ARQUITETURA ESCOLAR - RITA GONÇALVES

Embed Size (px)

Citation preview

UNI VERSI DADE DELISBOA I NSTI TUT O DEEDUCA O ARQUI T E TURAF L E X VE LE PEDA GOGI AATI VA:UM (DES)ENC ONTRO NASESC OL AS DEESPA OSABERT OS Rita de Cssia Pacheco Gonalves Doutoramento em Educao Especialidade Histria da Educao Janeiro 2011 UNI VERSI DADE DELISBOA I NSTI TUT O DEEDUCA O ARQUI T E TURAF L E X VE LE PEDA GOGI AATI VA:UM (DES)ENC ONTRO NASESC OL AS DEESPA OSABERT OS Rita de Cssia Pacheco Gonalves Tese orientada pelo Professor Doutor Antnio Manuel Seixas Sampaio da Nvoa Doutoramento em Educao Especialidade Histria da Educao Janeiro de 2011 2 AGRADE CI MENT OS Atodosquemederamasmos.....'porqueeusoprecisodepeslivres,demos dadas, e de olhos bem abertos` (Guimares Rosa). Aos estudiosos e profissionais que me ajudaram na busca das fontes: Professor Nvoa, orientador, sempre presente e atento, me fez acreditar que possvel ser reitor sem ser vaidoso Miguel Cangiano (in memria),Veronica Toranzo, Jorge Frias,Fermin Estrella, Maria Fernanda Catarenine, naArgentina; Andrs Zarankin, Vera Gaspar e Maria Teresa, no Brasil ; Maria Helena Mendes, Carlos Manique, Julia Serra, Antnio Mendes e Carlos Brando em Portugal Tanira, que corrigiu meus erros enquanto me ensinava a escrever Fernanda, Minhame,que acredita em mim, mais do que eu prpria Esdras, pelo olhar aguado no momento daformatao da tese Marcos, amigo que aguou meu esprito crtico que me deu sopa quente quando eu tive preguia de cozinhar Toninho, Clia, Jacira, Claudia, Dora, amiga/os em Lisboa que ouviram minhas queixas Minhas amigas, noBrasil,com que sempre pude contar,Ane, Vivi, N, Joana e Sonia, e na Argentina, a Martha Minha famlia,Ktia, Simone, Zaron, Ane e Clara que fazem o doutoramento ficar ainda mais importante Coro da Universidade de Lisboa que me ajudou a cantar para aquecer no frio s professoras das escolas por onde andei que, contudo, prosseguem. 3 RESUMO O presente estudo incide sobre uma experincia de arquitetura escolar construda na dcada de1970,quesecaracterizavaporsalasabertasouporparedesmveisemobliasque permitiamaampliaooureduodotamanhodassalas,afimdeagruparturmas, organizarosalunosempequenosgrupos,reunirprofessoresparaumtrabalhoconjunto, enfim, permitir aflexibilidade dos espaos, dos agrupamentos de alunos, do currculo, da organizaopedaggica.Taisideiasarquitetnicasepedaggicasforamdifundidas, instrudasefinanciadaspororganismosinternacioniaseresultouemescolasconstrudas cuja apropriao ressignificou seus sentidos e significados. Por toda a parte, a proposta foi contestadaepoucosanosdepois,quasenenhumaescolaconstrudasobaquelasideias mantinhaosespaosabertoseflexveis.Compreenderasrelaesentrearquiteturae pedagogia, e as dinmicas de atrao, acolhimento, apropriao e vivncias da arquitetura internacional das escolas de espaos abertos, nos mbitos da Argentina, Brasil e Portugal oobjetivodatese.Ametodologiaderecolhaeanlisedosdadosinspira-senahistria cultural,emespecial,nastesesdasculturasmateriaisdaescolaenosestudosdadifuso mundialdeideias.Considerandoaarquiteturaescolarcomoumaconstruoscio-histrica constituinte das culturas escolares, no mbito deste trabalho, ela representa, alm de objeto de estudo, fonte de informaes. Palavras-chave Arquitetura escolar; escolas de espaos abertos; pedagogia ativa; difuso de ideias. 4 ABSTRACT Thisstudyfocusontheexperienceofschoolarchitecturebuiltinthe1970s,whichwas characterizedbyopenroomsormovablewallsandfurniturethatallowedtoreduceor enlarge the size of the rooms in order to group classes, organize students into small groups, gatherteacherstogethertowork,thatis,theflexibilityofspaces,ofstudents`groups,of thecurriculum,aswellasoftheteachingorganization.Sucharchitecturalideasand methodologies were disseminated, and financed by international organizations and resulted inschoolsbeingbuiltwhoseappropriationreframedtheirmeanings.Everywhere,the proposal was challenged and a few years later, almost no schools built on those ideas kept openandflexiblespaces.Understandingtherelationshipbetweenarchitectureand pedagogy,andthedynamicsofattraction,reception,appropriationandexperiencesof internationalarchitectureofschoolswithopenspacesinareasofArgentina,Braziland Portugal, is the purpose of the study. The methodology for collecting and analyzing data is drawnontheculturalhistory,especiallythethesesofthematerialculturesoftheschool andthestudiesoftheglobaldisseminationofideas.Consideringthearchitectureasa socio-historical component of school cultures, in this work, it represents, in addition to the object of study, also a source of information. KeywordsSchool architecture; schools of open spaces; active teaching; dissemination of ideas. 5 SUMRI O AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... 2 RESUMO .......................................................................................................................... 3 ABSTRACT ...................................................................................................................... 4 SUMRIO......................................................................................................................... 5 LISTA DE SIGLAS ........................................................................................................... 8 APRESENTAO ............................................................................................................ 9 CAPTULO 1. OBJETO, PROBLEMTICA, METODOLOGIA E CAMPO CONCEITUALDA TESE .............................................................................................. 11 1.1Aarquiteturadasescolasdeespaosabertos:nascimento,difusoeocasodeuma inovao educacional .......................................................................................................18 1.2Percurso metodolgico ..............................................................................................25 1.2.1Roteiro da leitura ....................................................................................................31 1.3Campo conceitual: bases de sustentao e principais categorias de anlise ................33 1.3.1A arquitetura como uma dimenso das culturas escolares .......................................36 1.3.2Conceituando Arquitetura Escolar ..........................................................................40 1.3.3A dimenso curricular da arquitetura escolar ..........................................................46 1.3.4A emergncia da Arquitetura Escolar e a construo do Estado Nao ...................48 1.4O contexto das escolas de espaos abertos .................................................................56 CAPTULO 2. IDEIAS ATRAVESSAM OCEANOS E CONSTROEM ESCOLAS: DIFUSO DE UMA ARQUITETURA ESCOLAR ......................................................... 60 2. 1A 'crise mundial da educao em tempos de mudanas ..........................................63 2.2Intercmbio e diIuso das 'boas ideias: uma soluo para a crise .............................72 2.3Os mecanismos do intercmbio e da difuso de ideias ...............................................76 2. 4Os princpios gerais das escolas de espaos abertos ..................................................85 2. 4.1Princpios pedaggicos: tempos e currculos flexveis ............................................87 2.4.2Princpiosarquitetnicos:paredesmveis,polivalncia,flexibilidadee adaptabilidade .............................................................................................................92 2.4.3Princpios construtivos: sistema modular industrializado.........................................98 6 2.4.4Princpiosadministrativos:equipesmultiprofissionaisparaplanejararedefsica escolar ........................................................................................................... 104 CAPTULO 3. APROPRIAO DAS IDEIAS EM PORTUGAL: A ESCOLA DE REAS ABERTAS ....................................................................................................... 107 3.1A insero de Portugal no movimento internacional ................................................ 109 3.1.1Os mecanismos locais de apropriao das ideias ................................................... 111 3.2Crise, educao e mudanas na perspectiva dos estudiosos portugueses................... 114 3.3Os princpios gerais das escolas de reas abertas ..................................................... 121 3.3.1Princpios pedaggicos: agrupamentos de alunos e professores ............................. 123 3.3.2Princpios arquitetnicos: flexibilidade, maleabilidade e adaptabilidade ............... 133 3.3.3Princpios construtivos: projeto tipo pr-fabricado ................................................ 141 3.3.4Princpiosadministrativos:grupodetrabalhosobreconstruesescolaresea desarticulao com o Ministrio da Educao ................................................................ 146 3.4Usurios arquitetam: apropriao, resistncias, adaptaes ...................................... 151 3.4.1Os esforos de sensibilizao dos professores ....................................................... 157 3.5Os vestgios, as marcas, a memria da escola de reas abertas em Portugal ............. 160 CAPTULO 4. A APROPRIAO DAS IDEIAS NO BRASIL: A ESCOLA POLIVALENTE ............................................................................................................ 162 4.1 O financiamento americano dos Ginsios Polivalentes ............................................. 166 4.2Tempos de mudana na politica educacional brasileira ............................................ 168 4.3Os princpios gerais da Escola Polivalente ............................................................... 173 4.3.1Princpios pedaggicos: currculo profissionalizante ............................................. 176 4.3.2Princpios arquitetnicos: flexibilidade, progressividade ....................................... 180 4.3.3Princpios construtivos: mdulos e elementos estruturais pr-fabricados ............... 190 4.3.4Princpiosadministrativos:distnciaentreosformuladoresdosprincpioseos criadores do edifcio ....................................................................................................... 193 4.4A cultura emprica: profissionalizao fracassada, resistncias, adaptaes ............. 197 4.5As reformas e o uso cotidiano alterando o espao arquitetnico ............................... 199 4.6Saladeaula,espaodasrelaesentreosmtodospedaggicoseadisposiodas pessoas e objetos........................................................................................................... 207 7 CAPTULO 5. A APROPRIAO DAS IDEIAS NA ARGENTINA: ARQUITETURA DE SISTEMAS .............................................................................................................. 210 5.1A insero da Argentina no movimento internacional das escolas flexveis .............. 213 5.1.1Os mecanismos locais de apropriao das ideias ................................................... 214 5.2Crise, ditadura e reformas da educao .................................................................... 218 5.3Os princpios gerais das escolas de arquitetura sistemtica ...................................... 223 5.3.1Princpios pedaggicos: organizao curricular flexvel ........................................ 