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- ARTE E CIDADANIA NUMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES DA PERIFERIA DE FORTALEZA A partir da aprovação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adoles- cente ', - que disseminou no Brasil a concepção de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, portadores de uma condi- ção peculiar de pessoa em desenvolvimento - o termo cidadania foi incorporado ao discurso das instituições e dos profissionais que tra- balham com crianças e ado- lescentes, provocando uma série de modificações nas práticas voltadas para o atendimento desse segmento da população. Dentre as modificações mais significativas, ob- servou-se a proliferação de projetos destinados a crianças e adolescentes das camadas menos favorecidas da população que utilizam a arte, direta ou indiretamente, como instrumento me- diador do processo pedagógico voltado para o que esses projetos denominam de "construção da cidadania". A utilização da arte como instrumento educativo que se propõe a "construção da cida- dania" é a temática central do presente trabalho, que constitui uma tentativa de discutir a utiliza- ção político-pedagógica da arte como mediado- ra do processo de conversão, à cidadania, de crianças e adolescentes da periferia de Fortale- za. O campo empírico escolhido para guiar tal ISAURORA CLÁUDIA MARTINS DE FREITAS* discussão foi a Escola de Dança e Integração Social para Crianças e Adolescen- tes - EDISCA. Criada em 1991, por uma bailarina e coreógrafa cearense, a EDISCA, como o próprio nome sugere, é uma esco- la de dança que congrega crianças e adolescentes de vários bairros periféricos da cidade de Fortaleza e se propõe trabalhar a "cons- trução da cidadania= des- sas pessoas através, principalmente, da dança. A EDISCA tem sido apontada pela impren- sa local e nacional como modelo de experiência bem-sucedida no trato com crianças e adoles- centes de periferia. A imagem da EDISCA, vei- culada pelos meios de comunicação de massa, encontra-se intimamente ligada à idéia de cons- trução da cidadania das crianças e adolescentes atendidas por esse Projeto. É como se EDISCA e construção da cidadania fossem expressões imersas num mesmo campo de significações. Em seus objetivos, a Instituição apqnta a seguinte pretensão: A proposta da EDISCA éfor- mar para a vida, para enfrentar os problemas cotidianos com dignidade e altivez. As pessoas que fazem o projeto acreditam que, para que nossas crianças possam exercerplenamente a sua cidadania, precisam de oportunidades hoje 3. RESUMO A utilização da arte como instrumento educalivo que se propõe à "construção da cidadania" é a temática central do presente trabalho, que constitui uma tentativa de dis- cutir a utilização político-pedagógica da arte como me- diadora do processo de conversão à cidadania, de crianças e adolescentes da periferia de Fortaleza, a par- tir de uma incursão pelas atividades que compõem o currículo da Escola de Dança e Integração Social para Crianças e Adolescentes - EDISCA. • Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará e professora da Universidade Estadual Vale do Acaraú, Ceará. FRElTAS, ISAURORA CLAUDIA MARTINS DE. ARTE E CIDADANIA NUMA EXPERIIÔNCIA PEDAGÓGICA .•. P. 69 A 76 69

ARTE E CIDADANIA NUMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA … · Para analisar essas questões é necessário esclarecer que na EDISCA, o trabalho de arte-educação é feito através da dança,

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-ARTE E CIDADANIA NUMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICACOM CRIANÇAS E ADOLESCENTES DA PERIFERIA DE

FORTALEZA

Apartir da aprovação, em1990, do Estatuto daCriança e do Adoles-

cente ', - que disseminouno Brasil a concepção decrianças e adolescentescomo sujeitos de direitos,portadores de uma condi-ção peculiar de pessoa emdesenvolvimento - o termocidadania foi incorporadoao discurso das instituiçõese dos profissionais que tra-balham com crianças e ado-lescentes, provocando umasérie de modificações nas práticas voltadas parao atendimento desse segmento da população.Dentre as modificações mais significativas, ob-servou-se a proliferação de projetos destinadosa crianças e adolescentes das camadas menosfavorecidas da população que utilizam a arte,direta ou indiretamente, como instrumento me-diador do processo pedagógico voltado para oque esses projetos denominam de "construçãoda cidadania".

