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GISELLE ASFURY DE ALMEIDA ARTE CONTEMPORÂNEA: HIBRIDISMO E REFLEXÃO PARA O ENSINO DA ARTE Rio Branco 2011

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GISELLE ASFURY DE ALMEIDA

ARTE CONTEMPORÂNEA: HIBRIDISMO E REFLEXÃO PARA O

ENSINO DA ARTE

Rio Branco

2011

GISELLE ASFURY DE ALMEIDA

ARTE CONTEMPORÂNEA: HIBRIDISMO E REFLEXÃO PARA O

ENSINO DA ARTE

Trabalho de conclusão do curso de Artes Visuais,

habilitação em Licenciatura, do Departamento de

Artes Visuais do Instituto de Artes da

Universidade de Brasília.

Orientador(a): Prof(a) Ms(a) Janaína Mota.

Rio Branco

2011

GISELLE ASFURY DE ALMEIDA

Banca Examinadora:

___________________________________________

Prof(a) Ms(a) Janaína Mota

Presidente

___________________________________________

Prof(a) Dr(a) Ana Beatriz Barroso

Membro

___________________________________________

Prof(a) Esp(a) Nilzete Melo

Membro

AGRADECIMENTOS

À Deus que me deu a oportunidade de realizar este sonho, e

que estando ao meu lado, me deu forças para superar as dificuldades

que surgiram pelo caminho.

À minha mãe, que foi minha principal fonte de apoio, amor e

carinho.

Aos meus sobrinhos, Miguel e Helena, que por meio de seu

amor, me proporcionaram o incentivo para seguir em frente.

À minha avó, Maria (em memória), que mesmo sem saber,

me deu um grande presente, o qual sou-lhe muito grata.

Ao Secretário Municipal de Educação, Márcio José Batista,

que me concedeu Licença Prêmio, para que eu pudesse me dedicar a

esta pesquisa.

À Tutora Margarida Helena Camurça Martins e à Professora

Mestra Janaína Mota, pelas orientações, carinho e atenção, que foram

de vital importância para a realização deste trabalho.

“Quem examinar com atenção a arte dos dias atuais

será confrontado com uma desconcertante profusão

de estilos, formas, práticas e programas. De início,

parece que, quanto mais olhamos, menos certeza

podemos ter quanto àquilo que, afinal, permite que

as obras sejam qualificadas como „arte‟”.

(ARCHER, 2001).

Sumário Pg.

Introdução à Arte Contemporânea: hibridismo e reflexão para o ensino da arte 8

1. O HIBRIDISMO DE UMA ARTE CONTEMPORÂNEA 11

1.1 Antecedentes 11

1.1.1 A Arte Contemporânea 24

2. ENTRE UM E OUTRO, FRAGMENTOS DE UM ENSINO DE ARTE 35

2.2 Ensino da Arte no Brasil: uma realidade 35

2.2.2 A Arte Pós-Moderna e a Pós-Modernidade no Ensino da Arte 43

Considerações Finais 54

Referências Bibliográficas 56

Lista de Figuras Pg

Figura 1 – GRIS, Juan. Guitarra diante do mar, 1925. Óleo. 13

Figura 2 – POLLOCK, Jackson. Autumn Rhythm nº 30, 1950. 14

Figura 3 – DUCHAMP, Marcel. Roda de Bicicleta, 1913. 15

Figura 4 – DUCHAMP, Marcel. Urinol de porcelana (Fonte), 1917. 15

Figura 5 – LICHTENSTEIN, Roy. Drowning girl, (s/ ano). 17

Figura 6 – WARHOL, Andy. Caixas de Brillo, 1964. 18

Figura 7 – RAUSCHENBERG, Robert. Búfallo II, 1964. 18

Figura 8 – JUDD, Donald. Sem título, 1968. 20

Figura 9 – KUSUTH, Joseph. Uma e três cadeiras, 1965. 21

Figura 10 – MOORE, Frank, Arena, 1992. 27

Figura 11 – WOJNAROWICZ, David. Tornado (série sexo), 1988. 28

Figura 12 – WOJNAROWICZ, David. House (casa) (série sexo), 1988. 28

Figura 13 – WOJNAROWICZ, David, (p/ Marion Scemama) (série sexo), 1988-89. 28

Figura 14 – WOJNAROWICA, David. Árvore (série sexo), 1988-89. 28

Figura 15 – SCHNABEL, Julian. Sylvie, 1987. 29

Figura 16 – SCHNABEL, Julian. Remo: para quem se propõe conhecer o medo, 1981. 29

Figura 17 – BASQUIAT, Jean-Michel. Década de 1980. 30

Figura 18 – BASQUIAT, Jean-Michel. (s/ título), 1984. 30

Figura 19 – HERING, Keith. (fotografia), 1983. 31

Figura 20 – HERING, Keith. Mural, década de 1980. 32

Figura 21 – KOONS, (Forograifa) Feff. Esculturas neoconceituais, s/ ano 33

Figura 22 – FRITSCH, Katharina. Tischgesselschaft, 1988 33

Figura 23 – PICASSO, Pablo. Guernica, 1937. 43

Figura 24 – SAUL, Peter. (versão da Guernica de Picasso), 1976 44

Figura 25 – LEUTZE, Emanuel. George Washington Carver Crossing in Delawere, 1851 44

Figura 26 – COLESCOTT, Robert. (George Washington Carver Crossing in Delaware, 1975 44

Figura 27 – DAVID, Jacques-Louis. A Morte de Marat, 1793 47

8

Introdução

Este trabalho tem por princípio trazer para reflexão a Arte Contemporânea e sua

possível utilização no ambiente escolar, tomando como base o tema: Arte Contemporânea:

Hibridismo e Reflexão para o Ensino da Arte, o qual estará pautado em conceituações sobre a

arte da atualidade, e na seguinte questão norteadora, que se configurará como delimitadora de

fronteiras: é possível trabalhar a Arte Contemporânea no cenário escolar?

Para uma melhor compreensão do tema, cabe explicitar a definição da palavra

“hibridismo”, de acordo com CEGALLA (2005): “s.m (Gram.) palavra formada de elementos

provindos de línguas diferentes”; portanto, dentro do contexto aqui pretendido, a escolha do

tema deste trabalho se deu pelo fato de que o mundo atual possui em seu bojo linguagens

visuais de diversas naturezas, formas, estilos, etc., as quais ainda estão em processo de

formação, sendo tratadas por diversos autores e pesquisadores como um grande ponto de

interrogação, visto que a Arte Contemporânea, por ser prática corrente, ainda não possui uma

definição em comum estabelecida. Portanto, o interesse pelo tema desta pesquisa deu-se pelo

fato de que essas novas linguagens visuais, que estão em pleno vigor atualmente, vêm

estabelecendo novos significados e redefinindo novos conceitos de arte, utilizando para isto

códigos simbólicos, muitas vezes da própria cultura popular como imagens digitais,

cinematográficas, televisivas, quadrinhos, e etc., bem como, dos movimentos urbanos e das

novas tecnologias, que fazem parte da vida cotidiana das pessoas.

Esta pesquisa justifica-se pelo fato de que para muitos, a Arte Contemporânea assumiu

características de difícil reflexão, contudo, para outros, houve o sentimento de um despertar

para liberdade de expressão, completamente desprovida de modelos preestabelecidos. Trazer

esta discussão para o âmbito escolar e chamar os discentes para compartilhar desta reflexão,

pode se configurar como sendo o mesmo que convidá-los a pensar o diferente, o outro modo

de ser e de ver as coisas e, também, despertar a percepção de que esta arte é contemporânea a

ele mesmo, a qual faz parte do seu mundo. Além do mais, a docência em arte no século XXI

exige que o professor esteja preparado para dialogar, dentre outras, com os meios

tecnológicos, tendo em vista que muito da arte que vem sendo produzida hoje utiliza essas

ferramentas como meio de criação artística e/ou de inspiração. Portanto, estudar a Arte

Contemporânea, suas implicações e suas diversidades, é também estudar o momento

histórico, o desenvolvimento das tecnologias e a expressividade que dela provém e, também,

sua posição de rompimento com padrões seculares, sua capacidade subjetiva de expressão e,

sobretudo, refletir uma arte que se mistura com a vida, levando-se em consideração, dentre

9

outras, as influencias sociais e os acontecimentos históricos que nos trouxeram até este

patamar, bem como, trazer essa reflexão para o ambiente escolar e analisar possíveis formas

de trabalhar a Arte Contemporânea. Todo esse processo faz-se necessário, tendo em vista a

necessidade de uma boa preparação teórico-prática do docente, visando, sobretudo, beneficiar

seu público alvo (os educandos) com a melhor aprendizagem, que se configura como fator de

capacitação reflexiva e crítica, diante das diversas linguagens artísticas embutidas na Arte

Contemporânea e, consequentemente, na Arte do século XXI.

O referencial teórico ocorrerá por meio de pesquisa bibliográfica sobre o tema, a qual

utilizará como referencia duas linhas norteadoras: a primeira funda-se na abordagem histórica,

sobretudo de Michael Archer (2001), o qual, em poucas palavras, faz um estudo da

comunicação visual e das artes plásticas em particular, sobretudo, a partir da segunda metade

do século XX, ressaltando, dentre outros, os movimentos artísticos transitórios entre a Arte

Moderna e a Arte Contemporânea, as quais estabeleceram conexões que impulsionaram

outras formas de linguagens inovadoras, extrapolando os limites da moldura e colocando em

cheque os modelos até então estabelecidos. Archer (2001) destaca, também, os principais

artistas e suas obras a partir da década de 1960, os quais assumem postura revolucionária ao

trazerem para o mundo da arte materiais de diversas naturezas para serem utilizados como

ferramentas de produção de arte.

Ainda dentro da abordagem histórica, os escritos de E. H. Gombrich (1995), o qual

estará pautado em fatos históricos sobre os processos de mudanças nas artes plásticas,

sobretudo, no final século XIX e início do século XX, que são cruciais para uma boa

compreensão do desenrolar dos fatos que trouxeram a arte até as características que se

apresentam na atualidade, tendo em vista que a Arte Contemporânea possui íntima ligação

com os avanços tecnológicos, surgidos a partir da Revolução Industrial e, também, foi a partir

desse período que o artista passou a valorizar mais sua subjetividade em detrimento das regras

artísticas que nortearam a produção de arte desde o Renascimento.

A segunda linha norteadora estará fundamentada na abordagem educacional, a qual

buscará embasamento nos escritos de autores como: Fernando Hernandéz (2007), Ana Mae

Barbosa (1989, 2008, 2008) e Fayga Ostrower (1999 e 2008).

O desenvolvimento metodológico desta pesquisa estará dividido em duas etapas: na

primeira a abordagem estará pautada em uma pesquisa de cunho teórico, por meio de uma

abordagem histórica dos principais fatos que nortearam e impulsionaram a arte até os padrões

que se encontram na atualidade; na segunda, a abordagem estará centrada também numa

10

pesquisa teórica, contudo, voltada para refletir a Arte Contemporânea dentro do contexto do

ensino da arte.

A organização desta pesquisa estará dividida em dois capítulos, os quais buscarão

abordar a Arte Contemporânea e o Ensino da Arte, dentro do referencial teórico dos autores

supracitados e em pesquisas realizadas no ambiente virtual (internet), os quais serão

referenciados na bibliografia deste trabalho.

O primeiro capítulo intitulado de O Hibridismo de uma Arte Contemporânea abordará

os principais fatores e acontecimentos históricos que trouxeram a arte até os patamares que se

encontram na atualidade, alguns dos principais artistas e suas obras, além de refletir sobre a

Arte Contemporânea com sua diversidade de linguagens e sua apropriação de materiais de

diversas naturezas. O segundo capítulo intitulado de Entre um e outro, Fragmentos de um

Ensino de Arte buscará estabelecer um diálogo entre a arte da atualidade, os parâmetros

curriculares nacionais (PCN‟s) e em como seria possível ensinar Arte Contemporânea no raiar

do século XXI.

