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Arte da Navegação e Conquista Européia do Nordeste do Brasil (Capitanias de Pernambuco e Itamaracá nos Séculos XVI e XVII) Guilherme de Souza Medeiros Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco para a obtenção do grau de mestre, orientada pelo Professor Doutor Marcus Joaquim Maciel de Carvalho. Recife 2001

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Arte da Navegação e Conquista Européia do Nordeste do Brasil

(Capitanias de Pernambuco e Itamaracá nos Séculos XVI e XVII)

Guilherme de Souza Medeiros

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco para a obtenção do grau de mestre, orientada pelo Professor Doutor Marcus Joaquim Maciel de Carvalho.

Recife 2001

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SUMÁRIO Resumo

Agradecimentos

Apresentação

Introdução............................................................................................................ 08

Capítulo I Desenvolvimento da Arte da Navegação e Reconhecimento do Oceano Atlântico.............................................................. 14

• No Velho Mundo 1. Conhecimentos Náuticos Portugueses..................................................17

• No Mar 2. Descobrindo o Oceano......................................................................... 33

Capítulo 2 A Conquista do Litoral Brasileiro.....................................................................43

1. Mapeamento do Litoral Brasileiro: Rotas Oceânicas e Paragens Marítimas............................................................................ 45

2. Expedição Exploradora de 1501......................................................... 51 3. Primeira Associação entre a Coroa e Particulares:

Arrendamento da Exploração do Brasil (1502).................................. 54 4. Trinta Primeiros Anos: os europeus conhecem o Brasil.....................56 5. Novas Associações entre a Coroa e Particulares:

Criação das Capitanias........................................................................65 MAPAS

Capítulo 3 Portos, Barras e Ancoradouros no Nordeste do Brasil: Do Rio São Francisco à Baía da Traição.......................................................... 72

• Nas Capitanias de Pernambuco e Itamaracá 1. Caracterização Geográfica do Litoral Nordestino................................ 75 2. Descrições e Ocupações....................................................................... 86 3. Relações de Portos e Ancoradouros..................................................... 92

Considerações Finais..........................................................................................105

Bibliografia.........................................................................................................109

Contatos com o Autor.........................................................................................114

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Resumo Este trabalho tem como objetivo analisar o desenvolvimento da arte da navegação, praticada

pelos europeus desde o século XV, como ferramenta de implementação da expansão colonial européia.

Podemos dizer que, ao mesmo tempo em que era impulsionadora, a navegação era impulsionada pelo

alargamento do mundo conhecido.

Com os êxitos portugueses através da costa e ilhas atlânticas africanas, culminando com a

chegada à Índia; bem como com o êxito de Cristóvão Colombo, atingindo terras ao navegar para o

Ocidente, tudo isso ainda nos finais do século XV, vemos a partir do início do século XVI a

“construção” do Novo Mundo, representada pela tentativa de incluir aquele novo e vasto universo no

mundo conhecido pelos europeus. Se as idéias iam sendo construídas pouco a pouco, a economia e a

política integraram rapidamente o novo continente à ordem mundial, pois a exploração de fauna, flora e

população data desde os primeiros contatos. Assim, em meados do século XVI, menos de sessenta anos

depois de chegar ao novo continente, a Europa já o tinha integrado à geopolítica e à sua economia,

tornando-o em “paraíso” para os que colonizavam e “inferno” para os colonizados.

O conhecimento do mundo era cada vez mais complexo. Com as viagens no Atlântico Sul,

novas estrelas foram incluídas nos compêndios de astronomia. A navegação que um século antes

permitia quase que exclusivamente navegar às vistas da terra, agora era dotada de conhecimentos

astronômicos, fazendo com que os navios se localizassem em pleno alto-mar, mantendo seu curso.

Apesar de tudo, os naufrágios ainda eram freqüentes, pois as embarcações ainda eram precárias, e eram

aperfeiçoadas gradualmente. Todo esse desenvolvimento da navegação teve que ser adaptado ao contato

com os novos litorais. Escrivães, a bordo das esquadras, anotavam tudo que pudesse ser observado sobre

estas terras. Em seus escritórios, os cartógrafos transpunham os dados dos pilotos, capitães e escrivães,

para suas cartas e mapas, para que as novas partes da Terra passassem a fazer parte do mundo

conhecido. Tinham que localizar os acidentes geográficos, os locais onde se poderia aportar e descer em

terra. Onde se poderia encontrar água para abastecer as frotas e armadas. Pouco a pouco se conhece os

regimes de ventos e os regimes de correntes marinhas no lado ocidental do oceano. Essas informações

eram fundamentais para a navegação.

No final, vêm à tona aquelas informações tão caras aos primeiros exploradores destas áreas,

quase esquecidas no tempo, pois fica fácil passar por cima de detalhes ao se contar a história desde o

prisma do vencedor. As informações sobre o meio físico do litoral nordestino foram levantadas a peso de

ouro, para não dizer a peso de vidas humanas, nos inícios do processo exploratório. No entanto ao

olharmos para trás, nos dias atuais, parece um período de facilidades, iludidos que somos pelo véu do

sucesso português de conhecer e ocupar esta parte do mundo. As entrelinhas do processo ainda

estão presentes materialmente, concretamente, por estas terras. As praias, as enseadas, os deltas fluviais,

os próprios rios, ainda estão presentes aqui, esperando que se olhe para eles com olhos inquiridores,

perguntando a si mesmos, de que histórias foi palco aquele lugar.

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Agradecimentos

A tarefa de agradecer em particular a todos quanto, direta ou indiretamente,

contribuíram para a realização deste trabalho resultaria na elaboração de não singela lista de

nomes. Os anos de trabalho no curso de mestrado representaram um caminhada na qual o

convívio com mestres e amigos alicerçaram muitas e importantes bases para o exercício

profissional, bem como enriqueceram o aprendizado pessoal na vivência do cotidiano.

Meus agradecimentos a todos que atuaram como importantes instrumentos na construção

do conhecimento.

Apresento meu particular agradecimento ao meu orientador, o Professor Doutor

Marcus Carvalho, pela dedicação profissional, pelo estímulo e confiança em mim

depositados no decorrer da construção deste trabalho.

Aos professores doutores Marcos Albuquerque e Veléda Lucena, que juntamente

com a equipe de estagiários e funcionários do Laboratório de Arqueologia da UFPE, viram

nascer e incentivaram o interesse em desenvolver este trabalho.

Às funcionárias da secretaria da Pós-Graduação em História, Luciane, Christhianni

e Marli, pelo empenho no atendimento, sempre que foi necessário tratar dos assuntos

burocráticos inerentes à vida acadêmica.

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Agradeço, de maneira muito especial, a Damiana Crivellare pelo apoio,

compreensão, cumplicidade e companheirismo, sem os quais a transposição dos obstáculos

cotidianos teria sido tarefa muito mais árdua.

Agradeço de maneira muito particular a dedicação do irmão e grande amigo Rogério

Medeiros, incansável companheiro de revisões e debates acalorados noites a dentro, e que

muito contribuiu para o êxito desta etapa de vida.

Um agradecimento, também muito especial, a toda a minha família, pais, irmãos e

cunhadas, bem como a toda família Crivellare Gomes, pelo apoio, compreensão e confiança

que em mim depositaram.

Enfim, reparto com todos a felicidade de ter cumprido mais uma etapa na escola da

vida.

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Apresentação

Este trabalho, uma dissertação para obtenção do grau de mestre, pretende analisar

alguns aspectos do desenvolvimento da arte da navegação e sua influência no processo de

ocupação do Novo Mundo, e em específico, das áreas das capitanias de Pernambuco e

Itamaracá, nos séculos XVI e XVII.

A idéia de tratar a respeito do tema surgiu ainda durante o curso de bacharelado,

quando estava ligado às atividades de pesquisa no Laboratório de Arqueologia da

Universidade Federal de Pernambuco. Por ocasião dos trabalhos arqueológicos, nos foi

dada a oportunidade de perceber várias lacunas no tocante ao conhecimento, tanto

historiográfico quanto arqueológico, a respeito dos períodos iniciais da colonização

européia no Brasil.

No decorrer do desenvolvimento de alguns projetos de pesquisa, vinculados ao

Laboratório de Arqueologia e outros órgãos, como o Ministério da Cultura, CNPq e Facepe,

passamos a abordar o assunto pelo prisma arqueológico, da localização de unidades

funcionais coloniais e posterior intervenção arqueológica.

O trato com a documentação histórica, aguçou o interesse em desenvolver um

trabalho que tratasse a respeito do processo de adaptação dos europeus, ao meio físico

litorâneo do Nordeste do Brasil, na tentativa de interpretar as ações desenvolvidas pelos

primeiros exploradores, diante dos novos problemas que surgiram a partir do contato com

áreas e povos até então desconhecidos.

Os primeiros conhecimentos foram sistematizados no trabalho final do curso de

bacharelado, através da monografia intitulada Cruzando o Mar Tenebroso, sob orientação

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dos professores doutores Marcos Albuquerque e Veléda Lucena (1998). Sentindo a

necessidade de prosseguir com as inquirições a respeito daquelas adaptações coloniais,

construímos o projeto de dissertação apresentado ao Programa de Pós Graduação da

Universidade Federal de Pernambuco, por ocasião da seleção ao curso de mestrado.

Esta nova etapa do trabalhamento do tema, foi desenvolvido a partir de fontes

históricas primárias impressas, uma vez que os relatos dos cronistas e navegadores do

período tratado, assim como outros importantes documentos coloniais, como relações e

descrições da América Portuguesa, encontram-se impressos. Por outro lado, estes

documentos têm ainda muitas faces a serem desvendadas, novas perguntas devem ser feitas

antes que se considerem esgotados. Para nos debruçarmos sobre estes documentos

utilizamos fontes históricas secundárias, produzidas por aqueles que documentaram, ao

longo do tempo, análises, impressões e opiniões a respeito do período tratado, o que nos é

de muita valia, permitindo balizar o empenho de acrescentar algo ao que já foi feito.

Por fim, procuramos levantar novas possibilidades de identificação de problemas a

respeito do período colonial brasileiro, através da análise da interação do ser humano com o

meio, como relação capaz de produzir elementos importantes para a construção histórica

da sociedade brasileira.

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Introdução

O estudo dos mares e oceanos, e das ligações intercontinentais que se fazem através

deles, recebeu um grande impulso a partir da década de 1950, através da obra de Fernand

Braudel, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II, que inaugurou

esta vertente de estudos na escola francesa, desencadeando o interesse por estudos análogos

sobre o Atlântico.

Foi, provavelmente, seguindo este impulso que Pierre e Huguette Chaunu

publicaram o trabalho sobre os espanhóis no Atlântico, intitulado Sevilha e o Atlântico

(1504 – 1650), e também Frédéric Mauro, que publicou um estudo sobre as navegações

portuguesas, sob o título Portugal, o Brasil e o Atlântico.

Estava aberto, portanto, esse ensejo histórico, somando-se à vasta historiografia dos

descobrimentos europeus e da expansão européia dos XV e XVI. No entanto, o estudo da

importância do desenvolvimento da navegação para a implantação do sistema colonial

português no Brasil está, ainda hoje, necessitando de maior atenção.

No ano que passou - que foi marcado pelas celebrações dos quinhentos anos do

descobrimento do Brasil pelos europeus – pudemos encontrar uma grande quantidade de

publicações a respeito deste fato, em grande parte reedição de documentos antigos sobre

esta fase, mas também alguns estudos recentes sobre a expansão portuguesa. Na realidade,

desde 1992, com as celebrações dos quinhentos anos da travessia de Cristóvão Colombo,

contamos com publicações deste tipo.

Entretanto, voltamos a salientar, os estudos sobre as conquistas da navegação e sua

importância para o processo colonizador, não estavam significativamente representados

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entre essas publicações. Entre as edições de documentos antigos que foram reimpressos,

encontramos as Cartas de Duarte Coelho a El-Rei, edição organizada por José Antônio

Gonsalves de Mello e Cleonice Xavier de Albuquerque, em 1997. A História Trágico-

Marítima, organizada por Bernardo Gomes de Brito, e que consiste em uma compilação de

vários relatos de naufrágios de embarcações portuguesas que faziam as ligações com a

América, Ásia e África, em 1998. Os relatos do alemão Hans Staden, que veio aventurar-se

no Brasil na primeira metade do século XVI, obra reeditada em rica edição, em 1999.

Outras reedições importantes foram do Tratado Descritivo do Brasil de 1587, de Gabriel

Soares de Sousa, em 2000; os Diálogos das Grandezas do Brasil, também em 2000. E

outros que, ainda agora, chegam às livrarias, impulsionados pelo interesse de novos

leitores, estudiosos ou não, sobre o assunto de nossa história colonial, suscitado pelas

celebrações do descobrimento. Essa grande quantidade de publicações é salutar, pois nutre

a demanda por mais informações sobre nosso passado mais remoto, e põe novamente à

disposição documentos que já estavam quase inacessíveis nas coleções de referência das

poucas bibliotecas que os possuíam.

Os estudos mais recentes publicados sobre o período, foram mais voltados para

aspectos mentais, comportamentais ou mesmo espirituais, decorrentes dos contatos

interétnicos desencadeados pelo movimento da expansão européia dos quinhentos.

É interessante notar que, em alguns estudos publicados recentemente, dentro das

comemorações dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil, encontramos alguns que

reproduzem conceitos, sedimentados desde o século XIX, a respeito do período formativo

da sociedade brasileira. Entre eles, encontramos a “tese” do abandono do Brasil por parte

de Portugal, ao longo dos primeiros trinta anos da colonização. Este conceito, a nosso ver,

deixa de ter sentido se nos debruçarmos sobre a documentação relativa ao período, e teria

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sido uma ótima surpresa se este conceito tivesse sido contestado durante o período das

comemorações do descobrimento. No entanto, como não encontramos nenhuma publicação

tratando deste assunto, levantamos esta discussão, no capítulo 2, tentando demonstrar a

fragilidade desta “tese”.

Assim, pensamos que o montante da produção historiográfica, tanto brasileira - com

Fernandes Gama, Pereira da Costa, Aires de Casal e Varnhagen, acrescidos pelos estudos

de José Antônio Gonsalves de Mello, Marcos Albuquerque e Veléda Lucena, Leyla

Perrone-Moisés e Rustom Lemos de Barros – quanto de grandes estudiosos portugueses das

navegações européias – como Sousa Viterbo, Carlos Malheiro Dias, Jaime Cortesão,

Fontoura da Costa, Duarte Leite, Armando Cortesão, Luís de Albuquerque, acrescidos

pelos estudos de Jorge Couto, António Silva Ribeiro, António Vasconcelos Saldanha -, e

ainda, dos franceses - como Pierre e Huguette Chaunu, Frédéric Mauro e Guy Martiniére,

acrescidos dos estudos de Laurent Vidal – necessita ser ainda discutida, para que haja uma

maior dinâmica no sentido de ampliar a compreensão do período inicial da fixação européia

no Brasil. Esta produção tem de cumprir o papel de fomentar novas discussões, de lançar

novos olhares sobre o período.

A busca de respostas, através de novas perguntas, nos levou a revisitar a seguinte

documentação primária, toda ela em estado impresso: os relatos de cronistas quinhentistas,

como os de Jean de Léry, e Hans Staden, que trazem importantes informações a respeito da

travessia oceânica no período tratado; as cartas de doação do rei D. João III aos donatários

de Pernambuco e Itamaracá.; Ainda, o importante Tratado Descritivo do Brasil de 1587, de

Gabriel Soares de Sousa; e o Livro que dá Razão do Estado do Brasil, de 1612, de Diogo

de Campos Moreno. Além destes documentos textuais, lançamos mão de dois mapas do

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século XVI, quais sejam, o Planisfério de Cantino, de 1502, e a carta de Lopo Homem-

Reinéis, da costa do Brasil, de 1519.

Procuramos nos ater a alguns aspectos da expansão européia, nos séculos XVI e

XVII, talvez pouco discutidos no Brasil, como é o caso dos aspectos técnicos relacionados

ao desenvolvimento da Arte da Navegação, que permitiu a conquista do Atlântico e levou

os europeus aos pontos mais distantes do globo, propiciando inclusive, a primeira viagem

de circunavegação, pela expedição de Fernão de Magalhães, ainda nos primórdios do

século XVI. Essa “tecnologia de ponta” da época possibilitou o conhecimento do planeta,

apesar das várias conseqüências duvidosas, que se seguiram, quanto ao custo/benefício das

relações decorrentes deste processo de contato entre os povos.

No primeiro capítulo, abordaremos o desenvolvimento da navegação desde os finais

do século XV, com o gradual aprendizado proporcionado pela conquista das ilhas atlânticas

e da costa africana, num esforço que conjugou vários aspectos distintos, mas que logrou o

êxito almejado depois de levar os portugueses tanto à Índia quanto ao Brasil.

No segundo capítulo, procuraremos mostrar como as técnicas e os procedimentos,

desenvolvidos por mais de um século pelos navegadores ibéricos, foram aplicados no

esforço de conquista do espaço brasileiro. Percebemos que algumas diretrizes foram

tomadas desde os primeiros contatos com as terras ocidentais, mas que, dada a aceleração

da dinâmica da navegação atlântica, já nos primeiros anos dos quinhentos, houve a

necessidade, por parte dos portugueses, de alterar o curso que estava sendo impresso ao

processo colonial. A dinâmica da concorrência de outros estados europeus pelo domínio da

América Portuguesa, persiste desde a primeira década dos quinhentos, até a primeira

metade do século XVII, quando finalmente Portugal tem assegurada sua posse desta parte

do mundo.

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No terceiro capítulo, procuraremos sistematizar uma série de informações a respeito

da aplicação dos avanços da arte de navegar ao litoral nordestino, mais especificamente aos

litorais das capitanias de Pernambuco e Itamaracá. Esta sistematização tenta dar as

dimensões, através de informações geográficas e hidrográficas, do grau de adaptação que

deverá ter sido necessário, por parte dos colonizadores, no processo de ocupação. Portanto,

procuraremos informar sobre a malha hidrográfica que compõe esta área, bem como

descrever os portos e ancoradouros utilizados desde os primeiros momentos da colonização.

São informações que complementam, em escala local, as informações sobre a navegação

transoceânica, exposta nos capítulos anteriores.

Por outro lado, a seqüência do texto procurará refazer a trajetória dos antigos

navegadores, partindo do Velho Mundo, atravessando a grandeza oceânica do Atlântico, até

chegar às praias e enseadas do Nordeste oriental brasileiro, como se estivéssemos

visualizando o planeta de fora dele, e apurássemos nossas lentes em progressivo zoom,

começando por abarcar todo o hemisfério ocidental, até conseguirmos enxergar a pequena

célula que representou Pernambuco e Itamaracá no vasto império colonial português dos

séculos XVI e XVII.

Por fim, passadas as celebrações dos quinhentos anos do descobrimento, esperamos

contribuir, ainda com o episódio das navegações, para ampliar um pouco a compreensão do

período formativo da sociedade brasileira.

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The period [fifteenth century], especially the earlier half of it, is commonly called the Age of Discovery, and with reason. Geographical exploration, however, is only one of many kinds of discovery. The age saw not only the most rapid extension of geographical knowledge in the whole of European history; is saw also the first major victories of empirical inquiry over authority, the beginnings of that close association of pure science, technology, and everyday work which is no essential characteristic of the modern western world.

J. H. Parry

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Capítulo 1

Desenvolvimento da Arte da Navegação e Reconhecimento do Oceano Atlântico

NO VELHO MUNDO

1. Conhecimentos Náuticos Portugueses NO MAR

2. Descobrindo o Oceano

O esforço no sentido de compreender o movimento da expansão dos povos europeus

desde o século XV, ao qual estão ligados os processos subseqüentes de conquista da África,

América, Ásia e Oceania, deve vir acompanhado do estudo de suas raízes.

A expansão européia do início da Idade Moderna está inscrita em uma dinâmica de

amplas e variadas raízes, ocupando seu lugar na história da Humanidade por responder a

uma necessidade definida por conjunturas políticas, econômicas e intelectuais.

Está fundada em meios que são antes de tudo econômicos, mas entre esses meios

não podemos esquecer a experiência acumulada por incontáveis gerações de indivíduos que

buscaram e encontraram; outros que fracassaram, que tomaram caminhos errados, que

naufragaram. Seria como dizer que o risco das conquistas esteve acompanhado de idéias

que eram aceitas, muitas vezes ilusórias, e a herança dessas aventuras só aparece na história

quando os seus frutos fazem jus às hipóteses levantadas por seus protagonistas.

Abrir el relato con la aventura coronada por el éxito de los Colón, los Gama y los Magallanes hubiera sido dar a el descubridor de una isla, de un cabo o de un paso un papel excesivo en relación com la tradición que lo llevó hasta su descubrimiento.1

1 FAVIER, Jean. Los Grandes Descubrimientos: de Alejandro a Magallanes. México: Fondo de Cultura Económica, 1995, pág. 8.

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A “tradição” de que nos fala Jean Favier, está no contexto das experiências

acumuladas, como mencionado acima, através de gerações que foram acrescendo novas

informações, forjando novos conhecimentos através da tentativa e erro, ou êxito!. Após

vários séculos de conhecimentos acumulados sobre o meio físico do Mediterrâneo, houve a

constatação empírica de que esses conhecimentos milenares não eram suficientes para

transpor a barreira que representava o Atlântico, inaugurando-se um novo período de

aprendizado, onde ao empirismo das tentativas e erros foi associado todo o aparato técnico

disponível naquele momento, com o concurso dos maiores “cientistas” da época.

Por outro lado, falar em “descobrimentos” ou “grandes descobrimentos” significa

tomar partido por uma visão desses processos que privilegia um espaço e uma mentalidade

diante da dinâmica histórica dos acontecimentos. Relativizando essas expressões, podemos

dizer que o que ocorreu foi o “descobrimento do mundo” para a Europa, pois nem na

África, nem na Ásia, e tampouco na América, os povos estavam a espera dos navegantes

europeus para existir.

O etnocentrismo que marcou a fogo a expansão européia era um sentimento inevitável na época, e ainda está longe de ser erradicado. Chauvinismos despropositados têm querido fazer crer que a expansão ibérica – e só essa – foi responsável pelos excessos que originaram a leyenda negra. Portugueses, castelha nos, as diversas nações itálicas, cantábricos, aragoneses, entre outros foram os mais atingidos por essa má fama por terem sido a vanguarda da expansão européia, os pioneiros de um processo cosmopolita que envolveu toda a cristandade – essa entidade que só no século XVII começou a se chamar Europa – e também por causa de suas idiossincrasias culturais. Mas, sobretudo, porque foram vítimas de seu pioneirismo... O que teria acontecido, que História contaríamos, se franceses, holandeses e ingleses tivessem chegado primeiro aos novos mundos?2

2 PINTO, João Rocha. “Imagem e Conhecimento da África” in Lisboa Ultramarina: 1415 - 1580: a invenção do mundo pelos navegadores portugueses. Organizado por Michel Chandeigne. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, pág. 107.