A utilização da arte como instrumentoeducativo que se propõe a "construção da cida-dania" é a temática central do presente trabalho,que constitui uma tentativa de discutir a utiliza-ção político-pedagógica da arte como mediado-ra do processo de conversão, à cidadania, decrianças e adolescentes da periferia de Fortale-za. O campo empírico escolhido para guiar tal

ISAURORA CLÁUDIA MARTINS DE FREITAS* discussão foi a Escola deDança e Integração Socialpara Crianças e Adolescen-tes - EDISCA. Criada em1991, por uma bailarina ecoreógrafa cearense, aEDISCA, como o próprionome sugere, é uma esco-la de dança que congregacrianças e adolescentes devários bairros periféricos dacidade de Fortaleza e sepropõe trabalhar a "cons-trução da cidadania= des-sas pessoas através,

principalmente, da dança.A EDISCAtem sido apontada pela impren-

sa local e nacional como modelo de experiênciabem-sucedida no trato com crianças e adoles-centes de periferia. A imagem da EDISCA, vei-culada pelos meios de comunicação de massa,encontra-se intimamente ligada à idéia de cons-trução da cidadania das crianças e adolescentesatendidas por esse Projeto. É como se EDISCA econstrução da cidadania fossem expressõesimersas num mesmo campo de significações.

Em seus objetivos, a Instituição apqnta aseguinte pretensão: A proposta da EDISCA éfor-mar para a vida, para enfrentar os problemascotidianos com dignidade e altivez. As pessoasque fazem o projeto acreditam que, para quenossas crianças possam exercerplenamente a suacidadania, precisam de oportunidades hoje 3.

RESUMO

A utilização da arte como instrumento educalivo que sepropõe à "construção da cidadania" é a temática centraldo presente trabalho, que constitui uma tentativa de dis-cutir a utilização político-pedagógica da arte como me-diadora do processo de conversão à cidadania, decrianças e adolescentes da periferia de Fortaleza, a par-tir de uma incursão pelas atividades que compõem ocurrículo da Escola de Dança e Integração Social paraCrianças e Adolescentes - EDISCA.

• Mestre em Sociologia pela Universidade Federal doCeará e professora da Universidade Estadual Vale doAcaraú, Ceará.

FRElTAS, ISAURORA CLAUDIA MARTINS DE. ARTE E CIDADANIA NUMA EXPERIIÔNCIA PEDAGÓGICA .•. P. 69 A 76 69

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-Mas que significados o termo cidadania

assume no contexto das atividades desenvolvidaspela EDISCA?O que significa falar em cidadaniapara crianças e adolescentes, principalmente le-vando-se em conta a própria condição de "pes-soas humanas em processo de desenvolvimento'"passíveis, portanto, de tutela?

Analisar experiências pedagógicas volta-das para a "construção da cidadania" exige umatomada de atitude acerca de como pensar a no-ção de cidadania. A análise das pretensões de"cidadanização", contidas nos discursos de pro-jetos da natureza da EDISCA, sugeriram-me queo conceito clássico de cidadania, equacionado apartir das noções de direitos e deveres, não da-ria conta de explicar o tipo de cidadania que sequer construir. Assim, optei por trabalhar combase nas reflexões de Da Matta (991), que pen-sa a cidadania num sentido mais amplo, impri-mindo nessa noção uma conotação sociológica,quando afirma ser a cidadania um papel socialque é demarcado por expectativas de comporta-mentos singulares (DA MATIA, 1991:72).

Se a cidadania é um papel social, não podeser tomada (como na acepção liberal moderna)como algo inerente à própria natureza humana,mas sim, como algo socialmente construído einstitucionalizado, dependendo, portanto, danatureza do processo de aprendizagem social,que em Sociologia denominamos socialização,através do qual os indivíduos incorporam deter-minadas estruturas de percepção, pensamento eação que Bourdieu chama de babitus, termo queutilizarei ao longo deste estudo para designar oconhecimento adquirido pelos indivíduos nosdiversos processos de socialização que perpas-sam sua existência em sociedade, seja essa soci-alização primária ou específica.

