Brutalismo Paulista. No mesmo artigo comenta a expresso usada por Srgio Ferro em relao

    arquitetura dos anos 60 em So Paulo - "espcie cabocla de brutalismo" - que interpretada

    como uma referncia miscigenao do brutalismo europeu com as nossas tradies nativas.

    Formado pela FAUUSP, no incio da dcada de 60, Srgio Ferro , desde 1972, professor da

    Universidade de Grenoble na Frana, desempenhando tambm a atividade de artista plstico.

    Seus quase dez anos de prtica como profissional autnomo no Brasil, somados atividade

    docente na FAUUSP, deixaram marcas na cultura arquitetnica brasileira. Sua participao ativa

    durante os anos da afirmao da arquitetura paulista lhe permitem um claro entendimento do

    surgimento e da transformao do Brutalismo Paulista. A visita ao Brasil, em abril de 1985, por

    ocasio de sua exposio Pinturas e Desenhosna Galeria So Paulo (SP), oportunizou uma

    entrevista Marlene Acayaba onde Ferro discorreu sobre o surgimento do Brutalismo em So

    Paulo e sobre a ideologia dos projetos paulistas da dcada de 60.16

    Para Srgio Ferro, Vilanova Artigas foi o difusor da tendncia brutalista no Brasil, afirmando que a

    origem do movimento est relacionada ao desacordo de Artigas com a via formalista de OscarNiemeyer. Embora Artigas respeitasse o arquiteto carioca, seu pensamento arquitetnico diferia.

    Para ele, a prtica de projetos estava diretamente ligada aos seus ideais poltico-sociais, onde a

    militncia poltica era transformada numa militncia na arquitetura. A dissociao que Niemeyer

    fazia entre a poltica e o trabalho como arquiteto era incompreensvel para Vilanova Artigas e seus

    seguidores, entre os quais Srgio Ferro se colocava.

    Vilanova Artigas foi o expoente da tendncia brutalista no Brasil. Sua prtica profissional estava

    ligada a preocupao com a habitao popular e a questo social da arquitetura, enquanto os

    arquitetos cariocas estavam envolvidos com discusses estticas. Esta foi uma diferena

    importante entre as duas escolas: a questo tica. Os aspectos formais eram diversos entre Rio

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    16/24

    ! 16

    de Janeiro e So Paulo, mas acima de tudo a ideologia que diferia. Na Escola Carioca

    prevaleceram os aspectos estticos, enquanto que em So Paulo o ponto central era uma tica

    vinculada s questes poltico-sociais. A transposio destes ideais prtica profissional foi

    fundamental para a Escola Paulista, que chegou maturidade e afirmao na dcada de 60,

    vinculada ao Brutalismo como estilo.

    O princpio tico transferido ao trabalho em arquitetura, somado atividade docente entusiasta de

    Vilanova Artigas foram fatores determinantes para cativar seus seguidores. Juntamente com

    Srgio Ferro, mais dois arquitetos tem destaque pelo seu pensamento terico: Flvio Imprio e

    Rodrigo Lefvre17. Colegas na graduao da FAUUSP foram apontados como a trinca mais

    marcante que j passou por aquela escola. Formados no incio da dcada de 60, mantiveram

    atividade profissional em escritrio privado, com atuao conjunta durante os 10 anos seguintes.

    Projetaram vrias residncias que, embora no atendessem demanda da habitao social,

    continham hipteses e verificaes ligadas a este tema. Paralelamente, desempenhavamatividade docente junto mesma escola que os havia formado. Caracterizavam-se por seus ideais

    poltico-sociais extremados e radicais. O radicalismo ideolgico, aplicado prtica de projetos em

    seu escritrio e associado atividade docente, influenciou a obra e o pensamento arquitetnico

    paulista da dcada de 60.

