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ARQUITETURA E MEIO AMBIENTE: UMA EXPERIÊNCIA PROJETUAL A PARTIR DE PARÂMETROS DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL Falcão, Emília (1); Rafacho, Amanda Murino (2) (1) Arquiteta Paisagista, Professora Doutora do Departamento de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Brasil – E-mail: [email protected]. (2) Estudante de arquitetura e urbanismo na Universidade Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Brasil – E-mail: [email protected] RESUMO Dentro do programa de extensão universitária da UNESP desenvolveu-se projeto arquitetônico para ampliação da sede da ONG Instituto Ambiental Vidágua, sediada na cidade de Bauru, interior de São Paulo. O projeto arquitetônico teve como premissa básica o emprego de materiais que apresentassem baixo consumo energético na sua produção, assim como aqueles fabricados a partir da reciclagem de outros produtos. Cuidados com aspectos referentes ao conforto ambiental do edifício foram considerados através de análise da melhor forma de insolação e ventilação. Outro aspecto que definiu o partido arquitetônico foi à necessidade de evidenciar, de forma didática, as características de sustentabilidade do edifício para os usuários e visitantes da ONG. Desse modo, o sistema de captação e tratamento das águas pluviais destaca-se através da exposição das caixas e condutores de água, locados em torre implantada ao lado do edifício. Ao fim da experiência projetual foram avaliadas as possibilidades de generalização das premissas selecionadas para o projeto em outras situações, assim como o comprometimento estético/formal resultante da aplicação de materiais não convencionais. As conclusões obtidas foram que os métodos construtivos e materiais empregados aplicam-se apenas a contextos específicos e ainda que os resultados formais não são prejudicados caso haja a apropriação adequada das possibilidades estéticas oferecidas pelos materiais escolhidos. Palavras-Chave: Arquitetura Sustentável, Projeto de Edificação, Sustentabilidade Ambiental. ABSTRACT As part of UNESP (Universidade Estadual Paulista)´s uiversitary extension program, an architectural project for an ampliation of the headquarter of the Non-governmental Organization (NGO) Instituto Ambiental Vidágua has been developed. The institute is hosted in Bauru city, interior of São Paulo. The project had as basic premise the use of materials which demand low energetic consume at production, as well as, materials produced by the recycling of other used products. Aspects refered to the environmental confort of the building were considered by the analysis of the best insolation and ventilation. Another sustainable characteristic that defined the - 916 -

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ARQUITETURA E MEIO AMBIENTE: UMA EXPERIÊNCIA PROJETUAL A PARTIR DE PARÂMETROS DA

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Falcão, Emília (1); Rafacho, Amanda Murino (2)

(1) Arquiteta Paisagista, Professora Doutora do Departamento de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Brasil – E-mail: [email protected].

(2) Estudante de arquitetura e urbanismo na Universidade Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Brasil – E-mail: [email protected]

RESUMO

Dentro do programa de extensão universitária da UNESP desenvolveu-se projeto arquitetônico para ampliação da sede da ONG Instituto Ambiental Vidágua, sediada na cidade de Bauru, interior de São Paulo. O projeto arquitetônico teve como premissa básica o emprego de materiais que apresentassem baixo consumo energético na sua produção, assim como aqueles fabricados a partir da reciclagem de outros produtos. Cuidados com aspectos referentes ao conforto ambiental do edifício foram considerados através de análise da melhor forma de insolação e ventilação. Outro aspecto que definiu o partido arquitetônico foi à necessidade de evidenciar, de forma didática, as características de sustentabilidade do edifício para os usuários e visitantes da ONG. Desse modo, o sistema de captação e tratamento das águas pluviais destaca-se através da exposição das caixas e condutores de água, locados em torre implantada ao lado do edifício. Ao fim da experiência projetual foram avaliadas as possibilidades de generalização das premissas selecionadas para o projeto em outras situações, assim como o comprometimento estético/formal resultante da aplicação de materiais não convencionais. As conclusões obtidas foram que os métodos construtivos e materiais empregados aplicam-se apenas a contextos específicos e ainda que os resultados formais não são prejudicados caso haja a apropriação adequada das possibilidades estéticas oferecidas pelos materiais escolhidos.

