Arquitetura Em Concreto Aparente

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    Arquitetura institucional em concreto aparente em Florianpolis/SC e suas repercusses no espao urbano da cidade entre 1970 e 1985

    Melissa Laus Mattos Mestranda em Urbanismo, Histria e Arquitetura da Cidade

    Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Florianpolis/SC, Brasil

    Rua Felipe Neves, 410 Bloco B3 Apto 302 Florianpolis SC CEP 88070-760 Fone: 48 3244-9413 e 48 99121987, Email: [email protected]

    Maria Ins Sugai Prof Dr Arquitetura e Urbanismo FAU-USP

    Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Florianpolis/SC, Brasil

    Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Campus Universitrio Trindade Florianpolis SC CEP 88040-900

    Fone: 48 37219393, Fax: (48) 37219550, Email: [email protected]

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    Arquitetura institucional em concreto aparente em Florianpolis/SC e suas repercusses no espao urbano da cidade entre 1970 e 1985

    A produo arquitetnica nacional entre os anos de 1970 e 1985 fragmento ainda pouco presente na historiografia arquitetnica brasileira. A tradio linear dos relatos histricos no guarda lugar adequado a este perodo de criaes arquitetnicas altamente relevantes e simblicas de uma busca por uma nova identidade nacional expressa tambm no campo do espao construdo. A trade Movimento Modernista, Braslia e Ps Braslia que habitualmente capitula a histria recente da arquitetura brasileira vm relegando a produo arquitetnica freqentemente denominada escola paulista ou brutalismo paulista papel de coadjuvante no cenrio nacional.

    Dentre as razes podemos supor, entre outros: 1) a relativa heterogeneidade da produo arquitetnica do perodo, ou seja, a dificuldade de reconhecimento de uma unidade (neste caso formal) que abarque suas obras; 2) a oposio escola modernista carioca, subentendida a este tempo como a prpria escola brasileira em arquitetura; 3) a dificuldade de atrelamento tico e terico do movimento com o movimento do novo brutalismo ingls (embora seja comum encontrar essa associao, presente mesmo em uma de suas nomenclaturas brutalismo paulista e; 4) por ltimo, percebe-se tambm uma freqente relao entre a produo arquitetnica do perodo com circunstncias polticas nacionais negativas: o golpe militar de 64 e a ditadura posterior que, de certo modo, atravs de sua postura desenvolvimentista, foi batizar inmeros exemplares da arquitetura institucional erguidos entre as dcadas de 60, 70 e meados de 80.

    Em Florianpolis, no diferente do resto do pas, o estudo, a avaliao, e mesmo a crtica da arquitetura produzida neste perodo nunca teve vez, ainda que sejam algumas das edificaes de arquitetura mais significativas na paisagem construda da cidade. Menos ainda um olhar crtico sobre sua posio de, ao mesmo tempo resultante e agente de impacto no cenrio urbano da cidade.

    Neste artigo apresentamos os resultados parciais de pesquisa acadmica cujo objetivo primeiro o de estudar e resgatar para a historiografia da arquitetura brasileira e para a histria do municpio de Florianpolis a arquitetura institucional em concreto aparente entre os anos de 1970 e 1985, verificando ainda suas possveis conexes com a chamada escola paulista de arquitetura e investigando a relao da arquitetura produzida em Florianpolis neste perodo com o contexto poltico e social do pas, em particular o regime militar vigente na poca. Objetiva-se, alm disso, apresentar observaes acerca da inter-relao entre as propostas urbanas previstas para a cidade da poca e a produo desses exemplares de arquitetura.

