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DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO 1 ART. 313 – PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM “Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo recebeu por erro de outrem: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.” O crime de peculato mediante erro de outrem exige como sujeito ativo o FUNCIONÁRIO PÚBLICO, portanto é crime PRÓPRIO. É crime MATERIAL, que vai se consumar com a apropriação efetiva do dinheiro ou da utilidade, por parte do funcionário. Admite a tentativa, sendo crime PLURISSUBSISTENTE. O tipo subjetivo do crime é COMPLEXO, porque exige um especial fim de se apropriar da coisa - “animus rem sib habendi”. Qual a distinção existente entre esta figura e a da apropriação indébita, ou a do peculato do art. 312? O peculato do art. 312 também tipifica uma conduta de apropriação, só que nessa modalidade, o sujeito ativo adentra na posse do bem de forma lícita. No art. 313, a posse advém do erro de outrem, sendo portanto ilícita. Qual é a diferença básica entre o peculato do artigo 313 e do estelionato do artigo 171 do CP? Não há uma similitude entre o estelionato e o art. 313, tal como existe com o peculato do art. 312 e a apropriação indébita; o peculato do §1 o com o furto. Nesses casos, há uma similitude completa. O peculato do “caput” só se distingue da apropriação indébita porque nesta o sujeito é o particular, enquanto no peculato é o funcionário público. No peculato do §1 o , a única distinção reside na qualificação do sujeito ativo, enquanto no furto é o particular. Não há, entre o peculato do artigo 313 e o estelionato do artigo 171, uma similitude completa como ocorre nos casos acima porque enquanto no estelionato é o sujeito ativo que cria na vítima, no lesionado a situação de erro, no art. 313 o erro de “outrem” não foi criado pelo sujeito ativo. Ou seja, o peculato mediante erro de outrem (art. 313) é aquele em que o funcionário público se apropria do bem que recebe de terceiro (outrem), terceiro este que atua em erro porque entrega o bem ao funcionário, que o apropriou, acreditando que o funcionário fosse a pessoa legitimada

ART. 313 PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM · o funcionário que pratica tal conduta, mas o faz sem autorização legal, não tendo função específica de modificar ou alterar dados

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DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

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ART. 313 – PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM

“Ap r op r i a r - s e d e d i nhe i r o ou qua l que r u t i l i d ade que , no e xe r c í c i o d o c a r go r e c ebeu po r e r r o d e ou t r em :

Pena – r e c l u s ão , d e 1 ( um) a 4 ( qua t r o ) a no s , e mu l t a . ”

O crime de peculato mediante erro de outrem exige

como sujeito ativo o FUNCIONÁRIO PÚBLICO, portanto é crime PRÓPRIO.

É crime MATERIAL, que vai se consumar com a

apropriação efetiva do dinheiro ou da utilidade, por parte do

funcionário. Admite a tentativa, sendo crime PLURISSUBSISTENTE.

O tipo subjetivo do crime é COMPLEXO, porque exige

um especial fim de se apropriar da coisa - “animus rem sib habendi”.

Qual a distinção existente entre esta figura e a da

apropriação indébita, ou a do peculato do art. 312?

O peculato do art. 312 também tipifica uma conduta

de apropriação, só que nessa modalidade, o sujeito ativo adentra na

posse do bem de forma lícita. No art. 313, a posse advém do erro de

outrem, sendo portanto ilícita.

Qual é a diferença básica entre o peculato do

artigo 313 e do estelionato do artigo 171 do CP?

Não há uma similitude entre o estelionato e o art.

313, tal como existe com o peculato do art. 312 e a apropriação

indébita; o peculato do §1o com o furto. Nesses casos, há uma

similitude completa. O peculato do “caput” só se distingue da

apropriação indébita porque nesta o sujeito é o particular, enquanto

no peculato é o funcionário público. No peculato do §1o, a única

distinção reside na qualificação do sujeito ativo, enquanto no furto

é o particular.

Não há, entre o peculato do artigo 313 e o

estelionato do artigo 171, uma similitude completa como ocorre nos

casos acima porque enquanto no estelionato é o sujeito ativo que

cria na vítima, no lesionado a situação de erro, no art. 313 o erro

de “outrem” não foi criado pelo sujeito ativo. Ou seja, o peculato

mediante erro de outrem (art. 313) é aquele em que o funcionário

público se apropria do bem que recebe de terceiro (outrem), terceiro

este que atua em erro porque entrega o bem ao funcionário, que o

apropriou, acreditando que o funcionário fosse a pessoa legitimada

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para receber o valor ou o bem, mas o erro não foi criado pelo

sujeito ativo.

Seria a figura do peculato de erro aquela em que A

deve entregar um bem a João, funcionário da repartição X, entrega a

José, acreditando que o José é o João. O funcionário José que recebe

esse bem nada faz para impedir a perpetuação do erro, se fazendo

passar por João.

Então há uma semelhança com o estelionato, pois

também neste a vítima é mantida em erro. Acontece que, enquanto no

estelionato o erro é criado pelo sujeito ativo, no peculato mediante

erro, o funcionário público não participa do erro, ele apenas impede

que o erro seja detectado.

Esse erro de outrem incide ou sobre a identidade do

funcionário a quem se entrega o valor ou o bem, como exemplificado

acima, ou o erro incide sobre a legitimidade que o funcionário

possui para adentrar na posse do bem.

Ex. A pessoa entrega para João, sabendo ser

este João, mas desconhecendo que o funcionário

não tem legitimidade para adentrar na posse do

bem.

O que é fundamental em qualquer situação do

peculato do artigo 313, é que o sujeito ativo não tenha criado a

situação de erro. Não foi ele quem induziu a vítima erro. Esta foi

levada a erro por ato voluntário próprio. Justamente por isso é que

se diz que não existe a figura do peculato estelionato, muito embora

seja correntemente utilizado.

ART. 313A – INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÃO

“ I n se r i r ou f a c i l i t a r , o f un c i o ná r i o au t o r i z ado , a i n s e r ç ão d e d ado s f a l s o s , a l t e r a r ou e x c l u i r i n d ev i d amen te d ado s c o r r e t o s no s s i s t ema s i n f o rma t i z ad o s ou b an co s d e d ado s d a Adm in i s t r a ç ão Púb l i c a c om o f im de ob t e r v an t agem i ndev i d a p a r a s i

ou p a r a ou t r em ou p a r a c au sa r d ano :

Pena – r e c l u s ão , d e 2 ( d o i s ) a 1 2 ( d o ze ) ano s e mu l t a .

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Trata-se de tipo penal inserido no Código Penal

pela Lei 9983/00, que basicamente dispôs na esfera criminal condutas

relativas a crimes previdenciários.

A conduta do artigo 313-A importa na inserção de

dados falsos, inidôneos ou a facilitação para que dados inidôneos

sejam inseridos no sistema de informática ou banco de dados da

Administração Pública, ou exclusão ou alteração desses dados

corretos que estejam inseridos no sistema de informática ou banco de

dados, com o especial fim de obter vantagem indevida ou causar dano

à Administração.

São quatro, assim, os núcleos verbais: INSERIR,

FACILITAR, ALTERAR OU EXCLUIR. Nas duas primeiras situações

(inserção ou facilitação), o legislador se refere ao acréscimo no

sistema de dados informatizados ou ao banco de informações de dados

incorretos, que não deveriam ali constar. Nos outros núcleos, as

informações são corretas, já se encontram inseridas no sistema de

dados, mas são excluídas ou alteradas, afetando-se, com isso, o bem

jurídico, que é a CREDIBILIDADE, CONFIABILIDADE, que os dados

públicos devem ter.

O crime é formal, pois se consuma com a inserção,

facilitação, exclusão ou alteração dos dados, independentemente de o

sujeito ter conseguido ou não obter a vantagem ilícita, ou causar o

dano que pretendia.

O tipo subjetivo do crime exige o dolo de inserir,

o dolo de facilitar, o dolo de excluir, o dolo de alterar, mais o

especial fim de que cada uma dessas condutas tenha por finalidade

específica a obtenção da vantagem ou de causar o dano. O tipo,

assim, requer o dolo específico.

