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ARQUITETURA SOB A LUZ DO CINEMA LETICIA COLNAGO

Arquitetura sob a luz do cinema

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Trabalho final de graduação. UFES, 2012.

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ARQUITETURASOB A LUZ DO CINEMA

LETICIA COLNAGO

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ARQUITETURASOB A LUZ DO CINEMA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTOCENTRO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

ARQUITETURA SOB A LUZ DO CINEMALETICIA COLNAGO

VITÓRIA2012

Projeto de Graduação apresentado ao Departamento de Arquitetura e

Urbanismo do Centro de Artes da Uni-versidade Federal do Espírito Santo como requisito para a obtenção do

título de Arquiteta e Urbanista

Orientadora: Dra. Clara Luiza MirandaCo-Orientadora: Dra. Daniela Zanetti

Co-Orientador: Vitor Graize

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Leticia Colnago

Projeto de Graduação aprovado em: _____________

Ata de Avaliação da Banca:

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Avaliação da Banca Examinadora

_________________________________________________________________nota data Dra. Clara Luiza Miranda

_________________________________________________________________nota data Dra. Daniela Zanetti

_________________________________________________________________nota data Vitor Graize

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AGRADECIMENTOS Primeiramente à minha família, pelo amor, pelo apoio constante e pela paciência, especialmente durante esses anos de faculdade.

Aosprofessoresquepassarampelaminhavida,quemefizeramcrescer como pessoa e como arquiteta.

Especialmente à minha orientadora Clara Miranda, pela atenção e pela disponibilidade, pelas discussões enriquecedoras (e por todas as outras também).

Aosmeusco-orientadores,VitorGraizeeDanielaZanetti,quemeguiaram nessa jornada em um campo praticamente desconhecido.

Aosamigosquefiznessesúltimos5anos,queforamresponsáveisportorná-losinesquecíveis.

Emespecial ao Jão,pelaamizade,pelasbrigas,pela companhiasemprepresente,enfim,portudo.

Vocêstodossãoresponsáveispelapessoaqueeusouhoje.

Obrigada.

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“Olha, descobre este segredo: uma coisa são duas - ela mesma e sua imagem.Repara mais ainda. Uma coisa são inúmeras coisas.

Sua imagem contém infinidade de imagens em estado de sonho, germinando no espaço e na luz.E as criaturas são também assim, múltiplas de si mesmas.

A variedade de imagens revela o mundo que nasce a cada instante em que o contemplas: formas, ritmos, ângulos, expressões, impressões, fragmentos, síntese.

A imagem é um ser vivo, como os demais seres. E quer penetrar em teu espírito, habitá-lo como hóspede afetuoso.

Se a recolheres com toda pureza da vista e completa simpatia da mente, ela te enriquecerá.”

Carlos Drummond de Andrade

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ÍNDICEIntrodução ........................................................................................ 13

Espaço fílmico ................................................................................... 21

Espaço como personagem .............................................................. 55

Cinema como campo de experimentação ...................................... 83

Cinema como meio crítico .............................................................. 105

Conclusão ........................................................................................ 129

Glossário .......................................................................................... 133

Créditos ........................................................................................... 141

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13INTRODUÇÃO

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“[...] o cinema pode sempre instigar a cidade ver-se pelo olhar do outro – não encarar o cinema como um espelho, mas como um prisma, não para ver o objeto refletidonofilme,masusarofilmeparaveratravésdacidade a sua pulsão urbana.* ”

Arquitetura e cinema são dois campos de trabalho que, embora diferentes,estão inextricavelmenterelacionados–como serádemons-tradonaspáginasaseguir.Aoexplorarestesdoistemasdeformaconjun-tabusca-setomarproveitodo“diálogosempreenriquecedorqueprivile-gia o entre”* , deste ponto de fronteira/tensão entre eles, com o objetivo de tentar perceber ambos através de um ângulo novo.

Este trabalho busca examinar o papel e o potencial do cinema como forma de representação, fonte de inspiração, meio de observação e de interpretação dos espaços arquitetônicos. Tem como objetivo dire-cionarumolharcríticoàproduçãocinematográficaatualeatravésdelaobservar (pelo olhar do outro) a cidade e sua pulsão urbana, assim como outros espaços arquitetônicos.

INTRODUÇÃO* DUARTE, Fábio. Cinemacidades. Arquitextos, São Paulo, 05.053, Vitruvius, out. 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ar-quitextos/05.053/532>.

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Metodologia

O trabalho tem como base uma revisão crítica da bibliografiaencontrada a respeito do tema “relação entre cinema e arquitetura”, na forma de livros, artigos e outros trabalhos acadêmicos. Foram também estudados textos teóricos focados no campo do cinema (especialmente doautorJacquesAumont,como“AImagem”,“EstéticadoFilme”e“AAná-lise do Filme”) com o objetivo de compreender melhor os fundamentos do campo de trabalho. Simultaneamente, houve um esforço no sentido de procurar filmesquepudessemserconsideradosdealgumaformarele-vantesaotemaeàsreflexõesdecorrentesdosproblemaslevantadosporestes.Ocorpusdestetrabalhoentãoseconstituidetextosedefilmes.

Os filmes escolhidos foram então assistidos buscando mantersempre o foco na importância dos espaços e lugares que representam, da relevância destinada a estes espaços dentro da narrativa e da forma como essarepresentaçãoocorre.Asanálisesfeitasarespeitodosfilmesvariamo foco entre a relevância da arquitetura para a narrativa (tema) e sua presençaestética(imagem),umavezqueosdoispontossãorelevantesa partir do momento que consideramos a arquitetura (uma arte de forte presençaestética)parteintegrantedofilmecomoelementonarrativo.

Obviamentemuitosfilmesnãoserãoconsideradosnestetrabalho,umavezqueseriaimpossívelanalisartodaaproduçãodeumaindústria

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cinematográficacommaisdeumséculodeexistência.Destaforma,comointuito de manter a pesquisa relevante (e plausível), criou-se um recorte paraanálisefocadonaproduçãocinematográficadofinaldadécadade1990 até o início da década de 2010 (época atual da produção do tra-balho). Não por acaso, este período coincide com o início de um contato mais interessante e crítico com o cinema de minha parte. Permite-se uma exceçãoaesterecortehistóriconoprimeirocapítulo,umavezqueparafazerumarevisãohistóricadaevoluçãodosespaçosfílmicosénecessárioabordar produções de períodos anteriores.

É importante deixar claro que este trabalho não tem a intenção de julgarovalorartísticodosfilmesanalisados.Busca,aoinvés,seromaisabrangente possível, abarcando diferentes temas e abordagens da produ-ção do cinema narrativo contemporâneo – do independente ao comercial, doavant-gardeaomainstream–comoumaformadeexploraraomáximoo temaeseushorizontes/perspectivas.Evita-seapenasogênerodocu-mentáriocomoformadelimitaroescopodotrabalhoàsnarrativasficcio-nais.

Porúltimo, é importante lembrarque, emboraeste trabalho seaventurenocampodocinema,seufocoprincipalestánocampodaAr-quitetura e do Urbanismo. Logo, apesar de ter sido feito um esforço real paracompreenderasbasesdoestudocinematográfico,asanálisesaquirealizadas foramproduzidasporumacinéfila,umaamadoranacampodasartescinematográficas,edevemserencaradascomotal.

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Capítulos

O primeiro capítulo, “Espaço fílmico”, tem a intenção de intro-duzirosdoistemas(arquiteturaecinema),criandoasprimeirasinterre-lações entre eles. Nele consta também a conceituação do termo “espaço fílmico” a serutilizadonodecorrerdo trabalho, assimcomoumbrevehistóricodasuarepresentaçãonastelas,aimportânciadosprofissionaisrelacionados à criação destes espaços e as transformações que esta re-presentação sofreu devido à evoluções técnicas.

O segundo capítulo, “Espaço como personagem”, aborda a rele-vânciadosespaçosfílmicos(arquitetônicos)diretamentenosfilmesemqueestãoinseridos.Sejacomoferramentadecontextualizaçãodaação,“personagem” participante do desenvolver da trama ou elemento simbó-licocapazdeacrescentarinformaçãoàestória.Nosfilmesabordadosnes-tecapítuloaarquiteturaestarásemprepresentecomoparteinextricável.Nestecapítuloserãoanalisadososfilmes:Insolação(FelipeHirscheDa-niela Thomas, 2009); A Vila (M. Night Shyamalan, 2004); A Casa do Lago (Alejando Agresti, 2006); Aeon Flux(KarynKusama,2005);Meia-Noite em Paris (Woody Allen, 2011) e O Castelo Animado(HayaoMiyazaki,2004).

O terceiro capítulo, “Cinema como campo de experimentação”, discorre sobre as possibilidades do cinema como campo de experimenta-çãotantoparaapercepçãodaarquitetura(realouimaginária)comopara

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a experimentação de novas técnicas projetuais, construtivas e de repre-sentação, novas possibilidades materiais ou conceitos arquitetônicos. Os filmesabordadosnessecapítuloexploramaformacomopercebemosaarquitetura e os espaços construídos e, consequentemente, como a cons-truímos(ouconstruiremos).Nestecapítuloserãoanalisadososfilmes:A Origem (Christopher Nolan, 2010); Dogville (Lars von Trier, 2003).

Oúltimocapítulo,“Cinema como meio crítico”, busca explorar aspossibilidadesdocinemacomomeiocríticodereflexãoarespeitodaarquitetura do passado, contemporânea ou mesmo de novas propostas arquitetônicas..Nestesfilmesaarquiteturaaparecedemaneiramaissu-til, podendoexigirumaanálisemaisprofunda,porém istonãoa tornapartemenosintegralmenteimportantedosuniversosfílmicosapresenta-dos.Nestecapítuloserãoanalisadososfilmes:O Show de Truman (Peter Weir, 1998); Madrugada dos Mortos(ZackSnyder,2004);Encontros e Desencontros (SofiaCoppola,2003)eMatrix(AndyeLanaWachowski,1999).

Éimportanteressaltar,arespeitodosfilmesabordadosemcadacapítulo,queumacertasobreposiçãoéinevitávelpoisquandoaarquite-turaseapresentacomoumelementorelevanteno filmeela frequente-menteadotarámaisdeumafunção.Istoéespecialmenteverdadeironoquedizrespeitoàfunçãocrítica,sendofrequentesosparespersonagem/crítica e crítica/experimentação.

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21ESPAÇO FÍLMICO

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ESPAÇO FÍLMICO Antesdemaisnada,sefaznecessárioexplicitaralgumasdefini-çõesbásicasaseremconsideradasnodecorrerdaleituradotrabalho:

Adefiniçãodearquiteturaaserutilizadaparafinsdeanálisenestetrabalho não vê distinção entre os diferentes tipos de construção, sejam elesedifícios(elementosindividuais,eosespaçosinternosquecompor-tam)oucidadesinteiras(conjuntosdeedifícioseosvaziosurbanosfor-mados pelo agenciamento dos mesmos). Considera como arquitetônico, então, todo espaço construído e os elementos que o compõem. 1

Noentanto,umavezqueestaarquiteturaétranspostaparaatelade cinema ela deixa de ser espaço real para se tornar representação ou apresentação, a serdenominadadeespaço fílmico.Esteespaço fílmicoengloba todo o espaço representado na tela, seja ele construído, tradicio-nal, um setmontadoemestúdio,umaconstruçãopré-existente filmadaem locação ou até mesmo espaços virtuais criados através de recursos de computaçãográfica.Oconceitodeespaçofílmico,porém,abarcatambémo espaço não-tradicional, experimental, imaginado, decorrente da mon-tagem de imagens sucessivas de forma não-linear.2 Finalmente, o espaço fílmicoédelimitadopeloenquadramentonãosendo,noentanto,limitadoporele–umavezquecontinuaexistindono imagináriodoespectadormesmo que passe ao fora de cena.

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Importância do cinema para a arquitetura

Desdeasprimeirastentativasrudimentaresderepresentaroes-paço em que vivemos, passando pelo desenvolvimento da perspectiva no Renascimentoatéasprimeirastécnicasfotográficascomautilizaçãodemecanismos externos criadas no século XIX, a humanidade vem buscan-do formascadavezmaisprecisasde representaromeioquehabita.OcinemaseafirmanoséculoXXcomoumanovapossibilidadedeampliaredesafiarapercepçãodoespaço.*

Em seu livro SaberVer aArquitetura,BrunoZevi afirmaqueomelhormeiopararepresentaraarquiteturaseriaofilme–pois,apesardefazerusodesuportesemduasdimensões,conseguecriarailusãodater-ceira dimensão (profundidade) e de forma ainda mais relevante a ilusão da chamada quarta dimensão, “o tempo dos pontos de vista sucessivos”3 (comumente referida como tempo ou movimento). O próprio autor, po-rém,admitequeestaaindanãoéasoluçãoidealjáqueaofixarumtrajetopré-definidono espaço impedea interatividadedo espectador equeomesmo tenha experiências próprias.

Outro autor que reconhece a relevância da produção cinemato-gráficacomoformadepercepçãodoespaçourbanoéAldoRossi,comoafirmouementrevistaconcedidaàrevistaProcess:Architecture4:

*Percepção esta que já havia sido desafiada previamente pela pró-pria arquitetura ao experimentar com espaços diversos dos quais estávamos acostumados (pla-no livre, cortinas de vidro como forma de resistir ao confinamen-to; edifícios cada vez mais altos afastam as pessoas do ponto de vista natural, próximo ao chão). (SCHWARZER, 2004)

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“Acredito que os Canaletto’s e Piranesi’s da nossa épocasãoosdiretores,aspessoasdocinema:elesdes-crevem a cidade moderna, seu centro e arredores. [...] Os arredores da Roma de Pasolini ou da Milão de Anto-nioni foram descobertos primeiro no cinema, e não por arquitetos.*

” Ao trabalhar esses espaços urbanos nas telas os diretores são res-ponsáveisporrevelá-losaopúblico,àsmassas,porvezessugerindonovasformas de apropriação e uso dos mesmos.

Comparando o cinema com outras formas comuns de percepção do espaço arquitetônico, este pode ser considerado como um meio médio deseexperimentaraarquitetura:nãotãofocadoquantoarepresentaçãotécnica (desenhos técnicos, maquetes), porém mais direcionado do que em situações cotidianas.5 Essa percepção mediada da arquitetura e dos espaços construídos é obviamente diversa da que experimentamos dia-riamenteaopercorrermosoambienteurbano,umavezqueacâmerapas-sa a simular o olhar do observador nos distanciando do espaço concreto, cotidiano.Comoa fotografiahavia feitopreviamente,ocinemadeslocaa arquitetura de seu contexto, podendo agora ser percebida como item individual ao invés de componente de um espaço maior.6 Técnicas como

*“I believe that the Canaletto’s and the Piranesi’s of our time are the directors, the people of the ci-nema: they describe the modern city, its centre and its outskirts. [...] The outskirts of Pasolini’s Rome or of Antonioni’s Milan, were discovered first in the cine-ma, rather than by architects.” Neste parágrafo Rossi se refere a filmes como Desajuste Social (1961) e Mamma Roma (1962) de Pier Paolo Pasolini, e A Noite (1961) de Michelangelo Antonioni, que exploram os arredores destas cidades.

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enquadramentos e a substituição de sons ambientes por trilhas sonoras podemserutilizadaspelosrealizadoresdofilmeparainterferirnaexpe-riênciaurbanaemanipularaexperiênciaestéticadoespaço,porvezesremovendo o indesejado e permitindo apenas o que for considerado rele-vante na criação do seu universo.

Se considerarmos a experiência arquitetônica como o acúmulode sensações experimentadas pelo movimento através do espaço7, ao permitir que elas sejam controladas pelo olhar da câmera concordamos em abrir mão de uma experiência direta destes espaços em favor de uma experiência selecionada e controlada. Cada espectador tem, porém, sua própriavivênciapessoaldofilmeinfluenciandonapercepçãodosespa-çosapresentados.Noentanto,osdiretorespodemfazerusodestecon-trole para realçar detalhes que considerem relevantes, seja através do posicionamento da câmera, constrastes, recortes, etc. Na projeção cine-matográficaospapéisseinvertem:opúblicopermaneceestáticoenquan-toacâmerarealizatodoomovimento.Estaapresentaçãodaarquitetura,filmadaapartirdomelhorângulo,comailuminaçãodesejadaeenqua-dramentoespecífico,podeviracriarumavisãoidealizadacomaqualarealidadenãotemchancederivalizar.Estesfatoresafetamdiretamentenossapercepçãodoespaçopois,comoafirmaMitchellSchwarzer,“comovemoséinseparáveldoquevemos”.8 Aplicando essa mesma lógica pode--se afirmar que a visualidade característica do cinema alterou a nossapercepçãodosespaçosarquitetônicos,umavezquecadavezmaisentra

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mos em contato com o mundo através de imagens projetadas.

Noentanto,apesardessaintermediação,omeiofilmícopodeserconsiderado como a forma de expressão mais apropriado à nossa era por sercapazdeseadaptaresimularasmudançasnapercepçãoresultan-tesdosdiversosdesenvolvimentos tecnológicosaque jáestamosacos-tumados (a visão em movimento de carros e trens, o olhar descendente deaviõesehelicópteros,ocondensamentodaexperiênciadiáriaemumafotografia).9

A principal relação entre arquitetura e cinema tem como base a dialéticaentreaexperiênciafísicadosespaçosconstruídoseacrescentevirtualização/dematerializaçãodosespaçosexperimentadosdiariamen-te.10Apercepçãodascidadesécadavezmaisreguladaatravésdelentesdecâmeras(sejamestasfotográficasouvideográficas),atenuandoasca-racterísticasfísicasemateriaisdoespaçoconstruídoaosolhosdoespec-tador.

