Arquitetura e Saúde - Críticas RDC 50

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    UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB

    FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO FAUPROGRAMA DE PSGRADUAO PPG

    ARQUITETURA E INTEGRALIDADE EM SADE: uma anlise do sistemanormativo para projetos de Estabelecimentos Assistenciais de Sade.

    Flvia Maroja Limeira

    Dissertao de Mestrado

    rea de concentrao: Paisagem, Ambiente e Sustentabilidade.

    Orientador: Prof.Dr. Otto Toledo Ribas

    Braslia, 2006.

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    UNIVERSIDADE DE BRASILIA UnB

    FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO FAU

    ARQUITETURA E INTEGRALIDADE EM SADE: uma anlise do sistemanormativo para projetos de Estabelecimentos Assistenciais de Sade.

    Autora:Flvia Maroja Limeira

    Dissertao de Mestrado submetida Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

    Universidade de Braslia UnB, como parte dos requisitos necessrios obteno do

    Grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, rea de concentrao Paisagem,

    Ambiente e Sustentabilidade.

    Aprovado por:

    ____________________________________________Prof. Dr. Otto Toledo Ribas(Orientador)

    ____________________________________________Prof. Dr. Cludio Jos Pinheiro Villar de Queiroz(Examinador interno)

    ____________________________________________Prof. Dr. Luiz Pedro de Melo Cesar

    Braslia, outubro de 2006.

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    concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias destadissertao e emprestar ou ceder cpias somente para propsitos acadmicos ecientficos. O autor reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte destadissertao de mestrado pode ser reproduzida sem autorizao por escrito do autor.

    _____________________________Flvia Maroja Limeira (autora)

    Limeira, Flvia Maroja

    Arquitetura e integralidade em sade: uma anlise do sistema normativo para projetos

    de Estabelecimentos Assistenciais de Sade. / Flvia Maroja Limeira. Braslia, 2006.xiv, 177f.

    Dissertao de Mestrado Universidade de Braslia Faculdade de Arquitetura eUrbanismo.

    1. Normatizao em sade. 2. Arquitetura Hospitalar. 3. Integralidade da ateno sade. 4.Conforto ambiental e sade. I. Ttulo.

    I. UnB FAU II. Ttulo (srie)

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    minha me,

    Em cuja alma reina a hospitalidade e o

    esprito humanitrio.

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    AGRADECIMENTOS

    A Cludio e Diogo, companheirosprximos e contnuos das minhasvivncias.

    Ao professor Otto Ribas, pela preciosaconfiana e ateno dispensada.

    Aos colegas do Ncleo de Arquiteturada Secretaria de Sade do Braslia pelacolaborao direta ou indireta a estetrabalho.

    A todos aqueles que se mantm firmesna busca de melhores condies deateno sade.

    Ao meu filho Ramon, quepacientemente dedicou muitas horaspara o aperfeioamento deste trabalho.

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    instigador saber que no se est s, que

    existe um movimento ressonante, reverberante,

    de pessoas que lutam por respeito, dignidade,

    emancipao, enfim, por vida.

    Ramon Arruda

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    RESUMO

    Este trabalho procede a Anlise da Resoluo da Diretoria Colegiada n.o50 (RDC-50),

    da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria, instrumento normativo vigente, no Brasil,o qual tem o papel de regular a elaborao de projetos fsicos para a construo e areforma de Estabelecimentos Assistenciais de Sade (EAS), com o escopo de avaliar ediscutir em que medida as prescries da norma se prestam a garantir a Integralidade emsade e outros princpios do Sistema nico de Sade, estabelecidos pela ConstituioFederal de 1988 e pelo sistema de leis do Direito da Sade ao qual a RDC-50 subordinada. Partindo do princpio de que o espao, em suas relaes com os sereshumanos, tem participao fundamental nos processos de adoecimento e cura,considerando que a Arquitetura tem, portanto, contribuies essenciais ao planejamentoem sade, inerentemente complexo, e inserindo-se nos debates em torno dahumanizao da assistncia sade, empreende-se o escrutnio da RDC-50, observandoavanos e recuos em comparao com as normas de mesma funo que a precederam,

    alm de problematizar parmetros hospitalares ao longo da histria e sua variao deacordo com modelos e concepes de sade distintos. Atenta-se ainda para os processosde constituio das normas e para seu problema de legitimidade e adequao snecessidades das pessoas, em decorrncia das barreiras s prticas de cidadania e porproblemas no sistema representativo brasileiro, em que interesses particularessobrepem o bem comum. A RDC-50 contm incongruncias, lacunas e insuficinciasformais que ocasionam confuso e dificuldade de interpretao, deixando umaindesejvel margem de manobra a planejadores e executores, de modo que presses porcortes oramentrios, seja por real conteno de despesas, seja por outros motivos,terminam por suprimir elementos no suprfluos aos EAS. Ademais, ela tambm temgraves omisses de contedo, principalmente nos pontos que se referem ao conforto, aobem-estar e subjetividade dos enfermos, o que implica o desprezo por suasnecessidades e a formatao de ambientes inspitos e degradantes.

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    ABSTRACT

    This work deals with the analysis of the Resoluo da Diretoria Colegiada n.o

    50(RDC-50), a legal device edited by the National Agency of Sanitary Vigilance, whichproposal is the regulation of the building design of Health Assistance Facilities. The aimhere is evaluate and discuss how far its prescriptions are able to guarantee the principlesof the Brazilian Public Health System (SUS) stated by the Federal Constitution andother laws concerning health rights, to which the RDC-50 is subordinated to. Therefore,taking in account the relationship between of space and human beings and its importantinfluence in the healing process, this study consider that architecture and its complexplanning strategies has essential contribution in this process. Also, paying attention tothe debates about integrality and humanization in health services, this study points outthe progresses and drawbacks of RDC-50 in comparison with its predecessors, andcovers hospital patterns in history as well as its dependence on different concepts of

    health. The low level in political engagement of people, the legitimacy of therepresentative system and the privilege given to particular interests, are claimed toexplain the fails in RDC-50. This legal device has formal errors, which posemisunderstandings and vacuums that allow planners and executors much undesirableroom for manoeuvre. Consequently, pressures to budget cuts come to suppressinvaluable characters of the facilities. As far as content is concerned, the missing pointsare related mainly to the comfort, the well-being and the subjectivity of the patients,what implies the despising for their needs and the creation of inhospitable anddegrading environments.

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    SUMRIO

    INTRODUO 11. GENEALOGIA DA ASSISTNCIA SADE 81.1 A PROTEO VIDA E A HOSPITALIDADE 8

    1.2 A DOENA E A INTEGRALIDADE 101.3 A MEDICALIZAO DA DOENA E A HUMANIZAO 141.4 O HOSPITAL AT O SCULO XVIII-BREVE HISTRICO 171.4 A ARQUITETURA COMO INSTRUMENTO TERAPUTICO 192. PLANEJAMENTO TRANSDISCIPLINAR, ARQUITETURA E TIPOLOGIAHOSPITALAR 212.1 O ESCLARECIMENTO TRANSDISCIPLINAR 222.2 A ARQUITETURA DE ATENO SADE 262.3 AS PRIMEIRAS RECOMENDAES PARA PROJETOS HOSPITALARES 272.4 TIPOLOGIA DOS EDIFCIOS HOSPITALARES 342.5 A SANTA CASA DE MISIRICRDIA NO BRASIL: ORIGEM, ASSISTNCIA ETIPOLOGIAS 36

    3. AS POLITICAS EM SADE PBLICA, AS NORMAS E A (FALTA ) DE CIDADANIA 443.1 A IMPORTNCIA DAS NORMAS E DA CIDADANIA 443.2 AS POLTICAS PBLICAS EM SADE 483.3 ESTADO E POLTICA COMO GARANTIA DE SOCIEDADE IGUALITRIA 513.4 INSTITUIES, REPRESENTATIVIDADE E INTEGRALIDADE 534. NORMATIZAO EM SADE 554.1 BREVE CRONOLOGIA DA NORMATIZAO EM SADE 554.2 A ANVISA, O DIREITO SANITRIO E O DIREITO DA SADE 584.3 NOES DE TEORIA DO ORDENAMENTO JURDICO 604.4 O SISTEMA NORMATIVO E A RDC-50 62

    4.4.1 A Constituio Federal (1988) 644.4.2 A Lei Orgnica da Sade (LOS) 674.4.3 Normas Operacionais Bsicas (NOB) 704.4.4 Lei da Vigilncia Sanitria 714.4.5 A RDC-50 714.4.6 Instrumentos complementares RDC-50 72

    5.0 ATRIBUTOS ARQUITETNICOS DE INTEGRALIDADE PARA EAS 775.1 ATRIBUTOS DO PROGRAMA 795.2 ATRIBUTOS DO PROJETO 825.3 ATRIBUTOS DO EDIFCIO DE EAS 84

    5.3.1 Recomendaes da Psicologia Ambiental 845.3.2 Condicionantes Ambientais 88

    5.3.3 Conforto Trmico 885.3.4 Conforto Acstico 905.3.5 Efeitos teraputicos da luz e da cor 915.3.6 Implantao 945.3.7 reas de circulao e espera 945.3.8 A vegetao como instrumento de conforto 965.3.9 Unidade de Internao 97

    5.4 EXEMPLIFICAO DE ATRIBUTOS DE INTEGRALIDADE EM EAS 103

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    6. ANLISE CRTICA DA RDC-50 1186.1 CARACTERSTICAS GERAIS 1186.2 PARTE I : PROJETOS DE EAS 120

    6.2.1 Conflitos textuais 1226.2.2 Conflitos de competncia 123

    6.3 PARTE II: PROGRAMAO FSICO-FUNCIONAL DOS EAS 124

    6.3.1 Organizao fsico-funcional 1246.3.2 Dimensionamento, quantificao e instalaes prediais dos ambientes 1256.4 PARTE III: CRITRIOS PARA PROJETOS DE EAS 128

    6.4.1 Acessos 1286.4.2 Circulaes externas versus estacionamento 1306.4.3 Circulaes internas 1316.4.4 Circulaes verticais 1356.4.5 Escadas 1366.4.6 Condies ambientais de conforto 138

    7.0 CONCLUSES 142REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 145APNDICE 1: CRONOLOGIA DAS NORMAS PARA PROJETOS FSICOS DE EAS NOBRASIL