O sujeito ativo do crime não é somente o

funcionário público, mas sim aquele funcionário público que tenha a

autorização para proceder daquela maneira, ou seja, é o funcionário

público que tenha como ato de ofício a função de incluir ou manter

os dados, que constam no sistema de informações ou banco de dados

públicos.

Essa dupla qualificação especial que se requer do

sujeito ativo é importante por conta de uma situação - qual será o

direito diante da situação onde o sujeito pratica uma dessas

condutas:

(1)o sujeito que insere no banco de dados da previdência social que

tem 35 anos de serviços prestados e recolhimento de contribuições

previdenciárias, sem ser verdade, o que faz com o objetivo de

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possibilitar a concessão futura de uma aposentadoria, conseguindo

obtê-la posteriormente. Qual é a hipótese?

(2) A, funcionário público autorizado a manter o sistema de dados,

em comum acordo com B, altera os dados no que toca a essa situação –

tempo de contribuição para a Previdência Social – para que a

aposentadoria a ser recebida por B seja divida por A. Qual é o

direito que toca ao funcionário?

O tipo requer essa circunstância (intenção de obter

a vantagem indevida) apenas no campo subjetivo. No plano objetivo,

para o tipo do 313A, a obtenção da vantagem indevida ou a causação

do dano constituem exaurimento da conduta. O exaurimento da conduta

é considerado pós-fato impunível quando outro tipo penal não lhe

atribuir tipicidade.

Assim, haverá ou não haverá crime por conta do

exaurimento da conduta? Haverá crime, caracterizado por conduta

fraudulenta, sendo que o bem jurídico tutelado será o mesmo da fé

pública, ou seja, a confiabilidade dos dados públicos.

O sujeito mediante fraude, obtém vantagem ilícita.

A conduta final poderá ser caracterizada como estelionato ou como o

peculato previsto no artigo 312 – peculato desvio – desde que exista

ou não exista a posse do dinheiro ou da vantagem econômica, obtidos

por meio fraudulento. Existindo a posse da vantagem econômica, a

hipótese é de peculato desvio. Não existindo, a hipótese será de

estelionato.

Ocorre que, normalmente, a hipótese é de peculato

desvio porque o sujeito ativo do crime é pessoa autorizada a inserir

ou alterar dados no sistema de informação da Administração Pública.

Logo, se ele tem autorização para proceder de tal maneira, ele terá

disponibilidade jurídica sobre o valor.

Consequentemente, a disponibilidade jurídica para

efeito do crime configura posse, sendo que aquele que tem a posse do

dinheiro, mesmo sob a figura de disponibilidade jurídica, e o desvia

em proveito próprio ou alheio estará cometendo o crime previsto no

artigo 312 do CP, ou seja, peculato desvio e não o de estelionato.

Assim, quando o sujeito obtém uma vantagem pessoal

com a conduta descrita no art. 313A, normalmente estará cometendo o

crime de peculato-desvio.

A questão é saber se, mesmo assim, persistirá o

crime do art. 313A, ou se este estará absorvido pelo peculato.

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O crime de falso, de fraude, tanto no art. 313A

quanto no art. 313B, será crime de PERIGO, enquanto o crime do art.

312 – peculato – é crime de DANO. Poderia se cogitar, portanto, de

uma absorção do peculato pelo crime do art. 313A, como também pode

ser cogitada a absorção porque o art. 313A

prevê um resultado

naturalístico, do qual se abre mão porque o crime é formal, que é

justamente a percepção da vantagem ilícita.

Por isso, o crime do 313A pode ser considerado meio

indispensável para se praticar o crime de peculato, logo é hipótese

de progressão criminosa, o crime fim absorvendo o crime meio. Ou

seja, o crime do art. 313A será absorvido pelo crime do artigo 312,

quando o resultado danoso nele previsto for eficazmente causado.

Contudo, porque a Lei 9983 somente entrou em vigor

no ano de 2000, não há, ainda, consolidação da jurisprudência, mas

já se verifica uma tendência de não se considerar a absorção acima

citada, que vem sendo defendida sobretudo pelo Ministério Público,

argumentando-se com a DUPLA OBJETIVIDADE JURÍDICA. Ou seja, a

objetividade jurídica do art. 313A seria a credibilidade sistema de

informação, enquanto a objetividade jurídica defendida no art. 312 é

o patrimônio público, sendo, assim, bens jurídicos diversos.

Assim, para o Ministério Público não há a

progressão criminosa, não havendo a absorção.

O funcionário público não autorizado poderá

praticar a conduta do artigo 313B e não a do artigo 313A.

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ART. 313B – MODIFICAÇÃO OU ALTERAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SISTEMA DE

INFORMAÇÕES

“Mod i f i c a r ou a l t e r a r , o f un c i o n á r i o , s i s t em a de i n f o rmaçõe s ou p r og r ama de i n f o rmá t i c a s em au to r i z a ção ou s o l i c i t a ç ã o d e au t o r i d ade compe te n t e :

Pena – d e t en ção , d e 3 ( t r ê s ) mes e s a 2 ( d o i s ) a no s , e mu l t a .

P a r ág r a f o ú n i c o : A s p e na s s ã o aumen tada s d e um t e r ç o a t é a me tade s e d a mod i f i c a ção ou a l t e r a ção r e su l t a d ano p a r a a Adm in i s t r a ç ão Púb l i c a o u p a r a o

adm in i s t r a do . ”

Só pode ser sujeito ativo o funcionário público,

contudo, não se reclama que ele seja autorizado. O sujeito ativo é

o funcionário que pratica tal conduta, mas o faz sem autorização

legal, não tendo função específica de modificar ou alterar dados no

sistema. Ele desvirtua sua função, modificando ou alterando dados.

Nesse tipo penal não se reclama qualquer especial

fim de agir. Ou seja, não se exige o dolo específico, contentando-

se o legislador com a vontade de modificar ou alterar os dados,

independentemente da intenção do sujeito com tal atividade.

Se o funcionário público praticar a conduta com o

único intuito de obter vantagem e a obtém, para si ou para outrem,

estará caracterizado o estelionato (art. 171, §3o - estelionato

contra entidade de direito público), e não o peculato culposo,

porque o funcionário (sujeito ativo) no art. 313B não tem

autorização para trabalhar no sistema, por isso não terá a

disponibilidade jurídica sobre a vantagem, como ocorre no artigo 313

A.

Não sendo obtida a vantagem, mas ocorrendo o dano,

a hipótese será a do parágrafo único do art. 313B, sendo causa de

aumento de pena.

Quando o dano repercutir em obtenção de vantagem,

estará caracterizado o estelionato. Logo, quando o sujeito,

mediante a conduta fraudulenta descrita no art. 313B, obtém vantagem

ilícita, a conduta terá servido unicamente para configurar a fraude

exigida no estelionato, por isso a conduta do art. 313B será

absorvida por pelo crime de estelionato.

Entretanto, quando o sujeito tiver o dolo de

modificar ou o dolo de alterar e só isso, sem a finalidade de

obtenção de vantagem indevida, não estará caracterizado o dolo de

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estelionato. Se ficar configurado dano, a pena será aumentada,

conforme determina o parágrafo único do art. 313B.

Assim, o art. 313B será absorvido pelo estelionato

na seguinte situação: quando o sujeito ativo, que não tem

autorização, modifica ou altera o sistema de informações ou o

programa de computação e, além de ter o dolo de modificar ou

alterar, tem a finalidade específica de obtenção de vantagem ilícita

para si ou para outrem. O dolo não será o de expor a perigo o

sistema de informação, mas sim o dolo de DANO ao patrimônio.

O crime é MATERIAL, apesar de se consumar com a

modificação ou alteração dos DADOS. O resultado causação de dano

somente serve para o aumento de pena. O único resultado

previsto no artigo 313B é a modificação ou alteração, não havendo

qualquer outro resultado naturalístico previsto no tipo penal, por

isso é considerado CRIME MATERIAL.