Os projetos sociais voltados para crian-ças e adolescentes trabalham com um segmen-to que, ao longo da história das políticas sociaisbrasileiras, já foi chamado de exposto, aban-donado, carente, pobre e, atualmente (após acriação do ECA), passou a ser denominado "emsituação de risco pessoal e social". Ou seja, são

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crianças e adolescentes cuja origem social (per-tencem às camadas menos favorecidas da po-pulação) as expõe a uma série de riscos,inclusive ao de serem tomadas como potenci-almente aptas a assumir comportamentos tidoscomo "anti-sociais": violência, prostituição, usoe tráfico de drogas.

Estar "em situação de risco" é o critériobásico para que crianças e adolescentes passema ser objeto de intervenção dos projetos sociais,seja~ eles governamentais ou não governamen-tais, que atualmente elaboram seus discursos epráticas a partir da necessidade de "construir acidadania" dessas pessoas, ou seja, oferecer-lhesuma socialização específica possibilitando a in-corporação de novas disposições do babitus,necessárias ao exercício do papel social de ci-dadão, tendo em vista que a socialização primá-ria, no interior da família ou dos espaços derelações aos quais a origem social lhes permiteter acesso, não foi capaz de lhes fornecer.

É interessante perceber também, de quemodo, através dos pressupostos que os discur-sos e práticas dos projetos sociais permitem en-trever, se articula uma certa visão de mundo ede cultura privilegiando determinados valoressociais em detrimento de outros. Tal visão ficamais evidenciada quando se percebe o uso cons-tante, nesses discursos, de termos comoressocialização e reeducação. Quem precisa serreeducado, ressocializado para exercer a cida-dania é porque, pressupõe-se, foi educado esocializado dentro de padrões considerados nãoválidos para tal exercício.

Ora, se a cidadania é um papel social, suaconstrução, sem dúvidas, pressupõe a existên-cia de espaços de relações socialmente dadas(campos) a partir dos quais os indivíduos incor-porariam o habitus necessário ao exercício des-se papel.

No caso dos projetos voltados para a "cons-trução da cidadania" de crianças e adolescentesditas "em situação de risco", parece que essesoferecem o campo artístico como espaço de rela-ções por acreditar que este permite a formação

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-de um babitus propício à construção da cidada-nia. Evoca-se aí, portanto, uma dimensão políti-co-pedagógica da arte ao modo como o fazem osteóricos da Escola de Frankfurt (sobretudo, Ben-jamin e Adorno) e os teóricos clássicos da arte-educação brasileira, como Duarte Jr. Nestesautores, a arte é tomada como expressão de sen-timentos e criação de possibilidades que permi-tem organizar experiências, podendo, dessa forma,ser utilizada como ação pedagógica disseminadorade valores como solidariedade e reconhecimentode si e do outro como sujeitos de direitos. Enfim,a arte é encarada como um dos principais veiospara a aquisição de um babitus que torne o indi-víduo, socializado através da arte, capaz de siste-matizar uma crítica da cultura.

Analisando o caso específico da EDISCA,tem-se um público alvo formado por cerca de400 crianças e adolescentes advindas de bairrosda periferia de Fortaleza. São filhos de lavadei-ras, domésticas, pedreiros, pescadores e desem-pregados. O cotidiano delas é permeado demiséria, fome e violência. É essa origem socialque as coloca no perfil da situação de risco. Ouseja, o lugar social de onde provêm talvez sótenha permitido a apreensão de valores, gostose atitudes considerados pela sociedade comoreprováveis, inferiores ou pouco civilizados:gosto musical, a alimentação, o modo de andar,falar, vestir, portar-se à mesa.