11

1. O HIBRIDISMO DE UMA ARTE CONTEMPORÂNEA

1.1. Antecedentes.

A arte, assim como as demais áreas de conhecimento e atuação humana, está em

constante processo de transformação, é uma espécie de metamorfose que faz parte da natureza

humana, e que está intimamente ligada ao potencial criador de sujeitos e ao meio sócio-

cultural ao qual faz parte. Sobre este assunto OSTROWER (2008) diz o seguinte:

Consideramos a criatividade um potencial inerente ao homem, e a realização desse

potencial uma de suas necessidades. (...) O criar só pode ser visto num sentido

global, como um agir integrado em um viver humano. De fato, criar e viver se

interligam. (...) A natureza criativa do homem se elabora no contexto cultural. Todo

indivíduo se desenvolve em uma realidade social, em cujas necessidades e

valorações culturais se moldam os próprios valores de vida. No indivíduo

confrontam-se, por assim dizer, dois pólos de uma mesma relação: a sua criatividade

que representa as potencialidades de um ser único, e sua criação que será a

realização dessas potencialidades já dentro do quadro de determinada cultura. (p. 5).

Portanto, dentro desse pensamento, não é difícil cogitar que da mesma forma que as

sociedades se movem, a arte acompanha seu ritmo. HERNÁNDEZ (2007) defende que a

Cultura Visual (que a meu ver, possui íntima ligação com a arte do século XXI):

Emerge, no final dos anos 1980, no âmbito de um debate que cruza e transcende

diferentes disciplinas e produz uma relação entre saberes vinculados à história da

arte, aos estudos dos meios, aos estudos cinematográficos, à lingüística e à literatura

comparada com as teorias pós-estruturalistas e os estudos culturais. (p. 21).

Contudo, a arte não assumiu suas características atuais da noite para o dia, houve um

histórico de mudanças que a conduziu até os patamares que se encontram na atualidade, e um

dos fatores preponderantes para que isto ocorresse foi justamente a modernização do mundo,

sobretudo, por meio da industrialização e do advento das tecnologias, que resultaram, dentre

outras, na disseminação do capitalismo. Todo esse processo de modernização iniciado no

século XIX acarretou profundas modificações na mentalidade das pessoas, no seu modo de

12

ver e sentir a vida e, também, no seu modo de ver e sentir a arte. PELBART (2000) levanta a

questão da influência que a modernidade, em seu contexto geral, exerce sobre a percepção

humana, influenciando o fator subjetividade de forma direta:

Félix Guattari já chamava a atenção para a preponderância dos fatores subjetivos na

lógica capitalística, e, sobretudo, para o modo pelo qual as máquinas tecnológicas de

informação e de comunicação operam no coração da subjetividade humana, não só

na sua memória, na sua inteligência, mas também na sua sensibilidade, nos seus

afetos, nos seus fantasmas inconscientes. (p. 12).

Partindo desse pensamento, o frisson artístico que dominou a segunda metade do

século XIX possui uma espécie de ligação direta com as novas configurações sociais,

políticas, econômicas e culturais geradas pela Revolução Industrial, pelo advento das

tecnologias e pela expansão do capitalismo. Foi a partir desse momento que a subjetividade

humana passou a ocupar lugar de destaque, também, no fazer artístico, não que a

subjetividade não estivesse presente nas artes que antecederam esse período, na verdade, o

que ocorria anteriormente era o fato de os artistas não possuírem liberdade para expor sua

subjetividade de forma tão evidente, pois os padrões artísticos deveriam seguir o que era

ditado pelas normas acadêmicas.

Por conseguinte, o século XX inicia-se com essa valoração subjetiva aflorada nos

artistas, os quais deixaram sua marca na história da arte ao trazerem a experimentação para

suas atividades. Assim, os artistas, desejando cada vez mais abolir a “mordaça” estabelecida

por normas de conduta, acabaram por buscar meios diversos para atingir essa finalidade.

Contudo, vale relembrar, que na história da arte, desde os primórdios, o homem sente

necessidade de se expressar por meio de ações criativas, as quais lhes são inerentes. Desta

feita, os meios, materiais e intenções vão sendo desenvolvidos ao longo da história. É um

processo contínuo de construção e desconstrução de valores, interesses, e métodos. Segundo

WOLHEIM (2002):

A pintura e as condições para seu exercício passariam então a sofrer muitas

alterações com decorrer dos séculos. Mudanças nos materiais, na escala física dos

trabalhos, na avaliação social da pintura, nas convenções vigentes, nas mútuas

expectativas do pintor e do público, em uma miríade de coisas. (p. 37-39).

13

Partindo desse pressuposto o Cubismo1 se configurou como o primeiro movimento a

introduzir materiais diversos na composição de suas obras, tendo em vista que na segunda

fase desse movimento, intitulada de fase sintética, “elementos heterogêneos - recortes de

jornais, pedaços de madeira, cartas de baralho, caracteres tipográficos, entre outros - são

agregados à superfície das telas, dando origem às famosas colagens, amplamente utilizadas a

partir de então2”, o que foi considerado por muitos, como ato gerador de revolta, pois era

inadmissível, até então, aceitar que artistas utilizassem a colagem como técnica em seus

trabalhos (Fig. 1).

Figura 1 – Juan Gris. Guitarra diante do mar, 1925.

Óleo sobre tela.

Outro movimento que estabeleceu critério de rompimento com os estilos tradicionais

foi o Expressionismo Abstrato3, que surgiu a partir dos anos de 1950, cujo princípio, pautou-

se na defesa por uma liberdade de expressão espontânea e a recusa por padrões estéticos

1 Cubismo, movimento artístico que surgiu em Paris, criado por Pablo Picasso e Georges Braque, por volta de

1907. Este movimento teve duas fases: na primeira, de 1907 até 1912, foi chamado de cubismo analítico; na

segunda, entre 1912 e 1913, aproximadamente, foi intitulado de fase sintética. Nesta última, materiais de

diversas naturezas são incorporados à superfície da obra. Fonte: Itaú Cultural.

2 Fonte: Itaú Cultural.

3 A noção de expressionismo abstrato, utilizada pela primeira vez em 1952 pelo crítico H. Rosenberg, refere-se a

um movimento artístico que tem lugar em Nova York, no período imediatamente após a Segunda Guerra

Mundial. Trata-se do primeiro estilo pictórico norte-americano a obter reconhecimento internacional. A recusa

dos estilos e técnicas artísticas tradicionais, assim como a postura crítica em relação à sociedade e ao

establishment americano, aproxima um grupo bastante heterogêneo de pintores e escultores, entre os quais

Jackson Pollock (1912 - 1956), Mark Rothko (1903 - 1970), Adolph Gottlieb (1903 - 1974), Willem de Kooning

(1904 - 1997), Ad Reinhardt (1913 - 1967), D. Smith, Isamu Noguchi (1904 - 1988). Fonte: Itaú Cultural.

14

convencionais. Artistas como Jackson Pollock (1912-56), defendiam uma arte livre de

qualquer interferência que tivesse a pretensão de estabelecer regras para sua criação. Segundo

GOMBRICH (1995, p. 604), “Pollock foi saudado como um dos pioneiros do novo estilo

conhecido como pintura de ação ou Expressionismo abstrato”. Ainda GOMBRICH (1995, p.

602) faz um relato interessante sobre essa atitude de Pollock: “impacientando-se com os

métodos convencionais, colocou suas telas no chão e pingou, derramou ou arremessou suas

tintas, acabando por obter configurações surpreendentes”, deixando o resultado

completamente a critério do acaso, ou seja, da espontaneidade (Fig. 2).

Figura 2 – Jackson Pollock, Autumn Rhythm n º 30, 1950.

Além do desejo de experimentação e da busca por novas possibilidades, houve

também nesse período forte interesse, por parte dos artistas, em confrontar o sistema

convencional de arte, o qual, costumeiramente estabelecia grau de valor a esta ou aquela arte.

Marcel Duchamp (1887-1968) foi o primeiro a confrontar esse sistema quando criou seus

ready-mades4 logo no início do século XX, os quais consistem de objetos prontos, “fabricados

em série, que ele escolhia, comprava e, a seguir, designava como obras de arte” (ARCHER,

2001, p. 03.) e as expunha em ambientes especializados. Os ready-mades (Fig. 3 e 4) segundo

FREIRE (2006):

4 Ready-meda é um termo utilizado para definir um tipo de arte iniciado por Marcel Duchamp para designar um

tipo de objeto, por ele inventado, que consiste em um ou mais artigos de uso cotidiano, produzidos em massa,

selecionados sem critérios estéticos e expostos como obras de arte em espaços especializados (museus e

galerias). Fonte: Itaú Cultural.

15

(...) ao desconfigurar espaços habituais, transforma em arte um objeto do cotidiano

ao mesmo tempo em que levanta outros pontos de vista nos espaços institucionais.

(...) Trata-se de uma interferência do espaço de exposição na percepção do objeto, e

vice-versa. É justamente esse curto circuito entre arte e vida que revela o espaço

institucional como criador de valores e concepções. (p. 37)

Figura 3 – Marcel Duchamp, Roda de bicicleta, 1913.

Figura 4 – Marcel Duchamp, Urinol de porcelana (Fonte), 1917.

16

A intenção de Duchamp ao instituir objetos comuns do cotidiano como obra de arte

era, sobretudo, de estabelecer uma forte crítica às convenções e chamar atenção para o

conceito de arte que, dentre outras, estava associada a um ideal de belo. Duchamp foi o

primeiro a levantar a bandeira “de que é o artista, simplesmente por ser o artista, que possui o

poder de designar alguma coisa como arte” (ARCHER, 2001, p. 30). Além do mais, de acordo

com os preceitos modernos que estavam em pleno vigor nessa época, a arte não seria mais

uma representação do real como havia ocorrido nos séculos anteriores, na verdade, a arte

havia se tornado a própria realidade. DANTO (2006) sobre este assunto escreve o seguinte:

Há uma analogia com a história da arte. O moderno na arte representa o limite antes

do qual os pintores dedicaram-se a representar o mundo como este se apresentava,

pintando pessoas, paisagens e acontecimentos históricos como eles próprios se

apresentavam ao olhar. Com o modernismo, as próprias condições de representação

tornaram-se centrais, de modo que a arte de certa forma se tornou o seu próprio

assunto. (p. 9).

Dentro deste contexto, e inspirados em Duchamp, diversos outros artistas adotaram a

postura de se contrapor às convenções e trouxeram para a produção artística materiais de

diversas naturezas para fazerem parte da composição de suas obras, tais como: Andy Warhol

(1928-87), Robert Rauschenberg (1925-2008) e Roy Lechtenstein (1923-97) dentre outros,

como representantes da Pop Art5. Vale ressaltar, que este movimento surgiu primeiramente na

Inglaterra, estendendo-se aos Estados Unidos em fins da década de 1950 (Londres e Nova

York tornaram-se seus principais centros), e que tem como premissa fundamental unir arte e

vida num mesmo contexto criativo. Os artistas pop (populares) americanos buscavam seus

temas na banalidade da vida urbana cotidiana americana, o que gerou forte recusa por parte da

crítica, sobretudo, no que tange aos materiais utilizados para produzir esse tipo de arte.

Segundo ARCHER (2001):

5 Pop Art (Arte popular), na década de 1960, os artistas defendem uma arte popular (pop) que se comunique

diretamente com o público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que cerca a cultura de massa e

a vida cotidiana. A defesa do popular traduz uma atitude artística contrária ao hermetismo da arte moderna.

Nesse sentido, a arte pop se coloca na cena artística que tem lugar em fins da década de 1950 como um dos

movimentos que recusam a separação arte/vida. E o faz - eis um de seus traços característicos - pela

incorporação das histórias em quadrinhos, da publicidade, das imagens televisivas e do cinema. Fonte: Itaú

Cultural.

17

No que diz respeito aos temas da Pop Art, sua própria banalidade era uma afronta a

seus críticos. Sem uma evidência mais clara de que o material havia passado por

algum tipo de transformação ao ser incorporado à arte, não se podia dizer que a

própria arte oferecia qualquer coisa que a vida já não proporcionasse. (p. 11).

Entretanto, os artistas reagiam a este pensamento, ressaltando que “a transformação

não era, de nenhum modo, a função da arte” (ARCHER, 2001, p. 11). Segundo Lichtenstein

“transformação é uma palavra estranha de se usar. Implica que a arte transforma. Ela não

transforma; apenas forma” (LICHTENSTEIN apud ARCHER, 2001, p. 11). Lichtenstein

utilizou abundantemente imagens produzidas a partir de desenhos animados (cartoons), cuja

temática discutia, dentre outras, a cultura de massa e o universo imagético norte-americano, as

quais expressavam emoções do cotidiano e dialogavam com a cultura popular daquele país

(Fig. 5).