OBSERVAÇÃO: SITUAÇÃO DO “HACKER”. Primeiramente, o sistema de dados não

pode ser caracterizado documento, por isso eventual adulteração de um

“site” não caracteriza qualquer crime de falso. Contudo, há de se

analisar duas condutas distintas. A primeira se o invasor, no site da

Presidência da República, insere uma figura (ex. um cavalo), sem qualquer

outra conotação, o que não ensejará conseqüência jurídica alguma. O fato

é atípico. Outra situação que pode acontecer é aquela onde o site é

invadido, e o invasor consigna comentários maldosos a determinada pessoa.

Estará caracterizado crime contra a honra. Se a invasão do “hacker” tem

por intuito a obtenção de vantagem ilícita (invasão de banco para

transferir quantias de terceiros), estará caracterizado o estelionato.

Não há qualquer diferença entre MODIFICAR ou

ALTERAR.

ART. 314 – EXTRAVIO, SONEGAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE LIVRO OU DOCUMENTO

“ E x t r a v i a r l i v r o o f i c i a l ou qua l que r d o cumen t o , d e que t em a gua r da em r a z ão do c a r go ; s onegá - l o ou

i nu t i l i z á - l o , t o t a l o u p a r c i a lm en t e :

Pena – r e c l u s ão , d e 1 ( um) a 4 ( qua t r o ) a no s , s e o f a t o nã o con s t i t u i c r ime ma i s g r a ve ”

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Essa conduta encontra tipicidade, em conflito

aparente entre normas penais, em outros artigos. Ex. quando o

documento consistir em autos de processo judicial, a hipótese poderá

ser típica do crime contra a administração da justiça, dependendo da

natureza do sujeito ativo (art. 356 do CP). Já quando o documento

for relativo à cobrança de tributo, o crime será específico,

especial, do art. 3, I, da lei 8137/90 – crime funcional contra a

ordem tributária.

O crime consiste no extravio, na perda, na

sonegação ou na inutilização do livro ou documento do qual se tenha

a posse em razão do cargo. O sujeito ativo será o funcionário que

tem a posse do livro ou do documento, o extravia, sonega ou

inutiliza.

Sonegar significa não restituir, logo, na

modalidade sonegar o crime é omissivo, enquanto nas demais

modalidades o crime é de AÇÃO.

Porque na modalidade sonegar o crime é omissivo é

que se exige a intimação do sujeito para devolver o livro ou

documento. Sem a intimação, não existe o crime, não havendo do que

se falar em sonegação. Somente se pode cogitar da existência do

crime se o sujeito não devolver o livro ou documento no prazo

designado na intimação.

O extravio (que é perder) poderia conduzir

falsamente à idéia de que a conduta culposa seria punível. A

excepcionalidade do crime culposo (art. 18) exige que seja

expressamente prevista no tipo penal a modalidade culposa. Assim, o

extravio previsto no artigo 314 é a perda querendo perder, ou seja,

querendo extraviar o documento ou livro.

A inutilização consiste na destruição do livro ou

documento, que pode ser total ou parcial.

O crime do art. 314 é expressamente subsidiário,

porque depende da verificação da ocorrência ou não de crime mais

grave, conforme previsto na disposição acerca da pena.

Quando se verifica a conduta do art. 305, ela

absorverá o art. 314, que lhe é expressamente subsidiário.

Em todo o crime comissivo por omissão, a conduta

omissiva só será típica mediante a utilização da norma de extensão.

A modalidade sonegação no crime do artigo 314 configura crime

OMISSIVO PRÓPRIO, não sendo necessária a utilização de qualquer

norma de extensão.

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As modalidades ativas extraviar, inutilizar

configuram hipóteses de crime MATERIAL, portanto, admitem tentativa,

o que não ocorre na sonegação que, por ser crime omissivo próprio, o

crime é de MERA CONDUTA, não admitindo tentativa. Ou se sonega ou se

devolve, não havendo meio termo.

ART. 315 – EMPREGO IRREGULAR DE VERBAS OU RENDAS PÚBLICAS

“Da r à s v e r b a s ou r end a s púb l i c a s a p l i c a ção d i v e r s a da e s t abe l e c i d a em l e i :

P ena – d e t e n ção , d e 1 ( um) a 3 ( t r ê s ) me se s , ou mu l t a ”

O sujeito ativo do crime deve ser o funcionário que

tem por atribuição dar destinação da verba pública, normalmente

ocupante de cargo político, que tem o poder de dispor sobre o

destino da verba pública.

A destinação da verba deve ser estabelecida em lei

em sentido formal. Normalmente, mas não necessariamente, é a lei

orçamentária. Ex.: Recentemente, a lei de entorpecentes estabeleceu

que o dinheiro e todos os bens de traficantes, cuja perda é

decretada, são destinados a um fundo de verbas, cujo produto deve

ser utilizado para determinados órgãos específicos. Se o sujeito

destinar as verbas em desconformidade com o que foi estabelecido na

lei, estará incurso no art. 315.

Não será qualquer verba cujo desvio caracterizará o

tipo penal do art. 315. Deve haver destinação específica, prevista

em lei, para a utilização da verba, ou seja, deve ter uma rubrica

específica e uma destinação que deve ser estabelecida em lei formal,

não em mero ato administrativo.

No art. 315, o funcionário público não obtém

qualquer tipo de vantagem patrimonial direta ou indireta com a

destinação irregular da verba. A destinação irregular será

revertida para a própria administração. O crime estará caracterizado

mesmo na hipótese de aplicação da verba em saúde, quando a lei

determinava seu uso na educação.

Se o funcionário público desviar o dinheiro em

proveito próprio, estará cometendo o crime de peculato desvio.

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O crime é doloso, e o dolo é simples, abrangendo o

conhecimento claro da destinação específica da verba. Trata-se de

norma penal em branco homogênea, porque a lei referida no tipo é a

lei no sentido formal. O dolo nas normas penais em branco abrange o

conhecimento do complemento da norma referida na norma penal em

branco.

Não existirá o crime, por justificação, ou seja,

exclusão da ilicitude, quando o Estado estiver passando por uma

situação periclitante, onde o administrador se veja na obrigação de

estabelecer prioridades, ou seja, ponderar os interesses envolvidos,

para definir a prioridade.

Nesse caso, não se pode alegar que inexistiu o

dolo, mas sim que houve uma justificação da conduta - escolha entre

um bem jurídico primordial em detrimento de um secundário (a moradia

e a cultura).

O crime é formal, pois se consuma com o ato de o

sujeito dar a destinação, independentemente de ele conseguir que a

verba seja desviada. O crime se consuma com a ordem que o sujeito

dá para que a verba seja aplicada de forma diversa da prevista em

lei.

Dificilmente, na hipótese do art. 315, a ordem do

superior poderá ser considerada manifestamente ilegal, levando,

assim, a exclusão da tipicidade da conduta do agente (sendo inferior

hierárquico), na forma do art. 22 do CP.

Para a ordem ser considerada manifestamente ilegal

(o que é um conceito jurídico indeterminado), deve implicar numa

situação que afronte o bem comum. Ex. sargento manda o soldado matar

determinada pessoa.

Normalmente, a ordem não é manifestamente ilegal

quando o sujeito não tenta ocultar o seu cumprimento. Se houver

ocultação, estará caracterizada a ordem manifestamente ilegal. Ex.

adulteração do painel do Senado.

A obediência hierárquica, no plano militar, deve

ser observada com menos reservas, pois é inerente à atividade

militar o cumprimento das ordens de seus superiores.

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ART. 316 – CONCUSSÃO

“ E x i g i r , p a r a s i ou p a r a ou t r em , d i r e t a ou i n d i r e t amen t e , a i nda que f o r a d a f un ção ou an t e s d e

a s sum í - l a , m a s em r a z ão d e l a , v an t agem i ndev i d a :

Pena – r e c l u s ão , d e 2 ( d o i s ) a 8 ( o i t o ) a no s , e mu l t a .

E x c e ss o d e E x a ç ã o

§ 1 o S e o f un c i oná r i o e x i g e t r i b u t o ou con t r i b u i ç ão s o c i a l q ue s abe ou d e ve r i a s abe r i n d e v i d o , ou , q uando d ev i d o , emp rega na c ob r an ç a me i o v e xa t ó r i o

ou g r a vo s o , q ue a l e i n ão au t o r i z a :

Pena – r e c l u s ão , d e 3 ( t r ê s ) a 8 ( o i t o ) a no s , e mu l t a .