    152

    I. LEI 6.299, DE 17 DE JULHO DE 1975 152II. PORTARIA 517/BSB, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1975 154III. DECRETO 76.973, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1975 154IV. PORTARIA 30/BSB, DE 11 DE FEVEREIRO DE 1977 155V. PORTARIA 400/BSB, DE 06 DE DEZEMBRO DE 1977 156 VI. RESOLUO CIPLAN N 3, DE 25 DE MARO DE 1981 157VII. PORTARIA 1884, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994 158VIII. PORTARIA 674, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1997 159IX. PORTARIA 554, DE 19 DE MARO DE 2002 RDC-50 159IX-a Portaria 307, de 14 de novembro de 2002 160IX-b Portaria 189, de 18 de julho de 2003 160ANEXO 1: DIREITOS DOS PACIENTES 162ANEXO 2: MATRIZ DE PEA E PARSHALL 168ANEXO 3: SITES DE CONFORTO AMBIENTAL EM ARQUITETURA 169ANEXO 4: SUMRIO DA RDC-50 170ANEXO 5: SUMRIO DA PORTARIA 1884 171ANEXO 6: SUMRIO DA PORTARIA 400 172ANEXO 7: SUMRIO DA RESOLUO CIPLAN N3 177

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    LISTA DE FIGURASFIGURA 1 CORREDOR CENTRAL DO AMBULATRIO DO HBB-DF........ ................. .................. ...... 3FIGURA 2 ESPAO EXTERNO DO AMBULATRIO DO HUB................. .................. ................ ........... 4FIGURA 3 RELAES INTERPESSOAIS................. .................. ................ .................. ................. ........... 23FIGURA 4 ESPAOS BSICOS DO PACIENTE INTERNADO.......... .................. .................. ................. 23FIGURA 5 LUGARES ALTERNATIVOS AO LEITO.......... ................. .................. ................... ................. 23FIGURA 6 FACHADA DO HOSPITAL SANTA CREU E SAN PAUL EM BARCELONA.............. ....... 28

    FIGURA 7 ACESSO PRINCIPAL LIVRE........... ................. .................. ................. ................... .............. ... 29FIGURA 8 ACESSO LATERAL DE AMBULNCIAS......... ................. .................. .................. ................. 29FIGURA 9 HALL DE ACESSO............. ................ ................... ................. .................. .................. ................ 29FIGURA 10 SALA DE ESPERA......... ................. ................... ................. .................. .................. ................. 29FIGURA 11 RUA INTERNA COM JARDINS....... ................ .................. ................. ................. .................. . 29FIGURA 12 AVENIDA LATERAL........... .................. ................. ................... ................. .................. ........... 29FIGURA 13 PLANTA DE SITUAO E DISTRIBUIO DOS SERVIOS........ .................. ................ . 30FIGURA 14 PLANTA EM PERSPECTIVA DE FCIL VISUALIZAO.................... ................. ........... 30FIGURA 15- FACHADA DO ANTIGO HOSPITAL DE GRANADA.............. ................... ................... ........ 30FIGURA 16 A INFLUNCIA MOURISCA E AS FONTES NOS PTIOS........ ................. .................. ..... 31FIGURA 17 ABERTURAS EXTERNAS.......... .................. ................. ................. ................... ................ ..... 31FIGURA 18 CARACTERSTICAS DE UMA ENFERMARIA ANTIGA, HOJE SALA DEEXPOSIO...................................................................................................................................................... 31FIGURA 19 JANELAS DAS CIRCULAES...... ................. ................... ................. .................. ................ 31

    FIGURA 20 DETALHE DAS PORTAS EXTERNAS............ ................. ................ .................. .................. . 32FIGURA 21 VISTA INTERNA DA TORRE........... ................... .................. ................. ................. ............... 32FIGURA 22 FACHADAS INTERNAS........ .................. ................. ................. .................. .................. .......... 33FIGURA 23 VISO DO CAMPANRIO........... ................... ................. .................. ................... ............... .. 33FIGURA 24 VISTA INTERNA DO PTIO, COM PLANTIO DE LARANJEIRAS................................... 33FIGURA 25 A FAIXA CERMICA INDICA O LOCAL DE UM LEITO DA ALA DOS RICOS DOANTIGO HOSPITAL........ ................. ................... ................. ................... ................. .................. ................... .. 33FIGURA 26 JOS DE ANCHIETA E OS NDIOS....... ................. ................... ................ ................. ........... 38FIGURA 27 RUA DA GLRIA........... .................. ................. ................... ................. .................. ................. 38FIGURA 28 CHCARA DOS INGLESES..... ................... ................. ................. .................. ................. ....... 39FIGURA 29 PROJETO DO HOSPITAL CENTRAL............. ................ .................. ................. .................. .. 39FIGURA 30 SANTA CASA DE MISERICRDIA DO RIO DE JANEIRO........ .................. ................. .... 40FIGURA 31 CPULA............. .................. ................. ................. ................... ................. .................. ............. 41FIGURA 32 AUDITRIO........ ................. .................. ................. ................. ................... ................. ............. 41FIGURA 33- SALA DE MESA E JUNTA......... .................. .................. ................ ................... ................. ....... 41FIGURA 34 DETALHE DO FORRO............. ................. .................. ................. ................. ................... ........ 41FIGURA 35 SAGUO.............. ................. .................. ................. .................. .................. .................. ........... 41FIGURA 36 FARMCIA............ ................. .................. .................. ................ .................. .................. .......... 41FIGURA 37 SANTA CASA DE MISERICRDIA DE RECIFE...... .................. ................ ................. ......... 42FIGURA 38 SANTA CASA DE MISERICRDIA DE PORTO ALEGRE........... ................. ................. ..... 42FIGURA 39 SANTA CASA DE MISERICRDIA DE BANANAL-MG............ .................. .................. .... 42FIGURA 40 SANTA CASA DE MISERICRDIA DE PASSOS-MG....... ................. ................. ................ 42FIGURA 41 SANTA CASA DE MISERICRDIA DE SALVADOR........... ................. .................. ............ 43FIGURA 42 EMFERMARIA DA SANTA CASA DE MISERICRDIA DO RIO GRANDE DO SULEM 1940........... .................. .................. .................. .................. ................. ................. ................. ................... .... 43FIGURA 43 - DADOS BSICOS PARA O PROGRAMA DO EAS............ ................... ................... ............ 81FIGURA 44 ETAPAS DO PROJETO ARQUITETNICO..................... ................. ................ ................. ... 83FIGURA 45 ARRANJOS SOCIETAIS..................... ................... ................. .................. ................. .............. 101FIGURA 46 ARRANJOS SOCIOFUGAIS..................... ................... ................. .................. .................. ....... 101FIGURA 47 ENFERMARIA COM BANHO EXTERNO............ ................. .................. .................. ............ 102FIGURA 48 ENFERMARIA DO BANHEIRO COMPARTILHADO......... .................. ................ ............... 102FIGURA 49 VISTA AREA.............. .................. ................. ................. .................. .................. .................. .. 104FIGURA 50 REA EM FRENTE AO AMBULATRIO.......... ................. .................. ................ ................ 104FIGURA 51- FACHADA DO AMBULATRIO............ ................... ................. ................... .................. ........ 104FIGURA 52 RECEPO GERAL............... ................. .................. ................. ................... ................ ........... 104FIGURA 53 REA EXTERNA (MANH)........... .................. ................. ................ ................... ................ .. 104FIGURA 54 REA EXTERNA (TARDE)...... ................. .................. ................. .................. .................. ....... 104FIGURA 55 RECEPO........... .................. ................. ................. .................. .................. ................. ........... 105FIGURA 56 QUARTO DA ALA NOVA....................................................................................................... 105

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    FIGURA 57 BANHEIRO........... .................. .................. ................. ................. .................. ................. ........... 105FIGURA 58 CADEIRA DO ACOMPANHANTE............. ................. .................. .................. .................. ..... 105FIGURA 59 EQUIPAMENTOS DO BANHEIRO........... .................. ................ ................... ................. ........ 105FIGURA 60 MANUTENO HOSPITALAR...... .................. .................. ................. ................. .................. 105FIGURA 61 TERRAO DA COBERTURA........ ................. .................. .................. ................ ................. ... 106FIGURA 62 REA DE LAZER........... .................. .................. ................. .................. ................. ................. . 106FIGURA 63 SINALIZAO....................... .................. ................ .................. .................. .................. .......... 106

    FIGURA 64 HOTELARIA......... .................. .................. ................ .................. .................. .................. .......... 106FIGURA 65 REFEITRIO...................... ................. .................. .................. ................. ................. ................ 106FIGURA 66 BRINQUEDOTECA.......... .................. .................. .................. .................. .................. .............. 106FIGURA 67 IMPLANTAO TIPO TABA............. ................... ................. .................. ................. ............. 107FIGURA 68 ENFERMARIAS COM VARANDAS.............. ................. .................. .................. .................. .. 107FIGURA 69 ENFERMARIAS COM VARANDAS .................. .................. .................. .................. .............. 107FIGURA 70 ENFERMARIA COM REDES.............. ................ .................. .................. ................. ............... 107FIGURA 71 HOSPITAL SARAH BRASLIA...... ................. .................. .................. ................. ................ 108FIGURA 72 VARANDA EM P-DIREITO DUPLO............. ................. ................... .................. ................. 108FIGURA 73 RECEPO EM BELO HORIZONTE........ ................... ................. ................ .................. ....... 108FIGURA 74 AMBIENTE DE ESTAR E LEITURA........ .................. ................ ................. ................. .......... 109FIGURA 75 AMBIENTES RESERVADOS.......... .................. ................. .................. ................ .................. . 109FIGURA 76 AUDITRIO........ ................. .................. ................. ................. ................... ................. ............. 109FIGURA 77 REFEITRIO...................... ................. .................. .................. ................. ................. ................ 109FIGURA 78 REA DE RECEPO E ESPERA............ ................. .................. .................. ................ ......... 109FIGURA 79 - PTIO CENTRAL COBERTO............ .................. ................. ................. .................. ................ 110FIGURA 80 JARDIM CIRCULAR.......... ................. ................. .................. ................. .................. ............... 110FIGURA 81 RECEPO E ESPERA............ ................. .................. .................. ................. ................ .......... 110FIGURA 82 ESQUADRIAS....... ................... ................. .................. ................. ................... ................. ......... 111FIGURA 83 AMBIENTES INTEGRADOS VERTICALMENTE....... ................ ................. ................. ....... 111FIGURA 84 RECEPO............ .................. ................. .................. .................. ................ .................. .......... 111FIGURA 85 LUZ NATURAL E ARTIFICIAL NA CIRCULAO....... ................ .................. ................. .. 111FIGURA 86 ESQUADRIAS ................ ................. .................. .................. .................. ................. ................ .. 112FIGURA 87 COMPOSIO DE MATERIAIS..... ................. ................... ................. .................. ................. 112FIGURA 88 CORES E COMUNICAO VISUAL......... .................. ................. ................ ................... ...... 112FIGURA 89 ELEMENTOS DIFERENCIADOS.................... ................. .................. .................. ................ ... 112FIGURA 90 HOSPITAL INFANTIL BEIRA-MAR......... .................. ................. ................. .................. ... 113FIGURA 91 PISO EM MADEIRA............ ................... ................. ................... ................. ................. ............ 113FIGURA 92 TETO EM RELIAS....... .................. ................. .................. ................ .................. ................. .. 113FIGURA 93 ACESSO AOS ANIMAIS DE ESTIMAO......... .................. ................. .................. ............. 114FIGURA 94 CONTRASTES NAS PAREDES.......... .................. .................. .................. ................ ............... 114FIGURA 95 RECEPO DA MATERNIDADE.......... ................... .................. .................. .................. ....... 115FIGURA 96 SALA DE PARTO............ .................. .................. .................. ................. ................. ................. 115FIGURA 97 MATERNIDADE GOLDENES KREUS, USTRIA......... ................. ................. ................. ... 115FIGURA 98 FACHADA PRINCIPAL..... ................... ................ ................. ................... ................. .............. 116FIGURA 99 ESTACIONAMENTO.......... ................. ................... ................. .................. ................... ........... 116FIGURA 100 ACESSOS......... .................. .................. .................. .................. .................. .................. ............ 116FIGURA 101 TERRAO........... ................. ................... .................. .................. .................. .................. ........ 116FIGURA 102 PAISGEM EXTERNA............... ................. ................... ................ ................... .................. ..... 116FIGURA 103 FACHADA FRONTAL........... .................. ................... ................. .................. .................. ...... 117FIGURA 104 DETALHE DAS ABERTURAS.......... ................. ................... ................. ................... ............ 117FIGURA 105 FACHADA POSTERIOR.......... ................. .................. ................... ................. ................... .... 117FIGURA 106 ACESSO CALADA............. ................. .................... .................. ................. .................. .... 117