Figura 5 – Roy Lichtenstein, drowning girl (afogamento de menina), (s.d).

Dentro deste mesmo contexto se destaca Andy Warhol, que utilizava em suas obras

temas inspirados no cinema, na música e no cenário político e social norte-americano,

utilizando para isto figuras famosas desses meios. Além de utilizar a expressividade crítica

sobre o consumismo exagerado daquele povo, ele combatia a crítica especializada que não

aceitava as novas configurações da arte como vinha se apresentando naquele momento (Fig.

6).

18

Figura 6 – Andy Warhol, Caixas de Brillo, 1964.

Rauschenberg foi outro artista norte-americano de considerável expressão na Arte

Popular (Pop Art), o qual lançou mão abundantemente da colagem para criar suas obras,

utilizando para isto fotografias de revistas e eventos daquela época para criar serigrafias. Um

bom exemplo é a colagem que mostra o então presidente norte-americano John F. Kennedy6

(JFK) numa imagem sobreposta, misturando pintura com outras imagens, que ressaltam,

dentre outras, o avanço da exploração espacial, que estava amplamente em voga naquela

ocasião (Fig. 8).

Figura 7 – Robert Rauschenberg, Búfallo II, 1964.

6 John F. Kennedy (1917-63) foi presidente dos Estados Unidos da América de 1960 a 1963, o qual teve seu

mandato repentinamente interrompido ao ser assassinado com uma bala, enquanto desfilava em carro aberto por

Dalas (Texas).

19

Além da Pop Art, esse período foi marcado também por diversos outros movimentos

como: a Op Art7, o minimalismo

8, as performances

9 e outros de cunho conceitual

10. É dentro

deste contexto que a arte nas décadas de 1960 e 70 segue rompendo barreiras e estabelecendo

novos padrões estéticos. A moldura, o pincel e a tela já não eram mais indispensáveis para a

produção de arte, o que valia para os artistas desses movimentos era a relação entre artista,

arte, espectador e espaço. O artista começou a buscar por um tipo de arte que interagisse com

o público de forma poética, dando especial atenção ao processo de criação, no qual tanto o

espaço quando o material utilizado faziam parte do contexto da obra.

O Minimalismo que tinha como uma de suas premissas principais a simplificação da

obra de arte, por meio da utilização mínima de linhas, formas e cores, buscando reduzir a

pintura abstrata geométrica e escultura para o estritamente essencial11

. Esse movimento

buscou, também, romper com os padrões de arte convencional e teve como seus

representantes mais fervorosos: Donald Judd (1928-94), Robert Morris (1931- ), Dan Flavin

(1933-96) e Carl André (1935-).

7 Op Art, esse termo foi incorporado à história e à crítica de arte após a exposição The responsive eye [O olhar

compreensivo, MoMA/Nova York, 1965), para se referir a um movimento artístico que conhece seu auge entre

1965 e 1968. Os artistas envolvidos com essa vertente realizam pesquisas que privilegiam efeitos óticos, em

função de um método ancorado na interação entre ilusão e superfície plana, entre visão e compreensão.

Dialogando diretamente com o mundo da indústria e da mídia (publicidade, moda, design, cinema e televisão),

os trabalhos da op art enfatizam a percepção a partir do movimento do olho sobre a superfície da tela. Fonte: Itaú

Cultural.

8 Minimalismo (conteúdos mínimos) consiste de uma arte simples, que reside no campo ambíguo entre a pintura

e a escultura, são simplesmente objetos materiais e não veículos portadores de idéias ou emoções. Um

vocabulário construído de ideias como despojamento, simplicidade e neutralidade, manejado com o auxílio de

materiais industriais - vidro, aço, acrílico etc. Fonte: Itaú Cultural.

9 Performance é uma forma de arte que combina elementos do teatro, das artes visuais e da música. Nesse

sentido, a performance liga-se ao happening (os dois termos aparecem em diversas ocasiões como sinônimos),

sendo que neste o espectador participa da cena proposta pelo artista, enquanto na performance, de modo geral,

não há participação do público. Fonte: Itaú Cultural.

10 Arte conceitual, vanguarda surgida na Europa e nos Estados Unidos, no fim da década de 1960 e meados dos

anos 1970, o conceito ou a atitude mental tem prioridade em relação à aparência da obra. O termo arte conceitual

é usado pela primeira vez num texto de Henry Flynt, em 1961, entre as atividades do Grupo Fluxus. Nesse texto,

o artista defende que os conceitos são a matéria da arte e por isso ela estaria vinculada à linguagem. O mais

importante para a arte conceitual são as idéias, a execução da obra fica em segundo plano e tem pouca

relevância. Fonte: Itaú Cultural.

11 Fonte: Itaú Cultural.

20

Figura 8 – Donald Judd, Sem título, 1968.

Donald Judd não escondia sua opinião sobre a arte do passado, ou seja, aquela arte que

antecedeu o período moderno, a qual a intitulava com frequência como arte ilusionista. O

ilusionismo, segundo Judd, se referia ao fato de que a “imitação do real chegava próximo à

imoralidade, pois nada mais era do que uma falsificação da realidade” (JUDD apud

ARCHER, 2001, p. 50). A arte minimalista se contrapunha ao racionalismo estético tão

valorizado na arte do passado. Vale relembrar que o racionalismo é um pensamento de cunho

filosófico, defensor da razão, o qual, dentre outras, defende que a obra de arte necessita ter

qualidade para poder receber a denominação de arte. ARCHER (2001), sobre as divergências

surgidas entre críticos de arte e artistas, dentro do contexto do minimalismo, escreve o

seguinte:

Greenberg12

tinha pedido que a arte pudesse demonstrar “qualidade”, e seus

argumentos derivavam da teoria estética de Kant. Em lugar de qualidade, porém, e

em desafio à tradição racionalista na qual Kant figura de modo Proeminente, Judd

asseverava que “uma obra de arte só precisa ser interessante” (p. 56).

Outra situação que ressalta o impasse existente entre os críticos naquele período e as

configurações da arte como vinha se apresentando, é o seguinte relato de ARCHER (2001):

12

Clement Greenberg (1909-94), considerado um dos mais importantes críticos de arte norte-americano.

21

Perguntado pelo crítico Bruce Glaser por que desejava evitar os efeitos

composicionais, Judd respondeu: “Bem, esses efeitos tendem a carregar com eles

toda a estrutura, os valores, sentimentos de toda a tradição européia. Por mim, isso

tudo pode ir pelo ralo. (...) As qualidades da arte européia, até aqui, [são]

inumeráveis e complexas, mas a maneira principal de dizer isto é que elas estão

ligadas a uma filosofia – o racionalismo” (p. 47).

Diante do exposto, evidencia-se o interesse dos artistas em se contrapor às convenções

e, sobretudo, em defender seus pontos de vista no que tange, principalmente, a questão da

validação da obra de arte. Para eles, a arte não precisa mais se apegar a detalhes

composicionais como ocorria no passado, a ideia somada ao seu produto, por si só, já merece

o mérito. Foi a partir do “campo complexo e expandido aberto pelo Minimalismo”

(ARCHER, 2001, p. 70) que a arte conceitual se desenvolveu e embasou seus fundamentos:

“(...) Arte de conceito, uma arte composta de ideias” (ARCHER, 2001, p. 70). Sobre este

assunto, escreveu Sol LeWitt (1928-2007):

Na arte conceitual a ideia ou o conceito é o aspecto mais importante da obra.

Quando um artista utiliza uma forma conceitual de arte, isto significa que todo o

planejamento e as decisões são feitas de antemão, e a execução é uma questão de

procedimento rotineiro. A ideia se torna uma máquina que faz a arte. (LEWITT apud

ARCHER, 2001, p. 70).

Figura 9 – Joseph Kusuth, Uma e três cadeiras, 1965.

22

De acordo com o pensamento de LeWitt, compartilhado pelos demais artistas desse

movimento, a arte conceitual prioriza a ideia e/ou o conceito que está embutido na obra,

relegando a segundo plano o resultado final. Na verdade, para esses artistas, o que menos

importa é justamente o resultado final, cuja proposta está fundamentada na discussão

sistemática da própria natureza da arte, nos meios para se chegar até ela, nos seus materiais e,

sobretudo, em trazer o espectador para compartilhar da reflexão. A introdução do conceito à

obra de arte teve suas origens nos read-mades de Duchamp, para quem a finalidade da obra

era levantar discussão sobre determinado assunto, sobretudo, aquele referente à questão da

validação do trabalho artístico. O Artista Joseph Kosuth (1945-) ao falar sobre a arte

conceitual e, consequentemente, sobre a função do artista dentro desse contexto, faz o

seguinte relato:

Ser um artista hoje significa um meio de questionar a natureza da arte. Se alguém

questiona a natureza da pintura, não pode estar questionando a natureza da arte. Se

um artista aceita a pintura (ou escultura), está aceitando a tradição que a acompanha.

Isto se deve ao fato de que a palavra “arte” é geral, e a palavra “pintura” é

específica. A pintura é um tipo de arte. Se se fazem pinturas, já está se aceitando (e

não questionando) a natureza da arte. Assim, está-se aceitando que a natureza da arte

é tradição européia de uma dicotomia pintura-escultura. (Kusuth apud ARCHER,

2001, p. 80-81).

A história da arte mostra que os processos artísticos estiveram atrelados às concepções

vigentes em cada época, porém, o fator sócio-cultural não é único nesse processo, entretanto,

contribui de forma direta e efetiva. Na Idade Média os preceitos artísticos estavam atrelados

aos dogmas da Igreja e ao teocentrismo13

, era porque, dentre outras, esta é que era a

mentalidade vigente; na Renascença os preceitos filosóficos humanistas14

e racionalistas15

modificaram a mentalidade humana e os padrões da arte, e foi instituída a arte de academia;

no século XIX a modernização do mundo influiu de forma direta na percepção do artista,

13 Teocentrismo: s.m teoria que considera Deus como o centro do universo: O teocentrismo foi uma

característica da Idade Média. Fonte: CEGALLA, Domingos Paschoal – Dicionário Escolar.

14 Humanismo: s.m 1 estudo de quaisquer atividades relacionadas com as Humanidades. 2 doutrina e movimento

cultural da Renascença caracterizados pelo culto das línguas e literaturas Greco-latinas. 3 atitude de interesse

pelos seres humanos.

15 Racionalismo: s.m (Filos.) método de observar as coisas com base apenas no raciocínio lógico; crença na razão

e na evidência das demonstrações.

23

fazendo com que o mesmo almejasse por inovações e, sobretudo, desejasse se desprender de

normas preestabelecidas, isto foi possível porque o mundo moderno e industrializado

oportunizou tais sentimentos; no século XX as possibilidades expandiram-se, e a produção de

arte não estava mais atrelada a padrões estéticos. A partir desse período o artista buscava por

liberdade, pois não suportava que normas de conduta ditassem as regras. Portanto, amiúde, as

décadas de 1960 e 70 configuraram-se pela “desmaterialização” e “impessoalidade da

execução” da obra, segundo linhas estritamente duchampianas (ARCHER, 2001, p. 155),

afastando-se da tradição em favor da experimentação, da inovação, do inédito e, sobretudo, do

questionamento da natureza da arte.

24

1.1.1. A Arte Contemporânea.

Surge na contemporaneidade termos como Arte de Vanguarda, Arte Pós-moderna e

Arte Contemporânea, os quais, segundo alguns autores vêm gerando certa confusão,

sobretudo, porque esses termos ainda não estão muito bem definidos no contexto da arte atual.

Contudo (THISTLEWOOD apud BARBOSA 2008) escreve o seguinte sobre esta situação

terminológica:

(...) termo “Pós-moderno” é tido como mais moderno que o próprio “moderno”. (...)

A arte de “vanguarda” é aquela constituinte da arte “contemporânea” que acontece

na mais avançada linha de frente da prática experimental, exercitando criativas e

“arriscadas” ações/posturas/pensamentos, em busca de novas formas de significação

estética. A arte “contemporânea” consiste na penetração destas novas formas no

conhecimento de uma mais ampla audiência, e isto se dá quando camadas de

significado são vinculadas a estas novas formas, sucessivamente, por críticos,

teóricos e praticantes. (...) mas o termo “contemporâneo” é usualmente aplicado para

a arte que ainda não originou opiniões assentadas. (p. 113-114-115).