    Palavra Chave: Arquitetura Moderna, Arquitetura Institucional, Concreto Aparente

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    Arquitetura institucional em concreto aparente em Florianpolis/SC e suas repercusses no espao urbano da cidade entre 1970 e 1985

    1. Breve Histrico

    O aparecimento do primeiro projeto relevante da arquitetura institucional em concreto em Florianpolis a Assemblia Legislativa do Estado, projeto vencedor de concurso em 1957, sob autoria de Paulo Mendes da Rocha, Pedro Paulo de Melo Saraiva e Alfredo Paesani coincide com o tempo das primeiras experincias na cidade de planejamento urbano, tal como o conhecemos hoje. No incio da dcada de 50 o municpio contratou uma equipe de arquitetos ligados prefeitura de Porto Alegre, que elaborou um plano diretor para o permetro urbano de Florianpolis, tornado lei em 1954. Quinze anos depois foi elaborado outro plano (escrito em 1969 e tornado lei em 1976) que acabou por vigorar at 1995. Ambos os planos, no entanto, tm em sua raiz a importao de conceitos modernistas de zoneamento funcional e a idia de progresso.

    Foi no perodo de vigncia do plano de 76 que se proliferaram os novos prdios administrativos na cidade. O contexto scio poltico tinha como caracterstica mais marcante a ditadura militar instalada no pas desde 64 e sua ideologia desenvolvimentista e de modernizao. Neste perodo Florianpolis vivia uma grande defasagem entre seu desenvolvimento urbano e os elementos para seu controle. A elaborao de um novo plano diretor seria poca um vetor de mudana scio-econmica.

    Corresponde ao perodo desenvolvimentista do incio da dcada de setenta, quando as determinaes tcnico-econmicas predominavam e todo o espao passa a ser enquadrado numa lgica estritamente funcional e estratgica. Se o plano anterior buscava o equilbrio na distribuio das funes, este caracterizava-se pela clara atribuio funcional aos diversos setores espaciais. Buscava a integrao com a rede urbana, atribuindo ao aglomerado urbano de Florianpolis em papel especfico, j sugerido pela sua condio de capital: ela devia tornar-se um grande centro urbano-industrial porturio (VAZ, 1991:57)

    A elaborao deste novo plano diretor fica a cargo do ESPLAN (Escritrio Catarinense de Planejamento Integrado), que adota o conceito da arquitetura e urbanismo modernos como meios para a criao de novas formas de associao coletiva, em outras palavras, as premissas da cidade funcional, ditadas no IV CIAM. Previa para Florianpolis, entre outras coisas, um claro zoneamento funcional, a construo de um porto e uma nova ponte ligando a ilha e o continente que ia dar em uma grande rea aterrada e ocupada por grandes edifcios modernistas de carter basicamente administrativo.

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    Figura 1 - Perspectiva do Plano Diretor de Florianpolis de 1969 (tornado lei em 1976). Fonte: ESPLAN. Plano de Desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis.

    Pouco do plano foi posto em prtica. O porto nunca foi construdo, o zoneamento no se implantou com tanto impacto, mas o aterro foi construdo e recebeu a nova ponte, projeto do arquiteto Pedro Paulo de Melo Saraiva. Saraiva foi responsvel poca pelo planejamento fsico da parte urbana da cidade, e foi atravs de seus projetos que Florianpolis viu construdo o primeiro exemplar dessa nova arquitetura que se implantava na cidade: o edifcio do Palcio da Justia, erguido no fechamento da perspectiva do aterro da Baa Sul.

    Figura 2 - Palcio da Justia e Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina ao final da rea aterrada ainda em obras. Fonte: Acervo do Palcio da Justia.

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    Muito embora Saraiva j em 1957 tivesse vencido concurso de projeto para a Assemblia Legislativa do Estado, feito em parceria com Paulo Mendes da Rocha e Alfredo S. Paesani (proposta nunca construda, que previa a verticalizao da ocupao j nesta poca), com seu projeto para o Palcio da Justia, de 1970, que vai se introduzir na arquitetura de Florianpolis alguns dos elementos da gramtica construtiva habitualmente relacionada a escola paulista de arquitetura. Esses elementos iro se repetir na grande maioria dos exemplares da arquitetura institucional em concreto na cidade: a estrutura externa e aparente, uma planta com um ncleo duro de servios e uma periferia em planta livre, o uso do concreto aparente, a simetria bilateral das plantas e uma eficiente distino funcional nos espaos.