Ao ingressar na EDISCA, passam por umasérie de adaptações para que possam adentrarum novo campo - o campo artístico, ou maisespecificamente, o campo da dança. Aprendemregras de etiqueta social, noções de higiene,adquirem novos hábitos alimentares, modos deandar vestir e pensar, ou seja, são encorajadas ase comportar de acordo com os padrões de civi-lidade hegemonicamente aceitos pela sociedade.Enfim, ensina-se a essas pessoas determinadospadrões de comportamento, valores, sentimen-tos que, de certa forma entram em choque como habitus de seu lugar social de origem.

Tais constataçàes sugerem questionamentosacerca das teias de significados que permeiam o

encontro entre duas experiências de sociabilida-de distintas advindas de lugares sociais diferen-tes: o campo artístico (representado pelo mundoda dança acadêmica) e os bairros da periferia ondeos alunos da EDISCA moram, bem como as con-seqüências que tal encontro acarreta em termosde mudança de comportamento, principalmente,considerando-se a incorporação de novas dispo-sições do habitus necessário ao que a EDISCAchama de exercício da cidadania.

Para analisar essas questões é necessárioesclarecer que na EDISCA, o trabalho de arte-educação é feito através da dança, tendo comobase, mais especificamente, o balé clássico. Ape-sar de não ser o único gênero de dança traba-lhado na Escola, já que esta assume como estiloem seus espetáculos a dança contemporânea, éem torno do balé clássico que as atividades doProjeto se organizam. É o balé clássico que for-nece a base do processo de socialização que aInstituição propicia. Esse processo assume umasignificação peculiar na EDISCA, levando-se emconta os objetivos que esta Escola se propõe e,sobretudo, o público que ela atende.

O balé clássico é um tipo de arte elitistapor natureza, visto que se desenvolveu nas cor-tes européias a partir de 1581, como forma dedivertimento da nobreza>, Desde então, essa ati-vidade artística tem na disciplina um de seusmaiores atrativos, bem como inspira aspectosperformativos e simbólicos ligados ao gosto e aum certo modo de ser das elites (SÜFFERT:1994).

Reconhecendo o caráter elitista do balé, aEDISCA divulga através de seus comerciais apretensão de desmitificar e deselitizar a dança,envolvendo-a num contexto social de açãotransformadora''. Há, portanto, uma crença porparte da Instituição de que o campo da dança sedeselitize pelo fato de que agentes sociais dascamadas menos favorecidas da população pas-sem a fazer parte dele. Nega-se, assim, a possi-bilidade inversa, ou seja: que a dança elitize osdeselitizados. Enfim, que significados irá assu-mir uma educação de crianças e adolescentesrealizada a partir do balé clássico?

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-o imaginário popular, a figura da bailari-

na está associada a um certo ideal de feminilida-de, cujas características mais marcantes seriam abeleza, a graça, a leveza dos gestos, as boasmaneiras, a disciplina, a elegância e a boa higi-ene corporal. Tais representações, correspondemà imagem da bailarina desenvolvida a partir deum momento específico da história do balé: oRomantismo (iniciado no balé em 1831)7.

O balé romântico, que acabou se transfor-mando no balé clássico, trouxe temas em que asbailarinas quase sempre eram mostradas comoseres alados e extra terrenos (fadas, sílfides, fi-guras lendárias) portadoras de característicasideais e ao mesmo tempo irreais, se comparadasàs mulheres "de carne e osso".

Perpetuando-se no tempo, a imagemromântica da bailarina como ser portador decaracterísticas ideais, antes de ser mera repre-sentação de leigos, orienta ainda hoje a forma-ção de fato para quem pretende ingressar em talprofissão, ou mesmo para quem quer apenasadquirir as características estéticas ecomportamentais imputadas à bailarina. Este éo principal motivo pelo qual muitas mães matri-culam suas filhas em academias de balés.

Nesse sentido é que o balé pode ser en-tendido como um ritual? performativo que sedestina a construir o mundo do balé e ao mes-mo tempo seus participantes, no caso, os baila-rinos. Süffert 0994:63) distingue três etapas dobalé como ritual: a feitura de aulas de dança, osensaios e os próprios espetáculos. Em tornodessas etapas fundamentais, há que se perceberuma série de práticas e símbolos que conferemsentido ao ritual. Assim, vestimentas, normascomporta mentais, entre outros elementos, sãode fundamental importância para o tornar-sebailarino(a) .

