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Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.
ISSN: 2237-8022 (on-line) ISSN: 2318-4469 (CD-ROM)
ARTE E FILOSOFIA DO DIREITO
Alessandra Morais Alves de Souza e FURTADO1
Universidade de Uberaba UNIUBE
Elton Antnio Alves PEREIRA2
Universidade de Uberaba UNIUBE
Sueli Teresinha de ABREU-BERNARDES3
Universidade de Uberaba UNIUBE, Orientadora
Agncia Financiadora: FAPEMIG/CAPES-OBEDUC
RESUMO
O presente trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento e
constitui um subprojeto do Observatrio da Educao - Interdisciplinaridade na educao
bsica: estudos por meio da arte e da cultura popular. O tema em questo a
complementaridade da arte no ensino da Filosofia do Direito. O objetivo compreender como
a arte pode contribuir para a construo do conhecimento nessa rea de estudos. A
complementaridade entre arte e cincia encontram respaldo na teoria do filsofo Bachelard,
para quem a cincia deve estar sempre unida imaginao. Esse pensador denomina de
imaginao criadora aquela que se relaciona s imagens que colocam em movimento a
articulao simblica entre o mundo interior e o mundo exterior do sujeito. A partir de
consideraes dessa natureza, chega-se seguinte questo: como interagir a arte, a
imaginao criadora e os saberes especficos no ensino da Filosofia do Direito? A partir de
uma pesquisa bibliogrfica, aprende-se que o justo e o injusto, o sistema legal, a tica so
objeto de estudo dessa disciplina, que levanta questionamentos com o objetivo de instigar
transformaes no sujeito que a estuda e, via de consequncia, no meio social onde ele est
inserido. Por meio da arte e da imaginao criadora, o aluno instigado a questionar, a
pensar, a lanar um novo olhar sob o Direito, que justamente a proposta da jus-filosofia.
Dessa forma, a interao proposta do estudo filosfico e da arte evidencia um sentido de
complementaridade.
Palavras-chave: Arte. Fenomenologia bachelardiana. Filosofia do Direito. Ensino.
1 Mestranda em Educao; advogada; professora no Curso de Direito da UEMG; integrante da equipe do
Observatrio da Educao Interdisciplinaridade na educao bsica: estudos por meio da arte e da cultura
popular. E-mail: [email protected] 2 Mestrando em Educao; Professor no IFTM; integrante da Rede de Pesquisadores sobre Professores do
Centro-Oeste-REDECENTRO e integrante da equipe do Observatrio da Educao Interdisciplinaridade na
educao bsica: estudos por meio da arte e da cultura popular. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Educao; Professora no Programa de Ps-graduao em Educao da UNIUBE; coordenadora do
Observatrio da Educao Interdisciplinaridade na educao bsica: estudos por meio da arte e da cultura
popular-CAPES/FAPEMIG e do projeto institucional da Rede de Pesquisadores sobre Professores do Centro-
Oeste-REDECENTRO; Integrante do Observatrio Internacional de La Profesin Docente da Universidade de
Barcelona. E-mail: [email protected].
Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.
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Introduo
A busca por novos mtodos de ensino vem ao encontro de uma universidade
consciente, voltada para as lutas democrticas, onde os alunos possam desempenhar, julgar e
avaliar suas funes de forma crtica, propor solues, questionar, debater, transmitir seus
pensamentos, entre outras caractersticas que resultam na formao de um profissional mais
comprometido com a funo social de seu ofcio.
Dessa forma, a docncia exige que, para alm de conhecer o contedo a ser ensinado,
o professor tenha que estar aberto ao novo a fim de, com o aluno, ir construindo,
gradativamente, o conhecimento. preciso, ainda, que o professor tenha em mente que, mais
importante que transmitir contedos, a escola tem por funo formar sujeitos.
Assim, na construo do presente trabalho no h como deixar de trazer a teoria da
imaginao criadora. Essa imaginao, na perspectiva terica de Gaston Bachelard dinamiza o
ato de conhecer em seu poder constitutivo do ser humano enquanto pensador, sonhador e
criador tendo em vista que capaz de pr em movimento ideias e imagens para investigar o
real. Nesse sentido, a imaginao reveste-se de importncia vital na formao do sujeito, pois
por meio dela que o homem pensador, sonhador e criador ganha fora e se move no sentido
de metaforsear-se.