227 5.3.2Princpios arquitetnicos: a racionalidade define a forma ...................................... 233 5.3.3Princpios construtivos: produo massiva e diversificada .................................... 242 5.3.4Princpios administrativos: arquitetos comandam as aes .................................... 245 5.4Usurios arquitetam: adaptao, ampliao e improvisao ..................................... 247 5.5Os vestgios das escolas flexveis na Argentina ....................................................... 249 CAPTULO 6. REFLEXES FINAIS ........................................................................... 259 REFERNCIAS ............................................................................................................ 292 INDICE DE FIGURAS .................................................................................................. 304 8 LIST A DE SI GL AS CEBRACE - Centro Brasileiro de Construes e Equipamentos Escolares CLASP - Consortium of Local Authorities Special ProgrammeCONADE - Conselho Nacional de DesenvolvimentoCONESCAL - Centro Regional de Construes Escolares para a Amrica LatinaCROCS - Centro de Racionalizao e Organizao das Construes EscolaresDCEE - Desenvolvimento e Economia nas Construes Escolares, DEEB - Development and Economy in Educational Building DGEB - Direco Geral do Ensino Bsico DGEP - Direo Geral do Ensino PrimrioDINAE - Direccin Nacional de Arquitectura Educacional EPEM - Equipe de Planejamento do Ensino MdioGDCE - Grupos de Desenvolvimento das Construes Escolares GNDCE - Grupo Nacional do Desenvolvimento das Construes Escolares GEPAE - Gabinete de Estudos e Planeamento da Aco Educativa INEP - Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos IPES - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais MEC - Ministrio da Educaao e CinciaMEN - Ministrio da Educao NacionalMOP - Ministrio de Obras Pblicas OCDE - Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico OEA - Organizao dos Estados Americanos ONU - Organizao das Naes UnidasPEB-ProgrammeonEducationalBuilding(ProgramaparaaConstruoeEquipamento da Educao) PREMEM - Programa de Expanso e Melhoria do Ensino MdioPREMEN - Programa de Expanso e Melhoria do EnsinoRBEP - Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos SAMSKAP-SamverkanMellanSydvstsknskaKommuner,ArkitekterochPedagoger (articulao entre municpios, arquitetos e educadores) UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural OrganizationUSAID - United States Agency for International Development 9 APRESENT AO A tese que ora apresento tem origem na minha experincia como professora que se profissionalizounoprocessodenegaodachamadapedagogiatradicional,emfavorde umapedagogiaativa,enainvestigaorealizadanoMestradoemEducao,noqual concluque a pedagogia e a arquitetura escolarinfluenciam-semutuamente. Dizia eu:'A arquiteturaescolardesenhadaerealizadasuportematerialesimblicodoensinoe,ao mesmotempo,configuraeinfluenciaaeducaoquesequerrealizar(Gonalves,1996, p.221).Nestanovainvestigao,perguntofundamentalmentepelasconcepes pedaggicas que subjazem ao projeto arquitetnico escolar e pelas condies materiais que configuram, interferem e atuam no processo de sua apropriao pelos usurios. A'arquiteturadasescolasdeespaosabertosconstruidasnadecadade1970do sculoXXemergiunopercursodeumareformaqueseapresentoucomoinovadorae abrangente.Naqueleprocesso,aarquiteturaexpressoumaterialesimbolicamenteas concepeseintenesdosreformadores,assimcomofoivivenciadaporseususurios, alunoseprofessores,pormeiodesuasexperinciasculturaisadquiridasnasescolas tradicionais.Pretendiamosreformadoresqueaarquiteturainduzisseinovaesnos mtodos,naorganizaocurricular,noagrupamentodosalunos,naorganizaodos tempos. Enfim, uma arquitetura que fosse capaz de pr em marcha uma 'pedagogia ativa. Assim, perguntei pelas provocaes que a arquitetura fez pedagogia e cultura escolar e, estas,quela.Quenovasprticaspedaggicasearquitetnicassurgiramdaquela experincia?Osestudosmostraramqueasinflunciasmtuasaconteceram,aarquitetura influenciouapedagogiaeviceversa,noentanto,umanodeterminaaoutra,como pretenderam arquitetos e especialistas quando idealizaram as escolas de espaos abertos. Paraconstru-las,ospasescontaramcomapoiotcnicodaUnitedNations Educational,ScientificandCulturalOrganization(UNESCO),daOrganizaoparaa Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) e do Centro Regional de Construes EscolaresparaaAmricaLatina(CONESCAL).Ofinanciamento,naEuropa,correupor contadaOCDEe,naAmrica,daUnitedStatesAgencyforInternationalDevelopment (USAID).Essesorganismosinternacionaisdifundiramasescolasdeespaosabertospelos quatrocantosdomundo.Compreenderdinmicasdeatrao,acolhimento,apropriaoe vivnciasdaarquiteturainternacionaldasescolasdeespaosabertosnosmbitosdos 10 pasesmencionados constituir, pois, parte da investigao. Como cada um desses pases, emsuasdiferentesinstnciaserespectivosatores,apropriou-se,transformouevivenciou essesedifcios?Quedinmicasmobilizaramaconstruodasescolasdeespaosabertos noBrasil,ArgentinaePortugal?Queinteressesorientaramaquelaspropostas?Que concepesarquitetnicasepedaggicas?Queconceitosdearquiteturaflexvel, arquitetura polivalente e pedagogia ativa tero emergido nos diferentes pases? Sendoestaumapropostainternacional,ametodologiaeanlisesapoia-senos estudos comparados em educao, alm de considerar a arquitetura como uma construo scio-histrica constituinte e constituda das culturas escolares. A arquitetura, no mbito deste trabalho, objeto de estudo e, ao mesmo tempo, fonte de informaes. Destaco,nestaapresentao,queotextodopresentetrabalhovemmarcadopela sintaxe evocabulriobrasileiros, heranas de Portugal,mas um pouco 'desobedientes e, por isso, um pouco dissonantes aos olhos e ouvidos lusitanos. Com algum esforo e, talvez com algumexagero, poderamos consider-lo umalicena quase potica, como umavolta s origensprova viva de como as culturas modificam as pessoas e se modificam. Eis uma boasntesedoquesou:vindadeumarquiplago (Aores)paraumailha(NossaSenhora do Desterro/Florianpolis) e de volta lngua da ptria me, modificada pelas culturas. 11 CAP TUL O 1 OBJE T O,PROBL E MTI CA,ME T ODOL OGI AECAMPOCONCE I TUA LDAT ESE A modernidade nos legou uma imagem que levaremos algum tempo para substituir: uma sala retangular com janelas esquerda, porta de entrada direita, seis filas de cerca de setecarteirascomcrianassentadaseque,durantecertotempo,sevoltamcomateno para um homem ou uma mulher diante de um quadro de giz.Esse espao-tempo define a sala de aula e a arquitetura das escolas, lugar no qual o professor, por delegao da sociedade, realiza a tarefa de transmisso dos saberes e valores teisdeumageraoaosalunos.Nessatarefaenesselugar,aescola,atravsdeseus professores, deve explorar todas as capacidades e talentos intelectuais, fsicos e morais das crianas e jovens alunos, conformando-os em humanos cidados responsveis, amantes da ptria,criativos,autnomoseaptosparalevaradianteosprogressosacumuladospela humanidade, alm de satisfeitos e realizados no plano profissional e afetivo.Omodelo de educao associado a estaimagememergee se desenvolve aolongo dossculosXVIIIeXIX,masnapassagemdesteparaosculoXX,enquantose estabeleceasecularizaodaeducao,queessasaladeaula(nodeformalinear)se consolida. A sala de aula, que iniciou sua existncia na casa dos professores ou nos espaos da igreja, ganhou espaos projetados com o fim especfico de abrigar a educao escolar. Seus contornos vo se constituindo, ao mesmo tempo, nos planos tcnico-construtivo, esttico e pedaggico, sob preceitos simblicos, higinicos, morais e metodolgicos e adquirem uma forma,umaorganizaoeumainstitucionalidadeprpriasqueadistinguedeoutros espaos pblicos.Aformaescolarrepresentouumarupturacomaconcepodeaprendizagem baseadanaexperinciaenavivnciasocial,emfavordeumaaprendizagembaseadana repetio, na acumulao e na transmisso direta do conhecimento. A organizao escolar em grupos homogneos de alunos fez a passagem do ensino individualizado e disperso ao ensino mtuo e graduado, tornando possvel a criao dos modernos sistemas de ensino.12 Ossistemasescolaresqueseinstalammostram-se,aosolhosdetodos,sobretudo porseusedifciose,aodefiniraprimeiraarquiteturaespecificamenteescolar,rompeu-se umatradiodeusodeespao.Essenovoespaovemacompanhadodeumconjuntode comportamentos,regras,mitos,enfim,deumalgicaqueodescreve,circunscreve, justificaemobilizaapartirdeumaconcepodemundoedeumacinciailuministana qualahigiene,alimpeza,ailuminao,aventilao,aordemeahierarquiadossaberes garantiriam uma educao eficiente e eficaz que, feita pelo Estado, seria capaz de produzir o progresso para todos.A profissionalizao dos professores que gradativamente substituem os pais e os clrigose a arquitetura escolar estatalao invs da casa familiar ou da igrejaconferem o cenario Iinal para a hegemonia da sala de aula que conhecemos hoje. 'A escola tornou-se o instrumento de umanova religiolaica cvica deindubitvelimportnciana construo de sociedades baseadas no liberalismo politico (Canrio, 2005, p.64), no sem conflitos. O Estado, ao criar e desenvolver a arquitetura escolar estandardizada d a si prprio avisibilidadequeolegitimacomonao,aomesmotempoemque,comsuasformas padronizadas, vigilantes e de controle, desenvolve um mecanismo de sua reproduo. Cria, ainda, um modelo de educao, a escolar: salas de aula quadradas, medidas recomendadas pela ergonomia e pelos princpios da higiene, com disposio estvel das pessoas e objetos, paragruposdealunosorganizadosemclassesgraduadas;conhecimentosorganizadosem disciplinasehorriosrgidos;umprofessor-profissionalfrente,revelandoasluzesda cinciaeumaaprendizagemquesedariapelarepetio.Essamtricaeessa'gramatica do forma escola, cujo modelo tem se mantido relativamente estvel atravs das dcadas e resistido aos propsitos de inovaes e reformas (Cuban & Tyack, 2000). RuiCanrio(2005,p.85)assinalaa'duplacoernciainternaquemarcaaescola nesse momento histricoque denomina 'tempos de certeza , no qual a escola goza de 'uma Iorte legitimidade social que pode estar na raiz dessaideia geral de estabilidade. As contradiesdessanovainstnciasocialnotardariamaseIazernotar,a'escoladas certezasevoluiparauma'duplaperdadecoerncia:externamente,deixoudeexistiro capitalismoliberalfundadonumsistemadeestados-nao,einternamente,seu funcionamento incoerente com a diversidade dos pblicos com que passou a confrontar-se e com as 'misses impossiveis que lhe so atribuidas.Entreasmissesimpossveisdelegadasescola,duasdasmaisnotveissoa promessadeascensosocialeoacessoaoempregoparatodos,nummundoondeo 13 desemprego e a desigualdade econmica constituem, justamente, a lgica do sistema. Essa incoernciapermitequecheguemosaosculoXXIcomumaescolaaqueRuiCanrio (2005) designa como a 'escola das incertezas.No desenvolvimento do espao prprio para a educao, ou da arquitetura escolar, podem-seobservarmudanasnodesenhodassalasdeaula:dosbancoscompridos coletivos,passandopelasbancadasduplas,cadeiraindividual;dosalunosavulsosaos agrupamentosporsrieeclassesdaescolamtuaegraduada;dosmtodospassivos,aos ativos. A sala de aulavai ao museu, ao jardim, ao ar livre, cidade. O professor passa de transmissor a facilitador, instrutor, mediador. O quadro de giz complexifica-se em manual escolar,televiso,retroprojetor,computador,laboratrio.Masaformaescolareseus conteudosdeensinomantm'traospersistentes(Canario,2005)daquelaescolacuja