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Para buscarmos um melhor entendimento dos processos, teremos que recuar um

pouco mais no tempo, para ensejarmos a compreensão de alguns aspectos presentes nas

transformações pelas quais passou a Europa durante o longo processo que levou aos

grandes empreendimentos marítimos.

Estas transformações processavam-se em vários níveis - ideológico, tecnológico,

econômico, político e social - ocorrendo de forma heterogênea nas várias partes do

continente europeu, a partir dos fina is da Idade Média, levando impulsos distintos às suas

diferentes regiões.

No século XV, com as portas do Oriente cerradas, os portos mediterrâneos e a Liga

Hanseática3 perdem parte de sua influência. Os estados atlânticos adquirem,

paulatinamente, proeminência comercial.

Então, com seus portos voltados para o Atlântico e com uma estrutura política capaz

de bancar tamanha ousadia, Portugal lança-se pelas costas da África em busca da rota para

o rico Oriente: as Índias. É um sinal dos tempos, pois em Portugal o poder real está

firmemente alicerçado na aliança com a burguesia e, como tal, une cada vez mais os

interesses mercantis com o fervor religioso. Enquanto isto, os reinos cristãos que viriam a

formar a atual Espanha estão em guerra contra o reino islâmico de Granada 4 até 1492.

Em 1415 com a conquista de Ceuta pelos portugueses, está aberto o ciclo de

navegações e conquistas que transformaria a face do globo nos séculos seguintes. A

importância desta conquista pode ser atestada por Paul Teyssier, como segue:

3 Corporação mercantil dos estados germânicos, que comercializavam as mercadorias orientais através dos portos interiores (fluviais) do centro-norte europeu e dos portos dos mares do Norte e Báltico. As mercadorias orientais eram-lhe fornecidas pelos comerciantes venezianos e genoveses. 4 Último enclave muçulmano na Península Ibérica.

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A 21 de agosto de 1415, D. João I, rei de Portugal, à frente de uma poderosa esquadra, apodera-se de Ceuta, cidade marroquina situada na margem sul do estreito de Gibraltar. Essa conquista dá início, na história portuguesa, ao período das navegações e dos descobrimentos. Atravessando o estreito para tomar Ceuta, esse monarca começa uma expansão que, em pouco mais de um século, levará navegadores, comerciantes, administradores e missionários portugueses através de imensas extensões do globo.5

No decorrer do próprio século XV será completada a volta ao continente africano,

com portugueses chegando primeiro à Índia, em 1498, e à China, em 1513. Em 1492 o

almirante Colombo, a serviço da Espanha, dava a notícia do que viria a ser chamado pelos

europeus de Novo Mundo.

Já no início do século XVI outras nações européias começam a investir na

navegação, com o intuito de conquistar e colonizar. No entanto é a partir do século XV que

o mundo transforma-se cada vez mais rapidamente, pois assim como a Europa, os povos

contatados a partir de então nunca mais seriam os mesmos.

NO VELHO MUNDO 1. Os Conhecimentos Náuticos Portugueses Ao observarmos, mesmo que de maneira pouco profunda, o século XV, percebemos

a diversidade de elementos que contribuíram para que a obra das “grandes descobertas”

fosse uma conquista européia, e ibérica em particular.

O sonho de colocar homens a bordo de frágeis embarcações, rumo às águas desconhecidas do “tenebroso”, resultou de contínua aprendizagem e experiência. 6

5 TEYSSIER, Paul. “O Século Glorioso” in Lisboa Ultramarina: 1415 - 1580: a invenção do mundo pelos navegadores portugueses. Organizado por Michel Chandeigne. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, pág. 13. 6 BARROS, Rustom Lemos de. Embarcações e Frotas Portuguesas: atuação no Nordeste do Brasil até 1712. Recife: Programa de Pós-Graduação em História da UFPE, Dissertação de Mestrado, 1982, pág. 05.

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As águas do Mediterrâneo não ofereciam maiores perigos naturais aos navegadores,

haja vista que o conhecimento de seu meio físico foi alcançado desde a antiguidade. No

entanto, a falta de conhecimento análogo a respeito do Atlântico o tornava quase

instransponível, para as técnicas e equipamentos empregados na navegação mediterrânea.

Para que condições similares de conhecimentos e certezas existissem na “grandeza

oceânica” do Atlântico, fazia-se mister desvendar os “segredos” a ele inerentes, tais como

nos assinala Rustom Lemos:

O regime dos ventos em cada estação do ano, a descoberta de suas correntes marítimas, os indispensáveis cálculos das distâncias, o sistema de orientação e das horas noturnas e outros avanços, constituíram exigências que os ibéricos tiveram que cumprir para navegarem com relativa segurança e, através dele, obterem fabulosos lucros com o comércio transoceânico.7

Mas também inúmeras experiências foram frustradas na tentativa de navegar em

mar aberto, desde o Mar do Norte, depois no Atlântico Sul, até que se conseguisse alcançar

a extremidade meridional da costa africana, atingir a Índia ou mesmo cruzar o oceano em

direção à América. Só gradualmente os navegadores deixaram de ver nessas águas

mistérios e monstros.

O alargamento progressivo do âmbito geográfico das viagens marítimas, demandou

requisitos de segurança da navegação. Era imperativo melhorar a construção naval,

determinar as posições dos navios em alto-mar, bem como situar geograficamente,

descrever os territórios insulares e costas descobertas e, principalmente, denominá- los.

Acrescendo-se a necessidade de divulgar junto aos mareantes, informando-os e

7BARROS, Rustom Lemos de. Obra citada, pág. 05.

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atualizando-os a respeito dos ventos, correntes, marés, sondas e magnetismo nas mais

variadas regiões, que eram a partir de então incluídas no “mundo conhecido”. Todo o

esforço que foi despendido no intuito de consolidar estas informações, no dizer de António

Silva Ribeiro, “permitiu um conjunto de desenvolvimentos sociais, económicos e científicos

que transformaram radicalmente a Humanidade”.8

O desenvolvimento das ciências náuticas é dividido por Fontoura da Costa em três

fases distintas. A primeira fase, denominada de Marinharia, abrange o período anterior ao

século XVI e corresponde ao acúmulo de informações e experiências mediterrâneas e da

costa atlântica européia, caracterizada fundamentalmente pela navegação a pouca distância

das costas, usando-as como referência, e afastando-se delas apenas em rumos muito

específicos e restritos. A segunda fase, denominada de Arte de Navegar, inicia-se no século

XVI e se estende até o início do século XIX, quando há um grande avanço no

desenvolvimento da arquitetura naval, no desenvolvimento de instrumentos de navegação,

de técnicas de orientação através dos astros e da cartografia, como veremos com mais

detalhes. A terceira fase, denominada Ciência Náutica, inicia-se no século XIX e é na

verdade o aperfeiçoamento da Arte de Navegar, com os avanços tecnológicos que fizeram

com que a navegação passasse a basear-se em instrumentos de elevada precisão.

Se considerarmos apenas pelo prisma tecnológico, notaremos que chineses e árabes

seriam capazes de realizar tal façanha, mesmo no século XV, como nos mostra George

Winius, especialista no estudo da expansão européia:

Chineses e árabes eram bons navegadores - em alguns aspectos, estavam mais avançados do que os europeus - e tinham riquezas

8 RIBEIRO, António Silva. A Hidrografia nos Descobrimentos Portugueses. Lisboa: Europa-América, Coleção Biblioteca da História, 1994, pág. 23.

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suficientes para financiar grandes viagens para longe das águas costeiras, atravessando o oceano aberto 9.

Na realidade, na década de 1430, enquanto o cronista português Gomes Eanes de

Zurara nos descreve a apreensão com que os mareantes10 lusos se aproximavam do limite

sul de seu mundo conhecido, o Cabo Bojador11, os chineses sob o governo do imperador

Yong Le, cruzavam o Oceano Índico.

Entre 1405 e 1433 os chineses travaram contatos comerciais e diplomáticos com

mais de quarenta países, em torno do Índico. Utilizando frotas de grandes juncos12. Apesar

de seus conhecimentos técnicos, que poderiam tê- los levado a percorrer todo o mundo, as

explorações chinesas cessaram abruptamente, por questões políticas e intrigas palacianas.

Ao mesmo tempo, também os árabes com seus domínios abarcando desde a Ásia até

a Península Ibérica, utilizavam suas embarcações desde o Golfo de Bengala, Mar da

Arábia, Golfo Pérsico, costa oriental africana e o Mar Vermelho.

Deste modo, quando os portugueses, na sua grande aventura em busca das Índias,

chegaram ao Oceano Índico, como primeiros navegadores oceânicos europeus, singraram

águas já exploradas por frotas orientais.

Outros elementos que não apenas tecnológicos, combinados entre si, deram aos

ibéricos, e aos portugueses em particular, a primazia nas navegações da época.

Contribuíram neste sentido, provavelmente, o fervor religioso - marcado por séculos de

9 WINIUS, G. “Exploradores Orientais”, História em Revista, v. As Viagens dos Descobrimentos, 1400-1500, Rio de Janeiro: Time Life/Abril Livros, 1994. 10 Como eram chamados os trabalhadores do mar, os “homens do mar”. 11 Localizado na costa noroeste da África, no território do atual Saara Ocidental.

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lutas contra os muçulmanos -, a ganância obstinada - representada pela busca incessante do

lucro mercantilista e da acumulação primitiva -, desencadeada pelo processo de

rompimento dos grilhões medievais e da ascensão da burguesia; e ainda a perícia marítima,

acumulada através de séculos de contato com os mais diversos mares.

Ocorre que muitos destes elementos eram comuns a outros estados da Europa, no

entanto, podemos ainda destacar algumas particularidades, tais como a localização

geográfica de Portugal e seu próprio processo histórico.

Assim, Portugal adianta-se em um processo que logo seria transformado numa

corrida desenfreada, onde os prêmios almejados eram o monopólio das rotas de comércio,

metais preciosos, terras e escravos. Acompanhados ininterruptamente pelo fervor religioso

(contra os muçulmanos) e patriótico (contra os espanhóis), os lusitanos voltam-se para o

mar. Desta forma, ao conquistarem em 1415 o rico porto comercial muçulmano do norte da

África, a cidade de Ceuta, esta operação militar pode ser vista como uma ação combinada

de fervor religioso e comercial.

O grande impulso de desenvolvimento marítimo português é iniciado por estímulo

do príncipe D. Henrique (1394-1460), que recebeu o cognome de O Navegador. Este

personagem histórico é cercado de polêmicas e controvérsias. As opiniões dos autores a seu

respeito são, muitas vezes, conflitantes, variando de uma apologia cega até a negação de

qualquer mérito seu para a consecução das conquistas portuguesas.

A salvo das polêmicas a respeito da personagem, sabemos que o período ao qual se

convencionou chamar Fase Henriquina da Expansão Portuguesa13, teve por motivação,

12 Estes barcos eram muito grandes para a época, tendo um dos maiores já conhecidos, a capacidade de transportar 1500 toneladas, e 135 metros de comprimento, necessitando de 500 homens para cuidar dos cinco mastros, munidos de velas rígidas de bambu. (WINIUS, G. op. cit., pág. 31-32) 13 LEITE, Duarte. História dos Descobrimentos Marítimos, Lisboa: Edições Cosmos, 1958.

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conquistas territoriais, associadas a interesses políticos e econômicos, sempre

acompanhados do zelo religioso e missionário. Os efeitos desta fase continuaram, como nos

aponta Duarte Leite:

Após o traspasse do Infante em 1460, as conquistas prosseguiram na África, em Alcácer Ceguer, Arzila e Tânger no reinado de D. Afonso V, e no de D. Manuel em Safim, Azamor e noutros lugares: elas culminaram em terras orientais e americanas14.

Com estas conquistas, nas costas norte e noroeste do continente africano, Portugal

garantia o abastecimento de trigo, marfim, couros, algodão, ouro e “por fim numerosos

cativos de várias espécies [sic]. Os escravos foram um dos mais lucrativos negócios que

por largo lapso proporcionou o continente negro [...]”.15

A conquista crescente das costas africanas, por parte dos lusitanos, está

estreitamente ligada ao panorama político e econômico da Europa neste momento. Os

muçulmanos, seculares inimigos da Europa cristã, ainda estavam presentes na Península

Ibérica, com o Reino de Granada, e no Leste europeu, após a queda de Constantinopla, sob

o sultão Maomé II16, os turcos otomanos avançavam sobre a Península Balcânica. Desta

forma, as rotas terrestres de acesso ao Oriente Médio pelos Bálcãs estavam fechadas, assim

como o Mar Mediterrâneo, que se tornara impraticável para os navegadores cristãos,

expostos ao saque e ao corso dos navegadores muçulmanos. Restava, portanto, buscar um

outro caminho para conseguir as tão almejadas especiarias.

14 LEITE, Duarte. Obra citada, pág. 68. 15 LEITE, Duarte. Obra citada, pág. 72. 16 Quando a cidade passa a ser chamada Istambul.

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Como corredor comercial, o Mediterrâneo era utilizado desde a antigüidade pelos

fenícios, egípcios, gregos e romanos, perdurando em atividade durante a Idade Média,

assegurada a navegação pelo Império Bizantino, que garantia a navegabilidade de sua

porção mais oriental para os comerciantes cristãos. Durante este período, o caminho

percorrido pelos produtos que chegavam à Europa vindos do Oriente, iniciava cruzando o

Oriente Médio nas caravanas de camelos até as margens do Mediterrâneo oriental, de lá

seguindo nos navios mercantes até as cidades-estado de Gênova e Veneza. A partir destes

portos seguiam para o resto da Europa através dos rios centro-europeus ou cruzavam as

Colunas de Hércules 17, rumo às costas atlânticas da Europa e ao Mar do Norte, levados nas

embarcações dos maiores navegadores europeus: italianos, maiorquinos e portugueses.

Desde 1453, no entanto, cresce a dificuldade de navegação dos navios mercantes

cristãos nas águas do Mediterrâneo oriental. Isto era devido à ação livre dos corsários e

piratas muçulmanos que, sem a oposição das esquadras do Império Bizantino que lhes

davam combate, atuavam livremente contra os navios mercantes europeus. Deste modo, as

potências comerciais, como Gênova e Veneza, bem como as cidades comerciais da Hansa

germânica entram num processo de declínio, ao mesmo tempo em que os portos atlânticos

começam a ascender comercialmente.

É neste contexto que vamos encontrar os portugueses empenhados em atividades

marítimas, ressaltando que desde 1400, “os navegadores portugueses percorriam todos os

17 Como era denominado, pelos antigos, o Estreito de Gibraltar. Segundo alguns autores, seria a corruptela do nome do conquistador árabe que cruzou o estreito quando da invasão da Península Ibérica, no século VII. Seu nome Gabar-El-Tárik teria, com o tempo, adquirido a forma de Gibraltar.

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mares conhecidos na época [pelos europeus], incentivando o comércio, colonizando e

fazendo descobrimentos”.18

Além das questões relacionadas à conjuntura política e social, o conhecimento, de

maneira mais ampla, e o domínio tecnológico tiveram grande peso no desencadear do

processo das navegações européias de longo curso.

A evolução da ciência náutica, na Europa, e em Portugal em particular, é

concomitante ao processo de transformação da percepção do mundo e do universo por parte

do europeu. A partir do século XV o Ser Humano começa a ocupar o centro das

preocupações dos estudiosos e dos literatos. O crescimento do humanismo e a redescoberta

do conhecimento clássico greco- latino, fazem com que as antigas idéias sobre a

Humanidade e o Universo dêem lugar a novas concepções, abrindo espaço para novas

interpretações do mundo. Com a invenção de Gutemberg, os livros tornam-se cada vez

mais acessíveis, trazendo à luz e disseminando o conhecimento que, havia séculos, estava

enclausurado nos mosteiros.

Assim, a Geografia de Ptolomeu populariza-se, ao ser traduzida para o latim e

impressa em 1475. No entanto, quando esta obra chega a ganhar fama na Europa, em finais

do século XV, apesar do fascínio que causa, está quase obsoleta face as descobertas mais

recentes dos navegadores lusitanos.

O Infante D. Henrique, denominado O Navegador, reúne sábios e artífices na arte

de navegar. Com o apoio real, o Infante congrega cartógrafos, matemáticos e cosmógrafos

das mais distintas nações. Assim, em Portugal, italianos, maiorquinos e alemães estão a

18 DREYER-EIMBCKE, Oswald. O Descobrimento da Terra: História e Histórias da Aventura Cartográfica. São Paulo: Melhoramentos/EDUSP, 1992, pág. 84.

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serviço do aperfeiçoamento da ciência náutica. Para esta “escola” é contratado o

matemático Jácome de Malhorca, perito em cartas, instrumentos e na navegação19.

Na Vila de Terçanabal, no Cabo de Sagres, extremo sudoeste da região do Algarve,

funda a chamada Escola de Sagres, sobre a qual existem muitas polêmicas e controvérsias.

Sobre as polêmicas a respeito da “escola”, Duarte Leite cita outro grande estudioso do

assunto, Jaime Cortesão:

(...) dum lugar de ensino com organização própria e distinção marcada entre pessoal docente e discente, tal escola nunca existiu. Mas no sentido lato da expressão, pode afirmar-se que a casa do Infante, sempre aberta a sábios e viajantes estrangeiros, foco de estudos e investigações científicas animado duma sêde ardente de saber e daquilo a que já poderemos chamar de método experimental aplicado ao conhecimento da navegação e da geografia, foi a melhor e mais fecunda das escolas e laboratórios 20.

Assim, acrescendo aos elementos de cunho político e econômico, o fervor religioso

e as características geográficas de sua privilegiada localização, Portugal antecipa-se na

reunião do conhecimento náutico da época, indo além, adaptando e aperfeiçoando

instrumentos e métodos de navegação.

A obstinação do Infante de Sagres se assentava nos seguintes motivos: “as viagens

de descobrimento deviam aperfeiçoar as ciências náuticas, a fim de que fossem abertos os

caminhos para novas fontes de matérias-primas e novos mercados que pudessem dar

lucros”.21 Esta obstinação fica patente se observarmos a cronologia da expansão portuguesa

ao longo da costa ocidental da África e das ilhas Atlânticas ao longo do século XV. Assim a

19 LEITE, Duarte. Obra citada, pág. 124-125. 20 LEITE, Duarte. Obra citada, pág. 129. 21 DREYER-EIMBCKE. Oswald. Obra citada, pág. 84.

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Ilha da Madeira é conquistada em 1418; os Açores em 1427; o Cabo Bojador é ultrapassado

rumo ao sul em 1434; as Ilhas de Cabo Verde em 1444; o Cabo da Boa Esperança em 1488

e a Índia é finalmente atingida em 1498.22

Apesar do cunho mercantilista, expresso nas próprias palavras do príncipe, o zelo

missionário, já uma característica lusitana, parecia mais arraigado no espírito deste Infante,

detentor que era do título de Grão-Mestre da Ordem de Cristo. Como tal, havia assumido a

missão de estabelecer contatos com o reino lendário do Preste João, “que se imaginou

naquela época, situado na ´Índia Africana´” [atual Etiópia]23. Este poderoso monarca

cristão, distante da cristandade conhecida, seria um grande aliado dos europeus contra os

muçulmanos e também um grande parceiro comercial, pois as lendas a respeito deste reino

eram povoadas de riquezas abundantes. Assim, com a impossibilidade de navegar o

Mediterrâneo até Alexandria, no Egito, para então descer o curso do Nilo - caminho para o

mítico reino do Preste João - restava ao Infante contornar o litoral africano e contatá- lo pelo

oriente. Portanto, por seu fervor religioso, o Infante tornou-se o grande defensor português

da idéia de contornar o sul da África.

Por outro lado, a idéia portuguesa de contornar a África para atingir as Índias das

especiarias é atribuída, por Duarte Leite, ao reinado de D. João II após duas expedições: a

marítima de Bartolomeu Dias em 1486, e a terrestre de Afonso de Paiva e Pero de Covilhã,

em 1487. Portanto, apenas após a morte do Infante, que se deu em 1460.

Para atingir seus objetivos, os portugueses procuraram aperfeiçoar técnicas e

instrumentos. O uso da bússola, do astrolábio, do quadrante e da balestilha foi de

22 CHANDEIGNE, Michel (Org.). Lisboa Ultramarina: 1415 – 1580: a invenção do mundo pelos navegadores portugueses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, Anexo 1, pág. 242 e 243. 23 DREYER-EIMBCKE. Oswald. Obra citada, pág. 85.

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fundamental importância para a consecução destes planos grandiosos, assim como o

aperfeiçoamento tanto dos mapas e das cartas de marear, quanto das construções navais,

com a invenção e o aperfeiçoamento das formas das embarcações.

Os mapas são importantes instrumentos para o entendimento da percepção do

mundo através dos tempos, pois neles encontramos representações e registros de aspectos

geográficos, informações históricas, etnográficas e mitológicas.

A evolução da cartografia foi de fundamental importância para a consecução das

navegações de longo curso, pois à medida que se ia conhecendo o mundo e representando-o

nos mapas, se começava a criar certas expectativas quanto a partes do globo ainda não

conhecidas. Assim, ao mesmo tempo em que a cartografia é um registro da mudança de

conhecimento do mundo por parte do homem, ela também teve o seu papel impulsionador

no processo de descoberta.

Até fins da Idade Média eram produzidos dois tipos de mapas: Aqueles que

simplesmente tentavam ilustrar informações bíblicas, chamados mappae mundi, quase

todos representando a Terra como um disco plano; e as cartas de navegação

(originalmente denominados “portolanos”, em italiano) que refletiam as experiências

práticas de marinheiros, mesmo que acostumados tão somente ao Mediterrâneo e à costa

atlântica da Europa.

Os rudimentos da carta geográfica, como a conhecemos atualmente (com as

coordenadas de latitude e longitude), haviam sido inventados por Ptolomeu, no século II da

era cristã. Ele demonstrou como uma imagem de um mundo redondo podia ser projetada

numa superfície plana. Ptolomeu chegou a incluir em suas cartas o posicionamento de

linhas horizontais eqüidistantes, que viriam a ser os atuais paralelos, que determinam as

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latitudes.24 A determinação das coordenadas de longitude, no entanto, só seria equacionada

no século XVIII, quando o inglês John Harisson inventa o cronômetro de precisão. 25

No século XV, porém, à luz de novas descobertas e do renascimento do

conhecimento clássico, alteram-se os princípios dos mapas, resultando em um maior

impulso à nova era de descoberta do mundo. Começaram a ser produzidos mappae mundi

empregando, na medida do possível, os princípios da observação direta dos mareantes e a

precisão das escalas ptolemaicas, contidas nos portulanos.