    FIGURA 107 CORREDOR COM LARGURA MNIMA PERMITIDA PELA RDC-50......... .................. .. 132FIGURA 108 ENFERMARIA DE 6 LEITOS CONFORME MEDIDAS MNIMAS DA RDC-50........ ..... 133FIGURA 109 ENFERMARIA DE 3 LITOS CONFORME MEDIDAS MNIMAS DA RDC-50........ ........ 134FIGURA 110 ENFERMARIA DE 3 LEITOS MNIMA (PROPOSTA).................. .................. ................... 134FIGURA 111 VARIAO DE INCLINAO ADEQUADA PARA ESCADAS........... ................. .......... 138

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    LISTA DE QUADROS E TABELA

    QUADRO 1 - CARACTERSTICAS DAS TIPOLOGIAS HOSPITALARES..................... ................... ...... 34QUADRO 2 ESFERAS DE GOVERNO E COMPETNCIAS INSTITUCIONAIS.............. ................. ... 68QUADRO 3 NVEIS DE GESTO DE VIGILNCIA NO MUNICPIO..... ................... .................. ........ 73QUADRO 4 ESFERAS DE GOVERNO E COMPETNCIAS INSTITUCIONAIS.............. ................. .. 75QUADRO 5 DEFINIO RELACIONAL DA ARQUITETURA........ ................ ................. ................. .. 78QUADRO 6 CARACTERSTICAS GERAIS DAS CORES............ ................. ................... ................. ..... 93QUADRO 7 EFEITOS TERAPUTICOS DAS CORES E ADEQUAO ESPACIAL...... .................. . 94QUADRO 8 REAS PARA A UNIDADE DE INTERNAO A PROPOSTA DE GES E A RDC-50............................................................................................................................................................

    100

    QUADRO 9 PRINCIPIAIS ATRIBUIES DOS EAS............. .................. .................. .................. ........... 125QUADRO 10 PARMETROS DE ELEMENTOS DA CIRCULAO........ ................. ................. .......... 131QUADRO 11 - VARIAES DE MEDIDAS DE LEITOS HOSPITALARES....................... .................. .... 133QUADRO 12 SOLUES DE CIRCULAO VERTICAL PARA EAS............ .................. ................ ... 136QUADRO 13 - DIMENSIONAMENTO DA NBR-9050 PARA DEGRAUS........... ................. ................... . 138QUADRO 14 REDUO DA REA MNIMA DE AMBIENTES ENTRE AS NORMAS............. ........ 159

    TABELA 1 MDIA DE PERMANNCIA DE INTERNAO NO BRASIL.......... .................. ............... 98TABELA 2 DISTRIBUIO DOS MUNICPIOS QUE POSSUEM LEGISLAO EINSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO URBANO SEGUNDO AS FAIXAS DE POPULAO......... 140

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    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ABNT Associao Brasileira de Normas TcnicasANVISA Agncia Nacional de Vigilncia SanitriaCES Conselho Estadual de Sade

    CF - Constituio FederalCIB Comisso Intergestores BipartiteCONFEA Conselho Federal de Engenharia e ArquiteturaCONMETRO Conselho Nacional de Metrologia, Normalizao e QualidadeCREA Conselho Regional de Engenharia e ArquiteturaEAS Estabelecimentos Assistenciais de SadeENDEF Estudo Nacional de Despesa FamiliarEP Estudo PreliminarFNS Fundo Nacional de SadeHumanizaSUS Poltica Nacional de Humanizao e Gesto do SUSHBB- Hospital de Base de BrasliaHUB Hospital Universitrio de Braslia

    IBAM Instituto Brasileiro de Administrao MunicipalIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaLOS Lei Orgnica da SadeMS Ministrio da SadeNBR Norma BrasileiraNOAS Norma Operacional da Assistncia SadeNOB Norma Operacional BsicaOMS Organizao Mundial de SadePAB Piso da Ateno BsicaPACS Programa de Agentes Comunitrios de SadePBA Projeto Bsico de ArquiteturaPDI Plano Diretor de InvestimentoPDR Plano Diretor de RegionalizaoPE Projeto ExecutivoPN Programa de NecessidadesPND Plano Nacional de DesenvolvimentoPNHAH Programa Nacional de Humanizao da Assistncia HospitalarPPI Programao Pactuada IntegradaPSF Programa de Sade da FamliaRDC-50 Resoluo da Diretoria Colegiada n.o50/ANVISA/MSSUS Sistema nico de Sade

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    INTRODUO

    Cada povo, segundo sua cultura, destina um local para o cuidado de seusenfermos. O zelo com os lugares de cura remonta a sculos e envolve ambientes

    construdos e naturais. No Ocidente, o edifcio de acolhimento aos enfermos teve vrias

    denominaes, entre elas, hospital.

    At meados do sculo XIX, porm, o acolhimento ao enfermo era feito

    principalmente por instituies religiosas, seguindo as regras de cada ordem, e dependia

    da caridade. O objetivo era mais a salvao da alma do que a reabilitao do doente. A

    importncia do hospital, como instrumento teraputico, s desponta a partir da segunda

    metade do sculo XIX. No entanto, segundo Foucault (2002), os parmetros para

    construo ou funcionamento eram bastante indefinidos, e o ambiente hospitalar,

    catico, em conseqncia das relaes sociais e de poderes vigentes.

    Em 1859, Florence Nightingale, uma das precursoras da enfermagem moderna,

    preocupada com as condies de atendimento, j afirmava: (...) embora parea

    estranho, importante estabelecer que a primeira condio para o funcionamento de um

    hospital que ele no cause nenhum mal ao paciente (apudMIQUELIN, 1992:27). A

    partir daquela poca, a cincia ganhou espao na determinao do modo e do fim da

    organizao hospitalar.

    Ao longo do tempo, a assistncia sade mudou de carter, e, nessa evoluo,

    transformaram-se as regras necessrias para sua organizao, as quais se materializaram

    em instrumentos normativos variveis em forma, contedo e hierarquia.

    Na Constituio Federal (BRASIL, 1988), principal instrumento normativo do

    pas, a sade (art. 196) e o meio ambiente saudvel (art. 225) so direitos fundamentais.

    Esses dispositivos constitucionais integram as conquistas de dois importantes

    movimentos poltico-sociais, que vm se desenvolvendo quase paralelamente e com

    influncias recprocas.

    O primeiro, o Movimento pela Reforma Sanitria, formou a base do arcabouo

    legal que originou o Sistema nico de Sade - SUS. O segundo, o Movimento

    Ecolgico brasileiro, acompanhando as reflexes mundiais pela preservao do planeta,

    as quais tiveram seu ponto alto na Rio-92, evento de escala mundial, em que o pacto

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    entre as naes deu origem Agenda 21 e a sua verso brasileira. O SUS vem se

    desenvolvendo com percalos e constituindo um dos instrumentos promotores da

    qualidade de vida no pas. Um grande desafio posto a integrao mais aprofundada

    das polticas de sade e de meio ambiente acompanhada pela evoluo da prtica da

    cidadania.Cohn e Elias (2003:62) destacam um informe de 1993 do Banco Mundial, cujo

    tema,Investir em Sade,foi elaborado, aps vrias reunies e seminrios, com apoio da

    Organizao Mundial de Sade - OMS. Neste informe, afirmava-se que, apesar dos

    investimentos despendidos em cada pas, perduram vrios problemas comuns:

    destinao equivocada de recursos, em termos do custo-benefcio; desigualdades no

    acesso e na qualidade dos servios; ineficincia nos gastos, na utilizao de leitos e na

    distribuio de pessoas; exploso dos custos, decorrentes da disponibilidade de novas

    tecnologias combinadas ao advento de certas modalidades de seguro sade. Aindadizia que, no Brasil, podem-se acrescentar outros aspectos a esta lista: a insuficincia

    de recursos financeiros para a sade, as iniqidades das aes e servios de sade, e as

    repercusses sociais decorrentes da ausncia dos direitos de cidadania no cotidiano da

    sade (Ibidem:63).

    Sob esse quadro, em geral, os Equipamentos Assistenciais de Sade (EAS)

    pblicos e privados tm estruturas fsicas dimensionadas e organizadas aqum das

    necessidades e dos padres de conforto e segurana desejveis. H insuficincia, mesmo

    quando os equipamentos esto de acordo com os parmetros estabelecidos na Resoluo

    da Diretoria Colegiada - RDC-50, da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria -

    ANVISA (ANVISA, 2004), como, por exemplo, a rea de 0,8m por aluno na sala de

    aula da Unidade de Internao, padro inferior ao recomendado pelo Ministrio de

    Educao1.

    So inmeras as cenas dirias que refletem o desequilbrio entre o discurso legal

    e a realidade (Fig. 1): filas interminveis; longas horas de espera em reas com baixas

    condies de conforto trmico, lumnico e acstico; falta de informaes precisas,

    despersonalizao e segmentao do atendimento (Limeira, 2002).

