ARRUDA, R. K. Ruptutra e Deslocamento O Espectador em Ato. Atas do XIV Simpósio da International Brecht Society, 2013

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      Anais do Simpósio da International Brecht Society, vol.1, 2013.

    RUPTURA E DESLOCAMENTO: O ESPECTADOR EM ATO

    ARRUDA, Rejane K. 1 

    RESUMO

    O artigo pretende refletir sobre a posição “dividida” do espectador. E trabalhar

    com a hipótese de que seria possível perceber, no teatro pós-brechtiano, uma

    convocação ao ato. Lança-se mão da noção lacaniana do ato como “o que não

    tem retorno”. O ato implicaria a ruptura; a mudança radical da posição do

    sujeito na tessitura das relações sociais. A partir desta hipótese, pensa-se a

    noção de fragmentação do espaço no teatro contemporâneo - e as sucessivas

    modificações nas relações entre espectador e cena - como modalidades desta

    convocação ao ato. Mais do que a modificação objetiva da relação espacial,

    estaria em questão a “divisão” do espectador. Não apenas na medida em que o

    paradigma deixa de ser a unicidade das relações imaginárias (alicerçadas no

    sentido da diegese). Propõe-se, como estrutura da relação espectador-cena, a

    constante alternância da posição, bem como o deslocamento, do sujeito pelatessitura da obra. Este deslocamento implicaria um “resto” que não se inscreve

    na relação de conhecimento sujeito - objeto e, por sua vez, será elaborado em

    ato. O ato adviria de uma necessidade do espectador resignificar a própria

    posição na tessitura das relações sociais já que o enlaçamento no ritual cênico

    o deslocou. Chega-se ao espectador como participante do saber produzido

    sobre a sua atividade. A racionalidade reivindicada, longe de afastar a

    experiência do afeto, implicaria um duplo estatuto, pois é ao deparar-se com avertigem e o horror que o novo significante surge. E é na medida em que, deste

    ato, um “novo” surge, que o teatro é político. E que o espectador é criador não

    apenas de um saber ou de um pensar, mas de um ato – ruptura de um mundo.

    Palavras-chaves: espectador – Brecht - ato

     Rejane K. Arruda é graduada, mestre e doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade de

    São Paulo e bolsista da FAPESP. Tem desenvolvido pesquisa em artes com ênfase na Teoria

    e Prática Teatral, Formação do Artista e interfases com o cinema e a psicanálise. É tambémencenadora e atriz. E-mail: [email protected]

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    posição do sujeito na tessitura destas relações. A partir desta hipótese,

    pretende-se pensar a fragmentação do espaço e as modificações nas relações

    entre espectador e cena como modalidades desta convocação ao ato.

    Para introduzir a hipótese parto de uma proposiçãobastante lacaniana:“o ato evidencia uma fratura na razão” (TORRES, 2010: 22). Uma proposição

    que diverge de uma ideia de modificação do mundo como escolha consciente.

    Sabe-se que Brecht não queria retratar a realidade, mas transformá-la. No

    entanto, não se trataria de apresentar uma tese ao espectador e convencê-lo a

    agir.Não seria tarefa do teatro ditar uma conduta ou comportamento do

    espectador. Se fazer teatro não é convencê-loa modificar aforma de agir, como

    o ato se dá? Como a experiência teatral convoca o sujeito ao ato, rompendo a

    tessitura de sustentação das relações sociais que o mantém alienado (digamos

    assim)?