    Pelo depoimento de Srgio Ferro, na entrevista a Marlene Acayaba em 1985, fica clara e

    assumida a influncia que Artigas exerceu na formao profissional dos arquitetos paulistas de

    sua gerao. Referindo-se a um encontro que teve com o mestre, um ms ou dois antes de sua

    morte, revela:

    Nosso encontro foi muito isso, de um lado eu dizendo que apesar de nossas brigas de

    voc que a gente tirou tudo, foram as suas teses que desenvolvemos, suas idias que

    aplicamos com o mximo rigor, e ele, de um certo modo, reconhecendo isso.18

    Fig. 20 Residncia Bernardo Issler, Cotia, Srgio Ferro

    ACRPOLE, n. 319, 1965, p. 38

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    17/24

    ! 17

    A influncia de Artigas relatada por Ferro como uma continuidade ideolgica, que se

    diferenciava pelo radicalismo e pela temtica vinculada casa popular:

    A nossa tendncia era mais radical e orientada para a casa popular.

    ...

    A gente ouvia o que o velho dizia e depois radicalizava ao mximo, at o extremo.

    ...

    Era mais uma diferena de quantidade do que de posio.19

    A dcada de 60, em So Paulo, foi o perodo da produo brutalista mais exacerbada, marcado

    principalmente por uma tica aplicada s formas arquitetnicas. Os arquitetos ligados corrente

    brutalista se mostravam preocupados com as questes poltico-sociais e com o ideal de

    construo de um Brasil novo. Nesta posio idealista a arquitetura exercia um papel importante.

    Atribuam-lhe a potencialidade de contribuir intensamente para a soluo dos problemas do pas.

    Neste mbito a casa popular se destacava como uma temtica sempre presente. Se por um lado

    este tema ocupava as mentes dos arquitetos, por outro o seu exerccio prtico no se efetivava

    to facilmente. A falta de uma poltica habitacional que conseguisse atender a populao de baixa

    renda era uma caracterstica do nosso pas. Esta carncia era suprida pelo exerccio do projeto na

    casa burguesa que passou a ser o laboratrio de experimentao da casa popular.

    Em relao ao desempenho profissional dos seguidores de Vilanova Artigas nos anos 60, Srgio

    Ferro afirmou:

    A nossa inclinao, pelo menos fazendo casas, era projetar, como num laboratrio, outra

    arquitetura.

    ...

    Quais eram nossos clientes? Gente que tinha casa grande, enquanto estvamos

    pensando num outro cliente, aquele que no existia - no povo. Todas as casas desse

    grupo, naquela poca, eram o nico lugar onde se podia ensaiar.20

    Os arquitetos que faziam estas experimentaes utilizavam o exerccio profissional como um

    manifesto das novas idias. Srgio Ferro relata esta postura no memorial de uma residncia

    publicada em 1965:

    O limitado campo que o profissional novo encontra, fora, muitas vezes, a transformao

    de uma residncia em descabido manifesto: a necessidade de dizer, de comunicar,

    supera a eficincia.21

    O Brutalismo Paulista foi uma arquitetura extremamente marcada por questes ticas, sendo este

    seu ponto de contato com Novo Brutalismo Ingls. A ideologia deste movimento paulista,

    preocupado com questes sociais e com a verdade dos materiais" tem a mesma postura tica da

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    18/24

    ! 18

    arquitetura inglesa que teve nos Smithson seus maiores defensores. Por outro lado, a influncia

    formal est vinculada a Le Corbusier: ao concreto bruto aplicado aos prismas puros, e busca da

    univolumetria utilizados pelo arquiteto franco-suo.