    1A exemplo do recomendado pelo Ministrio da Educao no Manual Operacional do Projeto Nordeste,o padro mdio para salas de aula de 2,25m/aluno.

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    FIGURA 1 - CORREDOR CENTRAL DO AMBULATRIO DO HBB-DF

    FONTE: Pesquisa in loco, 2005NOTA: Aspecto da circulao de um hospital com forte demanda de servios.

    Obs: Foto cujas faces dos pacientes foram esfumeadas para no permitir identificao.

    Como resposta a essa situao, o Ministrio da Sade (MS) iniciou, em 1999,

    uma avaliao da qualidade dos servios prestados populao. Para isso, implantou o

    Programa Nacional de Humanizao da Assistncia Hospitalar PNHAH (BRASIL,

    2002), em cujos resultados constatou-se que a experincia cotidiana do atendimento ao

    pblico nos servios de sade e os resultados de pesquisas de avaliao desses servios

    tm demonstrado que a qualidade da ateno ao usurio uma das questes mais

    crticas no sistema de sade brasileiro. Indicaram a urgncia de se estabelecer novasprticas de assistncia sade que organizassem e ampliassem as atividades

    teraputicas convencionais dos hospitais pblicos brasileiros.

    Com os resultados do PNHAH, o MS implantou a Poltica Nacional de

    Humanizao e Gesto do SUS HumanizaSUS (BRASIL, 2004), que tem estimulado

    aes norteadas pelos princpios bsicos do SUS, de universalidade, integralidade,

    eqidade e controle social, cujos resultados podem ser apontados como

    democratizadores das relaes nos servios de sade. Essas aes caracterizam-se

    principalmente pela busca da diversidade, criatividade, transversalidade e pelaadequao s realidades e necessidades locais.

    necessrio, ento, estabelecer uma evoluo no planejamento dos espaos

    destinados ao acolhimento dos servios de ateno sade, a exemplo do que prope

    Campos (2002) com a Clnica do Sujeito, em que no s a enfermidade objeto de

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    conhecimento e interveno, mas tambm o sujeito e seu contexto so objetos de estudo

    e de prticas da clnica.

    A Arquitetura pode ser, portanto, um dos instrumentos de suporte para essa

    evoluo, visto que tem por ncleo o estudo de cdigos, que presidem a estrutura de

    conexes entre as necessidades humanas e os artefatos fsicos no mundo real (Hillier& Leaman2apudHolanda, 2002:66).

    Sugere-se aqui que esses cdigos, no contexto dos servios de ateno sade,

    tenham como principal foco as prticas sociais entre pacientes, acompanhantes e corpo

    clnico e de gesto, considerados a natureza e os valores determinantes das suas relaes

    (Holanda, 2002:83). Quanto aos artefatos fsicos da Arquitetura, fundamental que

    sejam entendidos como aqueles que envolvem espaos construdos e espaos naturais,

    ambos importantes ao acolhimento humano (Fig. 2).

    FIGURA 2 - ESPAO EXTERNO DO AMBULATRIO DO HUB

    FONTE: Pesquisa in loco,2004NOTA: Este espao fora do edifcio do ambulatrio, possui alguns atributos de acolhimento desejveis.

    Nele, as pessoas tm opes de caminhar, ler, conversar e desfrutar da paisagem.

    Nesse sentido, tem fundamental importncia o estudo da RDC-50 (ANVISA,

    2004), instrumento normativo especfico que regulamenta o planejamento, a

    programao, a elaborao e a avaliao de projetos fsicos de estabelecimentos

    assistenciais de sade.

    2HILLIER, Bill; LEAMAN, Adrian.A new approach to architectural research. RIBAJ, Dec. 1972.

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    O objetivo deste trabalho, portanto, a anlise da RDC-50, luz da

    Constituio Federal, da Lei Orgnica da Sade (LOS)3 e das demais normas

    concernentes ao funcionamento do SUS. Parte-se do pressuposto de que os

    parmetros de planejamento fsico devem estar em consonncia com princpios e

    diretrizes afirmados na legislao maior do sistema de sade brasileiro, especialmente oprincpio da integralidade. Com isso, visa-se melhoria na qualidade do ambiente de

    EAA e, conseqentemente, uma ateno integral sade, alm de contribuir para a

    racionalizao de tais normas.

    Para efeito da anlise, este trabalho primeiramente empreende estudo

    genealgico dos seguintes temas: o cuidado com a sade e a doena, as polticas e

    normas em sade e as formas de planejamento da Arquitetura como instrumento

    teraputico. O objetivo construir uma fundamentao terica que permita realizar a

    anlise crtica da RDC-50, a partir da desconstruo de conceitos e idias tidosequivocadamente como naturais e da constituio de princpios que norteiem o trabalho.

    Apresenta-se a hierarquia do sistema normativo brasileiro que constitui o

    arcabouo legal relativo elaborao de projetos fsicos destinados aos EAS. Isso se

    faz, para que se possa avaliar, mais adiante, em que medida a RDC-50 est em harmonia

    com a legislao a que se subordina.

    Identificam-se alguns dos principais atributos arquitetnicos para a

    integralidade, cujas bases so a pesquisa na literatura e a participao da autora como

    arquiteta da Secretaria de Sade do Distrito Federal e nas oficinas multidisciplinares de

    humanizao. Em complemento a descrio dos atributos, feita a exemplificao com

    fotografias selecionadas em levantamentos in locoe na bibliografia.

    Por fim, analisa-se, de forma crtica, a RDC-50, considerando as bases tericas,

    o sistema normativo e os atributos arquitetnicos apresentados.

    A abordagem ambiental permeia o estudo com relao qualificao do

    ambiente onde ocorrem as prticas necessrias ao acolhimento do ser humano e de suas

    relaes no cuidado com a vida. No entanto, o enfoque prioritrio da anlise normativa

    ser o da sade como defesa da vida, no contexto do campo da Sade Pblica, no

    Brasil.

    No primeiro captulo, comenta-se a respeito da proteo vida, dos conceitos de

    sade e doena e de sua relativizao, de acordo com a percepo do indivduo, a partir

    3LOS- Lei n 8.080, de 19 de setembro de 1990, e Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990.

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    dos seus valores socioeconmicos, religiosos e culturais. Procura-se esclarecer o

    conceito de ateno integral a sade, partindo desses valores, e explicar brevemente a

    evoluo do cuidado com os enfermos e a importncia da Arquitetura como instrumento

    teraputico.

    No segundo captulo, aborda-se a complexidade do planejamento no campo dasade e o modo como a Arquitetura pode colaborar na tarefa transdisciplinar de acolher

    os pacientes nos Equipamentos Assistenciais de Sade (EAS). Faz-se um resgate

    histrico das primeiras recomendaes para construo de edifcios voltados para o

    atendimento a necessitados, apresentando tipologia com as principais formas

    hospitalares no mundo e sua evoluo no Brasil, a partir do Descobrimento, tendo a

    rede da Santa Casa da Misericrdia como destaque.

    No terceiro captulo, ressalta-se a importncia de se formular polticas pblicas e

    estabelecer normas que garantam uma sociedade igualitria. Salienta-se a cidadaniacomo um valor a ser conquistado de forma mais ampla na sociedade brasileira, para que

    se garanta o acesso aos servios de sade, conforme os princpios do SUS, de equidade,

    universalidade, integralidade, controle social e descentralizao. Comenta-se tambm

    sobre a representatividade das instituies na produo de normas e as disparidades que

    so produzidas na sociedade brasileira, em que o poder controlado por uma minoria

    privilegiada, de forma que se compromete a democracia plena, com conseqncias

    negativas na prestao de servios de sade.

    No quarto captulo, faz-se uma breve cronologia da normatizao em sade, cujo

    motivo de raiz era o controle de risco epidemiolgico, fazendo emergir o sanitarismo e,

    com ele, o Direito Sanitrio. Evidencia-se que o Direito da Sade mais abrangente que

    o Direito Sanitrio, pois tem como foco a proteo vida, sob a gide do bem-estar

    social. Apontam-se algumas noes da teoria do ordenamento jurdico, para a melhor

    compreenso das caractersticas das normas e da necessidade de se constituir um

    conjunto sistmico, cuja linha mestra seja a Constituio. Apresenta-se ainda a

    hierarquia das normas que formam, a partir da Constituio Brasileira (CF-1988), a

    principal estrutura da qual a RDC-50 faz parte, com seus instrumentos complementares.

    No quinto captulo, discorre-se sobre os principais atributos da Arquitetura e do

    fazer arquitetnico. Primeiro, apresentam-se algumas peculiaridades do planejamento

    arquitetnico para EAS, com destaque para uma programao bem elaborada,

    principalmente pelas complexidades inerentes a esse edifcio. Complementa-se, em

    seguida, com atributos arquitetnicos necessrios ateno integral, sendo fundamental

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    agregar vrios conhecimentos que perpassam a Psicologia Ambiental, o controle dos

    elementos que propiciam o conforto (higro-trmico, lumnico, acstico e olfativo) e a

    integrao com elementos da natureza (vegetao, gua, luz natural e abbada celeste).

    Por fim, exemplificam-se os atributos da integralidade com fotos de EAS em vrios

    pases, com tipologias diferentes e para pacientes diversos.No sexto captulo, com base nos conceitos apresentados nos captulos 1, 2 e 3,

    no contedo dos principais elementos do sistema normativo da RDC-50 e no processo

    de evoluo das normas anteriores a ela, faz-se uma anlise crtica dessa norma.

    Procura-se mostrar falhas, incongruncias e vacncias, nos captulos concernentes aos

    aspectos arquitetnicos, nas trs partes do documento. Exemplificam-se essas falhas,

    comparando a norma em questo com outros documentos normativos, com referncias

    da prtica de profissionais da Arquitetura de EAS e com os atributos apresentados.

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    1. GENEALOGIA DA ASSISTNCIA SADE E A

    ARQUITETURA

    Neste captulo, realizando um resgate histrico de elementos

    fundamentais da assistncia sade, procura-se evidenciar os elos existentes entre a

    Arquitetura e o cuidado com os indivduos. Ao mostrar as mudanas ocorridas no modo

    de lidar com os problemas de sade, pretende-se esclarecer que a situao atual do setor,

    embora apresente entraves aparentemente naturais e incontornveis, pode ser

    aprimorada, inclusive recuperando princpios outrora vigentes. Isso tambm vale para a

    Arquitetura Hospitalar, e tal perspectiva deve estar presente, nos captulos em que se

    tratar diretamente da anlise das normas para elaborao de EAS, objetivo primordialdeste trabalho.

    1.1 A PROTEO VIDA E A HOSPITALIDADE

    A assistncia sade um ato de proteo vida. De um modo geral, faz parte

    da essncia do ser humano, em estado normal, proteger sua vida, a de seus semelhantes

    e de tudo que entende que possa preserv-la.