Sob o enfoque da teoria bachelardiana, educar promover caminhos que possibilitem
ao aluno e ao professor uma interao capaz de levar construo do conhecimento,
oportunizando sempre a superao das limitaes. Nessa esteira, a arte mostra-se como um
dos caminhos a ser trilhados para facilitar a formao do aluno em busca de um ser mais, de
ultrapassar seus limites, de formar- se como sujeito.
No caso do Direito, a formao crtica do discente tem como objetivo formar
profissionais habilitados a entender a realidade com a qual iro trabalhar. incessante a
necessidade de se promover a construo do conhecimento entre alunos e professor em sala
de aula, o qual possibilite ao aluno ter uma conscincia crtica do sistema legal e da sociedade
onde ele se insere.
O objetivo desse artigo compreender como a arte e a imaginao criadora podem
contribuir para a construo do conhecimento em Filosofia do Direito. Percebe-se que o
ensino jurdico, como um todo, possui um carter dogmtico e tecnicista que, muitas vezes,
no proporciona ao acadmico alcanar todas as dimenses do estudo do Direito.
Segundo (SOUZA; PIEDADE, 2012, p.2):
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O ensino do Direito destoa, ou at mesmo nem se aproxima, da realidade
concreta. clara a dificuldade em associar a realidade cotidiana, a realidade
comum das pessoas, suas vidas, ou seja, a realidade sensvel com a realidade suprasensvel do Direito nas salas de aula. E esta uma tarefa difcil para o professor; para o aluno, talvez a dificuldade seja ainda maior,
associar ou aproximar a relao existencial destes dois universos que
aparentemente correm em paralelo.
Em sua essncia, o Direito busca um ideal de equilibrar as tenses sociais com o fito
de realizar a to almejada justia. Estudar os limites e dilemas do Direito estudar os diversos
obstculos que se apresentam realizao desse ideal de justia e, nesse aspecto, que entra a
Filosofia do Direito, como fonte de questionamento sobre o que est posto como verdade
jurdica, levando o jurista a repensar e revisitar essas verdades, de forma crtica, na busca de
novas alternativas para as lacunas e falhas dos diversos elementos que compem o vasto
universo jurdico.
GUSMO (2006, p.15), afirma que:
A Filosofia do Direito no tem por objeto o contedo do Direito, porque
sendo histrico, varivel e ideolgico. Mas, ento, em que consiste o seu
valor ou a sua atualidade? Primeiro, despertar a dvida sobre as verdades jurdicas, geralmente ideolgicas, e, como tal, histricas; abrir a mente para a
realidade jurdica, imperfeita, e, quase sempre, injusta; incentivar reformas
jurdicas, criando a conscincia de a lei ser obra inacabada, em conflito
permanente com o direito. E, acima de tudo, dar ao jurista, enfadado com os
modelos que a sociedade lhe impe, momentos de satisfao espiritual,
compensadores da perda da crena na capacidade criadora do homem no
terreno jurdico.
A tarefa da Filosofia do Direito no se esgota nunca, pois seu objetivo sempre
questionar. Seu papel crtico tem relevante importncia para que o Direito caminhe avante,
no se tornando estanque e dissociado da mutante sociedade na qual est inserido. Pode-se ler
na obra de Bittar e Almeida (2011, p. 43):
A Filosofia do Direito um saber crtico a respeito das construes jurdicas
erigidas pela Cincia do Direito e pela prpria prxis do Direito. Mais que
isso, sua tarefa buscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se
de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as
estruturas do raciocnio jurdico, provocando, por vezes, fissuras no edifcio
jurdico que por sobre as mesmas se ergue.
nesse universo de questionamentos, de desconstruo e reconstruo que a interao
entre arte e estudo da Filosofia do Direito, possibilita ao aluno a descoberta de um universo
mais amplo. Na confluncia entre essas duas reas do conhecimento humano (educao e
arte), tem - se a arte como impulso das relaes interpessoais, renovando vivncias, tecendo
laos de solidariedade, criando imaginrios e poticas imprescindveis para o conhecimento
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do outro, de si mesmo e do grupo social onde est inserido. A arte retrata a pulso pela vida.
A vida pulsante e pulsando.
Este artigo resultado ao estudo das interaes arte e ensino da Filosofia do Direito.