Na EDISCA, as características da clientelaatendidas conferem ao processo ritual significa-dos mais amplos, visto que, por se tratar de cri-anças e adolescentes da periferia, não bastamapenas as aulas de dança e ensaios para assegu-rar a aceitação no mundo do balé. Assim, outras

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práticas entram em cena para complementar aformação dos bailarinos da Instituição.

Advindos das camadas menos favorecidasda população, a clientela da Escola não dominadeterminados códigos culturais julgados neces-sários a uma boa performance no mundo ritualda dança. A dança vai exigir, portanto, a aquisi-ção de um babitus específico nos moldes doque em Sociologia chama-se socialização secun-dária ou específica. Acontece que o processo desocialização primária em que os alunos daEDISCA adquiriram o que Bourdieu 0998: 145)chama de habitus primário não confere a estaspessoas o reconhecimento perante a ordem so-cial dominante. É que, tendo sido adquiridos noseio de uma família pobre, é marcado por dis-posições tidas como "desviantes" ou pouco con-dizentes com o modo "civilizado" de ser. Sãomodos de comer, andar, falar, vestir reveladoresda barreira que separa os pobres das outras ca-madas sociais que "gozam de inúmeros privilé-gios, entre eles o de receber "educação''''(ZALUAR, 1995:11). Estão mais propícios a nãoter do que a ter as características desejáveis numbailarino: elegância, suavidade nos gestos, boasmaneiras, boa higiene corporal etc.

Essa é a razão pela qual o currículo daEscola é acrescido de vários outros elementosalém das aulas de dança. Cada um desses ele-mentos foi sendo incluído a partir da constataçãode necessidades concretas que, de alguma for-ma, dificultavam a completude do ritualperformático do balé.

Se por um lado as atividades que aEDISCA oferece às suas crianças e adolescen-tes visam à concretização do "ser bailarino",por outro, conferem significação ao discursode construção da cidadania, pois remetem aum processo de adaptação através do qual ascrianças são levadas a incorporar um habitusdiferente do que trazem do seu lugar social deorigem. São valores, gostos, formas de agir epensar que trazem a marca do "estigmaterritorial" da periferia, lugar social que, ao sertomado como "inferior", tem descredenciado o

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-habitus nele construído para o exercício do quea Escola considera como cidadania.

Nesse sentido, o ser cidadão parece pas-sar por um processo de (res)socialização cujasconseqüências se inscrevem fundamentalmentenos corpos das crianças e adolescentes atendi-dos pela EDISCA. Pensado como a maisirrecusável objetioação do gosto de classe", o cor-po é um texto onde, através das suas lingua-gens, pode-se ler a distinção social.

A alteração das linguagens corporais,reveladoras de um certo" habitus de classe", é aface mais visível do trabalho que a EDISCA rea-liza com seus alunos. Assim, vestimentas, aulasde etiqueta, palestras educativas, aquisição dehábitos alimentares, bem como de cuidados coma higiene e a saúde do corpo, aulas de inglês eas próprias aulas de balé compõem a "educa-ção" que a Escola propicia.

Analisando os componentes do currículoda EDISCA pode-se compreender a importânciade cada um para o tornar-se bailarino/a).

A vestimenta é o principal símbolo dobailarino. Meias, collants, sainhas e sapatilhassão trajes que caracterizam essa atividade artísti-ca. É pelo vestir-se que os bailarinos são identi-ficados. Nesse sentido, para Süffert (994) é novestiário que se efetua aprimeira transição parao mundo do balé.

Na EDISCA, os uniformes dos alunos sãofornecidos anualmente pela própria Escola, jáque eles não possuem condições financeiras paracomprar.

a vestir-se como bailarino(a) não requerapenas roupas ou uniformes condizentes com aatividade, portanto é necessário ainda observarcertas regras de higiene corporal que prevêemcuidados da ponta dos pés aos fios de cabelo.Na EDISCA, as recomendações em relação àhigiene adquirem uma grande importância, pas-sando inclusive a compor o currículo da Escola.