    Vrias so as formas de proteo vida. Chama-se hospitalidadeo ato humano

    de acolher, em suas mais diversas formas, mediante prticas de tratamento afvel,

    corts, amabilidade, gentileza (Houaiss, 2001). Enquanto ato de acolhimento humano,

    ela tem razes anteriores a qualquer construo arquitetnica. Adveio de tentativas de

    sobrevivncia em que foram se sistematizando procedimentos de proteo para a

    preservao da espcie.

    Segundo Mumford (1998:11), a alternncia entre movimento e repouso humanos

    determina, desde os primrdios, uma relao entre aventura e segurana, porm, quando

    a vida predatria cedeu lugar simbiose, e ocorreu a domesticao do homem4, houve

    uma mudana no carter de seus agrupamentos, o qual evoluiu, desde o

    compartilhamento com diversas outras espcies, para o esconderijo, a caverna, o

    4Processo inicial da estruturao, fixao e formao dos agrupamentos humanos.

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    acampamento, a aldeia, o santurio, a pequena povoao e a cidade. Assim, segurana,

    receptividade, proteo e nutrio, reconhecidos hoje como princpios da hospitalidade,

    e funes tradicionalmente pertencentes mulher (Ibidem:18), desenvolvem-se em

    todas as partes da aldeia. Tanto que, por mais que parea uma conjectura psicanaltica

    extremada, os hierglifos egpcios a atestam, atribuindo o mesmo smbolo casa, cidade e me.

    Derrida (2003:15) trata da questo da hospitalidade pelo enfoque do estrangeiro:

    devemos pedir ao estrangeiro que nos compreenda, que fale nossa lngua, em todos os

    sentidos do termo, em todas as extenses possveis, antes e a fim de poder acolh-lo

    entre ns?. Afirma que o homem s pode oferecer hospitalidade a um homem

    (2003:120), que a hospitalidade mesmo uma marca do humano (2003:122), que

    necessrio pensar tambm a hospitalidade em torno da morte (2003:126) e, ainda,

    sob a ameaa da finitude e do amor (2003:130).Se a hospitalidade uma marca do humano, devendo envolv-lo desde o

    nascimento at a morte, na doena, sua necessidade se faz mais premente. O indivduo

    enfermo se assemelha ao estrangeiro, no sentido de estar estranho para si e para os

    outros. Nesse estado, fora da normalidade, pode perder sua autonomia e passar a

    precisar de cuidados.

    No ambiente hospitalar, as relaes de hospitalidade esto muito diludas pela

    prioridade que pode ser dada aos demais procedimentos de manuteno da vida, porque

    se tem a idia equivocada de que as aes de acolhimento no podem nem precisam

    coexistir com as medidas biomdicas.

    Ali, a vida das pessoas controlada em vrias dimenses. Suas aes e seus

    pensamentos so direcionados e condicionados para a recuperao da sade. Sob esse

    pretexto, tem-se gradativamente feito do enfermo um refm. A doena, na sociedade

    moderna, tambm escraviza.

    Para controlar essas relaes entre pacientes e o contexto hospitalar, tm-se feito

    esforos no sentido de estabelecer critrios de assistncia, consolidados em

    normatizao, para a garantia de condies dignas de promoo, proteo e recuperao

    da sade.

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    1.2 A DOENA E A INTEGRALIDADE

    Segundo Campos (2002:4), o hospital um espao em que as pessoas investem

    afetos e esperanas, onde ainda se produzem valores de uso e, inevitvel, disputa-se

    poder, e muitas vezes, transmutam-se valores de uso em puros valores de troca,interesse econmico, realizao de mais-valia dos outros, quase nunca dos enfermos.

    Este texto indica expectativas contraditrias das pessoas do hospital. Envolve

    questes ticas, pela falta de correspondncia entre o sentimento do usurio, respaldado

    pelo discurso das normas de sade que garantem o direito ateno integral, e as

    prticas dos atores envolvidos direta ou indiretamente na prestao de servios.

    Tem-se como resultado que, em geral, os EAS atuais, principalmente os de

    grande porte, em nome da cincia e dos avanos tecnolgicos, esqueceram-se das razes

    da assistncia ao enfermo, cujas prticas se davam pela forte ligao a fundamentos

    humanitrios, que hoje se procura resgatar pela prtica da cidadania.

    Houve tempos em que a sade e a doena estavam associadas aos conceitos de

    pureza e pecado evocados pelas religies, que tinham como foco a cura da alma, e no

    do corpo. A doena e a morte eram encaradas com naturalidade, como acontecimentos

    sobre os quais somente Deus tinha poder, no havendo possibilidade de interveno

    direta do homem sobre o processo de recuperao da sade humana (Silva, 2004;

    Foucault, 2002).

    Antigamente, quando as epidemias eram mais freqentes e de difcil controle,

    era comum famlias, aldeias ou grandes contingentes humanos morrerem. Adoecer era

    estar ameaado de morte provvel num curto espao de tempo, aps um perodo mais

    ou menos longo de grandes padecimentos e de deteriorao visvel do corpo (Silva,

    2004:10).

    Os vrios estados de mal-estar que hoje so denominados doena no

    constituam uma unidade. Males como a fome, a guerra e os acidentes mobilizavam

    pessoas que sofriam, preocupavam-se, mas no tinham a viso unificada ou uma

    imagem estruturada de a doena, algo que representa uma forma de estar diferente do

    estado habitual: est doente!, situao a que corresponde um estatuto social

    reconhecido e dependente da medicina (Ibidem:17).

    Os conceitos de sade e doena so to variados quanto as possibilidades de

    percepo e o foco empregado para abord-los.

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    Ribeiro (1993:53) fala da intangibilidade da sade, um bem abstrato que s se

    materializa na ocasio da doena, estado em que a sade est ausente e se torna

    necessidade:

    A sade um bem real, ao mesmo tempo abstrato, que s se pretende obter quando se aperde e ela se torna necessidade, materializada no seu contrrio, a doena. Assim, a

    necessidade sentida em sade determinada pelo seu oposto, ou seja, por sua perda. Aposse desse bem, sade, pode involuir para esse outro estado, de necessidade,abruptamente por acidente ou insidiosamente, quando ela se faz (quando se faz) doenapercebida. Nesse caso, no se sabe onde acaba o bem (sade) e comea a doena(necessidade), onde finda o normal e inicia o patolgico.

    Cada indivduo enfermo experimenta uma histria diferente na evoluo do

    estado de sade ao de necessidade. Trata-se de sua anamnese, isto , da histria de seu

    adoecimento a partir do relato construdo pelas prprias reminiscncias. Essa

    necessidade, a depender de como percebida, causa reaes proporcionais ou

    compatveis com o grau de dependncia ou capacidade de reao de cada um. Assim,

    um indivduo com uma simples gripe pode se prostrar no leito e exigir cuidados de

    terceiros, ao passo que outro, com uma doena clinicamente mais grave, aproveita todas

    as suas potencialidades ou bens de sade para manter sua vida em curso normal, ou

    desfrutar do mximo de sua autonomia.

    Em todos os casos, as necessidades dos enfermos exigem conformaes

    especficas dos ambientes em que estes estiverem, para melhor atend-las. Em outras

    palavras, doena corresponde uma configurao ideal do ambiente, de acordo com asnecessidades diferenciadas de cada indivduo, de modo que estas sejam tangibilizadas

    espacialmente. A Arquitetura deve, portanto, atentar para isso.

    Carvalheiro (apudvila-Pires, 2000:208), refletindo sobre as contribuies de

    Carlos Chagas, lembra que, se, no nvel individual, a aquisio e o curso de uma

    doena um fato eminentemente biolgico, o mesmo deixa de valer no plano coletivo.

    A distribuio da doena numa comunidade um fato social, devendo ser buscados

    instrumentais explicativos adequados a essa natureza no biolgica.

    Silva, para alm do aspecto da causa biofisiolgica, destaca a dimensosimblica da sade e da doena, reflexo de um sistema integrado de compreenso da

    existncia humana a cultura e de um funcionamento organizado da vida coletiva a

    sociedade (2004:10) Assim, as diferentes condies e contextos de vida dos grupos no

    interior de uma mesma sociedade tm expresso na prpria sade desigual dos grupos

    sociais (Ibidem:11).

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    A relao de sade ou doena , portanto, estabelecida de acordo com o contexto

    cultural em que os indivduos vivem. Perceber os sintomas, interpret-los, atribuir-lhes

    causas e reagir-lhes por cuidados especficos so aes informadas/modeladas pelo

    ambiente cultural, seus valores, seus smbolos, suas crenas, em suma, a sua forma de

    entender/explicar o que o humano (Ibidem:12).Ao contrrio do que profissionais mdicos, em algumas comunidades, pensam,

    o estudo dos comportamentos na doena demonstra uma considervel autonomia dos

    atores sociais que comandam a resposta doena. Por trs da doena que a medicina

    pode tratar est uma vivncia de sofrimento que social (interfere nas relaes do

    doente com o mundo) e a que s o saber cultural pode dar resposta (Ibidem:14).

    A medicina, na sua especializao e crescente tecnologizao, tende a

    desvalorizar a viso leiga do doente, ignorando a sua necessidade tal como ele a

    percebe; nesse confronto entre as duas vises da doena, a do mdico, na maior partedas vezes, impe-se, sem considerao pela viso profana do doente (Mechanic 5apud

    Silva, 2004:161).

    So vrios os termos utilizados para tipificar as doenas: sintomticas e

    assintomticas, agudas e crnicas, epidemiolgicas, de carncia, assim como so

    inmeros os comportamentos de seus portadores em relao a elas e os tipos de

    tratamento de que, quando a doena percebida, lanam mo para auxili-los.

    Para alm do saber mdico, cientfico, as pessoas recorrem ao saber popular, ou

    saber leigo (por oposio a saber profissional, especializado), na sua relao com a

    sade e a doena (Silva, 2004:14). A diversidade e a escolha pessoal do tipo de

    assistncia se justificam pela complexidade das necessidades sentidas pelo enfermo.

    Aristteles, uma vez doente, disse ao seu mdico: mostra as razes de teu fazer,

    e, se as achar razoveis, ento as haverei de seguir (Jaspers6apudCaponi, 2000:40). A

    postura do filsofo mostra a necessidade de compreenso da prescrio mdica, como

    condio para aderir a ela. Muitos indivduos, ainda que no se sintam vontade para

    pedir tais esclarecimentos ao mdico, s vezes, no seguem sua orientao, por no se

    acharem convencidos de suas razes, conforme a postura de Aristteles.