§ 2 o S e o f u n c i oná r i o d e s v i a , em p r o ve i t o p r óp r i o ou d e ou t r em , o que r e cebeu i ndev i d amen te p a r a

r e co l he r a o s c o f r e s púb l i c o s :

Pena – r e c l u s ão , d e 2 ( d o i s ) a 1 2 ( d o ze ) ano s , e mu l t a ”

Concussão é a extorsão praticada pelo funcionário

público em razão de suas funções.

O núcleo verbal do artigo 316 não é idêntico ao

núcleo verbal do art. 158 (extorsão). Nem os preceitos secundários

são idênticos.

Mesmo assim, a concussão nada mais é do que a

extorsão, qualificada pela presença do funcionário público.

O núcleo verbal da concussão é EXIGIR vantagem

indevida, enquanto o núcleo verbal do art. 317 é SOLICITAR

(corrupção passiva) vantagem indevida.

A distinção entre os dois núcleos EXIGIR e

SOLICITAR reside, não numa forma grosseira ou não de abordagem da

vítima, mas sim na ameaça dirigida pelo agente à vítima.

Na modalidade SOLICITAR, não existe ameaça

implícita ou explícita à vítima. Na concussão, a modalidade EXIGIR

implica numa ameaça de a vítima suportar um gravame jurídico, se não

atender ao exigido pelo agente. Na exigência, o exigido, na

hipótese de não adimplir a exigência, suportará um gravame jurídico,

que pode ser devido ou indevido. Na solicitação, a recusa do sujeito

passivo não fará com que este seja obrigado a suportar uma

conseqüência jurídica a seu desfavor. A ameaça é, assim, o que

distingue a concussão da corrupção.

O crime de concussão é crime FORMAL, que se consuma

com a conduta de EXIGIR, independentemente de o sujeito obter ou não

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a vantagem exigida. Se o sujeito obtiver a vantagem indevida,

haverá um exaurimento da conduta.

É admitida a TENTATIVA, desde que o ato de exigir

possa ser fracionado, ou seja, só haverá tentativa se a exigência

for feita por escrito, porque o crime somente vai se consumar quando

o sujeito passivo vier a tomar conhecimento da exigência. Se a

exigência for verbal, não há a possibilidade de fracionamento da

conduta.

O tipo subjetivo exige o dolo, mais o especial fim

de obtenção da vantagem indevida. Trata-se de crime COMPLEXO. Há um

dolo específico.

A vantagem exigida é qualquer vantagem, mas na

maioria dos casos, tem conteúdo patrimonial, econômico.

O crime de concussão também guarda uma forma

especial - art. 3o, II, Lei 8137 – quando a situação análoga à da

concussão ocorrer no campo da administração tributária, ou seja, a

concussão for utilizada para deixar de pagar um tributo, estará

caracterizado o tipo especial, previsto na Lei 8137.

A pessoa que paga a quantia exigida não pratica

crime algum. A conduta é completamente atípica.

A exigência pode ser direta (pelo próprio

funcionário) ou indireta (por interposta pessoa). Quando a

exigência for indireta, a pessoa que se presta a isso, aderiu

subjetivamente à conduta do funcionário, por isso também estará

incursa no art. 316, em razão do disposto no art. 30 do CP.

Outra questão reside em saber se alguém que não se

qualifica como funcionário público poderá estar sozinho incurso na

concussão. A resposta é afirmativa, pois o tipo penal admite a

hipótese de o sujeito ativo ainda não ser funcionário público, mas

age em razão da futura função pública. O que se exige, nessa

hipótese, é que haja um mínimo de credibilidade nessa situação.

Não é necessário que o sujeito já tenha sido

nomeado para o cargo, o que representaria uma restrição indevida do

âmbito da norma.

O que a lei exige é o nexo de causalidade entre a

exigência e a função pública, porque assim se macula a dignidade da

função pública, que é o bem jurídico tutelado na norma. Exige-se,

somente, o mínimo de credibilidade para que a função pública seja

atingida.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

13

Assim, não estaria caracterizada a concussão na

seguinte situação: D vai se inscrever no concurso para promotor

público. Após a inscrição e munido do respectivo comprovante, D,

comparece a sua cidade natal e, dirigindo-se a uma determinada

empresa, que sabe ser sonegadora de tributo, exige do proprietário

uma propina para que, depois de passar no concurso público, não

persiga a empresa. Nesse caso, não se pode dizer que a honra do

cargo foi posta em dúvida por conta da atuação do sujeito. Não há o

nexo de causalidade entre a exigência e a função pública.

Se a conduta de exigir ocorrer após ter o sujeito

passado no concurso, mas antes de sua nomeação, poderá caracterizar

o crime de CONCUSSÃO.

As prisões em flagrante, noticiadas pelas TV,

ocorridas nas hipóteses de combinação de pagamento de exigência a

funcionário público representam, na realidade, prisões preventivas,

pois o crime consumou-se bem antes, ou seja, quando houve a

exigência. Não há flagrante portanto.

§1o – EXCESSO DE EXAÇÃO

No parágrafo primeiro, o legislador estabeleceu a

previsão de punição de uma conduta que não guarda qualquer relação

como o “caput” que trata do crime de concussão.

Enquanto a concussão é a exigência para que o

funcionário que a exigiu obtenha uma vantagem indevida, ou seja, a

vantagem na concussão reverte em benefício do próprio funcionário,

no crime de excesso de exação, previsto no parágrafo primeiro do

art. 316, há uma situação completamente diferente.

Deveria ter sido previsto, pelo legislador, um tipo

próprio, porque o excesso de exação consiste na cobrança e exigência

a maior de tributo, que se sabe ou deveria saber ser indevido, mas o

valor indevido que se obtém pelo eventual pagamento repercutirá em

benefício da própria Administração. Os cofres públicos serão

incrementados indevidamente. Ou seja, a situação não guarda qualquer

similitude com a concussão.

Na primeira modalidade – núcleo verbal EXIGIR – o

crime é formal, que vai se consumir com a mera exigência,

independentemente de o tributo exigido ter sido ou não pago.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

14

O dolo do sujeito pode ser DIRETO, quando sabe que

o tributo não é devido, ou EVENTUAL, quando deveria saber sobre a

inexigibilidade do tributo.

O crime só existirá em situação anormal, pois o

direito tributário consagra o princípio da legalidade. O sujeito

ativo do crime será, necessariamente, o funcionário público que

tenha por missão cobrar o tributo, quase sempre o fiscal.

Interpretações equivocadas do conteúdo da lei não

geram o crime de excesso de exação, sobretudo quando baseadas em

decisões judiciais ou entendimentos doutrinários. Nesses casos, o

máximo que existirá é a culpa, que não é punível pelo tipo penal.

Tributo cuja cobrança tenha sido declarada

inconstitucional pelo STF - se o sujeito souber da decisão, estará

caracterizado o DOLO DIRETO. Se ele deveria saber do conteúdo da

decisão, estará caracterizado o DOLO EVENTUAL.

O funcionário público não tem a discricionariedade

de cobrar o tributo. Ele tem obrigação de cobrar o tributo, sob

pena de responder administrativamente ou até penalmente. Tais

situações devem ser ponderadas para a caracterização do crime de

excesso de exação, pois, na dúvida, o sujeito deve cobrar o tributo.

Trata-se de norma penal em branco, pois o tipo não

terá qualquer eficácia sem que se conheça a norma tributária.

Há uma flagrante desproporcionalidade entre o crime

de excesso de exação e o previsto no §2o do mesmo dispositivo.

Trata-se de uma aberração jurídica, pois a pena

mínima aplicada ao §2o (excesso de exação qualificado) no qual se

exige o desvio da verba pelo funcionário em proveito próprio ou de

outrem, é menor do que a prevista no §1o (excesso de exação simples)

que versa da hipótese de destinação, à própria Administração

Pública, da verba exigida a maior.