    A influncia de Le Corbusier reconhecida pelos arquitetos que desenvolveram sua prtica

    profissional dentro da tendncia brutalista em So Paulo. Encontram-se afirmaes a esterespeito na Edio Especial de 15 Anos da revista Projeto, dedicada comemorao dos 100

    anos de Le Corbusier. Prestando depoimento, Siegbert Zanettini reconhece que buscou

    referncias em Le Corbusier na fase inicial de sua produo nos anos 6022. Indagado em

    entrevista sobre a influncia de Le Corbusier na formao dos arquitetos paulistas de sua poca,

    Joaquim Guedes reconhece que a obra do arquiteto franco-suo orientou o encontro das formas

    necessrias ao novo tempo que transcorria. Por outro lado, salienta a importncia do brutalismo

    ingls para o desenvolvimento da tendncia homnima paulista. Sobre a orientao recebida na

    escola afirma Joaquim Guedes:

    Le Corbusier foi um assunto realmente muito estudado durante minha formao

    estudantil, nos anos 50. Praticamente todos os professores s falavam dele, diretamente,

    ou a partir da grande vitria da arquitetura moderna brasileira. Em nossa escola, a

    Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo, essa influncia era

    muito grande, embora Vilanova Artigas mantivesse uma certa independncia, pois sua

    formao era bastante diversa.23

    Fig. 21 Garagem de barcos do Santa Paula Iate Clube, So Paulo, Vilanova Artigas

    KAMITA, 2000, p. 87

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    19/24

    ! 19

    Fig. 22 Residncia Taques Bittencourt, So Paulo, Vilanova Artigas

    2G n. 54 p. 59

    Fig. 23 Residncia do arquiteto, Paulo Mendes da Rocha

    PION, 2002, p. 47

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    20/24

    ! 20

    Outra confirmao em relao a estas duas influncias - tica e esttica - encontrada na

    caracterstica expresso estrutural em concreto armado aparente, to utilizada por Artigas e seus

    seguidores. A utilizao do concreto vista apresenta, segundo Srgio Ferro, uma caracterstica

    diferente no Brutalismo Paulista do que na obra tardia de Le Corbusier ou no brutalismo japons.Na tendncia brutalista brasileira o concreto aparente foi utilizado de forma a expressar a

    estrutura, contrapondo estas correntes estrangeiras nas quais muitas vezes os elementos de

    composio ou de arquitetura escondiam os componentes estruturais. Mesmo que em algumas

    obras do Brutalismo Paulista o concreto tenha sido usado como vedao, nunca chegou a

    dissimular a proposta estrutural; sempre possvel identificar os elementos que fazem parte da

    estrutura. Pelo contrrio, na obra de Le Corbusier, especialmente no Convento Sainte Marie de

    La Tourette de 1957, obra que, segundo Srgio Ferro, foi smbolo para Brutalismo Paulista, o

    sistema estrutural no claro: nem todos os elementos que aparecem formalmente como pilares

    desempenham esta funo. Segundo pesquisa desenvolvida por Ferro em Grenoble, esta a

    diferena entre Vilanova Artigas e Le Corbusier no que diz respeito concepo estrutural e sua

    expresso24. O pensamento arquitetnico do Brutalismo Paulista estava imbudo de uma tica - a

    "honestidade estrutural" e a "verdade dos materiais" - que no permitiriam a dissimulao utilizada

    por Le Corbusier em La Tourette.

    Fig. 24 Convento Sainte Marie de La Tourette, Eveux-sur-Arbresle, Le Corbusier

    Le Corbusier Oeuvre complte, vol 7, p. 38

    Influenciado por correntes estrangeiras, o brutalismo adquiriu caractersticas prprias no Brasil.Pelas semelhanas que manteve com suas origens possvel identific-las. Pelas diferenas que

    desenvolveu conseguiu autonomia e afirmao. O ponto fundamental que diferencia a corrente

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    21/24

    ! 21

    brutalista brasileira das homnimas estrangeiras a nfase dada tica. No Brasil a postura tica

    chegou a um extremo, ultrapassando a considerao que as correntes estrangeiras tinham com

    este preceito. Esta caracterstica do brutalismo nacional pode ser atribuda ao trabalho

    desenvolvido por Vilanova Artigas. Embora no endossasse o qualificativo brutalista para sua

    arquitetura, Artigas difundiu esta tendncia no Brasil a partir da metade dos anos 50. A

    sinceridade construtiva propagada em suas aulas ultrapassava os limites de uma tica. Srgio