Palavras-Chave: Arquitetura Sustentável, Projeto de Edificação, Sustentabilidade Ambiental.

ABSTRACT

As part of UNESP (Universidade Estadual Paulista)´s uiversitary extension program, an architectural project for an ampliation of the headquarter of the Non-governmental Organization (NGO) Instituto Ambiental Vidágua has been developed. The institute is hosted in Bauru city, interior of São Paulo. The project had as basic premise the use of materials which demand low energetic consume at production, as well as, materials produced by the recycling of other used products. Aspects refered to the environmental confort of the building were considered by the analysis of the best insolation and ventilation. Another sustainable characteristic that defined the

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architetonical concept was the need to make evident , didactically, the sustainable characteristics of the building for the users and visitors of the NGO. Thus, the water captation system and the treatment of pluvial waters are detached by the exposition of the reservatories and conductors of water, placed in a tower by the side of the building. In the end of the projectual experience, the possibilities of generalizing the selected premises of this projetc for others situations were analysed, as well as the influence in the aesthetical/formal result, due the application of non convencional materials. The conclusions were that the constructive methods and apllied materials must be used in specifics contexts and moreover the formal results are not distorced if there is adjusted apropriation of the aesthetics possibilities offered by the selected materials.

Keywords: sustaibable architecture; building project; ambiental sustainability

1. INTRODUÇÃO

A partir de meados do século XX a preponderância da ação humana na configuração da paisagem terrestre passou a ser evidente. A forma de organização social, econômica e política, avanços tecnológicos, a cultura humana como um todo, condicionam uma nova paisagem. Nessa dinâmica, as leis da natureza e processos ecológicos, que anteriormente constituíam-se na maior condicionante da paisagem terrestre, passaram a ser submetidos de forma mais imperativa pela ação do Homem resultando na aceleração na utilização dos recursos naturais, levando muitas vezes a degradação ambiental. Parcelas da sociedade têm se mobilizado em reverter esse quadro. Nesse sentido, muitas áreas de conhecimento passaram a incorporar novos paradigmas, levando à integração de novos saberes e conteúdos disciplinares. O termo sustentabilidade surgiu nesse contexto. Segundo Afonso (2006) “o termo implica na manutenção quantitativa e qualitativa do estoque dos recursos ambientais, utilizando tais recursos sem danificar suas fontes ou limitar a capacidade de suprimento futuro para as necessidades presentes e futuras”. Como constatou Mülfarth (2002), há um conflito na relação entre o meio ambiente e as atividades econômicas, que é o desajuste entre os tempos de mercado e os do meio ambiente e, esse desajuste resulta no esgotamento dos recursos naturais, como espécies vegetais, recursos minerais e energéticos. A autora também enfatiza que “a questão da sustentabilidade engloba além dos aspectos ambientais, políticos e econômicos, vários aspectos sociais, como os atuais padrões de consumo, estilos de vida, distribuição de renda e aspectos culturais”.

No campo da arquitetura do edifício, o conceito de sustentabilidade se refere à utilização racional de recursos renováveis e não-renováveis através da análise do ciclo da fabricação dos materiais (desde a extração até a transformação da matéria prima e transporte), da utilização e manutenção desses materiais, bem como seu descarte e sua reciclagem. Considera-se também nesse contexto o planejamento e projeto das edificações (IBAMA, 2006).