Os mapas tiveram sempre relevante importância política, pois o conhecimento das

regiões do mundo - dos melhores caminhos de locomoção, bem como das formas de acesso

às diversas regiões - foi, quase sempre, tratado como segredo de Estado. Assim, a partir dos

séculos das grandes navegações, séculos XV e XVI, encontramos algumas medidas

estratégicas entre estados-nação destinadas a resguardar seus conhecimentos uns dos

outros.

Diante da política internacional aguerrida, os assuntos de navegação e marinharia

eram extremamente estratégicos, sendo seus segredos necessários para a manutenção dos

impérios coloniais (principalmente das rotas comerciais) que começavam a surgir.

Vários mapas passaram então, a ser produzidos com erros propositais, e até mesmo

o valor das medidas utilizadas era objeto de sigilo estatal, impedindo que fossem utilizados

com precisão por quem não os conhecesse ou tivesse a chave de seus desvios.

24 Embora algumas de suas medições se revelassem erradas mais tarde, seu método causou sensação e a influência da GEOGRAFIA cresceu ao longo do século [XV]. In WINIUS, George. Mapas de um Mundo em expansão. Ensaio in série História em Revista, v. Viagens de Descobrimento, 1400-1500, Rio de Janeiro, Time Life / Abril Livros, 1994. 25 SOBEL, Dava. Longitude: a verdadeira história de um gênio solitário que resolveu o maior problema científico do século XVIII. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

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No século XIII, provavelmente relacionado com a introdução da bússola na

navegação, surgem os chamados portulanos. Em sua origem, o termo refere-se à

apresentação descritiva das costas, com suas características e localidades e, especialmente,

os portos (voltado mais para a navegação que para interesses geográficos). Neles

encontramos em destaque as linhas de rumo:

(...) uma rede graduada de centros parecidos com a rosa-dos-ventos dos quais partem, a distâncias regulares, linhas semelhantes aos raios de uma roda que se cruzam mutuamente A partir das quais um marinheiro podia identificar sua posição. 26

Geralmente eram desenhados sobre pele bovina (em formato grande, que permitia

uma visão mais ampla, ou totalizante, já que mostrava em uma única face a representação

de uma grande área; ou em formato de atlas, que facilitava o manuseio, porém restringia a

visão, pois fragmentava em partes a representação de uma área, dando o formato de um

livro, no qual cada página representava a continuação da anterior, transformando o mapa

em um quebra-cabeças). Em qualquer navio havia pelo menos um exemplar, para servir de

base para a orientação náutica (muitas vezes, por medida de segurança, levava-se a bordo

um segundo exemplar, como reserva). O seu manuseio nos navios fazia com que se

deteriorassem rapidamente, ficando muitas vezes ilegíveis ou mesmo perdendo-se

completamente. Daí o número relativamente pequeno destas cartas disponíveis atualmente,

sendo a maioria composta por exemplares de luxo doados a autoridades ou instituições e,

por isso mesmo, preservados. No século XVI o termo portulano começou a ser utilizado

para designar qualquer coleção de instruções náuticas - com seus respectivos mapas.

26 DREYER-EIMBCKE, Oswald. O Descobrimento da Terra: História e Histórias da Aventura Cartográfica, São Paulo, Melhoramentos / EDUSP, 1992. Pág. 71.

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Com seus roteiros abarcando áreas cada vez mais distantes do mundo conhecido,

“verificou-se a necessidade de conhecer a altura do Pólo por meio da observação dos

astros”27, marcando o aparecimento da Navegação Astronômica (a utilização dos astros

como ponto de referência para os deslocamentos e localização em alto-mar), na primeira

metade do século XV, que evoluiu sob esforços dos lusitanos e de alguns ibéricos ao seu

serviço. A observação astronômica limitou-se, a princípio, à Estrela do Norte, também

chamada de Estrela Polar, estendendo-se posteriormente à observação do Sol, do Cruzeiro

do Sul e do eixo da Ursa Menor.

Do século XV ao XVII eram empregados pelos mareantes lusitanos dois tipos de

instrumentos de navegação: aqueles que davam diretamente a altura angular do astro

observado (como é o caso do astrolábio e do quadrante); e aqueles que davam esta altura

através de dois elementos lineares (como é o caso da balestilha).

O astrolábio remonta à antigüidade, sendo conhecido pelos egípcios já nos séculos

III e II a.C.; herdado posteriormente pelos gregos, o astrolábio chegou à Espanha através

dos Árabes. Este antigo instrumento, no entanto, teve que ser simplificado para uso nas

embarcações, pois seu formato esférico-armilar era de difícil transporte.

A balestilha não era conhecida dos mareantes portugueses do século XV, que a

devem ter recebido de estrangeiros europeus, no início do século XVI, permanecendo em

uso até fins do século XVIII.

Assim, observações astronômicas aplicadas à navegação, devem ter começado no

século XV com o astrolábio, e seu uso foi se consolidando aos poucos, pois para a

27 FONTOURA DA COSTA, A. O Conhecimento Náutico dos Portugueses à Época dos Descobrimentos . Lisboa: Agência do Ultramar, 1961, pág. 11.

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navegação por rota e distância, os conhecimentos práticos apenas, passados de geração para

geração bastavam, porém para as observações astronômicas, tornava-se necessária uma

certa instrução, como nos informa António Silva Ribeiro, dizendo que “a metodologia do

ensino náutico deve-se ter mantido inalterável até meados do século XV porque permitia,

face ao âmbito e intensidade das actividades marítimas, preparar os pilotos para navegar

no Mediterrâneo e no Oceano Atlântico, próximo da costa”.

Portanto, com a complexidade cada vez maior dos conhecimentos necessários à

navegação, vamos encontrar no século XVI, em Portugal, a instituição dos Regimentos do

Cosmógrafo-mor, que passam a regulamentar as profissões ligadas à navegação, tais como

pilotos e cartógrafos. São conhecidos dois regimentos portugueses do século XVI, um

datado de 1559 e outro de 1592.

A respeito da instrução necessária para os pilotos, no século XVI, encontramos as

regras estabelecidas pelo Regimento do Cosmógrafo-mor de 1592: este regimento é

composto por dezoito capítulos que estipulam obrigações, taxa, penas, procedimentos

técnicos e judiciais, certificados a emitir e registros curriculares a efetuar. No tocante às

obrigações vamos encontrar:

A. A necessidade de submeter a exame os pilotos, cartógrafos e

construtores de instrumentos náuticos; B. A necessidade de verificar todas as cartas e instrumentos náuticos,

que só podiam ser usados a bordo depois de devidamente aprovados; C. A regência de um curso de matemática para pilotos, sota-pilotos,

mestres, contramestres e guardiães, a que também podiam concorrer homens nobres. Este curso, com a duração de uma hora diária, tinha início em 18 de Outubro e terminava a 23 de Julho do ano seguinte.28

28 RIBEIRO, António Silva. A Hidrografia nos Descobrimentos Portugueses . Lisboa: Europa-América, 1994, pág. 33.

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Assim, com o surgimento dos regimentos da navegação astronômica, foi

possibilitada uma maior autonomia na navegação por regiões ainda não conhecidas. Como

exemplos, podemos citar alguns destes regimentos: do Norte (estrela polar), utilizado para

navegação ao norte do Equador; do Sul (Cruzeiro do Sul), utilizado para navegação ao sul

do Equador; e do Sol, utilizado em ambos os hemisférios.

Outro instrumento de grande importância para a navegação foi a Agulha de Marear

ou Bússola. A primeira agulha azimutal é descrita por João de Lisboa (1514), ainda

apresentando uma forma excessivamente rudimentar. A agulha de marear também é

descrita por Pedro Nunes (1537) e segundo Fontoura da Costa “devia já ser conhecida

pelos marinheiros de D. João II”.

A bússola apresenta uma variação da agulha, que os marinheiros portugueses do

século XV chamavam nordestear e noroestear, para descrever essa variação para leste ou

para oeste. Os termos Declinação (desvio magnético) e Desvio (desvio devido ao navio) e

Variação (soma da declinação e do desvio) “não foram empregados no sentido preciso que

eles têm actualmente senão a partir do século XVIII.”29

Fontoura da Costa nos coloca a questão “quem descobriu, onde e quando, a

variação da agulha?”, à qual ele nos responde “Problema assaz complexo, que nenhuma

descoberta de factos concretos permitiu ainda resolver.”30.

Uma vez conhecida a variação magnética, os processos de medição foram sendo

aperfeiçoados. Os chineses a conheciam desde pelo menos o século VIII. Os marinheiros

mediterrâneos devem tê- la observado por volta do século XIV e os portugueses no XV.

29 FONTOURA DA COSTA, A. Obra citada, pág. 70. 30 FONTOURA DA COSTA, A. Obra citada, pág. 70.

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33

NO MAR

2. Descobrindo o Oceano

Do século XIV até meados do século XV, decorreu um período intermediário de

exploração do Atlânt ico. Ainda atendo-se exclusivamente às costas africanas e a algumas

ilhas ao seu largo, genoveses, maiorquinos, franceses e normandos, juntamente com

portugueses, concorrem entre si, e algumas vezes aliaram-se, para conseguir o êxito

mercantil.

A idéia de contornar a África para atingir a Índia já era muito presente desde o

século XIII. Em 1291 partem de Gênova os irmãos Vivaldi (Ugolino e Vadino Vivaldi)

juntamente com Tedino Doria. O final da viagem está fixado: a Índia. Eles darão a volta na

África e pensam que a viagem durará dez anos, no entanto:

(...) pasan Mallorca y Gibraltar, siguen las costas de África hasta el Golfo de Guinea y se pierden finalmente, sin duda estrellados contra un bajo fondo, cerca de las costas31.

Não se terá mais notícias deles, até que Antonietto Usodimare, em 1455, encontra

em Guiné um mestiço que se dirá descendente distante de um companheiro genovês dos

Vivaldi. Outros genoveses chegam em 1312 até as Ilhas Canárias. Em 1341, alguns deles,

repartindo gastos com alguns portugueses, voltam a explorar o arquipélago32.

Em 1400 o arquipélago é bem conhecido da Europa. No entanto, ninguém que o

havia explorado até então pensara em estabelecer-se nele. É isso que os franceses Jean de

Béthencourt e Gadifer de La Salle intentam em 1402. Depois de grandes contratempos com

31 FAVIER, Jean. Los Grandes Descobrimientos: de Alejandro a Magallanes . México: Fondo de Cultura Económica, 1995. 32 FAVIER, Jean. Obra citada, pág. 320.

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as tripulações e os camponeses que seriam os colonos, já nas ilhas, onde sucedem-se motins

e complôs, a empresa fracassa.

Em 1416 apenas Ceuta é portuguesa, quando o navegador Gonçalo Velho se atreve

a ir até uma latitude subtropical e atinge o Paralelo 26, já numa área em que as lendas

dizem que a água do mar ferve como em uma caldeira e que os marinheiros são sugados,

juntamente com os navios, por um grande precipício e jogados no inferno. Entretanto o

Cabo Bojador - também chamado de Cabo do Medo - é apenas o limite das correntes que

levavam até ali, sem demasiadas dificuldades, os barcos vindos do norte, ao largo da costa

africana.

Aí se encontrava uma grande barreira geográfica. Pois ao topar com o Cabo

Bojador, e desde deste ponto para o sul, encontrando correntes contrárias, os barcos

europeus teriam que fazer uma difícil escolha: retornar ou seguir para alto-mar, buscando

melhores condições de navegação para atingir o sul. Hoje nos parece fácil, mas Jean Favier

nos lembra: Jaume Ferrer, em 1346, pasó adelante. Nunca se le volvería a ver 33. Se havia

de esperar até 1434 para que, com seu barco ligeiro e entrando mar adentro, cerca de umas

30 milhas da costa africana, Gil Eanes transpusesse, finalmente o Cabo Bojador.

O grande feito português, portanto, não é ter cruzado aquela parte do Mar

Tenebroso e o Cabo do Medo, mas o feito de ter retornado dessa travessia. Outros já

haviam transposto aquela barreira, como vimos, mas é o português Gil Eanes que encontra

mais para dentro do oceano, os ventos do regresso. Jean Favier nos descreve, de maneira

viva, este momento do desenvolvimento náutico lusitano, deixando em relevo o nível

técnico alcançado por eles:

33 FAVIER, Jean. Obra citada, pág. 327.

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(...) ahora los navegantes portugueses dominan el sistema complejo de los vientos y de las corrientes, constantes o estacionales, que permiten ir y volver. Doblar el Cabo Bojador para encontrar al sur las corrientes que permiten ir más allá, remontar al margen del alisio para ir buscar en el noroeste los vientos y las corrientes de oeste que, si el navegante es lo bastante valeroso para alcanzar en el corazón del Atlántico la latitud de Lisboa, incluso la de Oporto, empujam directamente hacia la costa portuguesa, eso es lo que los marinos aprenden en los años 1440 que vem, con la aparición de las grandes carabelas fuertemente aparejadas, la consolidación del progreso realizado en la década de 1430. La altamar ya no da miedo, y ella es la que va abrir la ruta del sur.34

A partir de então, os portugueses guardam o segredo de toda essa técnica. Claro que

fazem alarde de seus descobrimentos. A publicidade atrai os capitais, no entanto são

totalmente discretos sobre os meios utilizados. Se faz saber que Portugal tem agora um

império econômico na África, mas não se indica sua rota.

Em 1456, Alvise Cadamosto, veneziano, e Antonio Usodimare, genovês, ambos a

serviço do Infante D. Henrique e portanto da Coroa Portuguesa, descobrem as Ilhas Cabo

Verde. Depois deles, um português fidalgo da corte de D. Afonso V, chamado Pero de

Sintra, chega ao Paralelo 6.

Aos 08 de janeiro de 1455, através de uma bula, o Papa Nicolau V proíbe toda a

navegação na África sem a autorização do rei de Portugal35. Em 1479 - aos quatro de

setembro - Portugal assina com seus vizinhos católicos o chamado Tratado de Alcobaça, no

qual os reinos de Castela e Aragão reconhecem o monopólio português ao sul do Cabo

Bojador.

34 FAVIER, Jean. Obra citada, pág. 328. 35 FAVIER, Jean. Obra citada, pág. 335.

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No período de 1469 a 1474 a exploração portuguesa da costa africana fica a cargo

de um negociante, que paga uma renda à Coroa Portuguesa para explorar essa área e ainda

obriga-se a descobrir cem léguas de costa por ano36. É nessa fase que se vai explorando as

costas da Malagueta, do Marfim e do Ouro e ainda as ilhas São Tomé, Príncipe e Fernão do

Pó, todas no Golfo da Guiné.

África se ha convertido en el coto privado de Portugal. Como en el siglo XIII los venecianos en Constantinopla, como en el siglo XV los genoveses en Caffa, los portugueses se presentan como intermediarios obligatorios para los tráficos - presentes y sobre todo por venir - de esa África occidental que la mayoria llama entonces Guinea y donde se insiste en ver la ruta de Etiópia.37

Se a costa africana era negócio privado de Portugal, o mesmo se pode dizer dessa

parte do Oceano Atlântico. Claro que os segredos das navegações vazam, apesar de todo o

zelo de Estado, no entanto, com seu poderio naval a Coroa Portuguesa detém a supremacia

no mar.

Em 1483, Diogo Cão chega à foz do Rio Congo. Retorna ao norte e dois ou três

anos depois regressa a estas paragens. Desta vez porém, ultrapassa a foz do Congo e chega

nas proximidades do Trópico de Capricórnio. Chega a alcançar a latitude de 21º 48’ S, mas

não retorna desta viagem.

Após a morte de Diogo Cão, o rei de Portugal, D. João II - sobrinho-neto do Infante

- organiza uma verdadeira “expedição científica”, dirigida por João Afonso d’Aveiro.

Nesta expedição o rei inclui o cartógrafo da cidade de Nurembergue, Martin Behaim. A

36 NOGUEIRA, Fernando. Os Grandes Descobrimentos Portugueses e a Expansão Mundial da Europa. Lisboa: Ed. Verbo, 1990, pág. 24. 37 FAVIER, Jean. Obra citada, pág. 336.

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grande tarefa dessa expedição é estabelecer as latitudes exatas e traçar um mapa completo

do mundo conhecido.

Durante vinte e seis meses, a expedição faz um verdadeiro inventário do Império

Português. Dizimada por enfermidades, ela regressa de um ponto próximo ao Paralelo 18.

Em 1492 Behaim finaliza, na Europa, o primeiro globo terrestre, deixando, no entanto, a

África truncada em sua extensão real.

Em 1487 o rei resolve intentar outra investida mais ao sul. A passagem tinha que

existir. No dia primeiro de agosto de 1487, Bartolomeu Dias parte de Lisboa com duas

caravelas de cinqüenta toneladas cada - a São Cristóvão e a São Pantaleão. Em novembro

ele atinge o ponto mais ao sul alcançado por Diogo Cão.

Mais adiante aparece nova surpresa. Encontra agora ventos contrários, cada vez

mais os ventos sopram do sudeste, impedindo a viagem fluente, com bordos breves,

característicos da região entre o Equador e o Trópico. Porém, no dizer de Jean Favier,

Bartolomeu Dias se mostra notável navegante, unindo seu sólido conhecimento dos regimes

de ventos a uma grande “intuição”. Afastando-se da costa, Dias alcança ao sul a latitude

onde sopram os ventos do oeste, próximo ao Paralelo 40, que corresponde ao sul,

aproximadamente, à latitude de Lisboa ao norte. Assim, em 16 de agosto de 1488,

enfrentando uma grande tempestade, ele dobra o cabo, sem vê-lo. Na volta, por conta desta

tempestade que enfrentou na ida ao dobrar aquela proeminência rochosa, chamar- lhe-á

Cabo das Tormentas. O “caminho” está finalmente aberto. O rei, após a chegada de

Bartolomeu Dias a Lisboa, rebatiza o cabo como da Boa Esperança. A passagem austral

havia sido encontrada.

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Após essa etapa, tão perseguida pelos navegadores do Infante, durante a maior parte

do século XV, há ainda a proposta do genovês Cristóvão Colombo, de alcançar a Índia

navegando para o ocidente. Prudentemente, depois de encontrada a passagem austral, o rei

de Portugal prefere apostar na certeza a arriscar um novo caminho desconhecido.

Porém, Fernando Nogueira nos dá informações de que, paralelamente aos

preparativos da expedição de Vasco da Gama - que daria concretamente o desfecho à busca

portuguesa do contato marítimo com a Índia - havia a intenção, por parte de navegadores

portugueses, de explorar o Atlântico Ocidental.

Como vimos, apesar do tratamento dado às informações das navegações, altamente

sigilosas, as notícias correm e com elas, é claro, alguns segredos se vão espalhando. Sem

mencionar o fato de que os pilotos e marinheiros podiam trocar de patrão se assim lhes

aprouvesse.

Assim, em 1492 com a derrocada do Reino de Granada, o último baluarte

muçulmano na Península Ibérica, os reinos de Castela e Aragão concretizam a empreitada

da união política do que seria chamado, modernamente, de Reino da Espanha. A expulsão

põe termo a quase sete séculos de ocupação muçulmana em terras ibéricas. Após terem sido

expulsos belicamente, restava no reino, agora sob a égide da Igreja Católica Romana, uma

população judia e muçulmana38. Assim, os reis católicos dão um ultimato à população

islâmica: deixar a Península, rumo ao norte da África ou, para poder ficar, converter-se ao

cristianismo. Logo após os muçulmanos, chega a vez dos judeus serem postos contra a

parede.

38 Que juntamente com os cristãos, tiveram durante o período de ocupação árabe um dos momentos de maior integração e respeito mútuo, como não se havia tido em nenhuma outra parte da Europa.

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Na retirada forçada, essas populações levavam apenas o que havia de mais

transportável, muitas vezes deixando para trás objetos de valor, que logo eram confiscados

pela Coroa. Muitas vezes grandes fortunas foram confiscadas, paralelamente à expulsão das

famílias. Finalmente, através dessa prática opressora, a coroa espanhola acumula um

montante pecuniário capaz de financiar a aventura do caminho do poente.

Politicamente, a busca do caminho marítimo pelo ocidente era a única saída para o

recém unificado estado espanhol. Enquanto esteve envolvido na guerra contra o Islã, seu

vizinho lusitano havia construído um império colonial na costa africana e havia encontrado

a passagem para o Oceano Índico. Somando-se a isso, em 1455 havia recebido o aval do

Papa Nicolau V, e em 1479 havia assinado um tratado, com a própria coroa castelhana,

reconhecendo o monopólio português no Atlântico sul-oriental.

Portanto, para a Espanha concorrer com seu vizinho ibérico nessa corrida rumo ao

Índico, teria que romper dois acordos internacionais. O seu próprio tratado, e ainda, ir de

encontro à palavra do Papa, cuja autoridade lhe era soberana, haja visto o fervor católico

espanhol, acirrado por séculos de lutas religiosas contra os seguidores do Islã, nas quais

lutar pela cruz do Cristo significava lutar pela autoridade papal.

Em 03 de agosto de 1492 o genovês Cristóvão Colombo parte de Palos com as três

conhecidas caravelas (Pinta, Santa Maria e Niña). No ano seguinte, retorna com a notícia de

ter alcançado terras na direção do poente.

Duarte Leite nos informa que antes de 1500 já havia navegadores portugueses

explorando o Atlântico Ocidental, sendo possível, inclusive, que algum tenha atingido a

Flórida39. Assim, entre 1495 e 1498, João Fernandes Labrador e Pedro de Barcelos chegam

39 NOGUEIRA, Fernando. Obra citada, pág. 27.

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à Groenlândia, que segundo Fernando Nogueira foi uma redescoberta européia desta ilha,

pois havia sido explorada séculos antes pelos vikings. Entre 1500 e 1502 é a vez de Cabral

atingir o Brasil e dos irmãos Corte-Real chegarem à Terra Nova.

São explorações subseqüentes ao Tratado de Tordesilhas (1494), mas o que se

coloca em questão é o papel português na formação daquele que passaria para a história

como o “descobridor” do Novo Mundo.

Desde 1476, quando chega à costa algarvia, até o aceite de sua proposta por parte

dos reis católicos Fernando e Isabel, Colombo teve contato íntimo não só com as técnicas e

os conhecimentos, mas também com a prática da navegação atlântica desenvolvida pelos

portugueses, em viagens à Ilha da Madeira e à Costa da Mina. Assim, Portugal parece ter

inspirado, estimulado, instruído e preparado o “descobridor”, transformando um visionário,

comerciante de lãs, vinhos e açúcar num navegador oceânico.40 Pierre Chaunu sintetiza

esta idéia em uma única frase: Portugal fez Colombo.41

Assim, Portugal contribuiu para o conhecimento do Atlântico, além da formação do

“descobridor”, seus próprios feitos desde a exploração da costa da África e seus rios, a

exploração do Atlântico Setentrional, a exploração da costa do Brasil e seus rios e, ainda,

das ilhas atlânticas, tais como Fernando de Noronha, Ascensão, Santa Helena, Trindade,

Martim Vaz, Tristão da Cunha, sem mencionar os Açores, Cabo Verde, São Tomé e

Príncipe, Madeira e as Canárias, como vimos.