SegundoWalterBenjamin,emseutexto“Aobradeartenaeradesua reprodutibilidade técnica”11, tanto o cinema quanto a arquitetura são percebidos num estado de distração, diferente do nível de atenção desti-nado à percepção de uma pintura por exemplo, devido ao movimento das imagenscinematográficas.Damesmaformaquediariamentepercorre-mos espaços urbanos povoados pela arquitetura sem necessariamente

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atentarmosaos seusdetalhes,quandoassistimosaum filmeentramosem um estado de transe semelhante, nos deixando levar pelas imagens que surgemna tela.* Como uma extensão do argumento de Benjamin,ChristianMetzafirmaquea“impressãoderealidade”causadapelocine-maadvémdacapacidadedoespectadordeseidentificarcomosaconteci-mentosrepresentadosnofilmee,casosejaessaaintenção,sedeixarlevarpelas imagens apresentadas.12

“Nenhuma outra arte captura e envolve tão forte-menteoespectadorcomoocinema,quedáasensaçãode estar diante de um acontecimento real, provocando um processo de participação emocional e sensorial da platéia.13

” Estesfênomenosexplicamporque,aoassistirmosumfilme,pode-mossofrerumatotalimersãonoambienteapresentadoe,confiandonarepresentaçãofieldeespaçostidoscomoreais,consideramosconhecê-losmesmosemnuncahavermosestadoláfisicamente.⌘ Mas até que ponto podemostratarapercepçãodessesespaçoscinematográficoscomose-melhante à percepção do mundo real, sem considerar as diferenças ób-vias entre os dois meios de experimentação espacial?

*O próprio Benjamin faz uma res-salva a esse comentário indicando que este estado de distração é ca-racterístico do público especta-dor de massa que busca no filme uma forma de diversão, enquanto o conhecedor o aborda com reco-lhimento e um olhar crítico.

⌘Esta confiança na fidelidade da representação vem desde a fotografia que, através de suas convenções visuais e do seu pro-cedimento técnico, nos convence de que o que vemos é de fato real. (SCHWARZER, 2004)

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É possível também explorar as similaridades entre o arquiteto e outros profissionais relacionados à produção cinematográfica. Em dis-cussãorealizadanoNeoConWest14 o designerdeprodução*AlexMcDo-wellfalaumpoucosobreessassimilaridades:

“O designer de produção e o arquiteto, eu acho, têm práticas paralelas. Ambos começamos com conceitosabstratos que têm que preencher parâmetros rígidos. Em termos da arquitetura os parâmetros são realmen-temuitomaisrígidos.Vocêestá lidandocomespaçosque as pessoas vão ocupar por muito tempo. Mas eu acho que a minha abordagem do design de filmes émuitosimilardeváriasmaneiras.Meutrabalhoécriarum espaço visual que as pessoas possam ‘ocupar’ ple-namente.Euachoquefilmessãoumaversãoaceleradada arquitetura. O que eles perdem nesse processo de aceleração tem a ver com a realidade das texturas e da experiência. ⌘

Nosfilmes,emboraosatorescheguemaocupardefatoosespaçosnodecorrerdasfilmagens,averdadeiraocupaçãoocorreporpartedos

*Profissão similar à de Diretor de Arte na indústria cinematográfica brasileira.

⌘ “The production designer and the architect, I think, have paral-lel practices. We are both starting with an abstract concept that has to fulfill very strict parameters. In terms of architecture, the para-meters are really much stricter. You’re dealing with space that people are going to occupy for a long time. But I think in many ways my approach to film design is similar. My job is to create a vi-sual space that people can fully occupy. I think film’s an accelera-ted version of architecture. What it loses in the process of accele-ration is to do with the reality of textures and experience.”

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espectadores através dos personagens, sendo que isso ocorre de forma imaginada, fantasiada.

Eleaindacompleta,“Nosfilmes,nósestamoslidandocomluzes.Para o designer o seu trabalhoé criar superfíciesqueabsorvemoure-fletemluz.Oambienteemqueaaudiênciaseimerge[espaçofílmico]écriadopuramentedeluz.Nãotemsubstância.”*

É possível também perce-bersemelhançasentreasprofis-sões do arquiteto e de cineasta. Ambos trabalham com a coorde-nação de grandes equipes, mani-pulando sequências de imagens com um intuito de transmitir uma estória, um sentimento, materia-lizando realidades que só exis-tem em suas mentes. Através de processos de decupagem e mon-tagem (para nos apropriarmos do vocabulário cinematográfico)ambososprofissionaiscriamumpercurso a ser seguido, explorado e experimentado pelos especta-

[F3] Croquis feitos por Le Corbu-sier no mesmo estilo de um story-board para ilustrar e acompanhar a descrição do projeto da residên-cia de Madame Meyer.

* “In film we are dealing with li-ghts. For the designer, his job is to create surfaces that either absorb or reflect light. The environment that an audience immerses itself in is created purely out of light. There’s no substance.”

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dores e indivíduos sempre com a mão do arquiteto/diretor guiando este processo. *

Esta comparação não é inédita, o próprio arquiteto Jean Nouvel jácitaestarelaçãoementrevistaconcedidaàrevistaAU–ArquiteturaeUrbanismo:

“o arquiteto, à semelhança de um diretor de cinema, devesabercaptaraluz,omovimento,produzindopormeiodeseusprojetosumacoreografiaderitmos,ges-tos, imagens, tomadas (planos) e fantasia. Saber reali-zar,enfim,asínteseentreouniversorealeovirtual...15

” No entanto, enquanto arquitetos criam espaços que serão habi-tados por décadas (ou até séculos) designers e diretores criam espaços a serem habitados apenas por algumas horas. É importante considerar, porém,quea curtaduraçãodos filmesnão tornaestesespaçosmenosrelevantesoumaisefêmeros,umavezqueestespodempermanecernoimagináriopopularcommuitomaiseficiênciadoqueespaçosditosreais.

*Seguindo esta lógica, a história a ser contada pode ser considerada como um programa que precisa ser atendido - certas cenas/espa-ços são necessários para atender as necessidades do enredo/pro-grama, enquanto outras podem ser consideradas supérfluas e “editadas” do resultado final.

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Importância da arquitetura para o cinema

Aarquiteturacinematográfica*atingediferentesníveisdeimpor-tância com relação à história a ser contada, dependendo das intenções do diretor. Pode servir apenas de pano de fundo para os acontecimentos ou tomar gradualmente maior relevância, passando de elemento acessó-rio ao enredo até a posição de personagem integralmente participante doseudesenrolar.Dequalquerforma,edifíciosepaisagensurbanassãoessenciais na criação desta realidade alternativa, que experimentamos soboolhardirecionadodacâmera,compondoacenaecontextualizandoasações.ComoafirmaFábioAllondosSantos,“éoespaçoarquitetônico[fílmico]quepermitealigaçãoentretempo,espaçoehomem”16.

O diretor Wim Wenders, conhecido pelo seu interesse em traba-lharapaisagem(tantoosespaçosocupadoscomoosvazios),afirma:

“Uma rua, a fachada de uma casa, uma montanha, uma ponte, um rio ou o que quer que seja, são mais do queum‘últimoplano’.Elestambémpossuemumahis-tória, uma personalidade, uma identidade que deve ser levadaasério.Elesinfluenciamoscaractereshumanosque vivemneste últimoplano, criamuma atmosfera,uma noção do tempo, uma emoção. Eles podem ser

*Neste trabalho a arquitetura cinematográfica será considera-da como toda arquitetura que compõe o espaço fílmico, seja ela construída especialmente para o cinema (definição adotada por Dietrich Neumann em “From Metropolis to Blade Runner”) ou arquitetura “real” capturada em filme.

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feiosoubelos,jovensouvelhos:elesestãocertamente‘presentes’,eéjustamenteaúnicacoisaquecontaparao ator. Eles têm o direito de serem levados a sério.17

” Destaforma,podemosafirmarqueaarquiteturaapresentadanocinemapossuiinicialmenteduaspossibilidades:aprimeira,emaisóbvia,éadecomporocenário,panodefundoecontextualizador(notempoenoespaço)dascenasrepresentadas,porvezesextrapolandoestepapelepassando a ser parte integral da estória contada. Neste caso, a arquitetu-ra mantém sua característica diegética, inserida na narrativa. A segunda possibilidade é mais complexa. Neste segundo caso a arquitetura cinema-tográficapodeadquiriropapeldeinfluenciaraformacomoosespectado-res percebem e consomem a arquitetura real. A associação de certo tipo dearquiteturanosfilmespodeexacerbarumsentimentosutilexistentena população (como a associação da arquitetura moderna/contemporâ-nea com “vilões” e personagens disfuncionais), realçar o espírito crítico comrelaçãoàproduçãoarquitetônicaatualouporvezesdissimularentreosprópriosprofissionaisdaáreanovasestéticas.Dessaforma,aarquite-turasuperasuafunçãodiegéticaeextrapolaoslimitesdofilmepassandoa ter relevância direta no chamado “mundo real”.

DietrichNeumannargumentaemfavordessafunçãoextra-diegé-ticadaarquiteturacinematográficaemseulivro“FilmArchitecture:Set

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designsfromMetropolistoBladeRunner”18:

“Talvezoscasosmaisfascinantes–eaquelesaqueotermo‘arquiteturafílmica’sejamaisapropriado–sãoaqueles nos quais a arquitetura é criada especialmen-teparaumfilmeemparticulareexisteapenasparaeatravésdo filme,masque,dequalquer forma, refletee contribui para os debates arquitetônicos correntes. Nestasocasiões,ofilmecomomeiodemassapodeterum importante papel na recepção, crítica e dissemina-ção de idéias arquitetônicas.*

” Arepresentaçãoarquitetônicanocinematambéméresponsávelpelacriação(deliberadaounão)deíconesmemoráveis–nessescasosocinema se torna mais do que meio de representação, passando a ser uma formadeexpressãoarquitetônica.Certosedifíciosoupaisagensarquite-tônicas encontram-se inextricavelmente associadas a eventos cinemato-gráficosicônicos,comooEmpireStateBuildingemNovaYorkeofilmeKing Kong(MerianC.CoopereErnestB.Schoedsack,1933).Estesíconesurbanos (como os denominou Kevin Lynch em seu livro “A Imagem da Cidade”,1960)vãoaospoucossendoutilizadosnosfilmescomoformaderapidamentesituaroespectador,tantogeograficamentecomoemo

*“Perhaps the most fascinating cases – and the ones for which thetermfilmarchitectureseemsmost fitting are those in whicharchitecture is created for a par-ticular movie and exists only for and through the film,butnever-theless reflects and contributesto the contemporary architectu-ral debates. On such occasions, themass-mediumoffilmcanplayan important role in the recep-tion, criticism and dissemination of architectural ideas.” Isto é es-pecialmentefrequentenosfilmesque apresentam ambientes fan-tásticos ou futuristas, por teremum grau maior de liberdade de experimentação formal.

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cionalmente,aofazerusodacargadramáticaquevãoacumulandodevi-doàssuasconstantesapariçõescinematográficas.Destaforma,comumasimples tomada da Torre Eiffel ou do letreiro de Hollywood, é possível criar toda uma paisagem baseada nas associações mentais pré-concebi-daspelopúblico.Estesclichêsarquitetônicosfacilitamadecodificaçãodofilmepelopúblicoespectador.19

[F4] Cartão postal da cidade de Nova York incorpora o próprio personagem do filme à paisagem como forma de divulgação turística.

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Aomesmotempo,arecorrenterepresentaçãocinematográficadecertas paisagens-locações cria uma sensação de familiaridade e anestesia os espectadores à realidade (de forma semelhante ao que ocorre conosco ao percorrermos diariamente o mesmo percurso sem percebê-lo atenta-mente).Dadaanotoriedadeemprestadaaestesedifíciosperservadosemfilmeépossívelqueelesnuncasejamconhecidospessoalmente,umavezqueoqueéfotografado/filmado(experimentado)nãoprecisamaisservisitado.20 Ou,aocontrário,podecriarnopúblicoespectadoranecessida-de de vivenciar esses espaços pessoalmente com o objetivo de reviver e se inserir na trama. Neste caso, seria possível até argumentar que a ex

[F5] Breve reflexo da Torre Eiffel é uma das poucas indicações que o filme Playtime (Jacques Tati, 1967) se passa em Paris.

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posiçãorecorrentedecertascidadesnocinemapodetertidoinfluênciaindiretanoseudesenvolvimentodevidoaoturismo.Areaçãodopúblicodependerá,obviamente,dointeressedespertadopelofilmeporcadaumdos espaços apresentados e do impacto causado por eles.

Assimcomoafotografiahaviafeitoantes,ocinemacria“traçosderealidade”, preservando-a no tempo e no espaço.21 Através das décadas, a contribuição histórica do cinema não se limitou apenas ao retrato da sociedade.Pormeiodefilmagensemlocaçõesreais,possibilitoutambéma documentação do desenvolvimento das cidades criando uma espécie de histórico ilustrado das mesmas (especialmente daquelas consideradas icônicascomoParis,NovaYork,ChicagoouLondres,entretantasoutras).Noentanto,comoafirmaRolandBarthes,nossoentendimentodeumare-presentaçãodecaráterhistóricodependedonossoconhecimentodocon-textohistóricoaqueelapertenceenoqualfoiproduzida,sóassimsendopossívelcompreenderseusignificadoreal.22 É preciso também lembrar quearealidadeapresentadaserásemdúvidainfluenciadapelasideolo-giasdequemaapresenta.Destaformanãoépossívelconsiderá-laumavisão imparcial, tornando assim ainda mais importante o conhecimento históricodequemaobserva.NaspalavrasdeLeonardoName:

“Apaisagemcinematográficanãoé,então,umlugarneutro para o entretenimento ou para uma documen

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tação objetiva, muito menos mero espelho do real, mas sim uma forte criação cultural e ideológica onde signi-ficadossobrelugaresesociedadessãoproduzidos,le-gitimados, contestados e obscurecidos.23

” Detodaforma,éinegávelqueentreaarquiteturaeocinemaexisteumarelaçãodeinfluênciamútua-aarquiteturarealinfluenciaaapresen-taçãodaarquiteturacinematográficaaomesmotempoqueaarquiteturacinematográficainfluenciaaproduçãoepercepçãodaarquiteturareal.

Breve histórico da representação do espaço fílmico no cinema

OcinemasurgenofinaldoséculoXIXcomoumaformaderepre-sentação realista do espaço e de entretenimento para as massas. Nestes quesitos o cinema tinha como antecessores outras invenções que busca-vam simular a realidade, como: oPanorama (uma imensa tela pintada simulando uma paisagem), o Stereorama (que simulava uma viagem pelo Mediterrâneo através da pintura de paisagens em uma tela móvel ilumi-nada, dando a ilusão de movimento) e, ainda mais realístico, o Mareo-rama(ondecercade1500passageirosembarcavamemumaconstruçãoem forma de navio e simulavam uma viagem entre Marselha e Constanti-nopla,inclusivefazendousodoStereorama para simular a passagem das paisagens pelas janelas das cabines).24 Comparando estas invenções, é

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possível perceber que todas tinham a simulação do movimento (e conse-quentementeapassagemdotempo)comoobjetivocomum,umavezqueera este o fator fundamental que convencia os espectadores da situação apresentada.

[F6] Ilustração do Mareora-ma (Exposição de Paris, 1900) publicada na revista Scientific American.

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Os primeiros filmes, produzidos tanto pelos irmãos Lumièrecomo por Thomas Edison, estavam mais preocupados em explorar a visu-alidade do mundo moderno do que em contar histórias.* Cenas de locais reais, porém frequentemente exóticos aos espectadores, eram exploradas comoumaformade“turismo”barato.Anovaartecinematográficacon-seguia retratar a intensidade e contradições da vida nas grandes metró-polesmaiseficientementedoquequalqueroutra.25 Estes primeiros re-gistroscinematográficostiveramo importantepapeldeserviremcomodocumentáriosdascidadesesociedadesdaépoca,comoporexemplonofilmeÀ Propos de Nice(1930)deJeanVigo.Nestefilme,alémdafunçãodocumental,Vigoexploraapossibilidadedeutilizarocinemacomofor-ma de crítica à desigualdade social, aos costumes e modo de vida da alta sociedade contraposta à vida da população em geral.

Osurgimentodofilmenarrativo,comooconhecemosatualmente,data das primeiras décadas do século XX, com diretores como Georges Mélièsqueexploraramogênerodafantasiaeaspossibilidadesdasfilma-gensemestúdio.Oespaçofílmiconestasprimeirasproduçõesemestúdiosofreugrande influênciadacenografia teatral, fazendousodecenáriospintados ou mesmo construídos, porém essencialmente bidimensionais – oquegeravaumcontrastemarcantequandocontrapostoscomfilmagensrealizadasemlocação.26

A arquitetura sempre esteve presente nas produções cinema-

*O famoso filme dos irmãos Lu-mière, A Chegada de um Trem à Ciotat (1895), tem exatamente uma estação de trem como loca-ção principal, um dos ícones máxi-mos da modernidade para a épo-ca. (ALLON DOS SANTOS, 2004) Outro diretor que explora as pos-sibilidades da filmagem documen-tal (assim como experimentações técnicas com o próprio processo de filmagem) é o russo Dziga Ver-tov, a exemplo do seu filme O Ho-mem da Câmera (1929).

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[F7] Imagens do filme À Propos de Nice (1930).