O presente trabalho pretende discutir o conceito de arquitetura sustentável a partir da elaboração do projeto de escritório/galpão para atividades da Organização Não Governamental – ONG – Instituto Ambiental Vidagua1. O projeto foi elaborado contendo no pavimento térreo garagem/galpão, dois sanitários e cozinha, e no pavimento superior escritório e depósito. Assim, pretende-se criar um

1 Instituto Ambiental Vidágua - é uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos e sem vínculo político-partidário, que atua em Bauru e região desde 1994 com o objetivo principal de articular a sociedade civil na defesa do meio ambiente. Sua missão é incentivar o respeito ao Planeta Terra, conscientizando os cidadãos sobre as questões ambientais, promovendo a recuperação, proteção e conservação dos recursos hídricos e da biodiversidade. Extraído de: http://www.vidagua.org.br/ - acessado em 24/04/07.

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exemplo de construção que evidencie elementos significativos contribuindo para as atividades de educação ambiental da ONG.

2. PRINCÍPIOS E TÉCNICAS NA ARQUITETURA SUSTENTÁVEL

As pesquisas sobre técnicas arquitetônicas sustentáveis ampliaram-se nos últimos anos, buscando uma melhor relação entre as técnicas desenvolvidas pelo homem e os recursos disponíveis na natureza. Desse modo, surgiram novos termos como Bioarquitetura, Arquitetura Sustentável, Arquitetura Ecológica, Arquitetura Antroposófica, Arquitetura Orgânica, Arquitetura Bioclimática, Bioconstrução, Ecobioconstrução, Arquitetura Biológica, Arquitetura Verde, Arquitetura de Baixo Impacto Ambiental, Arquitetura Ambientalmente Correta, Earthship (construções com resíduos), Construção e Arquitetura Alternativa e Permacultura. De modo geral todos os termos referem-se a práticas que incorporam os mesmos princípios, com ênfase em aspectos específicos. Utiliza-se neste ensaio o termo Arquitetura Sustentável.

A Arquitetura Sustentável considera, assim como a Bioclimática2, o ambiente construído em relação ao meio em que está inserida. O projeto é elaborado visando à qualidade de vida dos usuários, mitigar impactos do entorno, baixo consumo de energia na construção e na utilização do mesmo. (Gonçalves et all, 2006).

Para a concepção projetual de edifícios que incorporam a premissa da sustentabilidade não há como lançar mão de regras específicas, bem como de um mesmo arsenal de técnicas construtivas, já que cada projeto envolve características particulares no tocante ao clima, aspectos econômicos, programáticos e acessibilidade a recursos naturais. “Assim, as premissas para a sustentabilidade da arquitetura são extraídas do contexto em questão e do problema ou do programa que é colocado para a proposição do projeto” (Gonçalves et all,2006).

Conforme Barnett e Browning (1995), apesar da dificuldade em se descrever sinteticamente o conceito de Arquitetura Sustentável, seu maior objetivo pode ser traduzido em “tirar menos da Terra e dar mais para as pessoas”.

Desse modo, o projeto que adota essas premissas parte da análise do contexto, além dos recursos disponíveis e que melhor se aplicam à realidade local. No entanto, há alguns princípios gerais que podem ser considerados, tais como:

• Especificação de materiais que empregam baixo consumo de energia no processo de fabricação;

• Especificação de materiais que incorporam a reciclagem na fabricação;

• Previsão de reuso de águas pluviais;

• Aplicação de técnicas construtivas e especificação de materiais adequados ao conforto ambiental (através da análise da insolação e ventilação) e ao baixo consumo de energia durante a utilização do edifício.

• Especificação de materiais fabricados com recursos naturais renováveis;

Quanto maior a utilização dos itens descritos acima, maior o índice de sustentabilidade alcançado pelo projeto.

2Arquitetura Bioclimática – utiliza na concepção arquitetônica a interação entre o homem e o meio, adequando o projeto à cultura, os materiais, e condições climáticas do local. Além disso, remete aos recursos da arquitetura vernacular.