Dentro deste contexto, o marco para a Arte Contemporânea situa-se na década de

1980, sob o ponto de vista de diversos autores, inclusive Archer (2001). Este período foi

marcado pelo resgate do registro de sentimentos por meio da arte, cuja influência, dentre

outras, pautou-se principalmente no expressionismo, simbolismo e surrealismo. A década de

80 ressuscitou (por assim dizer) a prática da pintura e da escultura, trazendo de volta a

tradição. Segundo ARCHER (2001, p. 155), o crítico de arte Achille Bonito Oliva16

cunhou o

termo Transvanguarda internacional como título de seu livro que proclamava o ressurgimento

da pintura como predominância na arte mundial.

Oliva destacava a morte da ideia do progresso em arte. Não havia mais uma

“história da arte” linear, mas uma multiplicidade de atitudes e abordagens que

exigiam nossa atenção. Uma das conseqüências de a arte ter-se livrado do

desenvolvimento passo a passo era a liberdade de buscar inspiração em toda parte:

em vez de lutar por desenvolver um estilo atual avançando o caráter do período

imediatamente anterior e a ele respondendo, a arte da Transvanguarda podia, e até

deveria, citar qualquer período que desejasse. Além disso, ela agora não precisava

restringir-se às belas-artes ou as artes “elevadas”, mas também podia empregar o

artesanato ou outras técnicas, materiais e temas culturais “inferiores” onde lhe

parecesse adequado. (ARCHER, 2001, p. 155-156).

16

Achille Bonito Oliva (1939-), crítico de arte italiano, um dos mais influentes na contemporaneidade.

25

Em diversos períodos da História da Arte o artista sentiu necessidade de buscar por

algo que o satisfizesse de uma maneira diferente do que estava em andamento, e muitas vezes,

ele recorre a inspirações provenientes de épocas passadas para representar o novo e/ou o

diferente em seu trabalho, já dizia GOMBRICH (1995, p. 538) “(...) sabemos que, em arte,

basta solucionar um problema para que muitos novos problemas surjam no lugar dele”. É

aquela velha estória da necessidade humana de buscar por algo que está além da

compreensão. O artista, muitas vezes, recorre a outras épocas em busca de suprir essa

necessidade criativa, cuja forma, apesar de ser inspirada no passado, se renova por meio de

uma roupagem diferente, mais moderna, de acordo com sua contemporaneidade. O sentido de

roupagem aqui aparece de forma metafórica para caracterizar que mesmo a arte recorrendo a

temas e/ou inspirações retirados do passado ela se apresenta com algumas diferenças

características de sua época atual, foi assim, por exemplo, quando no neoclassicismo17

a

inspiração veio da antiguidade clássica. É dentro deste contexto que a Arte Contemporânea

surge no cenário internacional, sobretudo, por meio da pintura. Sobre este assunto ARCHER

(2001) relata o seguinte:

Sem dúvida, havia um elemento de nostalgia na Transvanguarda, que também foi

amplamente conhecida por Neo-expressionismo. O Conde Giuseppe Panza di

Biumo, um dos mais importantes colecionadores de arte minimalista e pós-

minimalista, a via como um movimento retroativo, uma regressão a uma arte que era

facilmente apreciada, depois da aparente dificuldade de boa parte da arte dos anos

60 e 70. (p. 156).

Contudo, para a Arte Contemporânea não há fronteiras divisórias que a separe de seu

período imediatamente anterior, muito menos, de um passado mais distante, levando-se em

consideração o caráter recorrente que os artistas contemporâneos costumeiramente utilizam-se

para representar sua arte atual. Muitos artistas de nossa época se valem de conceitos

provenientes da Pop Art, Op Art, Minimalismo, Performances e Arte Conceitual que os

antecederam imediatamente, como também, utilizam-se de conceitos oriundos da arte de fins

do século XIX e primeira metade do século XX. Entretanto, a Arte Contemporânea possui

17 Movimento cultural europeu, do século XVIII e parte do século XIX, que defende a retomada da arte antiga,

especialmente greco-romana, considerada modelo de equilíbrio, clareza e proporção.

26

suas particularidades, cuja diferença mais marcante da Arte Moderna, encontra-se nos escritos

de DANTO (2006):

O Armory Show, de 1913, tinha como logotipo a bandeira com pinheiro

da Revolução Americana, para celebrar o repúdio à arte do passado. O movimento

dadá de Berlim proclamou a morte da arte, mas no mesmo cartaz, obra de Raoul

Hausmann, desejava longa vida à Marchine Art of Tatlin (Arte Máquina de Tatlin)18

.

A Arte Contemporânea, em contrapartida, nada tem contra a arte do passado,

nenhum sentimento de que o passado seja algo que precisa se libertar e mesmo

nenhum sentimento de que tudo seja completamente diferente, como em geral a arte

da arte moderna. (p. 7).

Por conseguinte, enquanto a Arte Moderna, que perdurou durante quase todo o século

XX, buscou pelo rompimento com a arte tradicional, a Arte Contemporânea, que ainda é

muito recente para se ter uma definição mais esclarecedora, surge como uma espécie de

resgate pós-moderno dessa mesma arte tradicional. Alguns autores e críticos de arte relatam

que esse período trouxe de volta a pintura para o cenário artístico. Vale relembrar, que o final

do período moderno havia proporcionado certo colapso financeiro, pois a produção de arte,

pelo menos aquela que pudesse ser negociada no mercado, estava passando por uma fase de

escassez, tendo em vista a baixa produtividade, sobretudo, na pintura e escultura, pois a arte

de conceito havia dominado o cenário artístico por considerável período. Segundo ARCHER

(2001):

Os problemas financeiros tiveram um grande impacto na arte, como em tudo o mais,

e nos anos 80 os negociantes voltaram a trabalhar com seus próprios recursos. Em

1981, o curador Christos Joachimedes, que operava na Alemanha, escreveu: “Os

estúdios dos artistas estão novamente cheios de potes de tinta”. (p. 155).

Seguindo por esse pensamento, a Arte Contemporânea resgata de uma forma muito

particular, aquela arte tradicional que tanto os artistas modernos tentaram suplantar. Contudo,

as características dessa arte assumiram, e ainda vem assumindo, formas e estilos bem dentro

18

Marchine Art of Tatlin – Foi no Manifesto Realista, de 1920, publicado em forma de cartaz, em Moscou, que

foi encontrado pela primeira vez o termo “cinético” referindo-se às artes plásticas. Além de ser o pioneiro do uso

do termo, este documento mostra claramente a preocupação de seus autores em criar obras rítmicas, como forma

básica da percepção do tempo real. Fonte: PERISSINOTTO, Paula – Dissertação: O cineticismo interativo nas

artes plásticas. São Paulo, 2000.

27

do contexto de uma era em que as tecnologias e as mídias avançam em ritmo acelerado. O

surgimento de problemas sociais como a disseminação da AIDS, divulgada na década de 1980

e amplamente explorada por artistas de todo o mundo, sobretudo, no intuito de alertar para

esse mal, tornaram-se temas de diversos trabalhos artísticos. Bem como, abordagens relativas

às questões de cunho ecológico, por meio da conscientização da preservação ambiental, que

surgiu mais efetivamente a partir da década de 90. Todos esses assuntos e muitos outros, que

se configuram como temas de trabalhos artísticos contemporâneos, são reflexos gerados pelas

culturas pós-modernistas. Um exemplo dessa lógica é o trabalho de Frank Moore (1953-

2002), no qual, uma de suas “telas de realismo mágico que expressam sua indignação e

sensibilidade com relação à Aids. As figuras são representadas em meio a procedimentos

médicos de pesadelo, lixo tóxico e poluição química” (ARCHER, 2001, p. 178) (Fig. 11).

Vale ressaltar que Moore, assim como alguns artistas homossexuais das décadas de 80 e 90,

estava contaminado com o vírus HIV, numa época em que ser portador desse vírus significava

morte certa.

Figura 10 – Frank Moore, Arena, 1992.

O artista norte-americano David Wojnarowicz (1954-92) contaminado com o vírus

HIV, utilizou abundantemente temas de natureza pornográfica em sua obra, além de

afrontamento político e outros temas artísticos. Na “Série Sexo”, de fotomontagens, por

28

exemplo, usou negativos de inúmeras fontes para mostrar, diante da resposta da sociedade à

Aids, que vou continuar a explorar meu corpo e os corpos de outros homens para descobrir

todas as possibilidades de prazer e conexão (WOJNAROWICZ apud ARCHER, 2001, p.

178).

Figura 11 – David Wojnarowicz, Tornado (da série

sexo), 1988 – Fotografia em preto e branco.

Figura 12 – David Wojnarowicz, House (casa), (da

série sexo), 1988 – Fotografia em preto e branco.

Figura 13 – David Wojnarowicz,

Série Sexo (para Marion Scemama) 1988-89.

Figura 14 – David Wojnarowicz, árvores (da série

sexo), 1988-89

Outra característica importante da Arte Contemporânea refere-se ao fato de que muitos

dos artistas não utilizam a vida real como inspiração para suas produções. Muitos deles se

inspiram em imagens produzidas pela mídia, e outros, produzem sua arte por meio da própria

mídia. Um exemplo disso é o artista alemão Gerhard Richter (1932-) citado por ARCHER

(2001):

29

A produção de Richter incluía a pintura abstrata e a figurativa, embora seu método

de trabalho significasse que nunca era fácil dizer onde terminava a linha divisória

entre as duas. As telas figurativas eram sempre copiadas de reproduções, fotografias,

cartões-postais ou imagens produzidas pela mídia, mas nunca da “vida real” (p.

163).

O ecletismo emergente nas obras dessa década, mostra de forma efetiva o quanto a

modernidade econômica, social, política e tecnológica vinham afetando de forma direta a

produção artística, sobretudo em termos tecnológicos. Na década de 1980 a popularização

computacional começou a firmar-se; a televisão também expandiu e foram instituídos os

canais privados de TV a cabo; os jornais, que a menos de um século atrás, eram exclusivos do

papel impresso, atualmente o acesso às notícias ocorre em tempo real, por meio de aparelhos

eletrônicos domiciliares. A inspiração não vem mais unicamente da vida real, mas também, da

vida virtual.

Na pintura, o artista contemporâneo introduziu em seus trabalhos materiais de diversas

naturezas como: areia, palha, cacos de cerâmica, etc. Segundo ARCHER (2001), Sigmar

Polke (1941-) artista alemão de expressão internacional, que fazia uso de imagens e da mídia

de uma forma tão particular, que “serviu como paradigma da natureza eclética da arte dos

anos 80” (p. 163), cuja obra influenciou grandemente artistas como o norte-americano Julian

Schnabel (1951-):

(...) Julian Schnabel, cujo estilo característico, no início dos anos 80, era pintar uma

série de imagens variadas – da arte mais requintada a anúncios e caricaturas – sobre

cacos de cerâmica. As pinturas normalmente grandes e pesadas, a fim de suportar o

peso dos cacos, eram de efeito espetacular, com as formas animadas pelas

superfícies fraturadas. (ARCHER, 2001, p. 163).

Figura 15 – Julian Schnabel, Sylvie, 1987.

Figura 16 – Julian Schnabel, Remo: para quem se propõe

a conhecer o medo, 1981.

30

A relação entre o material, o artista e a obra de arte, Schnabel, segundo Archer, diz

que “(...) Mesmo que os materiais sejam manufaturados, ou pareçam novos, a obra tem que

estar relacionada com o poder alquímico e acumulativo dos... objetos” (SCHANABEL apud

ARCHER, 2001, p. 165). Trocando em miúdos, o mundo contemporâneo oferece ao artista

muito da matéria-prima pronta, entretanto, é o poder criativo e subjetivo de manipular essa

matéria que torna o trabalho artístico especial e único.

Em meio à diversidade de materiais e maneiras de produzir arte, desponta o grafite no

cenário da arte popular, no qual o artista, utilizando-se de um spray, pinta superfícies diversas

como: paredes, muros, vagões de trem, terminais de metrô, etc., com isto, o grafite

rapidamente se dissemina por todo os Estados Unidos e Europa. Um dos primeiros grafiteiros

a ser reconhecido como artista, ainda na década de 80, foi o afro-norte-americano Jean-Michel

Basquiat (1960-88), cujo trabalho foi exposto em algumas das mais influentes galerias de

Nova York, chegando a serem vendidos por uma quantia que girava em torno de cem mil

dólares cada, desta feita, o grafite que surgiu dentro do contexto da arte das grandes massas

populares, acabou por receber reconhecimento, galgando no cenário da arte especializada.