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* Entre os primeiros filmes neor-realistas podemos citar Roma, Cidade Aberta (1945) de Rober-to Rossellini, Obsessão (1943) de Luchino Visconti e Ladrões de Bicicleta (1948) de Vittorio de Sica. O comprometimento com a realidade era tanto que os direto-res frequentemente optavam por utilizar habitantes das cidades ao invés de atores, em prol do realis-mo.

tográficas,comdiferentesníveisdeimportância,aopontodeserquaseimpossível imaginarum filme semalgumelementoarquitetônico.Estafixaçãodocinemacomasgrandesmetrópolespodeserparcialmenteex-plicadapelaorigememcomum,nofinaldoséc.XIX,períododeindustria-lizaçãoemescalaglobal.Agrandeconcentraçãodepotenciaisespectado-resnestescentrosurbanostambéminfluenciouaestreitaconexãoentreos dois. O próprio cinema surge como a primeira forma de arte industrial, produzidonosgrandeestúdioscomoumalinhadeproduçãoondegrupossãoresponsáveispordiferentespartesdoprocesso,semdomíniodopro-cesso total.27

A representação do espaço arquitetônico no cinema sofreu com dificuldades técnicas nas primeiras décadas de sua existência. Os pri-meiros filmesmudospodiamser filmadosem locaçãoouestúdio, sempreocupação com as limitações impostas pela captura do som ambiente, porémeram limitadospelo tamanhodascâmeraseasdificuldadesemmovimentá-lasduranteascenas.Comaintroduçãodosomassociadoàpelículaem1928osdiretoresforamforçadosdevoltaaosestúdiosdevi-doàsdificuldadestécnicasemisolarosomnasfilmagensemlocação.28 É apenas após a Segunda Guerra Mundial, com a ascensão do cinema Ne-orrealista(especialmentenaItália),queosdiretoresretornamàscidadescomoobjetivodefilmaraelaseavida“comoelassão”.*

Desdeentãoosespaçosrepresentadosnocinematêmacompa-

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[F8] Imagem do filme Meu Tio (1958).

nhado as evoluções estéticas e ideológicas do meio arquitetônico, ao mesmo tempo que suscitado discussões a respeito de desenvolvimentos contemporâneoseexpectativasfuturas.Essainfluênciapodeserperce-bidadesdea repercussãode filmes comoO Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920) e Metropolis(FritzLang,1927)comsuaestéticaexpressionista; a ênfase na ascensão do movimento moderno retratada em Vontade Indômita (King Vidor, 1949) e sua crítica bem humorada nos filmesMeu Tio (1958) ePlaytime (1967) de Jacques Tati; assim como as preocupações com o futuro das grandes metrópoles como retra-tado nas distopias de Blade Runner (Ridley Scott, 1982) e Batman (Tim Burton,1989).

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44[F9] Imagem do filme O Gabi-nete do Dr. Caligari (1920).

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Nasprimeirasproduçõescinematográficas,aslocaçõesnãoeramnecessariamente escolhidas pela sua importância narrativa mas sim pe-las facilidades logísiticas que ofereciam (clima ameno, proximidade dos estúdios). Com o desenvolvimento da indústria cinematográfica e osmaiores investimentos que seguiram começou a optar-se por ambientes maisfacilmentecontroláveis,surgindoasprimeirascidadescenográficas(grandes setsemestúdiocapazesdesimularquadrasinteirasdeumaci-dade).Estasubstituiçãodelocaisreaisutilizadosparafilmagensporlu-garesfictíciosconstruídosespecialmenteparafilmagenstemumparalelona recente substituição do centro comercial das cidades, com suas ruas de lojas, por shopping centers. Estas cidades cenográficas, no entanto,criamlugaresparadoxais,ondeoraseestáandandoemumaruadeNovaYorkporémaoviraraesquinaseétransportadoparaumacidadedove-lho oeste.29

Esta construção de sets genéricos/estereotípicos de cidades tam-bém tema facilidadedepermitir sua constante reutilização comalgu-maspoucasmodificações(umseturbano,comgrandesedifícios,passadeNovaYorkaChicagocomapenasoacréscimodealgumasestruturassimulandoumtremelevado).Estareutilizaçãocrialocaisaparentementeconstantesnoimaginário,gerandoumasensaçãonoespectadordefami-liarizaçãocomestascidadesfictícias,damesmaformaqueaoveromes-mopersonagemdiversasvezesacabamoscomasensaçãodeconhecê-lo,quase como amigos. Estas cidades anônimas, sem identidade, podem

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tambémsurgirdefilmagensemlocaçõesreaisatravésdeuma“colagemurbana” onde são agrupadas e misturadas cenas de cidades reais, porém diferentes(comoLosAngeles,NovaYork,etc).Outrofatorqueinfluencianacriaçãodestascidadesanônimaséoconstantefocodosfilmesnaação/movimento, que ao invés de imergir o espectador nos detalhes de um lu-gar permite apenas a percepção de suas características gerais. Estes não--lugarescinematográficospoderiamsercomparadosaseuscontrapontosreais como a Las Vegas Strip e os grandes shopping centersglobalizados.30

Função dos designers de set na evolução dos espaços fílmicos

Entreosprofissionaisresponsáveispelaproduçãodoscenáriosépossível encontrar diversos tipos de especialistas, incluindo arquitetos, decoradores, desenhistas, historiadores e carpinteiros, porém sempre sob a direção de um diretor de arte/designer de set.31Dessaforma,épos-sívelassociar tambémestaposiçãoàdeumarquiteto, responsávelporcoordenar esta grande equipe, equilibrando os desejos do cliente (diretor, estúdio)paraatingirumbomresultadofinal.

É preciso sempre lembrar da importância dos designers de set, responsáveisportodaaambientaçãodeumespaçoaoaparecernatela.Quandoassistimosaumfilmesobreumcasalcomfilhoséfácilesquecerque todos os móveis, acessórios e até brinquedos foram meticulosamen

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te pensados e acrescentados à cena de modo a transmitir a sensação es-peradadamoradadeumcasalcomfilhos.Elementosquenormalmenteseriam desconsiderados, como porta-retratos com fotos da família e brin-quedosespalhadospelochão(desprezíveisarquitetônicamente),sãoosprincipais responsáveispordarum tomdeplausibilidadee convenceros espectadores de que o espaço onde ocorrem essas ações é de fato um lugar real, habitado diariamente pelos personagens, ao invés de um set comapenastrêsparedesesemteto.*Afinal,osegredodeumaboamen-tiraestánosdetalhes.

Designers de sets podem também servir diretamente ao diretor, auxiliandonaescolhadeângulosdefilmagemquedestaquemaspectosrelevantesdocenáriocomointuitodeaumentaroefeitodramáticodossets e, consequentemente, das cenas (entre outros, é possível apontar Ken Adam como um designer adepto deste tipo de comportamento).32Destaforma, o designer de sets trabalha também com a percepção controlada por limitar exatamente que partes do cenário serão visíveis, oferecen-do neste sentido uma experiência diversa da arquitetura tridimensional onde o observador tem a liberdade de circular e captar quantos ângulos desejar.

Entre os designers de sets mais famosos é possível apontar Cedric Gibbonsqueentre1930e1957recebeu11Oscarsefoiindicadooutras29vezesporseustrabalhosparaaMGM.⌘Gibbons pode ser considerado

* Estes tipos de exigências são comuns para conseguir os resul-tados desejados no momento da filmagem em termos de áudio, ângulo e perspectiva.

⌘ Entre os muitos trabalhos de Gibbons estão os clássicos: O Má-gico de Oz (Victor Fleming, 1939), Núpcias de Escândalo (George Cukor, 1940), e Cantando na Chu-va (Stanley Donen e Gene Kelly, 1952).

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aprincipalmenteartísticaresponsávelpelovisualdosfilmesdachamada“EraDourada”deHollywood,sendoqueseussetsinfluenciaramnãoape-nas outros designerscomotambémpopularizaramidéiassobrearquite-tura e designdeinteriores.AentradadeGibbonsnaindústriafílmicaem1918 coincidiu com um período de recrutamento de arquitetos e outros artistas por Hollywood com o intuito de associar suas produções cinema-tográficasaocampodasartes.33

Aintroduçãodadimensãodosomnosfilmesinfluencioutambémo desenvolvimento da profundidade nos setsdefilmagem,umavezqueosom reverberando pelo setproduzumefeitomaisrealista.Muitasvezes,truques cênicos eram usados como forma de acentuar a idéia de profun-didade, como por exemplo o uso de espelhos (truques que são usados até hoje na decoração doméstica).34Aocontráriodoqueocorriaemseussetsparafilmesmudos(quepordiversasvezespareciambidimensionais,como panos de fundo teatrais), Gibbons reconhece a importância da ter-ceira dimensão e do set como mais do que um pano de fundo, criando espaços como o lobbydo filmeGrand Hotel (Edmund Goulding, 1932) onde se desenvolveria boa parte da história. Este espaço, com suas linhas modernas, oferecia uma estrutura complexa porém apropriada para o en-redodofilmequesedesenvolveemtornodapremissadequenestelobby de hotel personagens de diferentes classes sociais e econômicas pode-riam formar relacionamentos.

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Destaforma,olobby criado por Gibbons para Grand Hotel serve não apenas como pano de fundo dos acontecimentos, mas também como elemento catalisador dos mesmos.35

[F10] Set criado por Cedric Gib-bons para as filmagens de Grand Hotel (1932).

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Outro designer de setsresponsávelpelacriaçãodeíconesdocine-ma foi Ken Adam (originalmente Klaus Adam).* Adam é especialmente conhecidopelossetsprojetadosparaofilmeDr. Fantástico (Stanley Ku-brick,1964)epelossetefilmesdasagaJamesBondpelosquaisfoires-ponsável.⌘Sob seu comando, foram criados os ambientes marcantes que sefirmaramcomoíconesdaculturapopular⌽eaindahojeinfluenciamodesigneaestéticadefilmesdeação.

Os estilos marcantes desenvolvidos pelos designers de sets para seusfilmespermitemqueestessejamfacilmentereconhecidoseassocia-dos a eles e à história, oferecendo a mesma distinção destinada a arquite-tos donos de estilos distintos.

* Nascido na Alemanha em 1921 em uma rica família judia, a juven-tude de Adam foi profundamente marcada pela ascensão de Hitler - forçando a fuga de sua família para Londres. Após estudar ar-quitetura e design, Adam direcio-nou seus talentos para o cinema, tendo sua juventude atribulada influenciado seus designs. (AL-BRECHT in LAMSTER, 2000)

⌘Os sete filmes são: 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), 007 Con-tra Goldfinger (1964), 007 Contra a Chantagem Atômica (1965), Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (1967), 007 - Os Diamantes São Eternos (1971), 007 - O Espião Que Me Amava (1977) e 007 Contra o Foguete da Morte (1979).

⌽O próprio Ken Adam gostava de recontar a história de como o pre-sidente norte-americano recém--eleito Ronald Reagan teria ficado desapontado com a Sala de Guer-ra real da Casa Branca, pois teria esperado algo mais parecido com o cenário imponente do filme Dr. Fantástico. (ALBRECHT in LAMS-TER, 2000)

[F11] Sala de Guerra do filme Watchmen (Zack Snyder, 2009) projeta-da por Alex McDowell e inspirada no filme Dr. Fantástico.

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51[F12] Sala de Guerra projetada por Ken Adam para o filme Dr.

Fantástico (1964).

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Referências1 ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade.SãoPaulo:MartinsFontes,2001.2JACOBSON,Brian.Constructions of Cinematic Space: Spatial Practice at the Intersec-tionofFilmandTheory.2005.146f.Dissertação(Mestrado)-MassachussettsInstituteOfTechnology,Cambridge,2005.3ZEVI,Bruno.Saber ver a arquitetura.SãoPaulo:MartinsFontes,2009,p.44.4 ROSSI, Aldo. Entrevista. Process: Architecture:Venice:It’sRealandImaginaryPlace,Tóquio,n.75,p.7-8,1987.5SCHWARZER,Mitchell.Theconsuminglandscape:ArchitectureinthefilmsofMichelan-geloAntonioni.In:LAMSTER,Mark(Comp.).Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.197-215.6 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York:Princeton Architectural Press, 2004.7SCHMARSOW,August.TheFoundationsofArtHistory,1905.In:SCHWARZER,Mitchell.Zoomscape:ArchitectureinMotionandMedia.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2004.8 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York:Princeton Architectural Press, 2004. p.20.9 Idem, Ibidem.10OCKMAN,Joan.Architectureinamodeofdistraction:EighttakesonJacquesTati’sPlay-time. In: LAMSTER, Mark.Architecture and Film. New York: Princeton ArchitecturalPress,2000.p.171-195.11BENJAMIN,Walter.Aobradeartenaeradesuareprodutibilidadetécnica.In:_____.Ma-gia e técnica, arte e política.SãoPaulo:EditoraBrasiliense,1987.p.165-196.

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12OCKMAN,Joan.Architectureinamodeofdistraction:EighttakesonJacquesTati’sPlay-time. In: LAMSTER,Mark.Architecture and Film. New York: Princeton ArchitecturalPress,2000.p.171-195.13METZ,Christian.Arespeitodaimpressãoderealidadenocinema.In:_____.A signifi-cação no cinema. SãoPaulo:Perspectiva,1977.p.15-28.14 Transcriçãodemesa redonda realizada comopartedoeventoNeoConWest emLosAngelesem10demarçode2005mediadaporSusanSzenasy,editora-chefedarevistaonlineMetropolis. Disponível em: <http://www.metropolismag.com/story/20050527/how-technology-and-films-are-changing-architecture>.Acessoem:03dez.2011.15ALLONDOSSANTOS,Fábio.Aarquiteturacomoagentefílmico.Arquitextos, São Pau-lo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitex-tos/04.045/616>.16 Idem, Ibidem.17WENDERS,Wim.Apaisagemurbana.Revista do Iphan,v.23,n.,1994.p.185.18NEUMANN,Dietrich. Introdução. In: _____ (ed.).Film architecture: Setdesigns fromMetropolistoBladeRunner.Munich:Pretel,1999.p.8.19ALLONDOSSANTOS,Fábio.Aarquiteturacomoagentefílmico.Arquitextos, São Pau-lo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitex-tos/04.045/616>.20 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York:Princeton Architectural Press, 2004.21 Idem, Ibidem.22BARTHES,Roland.ThePhotographicMessage.In:_____.Image-Music-Text.NewYork:Noonday Pres, 1977. p. 28.23 NAME, Leonardo dos Passos Miranda. Apontamentos sobre a relação entre cinema e ci

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dade. Arquitextos,SãoPaulo,04.037,Vitruvius,jun.2003<http://vitruvius.es/revistas/read/arquitextos/04.037/676>.24ALLONDOSSANTOS,Fábio.Aarquiteturacomoagentefílmico.Arquitextos, São Pau-lo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitex-tos/04.045/616>.25NEUMANN,Dietrich. Introdução. In: _____ (ed.).Film architecture: Set designs from MetropolistoBladeRunner.Munich:Pretel,1999.p.7.26ALLONDOSSANTOS,Fábio.Aarquiteturacomoagentefílmico.Arquitextos, São Pau-lo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitex-tos/04.045/616>.27DUARTE,Fábio.Cinemacidades.Arquitextos,SãoPaulo,05.053,Vitruvius,out.2004<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.053/532>.28 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York:Princeton Architectural Press, 2004.29VALENTINE,Maggie.Escapebydesign. In:LAMSTER,Mark.Architecture and Film. NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.149-158.30 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York:Princeton Architectural Press, 2004.31WILSON,Christina.CedricGibbons:ArchitectofHollywood’sGoldenAge.In:LAMSTER,Mark.Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.101-116.32ALBRECHT,Donald.Dr.Caligari’sCabinets:ThesetdesignofKenAdam.In:LAMSTER,Mark.Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.117-128.33WILSON,Christina.CedricGibbons:ArchitectofHollywood’sGoldenAge.In:LAMSTER,Mark.Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.101-116.34 Idem, Ibidem.35 Idem, Ibidem.

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ESPAÇO COMO PERSONAGEM

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[F13

] O C

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(200

4).

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ESPAÇO COMO PERSONAGEM Namaioriadosfilmesproduzidosépossívelperceberqueemboraapaisagemeosedifíciostenhamgrandeimportânciaemcenasexternaso foco se encontra principalmente nos elementos participantes da ação, e secundariamentenocenário.Istoéespecialmenteverdadeiroquandoseconsideraoschamados“filmesdeação”que,comoonomejáimplica,têmoseufocoemcenasrápidas,dealtonívelcinético.Emboranessescasosa responsabilidade de transmitir a sensação de movimento esteja princi-palmente nos elementos que atuam diretamente na cena (personagens, meiosdetransporte,animais,etc.)ocenárioé,muitasvezes,proposita-damente deixado fora de foco para realçar a sensação de movimento e velocidade.

Em alguns casos, no entanto, cenas constituídas principalmente de elementos estáticos (como paisagens naturais, edifícios ou por ve-zes cidades inteiras) sãoutilizadaspelo diretor para criar a atmosferaecontextualizaranarrativanoespaço-tempodesejado.1 Embora nessas situaçõesofocoestejanocenário,épossívelaexistênciademovimentoextrínseco a ele (pessoas, carros, animais, clima, etc) mas também de mo-vimentosintrínsecos(terremotos,cenasfilmadasnointeriordenavios,trens, etc)queauxiliamna contextualização.Entreos gêneros cinema-tográficosquedependemdiretamentedesteartifíciotemososwesterns, filmesnoirs ou de época/históricos.