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3. PROJETO PARA A ONG VIDÁGUA

O programa para o projeto da ONG Vidágua compõe-se de galpão, sanitário feminino, masculino e copa (no pavimento térreo). No pavimento superior localiza-se o escritório, uma sala que serve como almoxarifado e varanda (de onde se pode observar as telhas utilizadas – fabricadas com a reutilização de embalagens tetrapak). O conceito que norteou o projeto foi a necessidade de evidenciar os elementos relativos a sustentabilidade no edifício, considerando a escolha de materiais e técnicas construtivas, deixando visível aos visitantes esses elementos.

Foram realizadas pesquisas que dessem suporte técnico e teórico para o projeto, direcionadas ao conforto ambiental, caracterização e aplicação dos materiais utilizados, como tijolo de adobe, garrafas pet, telha de embalagem tetrapak (como citado acima), madeira, entre outros.

O projeto foi idealizado para implantação na cidade de Bauru que apresenta temperatura média de 26,3ºC em janeiro e 19ºC em julho. A precipitação pluviométrica máxima ocorre em janeiro (286mm) enquanto a mínima ocorre no mês de julho (33mm). A orientação dos ventos predominantes no verão é sudeste. Essas informações serviram de base para realização de estudos sobre conforto ambiental na elaboração do projeto (Fig. 1), utilizando-se carta solar para análise da insolação e gráfico de ventilação. Esses estudos permitiram definições como a adoção de pérgulas de bambu para a fachada noroeste, protegendo-a da incidência solar direta no período da tarde. A forma irregular, em planta, do pergolado decorre das mudanças do posicionamento do sol, obtida através da carta solar. As janelas foram intencionalmente posicionadas em paredes opostas favorecendo a ventilação cruzada nos ambientes internos (especialmente no verão).

Fonte: Arquivo Amanda M Rafacho

Figura 1: Estudo da ventilação e insolação do edifício para os meses mais quentes do ano.

A escolha do bambu para as pérgulas, assim como do parquete de madeira de reflorestamento para o piso do pavimento superior, decorreu do fato de serem materiais renováveis. Em todo o piso térreo serão utilizadas placas de concreto moldadas na obra, em fôrmas de madeira de 0,50 x 0,50 x 0,03m. A forma de execução das placas prevê a colocação de uma ou mais folhas da planta filodendro antes do lançamento de uma camada de nata de concreto e, em seguida, lançamento do concreto no traço indicado para contra-piso.

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Fonte: Arquivo Emília Falcão

Figura 2: Piso com aplicação de folha de filodendro.

O material especificado para a estrutura do edifício (pilares e vigas principais) é a madeira de eucalipto tratado, com seção aproximada de 0,25 m. A alvenaria de fechamento é de tijolo de adobe, cuja produção será originada em “workshops” oferecidos pela coordenação do Instituto Vidagua visando difundir essa técnica de fabricação.

Parte dos materiais construtivos não apresenta acabamento, objetivando a economia em revestimentos como também tornando visíveis os elementos relativos a sustentabilidade da edificação. Entretanto, todos os materiais têm o devido tratamento contra umidade, ação de agentes biológicos nocivos, entre outros fatores que influenciam sua vida útil.

Os forros das áreas molhadas, ou seja, cozinha e sanitários, são feitos a partir da reciclagem de embalagens “tetrapak”. Para a utilização como forro, o material é moldado em placas planas pintadas com tinta hidrofugante. Na varanda térrea utiliza-se o bambu e na varanda do pavimento superior, escritório e galpão, os forros são em madeira.

As esquadrias também são de madeira, desenhadas especialmente para a obra, possuindo elementos que auxiliam na proteção solar, como pequenos “brises”, ou toldos móveis, diminuindo ou impedindo a incidência solar.

Fonte: Revista AU (Arquitetura e Urbanismo), mar. 2006

Figura 3: Esquema de parede com garrafas PET.