    Existe uma segunda proposição que éa doato implicado como

    simbólico –articulado aospactos, aos acordos, atribuições,uma relação com a

    lei (tudo o que se dá pela via da linguagem e implica a posição do sujeito no

    mundo). No entanto, este atotoca alguma coisa do real. Real lacaniano, que se

    dáenquanto “encontro faltoso”. Em se tratando do que do ato toca o real o

    sujeito está fora– para que no instante seguinte possa se re resignificare

    também ao ato.O ato está entre o simbólico onde o sujeito se inscreve e o real

    que a pulsão toca no sentido deque algo o ultrapassa. Trata-se de reconhecer

    que estruturalmente algo escapa. Este é o ato. Trata-se também da noção

    freudiana de ato-falho como o que não se antecipa: desrazão. O “engano como

    a verdade possível do encontro do sujeito com o real” (idem: 148). O ato

    implicaria estes dois registros: o real faltoso e o deslocamento no simbólico. De

    maneira que se trataria deencontrar a fissura desta rede simbólica onde o

    sujeito possa se alojar–o espaço de um atodepois do qual tudo será diferente;

    reconhecer que um espectador não é somente um indivíduo racional e

    dominador das ações, mas um sujeito dividido entre a inscrição na linguagem e

    o real inapreensível que a pulsão circunda e o faz falhar. Entre o que o

    determina como sujeito e afalha, ele se divide. Viria de um deslize, então, a

    perspectiva de encontrar umnovo buraco para alojar-se na teia social,

    tencionando-a. Como o teatro agiria neste ponto de encontro entre real esimbólico transformando o mundo do indivíduo que está implicado como

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    sujeito? Não seria em um ponto de engano que o teatro pode provocar um ato?

    E o deslocamento deste sujeito para outro lugar na própria história?

    Ao passarpara o discurso pós-dramático, percebe-se queé a relação

    com o espectador que se quer mudar. O cerne não estána operacionalidade dacena como autônoma em relação à literatura, proposição que se burilou desde

    o final do Século XIX e que acompanhou o projeto das vanguardas no começo

    das vanguardas no começo do Século XX: dos simbolistas, da Bauhaus, de

    Artaud, Beckett, etc,entrando na segunda metade comGrotowski, Living

    Teather, Wilson e tantos outros – o que determinou a cena como escritura (e

    não como representação). O que estaria em questão éa demanda em relação à

    posição do espectador. Quebrou-se o espaço e se modificou estas relações

    como se viu emGrotowski,em certo momentoabordando o espectador como

    alguém dentro da diegese e inscrevendo-o, por exemplo, como participante de

    um júri a qual os atores se reportavampara forçar a determinação de sua

    posição. Ounodadaísmo, que radicalizou a relação com o espectador em

    termos de agressão e choque.Este contexto, dos atores em relação direta com

    o espectador, sem a mediação dadiegese (ourepresentação) se chamou

    “presença”: aquilo que, segundo Maria Beatriz de Medeiros, Heidegger entende

    como “o que coloca em jogo o seu próprio ser” (MEDEIROS, 2011: 23). A

    experiência viva de ambos (ator e espectador) em uma situação de risco

    poderia chamar o espectador ao atoenquanto coloca em cheque a visualidade

    da sua realidadee das suas identificações imaginárias, como defende a teoria

    da performance de Glusberg. Ou, ainda, para citar o encenador brasileiro

    contemporâneo Roberto Alvim:é necessário “furar o espectador”. Mas em

    nenhum momento deixou-se de questionar se estas novas relações realmente

    produzematos.

    Quando falamos emanti-mimético, a questão da ruptura com o espaço

    está colocada, pois a visualidade da relação com o espectador é toda exposta,

    ao invés da mimese da diegese inventada e colocada numa vitrine. Brecht

     jogoumuito bem com o choque entre as visualidades: a do ator ea da

    personagem; a dostipos sociais e a de um indivíduo singular; a visualidade da

    situação do tempo presente eda situaçãodo tempo passado; das relações

    evocadas pelas canções e das relações evocadas pela cena; a do olhar dodominador e a visualidade do olhar do dominado; ou de situações retratadas

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    Haveria a perspectiva do teatro como construção de uma posição em

    deslocamento para que, neste “pra lá e pra cá”, de um corte a outro, algo

    possa, sem querer (e não por convencimento ou determinação) claudicar –

    como se estes sucessivos deslocamentos implicassemum desencontro queserá elaborado em ato? E provocasse uma retessitura das relações sociais

    porque algo a partir da experiência e do dispositivo teatral faltou? É como se a

    necessidade de resignificar a própria posição na tessitura das relações sociais

    viesse do desajuste proporcionado pela experiência teatral, como se se tirasse

    uma peça do lugar e poracaso, erro ou falha – ou por impulso como se

    costuma dizer(como o que escapa) – o sujeito reconfigurasse o todo?