inveno iniciou no sculo XVIII e cujo modelo consolidou-se no sculo XIX. Pode-seainda,nosculoXXI,observarcadeirasindividuaisarrumadasaomodo tradicional, alunos sentados e dispostos emfila, emparelhados, voltados para o quadro de giz;sabereseprticascodificadas,atividadespredominantementeescritasealheiasao contextodaaula,assimcomoasregraseregulamentos,provasenotasadefinire classificarosbonsemausalunoseacomandarcomportamentos.Asaladeaulatemse firmado como ncleo duro da atividade pedaggica (como se natural fosse) e as mudanas na sua forma, frequentemente, so tratadas como 'alternativas e as 'inovaes rejeitadas porpaiseprofessores.Essaideiageneralizadadeuma'verdadeiraescola(Cuban& Tyack,2000)sobrevivescrticasepropostasdereformasnessemodelodeescola. Sobrevive inclusive no momento atual, no qual a escola sofre um generalizado processo de descrditoquantoasuacapacidadedeatenderassuasfinalidadesetemproclamada a sua superao.A arquitetura escolar, que nasceu organizada por preocupaes higienistas, tcnicas epedaggicas,quebuscousermonumentalparaevidenciaroEstadoeatarefa imprescindveldaescola,sedepauperanoprocessodedemocratizaodoacessoaela. Qual aimagem de escola que sevaifirmando em nossas retinasnos dias dehoje? Vidros quebrados,paredesrotasesujas,pichaes,'violnciaeamesmasalaquadradacomas janelasnemsempreesquerda,pormgradeadas,portasnemsempredireita,professor no meio da sala, alunos sentados de Iorma aleatoria e em 'baguna?Ainda que a escola obrigatria no seja uma realidade em toda parte, em particular nospasessituadosabaixodalinhadoEquador,alude-secomocausadadesqualificao 14 dosespaosescolareseneleseusensinamentoseaprendizagens,ademocratizaodo acesso a ela.EmmeadosdosculoXX,momentohistriconoqualemergeaproposta arquitetnicasobreaqualessetrabalhosedebruou,osdiagnsticosquerevelavama ineficcia da escola em cumprir suas finalidades, por um lado, e de outro, a crtica escola justamente pelo contrrio, por cumprir seu papelo da reproduo da sociedade desigualproduziram grandes reformas via Estados e movimentos como o da educao permanente, viasociedadecivilorganizada.Essa'crisemundialdaeducaoconIundia-secomuma 'crise da escola, que colocava a prova o mito da educao como promotora do progresso pessoal e social.Aineficciaparacumprirsuasfinalidadesestariarelacionadaaofatodeaescola permanecerinalterada desdesua criao, e assimo problema residianaforma oumodelo escolar.Assoluespassariamporumareformaprofundaquealterasseaescolanoseu ncleo duro: a sala de aula. A outra vertente de crticas, a que atribua a responsabilidade origemmesmadaescola,paraalmdomodelo,colocavaemquestoagnesedaescola. Nessecaso,asoluoestavaemlibertaraeducaodoEstado,deixando-alivreparaser desenvolvida ao longo da vida, pelos prprios sujeitos e suas coletividades.SegundoRuiCanrio(2005),esse'sentimentodeIrustraoemrelaoaescola temalimentadoodebatesobrea'crisedaescola,semque,noentanto,tenhamosainda compreendidoalgunsdeseusparadoxos.Oprimeirodelesseriaodo'triunIoda escolarizao,conIundidocomprogressoevitoriaemrelaoa'visopessimistada criseinstaladadesdeosanossetenta.Osegundodizrespeitoa'erosoaqueIoi submetidaaescolapormeiodeumacriticasistematica,aomesmotempoemque'o modeloescolarcontaminatodasasmodalidadeseducativas.Oterceiroresidena coincidncia temporal entre a 'crescente escolarizao e o 'agravamento de problemas de natureza social (guerras, ambiente, pobreza, desigualdades) que afligiram a humanidade no seculo XX. O quarto paradoxo se coloca no contraste entre as promessas da 'promoo da cidadaniaviaescolaeoretrocessoda'participaopolticanassociedadesmaisricase escolarizadas(EuropaeAmricadoNorte).Porltimo,acrescenteinsatisfaocoma escola que coincide com a'exploso escolarnosanos sessenta,inclusive com a procura por percursos escolares mais longos, 'como se a escola tivesse se transformado em um mal necessario. Diante daincapacidade para a compreenso articulada desses paradoxos, Rui Canrio (2005, p.60-61) percebe ai a expresso de uma 'crise do modo de pensar a escola 15 epropeque,aoinves'doconceitodecrise,queremeteparaproblemasdenatureza conjuntural, pensemos no conceito de 'mutao, que remete para mudanas e problemas de carater estrutural.Aescoladeespaosabertosemergeesedifundemundialmentenoinciodesse cenrio analisado por Rui Canrio. Elaveio comomais uma reforma redentora dosmales da escola, que estaria desatualizada diante das transformaes de um mundo cuja essncia eraatransformaopermanente.Nessesentido,eladeveriaserumaescolaflexvele polivalenteemtodasassuasdimenses,inclusivenaquelaconsideradacomoamais estvel: sua arquitetura.Aarquiteturaescolar,comocampodeinvestigaocientfica,aindarecente.Na histria da educao ela vem ganhando importncia no campo dos estudos sobre a cultura material da escola, compreendida tambm no seu sentido simblico, superando o lugar que ocupavanaspreocupaesdembitohigienistaoutcnico-construtivo.Entendera arquitetura como uma dimenso material das culturas das escolasvem se constituindo um importante contributo para compreender a educao escolar na sua totalidade, uma vez que seconsidereaescolacomoumsistemadotadodeautonomiapedaggicaecurricularque interage com o mundo social, no apenas refletindo-o, mas tambm nele interferindo. Na perspectiva acadmica, a arquitetura como uma dimenso da cultura material da escolavem sendo estudada como artefato mediador damemria,como documento, como parte de currculo, como recurso didtico, como programa, como suporte, mostrando-se um objeto de estudo extremamente promissor para a compreenso da escolacomo instituio, organizaoeinstnciadesocializao.Nessaperspectiva,aarquiteturapossuitambm funo simblica e esttica (Escolano Benito, 2000; Gonalves, 1996), alm dafuno de abrigar a atividade educativa.Nodia-a-diadaescola,aarquiteturavividapelosseususuriosnassuas dimensestcnico-construtivas,noconfortooudesconfortomaterial,naausnciade espaos livres, no manuseio do mobilirio, nas suasprecariedades, enfim, nos seus limites epossibilidadespedaggicas.Mastambmavivemcomomediadoradamemria,dos sentidos ticos e estticos construdos nas suas culturas. Estudar a arquitetura escolar e seu usopodedarpistasparacompreenderdiferentesconcepespedaggicassubjacentesao uso do espao fsico escolar, alm de revelar elementos de continuidades e de rupturas na gramtica e nas culturas escolares. Esta uma das intenes deste trabalho. 16 Aatenodadaaoespaoeaotemponosltimosanos,enquantoelementos integradores e formadores da vida social, evidenciou a arquitetura escolar como objeto de interesse cientfico e contribuiu para que ela entrasse para as agendas de investigao. No entanto, diversos estudiososViao Frago (1993-94a); Gonalves (1996); Beja et. al (1990); Silva (2002); Marques (2003); Bencostta (2005) atestam a insuficincia de pesquisas especficas e sistemticas sobre a arquitetura escolar.VinoFrago(1993-94c)ressaltaque,apesardeseconstataremrefernciasao espaoescolardesdeosculoXIXatasdecongressospedaggicos,textosdehigiene, estatsticaseducativasouestudossobreinstituiesdeensino,empoucasocasieso espaoescolarfoitratadocomoobjetodeinvestigaocientfica.Oshistoriadores centrarammaisatenonasregulaesdosaspectostcnico-construtivos,higinicose suportepedaggicodosedifciosescolaresemenosnadimensoantropolgica, relacionadacomahistriadaescolacomolugaroucomahistriadasua realidade material.Demodogeral,osestudossobrearquiteturaescolardesenvolvem-seemuma perspectivainterdisciplinar,abrangendo:asinterveneseregulaesdeorganismos pblicos no campo das construes escolares e o estabelecimento de modelos-tipo oficiais comoosdeBurgosRuiz(2007),Marques(2002),Bejaetal(1990);aspolticasde construesescolareseoplanejamentodaredeescolar,comosepodeveremBejaetal, (1996); o papel do discurso mdico-higienista na configurao do espao educativo, como revela Carlos Manique Silva (2002); a distribuio e usos do espao escolar em funo da classe social ou do gnero, entre outros.NaHistriadaEducao,oespaoeaarquiteturaescolaremergemcomoum objeto de investigao no desenvolvimento da histria da higiene e da infncia, da histria do currculo, da cultura material da escola, na relao entre governo e propostas educativas enarelaoentrepropostapedaggicaeorganizaodosespaoseducativos.So exemplaresdessaperspectivaostrabalhosdeAlves(1998),Buffa&Pinto(2002), Escolano Benito (1994 e 2000), Faria Filho, (1998), Fonseca (2004) e Gonalves (1996). AindaencontramosestudosnaAntropologiaenaSociologiaquetratamoespao escolarnassuasdimensessocializadora,simblicaedisciplinarcomoosdeFoucault (1987), Zarankin (2002) e Derouet-Besson (1998).17 No campo da arquitetura, os estudos privilegiamos aspectos relativos ao estilo, ao desenho e distribuio dos espaos, s tcnicas de construo e histria da arquitetura, tal qual podemos encontrar em Burgos Ruiz (2007). No campo da pedagogia, os estudos buscam relaes entre arquitetura e pedagogia eousodoespaocomoumrecursoqueinfluencia,favorecendooudificultandoo desenvolvimentodaspropostaspedaggicas(Gonalves,1996;Silva,F.,2002;Toranzo, 2007).Podemos ainda encontrar publicaes dos organismos internacionaisque focalizam o estabelecimento de normas e modelos-tipo, no planejamento e processos administrativos deconstruo,aavaliaoedivulgaodeescolascomarquiteturamodelar.Nessa perspectiva,encontramosaRevistadaOCDE,'PEBExchangeProgramaparaa ConstruoeEquipamentodaEducao,eCONESCAL,RevistaEspecializadaem construes Escolares, publicada pela UNESCO.Desdesuaimplantaocomoedifcioespecializadoparaabrigarasfunes escolaresataaceitaodacomplexidadedofenmenodoespaoescolaresua transformao em objeto histrico, um longo caminho foi percorrido. A arquitetura escolar j constitui hoje um objeto de investigao e marca presena nas revistas e publicaes de Arquitetura e de Educao em vrios pases, apesar de ainda ser um campo em construo.A arquitetura um aspecto da cultura material que tem sido til paracompreender-seodesenvolvimentodapedagogia.Nestetrabalho,emparticular,aarquiteturaescolar, almdeobjetodeestudo,constituiuumafonteparacompreender-seumconjuntode questesdeordempedaggica,administrativaededifusodeideias,quevoalmda arquitetura em si. Ao empreender-se uma analise da 'pedagogia centrada na sala de aula, arelaoentreaarquiteturaeseuusopermitedesvendaraconcepodeeducaoque subjaz quela prtica pedaggica. Esse conjunto de percepes e preocupaes justifica a importncia que o estudo da arquiteturaescolarganhounasltimasdcadas,colocandoparaocampodascinciasda educao e do espao urbano questes prospectivas sobre o perfil e o sentido da arquitetura escolar no futuro. 