    5MECHANIC, David. Illness and cure. In: KOSA, John; ANTONOVSKY, Aaron; ZOLA, IrvingKenneth. Poverty and health: a sociological analysis. Cambridge, Massachusetts: Harvard UniversityPress, 1969.6JASPERS, Karl.La prctica mdica em la era tecnolgica. Barcelona: Gedisa, 1988.

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    13

    Hoje, dentro do campo da ateno sade, a Acupuntura, a Fitoterapia, a

    Naturopatia e a Homeopatia, com profissionais de formao especializada, fazem parte

    do leque de opes para o atendimento em que se diminui a quantidade de

    medicamentos e de tecnologias duras7.

    Com forte influncia da medicina oriental, essas modalidades tm-se fortalecidopelo foco na ateno de carter preventivo e por uma abordagem holstica, isto , por

    encarar o indivduo na sua globalidade fsica e mental situada em contextos sociais.

    Com isso, as terapias de tecnologias leves tm-se diversificado e expandido, nas

    sociedades ocidentais, desde a segunda metade do sculo XX.

    A essa abordagem holstica, tem-se associado o conceito de integralidade, que

    est em construo. Mas, tomando como base o ser humano como um todocomposto

    de corpo e alma formando uma unidade, a sade integral pode ser considerada um

    estado em que as vrias funes corporais se desenvolvem em conjunto, de uma formaharmoniosa, seguindo um padro de informao cuja origem a conscincia. Em

    contrapartida, o estado em que uma das funes falha, comprometendo a harmonia do

    todo, pode-se chamar doena. (Dethlefsen; Dahlke, 2001:14).

    O processo de cuidado com a doena no linear, como geralmente o mdico

    espera e considera. O indivduo enfermo, depois de se perceber doente, pode se

    comportar de formas variadas, a depender de sua vida socioeconmica e cultural. Sua

    disponibilidade de tempo e a acessibilidade aos servios de sade dependem da sua

    condio econmica, por exemplo. A durao de um tratamento pode requerer um

    suporte familiar, algumas vezes indisponvel, outras, no desejado pelo enfermo, por

    causa do constrangimento de afetar outrem, o que interfere na sua continuidade.

    O processo de recuperao da sade, assim, dinmico, e tanto a percepo

    quanto a expectativa dos profissionais de sade e do enfermo so diferentes. Na lngua

    inglesa, esse hiato evidenciado pelo vocabulrio: a doena (illness) diagnosticada pelo

    mdico diferente daquela que se traduz no mal-estar do indivduo (sickness).

    Desse modo, compreende-se que o processo de adoecimento no deve ser

    encarado somente pelo prisma anatomofisiolgico, porque envolve o ser humano em

    7Mehry et al.(2002:120-121) utilizam o conceito de tecnologia como um determinado modo atravs doqual o trabalho, como ao intencional, apropria-se de insumos no intuito de produzir coisas, que

    podem ser materiais ou simblicas. Assim, diferencia-se a tecnologia-equipamento da tecnologia-saber.No campo da sade, classificam-se as tecnologias em leves (tecnologias de relaes do tipo produo devnculos, autonomizao, acolhimento, gesto como uma forma de governar processos de trabalho), leve-dura (saberes bem estruturados, como a clnica mdica, a clnica psicanaltica, a epidemiologia, otaylorismo, o fayolismo) e dura (mquinas, normas, estruturas organizacionais).

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    sua plena complexidade, dependendo inclusive de fatores pouco ponderveis. Para cada

    concepo de sade e de doena que houver, corresponder um conceito diferenciado de

    integralidade. Julga-se que, quanto mais amplo ele for, melhor ser a ateno aos

    indivduos, porque estes sero respeitados em sua autonomia e integridade. Esse

    pressuposto permear a anlise que o presente estudo se prope.

    1.3 A MEDICALIZAO8DA DOENA E A HUMANIZAO

    Em anlise a partir do sculo XVIII, Caponi divide as motivaes do

    compromisso com a pessoa que sofre. Primeiro, em uma tica compassiva9 ou da

    compaixo, defendida por Rousseau e criticada por Nietzsche e Hannah Arendt, por ser

    uma relao desigual. Segundo, por uma tica utilitarista, prpria das polticas

    filantrpicas do sculo XIX em que emerge a clnica, o hospital medicalizado e a

    medicina social, estudada por Foucault e Rosen, com estratgias de organizao dos

    espaos e de controle do tempo prprias da sociedade disciplinar e das intervenes

    polticas fundamentadas no utilitarismo (Caponi, 2000:10-11).

    O processo de medicalizao da doena um fenmeno recente. O advento do

    hospital medicalizado coincide com a adoo da cincia como orientadora das prticas

    de assistncia. Ao mdico cabe juntar os signos de uma doena, a fim de chegar a

    um sentido unvoco preciso, o diagnstico. Espera-se que um mdico a respeito das

    doenas que afligem os humanos seja o mais objetivo possvel (Tavares, 2002:2).

    Essa objetividade fez com que fosse posto de lado o carter subjetivo do

    relacionamento da assistncia hospitalar, agora gerenciada pelo mdico. Este, como

    gestor hospitalar, rebate seu discurso no espao, dando prioridade s aes objetivas

    cujo foco o combate doena. A supervalorizao de procedimentos concebida

    como sendo a razo de ser dos profissionais, confundindo os meios com os fins

    (Rollo, 2002:324).

    8Medicalizao segundo Caponi (2000), a assistncia sade sob a responsabilidade do profissionalmdico.9 Caponi (2000) classifica a tica do cuidado sade em compassiva (praticada como forma decompaixo), utilitarista (praticada como forma de controle sanitrio pelas classes dominantes), e de

    justia (prestada sob os princpios de liberdade, igualdade e diferena).

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    A cientificidade da Medicina e a ampliao da possibilidade de superar a morte

    fazem da doena e da cincia os instrumentos de triunfo do mdico. A relao mdico-

    paciente perde espao, e ao mdico atribuda uma posio divina.

    Um dos reflexos espaciais dessas relaes , por exemplo, o leito hospitalar. O

    indivduo posto ali, sob a tutela de um mdico ou de uma equipe, e estar disponvelpara ser submetido aos procedimentos determinados por eles. Como regra nos

    processos de produo em srie, estaro, na maioria das vezes, enfileirados, numerados

    e ordenados, de forma a facilitar todos os servios para a equipe cuidadora.

    Em geral, so agrupados de acordo com sua enfermidade, de modo a ser o mais

    uniformemente tratados. Desta maneira, a individualidade dos enfermos posta de lado,

    pois a personalizao de servios demanda, entre outros elementos, tempo, dilogo,

    recursos humanos e diversidade de espaos para vivncias pessoais.

    O resgate da percepo subjetiva do paciente tem sido considerado relevantepara uma evoluo da assistncia. Esse processo denominado humanizao. No

    entanto, tem-se percebido que, nos trabalhos de humanizao dos servios de sade, a

    menor participao da classe mdica, que comumente faz parte das equipes gestoras.

    Uns alegam falta de tempo, outros, uma responsabilidade profissional alm da dos

    demais.

    Tavares (2002) no atribui esse distanciamento a uma desumanidade, pois o

    mdico, dentro de sua subjetividade, experimenta angstias, medos e anseios, e sim,

    resistncia em se envolverem com atividades alheias categoria mdicae ao receio de

    pr prova os ideais do discurso mdico, em que no h espao para a subjetividade,

    predominando a objetividade e a cientificidade.

    Segundo Betts (2002:1), a falta de dilogo adequado s relaes entre pacientes

    e profissionais da sade tem sido considerada uma das barreiras ao processo de

    conquista da integralidade na ateno sade. Em suas palavras: Sem comunicao

    no h humanizao. A linguagem faz parte da construo de uma rede de sentidos que

    compem nossa identidade cultural. Dentro dessa dinmica, a palavra considerada

    capaz de transformar e produzir, ou de destruir, ento, humanizar garantir palavra a

    sua dignidade tica.

    A tica utilitarista e a compassiva so consideradas desumanizantes, visto que

    pem os princpios de utilidade ou religiosidade acima do sujeito, sem que haja

    possibilidade de participao ou dilogo coletivo para a tomada de deciso. Tambm

    desumanizante a falta de condies tcnicas, de capacitao ou de materiais que

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    importam em m qualidade de atendimento e baixa resoluo. Tais situaes geram

    conflito entre profissionais e usurios.

    Um processo de humanizao a solidariedade, desde que vista como

    preocupao de universalizar a dignidade humana, que precisa da mediao das palavras

    faladas e trocadas no dilogo com o outro para poder generalizar-se (Caponi apudBetts,2002:1).

    Humanizar a assistncia, exercendo a cidadania, requer a capacidade de dilogo

    entre os usurios do EAS, sejam eles profissionais direta ou indiretamente envolvidos,

    pacientes, acompanhantes e comunidade, representada geralmente por grupos

    voluntrios.

    A conquista da humanizao depende da implantao de prticas da

    hospitalidade no ambiente de assistncia sade, o que muito contribuiria para a

    qualidade de vida de todos os atores do processo. interessante fazer algumas ressalvas em relao s prticas no humanizadas e

    responsabilidade da categoria mdica. Deve-se ressaltar que a busca de cientificidade

    e de uma suposta objetividade compartilhada pela grande maioria dos profissionais de

    sade, como um todo, desde a formao at sua atuao.

    Embora isso seja mais evidente em relao ao mdico, porque ele ainda

    concentra boa parte do poder de deciso e do controle, conseqentemente, da

    responsabilidade pelas aes, nenhuma das categorias de sade est isenta desta

    desumanizao, porque a referncia do saber em sade comum a todas elas, e a

    Medicina continua sendo o parmetro de conduta para a grande maioria.

    relevante ponderar isso, para evitar que se confundam estas crticas com um

    posicionamento semelhante ao daqueles profissionais que se aproveitam da

    possibilidade de responsabilizar uma categoria, para conquistar espao em uma luta por

    poder, sem se importar, de fato, com o usurio dos servios.

    No se trata de atenuar a situao dos mdicos ou de enfermeiros, e sim, de no

    isentar qualquer das outras categorias que tratam do que medicalizvel ou o

    conjunto de experts em assistncia (Caponi, 2000:12) da necessidade de refletirem

    sobre suas condutas e suas referncias, que podem no ser to melhores, a no ser por

    no terem a responsabilidade de deciso, o que as torna menos visveis.

    O que est em jogo a possibilidade de dar autonomia ao paciente, de poder

    resgatar sua dignidade, de torn-lo cmplice no processo de cura, sem excluir-lhe a

    palavra, os movimentos, as vivncias.