Parto da questo: como interagir a arte, a imaginao criadora e os saberes da Filosofia do
Direito no ensino dessa disciplina?
A metodologia aplicada foi de cunho terico, com pesquisa bibliogrfica, buscando
identificar as obras relacionadas ao tema do ensino da Filosofia do Direito e sua interao
com a arte, buscando informaes que possam responder a pergunta deste estudo.
1. A Filosofia do Direito definio, objetivo e finalidade
Etimologicamente a palavra filosofia vem do grego e significa amizade ou amor
pela sabedoria. Nas palavras de Reale (2002, p.5): Os primeiros filsofos gregos no
concordaram em ser chamados sbios, por terem conscincia do muito que ignoravam.
Preferiram ser conhecidos como amigos da sabedoria, ou seja filsofos".
A filosofia traz em sua essncia a busca incansvel pela verdade, sempre colocando
frente do conhecido, os questionamentos sobre o desconhecido. uma eterna renovao da
busca pela verdade ela comea com um estado de inquietao e de perplexidade, para
culminar numa atitude crtica diante do real e da vida. (REALE, 2002, p.6)
No que tange a Filosofia do Direito, propriamente dita, sua busca o constante
questionamento acerca das condies morais, lgicas, ticas, histricas dos fenmenos e do
sistema Jurdico.
Segundo Nader (2006, p.11):
Enquanto a Cincia do Direito se limita a descrever e sistematizar o
Direito vigente, a Filosofia do Direito transcende o plano meramente
normativo, para questionar o critrio de justia adotado nas normas
jurdicas. De um lado, a Cincia do Direito responde indagao Quid
juris? (o que de Direito?); de outro, a Filosofia Jurdica atende
pergunta Quid jus? (o que o Direito?). Esta uma disciplina de
reflexo sobre os fundamentos do Direito. a prpria Filosofia Geral
aplicada ao objeto Direito. Preocupado com o dever ser, com o melhor
Direito, com o Direito justo, indispensvel que o jusfilsofo conhea
tanto a natureza humana quanto o teor das leis.
Definir o que seja Direito, quais so seus fundamentos e onde ele se legitima, alm do
que a busca pelo sentido da sua histria so objeto da Filosofia do Direito. O estudo dessas
questes tem como objetivo contribuir para a formao do jurista, levando-o a ser capaz de
fazer uma leitura reflexiva e crtica dos fenmenos jurdicos, bem como do sistema legal onde
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ele se insere. Dessa forma, o estudo da Filosofia do Direito tem o fito de instigar o jurista a ter
uma viso mais completa, complexa e crtica desse fenmeno e do prprio Direito, no se
limitando ao olhar tecnicista e praxista.
De acordo com Bittar e Almeida (2001, p. 43):
A Filosofia do Direito um saber crtico a respeito das construes jurdicas
erigidas pela Cincia do Direito e pela prpria prxis do Direito. Mais que
isso, sua tarefa buscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se
de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as
estruturas do raciocnio jurdico, provocando, por vezes, fissuras no edifcio
jurdico que por sobre as mesmas se ergue.
Reale (2002, p.10) afirma que A misso da Filosofia do Direito , portanto, de crtica
da experincia jurdica, no sentido de determinar suas condies transcendentais, ou seja,
aquelas condies que servem de fundamento experincia, tornando a possvel.
De outro vrtice, a Filosofia do Direito tem tambm a finalidade de submeter o Direito
a um juzo que tenha como parmetro valores que a sociedade humana vem construindo ao
longo de sua histria. Tais valores, como tica, a equidade, a isonomia, dentre outros, devem
ser considerados pelo Direito, quando ele exerce a funo de pacificao dos conflitos sociais,
tendo em vista que a investidura dessa funo dada ao Direito tem como premissa que ele
esteja sempre na busca do justo. A filosofia do direito deve ser uma tomada de posio, uma
deciso, um julgamento de valor sobre problemas humanos e sociais da alada do Direito
(GUSMO, 2006, p. 15).