18 1.1Aarquiteturadasescolasdeespaosabertos:nascimento,difusoeocasode uma inovao educacional Nas dcadas de 1970 e 1980 do sculo XX, construiu-se em vrias partes do mundo umaarquiteturaescolardistintadasanterioresquesecaracterizavaporsalasdeaulasem paredesdivisriasoudivisriasmveisemobiliriosflexveis,possibilitandoespaos polivalentesparadiferentesatividadespedaggicas,abemdeatender,segundoas justiIicativas dos arquitetos, a 'Pedagogia Ativa (Rocha, 1988). Pretendia-se romper com aideiadasclasseshomogneasegraduadasemfavordeagrupamentosvariadoseda aprendizagemindividual,segundooritmodecadaaluno.Essaarquitetura,quenasce internacional,materializa-seemdiferentespasessobreformasnosrespectivossistemas educativos e, em cada um deles, apropriada diferentemente pelos seus diversos sujeitos e atores sociais. Assimnasceramas'escolasdeespaosabertos.Tratava-sedeumaarquitetura flexvelquepudessearranjarespaosdiferenciadosepolivalentesondecrianasde diferentes idades pudessem trabalhar e aprender fazendo.Na Europa, um projeto arquitetnico sueco chamado SAMSKAP1, e na Amrica, as Open Space Schools, que j haviam sido postas em prtica na dcada de 1950 nos Estados Unidos, serviram de referncia para a criao da arquitetura das escolas de espaos abertos. Nessaproposta,osedifciosdeveriampermitirrapidamenteaampliaoe adaptaoaoaumentodematriculaseinovaespedagogicas'naturaisemtemposde mudanas.Noentenderdostcnicosbrasileiros,porexemplo,oprdioescolaraser projetadodeveriarespondercomfidelidadeaosobjetivosdoprogramaeducacional, satisIazer'Iunesbemdistintasdaquelasdaescolatradicionaleatenderauma composio dos espaos diferentes da convencional, na qual a sala de aula era o elemento predominante.Almdisso,oarquitetodeveriaconsiderar,comocritriobsico,queo 'investimento de capital Iosse minimo, mas com obteno de 'maximo rendimento, pois sassimpoder-se-ia'desenvolverumapolticadeexpansodaredeescolarcompatvel com as necessidades e recursos existentes (Brasil, 1972, p.3). A adoo de um desenho arquitetnico cuja base era uma malha e um mdulo que podia ser arranjado conforme o terreno e as necessidadesposteriores, e a industrializao, 1SAMSKAP:SamverkanMellanSydvstsknskaKommuner,ArkitekterochPedagoger(articulaoentre municpios, arquitetos e educadores). 19 atravsdapr-fabricaodaspeasdoedifcio,comotcnicaconstrutiva,foramassoluesadotadas.Essasduaspremissasrespondiamquestoeconmica: barateamentodasconstruesescolaresemtemposdeexpansodevagasnasescolas.A obrigatoriedade escolar de oito anos, assumida pela maioria dos pases, colocava na ordem dodiaoproblemadaampliaodasvagasedadefiniodasfinalidadeseorganizaoda escola ps-primria.'Comoavidamesma,cujopalpitarencarna,ocentroeducativodeveser,auma vez, o mesmo e diIerente cada dia. Assim, Emilio Lzaro Flores (1974), Inspetor Geral de ServiosdoMinistriodeEducaodeEspanha,finalizaseuartigoemqueapresentaa 'IilosoIiaou'conceitoidealda'escoladeopesmultiplas,correspondentea arquitetura de espaos abertos. Essafilosofiavinha sendo estudada no curso do Programa sobre Construes Escolares promovido pela OCDE, para inspirar os 'criterios e solues para os problemas educativos de ento, especialmente para o ensino posterior ao primrio (de onze/doze a catorze/quinze anos).VargasMera(1974)caracterizavacomomudanasqualitativasequantitativasda educaoaquelasemqueaaulacentradanoprofessorfalandoeseusalunosapenas ouvindo,seriasubstitudaporumasituaodeaprendizagemmediadapornovas tecnologias; a crescente extenso da escolaridade; a educao permanente e as exigncias deremodelaonosedifciosescolares.Concluaquetaismudanasvinculavam-seaos problemaseconmicosdecorrentesdesistemaseesquemastradicionaiscujassolues requeriamtrabalhoemequipeegruposinterdisciplinares,almdanecessidadede encontrarnovassoluesconstrutivasparaacelerarotempodeconstruoeseu barateamento.Aconstruosistematizada(SystemBuildingApproach)eraasoluo apontadatantoparaprogramasdeconstruesescolaresdemaiorvolumedeobrascomoparaestimularasempresasaparticiparemdodesenhoeproduodoselementos construtivos. Asideiaspedaggicasearquitetnicasdasescolasdeespaosabertosforam difundidasparaosquatrocantosdoplanetafortementemediadaspororganismos internacionais fundados no ps-guerra, nomeadamente da OCDE e UNESCO na Europa e da CONESCAL, UNESCO e USAID, nas Amricas.Normativas de construo e sistemas construtivos, especificaes tcnicas, projetos modelosenfim,todooaparatotcnicofoidesenvolvidocomaparticipaodiretade tcnicos e consultores desses organismos que, atravs de documentos, seminrios, boletins 20 econsultorias,Iorneceram'guiesstandart`paraodesenvolvimentoeducacionale arquitetnico da proposta. AassistnciafinanceiradoBancoMundialedaUSAIDconcretizouasbases materiaisparaaqueladifuso.Tambmcomapoiotcnicoefinanceirodosorganismos internacionais,constituram-seequipesmultidisciplinaresformadasporarquitetos, educadores,economistasepsiclogos.Afinalidadedasequipeseratraarosprincpios pedaggicosearquitetnicoseelaborarasnormastcnicasqueguiariamosconcursos locaisparaosprojetosarquitetnicoseoseditaisparaacontrataodeempresas fornecedorasdemateriaisemo-de-obraparaconstruodasnovasescolas.Setores especializadosemconstruoescolarforamcriadosnosMinistriosdaEducao, alegando-seonecessrioacompanhamentodasconstrues,daimplantaoeandamento dasnovasescolas,incorporandonasinstruese normastodasascorreesqueaprtica docente e a evoluo da pedagogia fizessem necessrias.Essasinovaesarquitetnicasepedaggicas,contudo,provocaramumaforte reao de professores e pais, como veremos nos prximos captulos.No Brasil, Portugal, Argentina, trs dos pases onde asideias chegaram, em menos deumadcadagestoreseprofessores,comdiferentesalegaes,reformaramasescolas, enrijecendo paredes e moblias, e aquela que deveria ser um modelo a seguir equiparou-se s demais escolas no uso do espao e na pedagogia. OarquitetoFranciscoBurgosRuiz(2007,p.230)identificaqueaquele planejamentodeagrupamentosflexveiseraumelementoindubitavelmenteinovadorna evoluo da escola espanhola, mas, 'por desgraa, sua vigncia Ioi eImera e os resultados delaquandopostaemprtica,duranteseucurtoperododevigncia,frustrantes.Viao Frago (2006b, p.299) analisa que, independentemente de os professores terem aceitado ou noasinovaesimpostas,eaindaquetenhamseparadoasaulasdentrodosespaos abertos construdos para agrupamentos flexveis dos alunos, no confronto com a realidade o ideal veio abaixo, a realidade imps seus limites. No Brasil, ainovao tambm durou muito pouco tempo. A Polivalente, como era conhecidaaescolaquenasceucomespaosabertos,hoje,naexpressodosquel trabalham,uma"escolacomumcomoasoutras.AsparedesqueseabriamuniIicando salasparatrabalhosconjuntosentreprofessoresforamenrijecidascomtijoloseassalas-ambienteeoslaboratriosforamadaptadosouusadosparaoutrasfinalidades (Gonalves, 1996, p.175).21 EmPortugal,asescolasdeespaosabertosprimriasdetipologiaP3sofreram inmeras crticas dos professores e sindicatos, apesar do grande nmero de construes (356) e de um sobresforo do Ministrio para manter vivos os fundamentos de suas ideias. Mveis foram dispostos como divisrias e paredes foram construdas entre espaos de reas abertas, 'nasquaiscadaproIessor,nasuaaula,comseusalunos, oseumetodoe osseusmanuais, apenastolerava(comomalmenor)oincmododeouvirasliesdocolegaaolado (Pacheco,n.dp.5).JooBarroso (1999)consideraqueapropostadasescolasprimriasde 'area abertaque intentou alterar a organizao pedaggica baseada na diviso dos alunos emclassesanuais,'descompartimentalizandooespaodasaladeaula,eotrabalhoem equipedosprofessores,falhouporqueasestratgiasreformistas,queatuamdeforapara dentroeintroduzindomudanasperifricas,nopuseramemcausaoncleoduroda organizao pedagogica, constituido pela permanncia do 'regime de classes. AndrsZarankin(2002,p.117)destacaqueospainiscorrediosondeasparedes podiammover-senodia-a-dia,inventandonovosespaossegundoasnecessidades, constituiram 'talvez, a maior ruptura que a arquitetura escolar argentina sofrera at ento. Noentanto,ressaltaZarankin,einteressante'notarquenamaioriadestasescolasos paineis corredios Ioram soldados, precisamente para evitar que pudessem ser movidosSimoneForster(2004)relataque,diantedasresistnciasportodaaparte,uma investigaofoisolicitadaparaestudarosefeitosdosespaosabertossobrea aprendizagemedesempenhodosestudantes.Osestudosrevelaramque,naAustrlia,os alunosdasescolasdeespaosabertosobtinhampontuaomaisbaixadoqueosdas escolastradicionais,enquantonosEstadosUnidosdaAmricaeInglaterranohavia superioridade de um ou outro sistema.Alm disso, o financiamento para a construo dos novos e arrojados edifcios logo se mostrou insuficiente, e os diferentes espaos foram sendo reduzidos aos inevitveis: sala deaulaestvel,biblioteca,banheiros,ealgunsespaosousalasamplasqueserviampara tudo que no fosse a sala de aula strictu sensu: comedor, educao fsica em dias de chuva, aulas de artes que implicassem 'sujeira, entre outras. O movimento de construo de escolas de espaos abertos perdeu fora e, nos anos oitenta,essesespaosforamreciclados.SimoneForster(2004,p.8)declarouquea experincialhedeu'aconvicodequeaarquiteturanotemavocaodeprovocaras reformasequeautilizaodoespaonosed,namaioriadasvezes,comoprescrita pelos arquitetos. 22 A arquitetura que prometeramudar a pedagogiafoi por ela conformada, revelando queodispositivoespacialumrecursonoqualaspessoaspodemmobilizareinvestircomdiferentessignificados,masnoconseguedeterminarprticas.Odebatesobreaeducaoemescolasdeespaosabertostambmnosmostraqueasinovaes rapidamentepodemseradaptadaspelosusuriosdaescola,quesetransformamem artesos locais (Derouet-Bresson, 1998). A genealogia da escola de opo mltipla a ser desenvolvida nas escolas de espaos abertosestavaenraizadanopensamentointerdisciplinareinternacionalassumidopela OCDE,nointuitodedesenvolverespaoseducativoseficazes.Marie-ClaudeDerouet-Besson(1988)acreditaqueaideiadeinfluenciarprocessosdeinovaodesderemotas experinciasalheiasinfrutfera.Paraaautora,aescoladeopesmltiplasfoio resultadodesucessivasidealizaes:osalunoseramideais,assituaesdosprofessores eramnovaseideais,osprogramaseramideais,omodelofinaleraideal,assimcomoa padronizaoabusivadaqueleprocessonegavaaflexibilidade.Querendocontrariaras formasdeedifciosestticoserepetitivos,aescolademulti-opofoipropostacomoum ideal na capacidade de adaptao s situaes, mas chocou-se com a realidade. Aquela arquitetura que estava cercada por um discurso muito otimista por parte de tcnicos,pedagogosearquitetosquantoassuaspossibilidadespedaggicas,transformou-se emfrustrao e sentimento de fracasso assim que os professores e pais, por toda parte, reagiram fortemente a elae seus espaos abertos foram fechados e seus espaos variados ocupados por 'salas tradicionais.Queleituraspodemosfazerdessesfatos?Osprofessoresreclamaramporuma arquiteturaescolarqueconheciam,quevivenciaramcomoestudantes,quepudessem controlarequelhesassegurasseaexecuodeumtrabalhoaceitopeloimaginriosocial como 'normal? Outra Iorma de ensino, outra arquitetura era conIusa, incontrolavel? No eraaverdadeiraescola?Reclamaramacoernciainterna?Ouacoernciaexterna?Foi maisIortequeainovaoa'culturamaterialdaescolatradicional?