Com o caminho marítimo para a Índia em pleno funcionamento e com as terras

ocidentais (Brasil) por explorar, Portugal teve que manter frotas armadas para vigilância do

40 NOGUEIRA, Fernando. Obra citada, pág. 28. 41 NOGUEIRA, Fernando. Obra citada, pág. 28.

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Estreito de Gibraltar, contra piratas árabes. Nas águas do Arquipélago dos Açores também

havia frotas para escoltar os comboios carregados de especiarias que retornavam da Índia.

A contribuição portuguesa para o conhecimento do Atlântico, abrange mais que

apenas o reconhecimento e ocupação das terras que margeiam este Oceano, inclui também

o conhecimento dos rios que nele deságuam, das ilhas que o povoam, estendendo-se, ainda,

ao conhecimento de sua fauna e flora características.

Inclui ainda o conhecimento dos ventos e correntes; do céu e das estrelas que dele

divisamos, o que foi de fundamental importância para a navegação transoceânica. A

contribuição portuguesa tanto para o desenvolvimento da navegação, como para o

conhecimento do Oceano Atlântico é inegável, assim como o conseqüente processo de

comunicação intercontinental através dele. Esta importância é ressaltada ainda pelo fato de

aquele conhecimento gerado ter sido apreendido por outros estados europeus, que depois

disputariam acirradamente, entre si, no processo colonizador.

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El movimiento es natural en el hombre. El mas allá no es sólo aquello adonde tiende el destino del hombre; es también aquello sobre lo que se interroga en su vida cotidiana. Es el más allá de las colinas para el aldeano, el más allá del horizonte para el marino. La sed de conocer lleva al hombre a inventar, más tarde a desplazerse. Mas allá, las cosas no pueden sino ir mejor. Allende esse horizonte que cierra el terreno de las certidumbres y que abre el de lo imaginario, ¿cómo dejaría de encontrarse el país de la primavera eterna, el de los verdes pastizales, el de las tierras fértiles, el de los frutos de oro? En términos de economía doméstica, ¿cómo no esperar, del Occidente desconocido como del ecuador calculado, la pimienta barata y el oro abundante? Las “otras ovejas que no son de este redil” anunciadas por la Escritura ¿no estarán al alcance de un viaje? ¿Por qué contentarse com la mediocridad de los espacios conocidos?

Jean Favier

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Capítulo 2

A Conquista do Litoral Brasileiro

1. Mapeamento do Litoral Brasileiro: Rotas Oceânicas e Paragens Marítimas 2.Expedição Exploradora de 1501

3.Primeira Associação entre a Coroa e Particulares: Arrendamento da Exploração do Brasil (1503)

4.Trinta Primeiros Anos: os europeus conhecem o Brasil 5.Nova Associação entre a Coroa e Particulares: Instituição das Capitanias

Desde o final do século XV, com a travessia oceânica através do Atlântico e o

desencadeamento do processo de ocupação européia do Novo Mundo, a história

registrou uma série de relatos de cronistas, viajantes, soldados e marinheiros, que

descreveram estas viagens intercontinentais e suas dificuldades, demonstrando, na

maioria das vezes, o quanto eram frágeis e precárias as condições destas travessias.

Além do lento e gradual processo de adaptação e criação de técnicas e instrumentos

náuticos, que possibilitaram as viagens de longo curso, ainda assim o europeu

encontrou-se diante de novas realidades, tanto físicas quanto humanas, às quais teve de

adaptar-se gradativamente.

Após um século de familiarização com o Atlântico, o contato com o continente

americano demandava cuidados e perícias cada vez mais apuradas, haja vista que a

localização dos portos era de fundamental importância para o sucesso da viagem de

travessia. Os primeiros navegadores tiveram a especial incumbência de anotar as

características e as coordenadas dos primeiros locais encontrados, propícios para a

aportagem. Esse processo, na realidade, teve que ser efetuado durante décadas, dadas as

extensões litorâneas da nova colônia portuguesa.

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Esse aspecto do trabalho de reconhecimento do litoral brasileiro, empregando as

mais novas técnicas de aferição de coordenadas, tal como a utilização do Regimento do

Cruzeiro do Sul, como vimos no capítulo anterior; a nomeação de acidentes geográficos

e possíveis paragens marítimas; identificação de estuários fluviais e suas capacidades e

possibilidades de tornarem-se corredores de interiorização, bem como a identificação da

configuração litorânea de maneira mais ampla possível, desde cobertura vegetal até de

barreiras submersas ou semi-submersas, que eram de fundamental importância para a

navegação, e o conhecimento das populações nativas de cada área.

O estudo das adaptações dos europeus às novas realidades do litoral brasileiro,

através dos registros de viagem, relatos e crônicas, está a espera de olhares mais

inquiridores e desejosos de trazer à tona o capítulo da navegação interna (aquela

praticada entre pontos da costa brasileira), como complemento da navegação externa

(aquela praticada entre a costa brasileira e outros litorais) na ocupação européia do

Brasil.

Ao chegar, seja na costa americana, africana ou asiática, a navegação portuguesa

teve de valer-se de outros elementos, que não apenas os antigos portulanos. Novas cartas

deveriam ser construídas, pois ao entrar em contato com regiões ainda não navegadas

por aqueles marinheiros, estas áreas necessitavam ser devidamente reconhecidas e

mapeadas, através da própria experiência in loco, crescendo em importância a utilização

dos instrumentos náuticos, como a bússola e o astrolábio, e a precisão da notação

cartográfica.

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1. Mapeamento do Litoral Brasileiro: Rotas Oceânicas e Paragens Marítimas

Os dois primeiros séculos da expansão colonizadora européia foram marcados

pelo embate entre várias nações pela posse das terras que se iam “descobrindo”, bem

como das rotas marítimas que se iam abrindo. O conhecimento dos caminhos marítimos

era tratado como verdadeiro segredo de Estado, o que pode ter levado a desvios

cartográficos propositais, como podemos perceber no relato da viagem do francês Jean

de Léry ao Brasil, na segunda metade do século XVI. Léry verifica, quando da sua

escala nas Ilhas Canárias, que havia nos livros e nos mapas uma indicação errada da

localização do arquipélago. Vejamos qual sua conclusão:

Sete dias depois aproximamo-nos de três ilhas chamadas pelos pilotos normandos Graciosa, Lanceloti e Forte Aventura e pertencentes ao grupo das Ilhas Afortunadas. São sete ao todo, creio eu [sabemos, hoje, que o arquipélago é composto por oito ilhas], e todas habitadas por espanhóis. Embora se ensine nos livros que se acham a 11º aquém do Equador, e por conseguinte na zona tórrida, e assim se verifique em muitos mapas, eu afirmo, por ter visto fazer o ponto com o astrolábio, que se acham seguramente aos 28º na direção do Polo Ártico. Há pois um erro de 17º e é preciso dizer que os autores espanhóis, enganando-se a si e aos outros, as afastam de nós. 42

Um mapa ou roteiro marítimo nos fornece informações variadas. Neles

encontramos a percepção do mundo através do tempo, a partir de representações e

registros de aspectos geográficos, informações históricas, etnográficas e mitológicas.

Podemos perceber a evolução do conhecimento progressivo do litoral brasileiro,

através de alguns mapas produzidos ainda no início do século XVI. À primeira vista, nos

pode parecer que a grande quantidade de nomes, indicando acidentes geográficos da

costa, permanece o mesmo o mesmo nos vários mapas, no entanto, ele traz outros

42 LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil . Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1961, pág. 58.

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detalhes importantes de se notar, tais como mudanças no traçado geral do litoral, como

no mapa de 1502, atribuído a Cantino, quando não estão representados ainda o Estreito

de Magalhães e a costa do Pacífico da América do Sul (ver mapa 1). Já na carta de Lopo

Homem-Reinéis, que integra a Portugaliae Monumenta Cartographica, de cerca de

1519, é impressionante o avanço no traçado do litoral da América do Sul, bem como a

profusão de nomes indicativos de acidentes costeiros, desde o Maranhão at´r o Rio da

Prata (ver mapa 2).

Esta quantidade de indicações litorâneas, já em 1519, inclusive, denota o trabalho

de reconhecimento do litoral por parte dos navegadores, pilotos e cartógrafos,

portugueses, ao contrário do que se convencionou chamar de período de abandono,

como veremos mais adiante.

A confecção de mapas desse tipo evidenciava os avanços lusitanos na tecnologia

da exploração ultramarina, era o resultado do esforço conjugado desde o Infante D.

Henrique, passando por D. João II e D. Manuel I. Fruto disso foi o aperfeiçoamento de

embarcações, que permitiram as viagens transoceânicas, bem como, a presença a bordo

de um escrivão que anotava as particularidades das terras descobertas. O mapa de

Homem-Reinéis, que, segundo Luís de Albuquerque – uma das maiores autoridades da

expansão portuguesa – foi confeccionado para presentear o rei francês Francisco I, que

sobe ao trono em 1515; seria uma demonstração da grandeza lusitana diante do novo

monarca, e citando o próprio Luís de Albuquerque: “O mapa é, de certo modo, um

resumo ilustrado de tudo o que se deve saber sobre o Brasil em 1519”.43

43 ALBUQUERQUE, Luís de, SANTOS, Annie Marques dos. “Os Cartógrafos Portugueses” in Lisboa Ultramarina: 1415 – 1580: a invenção do mundo pelos navegadores portugueses. Organizado por Michel Chandeigne. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, pág. 65.

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O desconhecimento de elementos extremamente necessários à consecução das

viagens, levou navios e tripulações inteiras aos naufrágios.

A navegação a vela, portanto, relacionava-se diretamente com as correntes e os ventos. Estes deslocavam-se em diferentes sentidos de acordo com as estações; as correntes, igualmente, ampliavam-se ou reduziam-se e ganhavam mais ou menos força, pela mesma razão. Tudo isso implica em dizer que a velocidade das embarcações dependia de ambos e de suas direções conjugadas. Chuvas, calmarias, tempestades, nevoeiros, ciclones e outros fenômenos somavam negativamente para o rumo em direitura a um porto qualquer. 44

Assim, mesmo depois de ter-se familiarizado melhor com as correntes e os

ventos atlânticos, o sucesso de uma viagem de travessia só era assegurado se houvesse

um porto seguro e abrigado, onde as naus pudessem aportar e a tripulação descer em

terra firme. Exemplo disso, podemos tomar do relato de Hans Staden, quando da sua

segunda viagem para a América Meridional. Partindo da Europa em 1549, ele nos diz

que os navios de sua esquadra, antes de cruzarem o Oceano Atlântico, ainda nas Ilhas

Canárias, “combinaram entre si de encontrarem-se em qualquer terra ao gráo 28 a sul

do equinoxio, caso o mar viesse a separal-as.”45 Colhida a esquadra, algum tempo

depois, por uma tempestade, a nau em que se encontrava Staden separou-se e perdeu-se

do conjunto. Por questões de ventos contrários, como nos diz:

(...) os ventos continuaram contrários, porque naqueles mares têm elles a particularidade de soprar do sul quando o sol está a norte do

44 BARROS, Rustom Lemos de. Embarcações e Frotas Portuguesas: Evolução e Atuação no Nordeste Brasileiro até 1720. Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE/Programa de Pós-Graduação em História, 1982, pág. 286. 45 STADEN, Hans. Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil, Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, [1925], pág. 24.

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equinoxio, e vice-versa; e como é assim por cinco mezes a fio, não pudemos seguir nosso rumo durante cento e vinte dias.46

Quando os ventos tornaram-se favoráveis, seguiram sua viagem, e quando “o

piloto verificou a altura do sol e viu que estávamos a 28 gráos de latitude”, conforme a

combinação prévia, rumaram para oeste, demandando terra. No entanto, apesar do

conhecimento da arte náutica a ponto de cruzarem o oceano, à vela, e utilizando

instrumentos capazes de aferir sua localização através da navegação astronômica, o

desfecho desta narrativa do século dezesseis nos mostra a importância do conhecimento

das paragens marít imas, como é informado a seguir:

Vimos logo terra, mas ao approximarmo-nos não nos foi possível reconhecer o porto com os signaes com que nol-o tinham descripto. E como não era prudente entrar em um porto desconhecido, ficamos a cruzar em frente à terra. 47

Percebemos, então, a importância estratégica do conhecimento das costas

brasileiras. Com relação à navegação e ao povoamento do litoral brasileiro, competia às

expedições oficiais dos primeiros anos da colonização, entre outras determinações,

“descobrir” portos, bem como registrar nos mapas e nos roteiros náuticos, as

informações relativas ao acesso a estes pontos da costa brasileira 48.

Então, além das marcações das coordenadas geográficas, os roteiros da época

traziam, com riqueza de detalhes, informações sobre acidentes geográficos e o pontos

46 STADEN, Hans. Obra citada, pág. 25. 47 STADEN, Hans. Obra citada, pág. 26. 48 Eram as chamadas expedições exploradoras e expedições guarda-costas denotando, no próprio nome destas expedições, o caráter de não-ocupação da costa, mas de reconhecimento e documentação, como se a ocupação viesse em seguida, como continuação do reconhecimento do litoral.

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notáveis da costa49. Mais ainda, e de suma importância, traziam quando possível, as

informações sobre os “perigos submersos”, não visíveis à superfície do mar, como é o

caso de determinados bancos de areia e de certas barreiras de arrecifes. No entanto, estes

perigos poderiam ser transformados em aliados, por quem os conhecessem bem.

Estas formações naturais, que dificultavam o acesso aos portos, ao serem

conhecidas, poderiam passar a ser chamadas, também, de defesas naturais. Para que se

transpusesse em segurança estas barreiras, os navegantes necessitavam de alguém

treinado e que conhecesse a região50. Estas formações naturais seriam associadas, mais

adiante, às defesas artificiais, representadas pelos fortes e fortalezas construídos pelos

europeus.

Dentro das necessidades e limitações da navegação à vela, sempre dependente da

força e da direção dos ventos, bem como da força e da direção das correntes marítimas,

o roteiro teria que fornecer informações sobre as configurações do fundo dos portos e

dos seus canais de acesso, bem como trazer instruções para que o piloto pudesse

manobrar51 nestes canais e no ancoradouro.

Não há, pois, dúvida de que os ventos constituíam fundamental condicionante à navegação. Consequentemente, tornava-se imperativo levar-se em consideração o problema dos cálculos das distâncias e previsões das chegadas e partidas de embarcações ou frotas. Cada travessia oceânica era de fato uma aventura, que tanto podia alcançar

49 Pontos Notáveis: aqueles acidentes ou monumentos que podem ser avistados à distância, em alto mar. Pode ser uma formação natural, como um monte ou uma montanha, ou uma formação artificial, como a torre de uma igreja ou um farol.

50São os “práticos”, que ainda hoje são muito utilizados, e muito bem remunerados, pelo grau de precisão que a atividade requer. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda: “PRÁTICO – (s. m.) piloto que conhece bem certas paragens marítimas.” 51 As embarcações à vela não navegam sempre em linha reta, mas dando “bordos”, que são guinadas para um lado e outro, descrevendo uma trajetória em ziguezague. Diferentemente das embarcações de propulsão mecânica, que podem descrever uma trajetória mais próxima da retilínea.

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pleno êxito como resultar numa jornada infrutífera e, muitas vezes, calamitosa. Alguns dados obtidos sobre a ida de embarcações para Índia podem exemplificar bem a questão: dos setecentos e vinte um navios que para lá se dirigiram, no século XVI, cem perderam-se e vinte e cinco arribaram. Tais números foram provocados, não só pelo corso/pirataria, mas principalmente devido às imprevidências dos pilotos e freqüência com que passavam a velejar fora da época dos ventos favoráveis. Sabe-se ainda que, com base nas mesmas condicionantes, particularmente no período compreendido entre 1582 e 1602, “... se perdieron por vías de aguas u otros accidentes técnicos, a veces en plena bonanza 38 naves de las Índias [...] [que] representa una pérdida de 20 o más milhones en oro”. 52

Percebemos a importância de se saber como chegar aos portos e podemos ter

uma noção da cautela que era requerida, ao aproximar-se de áreas não conhecidas,

através de relatos da chegada da armada de Pedro Álvares Cabral ao litoral brasileiro,

em 22 de abril de 1500.

O avistamento longínquo dos montes e serras do litoral sul do atual Estado da

Bahia, foi feito estando a esquadra a aproximadamente 70 quilômetros da costa53. O que

se seguiu após este primeiro avistamento, nos é descrito por Eduardo Bueno desta

forma:

Ao entardecer, depois de avançar cautelosamente por mais 40 quilômetros, a frota deparou com outras serras, mais baixas, esparramando-se ao sul do grande monte. [...] A seis léguas da costa (ou cerca de 36 quilômetros), a armada lançou âncoras. Elas mergulharam 34 metros no mar esverdeado antes de tocar o fundo arenoso.54

52 BARROS, Rustom L. de. Obra citada, pág. 292. 53 BUENO, Eduardo. A Viagem do Descobrimento: a verdadeira história da expedição de Cabral. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, pág. 11. 54 BUENO, Eduardo. Obra citada, pág. 12.

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Após este primeiro ancoradouro, em frente a foz do Rio Caí, a aproximadamente

36 quilômetros da costa, a frota conseguiu ancorar uma segunda vez a 24 quilômetros da

terra firme. No dia seguinte, 23 de abril, seguiram para o norte numa trajetória paralela

ao litoral, em dois grupos, os navios menores seguiram uma trajetória mais próxima à

costa e os grandes navios mais afastados. Encontraram, então, dois locais seguros na

Baía de Cabrália, tendo cada um dos grupos de navios permanecido separados, até

reunirem-se em um mesmo ancoradouro no dia 25 de abril. Percebemos, através desta

pequena descrição, a cautela e a minúcia necessárias para se deslocar numa região

desconhecida.

2. Expedição Exploradora de 1501

Assim, no ano seguinte à chegada de Cabral à costa brasileira, o rei D. Manuel

envia uma outra expedição oficial, que parte de Lisboa em 14 de maio de 1501,

composta por três caravelas e “sob comando de um chefe que – conjecturas mais

admissíveis – indicam ser D. Nuno Manuel, mas assessoriado [sic] por Américo

Vespúcio.”55

As notícias desta expedição são escassas, tendo chegado até nós através de

alguns relatos e missivas tanto de origem portuguesa quanto de origem italiana, como é

apontado por Moacyr Soares Pereira, ou através das obras de alguns cronistas do século

XVI, como Antônio Galvão, Damião de Góis, Jerônimo Osório e Gabriel Soares de

Sousa. Além destes, vamos encontrar a narrativa desta viagem nas “famosas e

55 PEREIRA DA COSTA, F. A . Anais Pernambucanos -1493-1590 . Recife: FUNDARPE, 1983, pág.50.

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controvertidas cartas do florentino Américo Vespúcio, relativas às suas terceira e

quarta viagens ao Novo Mundo.”56

A esta expedição de 1501 são dadas algumas atribuições. É assim que nos fala

Moacyr Soares Pereira sobre a natureza desta expedição:

Composta exclusivamente de caravelas, navios ligeiros apropriados às descobertas, aos levantamentos de costas ignotas e também para o combate naval, foi mandada em missão oficial de reconhecimento da terra achada por Cabral. Seu objetivo não era apenas de natureza política e geográfica, mas econômico: o de saber-se que proveito tirar daquele território.57

Ao discutir a respeito da presença da controvertida personagem italiana nesta

expedição, Moacyr Soares Pereira nos dá um panorama das relações entre a Coroa

Portuguesa e mercadores estrangeiros instalados em Lisboa. A presença de Américo

Vespúcio nesta expedição atende a um amálgama de interesses da Coroa Portuguesa e de

banqueiros italianos, sendo motivado por sua propalada destreza como cosmógrafo e

piloto e por sua vinculação a banqueiros e casas comerciais italianas.

O convite lhe foi feito a mando do Rei de Portugal, pois, segundo fala Pereira da

Costa, Vespúcio seria:

(...) marinheiro profecto e conhecedor dessas paragens americanas, pelas viagens que anteriormente fizera a serviço de Castela; ou na frase de um escritor, - encarregado como homem instruído que era em cosmografia e muito entendido em astronomia, de descrever o país, e marcar as situações dos principais lugares; enfim ajudar o comandante da expedição com as suas luzes e grande experiência, que tinha adquirido

56 PEREIRA, Moacyr Soares, Expedição de 1503 à Terra de Santa Cruz. Recife: Revista IAHGP, [?], p 09. 57 PEREIRA, Moacyr Soares. Obra citada, pág. 09.

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nas viagens que recentemente havia feito na parte septentrional da América, a qual tinha visitado por ordem do rei da Espanha. 58

Além disso, Vespúcio estava vinculado a mercadores, procedentes de Florença,

que viviam em Lisboa, entre os quais o influente e abastado Bartolomeu Marchione.

Estes mercadores florentinos tinham, portanto, o interesse de que Vespúcio chegasse até

a porção portuguesa da América, para conhecer de visu o que de lucrativo poderia

oferecer estas novas terras. Muito provavelmente, este verdadeiro lobby italiano em

terras portuguesas foi responsável pelo convite real, e por outro lado, estes mercadores e

banqueiros ainda “insistiram para que ele [Vespúcio] deixasse a Espanha, transferindo-

se para Portugal.”59

A expedição regressou a Lisboa em 22 de julho de 1502, segundo uma carta de

Giovanni Francesco Affaitadi, que era um opulento representante de uma casa comercial

de Cremona em Portugal. Sua carta é endereçada ao embaixador veneziano na Espanha,

Piero Pasqualigo. No entanto, a Lettera de Vespúcio, referente a esta sua terceira viagem

ao Novo Mundo, indica a data da chegada como sendo 7 de setembro de 1502. Segundo

Moacyr Pereira, a carta de Vespúcio seria uma fonte mais segura que a de Affaitadi.

58 PEREIRA DA COSTA, F. A . Obra citada, pág. 51. 59 PEREIRA, Maocyr Soares. Obra citada, pág. 10.

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3. Primeira Associação entre a Coroa e Particulares: Arrendamento da Exploração do

Brasil (1502)

A partir das informações trazidas pelos tripulantes da primeira armada

exploratória, D. Manuel apressa-se em arrendar a exploração da Terra de Santa Cruz60 a

um consórcio de mercadores, cristãos-novos, encabeçado por Fernão de Loronha. Piero

de Rondinelli escreve, de Sevilha, em 3 de outubro de 1502, dando notícia desse

arrendamento, que tinha a duração de três anos, do final de 1502 ao final de 1505.