Figura 17 – Jean-Michel Basquiat (s/ título), década de

1980.

Figura 18 – Jean-Michel Basquiat, (s/ título), 1984.

A década de 80 configurou-se como o período inicial para a grande diversidade de

linguagens que a partir daquele momento caracterizaria a Arte Contemporânea. Da mesma

forma que o mundo atual havia se tornado diverso e complexo, assim também, a arte estava se

31

apresentando. Além do mais, muita da arte que estava sendo produzida, sobretudo, nos meios

populares, aquelas tidas como arte inferior, estava começando a ser reconhecida como

expressão artística. Keith Hering (1958-90), por exemplo, que começou com o grafite,

desenvolveu uma técnica de desenhos a giz em papel negro colado sobre pôsteres e afixado,

principalmente, em estações do metrô; produziu também, trabalhos em litografia, serigrafia,

gravuras, etiquetas e estampas em camisetas, além de expor em importantes galerias nova-

iorquinas (Fig. 20 e 21). Para comercializar seus produtos, abriu uma loja, a Pop Shop, em

1986. Bem como, desenhava para campanhas publicitárias e beneficentes, especialmente

aquelas relacionadas com problemas sociais como a Aids, por exemplo, cuja doença o matou

em 1990. Tanto Hering quanto Basquiat, dentre outros, foram os grandes responsáveis pela

destituição do preconceito existente em relação à arte urbana do grafite.

Figura 19 – Keith Hering (fotografia), 1983.

32

Figura 20 – Keith Hering, Mural (s/ título), (década de 1980)

A arte dos últimos vinte e cinco anos atravessou a fronteira da arte especializada,

trazendo para o contexto a diversidade de linguagens existente em um mundo plural, em que

tanto a expressividade popular quanto as produções das artes tidas como elevadas devem ser

igualmente respeitadas. A arte hoje não se detém a fórmulas ou a moldes que devam ser

seguidos como padrões determinantes para ser considerada como arte, muito menos que ela

seja privilégio da elite, como costumeiramente ocorria no passado. A consciência de que a

capacidade criativa é algo que faz parte da natureza humana, e de que o homem necessita

expressar-se por esse meio, contribuiu grandemente para o alargamento dessa fronteira,

juntamente, com a evolução das culturas modernas.

33

Figura 21 – Jeff Koons, (fotografia) esculturas neo-conceituais.

Figura 22 – Katharina Fritsch, Tischgesselschaft, 1988.

Nos dias atuais, dentre outras, a arte copia o que já foi feito por outros que, segundo

Archer (2001), foi denominado de “apropriação”, amplamente explorado por artistas como:

Philip Taaffe (1955-), Sherrie Levine (1947-), Elaine Sturtevant (1926-) e outros. Recorre a

34

movimentos oriundos de outras épocas como o expressionismo, simbolismo, surrealismo, Pop

e Op Art, minimalismo, arte conceitual, etc., (Fig. 21)19

. Repete-se, multiplica-se e renova-se

em imagens manipuladas pela tecnologia (Fig. 22)20

. Inspira-se e dialoga em temas baseados

em acontecimentos culturais, sociais, políticos e religiosos. A arte é questionadora, porém, é

também aleatória; é consciente, mas também é inconsciente; é sana e às vezes insana. Sobre a

arte das últimas décadas, nos diz ARCHER (2001, p. 235): “Os rumos da indagação estética

nos últimos vinte e cinco anos, longe de se dispersarem ou esvaziarem, tornaram-se os vetores

essenciais da arte dos dias de hoje”. Portanto, a Arte Contemporânea é como um leque que se

abre para uma infinidade de possibilidades criativas.

19

Obra de Jeff Koons (1955-), artista norte-americano, considerado como do tipo Neoconceitual.

20 Obra de Katharina Fritsch (1956-), artista alemã, toalha da mesa manipulada por computador.

35

2. ENTRE UM E OUTRO, FRAGMENTOS DE UM ENSINO DE ARTE.

2.2 O Ensino de Arte no Brasil: uma realidade.

O ensino de arte no Brasil tornou-se obrigatório a partir de 1971, por meio da Lei

Federal de Diretrizes e Bases da Educação Nº 5.692. Essa Lei, de forma geral, tinha uma

proposta educacional embasada no ensino técnico e a profissionalização da criança a partir da

7ª série, e o ensino secundário estaria completamente voltado para a profissionalização de

jovens. Sendo o objetivo principal dessa proposta, preparar profissionais para o mercado de

trabalho, sobretudo, por que as companhias multinacionais, que estavam em franco

desenvolvimento no país naquela ocasião, as quais possuíam considerável poder econômico,

necessitavam de mão de obra barata para suprir suas necessidades. Vale ressaltar, que esse

período foi marcado pela Ditadura Militar que perdurou de 1964 a 1983.

De acordo com a Lei 5.692/71, o ensino de artes excluía a exigência de notas, tendo

em vista, que a mesma não era tratada como disciplina, mas sim como atividade educativa,

sem o estabelecimento de uma maneira de conhecimento definido. Entretanto, segundo

BARBOSA (2008b)21

algumas escolas, na tentativa de colocar a arte/educação em um mesmo

patamar das demais disciplinas do currículo, passaram a exigir notas, porém, a avaliação era

feita de forma alternativa: ou as crianças se auto-avaliavam ou a avaliação era feita pelo

professor, partindo de questões como: participação, comportamento, interesse e dedicação.

Outra questão importante sobre a inclusão da arte/educação no currículo escolar, de

acordo com a Lei 5.692/71, refere-se ao fato de que um mesmo professor de artes, deveria

exercer sua função de forma “polivalente”, ou seja, deveria ensinar, abarcando as seguintes

modalidades: Artes Plásticas, Educação Musical e Artes Cênicas, nesta última estavam

inclusas as modalidades de Teatro e Dança. Essa orientação valia para o ensino fundamental

de 1ª a 8ª série, porém, em alguns casos, segundo BARBOSA (2008b), era aplicado também

no ensino secundário. Em contrapartida, as universidades, naquela ocasião, não estavam

21

Utilizei como referencial teórico na elaboração desta pesquisa dois livros de Ana Mae Barbosa, ambos com o

mesmo ano de publicação (2008), sendo um deles utilizado neste capítulo, o qual segue: BARBOSA, Ana Mae –

Ensino da Arte: memória e história. 1ª Ed. – São Paulo: Perspectiva, 2008; e o segundo utilizado no próximo

capítulo, intitulado de A Arte Contemporânea e a Pós-modernidade no ensino da arte, o qual segue: BARBOSA,

Ana Mae (org.) – Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. 2ª Ed. – São Paulo: Cortez, 2008.

Portanto, utilizarei o critério de distinção entre as literaturas de mesmo autor e mesmo ano de publicação,

ressaltando-os com as letras do alfabeto a e b, seguindo a ordem alfabética do referencial bibliográfico.

36

preparadas para atender a demanda no que tange a formação desses profissionais, pois não

existia “cursos de arte-educação, apenas cursos para preparar professores de desenho,

principalmente desenho geométrico” (BARBOSA, 1989, p.170). Foi então, que em 1973,

foram criados cursos de licenciatura curta em educação artística, com duração de dois anos,

para preparar profissionais para atender essa demanda. Ainda de acordo com BARBOSA

(1989):

É um absurdo epistemológico ter a intenção de transformar um jovem estudante (a

média de idade de um estudante ingressante na universidade no Brasil é de 18 anos)

com um curso de apenas dois anos, num professor de tantas disciplinas artísticas.

Nós temos 78 cursos de Licenciatura em Educação Artística nas faculdades e

universidades do Brasil outorgando diplomas a arte-educadores. A maioria deles são

cursos de dois anos de duração (p. 171).

Sobre este mesmo assunto e, fazendo um retrocesso histórico do ensino de arte no

Brasil, o texto do PCN (1997) diz o seguinte:

As faculdades que formavam para Educação Artística, criadas na época

especialmente para cobrir o mercado aberto pela lei, não estavam instrumentadas

para a formação mais sólida do professor, oferecendo cursos eminentemente

técnicos, sem bases conceituais. Nessa situação, os professores tentavam equacionar

um elenco de objetivos inatingíveis, com atividades múltiplas, envolvendo

exercícios musicais, plásticos, corporais, sem conhecê-los bem e que eram

justificados e divididos apenas pelas faixas etárias. (p. 27)

Contudo, após esse curso de dois anos, os profissionais poderiam ampliar seus

estudos, ingressando em um curso de licenciatura plena, por meio da “habilitação específica

em artes plásticas, desenho, artes cênicas ou música” (BARBOSA, 2008b, p. 10). A lei

5.692/71 também instituiu que professores com diplomação universitária em desenho teriam

que se atualizarem, cursando mais um ou dois anos desses novos cursos que estavam sendo

instituídos pelas universidades brasileiras.

Ainda em 1971, o Ministério da Educação, visando à implementação, em todo o

território nacional da nova “disciplina” de Educação Artística nas escolas públicas, firmou um

37

convênio com a Escolinha de Arte do Brasil22

, para ministrar um curso preparatório para um

representante de cada estado da federação, o qual ficaria incumbido “de elaborar o guia

curricular de educação artística do seu Estado” (BARBOSA, 2008b, p. 11). Contudo,

BARBOSA (2008b) relata o resultado dessa empreitada:

Entretanto, poucos Estados desenvolveram um trabalho de preparação de

professores para aplicar e estender as normas gerais e as atividades sugeridas nos

guias curriculares. Por outro lado, a maioria dos guias apresenta um defeito

fundamental: a dissociação entre objetivos e métodos que dificulta o fluxo de

entendimento introjetado na ação. (p. 11).

De acordo com o relato de BARBOSA (200b), constatou-se que os poucos estados que

apresentaram seus guias curriculares, falhas foram encontradas, sobretudo, que os objetivos

propostos não condiziam com a metodologia. Durante toda a década de 1970 o ensino de artes

ficou relegado a “indigência” e, em uma tentativa de reverter à situação o Ministério da

Educação e Cultura (MEC) criou o Programa de Desenvolvimento Integrado de

Arte/educação (Prodiarte), cujo objetivo estava centrado em “integrar a cultura da

comunidade com a escola, estabelecendo convênios com órgãos estaduais e universidades”

(BARBOSA, 2008b, p. 11).

Entretanto, segundo BARBOSA (2008b) o primeiro sintoma de sucesso sobre a

Arte/educação, ocorreu mais efetivamente em 1977, quando cerca de quatro mil

Arte/educadores se reuniram no Rio Janeiro para o primeiro Encontro Latino Americano de

Arte/educação. Foi nesse encontro que, dentre outras, se afirmou a completa carência de

pesquisas na área do ensino da arte. Contudo, vale relembrar que este período ainda estava

sob a égide da Ditadura Militar, e que, portanto, não foi possível para os participantes desse

encontro, discutir questões de cunho político, tendo em vista, o sistema repressor da Ditadura,

que não tolerava qualquer tipo de crítica ao Estado ou aos métodos por eles utilizados. De

acordo com o relato de BARBOSA (2008b):

Só em 1980 um outro Encontro enfrentaria as questões políticas da Arte/educação.

Trata-se da Semana de Arte e Ensino que reuniu no campus da Universidade de São

22

A Escolinha de Arte do Brasil é criada em 1948, no Rio de Janeiro, por iniciativa do artista pernambucano

Augusto Rodrigues (1913 - 1993), da artista gaúcha Lúcia Alencastro Valentim (1921-) e da escultora norte-

americana Margareth Spencer (1914-). A Escolinha, que coloca o foco nas distintas expressões artísticas (dança,

pintura, teatro, desenho, poesia etc. Fonte: Itaú Cultural.

38

Paulo mais de três mil professores e resultou na organização do Núcleo Pro

Associação de Arte Educadores de São Paulo. (p. 12).