    Figura 3 - Imagens da maquete do projeto vencedor do concurso para a sede da Assemblia Legislativa de Santa Catarina, 1957 - Saraiva, Mendes da Rocha e Paesani.

    (Nunca construdo). Fonte: Revista Projeto Design, nov. 2007.

    Na dcada de 70 junta-se a esta tradio da escola paulista a influncia da escola de arquitetura gacha, sobretudo na atuao do escritrio Liz, Cassol, Monteiro Arquitetos Associados, que vai ser responsvel por boa parte da arquitetura institucional nesses moldes na ilha. No final da dcada entra na mistura a influncia da arquitetura uruguaia (que j se fazia indiretamente atravs da escola gacha) pela atuao dos arquitetos Enrique Hugo Brena e Yamandu Carlevaro que introduziram tambm o estudo em pr-fabricao em concreto e argamassa armada.

    Figura 4 - Terminal Rodovirio Rita Maria - Enrique Brena e Yamandu Carlevaro. Esq: Acesso pblico. Fonte: Autora

    (2005). Dir: Montagem da cobertura em argamassa armada - Dc. 1980. Fonte: Acervo do Terminal Rodovirio Rita Maria.

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    Cabe observar que, assim como boa parte do pas, Santa Catarina s foi ter sua primeira escola de arquitetura j em finais dos anos de 1970. Em 1977, especificamente, tendo sua primeira turma formada apenas em 1982. Desta maneira, toda a arquitetura produzida oficialmente no Estado ficava a cargo de profissionais formados em outros Estados, em particular Rio Grande do Sul, Paran e So Paulo e Rio de Janeiro.

    Na dcada de 80 as novas obras j comeam a apresentar frisos e ornamentaes, abandonando lentamente a limpeza estrutural das edificaes. A dcada de 90, por sua vez, presencia o fim dessa corrente em Florianpolis. A morte do estruturalismo filosfico, duas dcadas antes, bem como o advento do ps-modernismo historicista, vai indicar novos rumos arquitetura na capital, e mesmo arquitetos antes filiados quelas tendncias vo partir para experincias completamente diversas.

    2. Objetivos da pesquisa Frente a este quadro geral, foi objetivo primeiro desta pesquisa estudar e resgatar para a historiografia da arquitetura brasileira e para a histria do municpio de Florianpolis a arquitetura institucional entre os anos de 1970 e 1985 - projetadas sob influncia da chamada escola paulista - e investigar suas possveis conexes com os conceitos de Brutalismo em arquitetura, inserindo assim a produo arquitetnica local no cenrio nacional e relacionando-a a produo internacional deste perodo to relevante mundialmente em termos histricos, filosficos e polticos.

    Para tanto, alm de pesquisa bibliogrfica sobre o momento histrico do pas e do municpio poca destas produes, lanamos mo tambm da realizao de estudos de caso de edificaes significativas tanto por sua fora simblica, quanto por sua presena formal e programtica, como por seu destaque na arquitetura da ilha de Santa Catarina. Atravs destes estudos buscamos tambm investigar a possvel relao entre a arquitetura institucional/administrativa produzida em Florianpolis entre 1970 e 1985 com os princpios ticos e estticos da chamada escola paulista, aprofundar conhecimentos e discutir sobre a validade da utilizao do termo brutalismo na classificao das edificaes estudada e investigar a relao da arquitetura produzida em Florianpolis neste perodo com o contexto poltico e social do pas, em particular o regime militar vigente na poca.

    Alm destes temas, especial ateno dedicada ao estudo da inter-relao entre as propostas urbanas previstas para a cidade da poca e a produo desses exemplares de arquitetura institucional /administrativa e seu papel de impulsionador (no formal, mas poltico) de vetores de ocupao do espao do municpio e o resultado espacial subseqente.