O rei de Portugal arrendou a terra que ele descobriu a certos cristãos-novos, e são obrigados a mandar todos os anos 6 navios e descobrir todos os anos 300 léguas adiante [aproximadamente 1800 quilômetros], e a fazer uma fortaleza no território descoberto e mantê-la nos ditos três anos; e no primeiro ano nada pagam, no segundo 1/6 , no terceiro 1/4, e fazem conta de trazer pau brasil e escravos, e talvez achem outra coisa de proveito. 61

Estes mercadores também se apressam em organizar uma armada, com o objetivo

de começar a auferir lucros da nova terra, em obediência ao que estava exposto no

contrato régio. É assim que enviam uma nova expedição exploratória, que parte de

Lisboa em 1503.

Este contrato de arrendamento da exploração das novas terras não foi uma

novidade para a Coroa Portuguesa. Em 1469 a Coroa havia celebrado um contrato

semelhante com Fernão Gomes, para a exploração do “negócio da Guiné”, na costa

atlântica africana. Sobre este contrato anterior, quem nos dá a notícia é João de Barros,

nas suas Décadas da Ásia, segundo o qual, o arrendamento foi contratado:

60 Esta denominação substituía, já em 1502, a de Terra de Vera Cruz, referida nos escritos de Caminha e do Mestre João, segundo Moacyr Soares Pereira, obra citada, pág. 11. 61 PEREIRA, Moacyr Soares. Obra citada, pág. 11.

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(...) por tempo de cinco anos a Fernão Gomes, um cidadão honrado de Lisboa, por duzentos mil réis cada ano, com a condição que, em cada um destes cinco anos, fosse obrigado a descobrir pela costa adiante cem léguas [cerca de 600 quilômetros], de maneira que no cabo de seu arrendamento, desse quinhentas léguas descobertas [cerca de 3000 quilômetros]. 62

Neste caso, Fernão Gomes deveria começar sua exploração a partir da Serra

Leoa, que era o último ponto conhecido pelos navegantes portugueses antes do

arrendamento. Este ponto havia sido descoberto por Pero de Cintra e Soeiro da Costa.

É nesta fase, de 1469 a 1474, que se foi explorando as costas da Malagueta, do

Marfim e do Ouro e ainda as ilhas de São Tomé, do Príncipe, Fernão Pó e Ano Bom,

todos no Golfo da Guiné. Ao final do contrato, Gomes havia reconhecido e mapeado,

bem como tomada posse em nome do Rei de Portugal, das quinhentas milhas de costa

previstas no contrato.

O contrato de Santa Cruz, apesar da menor duração, três anos em relação aos

cinco anos do contrato da Guiné, determinava o reconhecimento do total de 900 léguas

(5400 quilômetros), o que correspondia a “toda a orla marítima compreendida pelo

meridiano de Tordesilhas”.63

A expedição de 1503 foi dada ao comando de Gonçalo Coelho. Foi composta por

seis navios, um dos quais, mais uma vez, estava sob o comando de Américo Vespúcio,

muito provavelmente um navio de propriedade de um dos mercadores florentinos.

62 BARROS, João de. in PEREIRA, Moacyr S., Obra citada, pág. 13. 63 PEREIRA, Moacyr Soares. Obra citada, pág. 13.

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Gonçalo Coelho era Escrivão da Fazenda Real e, por natureza do cargo, também tinha

grande aproximação com os ricos mercadores estabelecidos em Lisboa.

4. Trinta Primeiros Anos: Os europeus conhecem o Brasil

A respeito do arrendamento real da exploração da costa brasileira, em 1502, é

oportuno levantar a hipótese da inexistência do “abandono de trinta anos”, que é

apontado e defendido pela historiografia brasileira, e de maneira genérica aceita, desde o

século XIX. Encontramos nos principais estudos historiográficos sobre este período,

como é o caso da obra de Capistrano de Abreu, disseminada esta idéia, como podemos

ver:

Até então [a década de 1530] o Brasil estivera entregue a degredados, a desertores, a traficantes de madeira que lhe deram o nome. Seu povoamento fora descurado inteiramente, embora Diogo de Gouveia e Cristóvão Jaques apontassem, como meio único de impedir as incessantes incursões francesas, a fundação de povoações e fortalezas, que não deixassem carga para as naus contrabandistas. Com o ano de 1535 se iniciou um movimento capital que ainda hoje continua. 64

Por outro lado, é interessante notar como essa idéia do abandono ainda está

presente nos meios historiográficos atuais, como podemos atestar em recente publicação

de 1998, supervisionada pelo eminente historiador Ronaldo Vainfas, quando Eduardo

Bueno em seu livro intitulado Náufragos, Traficantes e Degredados, usando como

referência a obra monumental de Carlos Malheiro Dias, em quatro volumes, intitulado

História da Colonização Portuguesa no Brasil, publicada em 1924, refere-se às

primeiras três décadas da colonização do Brasil como as Décadas Esquecidas. Fala-se

64 ABREU, Capistrano de. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988, pág. 37.

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que o Brasil foi “descoberto” por Cabral, em 1500, e aí teria sido “esquecido” pela

Coroa, durante trinta longos anos, até 1531.

Na verdade, é como se, depois de um hiato de 30 anos, a história do Brasil só se iniciasse com a chegada da ‘missão colonizadora’ de Martim Afonso de Sousa, em 1531. [...] Por cerca de 30 anos, aquele vasto território seria virtualmente abandonado pela Coroa portuguesa [...] Iriam se iniciar as três décadas menos documentadas e mais desconhecidas da história do Brasil. 65

Percebemos, pelo exposto nos relatos de viajantes, soldados e marinheiros, que

visitaram o Brasil nos primeiros anos da colonização, bem como através de alguns

documentos oficiais da Corte portuguesa, como veremos mais adiante, que ao contrário

do que se repetiu através do tempo, as atividades européias no litoral brasileiro foram

intensas, a partir de 1501, com a primeira expedição oficial pós-cabralina.

Claro que, por ser o período mais recuado da história da colonização européia no

Brasil, este período conta com alguns obstáculos e dificuldades para pesquisas mais

acuradas, tais como a escassez de documentos oficiais e exigüidade das referências da

maior parte dos livros sobre a história do Brasil, que geralmente reduzem o período que

vai de 1500 a 1530 a dois parágrafos.

No entanto, Varnhagen nos dá uma idéia de que em 1516 já havia uma

preocupação em relação à colonização: já no reinado de D. Manuel e pelo menos desde

1516, haviam sido dadas algumas providências em favor da colonização e cultura do

Brasil. 66 Uma destas providências havia sido a implantação da Feitoria de Pernambuco,

65 BUENO, Eduardo. Obra citada, pág. 36. 66 VARNHAGEN, F. A . Obra citada, pág. 106.

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uma vez que este seria, digamos assim, o modus operandi português, desde os

primórdios da exploração da costa africana.

A lógica da ocupação parece obedecer, sempre no caso português, a três passos

distintos, sendo o primeiro a fase de reconhecimento físico e hidrográfico, quando a

nova área é inserida no “mundo conhecido”; a segunda fase é caracterizada pelo

estabelecimento de entrepostos comerciais, no caso as feitorias, como ocorreu nas costas

da Mina, do Ouro e Congo, na África, bem como na Índia; e na terceira fase a

implantação das capitanias, com a maior transferência de contingente humano

propriamente dito, bem como o estabelecimento de outras estruturas coloniais, tais como

vilas e engenhos.

Se não houve uma colonização no sentido da povoação, isto é, do assentamento

de elemento humano europeu, deveu-se ao desconhecimento da terra e das paragens

marítimas por parte dos conquistadores. Então, para ocupar, seria necessário conhecer,

em primeiro lugar.

Esse conhecer exigiu grande esforço e grande despesa, tanto material quanto

humana, pois o litoral brasileiro guarda seus perigos, assim como a travessia oceânica.

Pereira da Costa, ao descrever as atividades da expedição de Gonçalo Coelho, de 1503,

destaca as agruras por que passaram os expedicionários e seu capitão, nos primórdios

deste processo:

Gonçalo Coelho, nesta sua viagem de exploração da costa do Brasil [expedição de 1503], como refere Simão de Vasconcellos – ‘andou por ela muitos meses: descobriu diversidade de portos, rios e enseadas; em muitas destas partes saiu em terra, e tomou informações da gente delas, metendo marcos das armas del-rei seu senhor, e tomando posse por ele. Porém pela pouca notícia que até então se tinha da corrente das águas e curso dos ventos destas paragens, padeceu graves infortúnios na

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especulação desta costa, e veio a recolher-se a Lisboa com menos dois navios, entregando a el-rei as informações que achava. 67

Para que esse reconhecimento prosseguisse, foi utilizada a iniciativa privada,

através do contrato de arrendamento da exploração, como vimos, pelo período de três

anos. Na medida em que se ia conhecendo o litoral, o tráfego tornava-se mais intenso,

pois as informações vazavam, dada a profusão de pessoas de diversas nacionalidades

presentes nas tripulações dos navios.

Ao disseminarem as informações técnicas, gradativamente, através daqueles que

participavam das viagens transoceânicas, outros armadores, principalmente particulares,

passavam a freqüentar as rotas marítimas portuguesas e espanholas que faziam a ligação

entre a Europa e a América.

A seqüência dos passos exploratórios portugueses na América, no entanto, teve

que ser revisto, pois, em mais de um século de exploração da costa africana, os

portugueses puderam gozar de certa “tranqüilidade” no tocante à concorrência de outros

países europeus. Os problemas com o corso e a pirataria restringiam-se mais às regiões

próximas da costa atlântica marroquina, até o Estreito de Gibraltar, e das ilhas atlânticas

próximas da Europa, como os arquipélagos dos Açores e das Canárias, este último

disputado com a Espanha, sendo finalmente incorporado àquele país. As ameaças

partiam principalmente de embarcações árabes e de corsários normandos, bretãos e

mesmo espanhóis. No entanto, nas águas abaixo do Cabo Bojador, até o Golfo da Guiné,

a exploração decorreu como negócio exclusivo de Portugal, assegurado inclusive por

várias bulas papais, que refrearam os interesses espanhóis na exploração desta parte do

Atlântico.

67 PEREIRA DA COSTA, F. A . Obra citada, pág. 64.

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Ao iniciar a exploração da costa americana, Portugal seguiu os mesmos passos da

exploração africana, assegurada a sua prioridade na costa oriental da América do Sul

desde o Tratado de Tordesilhas de 1494. Mas ao contrário do que ocorreu do lado

oriental do Atlântico Sul até finais do século XV, desde os primeiros anos da exploração

da Terra de Santa Cruz, os portugueses tiveram fazer valer sua primazia à ferro e fogo,

diante de franceses e espanhóis, como veremos a seguir.

A exploração das terras americanas, pertencentes a Portugal, por parte de outros povos, foi tentada tanto por vias legais como pela ação de flibusteiros que “infestavam” a costa, negociando os produtos da terra com os indígenas.68

Fruto deste período inicial de exploração, é que foi reconhecida a capacidade de

abrigo e profundidade do “Porto de Pernambuco”, como era conhecida a hoje

denominada “Barra de Itamaracá”. Não foi por acaso que o rei mandou que se erigisse

uma feitoria neste ponto.

Além da competência deste porto, a costa em que está localizada a Ilha de

Itamaracá foi, logo nos primórdios dos contatos europeus com o novo continente,

conhecida como uma região onde ocorria o pau-brasil de melhor qualidade. Por essas

duas fortes razões é que foram instaladas as feitorias de Cristóvão Jacques, na parte sul

da Ilha de Itamaracá, a primeira fundada em 1516 e a segunda em 1526.

Já em 1516, ano em que o rei manda a Cristóvão Jacques fundar uma feitoria real

ao sul da Ilha de Itamaracá, Pereira da Costa nos dá notícia de uma embaixada do Rei de

Portugal à Corte francesa:

68 ALBUQUERQUE, M. O Processo Interétnico em uma feitoria quinhentista no Brasil. Revista de Arqueologia. São Paulo, 7:99-123, 1993, pág. 103.

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Neste mesmo ano de 1516, eram tão freqüentes as viagens de navegadores franceses aos portos do Brasil, onde faziam grandes carregamentos de produtos do país, que el-rei D. Manuel, por intermédio de seus agentes, dirigiu a respeito uma representação ao governo francês.69

A primeira ação comercial francesa ao Brasil data já de 1503, quando a nau

l´Espoir parte do porto de Honfleur, na França, em 24 de junho, comandada pelo piloto

Binot Palmier de Gonneville, auxiliado por dois pilotos portugueses, Sebastião Moura e

Diogo Couto. A expedição atingiu o Brasil em janeiro de 1504, no atual litoral de Santa

Catarina, avariada depois de enfrentar forte tempestade na travessia oceânica,

permanecendo até julho de 1504 no Brasil, tempo em que fez contatos amigáveis com as

populações nativas, como nos atesta o historiador francês Laurent Vidal, estudioso das

ações francesas no Brasil Colônia:

Ils mirent ce temps à profit pour traiter avec les indiens de l´ethnie des Carijos pour une cargaison de peaux et plumes, et s´attirer leur sypathie, à tel point que le chef Carijo proposa que son fils Essomericq accompagné d´um fidèle serviteur Namoa, embarque sur le navire de retour, afin qu´il revienne instruit dans les arts de la civilisation. [...] Essomericq est le premier d´une longue série d´Indiens brésiliens qui viendront em France.70

A atitude francesa de levar índios Carijó até a França, no início do século XVI, é

um elemento de contraste com a atitude dos portugueses em relação às populações

nativas do Brasil. Em seu retorno para a Europa, Gonneville sobe o litoral brasileiro,

69 PEREIRA DA COSTA, F. A . Obra citada, pág. 94. 70 VIDAL, Laurent. La Présence Française dans le Brésil Colonial au XVIe Siécle. Conferência proferida por ocasião do Fórum Internacional de História e Cultura no Sul da Bahia, Porto Seguro, abril/1999, pág. 03.

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passando pela Baía de Todos os Santos e Cabo de Santo Agostinho, onde faz seu

carregamento de pau-brasil. 71

Mais tarde, na década de 1520, encontramos a expedição dos irmãos Giovanni e

Girolano Verrazano, a serviço do rei Francisco I da França, com a incumbência de

encontrar uma rota ocidental para atingir as Índias, mais especificamente “le Cathay et

les Moluques”, como nos diz Laurent Vidal. Entre 1524 e 1529 eles fazem quatro

travessias atlânticas e “leurs ´échecs´ repétés vont mettre le Brésil au premier plan des

stratégies économiques françaises”.72

O nome dos irmãos Verrazano é associado, já na década de 1520, a uma primeira

expedição com o intuito de fundar uma colônia francesa no Brasil, idéia que foi adiada

por conta do rei de Portugal ter tomado conhecimento dos seus preparativos e enviado

uma embaixada junto ao rei da França, em 1522, “pour le prier d´interdire le départ, ce

qu´il obtint en fin de compte.”73 Sobre o mesmo fato, Pereira da Costa nos dá a notícia

de forma quase indignada, como vemos:

Avisado neste ano [em 03 de março de 1522] o rei de Portugal por alguns de seus vassalos que negociavam em França, de que, com destino ao Brasil, se faziam nos portos da Normandia várias armadas, com favor dos almirantes das costas de França e dissimulação do rei Francisco I, juntando-se a isto as queixas que em Portugal havia pelos danos que se experimentavam da parte dos corsários daquela nação, se determinou a mandar por embaixador à França a D. João da Silveira, para fazer as devidas reclamações. D. João foi muito bem recebido, mas quanto aos negócios da sua incumbência, só obteve do rei

71 PERRONE-MOISÉS. Leyla. Voyage de Gonneville (1503 – 1505) Et la Découvert de Normandie par les Indiens du Brésil. Paris: Chandeigne, 1995, pág. 126. 72 VIDAL, Laurent. Obra citada, pág. 04. 73 VIDAL, Laurent. Obra citada, pág. 04.

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respostas indeterminadas, mais aparentes que decisivas, e com o único fim de entreter tempo.74

Assim, cada vez mais familiarizados com a realidade física do litoral (portos,

rios, enseadas), com suas potencialidades (frutas, ervas, madeiras) e com seus

habitantes, com os quais faziam “comércio” ou “guerra”, os europeus entraram em

disputas cada vez mais acirradas entre si.

Outra vez Pereira da Costa nos dá notícias das atividades européias, desta vez da

expedição dos irmãos Parmentier, que partem do porto de Dieppe, na França, em 1520,

rumo ao Brasil:

Itamaracá foi a paragem em que aportaram os Parmentier, encontrando apenas no continente um fortim de madeira para abrigo de alguns portugueses degredados. Era a chamada Feitoria de Pernambuco.75

Logo em seguida, cita o relato de viagem lavrado por um dos próprios viajantes,

João Parmentier, que nos revela a freqüência com que os franceses visitavam o litoral

brasileiro: “A parte mais freqüentada pelos franceses e bretões, está situada entre o

Cabo de Santo Agostinho e o Porto Real, que se acha a doze graus”.

Além da presença francesa, também os espanhóis se fazem presentes intensamente

na costa brasileira. Apesar do Tratado de Tordesilhas assegurar a posse portuguesa desta

área, frente à Espanha, existe uma corrida contra o tempo no sentido da aferição das

reais dimensões do quinhão que cabe a cada uma das nações na costa oriental da

América do Sul. Os pontos exatos onde o Meridiano de Tordesilhas tocaria o continente

74 PEREIRA DA COSTA, F. A. Obra citada, pág. 103. 75 PEREIRA DA COSTA, F. A . Obra citada, pág. 101.

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sul-americano, é fruto de muita controvérsia na primeira metade do século XVI. Tanto

Portugal tentava incluir em seus domínios a região do estuário do Rio da Prata; quanto a

Espanha tentava incluir partes do sul brasileiro entre suas possessões.

Em 1508 a Espanha envia uma expedição comandada por Vicente Yañez Pinzón

e João Dias de Solis, que deveria fazer o reconhecimento da costa que vai do Cabo de

Santo Agostinho até o Rio da Prata. Esta expedição é conseqüência dos relatos de ambos

os navegadores, acrescidos de mais dois outros experientes navegadores, que são Juan

de La Cosa e Américo Vespúcio, com o rei espanhol Fernando II.

Partindo a expedição em demanda do Brasil, reconhece as ilhas do Cabo Verde, dobra o Cabo de Santo Agostinho e costeando a terra abaixo ao rumo Sul da costa continental, chega até quase 40 graus, e apesar das proibições que tinham os seus chefes, desembarcam em muitos portos e enseadas, levantam cruzes e tomam posse dessas terras em nome da coroa da Espanha, em desrespeito à já liquidada questão de seu domínio em favor de Portugal.76

Por volta de 1516, é enviada uma esquadra portuguesa, sob o comando de

Cristóvão Jaques, que além da incumbência de reconhecer o litoral até o Rio da Prata,

tinha a especial missão de fundar uma Feitoria Régia em Itamaracá, como vimos

anteriormente. Em 1526 é a vez de chegar ao Cabo de Santo Agostinho mais uma frota

espanhola, sendo esta comandada por João Cabot, que, como nos diz Pereira da Costa,

era “filho do célebre navegador veneziano do mesmo nome”.

76 PEREIRA DA COSTA, F. A . Obra citada, pág. 78.

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5. Nova Associação entre a Coroa e Particulares: Instituição das Capitanias

Como vimos até agora, Portugal tem de lutar contra a concorrência estrangeira,

principalmente neste começo do século XVI, contra a Espanha e contra a França, sendo

o embate com o primeiro travado mais no campo diplomático, para fazer valer o tratado

de 1494; já com a França, que não reconhecia o tratado, alia tanto a força bélica,

apreendendo navios franceses em águas brasileiras, afundado-os, por vezes, e fazendo

prisioneiros, bem como enviando embaixadas ao rei francês para reclamar da ação dos

navios franceses na América Portuguesa. Essa pressão externa faz com que a Coroa

portuguesa resolva redirecionar o processo de exploração, haja vista que os passos até

então executados não eram suficientes para fazer frente à cobiça francesa por suas terras.

On peut même dire que les incursions répétées des navigateurs et commerçants français au Brésil, dans cette première moitié du XVIe siècle, vont conduire le Portugal à une redéfinition de sa politique vis-àvis du Brésil. [...] Alarmé par des informations précises parvenues à Lisbonne sur l´activité des Français au Brésil, Dom João III commença de se préoccuper sérieusement du sort de sa colonie américaine.77

Em 1534, a Coroa portuguesa lançando mão mais uma vez da associação com

particulares, divide o território em capitanias, e distribui os vários lotes entre os súditos

reais que houvessem prestado serviços à Coroa. Mesmo sendo uma espécie de “prêmio”, o

agraciado deveria corresponder com investimentos na ocupação e aproveitamento

econômico das terras.

77 VIDAL, Laurent. Obra citada, pág. 04.

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Sobre a instituição do sistema de capitanias hereditárias no Brasil, encontramos

no trabalho de Antonio Vasconcelos de Saldanha 78, um estudo abrangente, inserido na

história das instituições e do direito em Portugal.

Cronologicamente, a instituição das capitanias abrange desde o século XV até o

século XVIII. A primeira capitania a ser criada foi a Capitania do Machico, no

arquipélago da Madeira, em 1440. A última a ser criada foi a Capitania do Xingu, no

Brasil, em 1685.

Espacialmente, as capitanias compreenderam todo o mundo atlântico português,

desde os Açores até Angola, passando por Cabo Verde, Madeira, Serra Leoa, Brasil e

São Tomé.

Durante o século XVI a Coroa aplicou duas diretrizes às capitanias. Na medida

em que os donatários prosperavam, conseguindo assentar colonos europeus e produzir

economicamente, havia um esforço por parte da Coroa para reintegrar este espaço ao

Poder Real, o que era muito difícil de aceitar por parte do donatário, mesmo sabendo que

em última instância, o Rei estava acima de tudo:

Os bens públicos, em relação ao Rei, se não estão em seu domínio e propriedade, estão certamente em seu império e administração; eis porque bem poderá dispor deles para o bem comum da nação, que resulta da justa e necessária distribuição de prêmios.79

A menção feita pelo autor ao “prêmio”, resulta de uma doutrina antiga, que está

ligada ao cerne do sistema de doações: o dever premiar. O dever premiar ou galardoar,

78 SALDANHA, Antonio Vasconcelos de. As Capitanias: O Regime Senhorial na Expansão Ultramarina Portuguesa. Madeira, Portugal: Centro de Estudos de História do Atlântico, 1992. 79 SALDANHA, Antonio Vasconcelos de. Obra citada, pág. 65.

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além de estar centrado na própria construção das doações régias, era um componente

indissociável da prática genérica de justiça, entendida como um dos atributos régios

fundamentais.