A escala penal é parcialmente maior na modalidade

qualificada, pois somente a pena máxima do §2o é maior do que a

prevista no §1o, afrontando diretamente o princípio da

proporcionalidade. A lei, dessa forma, incentiva o sujeito a se

apropriar do dinheiro.

§1o – o dinheiro é revertido em benefício do Estado

§2o – o dinheiro é revertido em proveito próprio do sujeito.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

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15

ART. 317 – CORRUPÇÃO PASSIVA

“ So l i c i t a r ou r e cebe r , p a r a s i o u p a r a ou t r em , d i r e t a ou i nd i r e t am en te , a i nda que f o r a d a f un ção ou a n t e s d e a s sum i - l a , ma s em r a z ão d e l a , v a n t agem i nde v i d a ,

ou a ce i t a r p r omes sa d e t a l v an t agem:

Pena – r e c l u s ão , d e 1 ( um) a 8 ( o i t o ) a no s , e mu l t a .

§ 1 o A p ena é aumen t ada d e um t e r ço , s e , em con seqüên c i a d a v an t agem ou p r omes sa , o f un c i oná r i o r e t a r d a ou d e i x a d e p r a t i c a r q ua l que r a t o

d e o f í c i o o u o p r a t i c a i n f r i n g i ndo d ev e r f un c i o na l .

§ 2 o S e o f u n c i oná r i o p r a t i c a , d e i x a d e p r a t i c a r ou r e t a r d a a t o d e o f í c i o , c om i n f r a ção do d eve r f un c i ona l , c e dendo a p ed i d o ou i n f l u ê n c i a d e o u t r em : Pena – d e t e n ção , d e 3 ( t r ê s ) me se s a 1 ( um) ano , ou

mu l t a ”

Os crimes de corrupção ativa e corrupção passiva

não são, necessariamente, crimes bilaterais. Eles podem vir a ser,

eventualmente bilaterais, quando existir iniciativa por parte do

particular oferecendo vantagem ou promessa de vantagem e o

funcionário aceitá-las.

Na modalidade solicitar da corrupção passiva, não

haverá corrupção ativa, assim como também haverá a corrupção ativa

sem a passiva, bastando que o funcionário não aceite a vantagem

oferecida pelo particular.

Quando a iniciativa parte do funcionário público,

solicitando a vantagem ilícita, e o particular, concordando com tal

situação, dá ao funcionário a vantagem requerida, a conduta do

funcionário é típica na modalidade solicitar do art. 317, contudo a

conduta do particular não será típica, por falta de previsão legal,

já que o art. 333, que trata da corrupção ativa, somente anuncia 2

núcleos verbais que partem do pressuposto que a iniciativa da

negociação da vantagem ilícita parta do particular.

Isso pode ser considerado uma afronta ao senso

comum, no âmbito moral, pois o particular também estará atuando

ilicitamente. Entretanto, o legislador não previu essa modalidade

típica no art. 333 e, em face do princípio da reserva absoluta da

lei, deve ser considerada figura ATÍPICA a modalidade DAR a

vantagem, quando solicitada pelo funcionário.

O art. 309 do Código Penal Militar ao prever o

crime de corrupção ativa incluiu o núcleo verbal DAR, juntamente com

o OFERECER e PROMETER vantagem, o que não ocorreu no Código Penal

Comum.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

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16

A corrupção passiva apresenta 3 núcleos verbais:

SOLICITAR, ACEITAR PROMESSA OU VANTAGEM, RECEBER.

O núcleo verbal SOLICITAR parte do pressuposto que

a iniciativa da ação ilícita deriva da conduta do próprio

funcionário. Nessa modalidade o crime é FORMAL, o crime se consuma

no exato momento em que o funcionário público solicita a vantagem,

que é um resultado naturalístico, dispensado pelo legislador,

caracterizando crime de consumação ANTECIPADA.

Isto quer dizer que, quando há o efetivo

recebimento da vantagem pelo funcionário, isso representará

exaurimento da conduta, ou seja, pós-fato impunível. Tal fato só

será relevante no momento da dosimetria da pena base.

Na modalidade ACEITAR promessa de vantagem o crime

também é FORMAL, pois se consuma com a aceitação do funcionário,

independente ou não de ter sido cumprida a promessa a posteriori.

Nas modalidades aceitar ou solicitar a promessa ou

vantagem, a tentativa só será possível quando essas duas condutas

puderem ser fracionadas ao longo do tempo.

Contudo, só é possível caracterizar a tentativa se

a solicitação for por escrito, porque a solicitação verbal é conduta

unissubsistente. Da mesma forma, a aceitação da promessa dependerá

de uma possibilidade de a conduta de aceitar ser fracionada, o que

também só pode ocorrer se a aceitação for por escrito, o que é

dificilmente verificado na prática.

A modalidade RECEBER caracteriza crime MATERIAL,

perfeitamente fracionável ao longo do tempo, portanto há

possibilidade plena de tentativa, sendo que o momento de consumação

do crime será quando o funcionário experimentar o incremento

indevido em seu patrimônio, com o recebimento da propina.

Deve ser considerado, entretanto, que se trata de

crime de AÇÃO MÚLTIPLA ou CONTEÚDO VARIADO, por serem três os

núcleos verbais (TIPO MISTO), sendo não cumulativos, o que significa

dizer que se o sujeito ativo passar por mais de uma da condutas

típicas do crime, ele só cometerá um crime de CORRUPÇÃO PASSIVA.

Ou seja, se o sujeito solicitou a vantagem e quando

ia recebê-la, por circunstâncias alheias a sua vontade, não pode

completar a conduta, o crime de corrupção passiva já estará

caracterizado, pois a mera solicitação já representa a consumação do

crime.

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17

Só responderá pelo núcleo verbal RECEBER aquele

funcionário que não solicitou, pois se ele já solicitou para depois

receber ele responderá pelo primeiro núcleo verbal, que é SOLICITAR.

No “caput” do art. 317, o legislador, em nenhum

momento, fez menção a que a conduta típica do funcionário deva ser

voltada a fazer com esse funcionário, pela corrupção, pela propina,

venha praticar ou deixar de praticar algum ato de ofício.

O tipo exige, tão somente, que as três condutas

típicas (SOLICITAR, ACEITAR PROMESSA ou RECEBER) estejam

relacionadas ao exercício funcional. Ou seja, pela interpretação

literal do tipo previsto no “caput”, aquele que recebe o presente,

por ser funcionário público, estaria praticando a conduta descrita

no tipo penal.

A questão é saber se o recebimento da vantagem,

quando não está vinculado a qualquer desvio funcional (praticar ato

de ofício ou deixar de praticar ou retardar ato de ofício),

caracteriza o tipo penal previsto no “caput” do art. 317, ou se a

vinculação ao ato de ofício é exigível para configurar o crime.

A posição dominante na jurisprudência brasileira

era no sentido de que não era necessária a vinculação de qualquer um

dos núcleos verbais ao ato de ofício, bastando, para caracterizar a

conduta criminosa, a SOLICITAÇÃO, ACEITAÇÃO DE PROMESSA e

RECEBIMENTO vinculada à natureza de funcionário público do sujeito

ativo, o que era suficiente para atentar contra a dignidade da

função pública, da administração pública.

Tal posicionamento sempre foi predominante na

jurisprudência brasileira, porque se argumentava que quando o

sujeito praticava ou deixava de praticar ato de ofício, isso

representaria uma causa de aumento de pena, sendo perfeitamente

cabível a punição pelo “caput”, quando não verificado o ato

funcional.

Contudo, quando do julgamento do ex-presidente

Collor de Mello, a respeito do recebimento de um carro da FIAT

quando exercia o cargo de presidente, o Supremo Tribunal Federal

mudou esse entendimento, ao considerar, por maioria de votos, inepta

a denúncia formulada pelo Ministério Público, porque não descrito o

ato de ofício que supostamente foi ou deixou de ser praticado pelo

acusado.

A denúncia não estabelecia a vinculação entre a

conduta típica e a prática de algum ato de ofício. A defesa do ex-

presidente baseou sua interpretação no Código Penal Italiano, que

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

18

serviu de base para a formulação de nosso código penal, o qual,

expressamente, prevê o crime de corrupção passiva vinculado à

prática do ato de ofício.