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As técnicas de montagem tiveram um importante papel no desen-volvimentodosespaçosfílmicos.Graçasaelasépossíveljustaporplanosaparentementedesconexosemumfluxosequencialcomointuitodecriarverdadeirasarquiteturasfílmicas,nosentidodequeexistemapenasnocontexto do filme. Estas sequências de planos acabampor possuir umsignificadomaiordoqueseosmesmosfossemapresentadosindividual-mente,significadooriginadodarelaçãoformadaentreeles–semelhanteà relação presente entre as palavras em uma frase.2

Esteefeitoresultantedamontagemtambéméutilizadoparacon-trapor cenas externas (conhecidas como establishing shots) e internas, comoformadelocalizarumaaçãoqueiráocorreremumespaçointerior(normalmente um setemestúdio).Estascenasexternasfrequentementesituamaaçãonãoapenasnoespaço-tempo,comotambémespecificamasituação sócio-econômica dos personagens a elas relacionadas – especial-menteatravésdeassociaçõesmentais feitasautomaticamentepelopú-blicocomosestilosarquitetônicos,escala,mobiliário,apresentados.3 O próprio arquiteto e designer de sets francês Robert Mallet-Stevens (con-temporâneodeLeCorbusier)chegouaafirmar4:

“O set, para ser um bom set, deve atuar. Seja de forma realista, expressionista, moderna ou histórica, ele deve interpretar seu papel [...] deve apresentar o persona

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gem antes que ele apareça, deve indicar sua posição social,seusgostos,seushábitos,seuestilodevida,suapersonalidade.*

” O diretor, porém, pode se aproveitar desses pré-conceitos e das associaçõespréviascomoformadesurpreenderopúblico,contrapondoduas cenas inesperadas e subvertendo as expectativas. Essa possibilidade temsidoexploradafrequentemente,porexemplo,emfilmesqueapresen-tamimagensdesubúrbiosresidenciais(consideradosíconesdaseguran-ça doméstica e do conforto pelo senso comum) que se tornam palco de filmesdesuspense/terroraoabrigaremassassinosemsérie/monstros.Deumaformamenosdrástica,essesmesmossubúrbiostradicionais,su-postamentelardefamíliasfelizes,têmsidoutilizadoscomopalcoparaarepresentação de dramas familiares – demonstrando que esses proble-mas não são exclusivos dos habitantes das cidades modernas.

Estetemaseráelaboradoemdiversasanálises,porém,comoumbreve contraponto, é interessante notar que os habitantes de espaços mo-dernos (marcados pela tecnologia, uso amplo do vidro e metais, etc.) ra-ramentesãoapresentadoscomopessoasfelizesebemajustadas(depen-dendo do contexto, podem até ser considerados os “vilões”). Este tipo de representação dos espaços modernos demonstra um preconceito latente contraosmesmosecontrasuacapacidadedeconduziraumavida

* “The set in order to be a good set, must act. Whether realistic, expressionistic, modern, or histo-rical, it must play its role [...] the set must present the character before he appears, must indicate his social position, his tastes, his habits, his lifestyle, his personali-ty.”

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emocionalmentesaudável.

Nosfilmes,pormeiodoconjuntodefatoresquecompõemumacena (mise-en-scène)comopersonagens,enredo,cenário,e trilhasono-ra, o diretor pode reforçar idéias que ele considera relevantes a respeito daarquiteturaedoseusignificado,tendodestaformagrandepoderdeinfluênciasobreopúblicoespectador.5 Elementos arquitetônicos, urba-nísticos e paisagísticos também podem servir como complementação ao desenvolvimentodramáticodoenredo,especialmentequandoutilizadossimbolicamente em cenas-chave ao longo do desenrolar da narrativa – sendoqueestaformadeutilizaçãoostornapartedalinguagemvisualdocinema.Essasimagenscarregadasdesignificadosimbólico*,aoseremas-sociadasamomentosespecíficosdanarrativa,reforçamsuaimportânciae seu impacto.6

A arquitetura cinematográfica pode também, por vezes, servircomoarepresentaçãovisualdemetáforasesentimentosqueodiretordeseja transmitir.7 Elementos típicos são escadas e elevadores para repre-sentar a ascensão social ou a transição de nível para personagens; pare-desemuroscomoseparaçãoeisolamento;pontescomoconexãofísicaoupsicológica; torres e arranha-céus como poder e comando. Janelas, espe-lhos e outros elementos de vidro oferecem uma moldura para os aconte-cimentos estabelecendo a composição da cena, semelhante ao enquadra-mento resultante da câmera e posteriormente da tela de cinema.

* Este significado simbólico, po-rém, não pode ser considerado universal uma vez que vai de-pender de referências culturais e pessoais específicas do público espectador.

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Insolação: deserto emocional

NofilmeInsolação(2009),dosdiretoresFelipeHirscheDanielaThomas, a cidadedeBrasília, emboranão seja explicitamentedefinidacomo locação ou citada nominalmente, serve como pano de fundo para o desenrolar de diversos dramas pessoais. Personagens de todas as idades buscam em vão se conectar emocionalmente em meio à atmosfera desér-ticaeáridadaspaisagensexpressadasemfilme.Aarquiteturamoderna,decaracterísticasbrutalistas,reforçaessasensaçãodearidezeasperezaquepor vezes reflete e complementa a aridez emocional dospersona-gens. Concreto aparente, terra batida, grandes avenidas desertas (de fato, os espaços exibidos raramente possuem outros habitantes que não os personagens diretamente envolvidos na cena, reforçando a sensação de isolamento humano) são alguns dos elementos constantemente repeti-dosequecontribuemparaapaisagemfílmica.Aonãoidentificaraloca-ção, os diretores impedem inclusive qualquer tipo de associação pessoal doespectadorcomosespaçosfilmados,forçando-osahabitaremapenasamesmaaridezreservadaaospersonagens.Esteespaçoindistintoatuaentão junto comospersonagenspara transmitir aopúblico a visãododiretor sobre o tema explorado. Neste caso, a arquitetura moderna serve particularmente aos diretores que associam suas características “secas” à falta de expressividade emocional de seus personagens.

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[F14] Imagem do filme Insolação (2009).

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[F15] Imagens do filme Insolação (2009).

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A vila do medo

A justaposição entre paisagem natural e paisagem arquitetônica também pode ser explorada como forma de reforçar um contraste psico-lógicoousocialexpostonofilme.Umatransiçãoentrepaisagemruralecidadepodeserexploradaparasimbolizaratransiçãoentrealiberdadeexperimentadanocampoversusoconfinamentoeasrestriçõesimpostaspela vida urbana.8

OfilmeA Vila (2004), de M. Night. Shyamalan, explora esse con-traste de forma incisiva. No filme, os personagens vivem em uma vilarural situada temporalmente (supostamente) no século XIX, isolados de qualquer contato urbano. A vila (e o modo de vida que levam nela) é tra-tadacomoaformaidealdeseviveremcomunidade.Jáaimagemqueospersonagenstraçamdacidade(poisessanuncaémostradanofilme,ex-cetoporalgumasfotografias)éocompletooposto,sendosempredescritacomo a sede do crime, violência e perversão moral. Entre estes dois am-bientes contrastantes, atuando como limite e espaço de transição entre eles, existe um bosque supostamente habitado por criaturas monstruosas que se vingam dos moradores da vila quando estes ousam aventurar-se no seu domínio.

Nodecorrerdofilmeoespectadorvemadescobrirqueavilaeomododevidalevadoalisetratamdeconstruçõesartificiais,contemporâ-

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* Esta sensação de nostalgia cícli-ca pelo campo e por uma forma de vida mais “simples” foi lançada exatamente pelos românticos do fim do século XVIII, sendo resga-tada recorrentemente nos sécu-los XIX e XX.

neos das cidades atuais, criados pelos anciãos da comunidade como uma formadefugadascidadesedosmalefíciosqueelasacarretam(poucoapoucoduranteofilmecadaumdosanciãoscontahistóriasdecomoper-deram entes queridos para os perigos da cidade, e essas terminam por se provarem verdadeiras). Os supostos monstros (aos quais os moradores da vila se referem apenas como “aqueles dos quais não falamos”) são re-velados como uma forma de controle psicológico para que os moradores mais jovens (que ignoram a existência da farsa) não se atrevam a explorar o que pode existir dentro e além do bosque.

Essa fuga para o campo demonstra uma nostalgia* e um senti-mentodeescapismocomparáveisàatualfugadosmoradoresdasgrandescidadesrumoaossubúrbios.Aromantizaçãodavidanocampo,cercadapelanatureza,nãoénovidade.Desdeosprimeirosestudosarespeitodascidades-jardinsnasprimeirasdécadasdoséculoXXestatendênciajápo-diaserpercebida,aexemplodeBroadacreCitydeFrankLloydWright.Noentanto,éimportantenotarqueessesestudos,aocontráriodaViladeShyamalan,nãofaziamobjeçãoàsmodernidadesdaépoca,apenasincor-poravamodesejoderetornoaocontatocomanatureza.A Vila constrói emcimadessatendência,porémexploracadavezmaisosmedosean-seiosdospersonagens(e,porreflexo,dopúblico)comrelaçãoaoslugaresquehabitam,transformandovila,bosqueecidadeematoresqueinfluen-ciam diretamente as ações dos personagens.

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[F16] Broadacre City de Wright, sobrevoada por “helicópte-ros”, cortada por vias de tráfego de automóveis, auto-estra-das, etc. A modernidade permanece, optando apenas por uma densidade horizontal, rarefeita, agrária (desurbanizada). A Vila de Shyamalan deseja não somente o retorno ao campo, como uma recuperação de todo um modo de vida.

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67[F17] Imagem do filme A Vila (2004).

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Umaoutraformadecontrastequepodeserexploradanosfilmesparadirecionarasexpectativasdopúblicoedaridentidadeaosespaçosapresentados é através dos estilos arquitetônicos.

Casas modernas e instabilidade familiar

Deumaformamaisbásica,épossívelcriaralgunspré-conceitosarespeito dos personagens pelos estilos arquitetônicos associados a eles, umavezqueacasa/habitação(comoumdosespaçosmaisíntimos)ine-vitavelmente revela algo sobre seus habitantes. Enquanto casas e, de ma-neira geral, ambientes habitados tradicionais normalmente são associa-das a personagens tradicionais (embora essa percepção aparente possa sersubvertidacomo intuitodecausarumchoquenopúblicoespecta-dor), personagens adeptos de estilos de vida modernos costumam ser consideradosàmargemdasociedadetradicionale,porvezes,atéamorais(emboraessasdefiniçõesvariemcomopassardasdécadas,refletindoasmudanças no pensamento da sociedade). Essa associação pode ser inter-pretada como indicativa de uma percepção dos estilos tradicionais como sendo mais “morais” do que estilos modernos. Com a evolução das socie-dades houve um deslocamento desse eixo entre moral/amoral para uma relação entre estabilidade/instabilidade familiar.

Em A Casa do Lago(2006),comootítulojáindica,anarrativasedesenvolveemtornodeumacasa.*Enquantoéinegávelqueanarra

*A casa onde o filme se passa foi projetada pelo arquiteto/designer de sets Nathan Crowley especifi-camente para o filme, sendo que o processo de projeto-construção durou apenas 10 semanas e a casa foi demolida ao final das fil-magens. O projeto chegou a ser premiado pela Associação de En-genheiros Estruturais de Illinois (onde o filme se passa).

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tivaprincipalestáfocadanaestóriadeamorentreospersonagensAlexe Kate, existe um segundo foco na relação familiar de Alex com seu pai Simon e seu irmão Henry, todos arquitetos. Nas cenas iniciais é possível perceberqueorelacionamentodelesédifícil.SimoneHenrytrabalhamjuntos,porémopaiédistanteemocionalmenteenãodáatençãoaofilho.Ele também é um tanto quanto arrogante, muito seguro quanto ao seu paradigmadearquitetura.Alexporsuavezseafastoudopaiháanosporconflitosquenãosãoclaramenteexplicados,maspossivelmentedevidoao atrito familiar causado pelo divórcio dos pais – que teve como esto-pim o temperamento do pai e a preferência dele pelo trabalho ao invés dafamília(comoexplicadoemdiálogossubsequentes).Talvezcomoumaformaderebeldia,ofilmeencontraAlextrabalhandodiretamentenocan-teirodeobrasparaumaconstrutoraresponsávelpelodesenvolvimentode condomínios, atividade que o pai (retratado como um intelectual que habitaapenasseuestúdio)claramenteconsideracomoinferior.

AimportânciadacasadolagosurgequandoAlexdecidecomprá--la e percebe que foi projetada pelo pai como um presente para sua mãe. No entanto, como o próprio Alex explica para o irmão em uma das cenas, a construção da casa não foi apenas um gesto de amor mas também uma demonstração clara da personalidade do pai e do seu distanciamento da família:

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Henry: Quando ele a completou?Alex: Você ainda não tinha nascido, e eu tinha 8 anos.Henry:ÉumafusãoentreCorbusiereFrankLloydWright.Alex: Sabe, papai jogava cartas com ambos......Alex:Nãodápranadar.Deveriahaverumaescadaatéaágua,umavaran-da, um deck.*Aquivocêestáemumacaixa.Umacaixadevidrocomumavista para tudo ao seu redor... mas você não pode tocar nada. Não existe umainterconexãoentrevocêeoquevocêestávendo.Henry: Eunãosei...Eletemestagrandeárvorecrescendobemnomeioda casa... Alex: Contenção.[Ele aperta um botão que aciona um mecanismo e abre uma clarabóia de vidro]Alex: Contenção e controle. Esta casa é sobre posse (domínio), e não cone-xão.Querdizer,ébela.Sedutoraaté.Masestáincompleta.Alex: É tudo sobre ele. Papai sabia como construir uma casa, não um lar. Massabe...euachoqueelequerquenósfaçamosoqueelenãopôdefazer.Masadmitirissoseriaadmitirqueelefoiincapazdealgumaforma,quepoderia ter feito mais. E isso o tortura. Henry: Você se lembra de estar aqui com mamãe?Alex: Eulembroqueelatentoufazerascoisasdaremcertoaqui...conos-co... com ele.

*Apesar desta afirmação por par-te do personagem principal é pos-sível perceber em diversas cenas a presença de uma escada que desce para um deck sob a casa.

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[F18] Imagem de A Casa do Lago (2006) na qual é possível perceber o deck sob a casa.

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Como o pai, a casa encontra-se inserida no ambiente porém sem nenhumtipodecontatocomele.Acasaéconstruídasobrepalafitas,den-trodolago,porémsemtocá-lodiretamente.Suaúnicaconexãocomater-ra é a passarela de acesso, reforçando a idéia de controle sobre a casa e osmoradores.Comoexpressãomáximadametáforadocontroleacasaéfeita completamente de vidro, sugerindo que todas as atividades podem ser vigiadas.*

Emboranãosejapossívelafirmarqueapenasarepresentaçãodeum tipo de arquitetura no cinema crie sua associação com certos gêneros (poisessasassociaçõesnãosurgemnovácuo,sendoinfluenciadaspelasvisões ideológicas de quem as cria e de quem as assiste), a constante re-petiçãodeclichêsarquitetônicosreforçaessapercepçãoeaenraizanoimagináriopopular.9 Um exemplo disso é a arquitetura moderna e sua constanteutilizaçãonarepresentaçãodeambientesfuturistase,frequen-temente, disfuncionais.

*De fato, uma das personagens chega a afirmar isso. Quando informada que Alex comprou a Casa do Lago ela responde: “Você está maluco? Porque você com-praria aquela casa, Alex? Ela é fei-ta de vidro, não há privacidade!”

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Aeon Flux e seu belo futuro distópico

“Os vilões podem não usar mais preto, mas vivem em casas modernas de paredes brancas.” 10

OfilmeAeon Flux(2005)sepassaem2415,emumfuturodis-tópico onde o regime ditatorial da família Goodchild governa a últimacolônia de seres humanos após uma doença ameaçar a extinção da es-pécie.Esterefúgioépovoadoporconstruçõesdeinspiraçãomodernista(embora muitas sejam contemporâneas), sendo que o concreto aparente, metais e vidro são materiais recorrentes. Apesar de serem ambientes es-teticamenteinstigantes,afrieza,esterilidadeeinflexibilidadequetrans-mitempelaformacomosãorepresentadosnofilmereforçamasensaçãode controle absoluto do governo sobre a população que ali habita.

A questão da escala, presente desde Metrópolis (Fritz Lang,1927), se mantém como forma de realçar a imponência e o controle do governo sobre a população. A grandiosidade característica das constru-çõesedosespaçosapresentadosemrelaçãoàsfigurashumanascriaumcontraste que explicita claramente a (suposta) futilidade das tentativas de resistência por parte da população aos seus governantes. Os ângulos ascendentesescolhidosparaafilmagemdediversosplanostambémaju-damacriarasensaçãodeimponênciae“esmagamento”produzidapelosespaços, como perceptível nas imagens acima.

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[F19] Imagens de Aeon Flux (2005).

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Sinfonias urbanas: a cidade como foco

Como a arquitetura, as cidades também podem ser apresentadas como elementos vivos, personagens por si só, onde cenas inteiras podem ser concentradas no seu funcionamento. O movimento de carros e pesso-as nas ruas, tomadas de regiões diferentes/contrastantes, assim como de elementos representativos (ícones históricos ou culturais) ajudam a esta-belecerapersonalidadedoespaçourbanoeatorná-loparteintrínsecadanarrativa.11 Estas chamadas “sinfonias urbanas” existem desde a década de 1920, sendo o curta de 7min de Charles Sheeler e Paul Strand intitu-lado Manhatta (focado no surgimento e desenvolvimento desta grande cidade) considerado a primeira produção deste gênero. No entanto, é o filmeBerlim: A Sinfonia de uma Grande Cidade (1927), de Walter Rutt-mann,consideradocomoomaisinfluenteecompletoesforçoparacaptu-rarodinamismodeumagrandecidadeemfilme.Neletodososelementos(edifícios,espaçospúblicosepessoas)sãorepresentadoscomofazendopartedamáquinaurbana,sendoestaaverdadeirapersonagemdofilme.