A década de 1980, apesar das inúmeras dificuldades, foi consideravelmente

promissora para a Arte/educação brasileira. Coincidindo com o fim da Ditadura Militar

(1983), houve o fortalecimento político dos Arte/educadores; foram criadas “linhas de

pesquisa em Arte/educação para os cursos de pós-graduação da Universidade de São Paulo

(USP), constando de mestrado, doutorado e especialização” (BARBOSA, 2008b, p. 12-13);

várias outras instituições de nível superior, de alguns Estados brasileiros, inseriram cursos de

pós-graduação e especialização na área da Arte/educação em suas grades curriculares, o que,

segundo BARBOSA (2008b), aumentou consideravelmente o número de pesquisas

acadêmicas nessa área. Outros fatores que contribuíram grandemente para esse avanço foram

às realizações dos congressos, festivais e simpósios que visavam, sobretudo, uma maior

valorização do ensino de artes dentro do sistema educacional brasileiro. Sobre o avanço e

conquistas da Arte/educação nesse período BARBOSA (2008b) relata:

Para dar exemplo da intensidade da produção em arte-educação no Brasil, oitenta

pesquisas foram produzidas para mestrados e doutorados no país entre 1981 e 1993

e nos últimos dez anos este número deve ter quintuplicado. Os assuntos são os mais

variados e vão desde a preocupação com desenho da criança até experiências com as

novas tecnologias. (p. 13).

O fortalecimento da classe de profissionais do ensino da arte rendeu considerável

avanço no que tange, sobretudo, às pesquisas científicas e o aprimoramento do professor,

disseminando novas ideias de concepções de atuação com arte. Paralelamente às

manifestações de Arte/educadores, surge no cenário político, alguns governadores e prefeitos

dispostos a impulsionar reformas estruturais e curriculares no sistema educacional brasileiro.

Essa união entre políticos e Arte/educadores, no que tange à busca por melhorias da qualidade

de ensino, levou à implementação de propostas que foram apresentadas para discussão

durante a “elaboração da nova Constituição Federal (CF), em 1988 e, posteriormente, no

processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e nas

iniciativas de reorganização do espaço político-instituicional responsável pela educação”

(BONAMINO & MARTINEZ, 2002, p. 370).

39

Entretanto, BARBOSA (2008b) faz um relato da trajetória dessa luta no âmbito do

Congresso Nacional, tendo em vista que da mesma forma que havia alguns poucos políticos a

favor da permanência da obrigatoriedade do ensino de arte no currículo escolar, havia

também, alguns outros que defendiam sua exclusão. Foi assim, que logo após a Câmara

aprovar o projeto do ensino de arte para a educação, o Senado Federal o rejeitou. Segundo

BARBOSA (2008b):

Muita gente trabalhou. Aprovado o projeto na Câmara, mais ou menos como

queríamos que a Arte fosse mencionada, deixando clara a possibilidade de articular

o ensino da arte como expressão e cultura, mal pudemos comemorar, pois fomos

surpreendidos com a rejeição do projeto no Senado e sua substituição por um projeto

de Darcy Ribeiro no qual a arte era eliminada (p. 20).

Por conseguinte, a luta para aprovação do projeto continuou, várias foram às formas

de abordagem para angariar simpatizantes, tanto no setor político quando artístico. Houve

também, intensa mobilização em forma de protesto em prol do mesmo objetivo. Segundo

BARBOSA (2008b):

A manifestação da Faeb-Aesp na Bienal 1996, cobriu de panos negros as esculturas

públicas foi muito eficaz. (...) Outra poderosa ação política foi à luta pela criação da

Comissão de Especialistas de Artes e Design na Sesu/MEC. Todos os cursos

superiores já estavam com suas comissões de especialistas trabalhando a todo vapor.

Só para as artes e a educação física, não haviam sido instituídas comissões, numa

clara demonstração do descaso dos líderes da educação por estas duas áreas. (p. 21).

Contudo, após muita luta e engajamento de Arte/educadores, conseguiu-se uma

“entrevista” com o Ministro de Educação, o qual, finalmente, segundo BARBOSA (2008b):

Criou e instalou, em abril de 1994, a Comissão de Especialistas de Ensino de Artes e

Design (Ceeartes), o qual tinha como presidente Ana Mae Barbosa e vice-presidente

Laís Aderne (...). A função da Comissão era avaliar os cursos de artes e design,

estudar e propor reorganizações curriculares. (p. 21-22).

40

Durante toda a década de 1990, várias propostas curriculares foram elaboradas no

Brasil, contudo, apenas a partir da aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB) nº 9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996, que o ensino de artes

passou a fazer parte também da educação básica, cujo texto no seu Artigo 26, Parágrafo 2º,

diz o seguinte: “O ensino de arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos

níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.

Segundo a Lei 9.394/96, no seu Art. 21, inciso I, “a educação básica é formada pela educação

infantil, ensino fundamental e ensino médio”.

Outro fator importante veio à tona, ainda na década de 1980, o qual diz respeito ao

início da Pós-modernidade. A Pós-modernidade no ensino da arte se caracterizou pela

inserção da imagem, “sua decodificação e interpretações na sala de aula junto à já conquistada

expressividade” (BARBOSA, 2008b, p. 13). Esse período trouxe consigo a importante

discussão de questões relativas à cultura visual, tendo em vista que na contemporaneidade, os

diversos meios de comunicação vêm interferindo de forma direta na percepção das pessoas,

“jogando com uma vasta gama de emoções, sentimentos e ideias. (...)” (KELLNER, 2001, p.

9).

Portanto, foi em 1997 que o governo federal estabeleceu os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs), os quais, segundo BARBOSA (2008b) desconsiderou a proposta

triangular, que havia sido sistematizada desde 1983 e foi “intensamente pesquisada entre 1987

e 1993 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e na Secretaria

Municipal de Educação sob o comando de Paulo Freire e Mário Cortela” (p. 15). Essa

proposta possuía em sua nomenclatura três componentes que funcionariam como base para a

arte/educação brasileira: fazer arte (ou produção), leitura da obra de arte e contextualização.

Sobre este assunto BARBOSA (2008b) relata o seguinte:

Os PCNs brasileiros dirigidos por um educador espanhol, desistoricizam nossa

experiência educacional para se apresentarem como novidade e receita para a

salvação da educação nacional. (...) Infelizmente os PCNs não surtiram efeito e a

prova é que o próprio Ministério de Educação editou uma série designada

Parâmetros em ação, que é uma espécie de cartilha para o uso dos PCNs,

determinando a imagem a ser “apreciada” e até o número de minutos para

observação da imagem, além do diálogo a ser seguido. Um autêntico exemplo da

educação bancária que Paulo Freire tanto rejeitou. (p. 15).

41

De acordo com esse relato, pesquisas que vinham sendo feitas desde 1983 por Arte-

educadores, engajados na busca por um ensino de arte que contemplasse não apenas a

realidade brasileira, mas também, que proporcionasse uma experiência mais frutífera no

âmbito da aprendizagem em artes, foram completamente ignoradas pelo Ministério da

Educação (MEC) no momento de criar os PCNs (1997) que serviriam, a partir de então, como

instrumento de base para a educação nacional. Vale ressaltar, que o Brasil, por ser um país

com grande diversidade étnico-cultural, não poderia ter um PCN fechado e único, de igual

teor para todas as regiões, tendo em vista, que uma das propostas mais relevantes para o

estabelecimento desses Parâmetros deveria ser o respeito às diversidades. Por conseguinte, o

Distrito Federal, estados e municípios deveriam criar suas próprias propostas curriculares,

contudo, tomando como base o teor normativo dos Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCNs). Dentro desse mesmo contexto a LDB Nº 9.394/96, no seu Art. 26 estabelece que:

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum,

a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma

parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da

cultura, da economia e da clientela.

Os PCNs do Ensino Fundamental (1997) modificou o campo de atuação do professor

de artes, que havia sido estabelecido pela Lei Nº 5.692/71, cuja orientação, a partir dos PCNs

(1997), desobriga o professor a ensinar as quatro modalidades artísticas, ou seja, artes visuais,

música, teatro e dança, podendo trabalhar apenas de acordo com a sua formação específica.

Esta orientação está, também, de acordo com a Lei Nº 9.394/96 (LDB), que retira do

professor a obrigatoriedade de trabalhar, ao mesmo tempo, com a as quatro modalidades

artísticas. Outra questão importante foi à mudança na designação de Educação Artística para

apenas Arte, e de incluí-la na estrutura curricular como área com conteúdos próprios ligados à

cultura artística, e não apenas como atividade (PCNs, 1997) como havia sido instituída pela

lei 5.692/71.

Segundo BARBOSA (2008b) os PCNs (1997) em Arte-educação, trás em seu bojo

uma aura de falsa liberdade, o qual foi constituído dentro de um Regime Democrático, porém,

se apresenta camuflado por uma máscara ilusória de Democracia, por meio de uma política

centralizadora. Segundo BARBOSA (2008b):

42

Historicamente, o poder centralizador se exerce como uma gangorra sobre o ensino

da arte no Brasil: ora determina-se os programas de ensino fundamental e médio e

dá-se liberdade de organização de currículo à universidade como foi até 1961; ora

determina-se o currículo mínimo das universidades, mas liberta-se os currículos do

ensino fundamental como aconteceu de 1971 a 1997. Agora, vivemos um momento

de falsa liberdade do ensino das artes plásticas na universidade que explicitamente é

regulado apenas quantitativamente, no número de horas-aula, mas implicitamente

dominado conteudisticamente pelo Provão. Enquanto isso, explicitamente, temos um

ensino fundamental e médio determinado pelos Parâmetros em Ação editados com

força de lei pelo MEC. Maior limitação do que a dos Parâmetros em Ação nunca foi

vista no Brasil. (p. 22-23).

Portanto, levando-se em consideração a história do ensino da arte no Brasil, fica

evidente que essa modalidade de ensino, teve suas conquistas, sobretudo, no que tange a união

e o engajamento de arte-educadores, comprometidos com um ensino de arte de qualidade; as

produções acadêmicas e científicas frutificaram, e hoje há um considerável número de

literaturas à disposição de estudantes e interessados. Sob o ponto de vista de diversos autores,

inclusive, Ana Mae Barbosa, a Arte-educação ainda não atingiu sua potencialidade máxima,

sobretudo, por conta de manobras políticas que desabonam propostas educacionais elencadas

a partir de pesquisas fortemente fundamentadas, entretanto, as conquistas foram muitas e de

considerável importância, tendo em vista, que o ensino de arte como disciplina obrigatória nos

dias atuais, já é uma realidade e faz parte do contexto escolar e acadêmico do povo brasileiro.

43

2.2.2 A Arte Contemporânea e a Pós-Modernidade no Ensino da Arte.

A contemporaneidade na arte configura-se como um período que transcende a

fronteira do que antes era tido como arte. Nos dias atuais a arte não possui mais a lógica que

existia no passado, o fazer artístico assumiu um conjunto de métodos e formas que fazem

parte, dentre outras, de uma cultura permeada por imagens. Outra característica importante da

Arte Contemporânea23

, diz respeito ao fato de que os artistas dessa época, costumeiramente

buscam inspiração em modelos produzidos no passado, que segundo (WILSON apud

BARBOSA 2008, p. 91) “em vez de virarem às costas a história da arte, os artistas

contemporâneos estão procurando na história da arte imagens para adequar e preencher com

novos significados”. Contudo, esses novos significados possuem íntima ligação com o

período e/ou a cultura na qual o artista está inserido. Às figuras 23 e 24 ilustram o relato do

autor, no qual, o artista norte-americano Peter Saul (1934-) “coloriza” uma versão de

Guernica de Pablo Picasso; e nas figuras 25 e 26 o artista afro-norte-americano Robert

Colescott (1925-2009) pinta outra versão do famoso quadro americano de Emanuel Leutze

(1816-68), o qual “não é apenas uma adaptação de um dos ícones americanos, mas sim, uma

declaração irônica da história dos afro-americanos e uma percepção bem humorada desse

status” (WILSON apud BARBOSA 2008, p. 91).

Figura 23 – Pablo Picasso, Guernica, 1937.

23 Neste capítulo utilizarei o termo Arte Contemporânea (iniciada com letras maiúsculas) para referir-me a arte

na atualidade e o termo Pós-moderno (iniciado com a letra maiúscula) para referir-me ao ensino da arte neste

mesmo período.

44

Figura 24 – Peter Saul, (versão da Guernica de Picasso), 1976.

Figura 25 – Emanuel Leutze, George Washington Carver Crossing in Delaware, 1851.

Figura 26 – Robert Colescott, (versão de George Washington Carver Crossing in Delaware), 1975.

45

Portanto, é dentro deste contexto que se baseia o início da reflexão da Arte

Contemporânea voltada para o ensino de arte. Segundo (WILSON apud BARBOSA 2008, p.