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    Sabe-se que no h uma ruptura entre as polticas fundadas na tica compassiva

    e aquelas do utilitarismo clssico. Existe ainda continuidade e complementaridade, mas

    se espera que se busquem alternativas para as estratgias de biopoder10 que

    interferem em nossa existncia, na medida em que cuidam de nossa sade, vigiam

    nossos movimentos, discutem nossa sexualidade, administram nossa fora de trabalho eassistem nossas necessidades mais elementares. Isso s possvel, porque as

    tecnologias mdicas, quando lidam com o corpo dos indivduos, faz deles algo prximo

    a coisas manipulveis (Ibidem:10-12).

    Se a prioridade da assistncia sade o bem-estar dos enfermos e sua

    recuperao, necessrio que o planejamento arquitetnico dos EAS tenha, como

    objetivo, criar no s as condies necessrias realizao dos procedimentos mdico-

    cirrgicos, mas tambm proporcionar s pessoas ambientes humanizados. Isso ser

    considerado mais frente, ao se proceder anlise aqui proposta.

    1.4 O HOSPITAL AT O SCULO XVIII BREVE HISTRICO

    A palavra hospital, com o radical hosp, tem origem no latim. Deste radical, na

    lngua original, derivam vrias palavras com a atribuio de acolhimento, cujas

    variaes envolvem o sentido de hospedaria, asilo, hotel ou hospital. Assim, por

    exemplo, os termos significam:

    hospitalis, e.- o que d hospedagem ou pertence hospedagem; benigno para

    os hspedes;

    hospitiolum, i- pequeno hospcio ou hospedaria (Cretela & Cintra, 1953).

    Estas variaes esto presentes na anlise feita por Miquelin (1992:28-40) sobre

    o processo de transformaes das anatomias hospitalares. Das referncias histricas,

    podemos perceber a sobreposio das funes de abrigo e ateno sade at o sculo

    XVIII, a qual se pode sintetizar da seguinte forma:

    Na Antigidade, eram utilizados, para o atendimento sade, os prticos e os

    templos. Em geral, no havia local especfico.

    Na Grcia, a hospitalidade era uma obrigao da sociedade, no s do cidado.

    Havia trs tipos de locais voltados ao atendimento sade e ao abrigo: os pblicos,

    10Conceito criado pelo filsofo francs Michel Foucault para designar um tipo de poder que se exercesobre a vida dos corpos individuais e coletivos (Biopouvoir, 2006)

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    laicos e geridos pelo Estado; os privados - casas estabelecidas pelos mdicos para

    atendimento a sua clientela (Iatria); os religiosos - templos de Asclepade, localizados

    em bosques e prximos gua corrente.

    Em Roma, a influncia dos templos gregos deu origem s Valetudinrias,

    dedicadas aos legionrios e escravos, e s Termas, grandes estruturas em que haviasaguo, vestirios, piscinas descobertas, salas de banhos frios e quentes e sauna, com

    reas para relaxamento dos cidados mais importantes e outras para terapia e cura.

    No Oriente, desde o sculo III a.C., havia hospedagens para os peregrinos, as

    quais foram gradativamente se tornando tambm abrigos para os necessitados e doentes.

    No mundo islmico, a caridade e o auxilio foram princpios de moral e religio

    herdados do budismo e do cristianismo, cujos modelos de edifcios foram copiados.

    Na Europa, durante o Conclio de Nice, em 325, a Igreja recomenda que cada

    vila reserve um local separado para o abrigo dos viajantes enfermos ou pobres(Ibidem:33). Em atendimento a essa determinao, vrios hospitais foram construdos.

    Durante a Idade Mdia, os hospitais eram, em geral, anexos s igrejas ou aos

    templos. Comeam a ser separadas as funes de alojamento e logstica, e os pacientes,

    por doena e sexo.

    Porm, estes hospitais que, at o sculo XVIII, eram instituies de assistncia

    aos pobres, eram tambm de separao e excluso. O corpo assistencial hospitalar era

    composto por pessoas que no precisavam estar capacitadas para realizar a cura, mas

    sim, a conseguir a prpria salvao. Ali se misturavam doentes, loucos, devassos e

    prostitutas (Foucault, 2002:102).

    No fim do sculo XVIII, os hospitais e os asilos eram gigantescos e possuam

    alto ndice de insalubridade e mortalidade. O ponto inicial de mudana atribudo aos

    estudos que foram realizados, nos hospitais europeus, no final daquele sculo, visando a

    obter subsdios para a reconstruo do Htel-Dieu de Paris, o mais importante hospital

    da Frana, destrudo por um incndio.

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    1.5 A ARQUITETURA COMO INSTRUMENTO TERAPUTICO

    As transformaes do hospital religioso, ao final do sculo XVIII, em hospital

    teraputico, local da prtica mdica e cientfica, um dos principais temas de Foucault

    (2002:100-111).

    Naquele perodo, j se reconhecia que nem a teoria mdica era capaz de

    estabelecer um programa hospitalar, nem um plano arquitetnico abstrato poderia forjar

    um bom hospital. Considerava-se o hospital um objeto complexo de que se conhece

    mal os efeitos e as conseqncias, que age sobre as doenas e capaz de agrav-las,

    multiplic-las ou atenu-las (Ibidem:100). Os resultados desses estudos indicaram a

    necessidade de mudana, que deveria se pautar pela anulao dos efeitos negativos do

    hospital. Para isso, era necessrio estabelecer tcnicas de interveno disciplinares e

    mdicas sobre o meio, as quais envolviam:

    o reconhecimento de quo importantes so a escolha do local de implantao

    do hospital, a garantia das boas condies sanitrias do seu stio e o estudo

    detalhado da sua distribuio interna em funo de critrios que

    individualizassem ao mximo o espao.

    a mudana do sistema hierrquico no hospital, pois, quando este concebido

    como espao de cura, o poder passa para o mdico, cuja atuao aumenta em

    todos os procedimentos, inclusive, no controle econmico da instituio,ocasio em que surge a figura do grande mdico de hospital, aquele cuja

    sabedoria medida pela experincia hospitalar;

    a organizao de um campo documental hospitalar como forma de registro,

    acmulo e formao do saber mdico, momento em que aparece a clnica,

    como dimenso essencial do hospital, visto agora como lugar de transmisso

    de saber, disciplinamento do espao hospitalar que permite curar; o indivduo

    emerge como objeto do saber e da prtica mdica individual e coletiva, uma

    vez que o seu registro ser associado a outros, que daro subsdios aosconfrontos para a explicao de fenmenos coletivos.

    No contexto dos estudos para a reconstruo do Htel-Dieu, ocasio em que se

    reconheciam as possveis repercusses insalubres ou teraputicas do espao hospitalar

    sobre os enfermos, o mdico era o principal responsvel por sua organizao.

    Constatou-se o valor do planejamento do espao fsico no processo teraputico, que

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    envolvia a organizao desde a implantao do edifcio at a individualizao espacial

    para o paciente, apontando para a necessidade de estabelecer normas arquitetnicas.

    Essas normas visavam a garantir no s a salubridade e o melhor efeito do ambiente na

    recuperao da sade, mas tambm, a gerar uma reflexo para a gesto e um saber a

    respeito de tal questo. possvel entender que a existncia de uma norma, como a RDC-50, para

    ordenar projetos de EAS, fruto desse reconhecimento. A ambio desse trabalho

    participar da construo da referida reflexo, com o intuito de recomendar mais

    aperfeioamentos para a norma.

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    2. PLANEJAMENTO TRANSDISCIPLINAR, ARQUITETURA

    E TIPOLOCIA HOSPITALAR.

    No Brasil, a RDC-50 um instrumento normativo para o planejamento de EAS,

    porm comum que os planejadores no campo da sade, inclusive os arquitetos, no

    consigam vislumbrar todas as dimenses inerentes a ele. Planejar em sade ter um

    olhar para cada dimenso que pode afetar o ser humano.

    Os problemas relacionados sade tm concentrado a ateno crescente de

    organizaes internacionais, nacionais, dos governantes das diferentes esferas, dos

    especialistas e principalmente dos usurios dos servios de sade (Cohn e Elias

    2003:60). A Conferncia de Alma-Ata, realizada h quase trs dcadas, em 1978, e

    patrocinada pela OMS, foi um dos marcos para a difuso do iderio da sade como um

    bem universal e desejvel a ser atingido. H grande mobilizao de segmentos sociais

    para anlise e busca de solues, a fim de melhorar o nvel de sade, existindo

    diversidade de enfoques e alternativas de como organizar, produzir, administrar e

    financiar as aes dos servios. O objetivo influenciar o Estado na formulao e na

    implementao de polticas, sobretudo, as da rea de sade que melhor atendam s

    demandas e necessidades da populao (Ibidem: 62).

    Segundo Mendes (2001), h consenso de que os sistemas de servios de sade

    vivem crise em escala planetria, a qual se manifesta em quatro dimenses principais: a

    iniqidade, a ineficincia, a ineficcia e a insatisfao dos cidados. No entanto, h

    profundas divergncias sobre como explic-la e sobre o que fazer, para super-la.

    Para isso, h que seguir-se uma vontade de ordenar o futuro, de se determinar

    uma tcnica ou techn, saber prvio aplicvel a toda e qualquer situao no campo da

    sade. Campos (2003:20) sugere que se repense a forma de planejar em sade, que se

    crie uma pausa, um espao-tempo para a pergunta. necessrio o Planejamento em

    Sade? De onde vem essa vontade de ter uma receita pronta? Considera-se que o futuropossa ser visto com esperana e que, apesar de incontrolvel, plstico, passvel de ser

    influenciado pela ao deliberada e racional.

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    No entanto, Campos (Ibidem:25-26) tambm compara o planejamento em sade

    com um labirinto sem sada, como uma aporia11. Ainda assim, prope uma busca do

    sentido das prticas, do fio que as guie no labirinto sem sada, com ouvidos bem abertos

    s vozes da tradio e o cuidado na investigao. Isso significa que cabe ao planejador

    em sade buscar caminhos, no labirinto, movido pelo desejo ou mesmo pela paixo,que, no presente caso, seria o de organizar os servios de sade para o atendimento aos

    princpios do SUS. Esse caminhar deve ser considerado um processo em construo,

    sempre mutante.

    O planejamento pressupe o esclarecimento, que, s quando pensamento

    crtico, pode nos salvar, mas, quando tratado como ontologia, adquire valor em si e

    acarreta o perigo da destruio (Adorno & Horkheimer apud Campos, 2003:23).

    Assim, necessrio que haja reflexes sobre as atividades e sobre o sentido da cincia

    como formuladora desse esclarecimento.Questiona-se a possibilidade de o planejamento constituir uma prxis

    libertadora, subsidiar um saber-comoatingir objetivos, sem esmagar os sujeitos e suas

    singularidades, ou procurar novas fontes em outras disciplinas.