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De forma a evidenciar o emprego do conceito de reciclagem de materiais na construção, assim como propiciar a incidência da luminosidade externa na escada que dá acesso ao segundo pavimento, foi criado um grande painel translúcido com embalagens de garrafas “pet” reaproveitadas, estruturado em tela “deploye”.

O projeto prevê sistema de captação das águas pluviais para reutilização nos vasos sanitários. Os reservatórios de armazenamento dessas águas, assim como os condutores, ficam aparentes em uma estrutura de madeira (eucalipto tratado) localizada ao lado da edificação, de forma a serem rapidamente visualizados pelo visitante. Tanto os reservatórios (caixas d’água) como os condutores (inclusive nos banheiros, onde ficam aparentes) são coloridos de amarelo, evidenciando o mecanismo de captação e distribuição. O tratamento da água captada é feito em um dos reservatórios que contém brita, areia, pedriscos e terra em camadas de 10 cm, responsáveis pela retenção das impurezas. Neste mesmo reservatório há uma entrada para água na borda de cima do reservatório, e para a saída é necessário um sifão, que capta a água 60 cm abaixo do nível da água de entrada. Depois desse primeiro tratamento, a água é direcionada para um segundo reservatório com o fundo revestido de brita. Esse reservatório comporta plantas aquáticas como lírios do brejo, juncos e aguapés, que contribuem para a limpeza da água.

Fonte: Arquivo Amanda M Rafacho

Figura 4: Corte AA

Por falta de recursos financeiros, o projeto não prevê sistema de tratamento de águas cinzas, o que seria possível com a colocação de uma bomba direcionando a água das pias (do sanitário e da cozinha) para caixas externas. Caso fosse possível, o sistema seria composto por reservatórios que alternariam o tratamento entre ambiente aeróbico e anaeróbico.

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Fonte: Arquivo Amanda M Rafacho

Figura 5: Elevação frontal do projeto

Houve intencionalidade no uso da tinta colorida como um dos principais elementos para qualificação estética do projeto. A cobertura das paredes de adobe é feita com tintas minerais à base de cal. Os componentes de madeira receberam tratamento com Eco-Stain Impregnante e Ecoverniz (produtos desenvolvidos pelo IDHEA – Instituto para o Desenvolvimento Ecológico da Habitação), permitindo que a textura e cor da madeira se mantenham inalterados. O processo de tratamento3 do bambu permite sua aplicação na obra sem tratamento especial.

4. CONCLUSÕES

As técnicas e materiais utilizados neste projeto envolvem tecnologia artesanal, já que há possibilidade de produção de materiais a partir de oficinas organizadas pela ONG.

Em síntese, as principais soluções sustentáveis adotadas na elaboração do projeto foram:

• Soluções projetuais: cuidados com aspectos do conforto ambiental, concentração de áreas molhadas, sistema de captação e aproveitamento de águas pluviais, especificação de materiais que utilizam pouca energia em sua fabricação e materiais produzidos “in loco”, disposição da estrutura em módulos de medida padrão (visando a economia estrutural).

3 O bambu deve passar por um tratamento antes de sua utilização na construção. Esse tratamento se inicia com a preparação dos troncos, que pode ser feita através de dois processos, ao ar livre ou na água. No primeiro, o bambu deve secar ao ar livre protegido do sol e isolado do solo de quatro a oito semanas. Desse modo, o material continuará com sua coloração original e estará protegido. Outra maneira é deixar os troncos imersos na água por quatro semanas. Em seguida eles são secos ao ar livre, com fogo ou com ar quente em estufas. A secagem por fogo é aconselhável para endireitar peças tortuosas. Após essa etapa os troncos devem permanecer imersos em líquido protetor (esterco, creosote ou borax, cera de abelha, óleo de linhaça), por 40 horas. Esse tratamento também pode ser aplicado em madeiras leves, capim e folhas. O bambu possui alta suscetibilidade ao ataque de insetos, por isso, é necessário que ele passe por tratamento de cura, que elimina grande parte da seiva. Os processos mais eficazes para o tratamento do bambu são por transpiração das folhas ou substituição da seiva, por pressão hidrostática, por pressão, por impregnação por imersão, por banho quente ou por autoclave.