UmexemplorecentedestetipodefilmeéMeia-Noite em Paris (2011)dodiretorWoodyAllen.*Jánoprimeiroplanoodiretorestabele-ce a identidade da cidade, ao apresentar simultaneamente 3 cartões pos-taisdeParis:orioSena,aPonteAlexanderIIIe,aofundo,aTorreEiffel.Duranteos3minutosseguintessãointercaladosoutrosíconesdacidadecomoaChamps-Elisée,oMuseudoLouvreeaCatedraldeNotreDameà

* O diretor Woody Allen demons-tra ter um grande apego aos es-paços urbanos que representa, frequentemente retratando-os em seus filmes como persona-gens diretamente relevantes ao enredo. Alguns exemplos dessa atitude podem ser encontrados nos filmes recentes como Vicky Cristina Barcelona (2008) na cidade indicada no título, e em Ponto Final (2005), Scoop (2006) e O Sonho de Cassandra (2007) na cidade de Londres. Porém, é inegável que o coração do diretor reside em Nova York, mais espe-cificamente na ilha de Manhattan, como o próprio diretor (na figura do personagem) afirma nos mi-nutos iniciais do filme de mesmo nome (Manhattan, 1979).

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cenas cotidianas de ruelas, pequenos bistrôs e parques. Tomadas de pon-tos altos apresentam visões gerais do centro da cidade, assim como das mansardas características da região (nada é irrelevante aos olhos do di-retor). As cenas se iniciam no começo da manhã, passando por uma tarde chuvosa,oanoitecere,por fim,voltandoaopontodepartidacomumatomada noturna da Torre Eiffel sobre o Sena. O diretor atua como um guia, caminhandocomoespectadorporumdianaCidadeLuzeapresentando--o aos seus pontos favoritos.* Assim, quando nas cenas seguintes o per-sonagem principal, um escritor, é apresentado declamando seu amor pela cidade,éimpossívelparaopúbliconãoseidentificarcomosentimentoromântico que Paris evoca em quem a frequenta.⌘

Uma vez estabelecida a cena, o filme se desenvolve pelas ruasde Paris. Uma noite, ao decidir voltar caminhando de um jantar (existe forma melhor de se locomover em Paris?), o personagem principal aci-dentalmenteedemaneirafantásticaétransportadoàParisdadécadade1920 (considerada por ele como a época de ouro da cidade). Isto permite a ele conhecer a Paris que sempre sonhou, assim como os locais famosos frequentados pelos intelectuais da época. Noite após noite o personagem vaga pelas ruas da Paris de 1920 até conhecer uma jovem que, como ele, tem uma nostalgia por uma época que nunca viveu. Ela sonha com a Paris da Belle Époque, e, como não poderia deixar de ser, o diretor oferece a eles (eaopúblico)achancedevisitarumpassadocadavezmaisremoto.

* Várias das cenas, inclusive, se passam sob chuva. Isso é logo em seguida explicado quando o per-sonagem principal (claramente representando a figura do dire-tor) diz que ama Paris, e que a ci-dade fica ainda mais linda quando chove.

⌘ É interessante notar que esse sentimento romântico foi em grande parte criado pela própria indústria cinematográfica, devi-do à forma que a cidade tem sido constantemente representada no cinema através das décadas. Nes-te caso, seria possível pensar até em um tipo de marketing cinema-tográfico.

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Através dessas viagens nostálgicas e indulgentes dos persona-gens o diretor apresenta não apenas uma Paris, a Paris contemporânea, mas três ao total, cada uma com sua atmosfera distinta e transformadora. Paris, neste caso, não é apenas o locusdaação,maspersonagemcapazdecapturaraatençãodopúblicoefazê-loapaixonar-seporela.

Arquitetura animada

Porfim,existetambémapossibilidadedaarquiteturasetornarliteralmentepersonagemdofilmeatravésdeumaantropomorfizaçãodasestruturas. Este caso é mais raro e por motivos óbvios é frequente apenas emfilmesdeanimação.Porémnãodeveserdesconsideradoumavezquepode ser a fonte de discussões arquitetônicas interessantes, a exemplo do filmeO Castelo Animado(2004)dodiretorjaponêsHayaoMiyazaki.

Ofilmesepassaemummundofantástico,foradequalquercon-texto espaço-temporal identificável. Nele existem feiticeiros, demônios(embora nem todos sejam maus) e uma guerra entre dois reinos na qual os feiticeiros foram convocados pela rainha a lutar. O feiticeiro Hauru, no entanto, não concorda com a guerra e para evitar ser encontrado mora emumcastelofantásticoqueéanimadoporumdemôniocomquemfezumpactohámuitosanos.

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Através da magia do demônio e do feiticeiro o castelo não só se locomovefisicamentepelapaisagemcomotambémpossuiumaportaca-pazdeabrir-separaquatrolocalidadesdistintas(quepodemsermodifi-cadasatravésdamagia).Estadesterritorializaçãopermiteaosocupantesestarem simultaneamente em pontos diferentes e, portanto, seguros da guerra.

O castelo, nesse caso, não funciona apenas como moradia, mas tambémcomomeiodetransporteutilizadopelospersonagens.Aospou-cos,duranteofilme,ocastelovaiseadaptandoàscondiçõesimpostasaele:comaadiçãodeoutrospersonagensaogrupoocastelovaidesenvol-vendoacréscimoscomoquartosesalasextras,enofimatéumjardim.

Aofimdofilmeocastelo,comoestruturaarquitetônica,épratica-mente esquecido passando a ser reconhecido como personagem integral-menteindispensáveldoenredo.

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[F21] Imagem do filme O Castelo Animado (2004).

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Referências

1SCHWARZER,Mitchell.Zoomscape:ArchitectureinMotionandMedia.NewYork:Prince-ton Architectural Press, 2004.2MITRY,Jean.The aesthetics and psychology of the cinema.Bloomington:IndianaUni-versity Press, 1997.3 Idem, Ibidem.4RobertMallet-Stevens,“LeDécormoderneaucinéma”(1929)apudNEUMANN,Dietrich.Introdução.In:_____(ed.).Film architecture: SetdesignsfromMetropolistoBladeRun-ner.Munich:Pretel,1999.p.8.5SCHWARZER,Mitchell.Zoomscape:ArchitectureinMotionandMedia.NewYork:Prin-ceton Architectural Press, 2004.6 Idem, Ibidem.7ALBRECHT,Donald.Dr.Caligari’sCabinets:ThesetdesignofKenAdam.In:LAMSTER,Mark.Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.117-128.8SCHWARZER,Mitchell.Zoomscape:ArchitectureinMotionandMedia.NewYork:Prin-ceton Architectural Press, 2004.9SCHWARZER,Mitchell.Zoomscape:ArchitectureinMotionandMedia.NewYork:Prin-ceton Architectural Press, 2004.10ROSA, Joseph.Tearingdown thehouse:Modernhomes in themovies. In:LAMSTER,Mark.Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.159-170.11SCHWARZER,Mitchell.Zoomscape:ArchitectureinMotionandMedia.NewYork:Prin-ceton Architectural Press, 2004.

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CINEMA COMO CAMPO DE EXPERIMENTAÇÃO

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[F22

] Dog

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(200

3).

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CINEMA COMO CAMPO DE EXPERIMENTAÇÃO Além das possibilidades apresentadas previamente, o cinema também pode ser trabalhado como campo de experimentação para a pro-dução e percepção da arquitetura.

Com o objetivo de evitar que este capítulo se aprofunde demais em questões técnicas além do escopo deste trabalho serão feitas apenas breves aproximações com as duas possibilidades, deixando em aberto pesquisas futuras que se aprofundem mais em qualquer um dos temas.

Produzindo arquitetura cinematográfica

A apresentação cinematográfica de ambientes arquitetônicos eurbanos é praticamente indissociável do surgimento do cinema em si,porém é no período entre as duas Guerras Mundiais que estes espaços ganham destaque e passam a ter suas possibilidades ativamente testadas emfilme.Nessemomentoocinema,comomeiocapazdeabarcarasdiver-sas escalas que constituem a realidade, se apresenta como campo ideal para as experimentações formais das idéias em voga nas escolas arquite-tônicas de vanguarda predominantes na época.1

Desde então as experimentações arquitetônicas tanto técnicasquantoformaistêmsidoconstantes,especialmenteemfilmesdosgêne-rosdefantasiaeficçãocientífica(nãosendo,noentanto,limitadasaeles).Devidoàimpressãoderealidadeprópriadocinemaeàsuacapacidadede

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envolveroespectador,osfilmespodemativamenteestimulardiscussõesa respeito de como seriam mundos alternativos, ou mesmo tentativas de prever futuros possíveis.2Apesardaarquiteturacriadaparaaindús-triacinematográficaserfrequentementedesconsideradaporcríticoselapode ser vista, de certa forma, como mais honesta do que a arquitetura produzidaemrealidade.Umavezquenãoestámaislimitadaporfatorestécnicos (exigências estruturais, legislativas, etc.) ela encontra-se livre para ser pura forma e conceito.

Entreas formasdeapresentaraarquiteturaemfilmepredomi-nam:locações(reais),locações(modificadas),sets construídos (tamanho real), modelos em escala e setsvirtuais(computaçãográfica).Comode-senvolvimentodastecnologiasdecomputaçãográficaedemanipulaçãoda imagem se tornou frequente a combinação dessas cinco possibilida-des,sendoadistinçãoentreo“real”eo“fabricado”cadavezmaisdifícil.

Aprincípio,a filmagememlocaçãopermiteaodiretor interagircomlugaresreais,emboraestesraramentesejamidentificadosnofilmecomoanálogosàssuasfunçõesreais.Istoéespecialmenteverdadeiroemfilmesdeficçãocientíficaefantasiaondeconstruçõesreaisdearquitetu-ra expressiva emprestam suas características impactantes para servir de sedeaedifíciosalienígenas,centrosdepesquisafuturista,etc.Ocasional-mente,porém,lugaresreaissãoempregadosnosfilmespararepresentaramesmafunçãoquerealizamdiariamente–especialmenteemfilmesque

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visamemularomundocontemporâneo.Autilizaçãodelugaresreaisem-prestaàscenasumníveldecredibilidademaisfácildeseratingidodoqueseasmesmasfossemrecriadasemestúdio.3

No entanto, nem sempre é possível encontrar locais que preen-chamtodosospré-requisitosdesejados(especialmentenoquedizres-peitoaoscustosdegravação).Quandoistonãoépossível,faz-seusodemontagens intercalando cenas de locais reais com sets de gravação, ou porvezesdois locaisreais,porémdesconectados territorialmente.Fre-quentementesãoutilizadascidadesmenores,ondeo“aluguel”para fil-magemémais barato, substituindo as ruasdeNovaYork, LosAngelesouParisapósumacena inicial responsávelporestabelecera sensaçãode lugar (establishing shot).4Emoutroscasos,cidadescenográficassãoconstruídasinteiramenteemestúdiocomointuitodesimularestesam-bientes reais (principalmente no caso de grandes produções que podem arcar com este custo elevado).

Com relação aos sets construídos em estúdio especificamenteparaumfilmeexistembasicamentedoistipos:baseadosnarealidadeoufantasiosos.Nãoédifícilperceberquesetspara filmessembasesreaisoferecemumamaiorliberdadeaosseuscriadores,umavezqueestesnãoestão restritos por referências históricas ou pela necessidade de serem reconhecíveispelopúblicoespectador.Filmeshistóricosporoutroladonecessitam de maior atenção aos detalhes, resultando frequentemente

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em uma extensa pesquisa que possa servir como base para a reprodução fieldoperíodoaserrepresentado(mesmoqueestesejaoperíodocon-temporâneoàproduçãodofilme).Emboraigualmenteimpressionantes,edevalorartísticosemelhante,édifícilnãoconsiderarestessets como sendoinferiores,umavezquenofundonãosãomaisdoquereproduçõesdeestilosjáexistentes.

Outro fator profundamente limitante do resultado alcançado nas telaséoorçamentodesignadoacadafilme(semelhanteàrealidadedeum arquiteto construindo no mundo real). Embora seja sempre possível atingir resultados impressionantes com orçamentos limitados de acordo com a capacidade de cada designeradministrá-lo,omaiscomuméqueorçamentos maiores permitam maior liberdade na escolha de materiais, qualidadedamãodeobraempregadaetempodeproduçãonecessário,oferecendo resultados mais imponentes. Incidentalmente, é interessante notarqueoorçamentoparaosetordearteresponsávelpelacriaçãodoscenáriosexpostosemmuitosfilmeshollywoodianosémuitomaiorqueoorçamentoparaprojetoeconstruçãodeumedifícioreal,oquepermitemaior liberdade na concepção e produção dos mesmos.5

Quandoautilizaçãodelocaisreaisnãoédetodopossívelsetornanecessáriorecorreraorealismohollywoodianoparaacriaçãodelocaisartificiaisquepareçamcríveis.Comoumavariaçãodacriaçãodesets para simularlocais“reais”,surgeautilizaçãodetecnologiasdigitaiscapazesde

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permitirumamaiorliberdadecriativa,especialmentenoquedizrespeitoàcriaçãodelocaisfantásticos(tecnologiaquetemsidocadavezmaisuti-lizadaemfilmesdeficçãocientíficaefantasia,porémtambémpresentesemmenorescalaemfilmescontemporâneos).

Astecnologiasutilizadasnomeiocinematográficopermitemcadavezmaior flexibilidadeaoscriadoresdesuaarquitetura.Acriatividadequenoiníciodaproduçãocinematográficaencontrava-selimitadapelaspossibilidadesdecriaçãodemodelosfísicosatualmenteencontrasuali-berdade nas novas tecnologias de geração de imagens por computador (computer generated imagery – CGI). Os ambientes virtuais gerados não sãomais limitadospelas leisdafísicaoupeladisponibilidadedemate-riais (entre outras limitações impostas às construções reais), dependen-do apenas da criatividade de seus criadores. Essas novas possibilidades abrem um novo campo de experimentação para a arquitetura. Esta tecno-logiapermiteacriaçãoeexploraçãodenovosuniversos,porvezesintei-ramente virtuais ou apenas acrescidos de detalhes, que complementam e enriquecemaexperiênciacinematográfica.

É interessante acrescentar que diversos programas e tecnologias normalmenteassociadasàprofissãoarquitetônicaestãosendoincorpo-radasàproduçãocinematográfica.Programasdemodelagemdigitales-tãosendoutilizadoscomoummeiode“construir”virtualmentepréviasdosespaçosaseremfilmados*,permitindoaodiretorexperimentarante

* Um exemplo disso foi o filme O Terminal (Steven Spielberg, 2004) no qual o designer de produção Alex Mcdowell criou previamente, utilizando um pro-grama de pré-visualização digital (intitulado Previs), todo o cenário do terminal principal onde ocorre a maior parte das cenas do filme. Após este processo de projeção virtual este terminal foi finalmen-te construído, permitindo ao dire-tor a maior flexibilidade possível durante o processo de filmagem. (MACHADO, 2009)

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cipadamente o ambiente que os personagens ocuparão, escolhendo então osângulosaseremfilmados–oque,porsuavez,libertaaequipedose-tordeartedeconstruirpartesdesnecessáriasdocenárioquenãoserãoapresentadasemfilme.6

Asnovaspossibilidadestécnicasdocinema,comoautilizaçãodesoftwaresdemodelagemdigital,capturadeimagensem3Dedemanipu-laçãodoespaçofilmado(pós-produção),permitemaexploraçãodenovasformas de perceber e representar os espaços arquitetônicos. Represen-taçãoqueanteseralimitadaamodelosestáticos(fossemelesprojeçõesortogonais como plantas, cortes e fachadas, ou tridimensionais como maquetes), passou pela simulação de movimento através de vídeos cria-dosemmaquetesvirtuais,evoluindoemúltimainstânciaparaosefeitosde3Dexploradospelocinemaatualmente.Asimulaçãodeprofundida-denestesfilmes(emboraaindarudimentar)permiteaoespectadorumamaior imersão nos espaços apresentados, o envolvendo e proporcionan-do uma experiência mais completa e realista.

A Origem

OfilmeA Origem (2010) de Christopher Nolan trata esta questão das possibilidades de criação e experimentação com o espaço arquitetô-nico de maneira interessante.

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Nofilme,ospersonagenspossuemacapacidadedeentrarcons-cientementenomundodos sonhos e criar ambientes a seubel prazer.Não existem limitações de ordem técnica ou material, e até mesmo as leis dafísicapodemsersubmetidasaosdesejosdo“arquiteto”(denominaçãodadanopróprio filmeàpessoaresponsávelpeloprojetodosonhoqueseráexperimentado).Aprincípionãoexistemlimitesparaomundoasercriado. Porém, rapidamente percebe-se que algumas limitações precisam de fato ser respeitadas, pois quando se força demais as fronteiras do que o“sonhador”estáacostumadoseusubconscientecomeçaarejeitaraque-leuniversocomoimpossívelcausandodistúrbiosnosonhoqueoforçama acordar.

Nassequênciasiniciaisdofilme,quandoCobbestátentandore-crutar a jovem estudante de arquitetura Ariadne para projetar para ele, isto é demonstrado claramente. Ariadne começa a experimentar com as possibilidades do mundo dos sonhos, “dobrando” uma rua sobre si mes-ma,fazendosurgirpassarelasdonada,eelasequestiona“oqueacontecequandovocêcomeçaamexercomasleisdafísica...?”sendorespondidalogo em seguida pelo ataque do subconsciente de Cobb. Após este susto inicial ela foge, mas logo retorna para continuar experimentando pois, comoelamesmaafirma,nãoexistenadaquesecompare:nossonhos“épura criação”.

Enquanto os personagens exploram as possibilidades de criação

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nomundodossonhosaindústriacinematográficatemoportunidadedeexplorar as possibilidades de criação de mundos híbridos, misturando cenasreaiscomuniversoscriadosatravésdacomputaçãográfica(bastaassistiralgunsminutosdefilmeparaperceberqueboapartedosespaçosapresentados jamais poderiam ser reais). Especialmente durante a pri-meirahoradefilmeépossível interpretardiversosparalelosentreestemundo dos sonhos representado e o próprio “mundo de sonhos” que é a indústriacinematográfica.