92), “(...) os artistas não são as únicas pessoas conscientes do passado; as crianças também

baseiam seus trabalhos na arte que as rodeia”. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos,

pelos pesquisadores Brent Wilson24

e Marjorie Wilson25

, constatou que as crianças realizam

seus trabalhos de acordo com suas próprias culturas, ou seja, de acordo com os códigos

simbólicos que as rodeiam. (WILSON apud BARBOSA 2008, p. 92) sobre o relato desta

pesquisa diz que:

(...) os desenhos de crianças de diferentes culturas têm diferentes características. Os

desenhos das crianças egípcias apresentam um ‘torço islâmico’ que raramente

aparece nos desenhos das crianças do Ocidente. Elas desenham pessoas com cabeça

de lua e perfis com dois olhos – traços que desaparecem dos desenhos das crianças

européias e americanas no início deste século (Wilson & Wilson, 1984).

O relato desta pesquisa prossegue por (WILSON apud BARBOSA 2008, p. 92-93):

As crianças japonesas, mesmo com cinco anos de idade, baseiam seus estilos de

desenho no Manga, uma enorme revista de história em quadrinhos de 400 a 900

páginas, lido a por praticamente todas as crianças japonesas. As diferenças culturais

chegam também à sintaxe. As crianças egípcias e japonesas compõem seus desenhos

de maneira bem diferente. As egípcias compõem simetricamente com uma figura

central e duas figuras laterais; as japonesas usam figuras planas, recortadas e com

ângulos de oclusão (Wilson & Wilson, 1987).

Segundo (WILSON apud BARBOSA, 2008) esta pesquisa evidencia e comprova que

as crianças se baseiam, na maioria das vezes, em “fontes gráficas” externas no momento de se

expressar por meio de imagens, o que segundo o autor, gerou certo incômodo no meio de arte-

educadores, quando foi divulgada há quase duas décadas atrás, tendo em vista que esta teoria

ameaçava a teoria da livre expressão e da criatividade espontânea das crianças. Contudo, o

autor prossegue, relatando que nos dias atuais essa ideia já conquistou aceitação, e que isto se

configura como “uma indicação de que a arte-educação, assim como o mundo da arte, possa

estar entrando na era Pós-moderna” (WILSON apud BARBOSA, 2008, p. 93). Para o autor

24

Professor-doutor em Arte-Educação da Universidade da Pensilvânia. (BARBOSA, 2008, p. 81).

25 Professora e pesquisadora da Penn State University, Pensilvânia, Estados unidos. (BARBOSA, 2008, p. 92).

46

entrar na era Pós-moderna significa que “os professores de arte no mundo inteiro terão que se

deparar com a tarefa de construir uma nova visão do ensino de arte nas escolas” (WILSON

apud BARBOSA, 2008, p. 93). Porém, como realizar tal feito? O autor explica:

Minha visão é que o novo ensino da arte deve estar centralizado no estudo de

importantes obras de arte – obras de arte que são universalmente importantes para

um país em particular, obras de arte que são importantes para uma região específica

de um país, e obras de arte que são importantes para estudantes de uma comunidade

em particular (WILSON apud BARBOSA, 2008, p. 94).

Diante do exposto, o autor prossegue com o relato e dá um importante exemplo de

como trabalhar o ensino de arte dentro de um contexto Pós-moderno e com uma visão

Contemporânea de Arte, preservando “as melhores características da expressão criativa”,

somando-a com “o estudo da história da arte e da história das ideias, e uma análise de obras

de arte importantes à luz dos cenários políticos e sociais que envolveram tais criações”

(WILSON apud BARBOSA, 2008, p. 94). Por conseguinte, a aula baseia-se em uma pintura

de Jacques-Louis David (1748-1825), A Morte de Marat (Fig. 27), que por sua vez foi

baseada em um importante acontecimento histórico ocorrido na França em 1793. Durante a

aula o professor estimula seus alunos à leitura da passagem histórica em que Marat, um

revolucionário francês, foi assassinado por uma companheira de luta, Charlotte Corday, cujos

ideais revolucionários eram compartilhados. O assassinato ocorre quando Marat mostra uma

lista contendo o nome de trezentas pessoas (homens, mulheres e crianças), cujos destinos

estavam selados pela morte, pois, de acordo com Marat, essas pessoas eram tidas como

inimigas da França e deveriam morrer. Foi então que Charlotte decidiu salvar as vidas dessas

pessoas, ceifando a vida daquele que havia decretado a sentença, cravando-lhe no peito uma

faca que tinha escondida sob o vestido. Segundo (WILSON apud BARBOSA, 2008, p. 94-

95), os alunos tiveram que “visualizar” mentalmente toda a cena histórica e depois foram

convocados a desenhar suas versões do ocorrido. É dentro deste contexto que (WILSON apud

BARBOSA 2008) relata o resultado da aula:

Os desenhos dos alunos revelaram um envolvimento intenso com o violento ato

político de 1793. Também revelaram muitas maneiras diferentes de visualizarem o

mundo. Os alunos que estão condicionados à ação da televisão e do cinema acharam

que o quadro de David era austero e possuía pouco sangue. (...) Lawrence, um dos

alunos de Mr. Organ, disse quando comparou o seu desenho com a pintura de David:

47

“O desenho que eu fiz depois de ler a história ficou diferente do quadro apresentado.

O meu deu a impressão de horror e de vida real, e o quadro de Jacques-Louis David

parece que quebrou o horror e a feiúra daquilo tudo. A banheira se parece mais com

uma cama. O meu desenho mostra o local assim como ele foi descrito, enquanto o

de David está centralizado em Marat26

”. (p. 95).

Figura 27 – Jacques-Louis David, The Death of Marat (A Morte de Marat), 1793.

Óleo sobre tela

Segundo o autor, o quadro de Jacques-Louis David só foi mostrado aos alunos após o

término de suas próprias versões. O professor agiu dessa forma propositalmente para que os

alunos não fossem influenciados por fatores pré-existentes. Possivelmente, uma das intenções

do professor fosse analisar até que ponto os fatores cognitivos pessoais influenciariam nos

resultados, tendo em vista a existência de todo um emaranhado sócio-cultural que cada

indivíduo carrega consigo individualmente. Portanto, de acordo com o modelo de ensino de

arte proposto pelo autor, vários fatores são trabalhados na cognição dos educandos, os quais

são listados abaixo pelo próprio autor:

26

Exemplo de uma aula baseada numa obra de arte importante para o mundo ocidental. Essa ilustração vem de

um livro escrito por Brent Wilson, juntamente com Al Hurwitz e Marjorie Wilson (1987) Teahcing Drawing

From Art. (Wilson apud BARBOSA, 2008, p. 94).

48

Para mim, essa é uma lição de arte ideal. Ela alia o estudo de uma obra de arte

importante a uma atividade de estúdio bem dentro da tradição da expressão criativa.

O que é mais importante é que os alunos tiveram a oportunidade de estudar uma

obra de arte importante sobre um período político significativo. E os alunos tiveram

a oportunidade de trabalhar e de recriar através de seus próprios desenhos o tema

universal da luta e do conflito político. Através da comparação de seus desenhos

com o quadro de David tiveram a oportunidade de observar como estilos, temas e

meios de expressão mudam de um período histórico para outro – Marat de David foi

representado como o Cristo Crucificado ao passo que os alunos registraram a cena

como ela seria vista nas histórias em quadrinhos ou nos noticiários noturnos de

televisão. (WILSON apud BARBOSA, 2008, p. 95)

Seguindo por esse pensamento o autor ressalta, dentre outras, a importância que o

meio exerce sobre a percepção das pessoas. Uma obra de arte produzida sobre determinado

acontecimento histórico, em outro contexto histórico, revela como essa obra de arte pôde ter

sido elaborada e/ou vista pelo espectador. O autor relata que no século XVIII quando a obra

de David foi produzida, a mesma causou grande impacto, tendo em vista que muitos

especialistas de arte naquela ocasião a acharam forte por demais, no entanto, crianças de

apenas doze anos de idade, inseridas no contexto do XXI, tiveram opinião contrária aos

contemporâneos de David. O autor destaca também, que a atividade proporcionou o estímulo

da criatividade dos alunos, “bem dentro da tradição da expressão criativa”, além de o estudo

de uma importante obra de arte sobre um importante momento histórico.

Por conseguinte, uma das propostas para o ensino de arte na Pós-modernidade, está de

acordo com um trabalhado pedagógico de forma a instigar a reflexão crítica no aluno,

abrangendo as diversas áreas do conhecimento humano, inclusive correlacionando arte e

contexto sócio-cultural. Na descrição acima, o autor defende um ensino de arte inter e

multidisciplinar, no qual, ao mesmo tempo em que o aluno aprende sobre arte, ele produz arte,

reflete sobre arte, sobre o período histórico em que a obra foi produzida, bem como, todo um

emaranhado simbólico que está imbricado no contexto da obra e no próprio contexto do

aluno, por meio, dentre outras, da bagagem sócio-cultural que cada indivíduo carrega consigo

individualmente. Segundo BARBOSA (2008a):

Hoje a aspiração dos arte/educadores é influir positivamente no desenvolvimento

cultural dos estudantes por meio do conhecimento de arte que inclui a

potencialização da recepção crítica e a produção. (...) Dentre as artes, as visuais,

tendo a imagem como matéria-prima, tornam possível a visualização de quem

somos, de onde estamos e de como sentimos. (...) A arte na educação, como

expressão pessoal e como cultura, é um importante instrumento para a identificação

cultural e o desenvolvimento individual (p. 98-99).

49

Diante do exposto, evidencia-se a opinião da autora sobre como o ensino da arte deve

ser compreendido e trabalhado na Pós-modernidade, levando-se em consideração, sobretudo,

o desenvolvimento da autonomia do indivíduo como ser social, cultural e individual. Para

uma melhor compreensão desta questão, vale relembrar que nas décadas de 1960 e 70 os

professores de Educação Artística trabalhavam o ensino da arte visando, sobretudo, o

desenvolvimento da sensibilidade27

do aluno, cujo conceito, segundo BARBOSA (2008a),

não estava claro para esses profissionais, e nas décadas de 1980 e 90 o mesmo erro de

interpretação continuou a ser cometido. BARBOSA (2008a) relata que chegou a essa

conclusão após a realização de uma pesquisa, em 2000, na qual 217 Arte/educadoras foram

consultadas:

Perguntadas sobre o que era “sensibilidade”, as professoras (...) responderam mais

frequentemente que era: “ser capaz de se emocionar”, além de outras como “ser

capaz de respeitar os outros”, “ser obediente às regras da sociedade”, “sofrer com o

sofrimento dos outros”, “ser romântico”, “exercer a cidadania” etc. Dentre as 217

arte/educadoras, só uma falou de sensibilidade como desenvolvimento dos sentidos,

a única concepção de sensibilidade que interessa ao ensino da Arte (p. 99).

Seguindo por esse pensamento, a Arte/educação Pós-moderna, ampliou o conceito de

criatividade, cuja flexibilidade e elaboração tornaram-se quesitos fundamentais. Outros

avanços na concepção do ensino de arte deram-se, por meio de diversos estudos e pesquisas

realizadas ao longo das últimas décadas por importantes pensadores brasileiros e

internacionais, preocupados em mostrar que uma educação pela arte pode abranger

consideravelmente o fator cognitivo dos estudantes, os quais, dentre outras, farão parte dos

diversos setores produtivos da nação à qual fazem parte. BARBOSA (2008a) dá um

importante exemplo de como o ensino de arte bem direcionado pode modificar situações

negativas individuais do sujeito, dentro de seu contexto social:

27 Segundo o dicionário (CEGALLA, 2005) define “sensibilidade” como: s.f. 1.capacidade para compreender ou

entender. 2 faculdade de intuir ou perceber. 3 disposição para ofender-se ou melindrar-se; suscetibilidade;

emotividade. 4 propriedade do organismo de perceber as modificações do meio esterno ou interno e de reagir a

elas. 5 capacidade de um instrumento.

50

Em Nova York, nos anos 80, uma pesquisa com delinquentes juvenis chegou à

conclusão de que tinham capacidade de elaboração muito pouco desenvolvida. A

elaboração era, dos fatores criadores, o menos desenvolvido entre os jovens em

conflito com a lei. Tinham muita dificuldade em reelaborar seu meio ambiente para

melhor adaptá-lo a seus desejos e necessidades. Essa incapacidade frequentemente

gerava violência. Envolvidos em projetos de arte, a maioria deles foi capaz de

sobrepujar suas limitações conjunturais e de reconstruir sua vida (p. 100).