Na verdade, a doação de uma capitania estava inserida no que Alberto Carlos de

Menezes definiu como as “Grandes Regalias”. Estas estão inseridas no “Grande

Morgado da Coroa”, que estaria dividido entre as grandes e as pequenas regalias. As

“Grandes Regalias” seriam as prerrogativas da instituição majestática, não cabendo ao

rei, como indivíduo, comercializar ou alienar qualquer bem que se enquadrasse nesta

categoria. Esses seriam classificados como os bens:

(...) que lhe devem suceder os sucessores da Coroa, substituindo uns aos outros na propriedade daqueles vinculados, perpetuamente proibido o seu comércio e alienação. 80

Isto é, a capitania representava uma parte do reino, doada pelo rei, não como

indivíduo, mas como instituição majestática. Essa doação deveria ser confirmada, ou

não, por cada novo rei que viesse a ocupar o trono. Por outro lado, como um esforço

conjugado, a Coroa incentivava a criação de capitanias em áreas pouco povoadas ou

ainda não exploradas.

Portanto, a instituição das capitanias hereditárias estava presente no Estado

português desde o século XV, como vimos, e deveria estar apenas à espera das

informações detalhadas a respeito das terras americanas, para que também ali fosse

implantada essa forma administrativa. As ilhas atlânticas apresentavam pelo menos dois

aspectos que lhes havia possibilitado implantar esse regime tão cedo. Em primeiro, lugar

80 SALDANHA, Antonio Vasconcelos de. Obra citada, pág. 24.

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as pequenas dimensões territoriais de cada ilha, sendo mais fácil de dominar e ocupar;

em segundo lugar, o fato de a maioria das ilhas terem sido encontradas desertas, com

raras exceções.

Como exemplo das experimentações que então se efetuavam nas terras

americanas, pelos portugueses, podemos encontrar a notícia da chegada em Portugal, já

em 1526, de açúcar produzido em Pernambuco. Ora, essa informação nos leva a deduzir

que quando Duarte Coelho desembarcou em Pernambuco, quase dez anos depois, já

estivesse ciente de que a área era propícia para o plantio da cana e produção do açúcar,

como podemos atestar pelo que nos diz Varnhagen: “Pagavam de direito, na casa da

Índia, o quarto e a vintena dos respectivos valores [impostos], e que, no número desses

produtos entravam não só alguns escravos, como, em 1526, algum açúcar de

´Pernambuco e Tamaracá´”.81

No entanto, a trajetória das capitanias nos é conhecida, com muitos dos

agraciados com o “prêmio” sequer pisando em suas terras; outros que chegaram a vir para a

colônia, mas fracassando em administrar seus negócios, abandonaram a iniciativa.

Já em 1549, quase quinze anos depois de ter instituído as capitanias, a Coroa

portuguesa ajusta mais uma vez a conformação administrativa da colônia, estabelecendo

o Governo-Geral, sediado na Capitania da Bahia de Todos-os-Santos, que por ter sido

uma das que haviam fracassado pela ação do donatário, havia sido recuperada pela

Coroa, e somando-se a esse fato a sua privilegiada localização, aproximadamente central

em relação às capitanias que lhe estavam ao norte e ao sul, foi escolhida para sede do

81 VARNHAGEN, F. A . História Geral do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, v. 1, 1978, pág. 106.

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novo governo, ganhando desde então novo alento, pelos investimentos estatais

condizentes com seu status.

Após o período muitíssimo conturbado das três primeiras décadas, até que se

estabelece definitivamente como América Portuguesa, as ações espanholas são

amainadas, permanecendo os franceses com incursões isoladas pelas áreas mais afastadas

das vilas emergentes, tais como Olinda, Salvador e São Vicente. No entanto, ainda no

século XVI a Coroa portuguesa verá a França passar da ação de piratas e corsários

isolados à uma ação de cunho estatal, com a tentativa de implantação de uma colônia

permanente na Baía de Guanabara, a França Antártica, em 1555, sob o comando do

almirante Nicolas Durand de Villegaignon.

Em 1580, após a morte do rei D. Sebastião, que não deixa herdeiros, Portugal se

vê às voltas com os problemas sucessórios, até que termina por perder sua autonomia,

passando a ter o rei de Espanha como seu soberano. O período que vai de 1580 até 1640

ocorre o que se convencionou denominar de União Ibérica, que significa a união das

duas coroas, primeiramente sob o poder do rei Filipe II, da Espanha, passando para seus

sucessores, Filipe III e Filipe IV. Decorrente disso, mas também pela recente autonomia

que conquista nos finais do século XVI, vamos encontrar também os holandeses nos

embates pela posse das terras da América Portuguesa.

O empreendimento francês abrira uma nova fase dos embates entre Portugal e

outras nações européias pela posse do Brasil. Podemos enumerar os empreendimentos

estrangeiros que tentaram estabelecer-se permanentemente: A França Antártica (1555-

1560), na Baía de Guanabara; A França Equinocial (1612-1615), no Maranhão; A

Primeira Invasão Holandesa (1624-1625), em Salvador; e, por último, a Segunda

Invasão Holandesa (1630-1654), em Pernambuco.

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Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco, em 1654, finalmente Portugal

tinha assegurado o domínio da sua colônia, sua costa e seus mares, recebendo, ainda nos

séculos XVII e XVIII, a incursão de corsários e piratas que saquearam vilas e cidades,

mas que não mais questionaram a sua autonomia.

Os problemas com a Espanha passam a ser outros, decorrentes dos sessenta anos

de dominação espanhola sobre a monarquia portuguesa. Desde 1580, com a União

Ibérica, a linha de Tordesilhas, demarcatória entre as possessões portuguesas e

espanholas na América, havia perdido a sua razão de ser, já que ambas as partes estavam

sob uma mesma jurisdição. Com isso começa-se, por parte dos colonos portugueses

estabelecidos no sul da colônia, a incursão para o “outro lado” da linha de Tordesilhas,

assim como no norte, adentra-se através do Amazonas. Com o fim da União Ibérica, em

1640, e depois da expulsão dos holandeses, do Nordeste, em 1654, os embates deixam

de ter como palco o litoral e passam para o interior do continente.

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Tendo chegado a três continentes, a Europa se apropria deles. Primeiro, nomeia – com suas palavras e seus preconceitos – os lugares e seus habitantes. Depois, os marca e, finalmente, os ocupa. Mas cada qual de forma diferente.

Jacques Attali

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Capítulo 3 Portos, Barras e Ancoradouros no Nordeste do Brasil:

do Rio São Francisco à Baía da Traição

NAS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E ITAMARACÁ 1 .Caracterização Geográfica do Litoral Nordestino

2. Descrições e Ocupações 3. Relação de Portos e Ancoradouros

A localização do litoral nordestino dota-o de condições extremamente privilegiadas

no tocante à navegação marítima com a Europa, seja pela maior proximidade geográfica

com o Velho Mundo, em relação ao restante do litoral brasileiro, seja pelas condições das

correntes marítimas e do regime dos ventos.

É indubitável o empenho sistemático da coroa portuguesa no sentido de incluir o

litoral brasileiro nas rotas atlânticas. Até 1530 esse empenho foi caracterizado por ações de

reconhecimento, exploração e defesa, como vimos no capítulo anterior, mas também estava

intensificando sua utilização como escala para as embarcações que faziam a rota do

Oriente, além do que, ampliavam-se as bases da exploração, transformando as novas terras

em “´campo experimental´ para a exploração oficial do pau-brasil sob a forma de

arrendamento, além da implantação da agro-manufatura açucareira”.82

NAS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E ITAMARACÁ

A extensão litorânea das capitanias de Pernambuco e Itamaracá, abrangeu a maior

parte da costa oriental do Nordeste brasileiro, indo da Baía da Traição, localizada

82 BARROS, Rustom Lemos de. Embarcações e Frotas Portuguesas: Evolução e Atuação no Nordeste Brasileiro até 1720. Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE/Programa de Pós-Graduação em História, 1982, pág. 206.

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atualmente ao norte do Estado da Paraíba, até a foz do Rio São Francisco, que atualmente

divide os litorais dos estados de Alagoas e Sergipe.

Esta área contava, além dos elementos expostos acima, com condições físicas

propícias tanto para o abrigo de embarcações quanto ao desembarque e à ocupação humana,

haja vista o número relativamente significativo de enseadas e baías que, juntamente com as

malhas hidrográficas - que apesar de não se destacarem pela grandeza - ofereciam

elementos bastante favoráveis para as condições da navegação praticada nos séculos XVI e

XVII.

A partir da década de trinta dos Quinhentos, com a instituição das Capitanias

Hereditárias, verificamos que um dos principais elementos presentes nas cartas de doação

régia aos capitães-donatários é fruto direto da fase de reconhecimento do litoral exposto no

capítulo anterior, pois, ao determinar os quinhões doados, o rei faz menção aos marcos

geográficos para balizar e delimitar os lotes. Ora, o conhecimento dos acidentes físicos do

litoral, pelo qual o rei sabe exatamente quantas léguas caberá a cada súdito decorre

exatamente do esforço e trabalho que seus navegadores e exploradores vinham fazendo há

trinta anos. Como podemos ver nos trechos das carta de doação que se seguem.

Limites da Capitania de Pernambuco, como se lê na carta de doação do rei D. João

III a Duarte Coelho:

Dom João por graça de Deos Rey de Portugal, dos Algarves da quem, e da alem Mar em Africa Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação, Commercio da Etiopia, Arabia, Persia, e da India &c. &c. A quantos esta minha carta virem: faço saber que considerando eu quanto serviço de Deos a meu proveito, e bem do meu Reyno e Senhorios, e dos Naturaes e Subditos delles, he ser minha Costa, eterra do Brazil mais povoada do que até agora foi [...] ouve por bem de a mandar repartir, e ordenar em Capitanias de certas em certas legoas, para della prover aquellas pessoas que bem me parecese, pelo qual esguardando eu os muitos serviços que

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Duarte Coelho, Fidalgo da minho casa, a El-Rey meu Senhor, e Padre que Santa Gloria haja, e a mim tem feito assim nestes Reynos, como nas partes da India, onde me servio muito tempo, [...] Hei por bem, e me apraz de lhe fazer, e como de feito por esta presente Carta faço mercê, e irrevogável Doação que entre vivos e valedora deste dia para todo sempre de juro, e herdade para elle, e todos os seus filhos, netos, herdeiros e successores, que apoz elle vierem, [...] segundo adiante irá declarado, de sessenta legoas de terra na dita Costa do Brazil, as quaes se comessarão no Rio de S. Francisco, que he do Cabo de S. Agostinho para o Sul, e acabarão no rio que cerca em redondo toda a Ilha de Itamaracá ao qual rio ora novamente ponho o nome de rio de Santa Cruz, e mando que assi se nomeie, e chame de aqui em diante, e isto com tal declaração que ficara com o dito Duarte Coelho a terra da banda do sul, e o dito rio onde Christovão Jacques fez a primeira caza de minha Feitoria, e a cincoenta passos da dita caza da Feitoria pelo rio a dentro ao longo da praia se poerá hum padrão de minhas Armas, e do dito padrão se lançará huma linha cortando al oeste pela terra firme a dentro, e a terra da dita linha para o Sul será do dito Duarte Coelho, [...] e assi entrará na dita terra e demarcação della todo o rio de S. Francisco, e a metade do rio de Santa Cruz pela demarcação sobredita. [...] E por firmeza de todo lhe mandei dar esta minha Carta por mim assignada, e asselada do meu sello de Chumbo. Manoel da Costa a fez em Évora a dez dias do mês de março, Anno do Nassimento de Nosso Senhor Jezu Christo de mil quinhentos e trinta e quatro. E eu Fernão de Alvares Thezoureiro Mor d’El-Rey Nosso Senhor, Escripvão de sua Fazenda a sobrescrevi. REY 83

Limites da Capitania de Itamaracá, como se lê na carta de doação do rei D. João III

a Pero Lopes de Sousa:

D. João &c. A quantos esta minha carta virem: faço saber que considerando eu quanto serviço de Deos a meu proveito, e bem do meu Reyno e Senhorios, e dos Naturaes e Subditos delles, he ser minha Costa, eterra do Brazil mais povoada do que até agora foi [...] ouve por bem de a mandar repartir, e ordenar em Capitanias de certas em certas legoas, para della prover aquellas pessoas que bem me parecese, [...] e pelo qual havendo eu respeito à criação que fez

83 Carta de Doação de D. João Rei de Portugal a Duarte Coelho in FERNANDES GAMA, José Bernardo. Memórias Históricas da Província de Pernambuco, Recife: Arquivo Público Estadual, 1977, edição fac-símile, pág. 42 a 53.

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Pero Lopes de Souza, fidalgo da minha casa, e aos serviços que me tem feito [...] hei por bem e me apraz de lhe fazer mercê, como de feito por esta presente carta faço mercê e irrevogável doação, entre vivos valedora deste dia para todo sempre, de juro e herdade, para elle e todos os seus filhos, netos, herdeiros e successores, que apoz elle vierem, [...] segundo adiante irá declarado, de 80 legoas de terra na dita Costa do Brazil, repartidas nesta maneira: 40 legoas que começarão de 12 leguas ao sul da ilha da Cananéa, e acabarão na terra de Santa Anna, que está em altura de 28 gráos e um terço; e na dita altura se porá o padrão, e se lançará um linha, que se corra a loeste: e 10 leguas que começarão do rio de Curpare, e acabarão no rio de São Vicente; [...] e as 30 leguas que fallecem, começarão no rio que cerca em redondo a ilha de Itamaracá, ao quel rio eu ora puz – Rio da Santa Cruz -, e acabarão na bahia da Traição, que está em altura de 6 gráos. [...] e será sua a dita ilha de Itamaracá, e toda a mais parte do dito rio da Santa Cruz que vai ao norte; [...] Manoel da Costa a fez em Évora a 21 dias do mez de Janeiro de 1535. REY 84

1. CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO LITORAL NORDESTINO

Sabemos que o litoral nordestino, dentro da atual divisão política do território

brasileiro, compreende desde o Estado do Maranhão, ao norte, até o Estado da Bahia, ao

sul. No entanto, para efeito de análise e descrição, faremos um corte espacial e nos

deteremos à parcela mais oriental desta costa, que vai do Cabo de São Roque, ao norte

(atualmente localizado no Estado do Rio Grande do Norte) até a Ilha de Itaparica, ao sul

(atualmente localizada no Estado da Bahia).

O trecho compreendido entre o Cabo de São Roque até a Ilha de Itaparica apresenta

um clima tropical com boa umidade e é caracterizado pelo aparecimento, em alguns trechos

84 Carta de Doação de D. João Rei de Portugal a Pero Lopes de Sousa in FERNANDES GAMA, José Bernardo. Obra citada, pág. 105 a 115.

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da orla marítima, de paredões escarpados que podem atingir até 150m em alguns trechos

desta área85. É a chamada formação Barreiras:

Essa formação “barreiras”, de origem sedimentar, é estrutura argilo-arenosa, coloração vermelha, amarela e branca, datando do período pliocênico da Era Terciária. Apesar de fortemente trabalhado pela erosão, a ponto de, em certos trechos, mostrar-se retalhado de morros testemunhos, o relevo em estudo ainda conserva a forma de platô baixo, levemente inclinado para o mar e se elevando para o interior até o contato com o embasamento cristalino.86

Este trecho é ainda caracterizado por paredões de arrecifes que acompanha quase

que paralelamente a linha da costa, apresentando em algumas partes um desenho

homogêneo, formando muralhas naturais de proteção contra a atividade marítima sobre o

cordão costeiro.

A respeito destas muralhas de arrecifes, que caracterizam esta extensa parcela

litorânea, temos que distinguir dois tipos, quais sejam os arrecifes coralíneos e os arrecifes

areníticos. O primeiro tipo é composto pela agregação de esqueletos de animais marinhos

mortos e vivos que terminam por formar grandes barreiras submersas ou semi-submersas.

O segundo tipo é formado pelo surgimento do arenito, tipo de rocha sedimentar, que tem

sua gênese ligada à sedimentação do carbonato de cálcio, elemento abundante na

composição da água do mar, em regiões que já foram áreas de arrebentação, ou seja, a área

de atividade marítima imediatamente anterior à linha litorânea, onde ocorre a ação das

ondas costeiras, e que por conta das alterações dos níveis do mar, depois de formado o

85 COUTO, Jorge. A Construção do Brasil: Ameríndios, Portugueses e Africanos, do início do povoamento a finais de quinhentos. Lisboa: Cosmos, 1998, pág. 27. 86 SETTE, Hilton, ANDRADE, M. C. Estudos Pernambucanos. São Paulo: Editora do Brasil, [s. d.], pág. 26.

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paredão arenítico, passa a ser uma área de contenção das ondas e das correntes marítimas.

Muitas vezes os dois tipos de arrecifes podem estar associados, como podemos ver através

da explanação a seguir:

No terraço submarino de Pernambuco os arrecifes coralígeos [sic] e areníticos alternam-se e misturam-se. Ora aparecem soldados às praias, ora correm paralelos, muito próximos, semelhantes a uma extensa muralha semi-submersa onde as vagas das marés altas vêm quebrar, proporcionando ancoradouro e portos naturais.87

Além dos arrecifes, como importantes formadores de paragens marítimas,

encontramos as redes fluviais, que também proporcionam, em seus deltas e estuários, locais

de ancoradouro, sendo ainda potenciais corredores para a interiorizando das explorações.

Muitas vezes, ocorre de encontrarmos estes dois elementos – arrecifes e desembocaduras de

rios - associados, também disponibilizando ótimos locais de abrigo para as embarcações.

A malha hidrográfica que compõe esta parcela do litoral é caracterizada por rios de

pequeno porte, destacando-se como maiores apenas os rios São Francisco, seguindo-se o

Capibaribe e o Paraíba (denominado também, na documentação colonial, como São

Domingos). Além destes, encontramos muitos rios pequenos, que apesar do baixo caudal,

foram significativos para a construção da malha de ocupação européia deste território, haja

vista que todos eles, tanto os maiores quanto os menores, eram navegáveis em seus baixos

cursos, permitindo que as embarcações da época penetrassem alguns quilômetros para o

interior88.

87 SETTE, Hilton, ANDRADE, M. C. Obra citada, pág. 21. 88 ANDRADE, M. C. Economia Pernambucana no Século XVI. Recife: Arquivo Público Estadual, 1962, pág. 26.

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Tanto na Capitania de Itamaracá como na de Pernambuco podemos destacar alguns

rios que tiveram desde cedo suas barras utilizadas como portos, e no decorrer do processo

de ocupação tiveram suas margens exploradas, iniciando com a extração do pau-brasil, com

o auxílio do trabalho indígena, e posteriormente com o desmatamento e o plantio extensivo

da cana-de-açúcar, a instalação dos engenhos de açúcar, então utilizando a mão-de-obra

escrava, primeiramente a indígena, mas já paralelamente utilizando negros africanos,

também reduzidos à escravatura.

A importância da malha hidrográfica é acrescida pela importância da composição

dos solos que abrangem a maior parte da faixa de Mata Atlântica ao norte do São

Francisco, hoje denominada de Zona da Mata. Nessa área ocorrem tipos de solos propícios

ao cultivo da cana-de-açúcar, representando, então, os rios que banham esta região,

caminhos naturais de escoamento da produção dos engenhos que se iam instalando em suas

várzeas. Através destes corredores naturais, a produção poderia ser levada até os portos

litorâneos e de lá para o porto do Recife, onde seria embarcada para a Europa.

No entanto, percebemos que pouco ou quase nada é referido sobre a abrangência e

dimensão das principais bacias fluviais que compõem essa área, o que nos levou a incluir a

descrição dos principais rios, enumerando seus principais afluentes, bem como a extensão

de seus cursos, para que possa servir de base para estudos mais aprofundados a respeito da

ocupação de suas várzeas pela agro- indústia canavieira.

Desta maneira, passamos a descrever a configuração dos principais cursos d´água

das capitanias de Pernambuco e Itamaracá, sem citar o Rio São Francisco, um dos mais

conhecidos e estudados, dada a dimensão nacional.

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Assim, na Capitania de Itamaracá podemos destacar os seguintes cursos d’água, no

sentido norte-sul89 :

Rio Mamanguape –

“Nasce no município de Campina Grande, na Lagoa Salgada, a L. da vila de Jófili. Desce a

Borborema apertado entre penedos e alcantis. Lança-se no Atlântico após um curso de 150

quilômetros. Tem como principais afluentes: da margem direita o Zumbi; da esquerda, o

Mundaú, o Uruçu, o Guarabira, o Araçaji e o Pirpirituba. Perto da foz, que está a 6º 47’ 12”

S e 34º 57’ 45” W Gr., recebe ainda os riachos Grupiúna e Jacaré, mais propriamente furos

da lagoa Acajutibiró”.

Rio Paraíba (Rio São Domingos) –

“Rio de 330 quilômetros de curso que, a princípio à Capitania, depois à Província e, por

fim, ao Estado, deu seu nome. Rio de planalto, atravessando regiões de solo pouco

permeável na quase totalidade de seu curso. Começa por três rios distintos: o da Serra, o do

Meio, e o Sucuru. Sua foz se abre quase no meio do litoral paraibano a 6º 57’ 20” S e 34º

48’ 45” W. Gr. Seus principais afluentes, a começar do planalto da Borborema: da margem

esquerda, o Taperoá, o Santa Rosa, o Bodocongó, o Paraibinha, o Caiuraré ou Surrão, o

Ingá, o Gurinhém, o Curimataú, o Gargaú, e o Guia; da margem direita: os riachos Santo

Antônio e Aguapava, o Una, o Tiberi, o Sanhauá, o Tambiazinho, o Mandacaru, todos

89 As informações a respeito dos rios Mamanguape, Paraíba e Gramamae são do Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba, de autoria de Coriolano de Medeiros (Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950). Os demais são do Dicionário Topográfico, Estatístico e Histórico da Província de Pernambuco, de autoria de Manuel da Costa Honorato (Recife: Governo do Estado de Pernambuco, edição fac-símile, 1976).

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perenes. Tem [também] a denominação de Paraíba do Norte, para distinguir -se de Paraíba

do Meio, rio de Alagoas e Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro”.

Rio Gramame –

“Rio de notável volume de água. Nasce na propriedade Gramame do Amaro, ao N. de

Pedras de Fogo. Recebe as águas de vários riachos e ribeiros, entre os quais o Mombaba, o

Prata, o Utinga, o São Bento. Ao S. das barreiras de Jacarapé, lança-se no Atlântico, depois

de 75 quilômetros de curso, calculadamente”.

Rio Goiana –

“formado pela reunião dos ribeiros Tracunhãem e o Capibaribe-Mirim ou Jacaré, às abas da

cidade de Goyanna, donde corre de rumo leste quase sete léguas de extensão pelas grandes

voltas que encontra, não obstante Ter o terreno por ele regado nada mais que quatro léguas;

vem desaguar no oceano 3 léguas ao norte da ilha de Itamaracá, entre as pontas de

Coqueiros e de Pedras, mais próximo à de Coqueiros”.

