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8/18/2019 ARRUDA, R. K. Ruptutra e Deslocamento O Espectador em Ato. Atas do XIV Simpósio da International Brecht Socie…
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Anais do Simpósio da International Brecht Society, vol.1, 2013.
RUPTURA E DESLOCAMENTO: O ESPECTADOR EM ATO
ARRUDA, Rejane K. 1
RESUMO
O artigo pretende refletir sobre a posição “dividida” do espectador. E trabalhar
com a hipótese de que seria possível perceber, no teatro pós-brechtiano, uma
convocação ao ato. Lança-se mão da noção lacaniana do ato como “o que não
tem retorno”. O ato implicaria a ruptura; a mudança radical da posição do
sujeito na tessitura das relações sociais. A partir desta hipótese, pensa-se a
noção de fragmentação do espaço no teatro contemporâneo - e as sucessivas
modificações nas relações entre espectador e cena - como modalidades desta
convocação ao ato. Mais do que a modificação objetiva da relação espacial,
estaria em questão a “divisão” do espectador. Não apenas na medida em que o
paradigma deixa de ser a unicidade das relações imaginárias (alicerçadas no
sentido da diegese). Propõe-se, como estrutura da relação espectador-cena, a
constante alternância da posição, bem como o deslocamento, do sujeito pelatessitura da obra. Este deslocamento implicaria um “resto” que não se inscreve
na relação de conhecimento sujeito - objeto e, por sua vez, será elaborado em
ato. O ato adviria de uma necessidade do espectador resignificar a própria
posição na tessitura das relações sociais já que o enlaçamento no ritual cênico
o deslocou. Chega-se ao espectador como participante do saber produzido
sobre a sua atividade. A racionalidade reivindicada, longe de afastar a
experiência do afeto, implicaria um duplo estatuto, pois é ao deparar-se com avertigem e o horror que o novo significante surge. E é na medida em que, deste
ato, um “novo” surge, que o teatro é político. E que o espectador é criador não
apenas de um saber ou de um pensar, mas de um ato – ruptura de um mundo.
Palavras-chaves: espectador – Brecht - ato
Rejane K. Arruda é graduada, mestre e doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade de
São Paulo e bolsista da FAPESP. Tem desenvolvido pesquisa em artes com ênfase na Teoria
e Prática Teatral, Formação do Artista e interfases com o cinema e a psicanálise. É tambémencenadora e atriz. E-mail: [email protected]
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posição do sujeito na tessitura destas relações. A partir desta hipótese,
pretende-se pensar a fragmentação do espaço e as modificações nas relações
entre espectador e cena como modalidades desta convocação ao ato.
Para introduzir a hipótese parto de uma proposiçãobastante lacaniana:“o ato evidencia uma fratura na razão” (TORRES, 2010: 22). Uma proposição
que diverge de uma ideia de modificação do mundo como escolha consciente.
Sabe-se que Brecht não queria retratar a realidade, mas transformá-la. No
entanto, não se trataria de apresentar uma tese ao espectador e convencê-lo a
agir.Não seria tarefa do teatro ditar uma conduta ou comportamento do
espectador. Se fazer teatro não é convencê-loa modificar aforma de agir, como
o ato se dá? Como a experiência teatral convoca o sujeito ao ato, rompendo a
tessitura de sustentação das relações sociais que o mantém alienado (digamos
assim)?
Existe uma segunda proposição que éa doato implicado como
simbólico –articulado aospactos, aos acordos, atribuições,uma relação com a
lei (tudo o que se dá pela via da linguagem e implica a posição do sujeito no
mundo). No entanto, este atotoca alguma coisa do real. Real lacaniano, que se
dáenquanto “encontro faltoso”. Em se tratando do que do ato toca o real o
sujeito está fora– para que no instante seguinte possa se re resignificare
também ao ato.O ato está entre o simbólico onde o sujeito se inscreve e o real
que a pulsão toca no sentido deque algo o ultrapassa. Trata-se de reconhecer
que estruturalmente algo escapa. Este é o ato. Trata-se também da noção
freudiana de ato-falho como o que não se antecipa: desrazão. O “engano como
a verdade possível do encontro do sujeito com o real” (idem: 148). O ato
implicaria estes dois registros: o real faltoso e o deslocamento no simbólico. De
maneira que se trataria deencontrar a fissura desta rede simbólica onde o
sujeito possa se alojar–o espaço de um atodepois do qual tudo será diferente;
reconhecer que um espectador não é somente um indivíduo racional e
dominador das ações, mas um sujeito dividido entre a inscrição na linguagem e
o real inapreensível que a pulsão circunda e o faz falhar. Entre o que o
determina como sujeito e afalha, ele se divide. Viria de um deslize, então, a
perspectiva de encontrar umnovo buraco para alojar-se na teia social,
tencionando-a. Como o teatro agiria neste ponto de encontro entre real esimbólico transformando o mundo do indivíduo que está implicado como
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sujeito? Não seria em um ponto de engano que o teatro pode provocar um ato?
E o deslocamento deste sujeito para outro lugar na própria história?