QuandoCobbestáconversandocomseupai sobre recrutarumestudanteeleafirmaquenãoofereceapenasdinheiro,masachancedeconstruir “catedrais, cidades inteiras, coisas que nunca existiram e que nuncapoderiamexistirnomundoreal”.Defato,aindústriacinematográ-fica,comseusorçamentosmilionáriosesuasoportunidadesdeconstruir(sejarealouvirtualmente)arquiteturasfantásticas,proporcionachancesincríveisdeexplorarouniversoarquitetônico.OuquandoYusufmostraaos outros personagens uma sala com cerca de 20 pessoas conectadas, todas compartilhando o mesmo sonho e um outro personagem pergunta “eles vêm aqui todo dia para dormir?” ao qual recebe a resposta “não, eles vêm aqui para serem acordados”. Não seria isso semelhante a uma ida ao cinema, onde é possível perder-se coletivamente por um par de horas, “sonhar”,sabendoqueodespertar,oretornoaomundoreal,éinevitável?

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[F24] Cena do filme A Origem (2010) em que Ariadne testa os

limites do mundo dos sonhos.

[F23] Cena da luta com gravi-dade zero explora perspectivas distintas da arquitetura fílmica.

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[F25] Perspectiva da cidade cons-truída pelo casal no “limbo”, ên-fase na verticalidade das constru-ções.

[F26] Limites degradados da cida-de construída no limbo, se asse-melham a falésias.

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Seaproximandodassequências finaisdofilmeéapresentadoouniversocriadoporCobbesuaesposaMalquandoestesficarampresosno“limbo”(denominaçãodadaaoúltimonívelquepodeseratingidonaestrutura onírica, onde corre-se o risco de perder noção do que é real e doqueésonho).Acidadecriadaporelesapresentaumaclarainfluênciamodernista (é possível perceber até certa semelhança com alguns proje-tos corbusianos, como o Plan Voisin) sendo que esse apreço pela estética modernista é reforçada na fala de Cobb quando ele apresenta a Ariadne a“vizinhança”criadaporeleepelaesposa.Estavizinhançanãopassadeumacolagemdeedifíciosimportantesnavidadosdois(acasaemqueelamorou quando era pequena, o primeiro apartamento do casal, pra onde semudaramquandoelaficougrávida,etc.)que,noentanto,encontram--seisoladosdentrodeumlagoartificialligadosàpassagemprincipalporuma estreita passarela demonstrando distanciamento emocional.

Quandoestãochegandoaoedifícioprincipal(novamentedecla-ras inspiraçõesmodernistas) ao fimdestavizinhançaCobbafirmaqueeles sempre quiseram viver em uma casa mas que amavam este tipo de edifício–enomundorealelesteriamqueescolher,“masnãoaqui”.Porfim, eles entramno elevador e ao sair no seu andar já não estãomaisnoedifício,massimnacasaapresentadacomosendodocasalemcenasanteriores(colagemarquitetônicaque,realizadaporelesnomundodossonhos,étambémsimilaràcolagemarquitetônicarealizadapelosfilmesdurante o processo de montagem).

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Percebendo a arquitetura através da câmera

A observação de espaços, mesmo (ou especialmente?) os mais co-tidianos e vulgares, através da objetiva da câmera nos permite uma nova percepçãosensíveldosmesmos.Oaparatocinematográficodistanciaoespectador dos espaços apresentados permitindo uma maior atenção a aspectos da realidade previamente desconsiderados.7

“Seaexperiênciadoespaço–comoumapráticaso-cial e material – é percebida e representada visual e culturalmentepeloaparatocinematográfico,oespaçofílmicoéaomesmotempoagenteeresultadodapro-dução de novas formas de percepção do espaço.8

” O cinema permite novas formas de experimentar com a percepção do espaço arquitetônico. Entre as diversas possibilidades a mais frequen-tee,talvez,amaisinconspícua,éatravésdastécnicascinematográficasdeenquadramento e montagem.

Atravésdetécnicascomoenquadramentos,ângulosdefilmageme montagem o cinema permite a criação de espaços diversos dos que es-tamos acostumados, mesmo quando possuem como base espaços reais.

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Estes espaços criados através das possibilidades da câmera trans-cendem a realidade, construindo novas arquiteturas além daquelas per-ceptíveis pelo olho humano. Seja por meio de ângulos impossíveis sem o auxíliodetecnologiasexternas(ex.:tomadasaéreas)ouenquadramentosartísticos que selecionam apenas as seções consideradas relevantes de umapaisagemoudeumedifício(realçandoelementosnormalmentedes-considerados),muitasvezesreorganizando-asespacialetemporalmente,novos lugares são criados, impossíveis de serem experimentados na vida real.9

Pelas tecnologias de captura de imagens e das técnicas de edição, em poucos segundos somos transportados centenas de metros, expe-rimentando diversos pontos de vista. A técnica de edição paralela, por exemplo, permite a comparação/associação entre localidades e tempo-ralidades diferentes através da justaposição de imagens relativas a cada uma. Jáas tomadas longaseemcâmera lentapermitemaoespectadorabsorver detalhes da paisagem que passariam despercebidos numa ob-servaçãocotidianadoespaço.Amontagemcinematográficadámargemauma forma de “montagem” arquitetônica e urbanística onde o diretor, ao reorganizarascenas/espaços,setornaarquitetoeurbanistanacriaçãodestasnovasespacialidades.Esteespaço-tempocinematográfico,híbri-do, transforma nosso entendimento do ambiente devido às suas descon-tinuidades.10

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Aformacomoodiretoroptaporcaptaroespaçoemfilmepodeservirtambémpararepresentarumaarquiteturaimagináriaoupsicoló-gica,influenciadapelavisãoqueospersonagenstêmdoespaço,carrega-da de emoção, sensação e memórias. Elementos técnicos do processo de filmagemeprojeçãotambémpossuemumefeitosobreaqualidadeeaformacomoosfilmessãopercebidosnatela.Profundidadedefoco,ân-gulodefilmagem,granulaçãodaimagem,emcoresxpreto/branco,entreoutros – todos estes fatores afetam a percepção, recepção e interpretação pelopúblicoespectadordosespaçosapresentadosnatela.

O cinema também tem a possibilidade de explorar novas manei-rasdeperceberomundo,nãolimitadaspelaformahabitualaquejáes-tamos acostumados, livres de considerações espaço-temporais, de escala ouatérelacionadasàsleisdafísica.Omeiofílmicopossuiintrinsicamenteesta habilidade de revelar o “estranho em meio ao familiar”.11 Para que isto aconteça é necessária a perdada referência básica, porém, após ainevitáveldesorientaçãoinicial,estaremoslivresparaperceberomundoatravés da nova visão do diretor.

Dogville: espaço imaginário e espaço fílmico

UmfilmequetratadeformanotávelaquestãodapercepçãodoespaçofílmicoéDogville (2003) do diretor Lars von Trier. Logo nas ce-nasiniciaisépossívelperceberquenãosetratadeumfilmetradicional,equeumajustedasexpectativasseránecessárioparaassistí-lo.

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Ofilmeseiniciacomumatomadaaérea,perpendicularaoplanodopiso.ComestavistasuperioremtelaonarradorapresentaDogville,umapequenavilalocalizadaficticiamentenasMontanhasRochosas,inte-rior dos Estados Unidos. O narrador segue então descrevendo a geogra-fiabásicadacidade,suaruaprincipal(genericamentedenominada“RuaElm”*)suascaracterísticasfísicas,aaparênciahumildedasconstruçõesque ali existem (a palavra efetivamente usada para descrevê-las é “barra-co”) e os moradores que ali habitam.

Neste filme esta descrição inicial semostra especialmente im-portanteparasituaroespectadorumavezqueocenárioépraticamentenulo. Por meio deste ângulo aéreo (semelhante a uma establishing shot) é possível perceber marcações no piso, quase como uma planta-baixa ar-quitetônica, responsáveispordelimitaroespaçodacidadeentre inter-no/externo,privado/público.Algunselementosacessóriossãodispostosneste “palco” (pois a impressão inicial do espaço se assemelha muito à cenografia teatral):mesas, cadeiras, estantes, a torre do sino da igreja(queflutuasuspensaacimadoespaçodestinadoàigreja)eatémesmoalgumas paredes – porém jamais constituindo um espaço fechado. Alguns elementos são até simulados, como “portas” que devem ser abertas e fe-chadas para que os personagens possam entrar e sair de casa, sendo in-clusiveintroduzidosatravésdeefeitossonorosrealísticos(comoquandoum personagem “bate à porta” inexistente antes de entrar).

*Diz-se genericamente pois “Elm” é um dos nomes mais co-muns de rua nos Estados Unidos.

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[F28] Plano inicial de Dogville (2003) situando o espectador com relação à geografia da cidade.

[F27] Cena de Dogville (2003) de-monstrando a ausência de cenário à exceção de alguns acessórios.

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Após esta apresentação inicial da cidade segue-se a apresentação dos personagens que ali habitam, demonstrando as boas relações de con-vivência que existem entre eles. Tudo corre bem até a chegada de Grace, uma jovem que aparenta estar fugindo de algo ou de alguém, hipótese queéconfirmadaquandoapolíciaapareceparaprocurá-la.AprincípioapopulaçãodeDogvilleparecedispostaaabrigá-laeescondê-lasemmaio-res problemas, porém com o passar do tempo vão exigindo de Grace a execuçãodetarefascadavezmaisárduasemtrocadesuaestadianaci-dade. Aos poucos, os moradores que inicialmente se apresentaram como gentis e altruístas vão se revelando pessoas maldosas e egoístas, abusan-do de modo crescente da pobre jovem. [F29] Exemplo de ângulo descen-

dente muito utilizado em Dogville (2003) para apresentar o espaço.

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Aconstanteutilizaçãodeângulosabertoseelevados,queenqua-dram simultaneamente diversas “casas”, permite ao espectador perceber açõesqueestãosendorealizadasaomesmotempoemambientesdistin-tos. Esta onisciência do espectador contrasta com as atitudes dos per-sonagens que ignoram as atividades que ocorrem além das suas “quatro paredes”.

Estahistóriabásicaarespeitodanaturezahumana,queseapre-sentaquasecomoumafábula,representaumaclaracríticaàsociedadeamericana que busca representar e à noção de que “tudo tem o seu pre-ço”.Porém,oúnicoelementoqueefetivamenteindicaqueofilmetratadeumacidadeamericanaestánanarraçãoinicialquelocalizaacidadenosEstadosUnidos.Aprópriaescassezdecenáriopermite (poderia-seatédizer “encoraja”) o espectador apreencher este vazio cenográfico comsuaprópriaimagemmental,utilizandoimagensquelhesãoconhecidas,talvezatédesuaprópriacidade.Estacaracterística“genérica”deDogvillepermite que sua história seja extrapolada para toda e qualquer cidade (americana ou não) forçando o espectador a considerar a possibilidade de atitudes semelhantes ocorrerem em sua própria cidade.

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Referências

1 LEZO,Denise.Arquitetura,CidadeeCinema:VanguardaseImaginário.2009.225f.Dis-sertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.2 BOAKE,TerryMeyer.ArchitectureandFilm:Experientialrealitiesanddystopicfutures.Disponível em: < http://www.architecture.uwaterloo.ca/faculty_projects/terri/pdf/bo-ake_arch_film_colour.pdf>.Acessoem:02mar.2012.3CRAFT,Bob.OnlyinHollywood:Confessionsofalocationmanager.In:LAMSTER,Mark.Architectureandfilm.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.141-147.4SCHWARZER,Mitchell.Zoomscape:ArchitectureinMotionandMedia.NewYork:Prin-ceton Architectural Press, 2004.5BOAKE,TerryMeyer.ArchitectureandFilm:Experientialrealitiesanddystopicfutures.Disponível em: < http://www.architecture.uwaterloo.ca/faculty_projects/terri/pdf/bo-ake_arch_film_colour.pdf>.Acessoem:02mar.2012.6MACHADO,LudmilaAyres.Designenarrativavisualnalinguagemcinematográfica.164f.Dissertação(Mestrado)-UniversidadedeSãoPaulo,SãoPaulo,2009.7PENNA,Tiago.Ocinemaeapercepçãosensível.Disponívelem:<http://www.gewebe.com.br/pdf/cinema.pdf>.Acessoem:02mar.2012.8DACOSTA,MariaHelenaBragaeVaz.Articulaçõesfílmicasdapercepçãodoespaçoedarealidade.Disponívelem:<http://www.ufscar.br/rua/site/?p=2871>.Acessoem:02mar. 2012.9KEILLER,Patrick.Architecturalcinematography.In:RATTENBURY,Kester(Org.).Thisisnotarchitecture:Mediaconstructions.London:Routledge,2002.p.37-44.10SCHWARZER,Mitchell.Zoomscape:ArchitectureinMotionandMedia.NewYork:Prin-ceton Architectural Press, 2004.11 Idem, ibidem.

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CINEMA COMO MEIO CRÍTICO

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CINEMA COMO MEIO CRÍTICO Quandoaarquiteturatranscendeopapeldemeracenografia,dei-xando de servir apenas como pano de fundo para se tornar parte inte-grante da estória, surge a possibilidade de agir como crítica aos ambientes apresentados.Diversosdiretoresexploramclaramenteessapossibilida-deemseusfilmes,sendoaarquiteturarepresentadaporvezesmaisim-portante do que os próprios atores no desenvolvimento do enredo e na transmissãodosignificado.1

O desenvolvimento dessa visão crítica representada pelo cinema com relação às cidades e, consequentemente, à arquitetura tem acompa-nhadooprópriodesenvolvimentodestasúltimas. De formamais rele-vante,aproduçãocinematográficaacompanhatambémopensamentodapopulação que evolui junto com as cidades.

Aprincípio,ofocodosfilmesdizrespeitoàpreocupaçãocomoambiente das cidades e seus efeitos sobre a sociedade, especialmente quando comparada com a vida no campo. Surge, não por acaso, junto com as primeiras grandes metrópoles (contemporâneas do nascimento do cinema)dadesconfiançadapopulaçãocomrelaçãoaestarevoluçãonomodo de vida. Esta preocupação toma força com a ascensão do Movimen-to Moderno e do Estilo Internacional, sua tomada das grandes cidades e umapercepçãodahomogeneizaçãoqueissoacarreta,daperdadaiden-tidade. Essas preocupações chegam a ser projetadas no futuro, criando representações de futuros distópicos vistos como uma evolução natural

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da situação atual. Como consequência dessas preocupações, e crítica a essatendênciadeurbanização,surgeummovimentoderetornoao“cam-po”, às “pequenas cidades”*, vistas como mais seguras (tanto moralmente quanto fisicamente).Noentanto,poucoapouco, começaaperceber-sea falsidadedessavisãonostálgicaeaprópriavidanossubúrbios/cida-des rurais começa a ser representada como psicologicamente insalubre. Atualmente, o cinema divide suas atenções entre examinações da vida contemporânea(sejanasgrandesmetrópolesounossubúrbios/cidadesrurais) e tentativas ocasionais de esboçar possíveis futuros para a vida urbana.

A visão crítica que o cinema retrata das cidades também pode ser interpretadadeacordocomaabordagemescolhida:imagináriaourealis-ta.Enquantoaprimeiraconstróicidadesapartirdeimaginários,asegun-da se foca na representação crua da realidade.2

Considerando estas duas formas de abordagem é possível perce-berqueaproduçãocinematográficarecentetemtidoumfocomaiornarepresentação de cidades realistas (se não diretamente baseadas em ci-dadesreaisaomenosfortementeinspiradasporelas)doqueimaginárias,quase como se não fosse possível imaginar outros futuros, outras realida-des.Emesmoquandoháumatentativadeimaginaroutrosfuturos,estessão predominantemente distópicos.3

* Coloco estes termos entre as-pas porque ao invés de haver um retorno real a este modo de vida cria-se, ao invés, uma versão caricata do mesmo na figura dos subúrbios e das comunidades pla-nejadas.

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Viagem ao passado: A respeito da representação das cidades no ci-clo de filmes noir

Emborao focodeste trabalhoestejaem filmesmaisrecentes,éimpossívelnãoabrirumbreveparêntesesparaociclodefilmesnoir. Es-tes que podem ser considerados como a origem desta “visão pessimista” do futuro das grandes aglomerações urbanas são, portanto, relevantes para o entendimento da visão atual do cinema com relação às metrópoles contemporâneas.

Com o desenvolvimento das sociedades industriais e a posterior decadênciadasgrandesmetrópolescomeçaasurgirnamentedopúbli-co a percepção de que as cidades são em si as próprias geradoras dessa perda da moral e dos bons costumes. Essa associação é transportada para osfilmesecomeçaasurgirdesdeclássicoscomoMetrópolis (FritzLang,1927),ondeaestratificaçãodacidadecomseusarranha-céuspodeserinterpretadacomoumametáforaparaaestratificaçãosocialdasociedadedaépoca.É,porém,nociclodefilmesnoir que esta associação se torna cadavezmaisclaracomseuspersonagensmoralmenteambíguoseam-bientesurbanosincapazesdeprotegê-losdascircunstânciaseguiá-losnadireção certa.

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Ociclode filmesnoir certamente representa o maior acervo de ambientesurbanosnahistóriadaindústriacinematográfica.“Aalienaçãoeparanóianocernedestesfilmessemanifestanarepresentaçãodascida-desamericanasnofimdosanos1940e1950.”