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    3. Metodologia

    Para alcanar os objetivos propostos, foi adotada metodologia mista de pesquisa, unindo fontes de carter primrio entrevistas semi estruturadas com os arquitetos, levantamentos arquitetnicos e fotogrficos dos edifcios eleitos como estudo de caso e fontes de carter secundrio, atravs de estudo bibliogrfico divido em trs momentos:

    1 - Pesquisa bibliogrfica para fundamentao terica, tendo por base inicialmente as discusses sobre arquitetura brasileira entre os anos de 1970 e 1985, as bases ticas e estticas da chamada escola paulista e aprofundamento da anlise das obras desta corrente arquitetnica e seus principais arquitetos, bem como literatura dedicada s questes da ocupao do espao urbano e as aes pblicas de que so resultado.

    2 - Pesquisa bibliogrfica para fundamentao terica voltada para os conceitos de Brutalismo em arquitetura, suas derivaes no cenrio internacional e a discusso sobre a possvel influncia na escola paulista.

    3 - Pesquisa bibliogrfica local, referente ao contexto histrico-poltico-urbano da cidade no perodo de implantao dessas arquiteturas (planos diretores, discusses sobre planejamento urbano local, publicaes, etc.).

    4. Discusso

    Apresentaremos na seqncia uma sntese das discusses levantadas no decorrer da pesquisa, com especial nfase na caracterizao da arquitetura institucional em concreto aparente em Florianpolis dentro do chamado Brutalismo, e na localizao dessas edificaes e sua conseqncia na construo do espao urbano de Florianpolis.

    4.1 Ser ou no ser Brutalista?

    O movimento brutalista, ou novo brutalismo, surge com este nome na Inglaterra em 1955 com a publicao do manifesto brutalista por Alison e Peter Smithson. Sua base tica fundava-se no respeito integridade, responsabilidade, verdade, objetividade, justa expresso do material, da construo e ausncia de revestimentos. (BARONE, 2002). Neste sentido, integridade e responsabilidade estavam relacionadas ao comprometimento do arquiteto com a sociedade, a cidade e sua estrutura. Como verdade entendiam o emprego de modos de construo que se evidenciassem atravs dos materiais e estruturas adotados.

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    O material se usava como se encontrasse; a justa expresso do material era a clara expresso das tcnicas construtivas e dos esforos de cada elemento estrutural empregado. Para os Smithsons, a lgica de pensamento e projeto poderia se manifestar no exterior, atravs da disposio espacial, da construo, dos materiais. Interessava a objetividade, de modo que a expresso do projeto viesse daquilo para que o edifcio servia, e no do gnio pessoal do autor. A imagem seria importante medida que traduzisse para o observador o edifcio. (BARONE, 2002).

    O uso dos materiais e dos sistemas construtivos as found expressa pelos Smithson vinha de uma necessidade de contrapor o padro populista da arquitetura oficial. Era, portanto, um preceito tico. Longe da apropriao puramente esttica que foi a que se reproduziu em maior escala e veio influenciar mesmo o Brasil e a escola paulista.

    Figura 5 - Escola secundria de Hunstanton, 1949-54 - Alison e Peter Smithson. Fonte: www.archiphoto.it

    Vilanova Artigas, um dos maiores expoentes da escola paulista chega mesmo a contestar essa influncia:

    As ltimas residncias que Carlos Millan construiu em So Paulo revelam uma tendncia para o que a crtica, em especial a europia, chama de Brutalismo. Um Brutalismo brasileiro, por assim dizer. No creio que isto se justifique de todo. O contedo ideolgico do Brutalismo europeu bem outro. Traz consigo uma carga de irracionalismo tendente a abandonar os valores artsticos da arquitetura, de um lado, aos imperativos da tcnica construtiva que se transforma em fator determinante Na obra de Millan, o uso dos materiais despidos deliberadamente simples a abertura de uma perspectiva de avano tcnico" (ARTIGAS, 88:78).