(EscolanoBenito, 2000;ViaoFrago,2007).Faloumaisaltoa'gramaticadaescolaridade? (Cuban & Tyack, 2000).Aarquiteturaescolar,queatentosedesenvolveracomcertoalinhamento pedagogia, desalinha-se no esforo mesmo de tornar-se mais alinhada e, pensada para uma revoluo metodolgica, parece consolidar-se na 'velha e tradicional sala de aula. A ideia do'aprenderemmovimentochoca-secomarealidadeeconmica,comaformaodos 23 professores, com as tcnicas construtivas, com um imaginriosocial legado pela forma da saladeaula.Aoqueparece,romperessaimagemexigemuitomaisdoqueumaarquitetura flexvel.Omodeloescolarassentadonoensinoparaumaclassehomogneaconstituium elementoestruturantedasculturasdasescolasefoiconstrudonoprocessohistrico quelhedeuorigem.Essemodelo'setraduzemvalores,imagens,simbolos,normas, estruturas,rotinas,processos,porelaproduzidoseporelaconservados(Barroso,2004, p.105). A cultura de escola vai dando aos professores e pais parmetros para se engajar ou rejeitarasreformaspropostasdeforaparadentrodaescola.Mesmosemsistematizao, desdea'culturaempirica(EscolanoBenito,2006a)ouintuitiva,essessujeitosvo mantendoeexigindoalguma'coernciae,naausnciadedomniosobreonovo, agarram-se ao que j conhecem, j vivenciaram.Emestudonoqualperguntavamporquefracassaramasinmerasreformas educacionaisnos Estados Unidos daAmrica, Cubane Tyack (2000)concluram que tais reformasraramenteseradicaramnassalasdeaulaenasescolasdopas,devido continuidadeda'gramaticadainstruo,quesecaracterizapelaorganizaodosalunos emclassegraduadanaqualvigoraafaladoprofessor,numtempocertoeestvel,nas regrasquedecidemcomoaescolasecomportae,sobretudosemudamouno.A "gramticadaescola",assimcomoagramticadafala,estdetalmaneiraassentadanas culturas das escolas que passa por 'natural e gera aideia de uma 'escola autntica, tal o pesodosprocedimentoshabituaisquepesamsobreosprofessoreseestudanteseque acabam por colocar um Ireio as reIormas. Porem, advertem: 'a gramatica da escolaridade e umprodutohistoricoenoumacriaoprimordial(Cuban&Tyack,2000,p.169). Tambm ela resultado de esforos de grupos que se mobilizaram para obter apoio s suas propostas.ParaCubaneTyack(2000,p.170),umavezestabelecida,agramticada escolaridadepersiste,emparteporquepermiteaosprofessorescumprircomseusdeveres de maneira previsvel e enfrentar as tarefas cotidianas que as juntas escolares, os diretores eospaisesperamquecumpram:'controlaracondutadosestudantes,instruiralunos heterogneosesepararaspessoasparaseusfuturospapeisnaescolaedepoisnavida. Consideramaindaqueofracassodasreformasdeve-semenosaum'conservadorismo conscienteemaisa'habitosinstitucionaisnoexaminadoseaumasdiIundidascrenas culturais acerca do que constitui uma verdadeira escola (Cuban & Tyack, 2000, p.173). 24 Paraalmdagramtica,asescolasdeespaosabertostocaramaindanumoutro elemento fundante das culturas da escola: a sua mtrica. At ento, de modo geral, a escola mantinha-se estvel quanto as suas dimenses fsicas. Havia normasslidas em termos de metragem quadrada ou volumtrica, que definia o tamanho das salas e ptios, a altura dos edifcios, as larguras dos corredores, a proporo de janelas e portas, o tamanho das mesas, cadeirasearmrios,otamanhoemminutosdaaulatudotocerto,toestvele cientfico. As normativas higinicas e arquitetnicas, que conferiam ao edifcio valor social elegitimidadecientfica,soalteradas.Propunha-sequeaaulade40alunoscomuma professoradeterminadaseriasubstitudaporumgrupoindeterminadodeprofessores.O grupoformadoporumnmeroestveldealunos,reunidosemtemposcertos,seria substitudo por agrupamentos de nmero varivel em espaos e tempos. Quantas variaes! Nososimplesasmudanaspropostas.Elasincidemsobreprticas,hbitosecostumes enraizados ao longo do tempo e que constituem o imaginario social da 'boa e bela escola do tempo das certezas.Assim, perguntamos nessa Tese: nas provocaes da arquitetura gramtica escolar eviceversa,sucumbiuaarquiteturadasescolasdeespaosabertos,diantedacultura escolar?Naprtica,desapareceuaarquiteturadasescolasdeespaosabertosecomela uma pedagogia ativa?Aflexibilidade de seus espaos e agrupamentos de alunos, assalas polivalentesemtodosdinmicosficaramparatrs?Talvezdevamosperguntartambm pelosjogosqueconstituemasculturasescolaresepelasincoernciasinternaseexternas que emolduravam aquela proposta para entender porque ela teveto pouco sucesso. Essas questesdelimitaramoobjetivogeraldainvestigaoquebuscou:analisaraarquitetura das escolas de espaos abertos, construdas na altura dos anos 70 do sculo XX, buscando nexos/desconexosentreumapedagogiaativaeumaarquiteturaflexvel,observandoos processosdedifusoeapropriaoquecaracterizaramasexperinciasdesenvolvidasno Brasil, Argentina, Portugal. A arquitetura de espaos abertos deixou de existir. No entanto, deixoumarcas que sepodemidentificardepoisdepassadosquarentaanos.Foramessasmarcasque permitiram reconhecer e refletir sobre a articulao entre arquitetura escolar e a pedagogia, asprovocaesqueumafezoutraesobreasnovasprticasqueemergiramcomaquela experincia. A experincia das escolas de espaos abertos nos convida a desconfiar de queno hgramticaquepersistamodelandoeternamenteaculturaescolar,assimcomonoh 25 culturaescolarquesealtererapidamenteporsimplesaplicaoedifusodeideias supostamente universais.Com base nas questes esboadas, os seguintes objetivos nortearam a investigao: .caracterizaraarquiteturadasescolasdeespaosabertos,esboando-lhesumperfil pedaggico e arquitetnico; .descrever dinmicas de difuso dasideias das escolas de espaos abertos, sua atrao e acolhimento no mbito dos pases propostos; .apreender relaes entre arquitetura escolar flexvel e pedagogia ativa;.desvelarpercepessobreousodaarquiteturaescolardeespaosabertosesuas possibilidadesnadinmicadagramticaescolaredaculturamaterialdasescolas:razes quelevaramprofessoresegestoresapromoveralteraesnaarquiteturaprojetadae construda;percepessobreopapeldaarquiteturaparaodesenvolvimentodotrabalho pedaggico;impactosqueaarquiteturaexercesobreapedagogia;satisfaoprofissional frente arquitetura escolar; percepes sobre a articulao/desarticulao entre a dimenso pedaggica e a dimenso arquitetnica no espao escolar. 1.2Percurso metodolgicoEsteitem,emespecial,vouescrev-lonaprimeirapessoadosingular,poisfoia nicaforma que encontrei paraperceber edescrever o caminho que percorri para realizar esta tese. Andei pelas trilhas, mas sempre em dilogo com as fontes, com os autores, com a minhahistria,comasminhasconviceseescolhas.E,dasminhasescolhas,quero acentuar,precisamenteaquedizrespeitoescolhadametodologia.Nomefilieia nenhumapropostametodolgicaemespecial.Tenteisercoerenteerigorosacomminhas convices,fielsfonteseatentaaosestudosdeoutrosestudiososquetomeicomo suportes tericos. Persegui as respostas s perguntas iniciais, sem tom-las como leis, mas comoguias.Procureirespeitosamenteouvirasteorias,desconfiandodelas.Liasfontes sabendoquelianoexatamenteoqueosescritoresdiziam,masaquiloqueminhas infernciaspermitiam.Apropriei-medeBenitoEscolano,deRogerChartier,deRui Canrio,deVinoFrago,deTeixeiraNettoedetantosoutros,namedidaemqueeles diziam coisas que me ajudavam a dizer o meu dizer.26 Busquei no ignorar que o saber histrico deve ser controlado por critrios de rigor edeverdade,masassumooriscodeafirmaraimpossibilidadedesepararo textodoseu contextodeproduo.Busqueiento,nodilogocomasfontes,compreenderomodo comoosdiscursosmoldaramosfatos,comoconfiguraramasrealidades.Aprendicom Chartierebusqueiempregaraaprendizagem,assumindo-mecomoumaprodutorade sentidos sobre o passado. Para tal, procurei ler os documentos, organizar as fontes, realizar as anlises, exercitando o confronto das diferentes narrativas.Enfrentarafriezadasfontes,criando-lhessentidos,foitarefaqueenfrentei buscandoapoioemestudos,pesquisas,enfim,naliteraturaacadmica,privilegiadamente naquelasqueabordamasculturasescolareseadifusomundialdasideiasnombitoda histriadaeducao,dosestudoscomparadosemeducaoedaarquiteturacomo produo cultural e histrica.Otrabalhoempricoseorganizouapartirdeumconjuntodiversificadodefontes. Trabalheicomdocumentaodearquivos,comrevistas,documentaesgeraisonline. Meu procedimento, ao interagir com asfontes, teve como parmetros os ensinamentos da Histria Cultural, e por essa via fui evitando uma anlise que v a cultura como integrante dasuperestrutura,comomeroreflexodainfraestrutura,oudaculturacomomanifestao superior do esprito humano e, portanto, como domnio das elites. Procurei privilegiar um conceitodeculturacomoumconjuntodesignificadospartilhadoseconstrudospelos homens para explicar o mundo.Procureiestaratenta,noparaevitar,masparaassumirquealeituraqueeufazia era 'a minha leitura e, como tal, assumo que no lia exatamente o que os autores diziam, masoqueeupudeinterpretarmedidaquerelacionavaosdiferentestextosqueialendo com minhas prprias convices, com minhas concepes, que tambm no so s minhas, mas que so resultado das partilhas que teci no meu percurso de vida.OArquivodasConstruesEscolaresdePortugalfoifundamentalparaa investigao,poisaliencontreiumconjuntodedocumentosqueserviramdebalizana procura dos documentos dos demais pases. Como o arquivo de Portugal bastante rico, a pesquisainiciouporumpatamarsuperioremtermosdefontes,comparativamente,se tivesse iniciado pelo Brasil ou Argentina.Daleituradostextosedocumentosinternacionaisextraiosquatroprincpios pedaggicos,arquitetnicos,construtivoseadministrativos,almdasideias-chaveque sustentaramomovimentointernacionaldasescolasdeespaosabertos,comasquais 27 organizeiosdadosdecadaumdospasesemparticular.Ouseja,foramosdocumentos internacionais que forneceram a grade de termos e ideias que mediou as demais leituras. Nobusquei,nosdocumentosetextosqueli,quantificarasideiasqueorganizei, apenasidentific-lasnosdiferentesdocumentosdasdiferentesinstituies,dasdiferentes edies e dos diferentes pases. Considervel ateno fui dando aos conceitos que sempre se repetiam e com os quais organizei os dados nos quatro princpios que enunciei. Em termos cronolgicos, no havia muita opo. O espao de tempo entre os anos 1965e1975foiotempodaexperincia.Perodoaproximadonoqualomovimentodas escolasdeespaosabertossedesenvolveunostrspasesescolhidos.Oquejulgoento importante sublinhar que a definio temporal decorreu do prprio objeto de estudo.Nocaminhoquepercorri,empregueidiferentesespaos(formaiseinformais)e tiposdefontes.Emumprimeiromomento,busqueiosarquivosonlinedasorganizaes internacionais,aseguirosarquivosnacionaisdospases,paracomporoconjuntode documentos, oficiaisouno,publicadasporagentesdiretamenteenvolvidosnagestoda experincia.Assim,compuseramoprimeiroconjuntodedocumentososrelatriosde misses no estrangeiro, os projetos arquitetnicos das escolas de espaos abertos com seus respectivosmemorais descritivos, relatrios, alm de atos oficiaiscomo ofcios, portarias, e normativas acerca das construes escolares.Os documentos de organismos internacionais vieram especialmente de pesquisa via internetedagentilezaeboavontadedeinmeraspessoasaquemescreviequeme enviaram documentos, artigos e outras referncias. A partir desses documentos e revistas, construamoldurapolticanoqualaarquiteturadasescolasdeespaosabertoseas dinmicas de sua difuso e apropriao estiveram mergulhadas. DevodestacarqueoArquivodasconstruesEscolaresdePortugalfoiolugar onde encontrei o melhor e mais bem organizado conjunto de documentos relativamentes escolas de espaos abertos. L encontrei os projetos, relatrios, ofcios e fotos. No Brasil e Argentina os Arquivos Nacionais no contm registros organizados sobre as experincias. Localizeiosdocumentoscitadosespalhadospordiferentesstios:bibliotecadoInstituto Nacional de Estudos Pedaggicos (INEP) e faculdades de pedagogia no Brasil e Biblioteca Nacional de Maestros na Argentina. Nos relatrios,memorandos e correspondncias trocadas entre tcnicos, gestores e escolas,encontreiosregistrosquerevelaramconcepesarquitetnicasepedaggicas, alm dos nexos entre elas. Os registros de eventos, a descrio das estruturas e os detalhes 28 observadosnasfotos,desenhosetextospermitiram,maneiraetnogrfica,identificar prticas,modosdeusos,vivncias,damesmaformaquepudeidentificasasmudanase persistnciasno tempoem queseinscreveramno espao. Asinterpretaes dessasfontes indicaramosconflitosetensesprovocadaspelasdiferenaseequivalnciasentrea proposta terica e a prtica escolar.Outro conjunto de fontes foram as revistas especializadas em arquitetura publicadas nostrspases.Nessembito,procureipelasopinies,avaliaes,enfim,tesesecontra-tesesacercadasescolasdeespaosabertos.Interessei-meportodaopinioacercade