Rio Tracunhaém –

“Rio que nasce no lugar denominado Dorandongos, na freguesia de Bom Jardim, termo do

Limoeiro; corre 25 a 30 léguas, sob o nome de Japomim, e despeja no rio Goyanna, pouco

adiante da vila deste nome, com um curso de quase 40 léguas, depois de ter recebido os

riachos Gindaí, Gavião, Tapinassu, Grutaba e Pagi”.

Rio Capibaribe-Mirim –

“Rio que nasce na serra do Fervedor, no lugar denominado Estreito; junto com o ribeiro

Tracunhaém, forma o rio Goiana, no qual despeja 5 léguas distante da foz. O seu curso é

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extenso, e se introduz pelas matas. Na foz tem 30 braças de largura e 25 palmos de fundo,

porém diminui progressivamente até 5 palmos de fundo ao passo que se afasta da foz. Em

seu curso são seus confluentes os riachos Cruangi, Água-Torta, Mucambo e Ferreiros”.

Canal de Santa Cruz e alguns de seus confluentes (Tejucupapo, Itapessoca, Siri e Congo):

Canal de Santa Cruz –

A Ilha de Itamaracá “é separada do continente por um estreito e profundo canal, e,

conquanto a sua barra não seja tão larga como a de Catuama, é muito franca e conserva

ainda muita água em todo o canal que vai da barra ao porto da ilha, a qual tem mais de meia

milha de largura de um a outro picão”.

Riacho de Tejucupapo –

“Corre várias voltas um espaço de 5 léguas do rio Itapessoca, com o qual se une, e entre os

oiteiros do Seleiro, ao norte, e o pontal do Atapuz ao sul, despeja na barra de Catuama”.

Riacho de Itapessoca –

“despeja na barra de Catuama, entre os outeiros do Funil e Seleiros, com uma foz de 120

braças; o qual é navegável em toda a sua extensão por barcaças, até o encosto do riacho

Massaranduba. Sua extensão é de mais de légua, finda a qual faz um alagado, onde se lança

o riacho Massaranduba”.

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Riacho do Siri –

“que se divide em dois, denominados Siri e Sibaúma. O riacho Siri tem meia légua de

curso, e o Sibaúma uma légua”.

Rio do Congo –

“despeja no canal da ilha de Itamaracá; tem um curso de mais de légua e meia”.

Na Capitania de Pernambuco podemos destacar os seguintes cursos d’água, no

sentido norte-sul:

Rio Igarassu –

“Rio que nasce nos corgos do engenho Utinga; vai fazer barra na Ilha de Itamaracá, depois

de correr o espaço de 9 léguas fazendo grandes voltas. É formado pelas águas das ribeiras

Utinga, Pitanga e Taipé”.

Rio Beberibe –

“Ribeiro que nasce nas serras que demoram ao ocidente de Olinda; as suas águas correm ao

longo de istmo ao sul de Olinda, e, se misturando com as do Capibaribe, se confundem com

as do mar entre as três divisões que compõe a bela cidade do Recife”.

Rio Capibaribe –

“Rio que nasce na fralda ocidental da serra do Jacarará, um dos ramos dos Cariris Velhos,

no Olho-d’Água do Gavião e Lagoa do Angu; num leito de roc has de sua fonte até a

comarca de Pau-d’Alho, é arenoso daí até o Recife, e se lança no oceano depois de ter feito

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um curso de 80 léguas pouco mais ou menos. Em seu curso este rio recebe pelo lado do

norte os seguintes riachos: das Pêgas, do Arroz, Urubu, Grota, Fenda, Tapado, Patos, Onça,

Juazinho, Taiépe, Gameleira, Cheio, Esquerdo, Jagurussu, Cahéahy, Muriquipu,

Salgadinho, Amparo, Mel, Duas Pedras, Piraíba, Mussurépe, Água-Fria, Massiape, Caiará,

Cachaça, Dindi, Timbi, Camaragibe, Monteiro e Parnamirim, vindo da nascença para a foz;

e pelo lado do sul os riachos: Carapotós, da Madre de Deus, das Tabocas, São Domingos,

Barrinhos, Éguas, Mary, Figueira, Pedra-Tapada, Caçatuba, Ribeiro-Fundo, Cotonguba,

Goytá, Tapacurá, do Meio, Crussahy, Massapinho, Gurgué ia, Pau-d’Arara e Ribeiro

Grande, todos perenes; e os riachos – Pitribu, Cumbe, Salgadinho, Beturi, Frecheiras,

Preguiça, Almas, Cortume, Paridas, Breguinho, Barrinha, Urubu, Pedra, Salobro, Catolé,

Mandassaia, Cachoeira, Santa Vitória, Pitombeira, Mandacaru e Rio da Cruz. São portanto,

71, seus afluentes, não falando em alguns que por insignificantes não são mencionados”.

Rio Jaboatão –

“Rio que nasce acima do engenho Jenipapo, corre de oeste a leste, fazendo grandes voltas,

até lançar-se no oceano, na barra das jangadas. A sua foz tem 140 braças de largura e 20 a

25 palmos de fundo que diminuem sucessivamente. Em seu curso recebe as águas dos

riachos Muribequinha, do Pico, Una, Gurjaú-de-Cima, Caraúna, Suassuna, Mauassu,

Massaíba, além de outros menos notáveis”.

Rio Pirapama –

“nasce na freguesia de Santo Antão, no lugar denominado Quaresma; despeja na barra das

Jangadas. Tem 20 léguas de curso e recebe os riachos Pagão, Matapiruna, Quanduz,

Arandu, Araríba, Cajabussú e Tapugi, vindos do norte, e o riacho Utinga, vindo do sul. Sua

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foz é pouco mais de duas léguas ao norte do Cabo, e tem 60 a 70 braças de largura, 20

palmos de fundo”.

Rio Ipojuca –

“Rio que nasce na Serra do Acaí ou Ararubá; despeja no oceano entre Serinhaém e o Cabo,

com um curso de 72 léguas pouco mais ou menos, 12 léguas ao sul do Recife; aos 8ºº 25’

de latitude meridional, formando um porto de quase 200 braças de largura, denominado

Porto de Galinhas, o qual é frequentado por embarcações pequenas. Em seu curso recebe

os riachos Pabatinga, Poço do Pinto, Cachungó, Taquára, Papagaio, Mabangas, Rua-Nova,

Mabanga, Sapucagi, Tapessirica, Riacho da Barra, Jaguará, Ventari, Cutegi, Mapiruma,

Mussu, Chiqueiro, Visgueiro, Cabeça de Negro, Jundiá-da-Catateira, Crassituba, Amanca e

Pilões. São portanto, 23 os seus afluentes mais notáveis”.

Rio Serinhaém –

“Rio que nasce das duas fontes Palmeira e Brejinho, que saem da serra do Mondé, três

léguas distante da povoação de Bezerros; passa por quatro cachoeiras, mistura-se com água

salgada no engenho Anjo, uma légua distante da vila de Serinhaém e despeja no oceano na

distância de duas léguas. Em seu curso recebe muitos e inumeráveis riachos, dos quais são

principais os seguintes: ao norte o Riachão, o Aramaragi, Cocahú, Camaragibe, Jassiru e

Subiró; ao sul os riachos Papiruçú, Bonito-Grande, Onça, Capivara, Pedrez, Capoeiras, Pé-

da-Mata, e Água Comprida. O curso é de 40 léguas”.

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Rio Formoso –

“Belo e elegante rio que nasce na freguesia de Una, atravessa a vila do Rio Formoso, e,

misturando suas águas com as salgadas no engenho do mesmo nome, se lança no oceano,

quatro milhas ao norte do forte de Tamandaré, pouco mais ao sul da ponta da Gamela e

correndo encostado à ponta do Manguinho. A sua foz dista légua e meia da cidade de seu

nome. Neste ponto, porém, já não é tão belo como na foz. Em seu curso recebe o riacho

Goicana, ao norte, e o riacho Aringuide, ao sul. Na foz tem 250 braças de largura”.

Rio Una –

“Rio que tem origem das várzeas da fazenda do Agreste, ao pé de uma pequena serra,

denominada do Agreste, em Garanhuns; e despeja no oceano, quase no limite meidional da

província, depois de 60 léguas de curso. Em seu curso recebe os riachos da Chata, Pirangy,

Pirangy-Pequeno, Jatobá e Jacupe, ao sul; e Mentiroso, Prata, Taquara, Gravatá, Gama,

Carrilho, Verde, Preto, Jundiá, Palmeira, Quandu, Timbó, Estiva, Roncadeira e Barro-

Branco, ao norte”.

A relação acima nos dá uma noção da malha disponível para a exploração da região.

Muitos dos rios que compõem esta malha não são perenes, tendo vazão apenas nas épocas

das chuvas, principalmente aqueles que percorrem as áreas mais afastadas do litoral. Esta

pode ter sido uma das razões que dificultaram a penetração além da zona da mata, na

direção dos sertões. No entanto, os principais rios além de serem perenes, tinham seus

baixos cursos navegáveis.

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2. DESCRIÇÕES E OCUPAÇÕES

Esta área litorânea, que vai do Cabo de São Roque, ao norte (localizado no atual

Estado do Rio Grande do Norte) até o Cabo de Santo Agostinho, ao sul (localizado no atual

Estado de Pernambuco), foi um dos trechos que primeiro foi abordado com olhos mais

atentos, e também documentado, por parte dos europeus, como exposto no capítulo dois.

A área já havia sido reconhecida pelos espanhóis, através de Vicente Yáñez Pinzón,

que esteve presente no Cabo de Santo Agostinho em janeiro de 1500, portanto meses antes

da tomada oficial de posse por parte dos portugueses, que foi efetivada com a expedição de

Pedro Álvares Cabral. Talvez por conta da existência do Tratado de Tordesilhas, de 1494,

os espanhóis não tenham lutado frente os portugueses pela ocupação desta área. No entanto,

o contato espanhol com esta parte do litoral – chegada ao Cabo de Santo Agostinho, onde

Pinzón chegou a desembarcar, bem como sua viagem deste cabo, seguindo o rumo norte,

margeando o litoral, até chegar à foz do Amazonas – está documentada por historiadores e

cronistas europeus do próprio século XVI, tais como Pedro Mártir de Anglería (Décadas

del Nuevo Mundo), Gonzalo Fernández de Oviedo (Historia General y Natural de las

Indias), Frei Bartolomé de las Casas (Historia de las Indias) e Antonio de Herrera (Historia

General de los Hechos de los Castellanos en las Islas y Tierra Firme del Mar Oceano). O

historiador espanhol Julio Izquierdo Labrado, natural de Palos de La Frotera, citando

Antonio de Herrera, nos dá a notícia da chegada de Pinzón ao litoral pernambucano:

26 de enero [de 1500] descubrió tierra bien lejos, y esto fué el cabo que ahora llaman de San Agustín, al cual llamó Vicente Yáñez Cabo de Consolación, y los portugueses dicen la Tierra de Santa Cruz, y ahora del Brasil.90

90 LABRADO, Julio Izquierdo. El Descubrimiento del Brasil por Vicente Yáñez Pinzón: El Cabo de Santo Agostinho. in Conferência proferida no Seminário Internacional “Vicente Yáñez Pinzón e o Descobrimento do Brasil”, Cabo de Santo Agostinho: inédito, 2000, pág. 10.

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Este episódio, que concorre com a apropriação oficial portuguesa, haja vista a

antecedência dos espanhóis ser apenas desautorizada por conta do Tratado de Tordesilhas

de 1494, quando o meridiano demarcatório passou a ser definido como a 370 léguas a oeste

das ilhas do Cabo Verde (passando então a incluir a parte continental da América do Sul

que viria a ser a América Portuguesa e posteriormente o Brasil), foi sucedido por uma ação

portuguesa que visava o início do reconhecimento das terras que de jure lhe pertenciam.

Desta forma, no ano seguinte às passagens tanto de Pinzón quanto de Cabral pelo litoral

brasileiro, o rei D. Manuel envia a primeira esquadra dirigida especificamente para o

levantamento geográfico da América Portuguesa (se é que a expedição de Cabral já não

tinha esse cunho!) .

Assim, em 1501 o rei D. Manuel apresta uma flotilha, que parte de Lisboa em 14 de

maio, na direção das terras noticiadas por Pedro Álvares Cabral no ano anterior, composta

por apenas três caravelas. De acordo com Pereira da Costa, mesmo admitindo, o autor,

haver controvérsias a este respeito, indica ser D. Nuno Manuel o comandante da expedição,

assessorado por Américo Vespúcio, “marinheiro profecto e conhecedor dessas paragens

americanas, pelas viagens que anteriormente fizera ao serviço de Castela”.91

A flotilha de 1501 encontrou as terras da América Portuguesa no Cabo de São

Roque, em 16 de agosto deste ano, e foi costeando a terra, dirigindo-se para o sul, atingindo

o cabo de Santo Agostinho em 28 de agosto, chegando até o Rio São Francisco, chamado

pelos indígenas de pará (mar na língua tupi) e que ficou durante algum tempo sendo

denominado como o pará, levando alguns copistas a grafar Opara, forma considerada

91 COSTA, Pereira da. Anais Pernambucanos 1493 – 1590, v. 1., Recife: Fundarpe, 1983, pág. 50.

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errônea por Teodoro Sampaio.92 Durante este percurso, os pilotos e cosmógrafos da

pequena expedição iam observando as paragens marítimas e “batizando”, de acordo com o

calendário cristão, os pontos notáveis da costa (estes últimos são os acidentes geográficos

capazes de servir de referência para a aproximação das embarcações vindas de alto mar,

tais como morros, baías, cabos, enseadas e estuários fluviais).

Esta parece ser a mais antiga ação de levantamento geográfico e documentação

deste litoral levada a efeito pelos portugueses. Após esta expedição ainda serão enviadas

mais duas, 1502 e 1503, que percorrerão quase a totalidade da costa brasileira, consagrando

já neste período, algumas paragens marítimas, entre as quais a Ilha de Itamaracá e o Cabo

de Santo Agostinho.

Na realidade, desde os primeiros contatos dos europeus com esta faixa de costa, as

denominações indígenas Itamaracá (a ilha) e Pernambuco (o porto natural) confundem-se

geograficamente. Durante as primeiras décadas dos Quinhentos, a parte sul do Canal de

Santa Cruz, que separa a Ilha de Itamaracá do continente, era denominada em relatos dos

navegadores como Porto de Pernambuco. No decorrer da década de trinta, principalmente

depois da chegada de Duarte Coelho e da fundação da Vila de Olinda, quando o atual porto

do Recife passou a ser utilizado de forma mais incisiva, passou-se então a designar como

porto de Pernambuco tanto a Barra de Itamaracá (parte sul do Canal de Santa Cruz) quanto

o porto do Recife, como nos atesta Methódio Maranhão em Duarte Coelho e a Colonização

de Pernambuco:

O nome “Pernambuco”, que parecia de um porto conhecido e freqüentado desde epocha anterior a 1516, passou a designar dous lugares distinctos: o do porto dos Marcos, do Canal Sul de

92 COSTA, Pereira da. Obra citada, pág. 51, 58 e 61.

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Itamaracá, do Rio Iguarassú, que era o Pernambuco Velho; e o porto de Olinda, do Arrecife ou Recife dos Navios, que seria o Pernambuco Novo. 93

Posteriormente a este momento inicial, a Ilha de Itamaracá e seu entorno foi, senão

a primeira, das primeiras áreas da costa brasileira utilizada pelos europeus para atividades

permanentes. É nesta região que é instalada em 1516 uma feitoria real portuguesa por

Cristóvão Jaques94. Desde este período são relatados freqüentes combates entre portugueses

e franceses.

Ainda durante o período que antecede a instalação das capitanias hereditárias, é

importante salientar essa dupla presença européia na faixa litorânea que vai do Rio São

Francisco à Baía da Traição, debatendo-se franceses e portugueses pela extração do pau-

brasil, cada qual cooptando nações indígenas distintas como aliadas nesta exploração, bem

como pela posse da feitoria e controle desta faixa litorânea. Estes embates prosseguirão

mesmo após a instalação das capitanias, como diz Manuel Correia de Andrade:

Durante um certo período, quem visitasse a costa brasileira teria dificuldade de saber se estava em uma colônia francesa ou portuguesa”.95

Esta presença foi um dos motivadores da ação fixadora portuguesa, como meio de

debelar as pretensões francesas a estas terras, como é o caso das campanhas contra as

feitorias francesas ao norte da Capitania de Itamaracá, levando inclusive ao

93 MARANHÃO, Methódio. Duarte Coelho e a Colonização de Pernambuco, in Conferencia Feita em Sessão Solenne do Gabinete Portuguez de Leitura, Recife: Imprensa Industrial, 1935, pág. 21. 94 “A instalação da Feitoria de Cristóvão Jaques em Pernambuco, representa portanto o primeiro assentamento europeu em terras brasileiras”. ALBUQUERQUE, Marcos. O Processo Interétnico em uma Feitoria Quinhentista no Brasil. Revista de Arqueologia, São Paulo, 7:99-123, 1993, pág. 107.

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desmembramento desta capitania em 1585, quando é criada a Capitania da Paraíba, como

recurso para melhor ocupar e vigiar as terras que vinham sendo utilizadas pelos franceses e

seus aliados indígenas.

Durante o período colonial, os ventos favoráveis à partida de naus ou armadas, eram

denominados de “monções”. Esta nomenclatura foi utilizada por pilotos, mestres de navios

e por administradores, seja na Metrópole, seja na Colônia, deixando-a registrada em vários

documentos.

Na realidade, o que se denominava de “monção” era a resultante das variações que

ocorrem, ao longo do ano, nas relações de temperatura e pressão entre os continentes e os

oceanos.

Assim, os continentes são mais quentes que os oceanos no verão, invertendo-se essa

relação no inverno. No primeiro caso ocorrem baixas pressões nos continentes (maiores

temperaturas), fazendo com que os ventos se desloquem na direção mar/terra, e ao se

inverter esta relação, se desloquem no sentido terra/mar. Este é um quadro genérico do

comportamento das grandes massas de ar, no entanto, é importante salientar as pequenas

variações locais, denominadas de “brisas” e “terrais”. Estas pequenas alternâncias ocorrem

diariamente, pela manhã as baixas pressões localizam-se no oceano, fazendo com que os

ventos se desloquem no sentido terra/mar, são os “terrais”, que impulsionam as

embarcações para o mar. Ao fim do dia, as baixas pressões localizam-se no continente

devido ao aquecimento da terra, fazendo com que as brisas marinhas desloquem as

embarcações no sentido mar/terra.

95 ANDRADE, Manuel Correia de. Itamaracá, uma Capitania Frustrada. Recife: FIDEM – Centro de Estudos de História Municipal – CEHM, 1999, pág. 24.

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No trato cotidiano, os mareantes denominavam estes movimentos de “monções

favoráveis” e “monções contrárias”, de acordo com a direção dos ventos.

Outra variante de relevo para as navegações, diz respeito às marés. Segundo Jaime

Cortesão, este fenômeno é praticamente nulo no Mar Mediterrâneo, ganhando grande

importância no Oceano Atlântico, principalmente no tocante às viagens que eram

executadas ao longo das costas e ao acesso às formações naturais utilizadas como portos e

ancoradouros.

Não há duvidas de o regime dos ventos constituía fundamental condicionante à

navegação. Rustom Lemos de Barros informa que, devido às más condições

meteorológicas, como tempestades que ocorriam ao longo da costa portuguesa nas

proximidades do mês de abril, ou as calmarias próximas ao litoral brasileiro, além da forte

corrente sul/norte, que impedia as embarcações que se dirigiam ao litoral sul de dobrarem o

Cabo de Santo Agostinho, tornaram freqüentes as arribadas. Tornava-se imperativo,

portanto, levar em consideração os cálculos das distâncias e as previsões de partida e

chegada das embarcações.

Diante deste quadro, a coroa chegou a determinar que as frotas deveriam partir de

Lisboa, em fins de março ou abril, atingindo a Índia em setembro ou outubro. O retorno era

estabelecido em fins de janeiro do ano seguinte, o que permitia chegar a Lisboa em agosto

ou setembro. Quando não se observava este cronograma, os resultados das viagens eram,

em sua grande maioria, desastrosos. Dispersões provocadas pelos temporais e ventos fortes;

arribadas ou paralisações em zonas de calmarias e naufrágios. As partidas prematuras de

Lisboa (janeiro/fevereiro), ou tardias da Índia (maio a dezembro), alongavam as viagens ou

levavam ao fracasso.

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Até certo ponto, muitos dos problemas referentes à navegação para a Índia, foram

similares aos da navegação para o Brasil. No entanto, a montagem de períodos favoráveis

para partidas de Lisboa ao Brasil, e retorno deste para a Metrópole, foi alvo de vários

experimentos ao longo do tempo. Os elementos que tinham que ser conciliados neste

esquema náutico eram: fazer coincidir com os meses de verão na partida de Portugal,

chegada à Colônia, e partida desta e chegada a Lisboa. Além disto deveria ainda haver a

conciliação da chegada das frotas ao Brasil com o período de pós-safra da cana-de-açúcar -

que, é bom destacar, ocorriam em épocas diferentes em várias capitanias-, quando o

produto já deveria estar encaixotado e armazenado nos portos, esperando o embarque.

Apesar dos ventos serem mais propícios às travessias, a conciliação dos fatores expostos

tornava a tarefa um verdadeiro “quebra-cabeça”.

3. Relação de Portos e Ancoradouros

A tabela que mostraremos a seguir foi construída com o objetivo de permitir uma

visualização da quantidade de pontos da costa, utilizados como portos e ancoradouros, e

que desempenharam importante papel para a ocupação da área delimitada, de acordo com o

exposto até o momento. Seguimos, da mesma forma que na relação dos rios, o sentido

norte/sul, começando no limite setentrional da Capitania de Itamaracá, a Baía da Traição,

até o limite meridional da Capitania de Pernambuco, o Rio São Francisco.

Dividimos em três colunas, sendo que na primeira, à esquerda, está designado o

nome com o qual o local é atualmente conhecido e, logo abaixo deste, outras denominações

que aparecem em fontes e referências históricas. Na segunda coluna, tentamos dar uma

localização aproximada, haja vista que nem sempre foi possível encontrar as coordenadas

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exatas de cada localidade tratada. Na terceira coluna, incluímos algumas características do

porto, ressaltadas pelos textos citados, e que podem denotar o maior ou menor grau de

importância que teve, no período colonial, este local. Por fim, na quarta e última coluna,

procuramos rastrear as referências mais antigas a respeito da utilização do local, quando ele

deve ter aparecido em textos descritivos ou em mapas e cartas náuticas, que também são

referidas abaixo da data.

Apesar de vários espaços da tabela encontrarem-se em branco, resolvemos, mesmo

assim, incluí-la neste capítulo, pois permite que se tenha uma noção da disponibilização de

formações naturais úteis à navegação do período tratado, além de representar uma

complementação das informações a respeito da malha hidrográfica. As lacunas da tabela

decorrem do fato de que as fontes tratadas nem sempre traziam informações sobre todos os

pontos, mas que poderá ser complementada futuramente, em continuando estes estudos.