Segundo a defesa do ex-presidente, o §1o do art.

317 estabelece o aumento de pena para a hipótese em que o

funcionário público deixa realmente de praticar o ato ou o pratica

em violação ao dever funcional (corrupção passiva própria), sendo

que o “caput” estabelece a necessidade de vinculação ao ato de

ofício para os casos em que o sujeito não deixou de praticar ou

deixou de praticar sem infringência do dever funcional (corrupção

passiva imprópria).

Corrupção Passiva Própria – o sujeito ativo pratica

irregularmente um ato de ofício em razão da propina.

Corrupção Passiva Imprópria – é aquela em que o funcionário

pratica ou deixa de praticar um ato de ofício que já deveria

fazer, só que o faz mediante paga (ex. oficial de justiça que

recebe quantia para citar alguém, o que já é de sua obrigação).

Essa decisão representa o último posicionamento do

STF sobre esse tipo de crime. A jurisprudência dos Tribunais

inferiores continua contrária a essa tese.

Ato de ofício - é o ato inerente à função do sujeito.

Vantagem indevida - qualquer tipo de vantagem que não seja

oriunda do exercício do cargo. A vantagem devida ao funcionário

em razão do cargo constitui os vencimentos. Qualquer outro tipo

de vantagem é indevido, desde que relacionado ao exercício da

função. Não há especificação quanto a ser a vantagem econômica ou

não, assim qualquer tipo de vantagem é considerada indevida,

mesmo a vantagem funcional (ex. promoção de funcionário).

Levando em conta a posição do STF, o recebimento,

por funcionários públicos, de presentes não poderia constituir o

crime de corrupção passiva, pois não há a vinculação a qualquer ato

de ofício. No máximo, tal conduta poderia representar infringência

administrativa, mas não no plano penal.

Contudo, considerando que essa orientação do STF

persiste minoritária na jurisprudência, é importante vislumbrar qual

o parâmetro que deve ser estabelecido para a configuração do crime

do art. 317, porque o recebimento de presentes configura prática

freqüente, inclusive normatizada pela administração pública federal.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

19

No plano penal, para os que considera incorreta a

tese do STF, no plano da tipicidade objetiva, estaria caracterizada

a prática punida no “caput” com o recebimento, por funcionário

público, de presente. Entretanto, a questão vem sendo tratada ora a

título de insignificância, ora a título de adequação social (o que é

mais correto). Não seria típica a conduta que se ajustasse aos

padrões da sociedade, ou seja, deve ser verificado se houve infração

ao valor moral da sociedade, ao senso comum (ex. recebimento de um

carro, etc.).

Adequação social é um conceito jurídico

indeterminado, que produz reflexos no direito penal, sendo que

alguns a tratam como hipótese de atipicidade material (majoritária),

outros a tratam como hipótese de excludente supralegal da

culpabilidade, e, ainda, há aqueles que a consideram no âmbito da

licitude – a conduta não seria ilícita, pois a sociedade não poderia

proibir aquilo que considera correto.

§1o - corrupção passiva própria concretizada - trata-se de causa

de aumento de pena, porque além de se ofender a dignidade da

função, se ofendeu também o interesse concreto da administração

pública porque há infringência do dever funcional em razão da

propina.

§2o – natureza jurídica de privilégio – não há obtenção de

vantagem, a pena é diminuída. Retrata a hipótese em que o

funcionário não obtém a vantagem, mas sim pratica, deixa de

praticar ou retarda a prática do ato, com infração ao dever

funcional, o que faz a pedido ou influência de terceiro. Trata-

se de hipótese de corrupção passiva própria privilegiada. É crime

de MERA CONDUTA, que só se consuma quando o sujeito deixa de

praticar, pratica ou retarda o ato. Na modalidade retardar e

deixar de praticar, o que vai caracterizar a infringência do

dever funcional é justamente a omissão ou o retardamento, o

atraso indevido, logo o crime irá se consumar e continuará se

consumando enquanto o sujeito não praticar o ato que deveria

saber, o que constitui CRIME PERMANENTE.

Essa mesma situação, tratando-se de corrupção passiva imprópria é

ATÍPICA, pois o funcionário, de qualquer forma, tem que praticar

ou deixar de praticar o ato de ofício requerido por terceiro, não

havendo a vantagem requisitada pelo funcionário.

Em concurso aparente de normas, deve-se fazer uma remição ao art.

13, II, da Lei 8137/90 – prática tributária.

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20

Quando o sujeito pratica o ato sem saber que está infringindo um

dever funcional, a hipótese é de ERRO DE TIPO.

Quando o sujeito deixa de praticar ou atrasa a prática do ato

porque está muito atarefado, a hipótese é de ausência de dolo.

Existe tipicidade objetiva, mas não há dolo (vontade livre e

consciente), sendo que a culpa não é punível, não havendo assim a

tipicidade subjetiva.

ART. 318 – FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO

“ Fa c i l i t a r , c om i n f r a ção do d eve r f u n c i ona l , a p r á t i c a d e c on t r abando ou d e s ca m inho ( a r t . 3 34 ) :

Pena – r e c l u s ão , d e 3 ( t r ê s ) a 8 ( o i t o ) a no s , e mu l t a . ”

O artigo 318 representa uma exceção à regra

monista, tal qual o art. 317.

Distinção entre Contrabando e Descaminho - São crimes

completamente diversos. O crime de descaminho é crime

eminentemente fiscal, de sonegação fiscal. O crime de contrabando

não tem nada a ver com sonegação, mas sim corresponde a

internação ou exportação de mercadoria de comércio proibido.

O artigo 318 tipifica da conduta do funcionário que

facilita a prática do contrabando ou descaminho.

A facilitação mencionada no tipo penal deve

implicar em infração de dever funcional. Dessa necessidade de o

agente, ao facilitar, infringir o dever funcional extrai-se a

conclusão lógica de que somente pode ser sujeito ativo do crime

aquele funcionário público responsável pela repreensão da prática de

contrabando ou descaminho, ou seja, os funcionários da polícia

federal ou da receita federal. Só essas pessoas que estarão

infringindo o dever funcional ao facilitar a prática do contrabando

ou descaminho.

Como o legislador não mencionou explicitamente a

culpa, essa facilitação é interpretada como sendo dolosa, logo, isso

significa dizer que o sujeito, funcionário público, tem que ter o

conhecimento de que está sendo praticado o crime de contrabando ou

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

21

descaminho por outrem. Se ele não tiver conhecimento, ele não

poderá facilitar dolosamente, na modalidade dolo direto, o crime do

art. 334.

O crime é FORMAL, porque se consuma com a conduta

de facilitação dolosa, em que se adere subjetivamente ao contrabando

ou descaminho, independentemente de o contrabando ou descaminho se

consumarem. Logo, o ato de facilitar já consuma o crime, sem que

haja necessidade de consumação do crime de contrabando.

A consumação do contrabando ou descaminho é

considerada resultado naturalístico previsto no tipo, que não se

exige que seja realmente produzido.

O bem jurídico tutelado é a Administração Pública.

O que compõe o tipo do crime é a existência do

injusto de contrabando ou injusto de descaminho.

Questão: A, funcionário da alfândega, sabedor que seu amigo B irá

chegar de viagem repleto de componentes eletrônicos na bagagem que

deveriam extrapolar o valor da isenção, propõe ficar de plantão

nesse dia, para viabilizar a passagem de B sem que seja importunado.

B chega de viagem, com as mercadorias, mas depois de passar por A e

pela alfândega, é pego por outro funcionário, sendo instaurado o

competente inquérito. O Ministério Público deixa de denunciar B,

por entender que o valor não chegava a lesionar o interesse do

Estado – princípio da insignificância. Qual seria a situação em

relação a A?

Resposta: A conduta é atípica, ou seja, a inexistência do injusto

de contrabando ou de injusto de descaminho, que são os elementos

objetivos do tipo de facilitação de contrabando ou descaminho,

descaracteriza o crime de facilitação.

Trata-se de crime de fusão, ou seja, crime que

pressupõe a existência de um crime antecedente ou correlato, sob

pena de inexistir a tipicidade.