Diante do exposto, evidencia-se que a convivência com a arte, além de contribuir com

a expansão dos setores da cognição humana, também pode reajustar comportamentos

conflitantes, dentre outros, relativos a questões de cunho social, por meio, sobretudo, da

elaboração. A elaboração na cognição humana se apresenta como a capacidade do ser humano

em construir e desconstruir conceitos, formular e reformular ideias e valores. Sobre este

assunto BARBOSA (2008a) esclarece:

Desconstruir para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecimento e

modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade são processos criadores

desenvolvidos pelo fazer e ver arte, e decodificadores fundamentais para a

sobrevivência no mundo cotidiano (p. 100).

Por conseguinte, outro fator importante, diz respeito à inserção da Arte

Contemporânea dentro do contexto do ensino da arte. Esta temática vem sendo tratada com

certa cautela pela maioria dos especialistas no assunto, sobretudo, pelo fato de os conceitos da

Arte Contemporânea ainda não possuírem fundamentos bem definidos. Segundo

(THISTLEWOOD apud BARBOSA 2008):

(...) o termo “contemporâneo” normalmente indica a prática corrente – a arte que

está empenhada no aqui e no agora. O limiar entre a arte “moderna” e a

“contemporânea” é mais difícil de ser estabelecido, mas o termo “contemporâneo” é

usualmente aplicado para a arte que ainda não originou opiniões assentadas. (...),

pois ainda não foi suficientemente trabalhada por críticos e teóricos (p. 115).

Portanto, da mesma forma como a Arte Contemporânea ainda não possui suas

definições “assentadas”, sobretudo, por conta da grande diversidade e pela proximidade

simultânea em termos de tempo/espaço com os acontecimentos da atualidade, o ensino Pós-

moderno de arte, ainda é tido por muitos, como um assunto de difícil reflexão também no

51

cenário educacional. Ainda dentro deste mesmo contexto, BARBOSA (2008a) expõe a

seguinte reflexão:

Não seria apropriado apresentar uma definição adequada do pós-modernismo. Mas

quero afirmar que ele não é um estilo de arte, um tipo de literatura, um modelo para

crítica, ou uma filosofia nova. Vejo o pós-modernismo mais como um estado de

espírito, um zeitgest, como um conjunto de atitudes com relação à arte, criação

artística e objetivos da arte (e por conseguinte, objetivos da educação artística). (p.

91)

Seguindo por esse pensamento, constata-se que as dificuldades encontradas em

trabalhar a Arte Contemporânea no cenário escolar baseiam-se, sobretudo, pelo fato de os

conceitos e definições sobre este assunto, ainda ser considerado como uma incógnita,

entretanto, em (THISTLEWOOD apud BARBOSA 2008) há uma sugestão educacional sobre

este assunto:

Acho pertinente sugerir que os estudantes têm direito ao acesso à arte

“contemporânea” através de suas práticas. O perigo está, neste caso, na simples

imitação. A imitação não é propriamente mal recebida desde que a arte-educação

esteja baseada nos princípios do naturalismo pós-renascentista, já que para a sua

simples imitação faz-se necessária a aquisição de habilidades que podem ser

avaliadas como evidências de aprendizado. Mas a simples imitação das técnicas –

mais exatamente a carência de técnica e a subseqüente perda da “naturalidade”

(artiessness) – de algumas das expressões contemporâneas é considerada

improdutiva pelo critério educativo normal. Deste modo, o que estou sugerindo é um

meio de ensinar arte “contemporânea” produtivamente, baseando-se nos conceitos

de construção (de uma experiência prática de arte “contemporânea”), de des-

construção do anterior (para acomodar critérios pessoais) e da constante re-

construção dos conceitos estéticos resultantes (p. 114).

De acordo com esse pensamento, entra em voga novamente a questão da elaboração

tratada por BARBOSA (2008a) em parágrafo anterior. Essa elaboração dentro do contexto da

Arte Pós-moderna pode ser trabalhada, segundo o autor, por meio do estudo do passado, ou

seja, utilizar referências artísticas de outras épocas e/ou de outras culturas, desconstruindo-as

por meio do fazer, produzir arte, para reconstruir novamente, é neste sentido que o autor trata

da questão da cópia, tendo em vista a releitura da obra proposta para essa atividade. É dentro

deste contexto que (THISTLEWOOD apud BARBOSA 2008) relata a experiência vivida:

52

(...) eu convidei os estudantes a construírem suas apreciações a partir de

exemplos particulares à arte brasileira do século XX, selecionados da coleção do

Museu de Arte Contemporânea (MAC) e embasados em informações sobre os

movimentos euro-americanos. Todas as respostas incorporaram reinterpretações, por

exemplo, “re-construindo” conceitos estéticos brasileiros como expressões do

Futurismo, Construtivismo, Surrealismo ou Expressionismo Abstrato. Mas muitas

respostas manifestaram outros aspectos. A Soma de Nossos Dias, de Maria Martins,

foi literalmente des-construída com a criação de uma “não-estrutura” equivalente;

Natureza Morta, de Aldo Bonadei foi des-construída por uma vasta explosão de

escala; (...) as Três Graças, de Victor Brecheret foi reconstruída dentro da estética

futurista, e neste processo, os ritmos industrial/mecânico do Futurismo foram

também re-construídos como samba. (...) Todas essas conseqüências não foram

previstas, e eu as apresento como evidência no suporte a uma hipótese de trabalho. É

significativo para mim o fato de que elas foram “repostas densas” ao invés de

simplesmente “arte-intríseca”. Uma das definições do pós-modernismo é que ele

está repleto de “produtos” deste gênero. Nenhum de meus alunos estava consciente a

respeito de um compromisso de “vanguarda”, mas expressões de vanguarda, foi o

que muitos deles produziram (p. 124-125).

Diante do exposto, percebe-se a valoração e/ou a preocupação por parte dos

pesquisadores, no que tange os assuntos referentes ao envolvimento entre arte e cultura na

atualidade. Essa relação tornou-se mais evidente nos contextos contemporâneos, tendo em

vista que quanto mais as sociedades evoluem econômica e tecnologicamente, mas o fator

criativo nos artistas é influenciado pelo meio. Segundo OSINSKI (2001):

Os reflexos da pós-modernidade na arte, com a valoração da história, a utilização

deliberada do patrimônio cultural como subsídio da produção artística e a

apropriação assumida de imagens pelos artistas também reforçam a necessidade de

uma revisão da filosofia do ensino da arte. A noção de criatividade, até então

entendida como um mistério espontâneo, passou, então a admitir, em seu cerne, a

carga cultural que sempre lhe foi inerente. (p. 103).

Por conseguinte, entra em cena a compreensão de que o fator criatividade não é algo

inerente apenas à espontaneidade, mas também, é um componente fruidor da cultura e recebe

ampla influência da mesma. Portanto, é neste contexto que o ensino de arte vem se baseando

nas últimas décadas, pelo menos, é neste contexto que muitos autores vêm embasando suas

pesquisas, em busca de uma compreensão mais elucidativa de questões como a criatividade,

por exemplo, para serem utilizadas no ensino de arte.

Portanto, a Arte Contemporânea no limiar da falta de definições contundentes, busca,

por meio de hipóteses e/ou possibilidades, encontrar os caminhos para um ensino de arte que

possibilite os melhores resultados possíveis, visando, dentre outras, proporcionar ao público

53

alvo uma aprendizagem condizente com os preceitos de uma educação Pós-moderna, cuja

compreensão primordial está pautada no desenvolvimento de habilidades críticas e reflexivas,

por meio, sobretudo, do exercício de interpretação de obras de arte e da observação dos

comportamentos culturais. Muitos pesquisadores e estudiosos do assunto colocam a questão

da interpretação como fator preponderante para a acomodação de novos conceitos. É o

desenvolvimento da capacidade de “elaboração”, citada por BARBOSA (2008a), fazendo o

seu papel de construção, desconstrução e reconstrução.

54

Considerações Finais

A História da Arte comprova que a arte está em constante movimento, e que a mesma

modifica-se intimamente influenciada pela evolução da humanidade. Nos dois últimos séculos

(XIX e XX) essas modificações ocorreram de forma mais acelerada, sobretudo, porque a

Revolução Industrial trouxe consigo a modernização do mundo, o que acarretou, dentre

outras, na disseminação de culturas pautadas numa economia de forte consumo. Além do

mais, o fortalecimento dos setores industriais, a produção em grande escala, e a criação de

mecanismos tecnológicos, atingiram de cheio a maneira de as pessoas verem e sentirem a

vida, bem como, a maneira de verem e sentirem a arte. Os artistas, considerados por muitos,

como a parte mais sensível no rol das populações, foram os primeiros a sentir de fato os

efeitos da modernização e a expressar esses efeitos em seus trabalhos artísticos.

O hibridismo na arte começou a assumir lugar de destaque a partir do momento que se

estabeleceu processo de rompimento com os padrões seculares. Para muitos autores e

estudiosos do assunto, o impressionismo, surgido na segunda metade do século XIX, foi o

marco para o início da mudança, de lá para cá as concepções artísticas foram cada vez mais se

expandindo e tornando-se complexas, a cada nova novidade um novo desafio se fazia

presente. A regra da vez era inovar, diversificar, fugir o máximo possível de tudo que já havia

sido feito antes, assim foi durante o modernismo que perdurou por quase todo o século XX.

A partir da década de 1980, a profusão de linguagens, formas, estilos e métodos,

expandiram-se de forma nunca vista, contudo, ao contrário do que ocorreu no modernismo a

Arte Contemporânea não possui qualquer desejo de libertação com a arte do passado, na

verdade, os artistas contemporâneos utilizam a arte do passado como aliada e fonte de

inspiração para suas produções artísticas. É o hibridismo consolidando-se, por meio da

diversidade. Além do mais, a arte não é mais privilégio da elite, muito menos dos ambientes

especializados como museus e galerias, tendo em vista que a arte, também, está nas ruas e faz

parte do cotidiano das pessoas, seja nos meios públicos, como as esculturas espalhadas pelos

quatro cantos dos centros urbanos, seja pelas arquiteturas dos imóveis, seja pelas

manifestações populares do grafite e do artesanato, seja por meio da mídia, etc. A arte popular

ganhou o privilégio de ser respeitada e tratada como expressão artística. A arte ultrapassou a

barreira da regra, até mesmo a regra do modernismo, que se consolidou por romper regras.

Foi dentro deste contexto que os artistas descobriram o que havia para além da arte: uma

infinidade de possibilidades que merecia e/ou deveria ser explorada. Vale ressaltar, que o

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avanço acelerado das tecnologias nestas últimas três décadas, possibilitaram uma

diversificação maior nos processos criativos.

Neste final de século XX e início de século XXI, a arte não é mais dividida ou

separada por Movimentos, como ocorria no passado, tendo em vista a grande diversidade

existente na atualidade. Entretanto, as características da arte atual, possivelmente, poderão ser

melhores analisadas e identificadas no futuro e, talvez, a partir daí, surjam às separações por

Movimentos.

Entretanto, enquanto as definições e os conceitos da Arte Contemporânea, ou Arte de

Vanguarda, ou Arte Pós-moderna (as denominações dependem muito de como cada

pesquisador e/ou especialista trata do assunto na atualidade) não se consolidam, os estudos e

as observações restringem-se ao campo das hipóteses. É assim que a maioria dos especialistas

em educação vem tratando na atualidade a questão do ensino de Arte Contemporânea no

cenário do ensino básico e acadêmico. Muitos desses especialistas concordam em um ponto

fundamental, o qual, pode se configurar como ponto de partida para o estudo da Arte

Contemporânea, cujo embasamento está pautado na observação e interpretação da Obra de

Arte, bem como na análise dos contextos sócio-culturais, tanto o contexto da obra

observada/analisada quanto o contexto do observador.

Portanto, ensinar Arte Contemporânea no cenário escolar ainda é um desafio, tendo

em vista a complexidade do problema, sobretudo, por conta das configurações híbridas da

Arte na atualidade, e pela falta de conceitos contundentes que proporcionem um

direcionamento mais efetivo, porém é um desafio possível, como vimos nos relatos dos

autores supracitados, alguns deles já levantam essa possibilidade, oferecendo exemplos

metodológicos como vimos no capítulo anterior.

56

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