Tomar banho, lavar cabelos, cortar as unhas(regras básicas na história da higiene corporal) tal-vez sejam recomendações dispensáveis para osalunos da maioria das academias tradicionais de

balé. No caso dos alunos da EDISCA não. Ali oscuidados de higiene requerem atenção especial.Essas pessoas, em razão da origem social, habitamregiões da Cidade onde, muitas vezes, não têmacesso a serviços de esgotamento sanitário, águaencanada, coleta de lixo, o que impossibilita amanutenção de uma certa qualidade de vida. Porestarem expostas aos esgotos a céu aberto, lixõespróximos das casas etc., são acometidas de doen-ças comuns em lugares insalubres, comopediculose, micoses e parasitoses que se agravamdiante da falta de informação e da impossibilida-de, em virtude das condições financeiras, de con-sumirem produtos de higiene. Assim, os cuidadoscom a higiene corporal, além de ser requisito in-dispensável à beleza e boa apresentação pessoalexigida para bailarinos/as), assume, no discursoda Instituição, uma conotação médica.

Na EDISCA, a preocupação com a higienedos alunos começa por ocasião da seleção parao ingresso na Instituição, através de orientaçõesverbais feitas pelos próprios professores. Só aretórica seria insuficiente para garantir resulta-dos satisfatórios no que diz respeito à higiene.Como manter a higiene de quem não tem di-nheiro para comprar produtos que possibilitema realização dessa higiene?

Pensando nisso, a EDISCA, através de seuprograma de saúde, passou a distribuir anual-mente para seus alunos um "kit higiene" com osseguintes itens: toalha de banho, sabonete, xam-pu, escova de dentes, creme dental, pente, re-médio para piolho e doenças de pele. A funçãodo kit, além de prevenir doenças, é fundamen-talmente disseminar uma cultura de indivi-dualização dos utensílios de higiene pessoal, jáque a maioria das famílias não possui condiçõesfinanceiras para comprá-Ios para cada um deseus membros, evitando, assim, o contágio depessoa para pessoa.

A prevenção de doenças através da disse-minação de novos hábitos de higiene não é aúnica face do programa de saúde da Instituição,mesmo porque as necessidades do público-alvoda EDISCA são mais amplas.

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-Para suprir a carência de cuidados médi-

cos, bem como para realizar uma saúde preven-tiva de maior alcance, a EDISCA criou o ProjetoNossa Saúde, através do qual realizam ações di-versas, que incluem campanhas educativas decaráter preventivo, exame biométrico regular paratodos os alunos, quando verificam peso, alturae condições gerais de saúde, além de atendi-mento médico, odontológíco, oftalmológico, gi-necológico e fonoaudiológico.

A EDISCA conta também com um setor denutrição que trabalha numa relação de parceriacom o setor de saúde, a fim de proporcionaruma alimentação mais completa e saudável doque a que os alunos costumam ter em casa.

Se a boa alimentação é um dos fatoresbásicos de manutenção da saúde do corpo paratodos os seres humanos, para o bailarino, en-tão, é algo essencial. Pois, o bailarino é umamáquina estética J e só a alimentação corretapode fazer essa máquina funcionar a contento(LOVIS, 1992:61). Não foi à toa que o primeiroserviço implantado na EDISCA para complemen-tar as aulas de dança foi o de nutrição, pois oesforço físico empreendido na feitura das aulasde balé resulta num gasto de energia que preci-sa ser acumulada e devidamente reposta paraque a atividade não acarrete prejuízos à saúdedos bailarinos ou aspirantes a tal posto. Os alu-nos da EDISCA, pela condição de vida em quese encontram, já contam com a desvantagem denão poderem usufruir de uma alimentação ade-quada, sequer para se desenvolverem dentro dospadrões de crescimento considerados normaispara crianças e adolescentes, quanto mais parase submeterem ao esforço físico que as aulas eensaios de balé exigem.