    Fernando Freitas Fuo, em seu artigo Brutalismo, a ltima trincheira do movimento moderno, afirma:

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    literalmente curioso observar que em toda a grande produo arquitetnica brasileira dos anos 60-70 com caractersticas descaradamente brutalista; seja em seu sentido tico social de uma busca pelos aspectos culturais de identidade, ou seja, exatamente pelo cdigo esttico de utilizao de materiais (concreto bruto, tijolos vista, instalaes aparentes, destaque das caixas dgua, destaque volumtrico de elevadores e escadas); no se faa referncia ao vocabulrio formal e terico dos Novos brutalistas. O discurso girava sempre em torno a descrio simplista do projeto, dos materiais, da criatividade estrutural, exaltava o aspecto revolucionrio do programa, a organizao no convencional da casa, a fluidez e polivalncia dos espaos, a simplicidade e a "pobreza" adequada dos materiais. (FUO, 2000).

    Cabe observar que a discusso acerca do significado do termo Brutalismo e suas diversas acepes (Brutalismo Corbusiano, Brutalismo Britnico, Brutalismo como estilo, definido por Banham, Novo Brutalismo, entre outros) no objetivo direto desta pesquisa. As diferenas conceituais e, sobretudo, o distanciamento do que usou chamar de Brutalismo no Brasil1, nos afastam tambm da utilizao deste termo na classificao das obras estudadas em Florianpolis.

    A influncia que se pode notar na expresso arquitetnica dos edifcios em concreto aparente em Florianpolis a partir de meados da dcada de 60, enquanto relao com Brutalismo , por assim dizer, de segunda mo, diluda no discurso da convencionada escola paulista ou respingo da influncia uruguaia na formao arquitetnica dos arquitetos graduados no Rio Grande de Sul, e que vieram a assinar boa parte dessas obras.

    4.2 A localizao das obras

    Florianpolis enfrentou, historicamente, uma srie de dificuldades para sua consolidao como centro urbano e como capital do estado de Santa Catarina. Desde sua fundao como Vila de Nossa Senhora do Desterro at meados do sculo XX, muitas foram as idas e vindas das polticas locais e nacionais que acabaram por manter a cidade margem do centro poltico e econmico brasileiro.

    Vaz (1991) aponta dois perodos histricos como os de maior impacto na paisagem local: o primeiro perodo seria a segunda metade do sculo XIX, com o crescimento da atividade porturia,

    1 O uso do termo Brutalismo para designar a arquitetura em concreto aparente no Brasil de meados d dcada de 1950 at meados da

    dcada de 1970, ganhou uso generalizado e acrtico tanto em meios editoriais quanto acadmicos. A despeito da enftica negao do movimento por parte dos principais atores dessa arquitetura no Brasil, encontramos at mesmo a definio de Brutalismo Caboclo, atribuda a Srgio Ferro e extensamente divulgada em publicaes de arquitetura. A prof e arquiteta Ruth Verde Zein em sua tese A Arquitetura da Escola Paulista Brutalista -1953 1973, desenvolve profunda discusso sobre a indefinio, sobre definio e atributos do termo Brutalismo e adota, por fim, o termo Brutalismo ao referir-se arquitetura da chamada escola paulista neste perodo, enfatizando, no entanto, o carter estilstico da expresso.

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    impulsionada pela imigrao europia para fins de ocupao territorial, que dinamizou as atividades de importao e exportao dos produtos regionais (farinha de mandioca, milho, feijo e arroz). O segundo perodo histrico referido data de meados do sculo XX, particularmente os anos entre 1950 e 1970, marcados no pas pela transferncia da hegemonia poltica para um setor social dominados pelos interesses do capital internacional (...) cuja conseqncia a formao das classes mdias urbanas e a ampliao do [setor] tercirio (VAZ, 1991: 32), e a introduo de um modelo de integrao de rede urbana.