Desta forma, nós temos:

Portos compreendidos na área da antiga Capitania de Itamaracá.

Limites da Capitania: Baía da Traição (Norte) ao Canal de Santa Cruz (Sul):

DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Baía da Traição (variações do nome potiguar: Acajutibiró ou Acejutibiró)

Limite norte da Capitania de Itamaracá, separando-a da Capitania do Rio Grande.

“Ancoradouro de naus” “porto muito cômodo para muitos navios” (J. A. G. de Mello, Fontes para a História do Brasil Holandês, pág. 44)

Século XVI (c. 1587) (Gabriel Soares de Sousa – Notícia do Brasil)

- Ponta de Lucena

Ponta de terra que forma uma baía, aproximadamente entre

“podem capazmente surgir os maiores navios” (J. A. G. de Mello - Fontes

Século XVII (c. 1638) (J. A . Gonsalves de Mello)

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três e quatro quilômetros ao norte do Rio Paraíba.

para a História do Brasil Holandês, pág. 93)

DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Barra do Rio Mamanguape

(Variações do nome: Maguape, Manguape, Mamanguaba, Mongonguape)

Litoral norte do atual Estado da Paraíba.

“Entram caravelas da costa” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1587) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Barra do Rio Paraíba (Barra do Rio São Domingos; Porto de Cabedelo; Porto da Paraíba)

Litoral norte do atual Estado da Paraíba (ao norte da atual cidade de João Pessoa).

“Tem um ilhéu na boca, que o divide em duas barras: Barra Norte, entram caravelões. Barra Sul, entram naus grandes”. (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1587) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Barra do Rio de Jaguaripe

Litoral sul do atual Estado da Paraíba (aproximadamente 12 km ao sul do Rio Paraíba) (cf. Francisco Filippe Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil)

“Entram barcos” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1587) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Barra do Rio de Aramama

Litoral sul do atual Estado da Paraíba (aproximadamente 12 km ao sul do Rio Jaguaripe) (cf. Francisco Filippe Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil)

“Entram caravelões” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1587) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Porto dos Franceses

Entre a Ilha de Itamaracá e o Rio de Aramama. Os franceses desde muito cedo freqüentavam esta parte do litoral.

“É capaz de grandes naus” (Diogo de Campos Moreno, Livro que dá Razão so Estado do Brasil)

Século XVII (c. 1612) Diogo de Campos Moreno – Livro que dá Razão so Estado do

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Brasil)

DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Barra do Rio Abionabiajá

Litoral sul do atual Estado da Paraíba (aproximadamente 10 km ao sul do Rio de Aramama) (cf. Franc isco Filippe Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil)

- Porto do Rio Abiaí (Porto do Rio Auijayá; Porto do Rio Abiá)

Antigo limite entre a cidade de Goiana e a Paraíba (cf. Pereira da Costa, vol. I, pág. 164)

“Foram os franceses se organizando para melhor poderem comerciar nas costas de Itamaracá, estabelecendo ao norte um porto conhecido como Porto dos Franceses e outro no Rio Auijayá, hoje Abiaí.” (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos)

Século XVI (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos)

- Barra do Rio Goiana (Barra do Rio Guayana; Barra do Rio Goyanna)

Litoral norte do atual Estado de Pernambuco, atual divisa entre este Estado e o da Paraíba.

“Navegável por sumacas até três léguas [c. 18km] acima” (Aires de Casal – Corografia Brazilica)

- Porto de Goiana

No Rio Goiana, na altura da atual cidade Goiana.

- Porto da Conceição

No Rio Tracunhaém, na margem esquerda, na altura da atual cidade de Tracunhaém.

- Engenho Novo

No Rio Goiana, aproximadamente 3km abaixo da cidade de Goiana. (cf. Franc isco Filippe

“Admite pequenos vapores e hiates”. (cf. Francisco Filippe Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil, pág. 8)

Século XIX (c. 1877)

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Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil, pág. 8)

- Porto Japomim

Na confluência dos rios Tracunhaém e Goiana.

DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Rio Ubu (portos do Engenho Ubu)

Parte Norte do canal de Santa Cruz.

Um dos locais onde eram desembarcados escravos. (cf. Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, v.1, pág. 385)

Século XVI (c. 1569) (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, v.1, pág. 385)

- Barra do Rio Capibaribe-Mirim

(Rio Capivarimirim; Rio Capibari-mirim)

Na confluência deste com o Rio Goiana.

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Souza, Notícia do Brasil)

- Porto de Jacaré

Localizado no Rio Capibaribe-Mirim, em frente ao Engenho Jacaré.

No século XIX Pereira da Costa afirmava que este porto já se encontrava desaparecido.

- Barreta do Gerimunha

Em frente a Ponta de Pedras. (Francisco Filippe Pereira – Roteiro da Costa Norte do Brasil)

“Pequena barra onde podem entrar embarcações cujo callado não exceda 10 pés, com fundo variável de 5 a 11 metros na baixa mar das água de lua” (Francisco Filippe Pereira – Roteiro da Costa Norte do Brasil, pág. 249)

- Porto do Buraco Na confluência dos rios Tracunhaém e Carrapicho, ao lado da Ilha de Itapessoca.

Capaz de abrigar pequenas embarcações.

Século XIX (c. 1859) (cf. D. Pedro II – O Imperador Intinerante)

- Barra de Catuama (Porto de Catuama; Cattawambage [holandês])

Entrada norte do Canal de Santa Cruz, ao norte da Ilha de Itamaracá.

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Souza – Notícia do Brasil)

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DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Povoação de Pilar do Porto

Povoação localizada na Ilha de Itamaracá. Atual sede do município.

“A partir de 1750, transformou-se o Pilar numa espécie de ‘Porto Seguro’ para um grande número de barcaças, transportando açúcar e outros produtos entre diversos pontos da costa nordestina.” (cf. Pereira da Costa – Anais Pernambucanos)

Século XVIII (c. 1750) (Pereira da Costa – Anais Pernambucanos)

- Barra de Itamaracá (Porto de Pernambuco Velho; Rio de Pernambuco; Porto de Itamaracá; Feitoria de Itamaracá; Porto dos marcos; Estância dos Marcos; Ancoradouro da Ilha de Itamaracá,; Canal da Barra de Entrada)

Entrada sul do Canal de Santa Cruz, ao sul da Ilha de Itamaracá.

“Entram navios de mais de cem tonéis.” (cf. Gabriel Soares de Souza – Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1516 e 1534) (Ordem Régia para fundação de uma feitoria real, por Cristóvão Jaques, em 1516 e a Carta de Doação da Capitania de Pernambuco a Duarte Coelho, em 1534)

TOTAL DE PORTOS IDENTIFICADOS NA

CAPITANIA DE ITAMARACÁ:

22 PORTOS

Portos compreendidos na área da antiga Capitania de Pernambuco. Limites da Capitania: Canal de Santa Cruz (Norte) ao Rio São Francisco (Sul).

DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Porto de Igarassu (Porto de Igaraçu; Rio Igarassu)

Na margem do Rio Igarassu, na altura da povoação de mesmo nome.

Século XVI (c. 1549) (Hans Staden - Meu Captiveiro entre os selvagens do Brasil)

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DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Barra de Maria Farinha

Em frente à povoação de mesmo nome, litoral norte de Pernambuco.

“Visitado por barcos que o atingem com o concurso da maré” (Pereira da Costa – Anais Pernambucanos)

Século XIX (c. 1877) (Francisco Filippe Pereira – Roteiro da Costa Norte do Brasil)

- Barra de São José

Entre Maria Farinha, ao norte, e Pau Amarelo, ao sul.

“Barra que oferece bom ancoradouro.” (Francisco Filippe Pereira – Roteiro da Costa Norte do Brasil)

Século XIX (c. 1877) (Francisco Filippe Pereira – Roteiro da Costa Norte do Brasil)

- Enseada de Pau Amarelo

(Porto de Pau Amarelo; Desembarcadouro de Pau Amarelo)

Em frente à povoação de mesmo nome, atual município de Paulista, PE.

“Bom para o surgimento de 15 a 18 náos groças” (Diogo de Campos Moreno – Livro que dá Razão do Estado do Brasil)

Século XVII (c. 1612) (Diogo de Campos Moreno – Livro que dá Razão do Estado do Brasil)

- Barra do Rio Doce

Norte do atual município de Olinda, PE.

Século XVII (c. 1631) (João Teixeira Albernás – carta náutica)

- Barra do Rio Tapado (Surgidouro do Rio Tapado)

Atual município de Olinda, PE.

“barreta com 22 palmos de profundidade, pedra, na baixa mar, mas muito estreita e dividida em dous canaes por uma grande pedra a meio que é secca.” (Sebastião Galvão – Diccionario Chorographico, histórico e estatístico de Pernambuco)

Século XVII (c. 1631) (João Teixeira Albernás – carta náutica)

- Varadouro da Vila de Olinda

(Varadouro da Galeota; Porto do Varadouro)

Atual município de Olinda, PE.

“Entram caravelões e barcos vindos do porto [Recife] pelo rio Beberibe.”

Século XVI (c. 1537) (Foral de Olinda)

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DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Porto do Recife (Porto de Pernambuco Novo; Porto de Olinda; Porto da Vila de Olinda; Porto dos Navios; Porto dos Arrecifes; Porto do Recife dos Navios)

Atual município do Recife, PE.

“Entram navios de mais de 200 tonéis.” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1537) (Foral de Olinda)

- Passo da Barreta

Atual município do Recife, PE.

“na margem de camboa, havia um passo ou trapiche de depósito e embarque de açúcar que eram conduzidos por água à praça do Recife. Este estabelecimento já existia em 1630, vindo daí a denominação de ‘Sítio da Barreta’.” (Pereira da Costa – Anais Pernambucanos)

Século XVII (c. 1630) (Pereira da Costa – Anais Pernambucanos)

- Passo do Fidalgo

Atual município do Recife, PE. “estava situado à margem esquerda do Rio Capibaribe, em Santana, e em terras que originariamente pertenceram ao Engenho Casa Forte, e depois às do Jequiá.” (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, v. 2., pág. 111)

“para se vai em barcas que sobem o Rio Capibaribe.” (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, v. 2., pág. 111)

Século XVII (c. 1630) (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos)

- Barra de Jangadas (Rio de Jaboatão; Barra da Jangada)

Atual município de Jaboatão dos Guararapes, PE.

“Pouca profundidade e circulada de coroas e arrecifes.” (Francisco Filippe Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil)

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

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DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Enseada de Gaibu

Atual município do Cabo de Santo Agostinho, PE.

“Há um bom ancoradouro junto à mesma enseada para navios de qualquer callado.” (Francisco Filippe Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil)

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Enseada de Calhetas

Atual município do Cabo de Santo Agostinho, PE.

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Enseada de Suape (Porto do Cabo de Santo Agostinho; Cabo de Santo Agostinho; Cabo de Santa Maria de La Consolación; Barra do Rio Suape; Porto de Nazaré; Barra de Nazaré)

Ao sul do Cabo de Santo Agostinho, atual município de Ipojuca, PE.

“Abriga grandes naus.” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1500) (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos)

- Porto de Galinhas (Barra do Rio das Galinhas; Porto das Gallinhas)

Atual município de Ipojuca, PE.

“entram barcos da costa.” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Barra do Rio de Ipojuca

Atual município de Ipojuca, PE.

“entram barcos pequenos.” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Barra de Serinhaém (Barra do Rio Serenhen; Rio de Serinhaém)

Atual município de Serinhaém, PE.

“rio de pouca água, é bastante pedrejado e cheio de bancos de areia, prestando unicamente a barcaças.” (Francisco Felippe Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil, pág. 2)

Século XVII

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DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Ilha de Santo Aleixo

A pouca distância do litoral entre as barras de Serinhaém e do Rio Formoso.

“Surgidouro e abrigo para naus”. (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos)

- Barra do Rio de Maracaípe

Atual município de Ipojuca, PE.

“entram caravelões.” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Barra do Rio Formoso

Atual município de Rio Formoso, PE.

“entram navios da costa.” (Francisco Felippe Pereira, Roteiro da Costa Norte do Brasil)

Século XVII

- Enseada de Tamandaré

(Porto de Tamandaré; Barra de Tamandaré)

Atual município de Tamandaré, PE.

“capacidade para recolher uma armada.” (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

Século XVI (c. 1585) (Gabriel Soares de Sousa, Notícia do Brasil)

- Barreta do Bobó

Atual município de Barreiros, PE. “fica pouco ao sul da Ponta de Tamandaré.” (Sebastião Galvão, Diccionario Chorographico, histórico e estatístico de Pernambuco, pág. 145)

“pequena abertura no recife, com bonança as embarcações costeiras servem-se dela.” (Sebastião Galvão, Diccionario Chorographico, histórico e estatístico de PE, pág. 145)

- Barra do Rio Una

Atual município de Barreiros, PE.

- Barra do Jacuípe

“No Rio Una, distante da foz deste cerca de 40 km.” (Sebastião Galvão, Diccionario Chorographico, histórico e estatístico de Pernambuco, pág. 47)

Século XVIII (Sebastião Galvão, Diccionario Chorographico, histórico e estatístico de Pernambuco)

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DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Barra do Rio Camaragibe

(Rio Camaragipe; Rio Camuriji)

Litoral norte do atual Estado de Alagoas.

“Entram navios de honesto porte.” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág. 140)

Século XVII (c. 1640) (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês)

- Baía da Barra Grande

Litoral norte do atual Estado de Alagoas. “está situado entre Porto Calvo e Una.” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág. 139)

“é uma baía fechada por um arrecife, própria para recolher navios grandes e como tem mais de uma mulha [cerca de 2km] de extensão, pode abrigar um número vultoso deles.” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág. 139)

Século XVII (c. 1640) (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês)

- Porto Calvo (Rio das Pedras)

Litoral norte do atual Estado de Alagoas. “este povoado dista umas cinco milhas [cerca de 11km] da praia e é banhado por um rio de 9 a 10 braças de fundo, pelo qual se pode subir do mar para o povoado.” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág. 36)

“onde podem entrar navios de porte médio.” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág. 140)

Século XVII (c. 1630) (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês)

- Barra do Rio de Santo Antônio Grande

Atual Estado de Alagoas.

“onde podem entrar navios de porte médio.” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág. 140)

Século XVII (c. 1640) (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês)

- Porto Velho dos Franceses

Entre a Barra de Santo Antônio Grande e a Barra do Rio São Miguel, atual Estado de Alagoas.

“ancoradouro de naus” (João Teixeira Albernás, carta marítima)

Século XVII (c. 1631) (João Teixeira Albernás, carta marítima)

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DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Barra do Rio de São Miguel

(Porto de São Miguel)

Atual Estado de Alagoas.

“entram navios da costa.” (João Teixeira Albernás, carta marítima)

Século XVII (c. 1640) (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês)

- Baía da Ponta de Jaraguá

(Barra do Rio da Alagoa; Barra do Rio das Alagoas; Porto Jaraguá)

“fica duas milhas [cerca de 4,5km] ao norte de Alagoas [atual cidade de Maceió]” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág.139)

“Situado atrás de arrecifes e onde navios grandes podem ficar abrigados. Dá acesso à Vila das Alagoas [atual cidade de Maceió].” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág. 139)

Século XVII (c. 1640) (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês)

- Porto de Pajuçara

Atual Estado de Alagoas, atual cidade de Maceió.

“Fundeiam embarcações apenas no inverno. Dá acesso à Vila das Alagoas [igualmente ao Jaraguá].” (Aires de Casal, Chorographia Brazilica , pág. 170)

Século XIX. (Aires de Casal, Chorographia Brazilica)

- Porto dos Franceses

Atual Estado de Alagoas. “Uma milha e meia [cerca de 3km] ao sul de Alagoas [atual cidade de Maceió].” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág.139)

“ é razoavelmente profundo, mas estreito.” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág.139)

Século XVII (c. 1640) (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês)

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DENOMINAÇÕES

LOCALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS

REFERÊNCIA MAIS ANTIGA

- Barra do Rio Cururipe

Litoral sul do atual Estado de Alagoas.

Bonita baía, onde navios grandes podem entrar para abrigar-se, sofrer limpeza e reparo. Capacidade para muitos e grandes navios” (J. A. G. de Mello, Fontes para a história do Brasil Holandês, pág.139)

- Rio São Francisco (Pará; Opara)

Atual divisa entre os estados de Alagoas e Sergipe.

“grande e caudaloso rio.” (Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, v. 1, pág. 58)

Século XVI (c. 1501) (pereira da Costa, Anais Pernambucanos)

TOTAL DE PORTOS IDENTIFICADO NA

CAPITANIA DE PERNAMBUCO:

35 PORTOS

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Considerações Finais

Procuramos mostrar como o desenvolvimento das artes e ciências da navegação,

acompanharam a gradual ampliação da percepção do mundo pelos europeus, a partir de

século XV. Podemos dizer que, ao mesmo que era impulsionadora, a navegação era

impulsionada pelo alargamento do mundo conhecido.

Depois de séculos de relatos sobre o Oriente “mítico”, local de riquezas abundantes,

o Europa assistiu com interesse o gradual avanço dos países ibéricos sobre o Mar

Tenebroso. No transcurso do século quinze, as barreiras “psicológicas” a respeito do

Oceano Atlântico foram sendo removidas. Haviam sido sedimentadas por lendas e

mitologias sobre sua natureza sobrenatural, as criaturas horrendas que o habitavam não

foram encontradas, nem tampouco foi encontrada a latitude das águas ferventes, capazes de

tragar os navios e matar seus tripulantes na fervura.

Ao distanciar-se das costas, buscando ventos favoráveis para contornar os acidentes

geográficos da costa africana, os portugueses foram sulcando com seus pequenos barcos a

espinha dorsal do Atlântico, terminando por atingir o ponto meridional da África, e em

seguida atingir o Oceano Índico. Antes do final do século XV, a Europa via-se estupefata

por esse feito português, que somado ao sucesso da viagem de Cristóvão Colombo, mesmo

que ainda não se soubesse tratar de um novo continente, abria novas perspectivas sobre a

realidade do planeta, jamais vista até então.

O século XVI assiste à criação do Novo Mundo, depois de se ter certeza de que era

realmente um continente separado da Ásia. Mas, demonstrando como o fato era inusitado,

persistiu por mais de um século a denominação de Índias Ocidentais, apenas para

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diferenciar das Índias Orientais, na tentativa de incluir toda aquela novidade numa mesma

esfera, incapazes ainda de digerir tamanho estranhamento que causara a notícia da

existência de realidades ignoradas até então. O choque foi grande, pois não se sabia

classificar, ou enquadrar, as novas descobertas em nenhuma classificação das coisas

conhecidas. Como classificar os povos que eram contatados? Não se conheciam suas

origens, nem mesmo suas línguas. E as plantas, tão diferentes, bem como sua fauna, tão

diversa da conhecida? Demorou muito para que tudo isso se tornasse familiar.

Entretanto, mesmo sem conhecer o suficiente, o desejo de possuir era imperativo.

As nações européias estavam debatendo-se, naquele início de século, para superarem-se

umas às outras em acumulação de riquezas. E terra era riqueza. Desde o início entram em

lutas, tendo como palco o Novo Mundo. Quem conhecesse primeiro seus segredos, e

conseqüentemente suas riquezas, teria em suas mãos um grande tesouro. Sem falar nos

povos da vertente pacífica, os Astecas e os Incas, que pagaram alto preço diante da fúria

ensandecida de aventureiros espanhóis, que os massacraram pelo ouro e pela prata que

possuíam. Na vertente atlântica, mesmo sem possuir grandes cidades, nem mesmo ouro ou

prata, seus habitantes não escaparam da fúria da cobiça por suas terras.

Assim, em meados do século XVI, menos de sessenta anos depois de chegar ao

novo continente, a Europa já o tinha integrado à geopolítica e à sua economia, tornando-o

em “paraíso” para os que colonizavam e “inferno” para os colonizados.

O conhecimento do mundo era cada vez mais complexo. Com as viagens no

Atlântico Sul, novas estrelas foram incluídas nos compêndios de astronomia. A navegação

que um século antes permitia quase que exclusivamente navegar às vistas da terra, agora

era dotada de conhecimentos astronômicos, fazendo com que os navios se localizassem em

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pleno alto-mar, mantendo seu curso. Apesar de tudo, os naufrágios ainda eram freqüentes,

pois as embarcações ainda eram precárias, e eram aperfeiçoadas gradualmente.

Todo esse desenvolvimento da navegação teve que ser adaptado ao contato com os

novos litorais. Escrivãos, a bordo das esquadras, anotavam tudo que pudesse ser observado

sobre estas terras. Em seus escritórios, os cartógrafos transpunham os dados dos pilotos,

capitães e escrivãos, para suas cartas e mapas, para que as novas partes da Terra passassem

a fazer parte do mundo conhecido.

Depois, nestas mesmas cartas e mapas, tinham que localizar os acidentes

geográficos, os locais onde se poderia aportar e descer em terra. Onde se poderia encontrar

água para abastecer as frotas e armadas. Pouco a pouco se conhece os regimes de ventos e

os regimes de correntes marinhas no lado ocidental do oceano. Essas informações eram

fundamentais para a navegação.

Depois de conhecer o suficiente, são trazidos modelos europeus, de cidades e de

agricultura. Não bastasse a existência de produtos típicos destas terras, que valiam altos

preços na Europa, tais como o pau-brasil e os papagaios, agora os europeus trazem seus

produtos para que sejam multiplicados nas novas terras. O “ouro branco” torna-se desde o

século dezesseis na grande riqueza produzida no Nordeste do Brasil. Por conta dele

Pernambuco e todo o litoral nordestino ao norte do Rio São Francisco é ocupado por

holandeses, na primeira metade do século XVII. Após sua expulsão, por parte de luso-

brasileiros, o Brasil não mais verá invasões deste tipo, apenas de saqueadores e piratas

interessados em gordo botim, roubando vilas e cidades litorâneas, como acontece com

Recife e com o Rio de Janeiro.

No final, vêm à tona aquelas informações tão caras aos primeiros exploradores

destas áreas, quase esquecidas no tempo, pois fica fácil passar por cima de detalhes ao se

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contar a história desde o prisma do vencedor. As informações sobre o meio físico do litoral

nordestino foram levantadas a peso de ouro, para não dizer a peso de vidas humanas, nos

inícios do processo exploratório. No entanto ao olharmos para trás, nos dias atuais, parece

um período de facilidades, iludidos que somos pelo véu do sucesso português de conhecer e

ocupar esta parte do mundo.

As entrelinhas do processo ainda estão presentes materialmente, concretamente, por

estas terras. As praias, as enseadas, os deltas fluviais, os próprios rios, ainda estão presentes

aqui, esperando que se olhe para eles com olhos inquiridores, perguntando a si mesmos, de

que histórias foi palco aquele lugar.

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