    2.1 O ESCLARECIMENTO TRANSDISCIPLINAR

    No so poucos os autores, os estudiosos e os profissionais de sade que

    procuram contribuir com crticas e reflexes sobre as relaes no servio de sade, cujo

    teor pode ser de grande valia para o planejamento fsico do EAS. importante estar

    atento aos rudos que possam contribuir para o esclarecimento do vasto e complexo

    campo da sade, em que se insere a Arquitetura Hospitalar.

    preciso estabelecer novas prticas de assistncia sade as quais ampliem as

    aes alm das atividades teraputicas tradicionais. Para isso, importante transferir o

    foco do atendimento, hoje na doena, para o indivduo, dentro de uma viso

    salutognica, ampliando o raio de utilizao do espao hospitalar pelo paciente, cujo

    ponto central o leito (Fig. 3 a 5).

    11Aporia embarao, incerteza em uma discusso ou pesquisa. Fil. em Aristteles, problema lgico,contradio, paradoxo nascido da existncia de raciocnios igualmente coerentes e plausveis quealcanam concluses contrrias. (Houaiss, 2001).

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    NECESSIDADES DOS PACIENTES:

    FIGURA 3 - RELAES INTERPESSOAIS FIGURA 4 - ESPAOS BSICOS DO PACIENTEINTERNADO.

    P PacienteA Acompanhante

    C CuidadoresAD AdministraoV - Visitantes

    L LeitoE Enfermaria

    C CirculaoAT Ambientes de terapiasE Exterior

    FONTE: Elaborado pela autora.

    FIGURA 5- LUGARES ALTERNATIVOS AO LEITO.

    POLTRONA

    LEITO

    MESA DEREFEIO

    MESA DEESTAR

    SALA DEESTAR

    ESPAOSEXTRAEAS*

    AUDITRIOBIBLIOTECA

    BRINQUE-DOTECA

    JARDIM

    FONTE: Elaborado pela autora.NOTA: * Passeios programados para cinemas, parques, teatros.

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    Com enfoque na interseo entre sade e meio ambiente, Dubos (apudvila-

    Pires, 2000:187) alerta para o excesso de cuidados com diagnstico e patognese das

    doenas, em detrimento do controle do ambiente exterior, que a Medicina negligencia,

    apesar de j ter sido provado ser o seu recurso mais poderoso.

    Essa insero do ser humano no debate ambiental importante para que seestabelea uma troca de conhecimentos que garantam dois direitos fundamentais: a

    sade (art. 196-CF/1988) e o meio ambiente saudvel (art. 225-CF/1988). No so

    freqentes polticas que tenham o alcance de fazer a interseo necessria entre estes

    saberes.

    Para a composio do edifcio de EAS, o enfoque ambiental torna-se relevante,

    visto que se busca criar ambientes onde usurios, pacientes e corpo clnico possam

    desenvolver atividades voltadas para a convivncia e a humanizao, as quais

    favoream a sade integral. Com isso, tanto o espao construdo interno quanto oexterno devem permitir o contato com a natureza, principal ponto de referncia do ser

    humano.

    Vale considerar o conceito de Hundertwasser, em que o homem teria cinco

    peles: epiderme, roupa, casa, identidade e natureza (Restany, 2002). Essa viso

    representa a necessidade de integrao do homem com todas as dimenses dos seus

    invlucros de forma harmoniosa e feliz.

    Se essa proposta vlida, pode-se refletir que o paciente, quando interno,

    obrigado a abrir mo de vrias de suas dimenses ou cinco peles: tem sua epidermee

    corpo disponveis aos procedimentos clnicos, usa roupasdo hospital, est fora de sua

    casae em ambiente estranho, tem sua identidadecomprometida pelo afastamento de

    suas atividades, sua famlia e sua comunidade e geralmente perde a mobilidade, o

    contato com a naturezae a noo do tempo.

    Essa situao de vulnerabilidade em que se encontra o paciente, semelhante de

    um estrangeiro, conforme evocado na seo 1.1 deste trabalho, demanda uma

    abordagem transdisciplinar, alm dos procedimentos tradicionais, caso se queira

    amenizar o sofrimento, facilitar a restituio do bem-estar e proporcionar um

    atendimento condizente com o princpio da integralidade.

    A Arquitetura tem papel decisivo nessa tarefa, mas a maioria dos edifcios de

    assistncia sade ainda so planejados, projetados e construdos, a partir de demandas

    por espaos para equipamentos mdico-hospitalares e de procedimentos mdicos que

    focam as doenas dos indivduos, isto , h hegemonia de tecnologias duras e leve-

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    duras. As tecnologias leves, relacionadas ao acolhimento e ao bem-estar, embora sejam

    to relevantes quanto as anteriores para o processo teraputico, so comumente

    consideradas suprfluas concepo do ambiente hospitalar.

    O HumanizaSUS tem articulado vrios nveis de ateno sade no pas, com a

    tarefa de produzir debates e promover aes para sade e cidadania. Espera-se, comisso, mudar a cultura da ateno aos usurios e da gesto dos processos de trabalho.

    Um dos grandes entraves so os vcios da gesto arcaica, que dificultam a

    convivncia e o dilogo necessrios s prticas de humanizao, impedindo a

    aproximao e o comprometimento entre os diversos atores necessrios renovao e

    evoluo da assistncia.

    Problemas de gesto em sade tm como principais conseqncias desvios no

    que deveria ser o foco da sua ateno. Os servios de sade, pela riqueza de suas

    relaes, exigem cautela, para que no se desvie da premissa de que o propsito doplanejamento em sade a sade (Malik: 2003).

    Tal propsito, segundo Hsiao12 (apud Mendes, 2001:18), traduzido em trs:

    proporcionar um timo nvel de sade, distribudo eqitativamente; prover um grau

    adequado de proteo em relao aos riscos de adoecer, para todos, e satisfazer as

    expectativas de todos os cidados. H dificuldade em alcanar esses propsitos, e

    possvel que apaream problemas decisionais graves, pelas caractersticas dos servios

    de sade, que envolvem o conjunto dos cidados por toda a vida e lidam com o corpo

    humano, a um tempo seu sujeito e objeto.

    claro que, para vislumbrar a possibilidade de cumprir esses propsitos,

    teremos que trabalhar no campo da utopia13, compreendendo-a como instrumento do

    planejamento. A proposta de Bartholo Jr. e Burstyn (2001:184) de que o redesenho da

    utopia necessrio, devendo ser buscados modelos de renovao, em que a tica

    destina-se ordenao e regulao do poder de agir, mesmo sob as ameaas do poder

    cientfico-tecnolgico, fazendo valer o princpio da responsabilidade sob o mandamento

    de que exista humanidade.

    Nesse sentido, o SUS tem procurado resgatar a humanidade como valor, atravs

    de vrios programas. No entanto necessrio acelerar a evoluo cientfica no campo

    da sade, renovar critrios, mudar estruturas e tcnicas operacionais, racionalizar a

    12HSIAO, W. What should macroeconomists know about health care policy? a primer. InternationalMonetary Fund, IMF Working Paper n.o0/136, 2000.13Qualquer descrio imaginativa de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituies

    poltico-econmicas verdadeiramente comprometidas com o bem estar da coletividade. (Houaiss, 2001)

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    utilizao de recursos, melhorar as condies de sade coletiva e do ambiente, como

    imperativos indeclinveis de uma moderna estratgia social (Dias, 2004:279).

    2.2 A ARQUITETURA DE ATENO SADE

    Atualmente, existem movimentos que indicam uma tendncia de que o espao

    de EAS possa ser gerido, de forma participativa, por todos os profissionais da sade,

    como maneira de aperfeioamento da qualidade, de modo a incorporar ao planejamento

    percepes mais completas das prticas assistenciais.

    Cabe, portanto, refletir sobre o perfil do EAS contemporneo e do EAS ideal.

    Sabe-se que tanto a gesto quanto as tipologias de EAS padronizadas so indesejveis,

    se no atendem s necessidades socioculturais de seus usurios. A reflexo, ento, recai

    sobre a essncia do servio de ateno sade, como acolhedor das vivncias dos

    enfermos, para alm de suas limitaes fsicas ou biolgicas.

    preciso corrigir as redues cometidas nos hospitais destinados a tratar apenas

    o corpo biolgico. Ainda que nos hospitais prime uma nfase nos processos curativos

    que operam sobre o corpo (biolgico), eles mantm sua condio de produto social, e de

    espao de trocas intersubjetivas, que acontecem sobre os corpos, nos corpos e alm dos

    corpos biolgicos (Campos, 2006:1).

    Se necessrio mudar as prticas de sade, para que sejam obedecidos os

    princpios do SUS, os espaos dos EAS devero acompanhar essas mudanas.

    Isso significa que a regulao e a normatizao da Arquitetura de EAS feita pela

    ANVISA precisa extrapolar a viso sanitarista e de vigilncia e ampliar seu foco para

    alm do controle de risco, a exemplo do que ocorre com a RDC-50, seu principal

    instrumento normativo.

    A RDC-50 parece no ter o necessrio contedo que oriente os gestores para o

    planejamento, a programao, a elaborao e a avaliao de projetos fsicos, de modo

    que atendam aos princpios do SUS, o que se pretende demonstrar especialmente no

    captulo 6 deste estudo. Essa regulamentao relativamente recente, sendo a

    construo da rede hospitalar brasileira anterior a ela.

    Pode-se constatar que a maioria dos servios pblicos de sade brasileiros possui

    estrutura fsica obsoleta e modelos antigos de gesto e atendimento teraputico, em que

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    o foco da ateno ainda o risco ou a doena. Tal situao produz, via de regra,

    confinamento e degradao da qualidade de vida dos usurios, pacientes e profissionais

    de sade.

    Nesse contexto, a Arquitetura Hospitalar precisa evoluir pari passu com as

    tendncias do sistema e transformar-se em Arquitetura de Ateno Sade, cujo objetodeve ser ampliado, visando integralidade dos sujeitos e ao acolhimento espacial das

    relaes que se estabelecem nos servios de sade.

    2.3 AS PRIMEIRAS RECOMENDAES PARA PROJETOS

    HOSPITALARES.

    Um dos clebres conjuntos de recomendaes para projetos hospitalares foi

    elaborado por uma comisso da Academia de Cincias de Paris, em que participavam

    Lavoisier, Laplace e Tennon, entre outros, os quais estabeleceram diretrizes que

    nortearam, por mais de um sculo, a construo hospitalar (Ges, 2004:10).

    Essas recomendaes foram feitas em resposta a um projeto de hospital, com

    5000 leitos, o qual substituiria o Htel-Dieu em Paris, que possua 1700 leitos, quando

    incendiado em 1772. As recomendaes foram as seguintes:

    1. O nmero de leitos nunca excederia 1.200;

    2. Reduzir-se-ia o nmero de leitos por enfermaria;

    3. Haveria maior isolamento entre as en