    A partir da dcada de 50 o Estado adota aes por meio da elaborao de planos urbanos, alterao de legislaes de uso e ocupao do solo, implantao de equipamentos urbanos e grandes intervenes virias que vo reforar a ocupao das regies sob posse das elites locais que vo repercutir fortemente na estrutura urbana de Florianpolis.

    Dentre essas aes cabe citar o Plano Diretor de 1952 (tornado lei em 1955) que, na contramo do processo de consolidao da cidade como centro administrativo exclusivamente, propunha a adoo de atividades industriais modernas e dinmicas. Alm disso, o plano propunha a construo de um novo porto como fator importante para seu desenvolvimento econmico (PAIVA, 1952), a construo de uma avenida em direo ao norte da pennsula (futura av. Beira Mar), e a instalao de uma cidade universitria na rea do atual aterro da Prainha, abrangendo, deste modo, com o plano, todo o limite urbano em vigor at ento.

    Figura 6 - Ilustrao do Plano Diretor de 1952 - Vista do projeto de ocupao da Baa Sul. Fonte: PAIVA, Edvaldo, RIBEIRO, Demtrio e GRAEFF, Edgar. Florianpolis : Plano Diretor.

    Porto Alegre : Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 1952.

    Pouco do plano foi posto em prtica, como a construo, quase 15 anos depois, da av. Beira Mar Norte (pavimentada em 1969). Cabe observar, no entanto, que a proposta de implantao da cidade universitria na regio da Prainha foi objeto por anos de uma extensa e acirrada disputa

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    poltica regional, sendo vencida uma dcada depois pelo grupo que desejava sua implantao no interior da pennsula.

    [A] atrao pelos balnerios situados ao norte e a leste da ilha impulsionava e direcionava o eixo de expanso das reas residenciais das camadas de mais alta renda, que se desenvolviam na rea norte da pennsula. Os bairros situados nordeste-leste da rea urbana central, em especial a Agronmica e a Trindade, constituam-se, portanto, na passagem para aqueles balnerios e no eixo natural de expanso urbana. A implantao do campus universitrio da UFSC na Trindade constituiu-se, portanto, numa interveno que procurava marcar a rea como futuro local para ocupao e expanso das elites, evitando intervenes que viessem a desvalorizar a regio, como aquelas efetuadas ali em dcadas anteriores (cemitrio, penitenciria, aterro sanitrio, etc.) Tratava-se (...) da abertura de novas frentes para o capital imobilirio (SUGAI, 1994: 90)

    Pode-se observar tambm, atravs da polmica sobre a implantao da universidade, que j neste perodo nasce a idia hoje enaltecida da vocao da cidade como bero de atividades acadmicas e de desenvolvimento tecnolgico: atividades limpas e que alimentariam uma populao de mais alto nvel de educao e conseqentemente de maior renda.

    Na dcada de 60, o desenvolvimento passa a ser um objetivo estratgico de escala nacional, sobretudo aps 1964, com o golpe militar e a centralizao de decises, recursos pblicos e monitoramento das aplicaes com repercusso espacial nas mos do governo federal (VAZ, 1991:46). a partir deste perodo, at o final da dcada de 70, que se d o pice do processo de ampliao das funes do Estado, iniciado na dcada de 30.

    A enorme expanso do Estado ocorreu de vrias formas, com a criao de empresas estatais, atuando diretamente no setor produtivo, a criao de um complexo sistema financeiro, como rgo arrecadador e investidor e atravs da criao de rgos de pesquisa e assistncia produo, entre outros. Em nenhum outro momento da histria do Brasil ocorreu um aumento to grande do aparelho de Estado.