arquitetura escolar publicada no perodo em estudo.Umterceiroespaodefontesforamasprpriasescolas,nasquaisencontrei materiaisiconogrficos,taiscomofotografiasedesenhose,ondeobtivedepoimentosde professoresoudiretores.Osedifcios,aindaimpregnadospelasmarcasdosprincpios arquitetnicos, foram fontes valiosas de informaes, registradas por fotografiasao longo do trabalho pude recolher fotografias da poca de construo ou do incio do movimento, e outras, atuais, tiradas por mim no transcurso das visitas. Nos registros fotogrficos busquei carimbar as formas de ocupao da sala de aula e as transformaes na arquitetura.Aleituradaarquitetura,elaprpriacomofontenasuamaterialidade,permitiu encontrosentrerepresentaes,lembranas,esquecimentosemarcasdeixadaspela construo,pelousoepelasreformas.Oobjetivodesseprocedimentoeraperceber mudanas e permanncias na arquitetura e seu uso, concebendo-a, assim, como um artefato social e histrico, sujeita a movimentos, e no como algo estvel e atemporal. No mbito de cada pas, visitei duas escolas onde fiz fotografias atuais na busca dos vestgios,dasmarcasepadresarquitetnicos.Encontreidocumentos,correspondncias, masespecialmenteprofessoresealunosavivenciaremaescola.Tambmencontrei professorasquevivenciaramosespaosabertosouporabrir,nomomentoinicialde implantao da escola.Localizarusuriosdasescolasrevelou-setarefaimpossvelnoespaogeogrfico que escolhi e no tempo de que dispunha. Assim, s pude encontrar a opinio e a memria deprofessoresemregistrosescritosdapocaedepoimentosaoacaso,quandodasvisitas sescolasnostrspases.Nessasvisitaspudeconversarcomapenasoitoprofessores, sendotrsemPortugal,quatronoBrasileumemBuenosAires.Destafeita,os depoimentosnoforamtratadoscomofonteseosutilizeiapenasparareafirmaralguma informaojobtidaporoutrasfontes.Detodomodo,osdepoimentosdearquitetos, 29 pedagogos,administradoreseoutrosprofissionaisquevivenciaramomovimento internacionalouasescolasconstrudasnassuasdiferentesfasesajudaramareconstruir fatos, localizar documentos, projetos, relatrios. Tambmfornecerem pistas que ajudaram arelacionarfatos,deramsentidoainformaessoltas,abriramnovastrilha,ajudaramna identificaodesendasperdidasounalocalizaoderelatriosedocumentos.Serviram ainda para comparar relatrios nos quais as descries, de modo geral, eram mais otimistas e valorativas com relao s propostas. Foram teis tambm para a triangulao das fontes e o confronto entre o terico e a prtica.Noexercciodeanlisedosdados,busqueiestaratentasdescontinuidadese rupturas,stransformaes/apropriaes,aosdeslocamentosporvezes,inversodos acontecimentos,decifrando,acolhendocontradies,identificandopontosdefuga, confrontando, analisandojustaposies. Com certezano descobriverdades,mas constru sentidosapoiadaporumacomunidadeacadmicaeinterpretativa.Estranhei,desconfiei, suspeitei,busqueiromperoconvencionalismo,fizumesforodeolharnaperspectiva genealgica, buscando as incoerncias, a aparente estabilidade.Naanlise,nopudeevitarumacomparaotransversalentrePortugal,Brasile Argentina, na percepo dasformas particularescom que cada pas concretizou o modelo que se imaginava 'transnacional. Cabe assinalar que inicialmente inclua-se a Espanha na investigao.Porm,otempoimpediuquepudesselevantarumconjuntodedados semelhantes aos de Portugal, Brasil e Argentina. Mas, os dados dos trs pases permitiram oreconhecimentodomodelodifundidoedosprocessosdeapropriao,eomais importante, permitiu estabelecer relaes entre arquitetura e pedagogia.Tratando-sedeumaideiaquefoidifundidamundialmenteporforadaintenoe da ao de organismos internacionais, era necessrio observar a sua chegada a mais de um pasparaevitararefernciaao"casonico"etambmparaevitarailusodasimples reproduodasideias.Senossatesedequeasideiasdifundidassoapropriadasde formas diferentes era fundamental verific-la em mais de um pas.A escolha dos pases deveu-se ento proximidade cultural e condio de pases em desenvolvimentoeconmico, pertencentes acontinentes diferentes, o que permitiu um sentimento de proximidade. Os trs pases desenvolveram a experincianomesmo tempo histrico,podendoassimseremconsideradoscomoum"campoderelaes"que partilharamumlugarsemelhantenomundoeconmico.Eramostrs,poca, consideradospasesemdesenvolvimentoedeatrasoeducacional,razopelaqualos 30 organismosfizeramlchegarasideiasmodernizantes.Mastambmpodemosapontar semelhanas culturais e polticas, incluindo o que diz respeito relao da educao com a IgrejaCatlicaecomosistemadegoverno:os trsviviamumaditadura.Almdisso, os trspasesapresentamsemelhanasnaorganizaodosistemapblicodeensinoena implementao da escola. Otrabalhoestorganizadoemtornodoprocessodedifusoeapropriaoda propostadaarquiteturadaescoladeespaoabertos,assim,aabordagemcomparativafoi inevitvel. O desafio decorrente desse fato foi realizar leituras buscando as aproximaes e afastamentos,asdiferenaseequivalncias.Aanliseajudouacompreenderos movimentosdossujeitosdiantedesituaesacolhidasdoexteriorpararessignific-las, torn-lassuasourejeit-las,oqueimplicouacompreensodequeningumsefaz sombradooutro,masqueambossefazemnasinteraes.Aorganizaodaspalavras-chave e conceitos encontrados nos documentos dospases como princpiosme ajudaram a perceber as interaes, as formas particulares de apropriao e as ressignificaes.Minhateseeradequeasprticasescolaresatribuiamsentidosaosespaosque escapavam dos discursos e teorias. Assim, o queinteressava compreender, no era tanto a difusomundialdeummodelodearquiteturaescolar,massimomodocomoelefoi apropriado e reelaborado nos contextos nacionais, especificamente da Argentina, do Brasil e de Portugal. E mais, como os usurios dos edifcios concretizados a partir do modelo dele seapropriavam.Estive,dessemodo,diantedeumduploprocessodeapropriao:odos especialistas e arquitetos locais e o dos professores e alunos das escolas construdas.Nointuitodeajudaroleitoracompreenderostermosempregados,porvezesde formadiferenciada,esclareoqueaexpresso'escolasdeespaosabertosirsempre referir-seaomodelointernacionalqueseconcretizoucomnomenclaturasdiferentesemcadapas:emPortugalconhecidaporescolasdereasabertas,noBrasilso chamadasEscolasPolivalentesenaArgentinasoconhecidasporEscolasdaarquitetura desistema,oudoProgramaMdulo67.Domesmomodo,porvezesrefiro-me simplesmente'arquiteturaflexvelquandoestouamedirigirapenasscaractersticas arquitetnicas da proposta.A expresso 'pedagogia ativa no frequentemente empregada no vocabulrio da pedagogia.Nestetrabalhoempregoaexpressodamesmaformaqueencontreiemvriostextoseartigosdomovimentodasescolasdeespaosabertos.Nessecontexto, pedagogiaativanodeveserconfundidacomaescolaativaouaescolademtodos31 ativosdaEscolaNova,emboraestejadentrodessatendnciapedaggica.Otermo 'pedagogiaativaempregadonumsentidomaisalargadoeabraa,almdas metodologiasdeensino,umaconcepodeaprendizagemedecurrculoque,espero, ganhar substncia ao longo do trabalho. 1.2.1Roteiro da leitura Oprimeirocaptuloabrecomumareflexosobreasdimensesdaarquitetura escolar queintencionasituar oleitor no campo relativamente novo da arquitetura escolar, tomadacomoobjetodeestudoecomofonte.Tambmbuscaexplicitarosprincipais conceitos que serviram de chaves para a leitura e anlise dos dados e para a escrita da tese. Nessas reflexes, trabalho com a tese da arquitetura como artefato que medeia e mediada pelaculturaescolar.Oqueprocurofixarsoasdimensesdaarquiteturaescolar,sua origemeevoluoatopontoondesepossacompreenderaemergnciadaarquitetura proposta na dcada que abrange este estudo.Ocaptulocontmumasnteseanalticadasteoriassobrearquiteturaescolarnas suas diferentes dimenses, pensando-a como artefato cultural e histrico da educao, para situar a perspectiva terica adotada.OCaptuloIIdedicadodefiniodosprincpiosdaarquiteturadasescolasde espaos abertos, na sua gnese edifuso, compreendendo aomesmo tempo ummomento intensodeexpansodaescolasecundriaedeampliaodotempodeescolaridade obrigatria para todas as crianas. A propagao de um modelo de arquitetura escolar que sepretendiafossecapazde,finalmente,impulsionarapedagogiaativa,htantotempo anunciada, a tese que o captulo busca evidenciar. O captulo contm uma descrio e anlise do processo de emergncia e difuso das ideias e princpios que configuravam aquela arquitetura, alm deexplicitar, combasenas fontes, osprincpios-chavedaproposta.Se oprimeirocaptulomaisterico,osegundo captulo cumpre tambm funo metodolgica, uma vez que foi atravs dele que organizei os trs captulos seguintes. Nele procuro mostrar os mecanismos atravs dos quais as ideias sedifundiramnumprocessodelegitimaodasinstnciasinternacionaispela cientificidade que lhes emprestaram os tcnicos e especialistas e vice-versa. 32 Construdoapartirdeumasntesedosdocumentospublicadospelosorganismos internacionais,elepretendeapresentarosprincpiosquepermitiramanalisaras experinciasdesenvolvidasnaArgentina,BrasilePortugalepermitirumensaio comparativonoquedizrespeitoapropriaodosprincpiosmaterializadosnosprojetos arquitetnicos e nas propostas de reformas em cada um desses pases.Nostrscaptulosseguintes,descrevoeanalisoosprocessosdeapropriaodas ideiasinternacionaisnombitodecadaumdospases,cadaqualemumcaptulo.Os mecanismosdeapropriao,oscontextoslocaiseosesforosdeenquadramentoemum mundo cada vez mais globalizado em que a sadado sempre renovado atraso educacional, culturaleeconmicodependiadestainserointernacional,marcaramoscontextos nacionais, porm comuns. A busca pela insero no mundo desenvolvido levou a que os trs pases adotassem, nomesmoperodo,princpiossemelhantesparaasreformaseducativaseparaas construesescolares.Nadescrioeanlisedessesprocessos,vouanotandoa inconsistnciadaspolticaseducacionaispblicas,quesesustentaramemreformas,ea produodenormasarquitetnicasquenoencontraramrespaldonassituaesconcretas noquetangeaousodosespaos.Oquesobressaiaimpossibilidadedeumespao idealizadoporarquitetosquetomamidealmentecomorealidadeaquiloquecaptamdas teorias pedaggicas, sem a devida mediao da prtica.Procureiidentificar,especialmenteatravsdaspublicaesenormativasoficiais sobreaarquiteturaescolarenosprojetosdesenhados,apenetraodomodelo internacionalnostrspasesselecionados.Oobjetivo,inicialmente,noeracompar-los, masverificarosmecanismosdeapropriaoeasleituraslocais.Masacomparaofoi inevitvel,poisaopercorrerasdiversasfontesiaidentificandoassemelhanaseas especificidades no desenvolvimento das propostas em cada um dos pases.No captulo final, as reflexes esto organizadas em quatro lies e uma divagao, que buscam apresentar as snteses que fui capaz de fazer relativamente ao estudo efetivado.A primeira lio, de carter mais geral, diz respeito relao entre arquitetura e educao; a segunda diz respeito aos interesses de ordem econmica que orientaram o movimento das escolasdeespaosabertos;aterceiraemergiudaespecificidadedasexperincias difundidas internacionalmente e apropriadas pelos pases, naquilo que tiveram de comum e noquecadaumatevedesingular;aquartaliodecorreudasreflexessobreas manutenesepermannciasqueocorremnosprocessosdeimplementaomateriale 33 simblica de umainovao. A divagao emergiu do 'inevitavel questionamento sobrea possibilidade de haver, no futuro, uma arquitetura escolar. 