Nesta mesma época, no período entre 1940 e 1947, 60 milhões de pessoas (aproximadamente metade da população americana na época*) se mudaram para novas casas. Habitantes urbanos se relocaram para os subúrbioseapopulaçãocampestresemoveuemdireçãoàscidades.5 Es-tesemigrantesurbanoseramprecisamenteopúblicoalvoqueHollywoodbuscavaatingir(famíliasbrancasdeclassemédia)eosfilmesnoircodifi-cavamosmedoseangústiasdestegrupoemrelaçãoàscidades.

Vistodesta formaocamposeria,porsuavez,aantítesedasci-dadesrepresentandoamemórianostálgicadeumavidamais“simples”emais “correta” (embora emdiversas ocasiões osmesmos filmesnoir tenham apresentado a falsidade desse argumento através da crescente urbanizaçãodocampo).Osubúrbiopassaentãoaser“vendido”comoo“ponto de equilíbrio” entre a modernidade e o desenvolvimento das cida-des, e a tranquilidade e os bons costumes da vida no campo – represen-tando a vida ideal a que todos deveriam almejar.⌘

Ironicamente,noentanto,afugaparaossubúrbiosresultouemum ambiente homogêneo da onde a fuga era impossível, e pouco a pouco

* A referência da população ame-ricana é relevante já que a princi-pal indústria cinematográfica da época se encontrava nos Estados Unidos e, obviamente, produzia filmes para o seu público-alvo.

⌘Embora existam filmes que tra-tem dessa “marketização” dos subúrbios americanos, é inegável que essa visão foi mais enraiza-da no imaginário popular através de seriados (Leave it to Beaver, 1957-1963; Father Knows Best, 1954-1960) devido à sua presença constante no dia-a-dia das famí-lias americanas.

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começaram a ser percebidos como “desertos emocionais”.* Seguindo esta mudançanapercepçãodopúblico,Hollywoodredirecionouseufoco,pas-sandoaproduzirfilmesdemonstrandoos“perigos”doambientefísicoeemocionaldossubúrbios.6

Retornando à contemporaneidade

Énestepontoquenosencontramosatualmente:presosaestesmedos dos nossos pais enquanto simultaneamente tentamos nos libertar e enxergar a cidade com nossos próprios olhos e nossas próprias con-vicções.Enquantoaproduçãocinematográficadasúltimasdécadasnãoapresentamaisessaaversãocrônicaàsgrandescidadestambémnãoestáconvencida de que o modelo atual de vida urbana seja o ideal. Oscila en-tão entre o amor pela intensidade urbana e a preocupação com a desuma-nizaçãocausadapelavelocidadeaceleradadavidamoderna.Aromanti-zaçãodeumaformadevida(sejanossubúrbiosounasgrandescidades)divide espaço nas telas com visões mais realistas do crescente desapego emocional das pessoas pelos espaços que habitam.

Truman e a vida artificial nos subúrbios

AromantizaçãodavidanaspequenascidadesdosEUAtemcomoexpoentecinematográficomáximoofilmeO Show de Truman (1998) de PeterWeir.Nofilme,opersonagemprincipal(Truman)é,inconsciente

*Um exemplo atual que represen-ta esse sentimento comum à épo-ca é o filme Foi Apenas um Sonho (2008) de Sam Mendes, basea-do no romance “Revolutionary Road: Estrada Revolucionária” (1961) de Richard Yates.

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mente, o protagonista de um reality show que acompanha a sua vida coti-diana. A cidade onde mora é nada mais que um gigantesco setemestúdio,construído aos moldes de uma pequena cidade litorânea do sul dos EUA. Tudo na cidade é controlado, regulamentado, para garantir que Truman nunca descubra a farsa.

Ofilmefazumacríticaàtentativaderecriartantoomododevidadeumapequenacidadecomoaprópriacidadeartificialmente.De fato,acidadeutilizadacomolocaçãotrata-sedeumacomunidadeplanejadaconstruída com o intuito de recriar justamente a atmosfera desejada pelo diretordofilme.Cogitou-sequeasfilmagensocorressememumset em estúdio,porém(ironicamente)esteseramrealistasdemaisparaodiretorquebuscavaumaatmosferamaisartificialquedessecredibilidadeàhis-tória.7

Projetadapelos arquitetosAndresDuanyeElizabethPlater-Zy-berkcomopartedomovimentodoNovoUrbanismo,acidadedeSeaside,FL tinha como objetivo tentar resgatar uma identidade para a comunida-deatravésdautilizaçãodetipologiasvernaculares.Tudonacidadeéestri-tamentecontrolado–alturasmáximas,paletadecoresaseremutilizadas,estilos arquitetônicos – com o objetivo de proteger a coerência estética da comunidade.Estaorigemartificialresultounoambienteperfeitoparaagravaçãodeumfilmequetinhacomobaseexatamenteareproduçãodavida em uma “cidade” como essa.

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[F32] Vista aérea da cidade de Seaha-ven (Seaside, FL) em O Show de Tru-man (1998).

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Atravésdaformacomoacidadeérepresentadaodiretorfazumaclaracríticaàobsessãodasociedadeamericanaemtentarrecriarartifi-cialmente o modo de vida de uma cidade pequena, controlando os míni-mos detalhes.* Essa rejeição das grandes cidades em favor de uma vida mais “simples”, mais segura, é uma tendência que pode ser observada inclusivenoBrasil comaproliferação cadavezmaiordos condomínosfechados total life.Nofim,emO Show de Truman, ocorre uma inversão depapéis:ocenáriosetransformaemrepresentaçãodorealenquantoarealidadeemquesebaseiaénaverdadeumairrealidadecenográfica.8

Madrugada dos Mortos: shopping center como salvação

OfilmeMadrugada dos Mortos(2004)deZackSnyderéumare-filmagembaseadanoroteirodofilmedemesmonomede1978deGeorgeRomero.Tomandocomobaseajátradicionalfórmuladoapocalipsezum-bi, ambos os diretores exploram as tentativas de um grupo de humanos de sobreviver à epidemia que rapidamente se alastra pelo planeta.

Jánasprimeirascenasodiretorseapropriadeumaestruturaar-quitetônica facilmente reconhecidapelopúblico:os subúrbios residen-ciaisnorte-americanos.Utilizandoumavistaaéreaqueaproximaofocoaos poucos e de maneira fragmentada (aumentando a sensação de sus-pense)odiretor localizaaação.Aescolhadosubúrbiocomopontodeinícioparaascenasdehorrorseguintesnãoéporacaso.Umavezque

* Na maior parte dos subúrbios residenciais dos Estados Unidos existe um controle estético seme-lhante ao que ocorre em Seaside. Vegetação, modificações arqui-tetônicas e até mesmo regras de conduta são estritamente regu-lamentadas por uma associação de moradores responsáveis por manter a “ordem”.

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aproximadamentemetadedapopulaçãoamericanaviveemsubúrbios9 e os considera ícones da segurança doméstica (especialmente devido aos anosdemarketizaçãodessaimagem),ohorrorquetranspiranascenasseguintescorrompeestaidéiaderefúgioedáotomdofilme,dequemaisnenhum lugar é seguro.

Após este ataque inicial ao modo de vida americano, o diretor se-gue para o que pode ser considerado um dos maiores ícones da cultura americana:osshopping centers.

No processo de fuga, o grupo se depara com a possibilidade de[F33] Imagem das cenas iniciais de Madrugada dos Mortos (2004).

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se refugiar em um desses estabelecimentos. A estrutura é vista por eles como um porto seguro, possuindo todas as amenidades que poderiam desejar.Poucoapoucoospersonagensvãoseacomodando,fazem“com-pras”,sealimentam–afinal,umshopping center concentra a solução para todas as necessidades da população, certo?

Estacríticairônicatransparececlaramentenofilme,sendomaisóbvianoroteirooriginal.Astentativasconstantesdoszumbisdeentra-rem no shoppingsãojustificadascomoumreflexoautomáticodequandoeramvivos:elesnãolembramporque,massabemqueestelugareraes-pecial para eles e querem estar ali. [F34] Imagem da chegada do gru-

po ao shopping center.

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A crítica à cultura dos shopping centers continua: comopassardo tempo os personagens começam a perceber que o shopping (a princí-piosuasalvação)setornouumaverdadeiraprisãovoluntária,mascaradapelailusãodesegurançaeconveniência.Atravésdofilmeodiretoresten-deareflexãotambémàvisãodosgrandescentroscomerciaiscomomecasconsumistascapazesdepreenchertodasasnecessidadesdapopulação.

Encontros e desencontros: desapego e vida desterritorializada

Uma corrente atual do cinema mostra os personagens de um pon-to de desilusão com a vida contemporânea nas grandes cidades. A des-territorializaçãocausadaporummundocadavezmaisglobalizadoinibeum sentimento de pertencimento, tendo como consequência o desapego emocionalegeográfico.*

O filme Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola,ilustrabemessasensaçãodevazioexacerbadapeladesterritorializaçãodomundocontemporâneo.Ofilmesegueasexperiênciasdosdoisperso-nagensamericanosprincipais,BobeCharlotte,emumavisitaàTóquio.Bobéumatorobsoleto,vivendoemumcasamentodesestimulantequeviaja à Tóquio para gravar um comercial de TV. Charlotte é recém-casada eestáemTóquioacompanhandoomaridoemumaviagemdenegócios.Nenhum dos personagens tem um rumo claro, ambos apresentam um va-zioemocional,umaperdadeidentidade,quenãosabemcomopreencher.

* Outro filme que aborda este tema de maneira interessante é Amor sem Escalas (2009) do di-retor Jason Reitman baseado no romance homônimo de Walter Kirn (2001).

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[F35] Charlotte e Bob sentados aos bar em Encontros e Desencontros (2003).

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[F36] Charlotte contempla a ci-dade ao longe, distanciada, sem interagir com ela.

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BobeCharlotteseconhecemdemadrugadanobardohotelemque estão hospedados e, após alguns encontros recorrentes, reconhecem umnooutroespíritosafins.Ambossofremdeumtédioexistencialedeumasolidãoqueéreforçadapelochoqueculturalepelasdificuldadesdecomunicação causadas pela estadia em um país estrangeiro.

Nodecorrerdofilmeospersonagensconstantementeocupames-paços igualmente destituídos de uma personalidade distinta. Estes não--lugares (hotéis, restaurantes, bares, boates) reforçam neles a sensação de não-pertencimento e alienação, ao mesmo tempo que os aproximam. A própria cidade é apresentada de forma fragmentada, através de tomadas curtas do ponto de vista dos personagens, impedindo a contemplação do espaçoeumaapreensãocompletaporpartedoespectador.Destaforma,embora esteja sempre claro que a cidade apresentada é Tóquio, o próprio espectador (em si um estrangeiro naquele ambiente) não consegue se identificarcomosespaçosretratadossofrendoumadesterritorializaçãosemelhante à dos personagens.

O filme fazumacrítica tambémà sobrecarga sígnica impostaàcidade de Tóquio. Embora os espaços estejam abundamentemente co-bertosde informação estes semostram incapazesde incentivar algumtipo reação emocional nos personagens, que se apresentam anestesiados. EstacríticaecoanafaladocineastaWimWenders:

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“Quandohámuitooquever,quandoumaimagemémuitocheia,ouhámuitasimagens,nadasevê.‘Muito’torna-sebemrápido‘absolutamentenada’.Todosvocêssabemdisso.Vocêsconhecemtambémoefeitoinverso:quandoumaimageméquasevazia,muitodespojada,écapazdefazersurgirtantascoisasquechegaapreen-cher totalmenteoobservador, transformandoovazioem ‘tudo’.10 ”

Wendersfazumaapologiaao“vazio”comoformadeconferirsig-nificadoaoqueéapresentado,permitindoqueaspessoas(tantoohabi-tantedacidade,comooespectadordo filme)possampreenchê-locomseusprópriospensamentos,emoções,experiências,etc.Essevaziosurgeem Encontros e Desencontros através da imagem do templo que Char-lottevisita,porémésignificativoqueantesquepossachegarláelasejaobrigada a tomar um trem para fora da cidade.

Matrix: a vida em um futuro virtual

OfilmeMatrix(1999)dosirmãosWachowski,éumdospoucosfilmesdeficçãocientíficaqueousaimaginarumfuturoinovador.Emboraa parte central do enredo seja semelhante à de Metrópolis (1927)*, um

* A escravização da raça humana em um mundo dominado pelas máquinas.

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[F37] Sobrecarga sígnica atordoa ao invés de causar uma reação emocional.

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dosmaioresclássicosdeficçãocientíficajáfilmado,osdiretoresinovamao inserir o componente da realidade virtual e subvertem as expectati-vas.*

NofinaldoséculoXXIIamaiorpartedapopulaçãomundialvivesubjugadapelasmáquinasquehámuitovenceramaguerracontraahu-manidade pelo controle do planeta. Os prisioneiros de guerra humanos passaramentãoaseremutilizadoscomonadamaisdoquebaterias,fon-tesdeenergiaqueasmáquinasutilizamparasobreviver.Comoformademanterapopulaçãocontroladaemseus“camposdecultivo”asmáquinascriaram uma realidade virtual à imagem domundo no final do séculoXX (consideradoporelas comooápicedacivilizaçãohumana)naqualas pessoas habitam inconscientemente. Este universo virtual, A Matrix, projetado pelo Arquiteto, objetiva nada mais do que manter a mente da população entretida para que seus corpos continuem funcionando e pro-duzindoenergia.⌘

Embora A Matrix em si não possa ser considerada arquitetonica-menteinovadora(afinal,precisasercrívelparaapopulaçãoqueahabitaeespecialmenteparaopúblicoespectador),aidéiadehabitarplenamenteumuniversovirtual tornao filmeumavisãonovado futuro.Distópica,certamente,porémcadavezmaispossível.Nãoseriaumexagerodizerquemesmohojejávivemosemummundovirtualaopassarmoscadavezmais tempo em frente a computadores e outros equipamentos conecta

* Existem outros filmes contem-porâneos de Matrix como eXis-tenZ (1999) e Cidade das Sombras (1998) que abordam temas seme-lhantes porém optou-se por utili-zar Matrix na análise por ter sido o filme de maior abrangência.

⌘ É interessante mencionar que a primeira versão da Matrix (como descrita no filme) era utópica, um mundo ideal onde todos pode-riam ser felizes, porém as mentes rejeitavam esta realidade como sendo irreal, inacreditável. Um dos personagens chega a sugerir que isso se deve à incapacidade da mente humana de conceituar uma “realidade” sem sofrimento, sendo este usado como base para distinguir o mundo real do mundo de sonhos.

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dos à Internet. Quanto tempo falta para que a arquitetura dos computa-dores, dos chips e dos softwares substitua a arquitetura de cimento e ti-jolos? Para que arquitetos não mais projetem construções reais, mas que passemos a habitar essencialmente maquetes eletrônicas inseridas em realidades virtuais?

Aprópriadefiniçãodoqueérealéquestionadanofilme.Naspa-lavras do personagem Morfeu “se o real é o que você pode sentir, cheirar, degustar e ver, então ‘real’ é simplesmente sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro”. E se a noção de realidade depende da interpretação de sinais elétricos pelo cérebro, o que distingue os sinais emitidos pela reali-dade concreta versus por uma realidade virtual?

[F38] Imagem do filme Matrix (1999), campos de cultivo de hu-manos no mundo real.

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Oprincipalcontrasteno filmeéentreomundorealeAMatrix.Enquanto o mundo real encontra-se devastado pela guerra e dominado pelasmáquinas(forçandoospoucoshumanoslivresaviverememnaves)AMatrixofereceumaespéciederefúgio,significativamentemaisconfor-táveldoquea realidadeconcreta.Quandoumdospersonagenséofer-ecidoachancederetornaràMatrixeleaaceita,lançandoodilema:seriamelhor viver confortavelmente em um mundo virtual do que tolerar as dificuldadesdomundoreal?

[F39] A Matrix real, como vista por Neo após sua epifania.

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Por fim, independente da forma como o(a) diretor(a) opta porrepresentarosespaçosedasassociaçõesquefazentreeles,oimportanteé que arquitetura e seus estudiosos não deixem de atentar à represen-taçãoquesefazdela.Aanálisedeveserconstanteparaquesejapossívelenxergarnestasrepresentaçõescríticasapossibilidadederealizarumaauto-crítica recorrente e melhor se adequar aos anseios da população projetadosemfilme.11

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Referências

1LAMSTER,Mark.Introduction.In:_____. Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitectural Press, 2000. p. 1-10.2PEREIRADESOUZA,André.Cidadesreaise imagináriasnocinema.Arquitextos, São Paulo,05.058,Vitruvius,mar.2005<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arqui-textos/05.058/491>.3 Idem, Ibidem.4BELL,JonathanF.Shadowsinthehinterland:Ruralnoir.In:LAMSTER,Mark.Architectu-re and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.217-230.5 Idem, Ibidem.6 Idem, Ibidem.7 VALENTINE,Maggie. Escape by design. In: LAMSTER,Mark.Architecture and Film. NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.149-158.8CASTELLO,Lineu.MeutioeraumBladeRunner:ascensãoequedadaarquiteturamo-derna no cinema. Arquitextos,SãoPaulo,02.024,Vitruvius,mai.2002<http://www.vi-truvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/781>.9 U.S. population now 300 million and growing. CNN US. 17out.2006.Disponívelem:<http://articles.cnn.com/2006-10-17/us/300.million.over_1_total-population-hou-seholds-census-bureau?_s=PM:US>.Acessoem:03dez.2011.10WENDERS,Wim.Apaisagemurbana.Revista do Iphan,v.23,n.,1994.p.185.11CASTELLO,Lineu.MeutioeraumBladeRunner:ascensãoequedadaarquiteturamo-derna no cinema. Arquitextos, São Paulo, 02.024, Vitruvius, mai. 2002 <http://www.vitru-

vius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/781>.