    Uma das conseqncias da poltica de governo de ampliao e centralizao das funes do Estado, foi o aumento do nmero de rgos pblicos, tanto estaduais como federais. O aparelho de Estado em Santa Catarina representado pela criao de novos rgos pblicos, teve um crescimento extraordinrio, nas dcadas de 60 e 70. Nesse perodo, foram criados quase 60% do total de rgos pblicos estaduais surgidos ao longo dos ltimos 100 anos. (FACCIO, 1997: 179)

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    Sem desconsiderar a ao estatal em perodos anteriores, deve-se notar alguma diferena nas aes do Estado neste novo perodo. Neste, as aes de Estado passam por profundas modificaes que vo possibilitar um maior poder de interveno enquanto suporte ao enriquecimento privado em Santa Catarina. No por acaso, a este tempo se d um grande crescimento do capital industrial catarinense, que vai repercutir decisivamente na configurao urbana regional e na consolidao dos centros produtivos regionais que perduram at hoje. Florianpolis, em especfico, vai ser a sede de todo esse novo aparato institucional, o que lhe impe, juntamente com o advento da poltica rodoviarista (que lhe liga em definitivo com o restante do estado), um novo ritmo de crescimento urbano. Em termos de distribuio no territrio, as novas instituies administrativas vo se distribuir basicamente em trs regies. Em primeiro lugar o centro da cidade, sobretudo na periferia da praa XV de Novembro, alavancando o processo de verticalizao do centro de Florianpolis. As sedes dos poderes executivo, legislativo e judicirio, ao contrrio, se deslocam de seu tradicional centro s margens da praa em direo ao aterro da Prainha, na nova praa cvica Tancredo Neves. Outras empresas estatais vo ser instaladas ou transferidas para a regio lindeira ao tambm recm instalado campus da Universidade Federal de Santa Catarina, na Trindade. Dentre estas podemos citar a Eletrosul (1978), a Empasc (1977), o centro de treinamento do BESC (1979), a TELESC (1976), alm de muitas outras.

    Figura 7 - Algumas das sedes administrativas do governo transferidas para o Centro Cvico Tancredo Neves, no aterro da Prainha. Todas em concreto aparente. Da esq. pra dir: Assemblia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Fonte: Autora, 2007. Tribunal de Contas do Estado de

    Santa Catarina. Fonte: Autora, 2007. Palcio da Justia Ministro Luiz Galotti. Fonte: Acervo Tribunal de Justia.

    A implantao de todo esse imenso aparato estatal e a necessidade de atendimento com infra-estrutura para essa grande populao de tcnicos, professores e administradores que migraram para Florianpolis, em particular para a regio da Trindade, leva execuo de obras de melhoria de acessibilidade a este bairro, abrindo caminho definitivo para a expanso da cidade em direo ao norte.

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    Figura 8 - Algumas das empresas estatais instaladas nos bairros lindeiros UFSC. Da esq. pra dir.: TELESC. Fonte: Autora, 2005. CELESC. Fonte: Autora, 2005. ELETROSUL. Fonte: Autora, 2005

    Cabe observar tambm que a presena dessa grande mquina estatal e seu corpo funcional vo ser os grandes alavancadores do crescimento de todo o entorno da regio da UFSC, com a criao de bairros residenciais que atendessem essa populao, como o Santa Mnica, e o desenvolvimento dos bairros da Trindade, Pantanal, Crrego Grande e Carvoeira.

    Figura 9 - Mapa das localizaes iniciais e atuais das principais empresas estatais e rgo administrativos Estaduais e Federais. Baseado em SUGAI, 1994 e FACCIO, 1997.

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    Outra observao relevante acerca da influncia das aes estatais mediante implantao de sua instituies em Florianpolis, se refere a coincidncia entre a ao incisiva do Estado na cidade e a forte poltica das elites locais de busca de consolidao da cidade como capital de Santa Catarina.

    Na segunda fase do perodo rodoviarista (...) implantaram-se progressivamente grandes obras infra-estruturais de transportes rodovirios, com as rodovias BR 101 (litornea) e BR 407 (buscando o interior) no mbito federal; pavimentaram-se rodovias estaduais e ampliaram-se os servios de transportes. (...) Florianpolis continuou a receber recursos estaduais e federais para a manuteno de seu status de capital.