Ao passarpara o discurso pós-dramático, percebe-se queé a relação
com o espectador que se quer mudar. O cerne não estána operacionalidade dacena como autônoma em relação à literatura, proposição que se burilou desde
o final do Século XIX e que acompanhou o projeto das vanguardas no começo
das vanguardas no começo do Século XX: dos simbolistas, da Bauhaus, de
Artaud, Beckett, etc,entrando na segunda metade comGrotowski, Living
Teather, Wilson e tantos outros – o que determinou a cena como escritura (e
não como representação). O que estaria em questão éa demanda em relação à
posição do espectador. Quebrou-se o espaço e se modificou estas relações
como se viu emGrotowski,em certo momentoabordando o espectador como
alguém dentro da diegese e inscrevendo-o, por exemplo, como participante de
um júri a qual os atores se reportavampara forçar a determinação de sua
posição. Ounodadaísmo, que radicalizou a relação com o espectador em
termos de agressão e choque.Este contexto, dos atores em relação direta com
o espectador, sem a mediação dadiegese (ourepresentação) se chamou
“presença”: aquilo que, segundo Maria Beatriz de Medeiros, Heidegger entende
como “o que coloca em jogo o seu próprio ser” (MEDEIROS, 2011: 23). A
experiência viva de ambos (ator e espectador) em uma situação de risco
poderia chamar o espectador ao atoenquanto coloca em cheque a visualidade
da sua realidadee das suas identificações imaginárias, como defende a teoria
da performance de Glusberg. Ou, ainda, para citar o encenador brasileiro
contemporâneo Roberto Alvim:é necessário “furar o espectador”. Mas em
nenhum momento deixou-se de questionar se estas novas relações realmente
produzematos.
Quando falamos emanti-mimético, a questão da ruptura com o espaço
está colocada, pois a visualidade da relação com o espectador é toda exposta,
ao invés da mimese da diegese inventada e colocada numa vitrine. Brecht
jogoumuito bem com o choque entre as visualidades: a do ator ea da
personagem; a dostipos sociais e a de um indivíduo singular; a visualidade da
situação do tempo presente eda situaçãodo tempo passado; das relações
evocadas pelas canções e das relações evocadas pela cena; a do olhar dodominador e a visualidade do olhar do dominado; ou de situações retratadas
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Haveria a perspectiva do teatro como construção de uma posição em
deslocamento para que, neste “pra lá e pra cá”, de um corte a outro, algo
possa, sem querer (e não por convencimento ou determinação) claudicar –
como se estes sucessivos deslocamentos implicassemum desencontro queserá elaborado em ato? E provocasse uma retessitura das relações sociais
porque algo a partir da experiência e do dispositivo teatral faltou? É como se a
necessidade de resignificar a própria posição na tessitura das relações sociais
viesse do desajuste proporcionado pela experiência teatral, como se se tirasse
uma peça do lugar e poracaso, erro ou falha – ou por impulso como se
costuma dizer(como o que escapa) – o sujeito reconfigurasse o todo?
Aexperiência teatral implicaria esteduplo estatuto: vertigem e reconhecimento –
e é neste sentido queo teatro se faria político. O espectador seria criador não
apenas do pensar, mas da ruptura de um mundo através do ato que lhe
escapou.
Este é um horizonte apenas, não é a todo o tempo que se consegue.
Tratar-se-ia de abrira perspectiva de que algo na produção teatral se dê
também para nós enquanto ato falho.O que colocaria o dispositivo teatral como
fundamental para que uma experiência de deslizamento ocorra. Por um lado,
não se trata de umconteúdo da obra, mas de como o dispositivo mexe com o
sujeito. Isto nos leva novamente a questão espacial. As quebras do espaço
determinariam uma espécie de qualitativo deste dispositivo? Quando Freud
coloca o analisando de costas para o analista, ele mexe no espaço. Tirando o
sujeito do habitual ele traz um novo estatuto para a relação, que se altera por
esconder o rosto. De maneira que faria parte da construção de um dispositivo a
experiência de fragmentação do espaço. Mas, temos exemplos de teatroscomo
o de Pina Bausch, que lança mão do palco italiano, provocando ainda assim o
choque quando da colcha de abstração salpica através de associações efeitos
de diegese instantâneos que, no entanto, não se sustentam e se diluem o
tempo todo (apontando uma falha e ainapropriação do imaginário). O que
sustenta a poética de uma Pina Bausch a princípio não é a quebra do espaço
físico, mas da imagem que poderia advir como ação. Poderíamos nos arriscar
a dizer que a quebra da visualidade é estrutural, até no mimético quando a
carne em cena nos remete a outra visualidade que não a dacena,mas adocotidiano do espectador, que vacila.
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Talvez, mais do que a modificação objetiva da relação espacial o que
abre a perspectiva do ato é a não eficiência da unicidade das relações
imaginárias. Haveria esta constante estrutural da relação espectador-cena
graças à alternância do olhar e o deslocamento por fissuras neste imaginárioque, na modalidade brechtiana foi constituído de certa maneira e em outras
modalidades de outra. Por haver resíduo que não se inscreve nas relações
imaginárias, este deverá ser elaborado em ato. Ato que produz o novo. O ato
adviria da necessidade do espectador resignificar este resíduo que o
enlaçamento no ritual e no dispositivo cênico produziu. Enlaçamento como
umaexperiência de corpo na medida em que é nele que se aloja o afeto ao
mesmo tempo em que é nele que o pensamento se enlaça.
Não seria este um caminho para pensarmos o ato como uma estrutura
independente de modalidades de apresentação do dispositivo? Ou ainda o
dispositivo enquanto suporte do ato dependeria deste qualitativo apresentado
pelas quebras do espaço?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GLUSBERG, J. A Arte da Performance. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1987.
GROTOWSKI, J. O Teatro Laboratório de JerzyGrotowski (1959-1969). São
Paulo: Ed. Perspectiva, 2007.
MEDEIROS, M. B. Corpos Informáticos: Performance, Corpo, Política. Brasília:
Editora do PPG-Arte/UnB, 2011.
TORRES, R. Dimensões do Ato em Psicanálise. São Paulo: Ed. Annablume,
2010.
BORNHEIN, G. Brecht: A Estética do Teatro. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1992.