O programa de nutrição funciona tambémcomo pretexto para pôr em prática o ensinamentode uma série de "técnicas corporais'"! que, atra-vés das "disciplinas", ou seja, "dos métodos quepermitem o controle minucioso das operaçõesdo corpo" (Foucault; 1987:126), imprimem nessecorpo as disposições de um determinado habitus.Este, estando de acordo com a ideologia dorní-

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nante na sociedade, opera como natural, normale, portanto, acaba por produzir um efeito de sub-missão (concordância), caracterizando o queBourdieu chama de dominação simbólica.

Na EDISCA, as disciplinas empregadas nosmomentos da refeição exemplificam bem comose processa a incorporação do babitus que aEscola deseja ver introjetado em seus alunos:postura ereta ao sentar-se à mesa, utilizaçãoobrigatória e correta do garfo, da faca e do guar-danapo, comer de tudo o que tem no prato enão desperdiçar comida (regra que nem sempreé seguida por todos).

O olhar atento da coordenadora da cozi-nha, que fica circulando ao redor das mesas,fazendo as vezes de inspetora, observa minuci-osamente o cumprimento de todas as regras, bemcomo aproveita para corrigir os erros.

Todos os elementos integrantes do currí-culo da Escola - os já apresentados até aqui e osque ainda estão por vir - representam não maisdo que complementos necessários para que ascrianças e adolescentes da periferia que freqüen-tam a EDISCA possam assumir o perfilsociocultural exigido para os bailarinos: corpossaudáveis, belos e higienízados, gestos refina-dos, postura adequada e muita informação e,sobretudo, o virtuosismo técnico capaz de im-pressionar as platéias e críticos mais exigentes.

As aulas de dança, tomadas como ativida-de base da EDISCA, são um instrumento privile-giado na incorporação das novas disposições dobabitus, pois imprimem nos corpos, através deexercícios, proibições e controles diversos, nor-mas de comportamento que passam a ser enca-radas pelos alunos como necessidades naturaisdo tornar-se bailarino e ainda como direitos ine-rentes à condição de cidadão. Assim, andar lim-pinho, ter um corpo bonito, ser elegante ecomportado (disciplinado) não são meras exi-gências formais da Instituição, são necessidadespara quem quer ser bailarino e, ao mesmo tem-po, direitos de quem quer ser cidadão.

A necessidade de informar-se e melhoraro nível intelectual está ligada a outra caracterís-

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\.( ,_.11 , U" .,uni q'~\;-tíca simbolicamente atribuída ao bailarino: o bomnível cultural. O bailarino deve ser culto, falarcorretamente, ser bem informado, ter um gostoartístico refinado. Assim, para complementar aformação dos futuros bailarinos da EDISCA, fo-ram pensadas algumas atividades que, agrupa-das num programa que a Escola chama de"Programa de Fortalecimento da Escola Formal",prestam-se a "elevar" o nível cultural einformacional dos alunos, já que o ensino mi-nistrado pelas escolas (públicas, em sua maio-ria) onde estudam é considerado pela EDISCAcomo deficiente. '

Dentro do referido Programa, constam asseguintes atividades: biblioteca com livros pré-selecionados para garantir a qualidade das leitu-ras, aulas de reforço escolar, oficinas de estudo,aulas de artes plásticas, aulas de inglês, sarausculturais (destinados a apresentações de músicaclássica, MPB, poesias etc) e murais educatívosonde são abordados temas diversos como turis-mo, ecologia, história e artes ..

Algumas das novas disposições do habitusque os alunos da EDISCA incorporam a partirdas atividades que ali são oferecidas configu-ram-se como matriz comportamental para quese movimentem num mundo cada vez maiscomplexo, que exige das pessoas o domínio dedeterminadas linguagens do seu tempo, facili-tando-lhes a comunicação e a exposição de idéias.no espaço público destinado às reivindicaçõese exigência de direitos (ZAlUAR, 1994). No en-tanto, há que se cuidar para que os padrõesculturais predominantes no campo artístico dadança, ao serem tomados como referência numaexperiência sócio-educativa que prepara os alu-nos, entre outras coisas, para freqüentar os pal-cos, não se configurem como os únicos válidos,posto que são dominantes no âmbito da socie-dade disciplinar. Pois aos indivíduos objeto deintervenção de instituições como a EDISCAdeve-se proporcionar, acima de tudo, dispositivos quelhes permitam pensar sua situação social, nãocomo uma condição de inferioridade que pro-duz "condutas socialmente reprováveis", mas,

sobretudo, como parte de uma dinâmica socialexcludente que produz, entre outras coisas, pa-drões diferenciados de sociabilidade e "apropri-ação desigual do capital cultural" .12