    Ferro relata a mensagem transmitida por Vilanova Artigas como seu professor:

    Lembro de certas aulas, onde o Artigas falava da estrutura considerando que se podia e

    devia em certos casos exagerar alguns detalhes, alguns pilares, no no sentido de

    enganar, mas, ao contrrio, para tornar ainda mais explcita a estrutura real, o

    comportamento real dos materiais. Era quase uma mentira tica, uma mentira didtica.25

    As influncias citadas so perceptveis na produo do Brutalismo Paulista e cronologicamente

    possveis. Os pontos de contato com o Brutalismo Ingls chegam mesma dialtica entre tica e

    esttica. Por outro lado, os aspectos compositivos e formais mantm identidade com Le Corbusier

    e com a arquitetura dos arquitetos europeus nos Estados Unidos do ps-guerra. Estes

    precedentes estrangeiros desempenharam o papel de referenciais, no se tratando de uma

    transposio direta. O Brutalismo Paulista considerou as caratersticas nacionais, assim como as

    especficas de So Paulo. As influncias foram elaboradas, imprimindo um carter local sua

    arquitetura. O brutalismo no Brasil, praticado pelos arquitetos paulistas nos anos 60, assumiu

    caractersticas formais e compositivas prprias, a ponto de conseguir afirmao como uma

    corrente arquitetnica autnoma e reconhecida.

    1Traduo consultada: BANHAM, Reyner. El Brutalismo em Arquitectura: Etica o Esttica?Barcelona: Gustavo Gili, 1966.

    2BANHAM, 1966, p. 10.

    Como a publicao consultada no texto original, mas uma traduo julgou-se que o mais conveniente seria que todas as citaesextradas deste livro comparecessem traduzidas para portugus no presente trabalho.3Idem, p. 48.

    4Idem, p. 46.

    5Idem, p. 47.

    6Idem, p. 66, apudAchitectural Design, abril 1957. Idem, p. 66, apudAchitectural Design, abril 1957.

    7Idem, p. 89.

    8Porm o processo de seguir com ateno um movimento em gestao e crescimento conduziu a uma desiluso no final. Com toda

    sua fama de ser uma tica, no uma esttica, o Brutalismo nunca conseguiu sair do marco esttico de referencia. Idem, p. 134.9ARTIGAS, 1989, p.22.

    10COMAS, out/nov 89, p.94.

    11ACAYABA, mar. 1985, p.48.

    12ARTIGAS, 1987, p.192.

    13ACAYABA, mar. 1985, p.48.

    14Essa coleo de residncias ilustra o empenho, de vrias geraes de arquitetos, em configurar um jeito paulistano de morar.

    ACAYABA, 1986, p. 429.15ACAYABA, mar. 1985, p. 46-48.

    16ACAYABA, abr. 1986, p. 68-70.

    17Srgio Ferro (1938 - )

    Flvio Imprio (1935 - 1985)Rodrigo Brotero Lefvre (1938 - 1984)18ACAYABA, abr. 1986, p. 70.

    19Idem, p. 68.

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    22/24

    ! 22

    20Idem, ibidem.

    21FERRO, 1965, p. 32.

    22CAMARGO 1987, p. 120.

    Depoimento de Siegbert Zanettini a Maria Ins de Camargo:"Pessoalmente, fui muito influenciado pelas ideias de Le Corbusier, principalmente nas produes da dcada de 60. Mais tarde, fui medistanciando de seus conceitos e buscando novos caminhos, mais pluralistas, e retomando tambm as linhas da arquitetura brasileiracom materiais como o tijolo e a madeira. Mas reconheo que Le Corbusier transitou com facilidade nos modelos nacionalistas nas

    dcadas de 30/40."23ZEIN, 1987, p. 116.

    24ACAYABA, abr. 1986, p. 68.