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129CONCLUSÃO

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[F40

] Met

rópo

lis (1

927)

.

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CONCLUSÃO Após os breves estudos das possibilidades de interação entre os camposdocinemaedaarquiteturarealizadosnestetrabalhoficaclaroque ainda existem diversas alternativas a serem mais profundamente exploradas. Obviamente este trabalho não tinha a intenção de exaurir o assunto (missão provavelmente impossível), espera-se apenas ter conse-guido instigar o interesse do leitor para que este possa seguir em suas própriasanálisesarespeitodotema.

Ainfluênciadocinemanapercepçãodosespaçosreaisapresenta-dos em tela, e na invenção e re-invenção de espaços de vivência inseridos pelosfilmesnoimagináriocoletivopodeedevesermaispesquisada,umavezqueosfilmes(ouaomenosastécnicasdecapturadaimagem)estãocadavezmaisentranhadasemnossaculturavisual.

Alémdisso,nodecorrerdapesquisarealizadaparaaproduçãodeste trabalho, percebeu-se que o estudo de filmes e espaços fílmicospode se apresentar como uma adição interessante aos currículos das es-colasdearquitetura.Sejaatravésdeanálisescríticasdosespaçosapre-sentados(mesmoquefictícios)paraadiscussãodearquiteturaseespa-ços urbanos do passado, presente e até mesmo de especulações sobre os rumos futuros da arquitetura e do urbanismo; ou no estudo das próprias técnicascinematográficascomoformadelibertararepresentaçãoarqui-tetônica das restrições dos meios predominantemente bidimensionais, reforçandoanaturezaexperiencialdosespaçosarquitetônicoseurbanos.

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Em ambos os casos (e em tantos outros quanto puderem ser imaginados)acredita-sequeainserçãodeestudosfílmicosnoensinodaarquitetura enriqueceria em larga escala a compreensão da arquitetura como uma arte espacial, que deve ser pensada e experimentada sempre levandoemconsideraçãonãoapenassuas trêsdimensões físicascomotambém a quarta dimensão do tempo-movimento.

Finalmente,apesardosestudossobrearquiteturajáserembas-tante extensos e as investigações sobre cinema estarem em um ponto interessante (embora ambos os campos estejam em constante evolução edevamsercontinuamenterevisadoseanalisados),acredita-sequeháainda pouquíssima literatura que lide diretamente com a interseção cine-ma-arquiteturaequeinfinitaspossibilidadesaindaestãoabertasaseremexploradas.

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133GLOSSÁRIO

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[F41

] Pla

ytim

e (1

967)

.

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GLOSSÁRIO Esteglossáriofoicriadocomaintençãodeoferecerbrevesescla-recimentosarespeitodealgunstermosutilizadosnodecorrerdotraba-lhodeumaformaquenãooferecesseprejuízoàfluidezdotexto. Estasdefiniçõesforamembasadasemconhecimentosadquiridosnoprocessode revisãobibliográficaeemestudos relacionadosaoutrasdisciplinasabordadas durante o curso de graduação.

Avant-gardeDofrancês,significa“vanguarda”.Termonormalmenteassociadoaosmo-vimentos artísticos que forçavam os limites, experimentando com novas possibilidades técnicas, estéticas, etc.

Belle ÉpoqueDofrancês,significa“belaera”.Períodocompreendidoentreofinaldosé-culoXIXea1aGuerraMundialqueviuoflorescimentodediversosmo-vimentosculturaiseartísticoscomooartnouveaueorealismoliterário.

Cidade JardimModelodecidadeconcebidoporEbenezerHowardnofinaldoséculoXIX,buscavaumamaiorintegraçãoentrevidaurbanaenaturezatentandoal-cançarummeio-termoviável (e saudável) entre a vidana cidadeenocampo.

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Condomínios Fechados Total LifeTentativacontemporâneadereuniremumúnicocondomíniofechadoasfunçõesdemoradia,trabalhoelazer,efetivamenteminimizandoaneces-sidade dos moradores de saírem e interagirem com o espaço urbano.

CroquiBreveesboço,normalmenteutilizadonasfasesiniciaisdoprojetoparare-gistrar/demonstrar uma idéia sem maiores preocupações com precisão ourefinamentográfico.

DecupagemTermo que se refere ao processo de dividir o roteiro em sequências, cenas eplanos,escolhendoângulosdefilmagemeindicandooutrasespecifica-çõestécnicasparaoprocessodefilmagem.

Diegese, DiegéticaTudoqueérelacionadoàhistóriaapresentadapelofilmeeconsideradoverdadeiropelasua inserçãonanarrativa: locais,personagens,música,etc.

DistopiaPode ser considerada como a antítese do pensamento utópico, frequen-tementeretratadoemhistóriasfuturistasdeficçãocientíficaondegover-nos totalitários e autoritáriosoprimemapopulação e a corrupçãodas

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normas de convivência social predomina.

Espaço FílmicoDefinidonestetrabalhocomotodoespaçoapresentadonofilme,sejaeleumsetconstruído,umlugarrealfilmadoemlocaçãooumesmoespaçosexperimentais, imaginados, resultantes do processo de montagem de imagens sucessivas de lugares distintos.

Filmes NoirDofrancês,significa“negro”.Gênerofílmicoquesurgiunoperíododare-cessãoamericana,traduziunastelasadesilusãodopovoamericanocomsituação da sociedademoderna. De aspecto sombrio, focava principal-mente em romances policiais com personagens amargos e desiludidos com a vida e a violência das grandes cidades.

Filmes WesternDoinglês,significa“relacionadoaooeste”.GênerofílmicoconhecidonoBrasilcomofaroeste(aportuguesadadotermo“farwest”tambémutiliza-do para designar este gênero) associado principalmente com a represen-taçãodavidadasfamílias localizadasnafronteiraoestedecolonizaçãodos Estados Unidos.

MainstreamDoinglês,numatraduçãolivre,significa“correnteprincipal”.Qualquer

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coisa relacionada ao gosto corrente da maioria da população sendo, en-tão,utilizadocomosinônimo(emmuitoscasospejorativo)defilmesdeinteresse comercial.

MansardasJanelalocalizadanotelhadodeumedifícioparailuminareventilarosó-tãoe,porassociação,otermoéemalgunscasosutilizadoparadesignareste mesmo cômodo.

Mise-en-ScèneConjuntodefatoresquecompõemumacena:cenário,iluminação,trilhasonora, etc.

MontagemProcesso técnico que consiste no encadeamento de planos sucessivos de modo que estes passem a constituir cenas e sequências, dando unidade à projeçãodofilme.

Não-Lugares, Não-Lugares CinematográficosTermo criado por Marc Augé, os não-lugares (e por consequência os não--lugarescinematográficos)secaracterizamcomolugaresaosquaisnãoépossível atribuir características pessoais, locais sem identidade. São es-paços de ninguém, em trânsito, ocupados por pessoas que passam porém nãoficamtempoobastanteparaconferir-lheumaidentidade,comoaero-

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portos,rodoviárias,auto-estradas,etc.

SetSerefereaocenárioconstruídoemestúdiocomointuitodesimularumlocalreal,abrangendotantoaarquiteturadocenárioquantoosacessó-rios e outros adereços que o completam e dão a impressão de realidade.

Tipologia VernacularTipologiaserefereaoestudode tiposarquitetônicos,edifícios identifi-cáveis atravésdeum conjuntode características arquitetônicas que serepetemepodemserreproduzidasparageraredifíciossemelhantes.Jáapalavravernacularestárelacionadacomoconceitoderegionalidade,fo-candoemedifíciosproduzidoscommateriaiseestiloscaracterísticosdeuma região. Logo uma tipologia arquitetônica vernacular pode ser consi-derada como um modelo arquitetônico característico de uma região.

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141CRÉDITOS

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[F42

] A C

asa

do L

ago

(200

6).

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ÍNDICE GERAL DE FILMES Índicegeraldosfilmesmencionadosnotrabalho.Osfilmesefeti-vamente analisados possuem um asterisco (*) ao lado do nome.

007 - O Espião Que Me Amava (The Spy Who Loved Me, Lewis Gilbert, 1977) 007 - Os Diamantes São Eternos (DiamondsareForever,GuyHamilton,1971)007 Contra a Chantagem Atômica (Thunderball,TerenceYoung,1965)007 Contra Goldfinger (Goldfinger,GuyHamilton,1964)007 Contra o Foguete da Morte(Moonraker,LewisGilbert,1979)007 Contra o Satânico Dr. No(Dr.No,TerenceYoung,1962)À Propos de Nice (À Propos de Nice, Jean Vigo, 1930)Aeon Flux (AeonFlux,KarynKusama,2005)*Amor sem Escalas (Up in the Air, Jason Reitman, 2009)Batman (Batman,TimBurton,1989)Berlim: A Sinfonia de uma Grande Cidade (Berlin:DieSinfoniederGrosstadt,Walter Ruttmann, 1927)Blade Runner – O Caçador de Andróides(BladeRunner,RidleyScott,1982)Cantando na Chuva (Singin’intheRain,StanleyDoneneGeneKelly,1952).Casa do Lago, O(TheLakeHouse,AlejandoAgresti,2006)*Castelo Animado, O (Haurunougokushiro,HayaoMiyazaki,2004)Chegada de um Trem à Ciotat, A (L’Arrivée d’un Train en Gare de La Ciotat, Au-gusteeLouisLumière,1895)Cidade das Sombras (DarkCity,AlexProyas,1998)Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (YouOnlyLiveTwice,LewisGilbert,1967)Dogville (Dogville,LarsvonTrier,2003)*Dr. Fantástico (Dr.Strangeloveor:HowILearnedtoStopWorryingandLovetheBomb,StanleyKubrick,1964)Encontros e Desencontros (LostinTranslation,SofiaCoppola,2003)*eXistenZ (eXistenZ,DavidCronenberg,1999)

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Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, Sam Mendes, 2008)Gabinete do Dr. Caligari, O (DasCabinetdesDr.Caligari,RobertWiene,1920)Grand Hotel (Grand Hotel, Edmund Goulding, 1932)Insolação (Insolação,FelipeHirscheDanielaThomas,2009)*King Kong (KingKong,MerianC.CoopereErnestB.Schoedsack,1933)Ladrões de Bicicleta (LadridiBiciclette,VittoriodeSica,1948)Madrugada dos Mortos (DawnoftheDead,ZackSnyder,2004)*Mágico de Oz, O (TheWizardofOz,VictorFleming,1939)Manhatta (Manhatta, Charles Sheeler e Paul Strand, 1920)Manhattan (Manhattan, Woody Allen, 1979)Matrix (TheMatrix,AndyeLanaWachowski,1999)*Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, Woody Allen, 2011) *Metrópolis (Metropolis,FritzLang,1927)Meu Tio (MonOncle,JacquesTati,1958)Núpcias de Escândalo (ThePhiladelphiaStory,GeorgeCukor,1940)Obsessão (Ossessione, Luchino Visconti, 1943)Origem, A (Inception, Christopher Nolan, 2010) *Playtime – Tempo de Diversão (Playtime, Jacques Tati, 1967)Ponto Final – Match Point (MatchPoint,WoodyAllen,2005)Roma, Cidade Aberta (Roma,CittàAperta,RobertoRossellini,1945)Scoop – O Grande Furo (Scoop, Woody Allen, 2006)Show de Truman, O (The Truman Show, Peter Weir, 1998) *Sonho de Cassandra, O (Cassandra’sDream,WoodyAllen,2007)Terminal, O (The Terminal, Steven Spielberg, 2004)Vicky Cristina Barcelona (VickyCristinaBarcelona,WoodyAllen,2008)Vila, A (The Village, M. Night Shyamalan, 2004) *Vontade Indômita (The Fountainhead, King Vidor, 1949) Watchmen – O Filme (Watchmen,ZackSnyder,2009)

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ÍNDICE GERAL DE REFERÊNCIAS ALBRECHT,Donald.Dr.Caligari’sCabinets:ThesetdesignofKenAdam.In:LAMSTER,Mark.Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress, 2000. p. 117-128. ALLONDOSSANTOS,Fábio.Aarquiteturacomoagentefílmico.Arqui-textos, São Paulo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/616>. BARTHES,Roland.ThePhotographicMessage. In: _____.Image-Music--Text.NewYork:NoondayPres,1977. BELL,JonathanF.Shadowsinthehinterland:Ruralnoir.In:LAMSTER,Mark.Architecture and Film.NewYork:PrincetonArchitecturalPress,2000.p.217-230. BENJAMIN,Walter.Aobradeartenaeradesuareprodutibilidadetécni-ca.In:_____.Magia e técnica, arte e política.SãoPaulo:EditoraBrasiliense,1987.p.165-196. BOAKE,TerryMeyer.Architecture and Film:Experientialrealitiesanddystopicfutures.Disponívelem:<http://www.architecture.uwaterloo.ca/facul-ty_projects/terri/pdf/boake_arch_film_colour.pdf>.Acessoem:02mar.2012. CASTELLO,Lineu.MeutioeraumBladeRunner:ascensãoequedadaarquitetura moderna no cinema. Arquitextos, São Paulo, 02.024, Vitruvius, mai. 2002<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/781>. CRAFT,Bob.OnlyinHollywood:Confessionsofalocationmanager.In:LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton ArchitecturalPress, 2000. p. 141-147. DACOSTA,MariaHelenaBragaeVaz.Articulações fílmicas da per

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LISTA DE IMAGENS Asimagensrelacionadasafilmesforamcapturadasdiretamentedecó-piasfísicase/oudigitaisdosmesmos,logoserãoconsideradas“arquivopessoal”.As demais imagens seguem com os respectivos créditos.

[F1] Insolação (2009).[F2] Set de Metrópolis (1927).FONTE:http://www.thefedoralounge.com/showthread.php?50101-Behind-the--Scenes-Photos/page8[F3] Croquis feitos por Le Corbusier no mesmo estilo de um storyboard para ilus-trar e acompanhar a descrição do projeto da residência de Madame Meyer. FONTE:http://www.bifurcaciones.cl/003/Kale.htm[F4]CartãopostaldacidadedeNovaYorkincorporaoprópriopersonagemdofilmeàpaisagemcomoformadedivulgaçãoturística.FONTE:http://9teen87spostcards.blogspot.com/2011/03/king-kong-on-empi-re-state-building-in.html[F5]BrevereflexodaTorreEiffeléumadaspoucasindicaçõesqueofilmePlayti-me (Jacques Tati, 1967) se passa em Paris. [F6] Ilustração do Mareorama (Exposição de Paris, 1900) publicada na revista ScientificAmerican.FONTE:http://en.wikipedia.org/wiki/Mareorama[F7]Imagens(4)dofilmeÀ Propos de Nice (1930).[F8]ImagemdofilmeMeu Tio(1958).[F9]ImagemdofilmeO Gabinete do Dr. Caligari (1920).[F10] SetcriadoporCedricGibbonsparaasfilmagensdeGrand Hotel (1932).FONTE:http://dcairns.wordpress.com/2011/05/14/four-rooms/

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[F11]SaladeGuerradofilmeWatchmen(ZackSnyder,2009)projetadaporAlexMcDowelleinspiradanofilmeDr. Fantástico.[F12]SaladeGuerraprojetadaporKenAdamparaofilmeDr. Fantástico (1964).[F13] O Castelo Animado (2004).[F14]ImagemdofilmeInsolação (2009).[F15]Imagens(4)dofilmeInsolação (2009). [F16]BroadacreCitydeWright,sobrevoadapor“helicópteros”,cortadaporviasdetráfegodeautomóveis,auto-estradas,etc.Amodernidadepermanece,optan-doapenasporumadensidadehorizontal,rarefeita,agrária(desurbanizada).AVila de Shyamalan deseja não somente o retorno ao campo, como uma recupera-ção de todo um modo de vida.FONTE:http://alternations.wordpress.com/2008/04/08/frank-lloyd-wright/[F17]ImagemdofilmeA Vila (2004).[F18] Imagem de A Casa do Lago(2006)naqualépossívelperceberodecksoba casa.[F19] Imagens (4) de Aeon Flux(2005).[F20]Imagens(50)dascenasiniciaisdeMeia-noite em Paris (2011). [F21]ImagemdofilmeO Castelo Animado (2004).[F22] Dogville (2003).[F23]Cenadalutacomgravidadezeroexploraperspectivasdistintasdaarqui-teturafílmica.[F24]CenadofilmeA Origem (2010) em que Ariadne testa os limites do mundo dos sonhos.[F25]Perspectivadacidadeconstruídapelocasalno“limbo”,ênfasenaverticali-

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dade das construções.[F26] Limites degradados da cidade construída no limbo, se assemelham a falé-sias.[F27] Cena de Dogville(2003)demonstrandoaausênciadecenárioàexceçãode alguns acessórios.[F28] Plano inicial de Dogville (2003) situando o espectador com relação à ge-ografiadacidade.[F29]ExemplodeângulodescendentemuitoutilizadoemDogville (2003) para apresentar o espaço.[F30] Encontros e Desencontros (2003).[F31] Arranha-céus de Metrópolis (1927).[F32] Vista aérea da cidade de Seahaven (Seaside, FL) em O Show de Truman (1998).[F33] Imagem das cenas iniciais de Madrugada dos Mortos (2004).[F34] Imagem da chegada do grupo ao shopping center.[F35]CharlotteeBobsentadosaosbaremEncontros e Desencontros (2003).[F36] Charlotte contempla a cidade ao longe, distanciada, sem interagir com ela. [F37] Sobrecarga sígnica atordoa ao invés de causar uma reação emocional.[F38]ImagemdofilmeMatrix (1999), campos de cultivo de humanos no mundo real.[F39] A Matrix real, como vista por Neo após sua epifania.[F40] Metrópolis (1927).[F41] Playtime (1967).[F42] A Casa do Lago (2006).

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