O estudo da Filosofia do Direito leva o jurista a transcender a linguagem esttica do
Direito codificado, fazendo com que ele debata com os valores ou contra valores que esto
para alm da linguagem tcnica. O estudo filosfico do Direito faz com que o jurista dialogue
com os valores fundantes da ideia de Justia, com princpios ideolgicos que o estudo apenas
do Direito positivo no permite acessar. Ao filosofar o Direito e julg-lo, o juris filsofo
contribui para o amadurecimento dos princpios e bases nas quais se assentam o Direito,
fazendo com que esse amadurecimento possibilite a construo de uma sociedade mais
equnime, isonmica e justa.
2. A arte e a imaginao criadora como instrumentos de construo do
conhecimento
O uso da arte no processo de ensino envolve a considerao da educao como um
processo formativo humanizado, ou seja, como um processo atravs do qual se auxilia o ser
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humano a desenvolver sentidos e significados que orientem sua ao no mundo, usando para
tanto sua imaginao, criatividade, sonhos e anseios.
Nesse sentido, de acordo com Moreno (2001), para se compreender o que o
conhecimento, possvel apoiar-se em variadas perspectivas, entre elas: a filosfica, a
psicolgica e a histrica. Conforme Sousa apud Moreno (2001), a perspectiva filosfica
entende que o conhecimento o resultado da apropriao, pelo homem, de dados empricos e
de ideias, na busca de entendimento da realidade.
Segundo Tarkovskiaei (1986, p. 40) a arte um smbolo do universo, estando ligada
aquela verdade espiritual absoluta que se ocupa de ns em nossas atividades pragmticas e
utilitrias.
A arte faz com que o espectador seja levado a um processo de reflexo e
questionamentos, uma vez que, para alm da razo, mexe com a emoo do sujeito. Desta
forma ela provoca inquietaes, sonhos, agstias, alegrias, tristezas, dvidas, criatividade. Ela
tira o espectador do estado inanimado, para um estado de turbulncia, que se bem conduzida
no processo de ensino, pode ser extremamente profcuo.
Segundo Zamboni (2006 p.22-23):
comum se ter a cincia como um veculo de conhecimento; j a arte
normalmente descrita de maneira diferente, no to habitual pens-la como
expresso ou transmisso do conhecimento humano. No obstante,
necessrio entender que a arte no apenas conhecimento por si s, mas
tambm pode constituir-se num importante veculo para outros tipos de
conhecimento humano, j que extramos dela uma compreenso da
experincia humana e de seus valores.
A interao e complementaridade entre arte e cincia encontram respaldo na teoria do
filsofo Gaston Bachelard, para quem cincia deve estar sempre unida imaginao. O
filsofo francs defende o uso da imaginao criadora como fonte de formao, de
transformao do sujeito. O filsofo francs defende que o aluno deve encontrar na escola no
uma fonte de aquisio de cultura, mas, para, alm disso, deve encontrar uma fonte de
transformao de sua cultura.
Na perspectiva bachelardiana, a interao entre arte e cincia, entre imaginao e
razo faz emergir outras realidades a partir do imaginrio. Sua teoria rompe com o paradigma
de que razo e imaginao so aes dicotmicas, pois para ele ambas possuem a mesma
caracterstica de criar significados e produzir conhecimentos para deixar fluir o que ainda no
existe. A imaginao dinamiza o ato de conhecer em seu poder constitutivo do ser humano
enquanto pensador e sonhador, essencialmente criador, revestindo a imaginao de
importncia vital na formao do ser humano.
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Richter (2006, p. 246) afirma que:
Para Bachelard, a criao a utilizao plena dos sentidos, das emoes, da inteligncia um valor existencial onde o racionalismo fechado cede para o aberto e o plural, aquele que permite uma transitividade entre o pensamento e a experincia. Enquanto o conceito rene formas
prudentemente prximas na sua funo em um sistema de relaes inter-
conceituais, a imaginao transpe extraordinrias diferenas: unindo a pedra preciosa estrela, ela prepara as correspondncias daquilo que tocamos e daquilo que vemos (BACHELARD, 1991, p. 230), para criar uma viso, inventar aquilo que vemos.
Para o filsofo francs, a razo deve ser dotada de liberdade. O pensamento deve vir
atravs e em conjunto com a imaginao criadora. A razo unida imaginao atravs dos
devaneios, se complementam, fazendo com que emerja da novos conhecimentos e caminhos.