No plano processual penal, existirá entre o crime

de facilitação de contrabando ou descaminho e os crimes correlatos

do art. 334 inafastável conexão, demandando julgamento único.

Por descuido, se instauradas ações penais diversas,

não havendo mais possibilidade de reunião por conexão, e o processo

de facilitação for julgado antes do de contrabando, com trânsito em

julgado, será caso de revisão criminal, se for absolvido por

atipicidade material o sujeito no caso de contrabando.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

22

A decisão que for proferida na ação que trata do

crime do art. 334 que exclua a existência do injusto (ilicitude ou

tipicidade da conduta) irá condicionar o mérito da ação referente ao

crime de facilitação.

Injusto é fato típico e não jurídico.

O crime de contrabando é a exportação ou importação

de mercadoria proibida, daí porque a facilitação desse crime de

contrabando consiste em auxiliar, seja por omissão ou por ação.

A facilitação do contrabando ou descaminho

implicará na necessidade de se comprovar o injusto nesses crimes e,

se o contrabando consiste na exportação e importação de mercadoria

proibida, é possível vislumbrar a hipótese de uma mercadoria

proibida cuja importação ou exportação facilitada não enseja a

tipificação pelo art. 318, qual seja, SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE, o

que, se ocorrer, a conduta do funcionário pública consubstanciará

crime de tráfico, na modalidade de participação.

O art. 318, na realidade, caracteriza a conduta de

partícipe da conduta de contrabando ou descaminho.

A competência para a ação penal é da Justiça

Federal, pois o contrabando diz respeito à alfândega e o descaminho

à sonegação fiscal de tributo federal.

Trata-se de norma penal em branco, pois depende de

definição legal quanto ao tributo sonegado (descaminho) ou a

mercadoria proibida (contrabando).

ART. 319 – PREVARICAÇÃO

“Re t a r d a r ou d e i x a r d e p r a t i c a r , i n d ev i d amen te , a t o de o f í c i o , ou p r a t i c á - l o c on t r a d i s p o s i ç ão d e l e i , p a r a

s a t i s f a z e r i n t e r e s s e o u s en t imen to p e s soa l :

P ena – d e t e n ção , d e 3 ( t r ê s ) mes e s a 1 ( um) a no , e mu l t a . ”

São 3 núcleos verbais: retardar; deixar de

praticar e praticar. As duas primeiras condutas são omissivas,

enquanto a 3a conduta - praticar – é conduta de ação.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

23

Nas modalidades omissivas, a ação é unissubsistente

e a hipótese é de permanência, com a situação de flagrância

perdurando durante o tempo.

Na modalidade comissiva, a conduta é

plurissubsistente. Ou seja, quanto à prática, há possibilidade

teórica de tentativa e na omissão ou no retardamento, não há

possibilidade de fracionamento, impedindo a tentativa.

Nos 3 casos, as condutas devem se dirigir a um fim

especial. O tipo subjetivo é COMPLEXO, composto de dolo de se

omitir, ou dolo de retardar ou dolo de praticar o ato de ofício, com

o especial fim de satisfação de interesse ou sentimento pessoal.

Quando o sujeito deixa de praticar o ato por

ausência de tempo, ele atuará sem dolo genérico. Mas se esse

sujeito deixa de praticar o ato que deveria porque está com

preguiça, ele atuará com dolo, mas sem o especial fim de agir, pois

preguiça não é sentimento mas sim estado de espírito.

No plano subjetivo, exige-se a especial intenção de

satisfação de interesse de qualquer natureza, ou sentimento pessoal,

como raiva, inveja, pena, ciúme, etc..

Deve-se observar que é extremamente difícil de se

comprovar o especial fim de agir, por isso é que fica bastante

difícil comprovar a tipicidade quando o funcionário público deixa de

atender a uma determinação judicial. O crime de desobediência é

crime praticado por particular. Se o sujeito é funcionário público e

deixa de atender à ordem no exercício de sua função, ele estará, na

realidade, praticando o crime de prevaricação e não o de obediência,

sendo que a prevaricação exige o especial fim de agir.

ATO DE OFÍCIO – é o ato inserido dentro das atribuições do cargo

exercido pelo sujeito ativo do crime, que é funcionário público.

A lei mencionada pelo legislador é lei formal, não

sendo somente a lei penal.

O crime é FORMAL, porque se consuma com a mera

omissão ou com a prática do ato, independentemente de o sujeito

conseguir satisfazer seu interesse ou sentimento pessoal.

O crime de prevaricação é crime expressamente

subsidiário, não convivendo com a corrupção passiva. Esta, na

realidade, nada mais é do que uma prevaricação remunerada.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

24

A ação – o crime comissivo na prevaricação –

consiste na prática do ato de ofício. As duas outras modalidades

- retardar e deixar de praticar – trazem idéia de omissão própria.

Assim, a prevaricação é crime omissivo próprio, nas modalidades

retardar e deixar de praticar, e comissivo na modalidade praticar.

Essas 3 ações típicas são voltadas a fazer ou não

fazer o ATO DE OFÍCIO, que para efeito do Código Penal é o ato

inserido na esfera de atribuição do agente, de acordo com sua

função, o seu cargo.

Aquele sujeito que deixou de praticar, ainda que

para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, ato que não estiver

abrangido na sua esfera de atribuição, não terá cometido o crime de

prevaricação.

Tal situação ocorre muito freqüentemente quando o

sujeito, ocupante de cargo subalterno, informalmente, tem delegada

uma função de cargo que não lhe pertence. Nessa hipótese, ainda que

seja satisfeito o aspecto subjetivo especial do tipo – deixar de

praticar, retardar ou praticar ato para satisfação de interesse ou

sentimento especial – ele não poderá responder pelo crime porque o

ato não pode ser caracterizado como ATO DE OFÍCIO. O ato de ofício

deve estar vinculado ao exercício da função ostentada pelo sujeito.

O elemento subjetivo do tipo exige o dolo de deixar

de praticar, dolo de retardar ou dolo de praticar, e mais o especial

fim de agir – com o objetivo de satisfazer o interesse ou sentimento

pessoal.

Se o sujeito deixar de praticar o ato por preguiça,

ele terá atuado com dolo de não praticar o ato de ofício, mas não

haverá o preenchimento do dolo específico do tipo – o especial fim

de agir, que é a satisfação do interesse ou sentimento pessoal. O

sujeito não responderá pelo crime.

Se o sujeito deixa de praticar o ato por acúmulo de

trabalho, sequer haverá a presença do dolo, pois não houve a

intenção de não querer praticar, de não querer agir.

Justamente por conta da presença desse especial fim

de agir é que o tipo acabará sendo subsidiário, porque obviamente

quando o funcionário deixa de praticar o ato porque recebeu propina,

ou pratica o ato porque foi subornado, ele não deixa de praticar as

ações típicas do tipo do art. 319, inclusive com o especial fim de

agir. Contudo, em razão do conflito de normas, prevalecerá o tipo

penal do art. 317 – CORRUPÇÃO PASSIVA – logo, o art. 319 somente é

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

25

aplicado nas hipóteses onde não houver tipicidade de outros crimes

contra a Administração Pública, por isso é crime subsidiário.

OBSERVAÇÃO: Absorção pode envolver duas situações. A primeira é a de

progressão criminosa, crime meio e crime fim, pode-se trabalhar com bens

jurídicos distintos, mas um dos tipos acaba servindo única e

exclusivamente com meio para a prática do outro crime. A segunda

situação de absorção é a hipótese de progressão criminosa sem

característica de elementar. Nesses casos, para que ocorra a absorção,

os bens jurídicos devem ser idênticos.

No caso da prevaricação e estelionato, os bens jurídicos são diversos. A

prevaricação não é um meio obrigatório para a prática do crime de

estelionato, logo não se fala em hipótese elementar do tipo, ela não é

elementar do estelionato, sempre que ocorrer essa hipótese estará

caracterizado concurso de crimes e não absorção.