1.3Campo conceitual: bases de sustentao e principais categorias de anlise Comojdissemos,otrabalhoestorganizadoemtornodoprocessodedifusoe apropriaode uma proposta de inovaomaterializadanaforma da arquitetura da escola de espao abertos.Paracompreenderadifusodeideiasetecnologias,JohnMeyer(2000,p.21) sugere que no se tratem os modelos estandardizados como uma simples aproximao das prticas nacionais aos sistemas com maior sucesso, refletindo apenas a influncia do poder dominante,demasiadolimitada,parareconhecerqueosprpriosmodelosstandersso formatadosnoprocessodeglobalizaoecompemumsistemaeducativomundial.Na visodeMeyer(2000,p.23)qualquerproposiodeinstituiesinternacionaisgerada por profissionais e processos de modelao que os constroem ao nvel nacional ajustados a uma'sociedademundialimaginada.Taisinstituiesconvencemqueseusmodelosde educao so bons para o desenvolvimento nacional, Iundamentando 'sua credibilidade no conhecimento que, no limite, e cientiIico ou proIissional. Osconsultores internacionais e os tecnicos locais 'so vistos como representantes do verdadeiro conhecimento cientiIico e no do poder dos seus paises de origem (Meyer, 2000, p.21).Nabasedoacolhimentodaquelasideiasinternacionaisencontrava-seuma concepovigentedesdeComeniusesuaDidticaMagna:aconstituiodeumsistema escolarmundialcomochaveparaensinartudoatodos,deformaprazerosaecom economia de tempo e recursos, garantindo dessa forma o progresso de todos. Resguardadas as devidas distncias temporais e espaciais, Comenius e a OCDE encontram-se na busca de umareformauniversaldasociedadeatravsdaeducao.Porissomesmo,Comenius consideradoprecursordomovimentoecumnico,daSociedadedasNaes,da OrganizaodasNaesUnidas(ONU),daUNESCOedoBureauInterntionald' Educao,apontaJoaquimFerrreiraGomes(1966),naintroduoda'DidacticaMagna que traduziu para a lngua portuguesa.AimpregnaoepersistnciadasideiasdeComeniusdevem-se,porumlado, coernciainternadosistemadepensamentocomasnecessidadesdapoca,edeoutro, 34 disposio em afirmar a suaverdade como umaverdade de todos e para todos. Assim, ao queparece,tambmatuaramosdirigentesdaOCDE,daUNESCOeoutrosorganismos, quandodivulgaramasideiasdasescolasdeespaosabertos:estas,pretensamente, traduziam o mais moderno, o mais cientfico, o mais avanado e, consequentemente, seria capaz de resolver a ineficcia da escola em toda a parte e para toda a gente.Semquestionaraordemgeralreinante,osorganismosinternacionaisbuscavam responder aos problemas apresentados pelas crticas escola. Mas, para que tais respostas fossemaceitascomocertaseboas,precisavamserlegitimadasporumsistemade validaescientficas.Estefoiopapelquecumpriramostcnicoseespecialistasque, inspiradosemestudosestatsticosepesquisascientficas,apresentaramumasoluo universal para os problemas da escola.Nessecontexto,doisconceitosforamfundamentaisparacompreenderas circunstnciasdadifusointernacionaledarecepoativaquemoldouomovimentodas escolasdeespaosaberto:porumlado,a'externalizaotalcomoconceituouJrgen Schriewer(2000),ouseja,orecursossituaesmundiais,ouaosexemplosbem sucedidos(oumalsucedidos)quedeviamserseguidos;eporoutrolado,oconceitode apropriao tal como formulou Roger Chartier (2002).A apropriao, tal como entende Chartier (2002), visa a elaborao de uma histria social dos usos e das interpretaes, e remete para as determinaes sociais, institucionais e, sobretudo, culturais, e se inscrevem nas prticas especficas que as produzem.Nesse sentido, o conceito de Chartier nos convida a prestar ateno s condies e aos processos particulares que atribuem sentidos aos fatos, s ideias, aos textos e contextos. Significareconhecerqueasinterpretaesnosoneutrasedevemseranalisadasem funodoscontextoseculturaslocais.Nesseespaodeenfrentamentos,Chartiersituaas relaesqueunemosmecanismosdadominaosimblicaeaslgicasespecficasnos usosenosmodosdeapropriaodoqueimposto.Ressalte-sequeosmecanismosde dominaosimblicaobjetivamaaceitaodasrepresentaesemodosdeconsumodos dominantespelosprpriosdominados,numprocessoideolgicodedesqualificaodas culturas dos dominados, tratadas como inferior e ilegtima. Esse conceito de apropriao pressupe a existncia de categorias que organizam e constroemarepresentaodorealaquiloquepermiteverumacoisaausenteoutrazer paraopresenteoausentevividocomoumaprticasociale,dessaforma,poder interpret-lo, ou apropri-lo. A percepo do realno , portanto, um processo objetivo e 35 transparente, mas determinado por categorias partilhadas pelos grupos sociais que, alm de entender, classificam e atuam sobre o real. Dessa forma, para Chartier, a representao do mundo est ligada posio social dosindivduos, sendo, portanto, histrica e prtica. Asprticas,porsuavez,nosoneutras,esimcriaessocioculturaisquesenutremde memrias, de intercmbios, de partilhas de significaes que constroem sentidos. Nessequadrointerpretativo,aabordagemadotadanestetrabalhobuscouprem relevoadimensoculturaldaescola,quernaperspectivaglobal,noquadrodasrelaes queelaestabeleceucomasociedade,quernadimensomaisespecfica,nasformas culturais que ela produz e transmite. O conceito de apropriao aponta para uma 'liberdade criadora e impossibilita uma concepo que v no impostor aquele que produz as prticas apartirdesuasnormativas.Aocolocarosholofotessobreasintencionalidadesna produo de sentidos, buscou-se retirar o espectador da condio de mero receptor passivo, parareconhecerqueeleinterpreta,reconstri,significa,enfim,apropria-se,apartirdos usos criativos que cada comunidade estabelece, distanciando as prticas dasintenes dos reformadores e especialistas.Outros dois conceitos empregados no texto e que se faz necessrio esclarecer so os de 'reforma e de 'inovao. O termo "reforma" empregado como um guarda-chuva no qual se abrigaram as mudanas no quadro legislativo ou estrutural dos sistemas educativos decadapas.Essasreformasalteraesdaspolticaseducativasnacionaisemergiram comoresultadodeumprocessodedifusoeadaptaodeideiasemtodos,elaborado pelosorganismosinternacionaiseassumidopelopoderpolticolocal,comaconseguinte interpretao e modificao dos mesmos. O termo 'inovao refere-se s mudanas mais concretaselimitadasaocurrculocontedos,metodologiaseestratgiasdeensino-aprendizagem,materiais,formas de avaliaoe, especialmente, a arquitetura dos edifcios escolares.Apesardeasinovaespropostasnombitodomovimentodasescolasde espaosabertosnoterememergidodaprpriaescolaque,demodogeral,oque qualificaasinovaes,esimcomoaodosarquitetosqueelaboraramosprocessosdecriaodaarquiteturaescolar,surgemcomoumainovaodasprprias prticas arquitetnicas.Assim, a arquitetura das escolas de espaos abertos, com todos os seus princpios, considerada uma inovao no sentido do esforo de mudana de prticas.Finalmente,faz-senecessriotambm,umapalavrasobreoconceitode experincia, palavra com a qual me refiro s escolas de espaos abertos no mbito de cada 36 pas. Sabendo que as palavras produzem sentido, criam realidades, concebo as experincias dasescolasdeespaosabertos,nocomoalgoquesepassou,mascomoalgoquetocou, quedeixoumarcas,vestgios.Oimportantereconhecernasexperinciasasua 'exposio,suacapacidadedeprovocar,deafetar,deproduzirumencontro,ou'uma relaoqueseexperimentacomoreIereLarrosa(2002,p.21).Nocasodesseestudo,o encontrodeu-seentreaarquiteturaeapedagogiaeaindaqueesseencontropossaser avaliado como desastroso, a experiencia se realizou.1.3.1A arquitetura como uma dimenso das culturas escolaresQuandoalguemdiz:'vouaescola,podeestarsereIerindoaumendereo,um pontonageografiadacidade,masesttambmsereferindoaumaatividadequese distinguedeoutras.Irescolaindicaquesevaiaumlugarondesedesenvolveuma atividade com determinada funo e que pode ou no ter uma arquitetura especfica. Sabe-se, pela indicao 'vou escola, que a pessoa no vai ao cinema ver um filme como lazer, nemigrejarezarporhbito,nemaosupermercadofazercompras.Elavaiaumlugar aprenderalgumacoisa,geralmentecomalgum.Porm,nosdiasatuais,quandoalgum diz'vouaescola,omaisprovavelequeseassocieaatividade'aprendercomum determinadoedifciodadopelaarquiteturaescolar.Esseespao-lugartemcaractersticas fsicas e simblicas que o distinguem do edifcio da igreja, do banco, do centro comercial.Mas essa associao imediata entre edifcio e funo educativa nem sempre foi to evidente.Porumlongotempoaatividadedeensinareaprendersedeuemespaos no prprios.ViaoFrago(1993-94b)distinguelugardeespao,atribuindoaoespaoa caractersticadeserconstrudoeaolugaradeserusado,ocupado.Nessaperspectiva,a escolapassoudeumlugarnaturalaumlugarconstrudo,numprocessoqueseparoua educaodavidacotidiana,paraencerr-laemumlugarfechadoemrelaoaomundo cotidiano. A escola saiu de umlugar emprestado e ocupou umlugar especfico e prprio, saiu da casa privada do professor e ocupou um lugar pblico, saiu dos espaos da igreja e passou a um lugar estatal pago. aqui que se pode falar ento da arquitetura escolar como o lugar da educao: a Escola, que confunde prdio e funo.37 Aescola,nasuaperspectivascio-histrica,umaconstruoculturaluma invenodatada,produzidaemumcontextoculturalnoqualsegeramintenesque tambm so culturais e que, ao mesmo tempo, produzem cultura. Sob essa perspectiva, as relaesentreculturaeescolasomaiscomplexasdoqueinicialmentepodeparecereo conceitodeculturaescolarnosimples,nemconsensual.ViaoFrago(2007),sem desconhecerasdiferenasemtermosdeenfoqueeobjetivosentreosautores,mas observandoassimilaridadesnospressupostosbsicoscontinuidadeepersistnciano tempo,estabilidade,sedimentao,institucionalizaoerelativaautonomia,procura construir uma sintese pessoal sobre o signiIicado de 'cultura escolar, como umConjunto de teorias, ideias, princpios, normas, modelos, rituais, inrcias, hbitoseprticas(formasdefazerepensar,mentalidadese comportamentos)sedimentadasaolongodotempoemformade tradies,regularidadeseregrasdejogonointerditadas,erepartidas pelosseusatores,noseiodasinstituieseducativas.Tradies, regularidades e regras de jogo que se transmitem de gerao em gerao e que proporcionamestratgias: a) para a integraoem taisinstituiese interao nasmesmas; b) para levar a cabo, sobretudo na aula, as tarefas quotidianasqueseesperamdecadaum,efazerfrentesexignciase limitaesquetaistarefasimplicamoucomportamec)parasobreviver s sucessivas reformas, reinterpretando-as e adaptando-as ao seu contexto e s suas necessidades (Viao Frago, 2007, p.87). ParaViaoFrago(2007,p.88-89),osaspectosouelementosmaisvisveisque constituemeconstroemtaisculturasseriam:(a)osatores,(professores,pais,alunose pessoaldaadministraoedosservios);(b)osdiscursos,aslinguagens,osconceitose modosdecomunicaoutilizadosnomundoacadmicoeescolar;(c)osaspectos organizativoseinstitucionais,nosquaissedestacamasprticaseosrituaisdaao educativa,agraduaoeclassificaodosalunos,adivisodosaberemdisciplinas independentes e hierarquizadas, a ideia da classe como um espao-tempo gerido por um s mestre, a distribuio e os usos do espao e do tempo, os critrios de avaliao e promoo dos alunos, a didtica na aula, as relaes entre professores e alunos e entre os alunos e os modosorganizativosdefuncionamentoerelacionamentoescolarformais(direo, secretaria,etc.)einformais(tratamento,cumprimentos,atitudes,grupos,formasde comunicao);(d)aculturamaterialdaescola,naqualincluiosespaosedificadose no edificados. Masnenhumadessasdimensesnasceuesedesenvolveulinearepacificamente. Escolano Benito (2006a) alerta que basta um olhar na histria da educao para encontrar 38 aquieali,emcontinuumeemrupturas,traosdecadaumadestasdimenses anteriormentedefiniodaescolacomoinstituiopblica.Tampoucotaisdimenses acontecemdomesmomodoemtodasasescolas.VinoFrago(2007)analisaquecada escolareelabora,segundoasuadinmicainterna,asnormas,valores,prticas comunitrias, medida