    Os anos setenta foram para a capital o coroamento do perodo do milagre ao receber grandes obras como o aterro da baa Sul, a ponte Colombo Sales, a avenida Beira Mar Norte [n.d.a. Via de contorno norte, em adio a Av, Beira mar j implantada], as ligaes com os balnerios, etc. (VAZ, 1991:51)

    Se, como vimos, nas dcadas de 60 e 70 a atuao estatal mediante implantao de um cem nmero de instituies administrativas, juntamente com o boom rodoviarista, quem vai causar os reflexos mais visveis na configurao urbana da capital, nas dcadas seguintes a atividade turstica que vai ocupar esse papel.

    5. Concluses

    Apesar da arquitetura institucional em concreto aparente produzida em Florianpolis entre as dcadas de 1970 e meados de 1980 ser das mais expressivas erguidas na capital catarinense, at hoje no lhe coube lugar na historiografia local, tanto enquanto patrimnio arquitetnico da cidade em si mesmo, quanto como representante de um dos perodos de maior transformao da paisagem urbana da cidade.

    Essas arquiteturas, alm de expressivas formalmente e de grande impacto na paisagem at os dias de hoje, so tambm simblicas de um momento de incio da consolidao de um rumo poltico, administrativo e de distribuio espacial, j esboado para a cidade dcadas antes atravs do primeiro plano diretor do municpio. As idias de zoneamento funcional e arquiteturas administrativas e institucionais que fossem marcos na paisagem e ricos em simbolismo de poder foram, igualmente neste perodo, abraadas pelo governo militar que comandava o pas desde o golpe de 1964.

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    Em termos formais e programticos, esses edifcios podem ser considerados tambm como as mais bem sucedidas experincias de introduo de conceitos modernos (tanto em termos ticos quanto em termos tecnolgicos) na arquitetura local. Ademais, as estratgias de localizao e implantao de toda uma nova rede de instituies e empresas estatais foram, como pudemos destacar no artigo apresentado, responsveis por fortes impulsos na definio de polticas pblicas destinadas as melhorias estruturais e, por conseguinte, na definio de vetores de crescimento e desenvolvimento das regies da ilha em que foram implantadas.

    Deste modo, buscamos por meio deste artigo demonstrar a relevncia da pesquisa proposta, no apenas no sentido de seu resgate para a historiografia local, mas tambm para contribuir com a construo de um quadro geral que represente esse perodo de extrema importncia para a histria social e arquitetnica do pas, e que ainda no recebe a ateno merecida.

    6. Referncias Bibliogrficas

    ARTIGAS, Vilanova. "Em branco e preto", in: AU, arquitetura e urbanismo, n. 17, abr.-maio 1988, p. 78.

    BARONE, Ana Cludia Castilho. Team 10 Arquitetura como Crtica. So Paulo : Annablume, 2002.

    FACCIO, Maria da Graa Agostinho. O Estado e a Transformao do Espao Urbano: A Expanso do Estado nas Dcadas de 60 e 70 e os Impactos no Espao Urbano de Florianpolis. Dissertao de Mestrado em Geografia. Florianpolis: UFSC, 1997.

    FUO, Fernando Freitas. Brutalismo, a ltima trincheira do movimento moderno. Arquitextos, 036. Dezembro 2000.

    DESIGN, Projeto (Ed.). Auditrio dialoga com projeto da dcada de 1960: Ampliao e readequao da Assemblia Legislativa de Santa Catarina; projeto de reforma. Projeto Design, So Paulo, n. 333, p.56-65, nov. 2007. Mensal.

    SUGAI, Maria Ins. As Intervenes Virias e as Transformaes do Espao Urbano. A Via de Contorno Norte. Vol. 1. Dissertao de Mestrado. So Paulo: USP, 1994.

    VAZ, Nelson Popini. O Centro Histrico de Florianpolis Espao Pblico do Ritual. Florianpolis: FCC ed. / ed. da UFSC, 1991.