    Aexperiência teatral implicaria esteduplo estatuto: vertigem e reconhecimento –

    e é neste sentido queo teatro se faria político. O espectador seria criador não

    apenas do pensar, mas da ruptura de um mundo através do ato que lhe

    escapou.

    Este é um horizonte apenas, não é a todo o tempo que se consegue.

    Tratar-se-ia de abrira perspectiva de que algo na produção teatral se dê

    também para nós enquanto ato falho.O que colocaria o dispositivo teatral como

    fundamental para que uma experiência de deslizamento ocorra. Por um lado,

    não se trata de umconteúdo da obra, mas de como o dispositivo mexe com o

    sujeito. Isto nos leva novamente a questão espacial. As quebras do espaço

    determinariam uma espécie de qualitativo deste dispositivo? Quando Freud

    coloca o analisando de costas para o analista, ele mexe no espaço. Tirando o

    sujeito do habitual ele traz um novo estatuto para a relação, que se altera por

    esconder o rosto. De maneira que faria parte da construção de um dispositivo a

    experiência de fragmentação do espaço. Mas, temos exemplos de teatroscomo

    o de Pina Bausch, que lança mão do palco italiano, provocando ainda assim o

    choque quando da colcha de abstração salpica através de associações efeitos

    de diegese instantâneos que, no entanto, não se sustentam e se diluem o

    tempo todo (apontando uma falha e ainapropriação do imaginário). O que

    sustenta a poética de uma Pina Bausch a princípio não é a quebra do espaço

    físico, mas da imagem que poderia advir como ação. Poderíamos nos arriscar

    a dizer que a quebra da visualidade é estrutural, até no mimético quando a

    carne em cena nos remete a outra visualidade que não a dacena,mas adocotidiano do espectador, que vacila.

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    Talvez, mais do que a modificação objetiva da relação espacial o que

    abre a perspectiva do ato é a não eficiência da unicidade das relações

    imaginárias. Haveria esta constante estrutural da relação espectador-cena

    graças à alternância do olhar e o deslocamento por fissuras neste imaginárioque, na modalidade brechtiana foi constituído de certa maneira e em outras

    modalidades de outra. Por haver resíduo que não se inscreve nas relações

    imaginárias, este deverá ser elaborado em ato. Ato que produz o novo. O ato

    adviria da necessidade do espectador resignificar este resíduo que o

    enlaçamento no ritual e no dispositivo cênico produziu. Enlaçamento como

    umaexperiência de corpo na medida em que é nele que se aloja o afeto ao

    mesmo tempo em que é nele que o pensamento se enlaça.

    Não seria este um caminho para pensarmos o ato como uma estrutura

    independente de modalidades de apresentação do dispositivo? Ou ainda o

    dispositivo enquanto suporte do ato dependeria deste qualitativo apresentado

    pelas quebras do espaço?

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    GLUSBERG, J. A Arte da Performance. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1987.

    GROTOWSKI, J. O Teatro Laboratório de JerzyGrotowski (1959-1969). São

    Paulo: Ed. Perspectiva, 2007.

    MEDEIROS, M. B. Corpos Informáticos: Performance, Corpo, Política. Brasília:

    Editora do PPG-Arte/UnB, 2011.

    TORRES, R. Dimensões do Ato em Psicanálise. São Paulo: Ed. Annablume,

    2010.

    BORNHEIN, G. Brecht: A Estética do Teatro. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1992.