ART. 320 – CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA

“De i x a r o f un c i oná r i o , p o r i n du l g ên c i a , d e r e spon sab i l i z a r s ubo r d i n a do que come teu i n f r a ç ão no e xe r c í c i o d o c a r go ou , q uando l h e f a l t e c ompe tê n c i a , n ão l e v a r o f a t o a o c onhe c ime n t o d a au t o r i d ade

compe t en t e :

Pena – d e t e n ção , d e 15 ( qu i n z e ) d i a s a 1 ( um) mês , ou mu l t a . ”

O crime do art. 320 tipifica duas condutas

omissivas próprias, por isso se trata de CRIME OMISSIVO PRÓPRIO.

A primeira situação – primeira parte do tipo – é

aquela onde o funcionário público subordinado a outro é flagrado em

desvio de conduta. Esse desvio de conduta pode importar tanto em

responsabilização administrativa, quanto penal.

Assim, o superior que flagrou ou que tendo sido

levado ao seu conhecimento o desvio de conduta de seu subordinado, e

por indulgência – o que reclama o especial fim de agir – deixar de

puni-lo, praticará o crime tipificado na primeira parte do art. 320

do CP.

O que interessa para a caracterização do tipo é a

omissão do superior hierárquico de não punir ou deixar de

responsabilizar o subordinado, com o especial fim de agir, ou seja,

por indulgência.

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

26

Se o superior deixou de punir seu subordinado

porque este é parente de um outro funcionário mais graduado que

pediu para que não houvesse a punição, não haverá condescendência

criminosa, mas sim corrupção passiva prevista no §2º do art. 317,

porque não estará caracterizada uma mera indulgência.

A motivação, portanto, da condescendência criminosa

deve ser uma motivação com uma parcela de “nobreza” – o funcionário

superior deixa de punir o outro por pena. A conduta é

criminalizada porque, nesses casos, a Administração Pública deve

exigir a responsabilização do funcionário faltoso porque o interesse

público está acima das relações pessoais entre os funcionários.

Qualquer outro motivo que não seja tão nobre, será

suficiente para descaracterizar a conduta de condescendência

criminosa e, geralmente, caracterizar a hipótese de corrupção

passiva do art. 317, §2º.

Na primeira parte do tipo é absolutamente

necessário que o sujeito ativo do crime seja superior ao sujeito que

cometeu a infração administrativa ou penal.

Ou seja, é absolutamente indispensável na primeira

figura que o sujeito ativo tenha a atribuição, a competência para

responsabilizar o funcionário flagrado no desvio.

Na hipótese da 2a parte do tipo, qual seja, a do

funcionário que toma conhecimento ou presencia a infração praticada

por outro funcionário e, não tendo competência para puni-lo ou

responsabilizá-lo, deixe de notificá-la ao superior, a lei também

espera que essa pessoa pratique uma ação – que leve ao conhecimento

da pessoa que tenha competência para punir o funcionário a

ocorrência da infração.

Como se trata de crime omissivo próprio, é evidente

que há uma ação esperada pela norma penal. Se essa ação não for

praticada, a omissão é punida.

Ora, a ação esperada na primeira figura é a punição

ou pelo menos o início do processo voltado à punição. E a segunda

figura tem como ação esperada o ato de levar ao conhecimento da

pessoa com competência para punir o funcionário em desvio, a prática

da infração, seja administrativa, seja penal.

Na segunda hipótese, o legislador não fala

expressamente qual a motivação que deve consubstanciar o ato do

funcionário que não tem competência para punir o outro de não levar

ao conhecimento do superior a prática da irregularidade. Mas,

DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL

CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

27

mesmo que não expressa, a motivação deve ser a mesma da primeira

parte do tipo, ou seja, a indulgência.

ART. 321 – ADVOCACIA ADMINISTRATIVA

“ Pa t r o c i n a r , d i r e t a o u i nd i r e t a men te , i n t e r e s s e p r i v ado p e r an t e a adm in i s t r a ç ão púb l i c a , v a l e nd o - s e

d a qua l i d ade d e f un c i oná r i o :

P ena – d e t e n ção , d e 1 ( um) a 3 ( t r ê s ) me se s , ou mu l t a .

P a r ág r a f o ún i c o . S e o i n t e r e s s e é i l e g í t imo :

Pena – d e t e n ção , d e 3 ( t r ê s ) mes e s a 1 ( um) a no ,

a l ém da mu l t a ”

O patrocínio de interesse por parte do sujeito

ativo, que é funcionário público, perante a Administração Pública

não é por si só proibido, porque se fosse, o funcionário público

seria inferior ao cidadão, pois o cidadão comum poderia pleitear

interesses próprios, privados perante a Administração, enquanto o

funcionário público não.

Claro, então, que nem se poderia punir esse tipo de

conduta, que desaguaria em uma inconstitucionalidade, por falta de

observância do princípio isonomia. O simples fato de ser funcionário

público não impede alguém de pleitear interesse perante a

administração.

O que é vedado – o núcleo verbal da conduta – é que

essa pessoa utilize seu cargo, o prestígio de seu cargo, ou as

facilidades a ele inerentes, para pleitear interesse privado perante

a Administração. É condição essencial à figura típica do art. 321

que esse patrocínio venha a ser beneficiado, ou seja, que haja um

nexo de causalidade entre o patrocínio e o exercício da função.

O interesse privado pode ser do próprio funcionário

ou de terceiros, não fazendo diferença se o interesse é legítimo ou

ilegítimo.

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CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

28

O patrocínio, perante a Administração Pública, de

interesse legítimo, mas mediante utilização da qualidade de

funcionário público será punido na forma do “caput”, ou seja, de

maneira mais branda, enquanto o patrocínio de interesse ilegítimo

será punido conforme o parágrafo único, de forma mais severa.

O crime é FORMAL, pois se consuma com a ação, que é

PATROCINAR, independente de o interesse ser satisfeito ou não pela

Administração.

Interesse legítimo é definido do ponto de vista

subjetivo do sujeito ativo. Ou seja, é legítimo o interesse se o

sujeito ativo acredita que tenha direito, independente se for legal

ou não, o que é de difícil prova no caso concreto.

Também deve ser observada a hipótese de concurso

aparente de normas, resolvido pelo princípio da especialidade,

quando o ramo da Administração Pública perante o qual se patrocina o

interesse privado for a Administração Pública Fiscal, Fazendária. A

hipótese será por especialidade a da Lei 8137, art. 3º, III (pena –

reclusão de 1 a 4 anos e multa).

É especial também a advocacia administrativa

vinculada a licitações e contratos públicos, que é punida de acordo

com o art. 91 da Lei 8666/93 (pena – detenção de 6 meses a 2 anos, e

multa).

Quando o interesse patrocinado for ilegítimo, mas

mesmo assim for acolhido pela Administração Pública, com a obtenção

de vantagem patrimonial, a hipótese será a de concurso entre o

estelionato e a advocacia administrativa. Esta não é absorvida pelo

estelionato.

ART. 322 – VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA

“P r a t i c a r v i o l ê n c i a , no e x e r c í c i o d e f un ç ã o ou a p r e t e x t o d e e x e r c ê - l a :

P ena – d e t e n ção , d e 6 ( s e i s ) mes e s a 3 ( t r ê s ) a no s , a l ém da p ena co r r e sponden t e à v i o l ê n c i a ”

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CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO

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A violência arbitrária é tipo que foi revogado pela

Lei 4898/65. O crime de abuso de autoridade é considerado revogador

do tipo do Código Penal do art. 322 – violência arbitrária.

Alguns autores chegam a defender, em posição

minoritária, a subsistência do art. 322, sob o argumento de que a

Lei 4898 até enunciou toda a situação do art. 322, mas este artigo

previu que o sujeito ativo poderia ser qualquer funcionário,

independente de ser ou não autoridade, enquanto a Lei 4898 seria

específica ao funcionário que pode ser considerado como

“autoridade”.

Contudo, a posição amplamente majoritária é a de

que o art. 322 foi revogado pela Lei 4898, até porque esta não

especifica quem é autoridade, podendo ser enquadrado nessa condição

qualquer funcionário que tenha a capacidade, pelo cargo, de afetar

os bens jurídicos tutelados nas alíneas do art. 3º e art. 4º, da lei

4898.