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• Materiais: utilização de madeira de reflorestamento (eucalipto) na estrutura do edifício e revestimento de piso, fechamentos em tijolo de adobe e garrafas pet, utilização de madeira e bambu em esquadrias e pergolado, utilização de placas tetrapak em forros e telhas, placas de cimento como revestimento de piso, tratamentos hidrofugantes e contra agentes biológicos com menor índice de toxicidade.

• Técnicas construtivas: estruturas (telhado, vigas, pilares)4 em madeira de reflorestamento com fechamento de tijolo de adobe feitos “in loco”, execução de placas de concreto moldadas com folhas de “filodendro” executadas “in loco”.

• Aspectos formais: ênfase na utilização da cor no revestimento de paredes, utilização de placas de concreto carimbadas com folhas de “filodendro”, utilização de garrafas pet para fechamento de paredes, utilização de bambu em partes das esquadrias e na construção de pérgula para controle da incidência do sol no edifício (explorando suas características plásticas).

A experiência projetual para o Instituto Vidagua mostrou que ainda há muito em que avançar para a efetiva incorporação do conceito de sustentabilidade na edificação. A possibilidade do emprego de diversos materiais sustentáveis, nesse projeto, deveu-se a condições favoráveis do cliente enquanto instituto voltado para a educação ambiental. Desse modo foi possível, por exemplo, à especificação do tijolo de adobe como material de vedação. O adobe, por mais adequado sob o fator da baixa utilização de energia em sua fabricação, apresenta o inconveniente de não ser fabricado em grande escala, e ainda, não é encontrado no comercio convencional de materiais de construção. Sua utilização se aplica em casos onde haja mão-de-obra disponível e barata (com direção para organização do processo de produção), espaço para secagem dos tijolos e tempo para a produção. O que pode dificultar seu emprego. Também há necessidade de se prever a proteção dos tijolos prontos contra as intempéries.

Conforme colocado por Gonçalves et all (2006): “as premissas para a sustentabilidade da arquitetura são extraídas do contexto em questão”. Desse modo, o sistema de captação e reutilização de águas pluviais, utilizado no projeto, é meramente ilustrativo, já que o índice pluviométrico em Bauru é baixo na maior parte do ano (230 mm nos meses de verão, 46mm no inverno e próximo de 150 mm no outono e primavera) e irregular, não suprindo suficientemente a demanda de água nos pontos utilizados. Sendo assim, seu emprego é possível em condições particulares. Considerando as especificidades do clima de Bauru, o aproveitamento das águas cinzas pode trazer maiores benefícios visando a economia de água, porém constitui-se num sistema mais oneroso para aplicação.

Um aspecto importante a se considerar diz respeito à qualidade estética dos materiais. Esse é o caso da telha fabricada a partir de embalagens “tetrapak”. Seu aspecto final (a telha é prateadas na face exposta, tem aparência frágil e apresenta irregularidade no acabamento) pode comprometer sua larga utilização por fatores estéticos.

Materiais, como o bambu, carecem de tratamento contra pragas, de forma a adquirirem maior durabilidade, também não estão disponíveis no mercado convencional de materiais de construção tratados adequadamente. Esse é um dos principais problemas a ser resolvido: diversos produtos, como, por exemplo, impermeabilizantes e fungicidas, menos danosos ao meio ambiente, podem não ser encontrados mesmo em laboratórios de pesquisas, ou por vezes envolvem processos morosos e caros se aplicados na obra. Como no caso do bambu, a impossibilidade de aquisição fácil de materiais fabricados sobre a premissa de sustentabilidade constitui-se no maior entrave para o emprego dos mesmos. Muitos materiais encontram-se ainda em laboratórios de pesquisa ou seus

4 A fundação é feita de concreto com impermeabilização nas cabeças das vigas baldrame, visando a proteção das paredes de adobe contra umidade.