que incorpora, reproduz, reelabora, inventa e cria, encadeada com a sociedade. Por esta razo, as expresses ou conceitos de "cultura escolar" e "gramtica da escola", so mais interessantes quando levam em conta as mudanas a longo e mdio prazo na mesma cultura escolar, porque, 'as culturas escolares tambem mudam; no so eternas. Constituem uma combinao entre muitas outras possveis de tradio e mudana. Viao Frago (2007, p.95) pondera ento que, 'partindo de uma perspectiva histrica parece mais frutfero e interessante falar, no plural, de culturas escolares. DominiqueJulia(2001,p.9)descreveaculturaescolarcomoum'conjuntode normasquedefinemconhecimentosaensinarecondutasainculcar,eumconjuntode prticasquepermitematransmissodessesconhecimentoseaincorporaodesses comportamentos. Assim, sua fora poderia ser entendida pela sua capacidade de definir-se como a nica possvel. Orecursosnoesdeculturaescolaregramticadaescolapodersertilpara interpretar os sentimentos de fracasso que impregnaram as avaliaes dos arquitetos sobre osusosqueosprofessoresfizeramdaarquiteturaflexvelapartirdasuaprpriacultura acadmica e emprica.VinoFrago(2007,p.121)alertaquecentraraatenonascontinuidadese regularidades das escolas que persistem no tempo, sem as colocar em causa, pode dar uma impressoexcessivamenteestveleimutveldasmesmas.Eleafirmaqueasinstituies educativassemodiIicam:'Amesmaculturaescolaralgovivoemutvel,possuiasua prpria dinmica interna. Se assim no fosse, no poderamos admitir que a escola mais doquereprodutoradasociedade.Assumindoessaperspectiva,estetrabalhodebruou-se tambem sobre as 'mudanas que completam a perspectiva, tambm histrica, que a noo de cultura escolar comporta.EscolanoBenito(2006b,p.24)dizque'acriaodaescolacomoinstituio pblicaparaaformaodoscidadosiniciouainvenodeumacultura.Aarquitetura escolarparticipadessaconstruo,cercandoprticaseassumindosentidosjexistentes, incorporandoculturasinstitudaseconfigurandonovasculturas.Aarquiteturaescolar, assim,partedocenriomaterialdaescolaetambmmedeiaosmodosecontedosdo 39 ensinareaprender.Aquisepodeperceberaarquiteturaescolarcomoumadimenso material e simblica das culturas escolares.Aculturaescolarpodeserentendidacomooconjuntodeprticasediscursosque regulam a vida das instituies de educao formal e os hbitos da profisso docente e do ofcio de aluno. Para Escolano Benito (2006, p.25-26), podem-se distinguir trs mbitos da culturaescolar:aculturaemprica,aculturaacadmicaoucientficaeaculturapoltico-institucional ou normativa.Aculturaemprica,queoutorgaaprofissionalidadedosprofessoresetem transformadoascrianasemalunos,constitudaprincipalmentedaculturaprticado ensino,quenocontrriaculturaacadmica,masenfatizaadimensopragmticadas relaesentreosatoresdaeducaoformal.Aculturaempricadaescola,nasuamaior parte, construda na experincia, porm interage com os contedos e os modos adaptados culturaacadmicaoucientficaeculturanormativa.Asprticasdocotidianoso, frequentemente, o obstculo que resiste s mudanas que se pretendemintroduzir desde o exterior do sistema, como veremos na anlise das escolas de espaos abertos. Tambm, por outrolado,soessasprticasquereservamamelhortradioaqueassociedadescultas podemrecorreremmomentosdedesorientao.Dealgumaforma,foiessareservaque sustentou a resistncia dos professores quando se lhes apresentaram as salas de aula abertas em um grande salo, no qual o barulho e a 'desordem predominavam. Aculturaacadmicapodesercompreendidacomo oprodutodaaodiscursivae dainvestigaosobreouniversodosalunoseestligadaaodesenvolvimentodo conhecimentoespecializado.Existedesdequeapareceramasprimeirasescolasna sociedadeesefortalecemedidaqueossaberespedaggicossetransformamem disciplinas acadmicas nas escolas normais e nas universidades. No movimento das escolas de espaos abertos, a cultura acadmica se objetivou nos textos cientficos que osexperts produziramedifundiramnasredescriadaspelosorganismosinternacionaisepublicaes especializadas dos arquitetos.A cultura poltico-institucional da escola pode ser compreendida como a linguagem e as prticas geradas nas burocracias administrativas dos sistemas educativos. Essa cultura sematerializanasestruturas,nos dispositivos de governo e decontrole, nas reformas,nos textoseaesquepromovemosgestores,nosplanejamentosenasrelaesentreos diferentessujeitosqueintervmnadinmicadosistema.Aculturapoltica, frequentemente,tomadeemprstimoosprodutosdiscursivosdaculturaacadmicapara, 40 assim,legitimarseuvalor.Foiocasodomovimentodasescolasdeespaosabertos,no qualostcnicosgovernamentaisaliaram-se,emesmoconfundiram-se,comostcnicose especialistasacadmicosnaconstruodaretricajustificativaparaaarquiteturaescolar proposta. A cultura escolar, como nos informa Escolano Benito (2006b, p.27) 'pode Iazer-se visvelcomorepresentaoetnogrfica,parasuaposteriorinterpretaoecompreenso hermenutica em quatro mbitos: as estruturas, dentre as quais seinclui a arquitetura, os temposeformasorganizativas;osatores,principalmentealunoseprofessoreseseus modosderelao;oprogramaqueincluiocurrculoeformasdecreditao;eas mediaesqueafetariamtantoaculturamaterial,comoosmodosdeensino e aprendizagem. A arquitetura como um dos elementos da estrutura que materializa a cultura escolar , neste trabalho, como j mencionamos, ao mesmo tempo, fonte e objeto de estudo. Como fonte, permitir-nos-ler outros aspectos da cultura escolar e as concepes pedaggicas e arquitetnicasquemobilizaramasescolasdeespaosabertosnaquelemovimento internacionaldeinovaoeducacional.Comoobjeto,permitirquereflitamossobreas relaesentrepedagogiaearquiteturaeoprocessodeapropriaodosespaosescolares pelossujeitosquenelehabitam.Poressarazo,faz-senecessriaumareflexomais aprofundadasobreaarquiteturaescolaresuacaracterizaocomoobjetodeestudoe categoria de anlise. o que veremos nos prximos itens.1.3.2Conceituando Arquitetura Escolar Demodogeral,compreende-sepelotermo"arquiteturaescolar"oprojetoeo edifcio construdo para abrigar uma escola. Maso edifcio construdo no encerra, por si s, osentidodearquiteturaescolar.Defato,elaserealizacomoumadimensomaterial: elaoespaoondeaeducaoescolaracontece.Esta,comoqualqueratividadehumana requer um espao e um tempo determinados. 'A educao possui uma dimenso espacial e porissooespao,juntocomotempo,umelementobsico,constitutivodaatividade educativa".(ViaoFrago,1993-94b,p.17).Noentanto,esseespaonoumbloco indiferenciado,homogneo,nemtampoucoumaabstraogeomtrica(CoelhoNetto, 1979). Ele fruto de concepes estticas e ticas, de expectativas e perspectivassociais, 41 desaberes,detcnicas,dedeterminaespolticaseeconmicasquevariamnotempo. Resulta da que, para realizar a anlise de um espao arquitetural ou outro qualquer, faz-se necessrio estud-lo e delimit-lo, caso a caso, conforme o lugar e o tempo.O termo'arquitetura escolar revela o embricamento entre arquitetura e educao, duas dimenses da atividadehumana,mas, tambm, duas reas do conhecimento. Ele diz dosuporteedizdaatividadequeneleserealiza.Assim,abuscadesuacompreenso remeteaodesafiodearticularduasatividadeseduascincias,encontrandonexose fronteiras entre ambos. Nocampocientfico,osconceitosdearquiteturasoobjetosdecontrovrsiase disputasedividem-se,afastando-seouaproximando-se,especialmente,quantonfase nosaspectostcnicoseeconmicosemdetrimentodaestticaevice-versa.Parauns,o belofuncional,praticoeeconmico(paraatingira'todos,esteseriaunicoocaminho possivel).Paraoutros,obeloestano'sensivelenosesubordinariaastecnicas.CoelhoNetto(1979,p.20),citandoAugustoPerret,conceituaarquiteturacomosendo"aartedeorganizaroespaoqueseexprimeatravsdaconstruo.[...]Arquitetura, simplesmente, trabalhosobreoespao,produo doespao.Sensibilidadeetcnicano soseparveis,umaconstituiepermitequeaoutraserealize.Almdisso,escamotearo fatodeoespaoserconstrudorevelasuaideologizao.Talvezistosedeva,analisa CoelhoNetto (1979,p.118),influnciadageometriaeuclidianaquelevouoarquitetoa reconheceroespaocomoalgodado,semnecessidadedeconceitu-lo,tornando-oum "ignorante em relao ao seu proprio trabalho, seu objeto e instrumentos. O autor tambem argumentaqueaproduodeespaoestsempreinfluenciadapelasleissociais dominantese,porisso,permitequeseleiamossignificadosqueembasamasvisesde mundodaquelesqueoplanejarameconstruram.Essaconstruofsicaementalde signiIicados, Coelho Netto denomina de'semantizao. Para ele, quando o espao perde significadosa dessemantizao, essamudana tambm est respondendo svises de mundo presentes na nova significao. Assim que a arquitetura escolar, quando emerge e enquanto se desenvolve e sofre transformaes, est acompanhada de uma carga semnticaque a constitui.Outra dimenso da arquitetura consider-la sempreinacabada em relaoideia de estabilidade que acompanha uma obra que deve durar no tempo. O espao projetado e construdovaiseconsolidandoemarquiteturaescolarnodia-a-diaqueseguesua inauguraoeocupaopelosusurios.Essescontinuamaconstruiraarquiteturanos 42 seusespaosnaturaiseartificiais,abertosefechados,planosecurvos,nosaspectos construtivos , durante o processo de sua utilizao e apropriao. Signorelli (1980, p.177) aIirma que'o espao se deIine por sua relao com os sereshumanos que o usam, que o desfrutam, quesemovem dentro dele, o recorrem e o dominam. Mas, adverte Signorelli (1980, p.181), o uso do espao, em qualquer sociedade, sempre regulamentado e definido socialeculturalmente.Assim,arquiteturaescolarumespaoprojetado,edificado, organizado e vivido por grupos humanos, em um determinado tempo, no desenvolvimento de uma atividade social especfica: a educao escolar.Oarquiteto,aodesenhar/projetarumespaoescolar,colocaalisuaobjetividadee subjetividadenointuitodesatisfazerasexignciasespaciaisdosquealivoconviver. Essasexignciasultrapassamasnecessidadesbiolgicasefuncionaisrelacionadass escalasmtricas,stcnicasconstrutivaseaoconfortoambiental;elassotambm psicolgicas e estticas, quer "ligadas ao comportamento, ao modo de uso do espao [quer] ao significado simblico do espao mesmo" (Pignatelli, 1980, p.33). O usurio por sua vez, navivnciadesteespao,interfere,criamovimentosentreointernoeoexterno,alteraa luminosidade, aventilao, descobre o escondido, ofusca o evidente. Enfim, a arquitetura faz-se tambm na forma como o usurio a significa e ressignifica, como se apropria desse espao,estequeestnomundosensveldocorpo,dasuaimaginao,dasuaesttica.A arquitetura escolar "algo fsico, material,mas tambm uma construo cultural que gera Iluxos energeticos (Viao Frago, 1993-94b, p.27).Umprojetoarquitetnicoseconcretizaliteralemetaforicamentefalando,na medidaemqueindivduosegruposconstitudosculturalmenteconstroem,edificam, ocupam e apropriam-se do espao projetado. Essa tese leva a outra: a de uma tenso entre o arquiteto, com seu sistema de saberes e valores, tcnicas e regras de projeto, e o usurio comsuasaspiraes,suaprpriaperspectiva.Aprevisodoprojetoarquitetnico meramente uma possibilidade pois, ao seu modo, o usurio tambm arquiteta o espao. Aocupaodoespaoparaaatividadeeducaooconstituicomoo'lugarda educao(ViaoFrago,1993-94b,p.18).Mas,aindanodesselugarqueestamos falando, pois a educao pode dar-se em qualquer espao. Quando um menino ia igreja, noseculoXVIII,paraterliesdecontar,iaaescola,masnoiaauma'arquitetura escolar.QuandooespaoeorganizadoedeIinidoenquantoarquiteturaescolar,esta definidoeorganizadosegundoalgicadestaatividadenotempohistricoemqueest sendoconcebidoeusado.Querdizer:aarquiteturasganhaosignificadode