    Srgio Ferro afirma em relao ao Convento Sainte-Marie-de-la-Tourette:"O curioso que o brutalismo no Brasil tomou uma direo oposta de sua origem, o Convento de La Tourette. O projeto de LeCorbusier, embora no tenha sido o primeiro, foi uma espcie de smbolo do movimento." 25Idem, ibidem.

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    23/24

    ! 23

    BIBLIOGRAFIA

    Livros e revistas

    ACAYABA, Marlene Milan. Brutalismo caboclo e as residncias paulistas. Projeto, So Paulo, n73, mar. 1985, p. 46-48.

    ACAYABA, Marlene Milan. Reflexes sobre o brutalismo caboclo; entrevista de Srgio Ferro Marlene Milan Acayaba.Projeto, So Paulo, n 86, abr. 1986, p. 68-70.

    ACAYABA, Marlene Milan. Residncias em So Paulo 1947-1975. So Paulo: Projeto, 1986.

    Acropole. Especial Sergio Ferro, Rodrigo Lefvre e Flavio Imperio. So Paulo, n. 319, jul. 1965.

    ARTIGAS, Joo Batista Vilanova. A Funo Social do Arquiteto. So Paulo, Nobel, 1989.

    ARTIGAS, Joo Batista Vilanova. "Depoimento". In: Arquitetura Moderna Brasileira:Depoimento de uma Gerao. So Paulo, Pini, 1987.

    BANHAM, Reyner. El Brutalismo en Arquitectura. Barcelona: Gustavo Gili, 1967.

    BOESIGER, W; GIRSBERGER, H. Le Corbusier 1910-65. Barcelona: Gustavo Gili, 1995.

    CAMARGO, Maria Ins de. "Um modelo que vem sendo questionado. Depoimento de SiegbertZanettini a Maria Ins de Camargo". In: Projeto, nmero 102, ago. 1987, p.120.

    CARTER, Peter. Mies van der Rohe at Work. London: Phaidon, 1999.

    COMAS, Carlos Eduardo Dias. "Arquitetura moderna, estilo Corbu, Pavilho brasileiro". In:Arquitetura e Urbanismo, nmero 26, out/nov 89.

    FERRAZ, Marcelo Carvalho. Vilanova Artigas.Arquitetos Brasileiros. So Paulo: Instituto Lina Boe P. M. Bardi, Fundao Vilanova Artigas, 1997.

    2G. Especial Vilanova Artigas. Barcelona, Gustavo Gili, n. 54.

    GIURGOLA, Romaldo. Louis I. Kahn. Barcelona: Gustavo Gili, 1989.

    KAMITA, Joo Masao. Vilanova Artigas. So Paulo: Cosac & Naify, 2000.

    Le Corbusier, Oeuvre complete. Basel: Birkhuser Publishers, 1995.

    OYARZUN, Fernando Perez. Bresciani Valds Castillo Huidobro. Chile: Pontificia UniversidadCatolica, 2006.

    PION, Helio. Paulo Mendes da Rocha. So Paulo: Romano Guerra, 2002.

    SANVITTO, Maria Luiza Adams. Brutalismo Paulista: uma anlise compositiva de residnciaspaulistanas entre 1957 e 1972. Porto Alegre: Dissertao de Mestrado, PROPAR/UFRGS, 1994.

    VIDOTTO, Marco. Alison + Peter Smithson. Barcelona: Gustavo Gili, 1997.

    XAVIER, Alberto, LEMOS, Carlos e CORONA, Eduardo. Arquitetura Moderna Paulistana. SoPaulo, Pini, 1983.

    ZEIN, Ruth Verde. A Arquitetura da Escola Paulista Brutalista 1953-1973. Porto Alegre: Tesede Doutoramento, PROPAR/UFRGS, 2005.

  • 7/23/2019 arquitetura brutalista

    24/24

    Web

    http://movingcities.org/movingmemos/colonial-modern-book-review (agosto 6, 2013)

    http://www.google.com.br/search?q=aldo+van+eyck (agosto 6, 2013)

    http://www.google.com.br/search?q=atelier+5+halen (agosto 6, 2013)