NOTAS

1 O Estatuto da Criança e do Adolescente é tomadoaqui como marco principal das mudanças ocorri-das em relação ao tratamento dado à infância e àadolescência pobres no Brasil, porque é a partirdesse instrumento legal que vão ser legitimadas asiniciativas da sociedade civil, sobretudo através daschamadas ONG's, no que diz respeito à proteção eatenção aos sujeitos a quem o Estatuto se destina.Entender o surgimento do Estatuto e as conseqü-ências advindas a partir do momento em que co-meçou a vigorar é fundamental para entender asONG's que atualmente trabalham com crianças eadolescentes no Brasil, como é o caso da EDISCA,objeto deste trabalho.

2 A proposta de construção ou resgate da cidadaniaestá sempre presente nos discursos das pessoasque fazem o Projeto e pode ser encontrada emdiversas matérias de jornais e, sobretudo, nos fo-lhetos de divulgação, como por exemplo, emGUNTHER, Elisa. EDISCA: Nas atividades do dia-a-dia um passaporte para a cidadania. Fortaleza,Imprensa Universitária, 1996.

3 Citações extraídas de GUNTHER,Elisa. EDISCA:Nasatividades do dia-a-dia um passaporte para a cida-dania. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1996 (ma-terial de divulgação do Projeto EDISCA).

4 Estatuto da Criança e do Adolescente, Livro I, Par-te Geral, Título Il, capo lI.

5 Apesar de ter sido inspirado nas acrobacias dosciganos e saltimbancos de feira, o balé tal comoconhecemos hoje, foi gestado na França quandoCatarina de Médicis começou a patrocinar luxuo-sos espetáculos para, entre outras coisas, manteros filhos e a corte entretidos enquanto ela se ocu-pava em governar. Esses espetáculos eram utiliza-dos também como propaganda nacionalistafrancesa, destinada a mostrar ao mundo o poderiofrancês. A respeito do surgimento do balé, Faroafirma: A dança teatral nasceu, assim, como privi-légio de uma nobreza vazia efútil, que encontravanos faustosos espetáculos uma forma de preenchero vácuo de sua existência (FARO, 1986:32).

FRElTAS, ISAURORA CLAUDIA MARTINS DE, ARTE E CIDADANIA NUMA EXPERltNCIA PEDAGÓGICA ••. P. 69 A 76 75

Page 8: ARTE E CIDADANIA NUMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA … · Para analisar essas questões é necessário esclarecer que na EDISCA, o trabalho de arte-educação é feito através da dança,

DOSSIÊ

6 GUNTHER (996).7 FARO; 1986:49.8 Ver SÜFFERT; 1994.9 O ritual é entendido aqui como um "sistema de co-

municação simbólica culturalmente construído", or-ganizado em torno de práticas sociais formais eestereotipadas que se prestam a pensar os processossociais e resolver conflitos. Nesse sentido, pode-sedizer que o ritual sempre comunica uma determina-da visão de mundo ao mesmo tempo em que fazalgo, já que possui um objetivo culturalmente deter-minado (TAMBIAH apud SÜFFERT, 1994:64).

lOBourdieu apud Castro (999).11 A expressão "técnicas corporais" é utilizada aqui tal

como Mauss 0974: 213) a define: "as maneiras comoos homens, sociedade por sociedade e de maneiratradicional, sabem servir-se de seus corpos".

12 Expressão utilizada por Canclini (983) para desig-nar o processo que dá origem à cultura das classespopulares.

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2001