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fabricantes não conseguem abastecer o mercado em larga escala. Também não há uma clara e precisa definição de quais sejam realmente os materiais sustentáveis. A esse respeito Mülfarth (2002) coloca que “a falta de respaldo científico e o caráter interdisciplinar da sustentabilidade são grandes barreiras no processo de implantação de bases sustentáveis”. Levando em conta que a Arquitetura Sustentável abrange conceitos de várias áreas do conhecimento como o saneamento, a engenharia, o paisagismo, entre outras, para que fatores sustentáveis no projeto de edifícios possam ser difundidos, é necessário que ocorra grande mudança também na mentalidade dos profissionais das áreas envolvidas.

Mais um agravante diz respeito ao fato que a especificação de diversos materiais novos incorre na dificuldade de avaliação de desempenho dos mesmos, o que apenas poderá ser verificado durante a utilização do edifício.

No entanto, ao final do processo de projetação constatou-se que, sob o aspecto da experimentação formal, os resultados foram positivos. As técnicas e materiais empregados possibilitaram diversas soluções e a coerência no partido adotado aparece desde os elementos estruturais até o detalhamento. Observou-se, porém, que os resultados formais podem ser pouco apreciados por ampla parcela da sociedade que tem a edificação como elemento de promoção e status pessoal, preferindo materiais já difundidos e valorizados.

Por fim, concluiu-se que a sustentabilidade ainda é um objetivo a ser alcançado. Várias medidas tomadas ainda são paliativas e restritas a iniciativas isoladas. Para uma efetiva transformação há que se considerar a necessidade de grandes pesquisas em tecnologias para fabricação de materiais sustentáveis, maior envolvimento do setor público e privado (envolvendo iniciativas de reciclagem, e utilização de matérias-primas renováveis) e ainda, necessita-se de uma precisa regulamentação para a classificação dos materiais (impedindo o uso do termo “sustentável” como marketing de vendas).

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AFONSO, Cíntia Maria. Sustentabilidade: Caminho ou Utopia? São Paulo, Annablume, 2006.

BARNETT, Dianna Lopez; BROWNING, William D. A primer on Sustainable Building. Rocky Mountain Institute, Colorado, EUA, 1995.

GUSHIKEN, Aline Toyama. Arquitetura sustentável: Conceitos e Práxis. Bauru. Trabalho de Final de Graduação. Bauru, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação/ Unesp, 2006.

IBAMA, Turismo Sustentável – Glossário de Termos do Turismo. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/ambtec/pagina.php?cds=388&cdp=910>. Acessado em: 05 maio 2007.

http://www.ibama.gov.br/ambtec/novo.php?comando=questionarios&opcao=3&questionarios%5BRES_ID%5D=2729&questionarios%5BTP_QUESTIONARIO%5D=1. Acessado em 15 de maio de 2007

Instituto Idhea - Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica. Disponível em: http://www.idhea.com.br/eco_stain.asp. Acessado em: 10 julho 2007.

GONÇALVES, Joana Carla Soares; DUARTE, Denise Helena Silva. Arquitetura sustentável: uma integração entre ambiente, projeto e tecnologia em experiências de pesquisa, prática e ensino. Porto Alegre, Ambiente Construído, v.6 n.4, outubro/dezembro 2006.

MÜLFARTH, Roberta C. Kronka. Arquitetura de Baixo Impacto Humano e Ambiental. São Paulo: Tese de Doutorado, 2002.

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REVISTA AU (Arquitetura e Urbanismo), 21(144):38-43, mar., São Paulo 2006

VIGGIANO, Mário Hermes S. Sistemas Sustentáveis da Casa Autônoma. Brasília, DF: Pós-Graduação, 2004.

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