O uso da arte e da imaginao no processo de ensino tambm defendido por Elliot
Eisner (2008, p.9), que citando Sir Herbert Read, ensina que:
[...] o objetivo da educao deveria ser entendido como a preparao de
artistas. Pelo termo artista nem ele, nem eu, queremos dizer necessariamente
pintores, danarinos, poetas ou autores dramticos. Ns queremos dizer
indivduos que desenvolveram as ideias, as sensaes, as habilidades e a
imaginao para criar um trabalho que est bem proporcionado, habilmente
executado e imaginativo que independente do domnio em que o indivduo
trabalha.
A arte sempre foi usada como forma de expresso das emoes, da viso de mundo do
artista e como expresso da prpria vida. Dessa forma, quando associada ao processo de
criao, transforma-se em instrumento capaz de fazer com que o sujeito exera plenamente
sua condio de ser humano. Desperta o olhar crtico, sensvel, possibilita a expresso livre do
pensamento e das emoes, desenvolvendo no sujeito o raciocnio com criatividade e
imaginao.
Refletindo sobre a interao entre arte e cincia, Bronowski (apud Zamboni, 1983,
p.81) conclui que:
H um fio que percorre continuamente todas as culturas humanas que
conhecemos e que feito de dois cordes. Esse fio o da cincia e da arte.
[...] Esse emparelhamento indissolvel exprime, por certo, uma unidade
essencial da mente humana evoluda. No pode ser um acidente o fato de
no haver culturas que se dediquem a arte e no tenham cincia. E no h,
certamente, nenhuma cultura desprovida de ambas. Deve haver alguma coisa
profundamente enterrada no esprito humano mais precisamente na imaginao humana - que se exprime naturalmente em qualquer cultura
social tanto na cincia quanto na arte.
Produzida em 1937, a clssica obra de Picasso, Guernica, grandiosa no s em seu
tamanho (mede 350 por 782 cm), mas sobretudo na reproduo da catstrofe blica que
reproduz. Esta obra universal traduz a dor, o sofrimento, a destruio, fruto do impacto
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provocado pelo bombardeio. As imagens e sentimentos que emanam desta tela transcendem
os prprios fatos nela retratados, transportando quem a v a um momento de terror vivenciado
pela cidade de Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola.
Mais do que isso, obras de arte como esta, fazem com que o expectador desperte os
seus sentidos, fazendo um contraponto entre o belo, a paz, a harmonia, a tica e a destruio
total causada pela guerra. Como fonte de construo do conhecimento, essa obra de arte,
assim como outras, contribuem para uma reflexo sobre as relaes ticas, fazem emergir no
expectador um juzo de valor sobre o justo e o injusto, alm de um olhar de criticidade sobre a
realidade ali retratada, que clama pela construo de um mundo renovado e fundado em
outros valores.
Na arte cinematogrfica, observa - se que filmes como O Motim, de Ketan Mehta,
possibilitam refletir sobre os interesses colonialistas como fonte de direito, tendo em vista que
retrata um pas governado por uma empresa inglesa, que chegou a manter um exrcito de
soldados ingleses a seus servios, alm de uma grande quantidade de nativos, chamados
sepoys, que tambm estavam a servio dos interesses colonialistas da empresa britnica. O
filme tambm faz com que o espectador analise o choque de costumes entre culturas
diferentes, levando-o a refletir sobre o que emerge desses choques culturais entre dominantes
e dominados. Novamente a tica, a isonomia, a equidade, a liberdade so entendidas, atravs
da arte, como forma de questionamento.
A partir desses exemplos, verifica-se que a arte uma das protagonistas das mudanas
sociais e do processo de construo, de modificao e, muitas vezes, de reconstruo da
sociedade. Na Educao, ela contribui para a formao de um sujeito consciente, sensvel,
crtico, participativo, capaz de compreender, intervir e transformar a realidade em que vive.
Barbosa (2008, p. 90) afirma:
Arte artefato, no natureza; linguagem presentacional que pode intertextualizar com outras linguagens; emoo, representa de forma
comunicvel; conhecimento, conhecimento para cuja configurao todas as
funes mentais participam: intuio, inteligncia; emoo, etc. Hoje eu
diria que tudo isso e cinicamente acrescento que um divertimento que
tem o poder de levar a pensar e algumas vezes transformar. Transformar a
prpria Arte, quem a faz, quem a v e a sociedade. [...].
Assim, a arte pode ser usada nas mais diversas disciplinas, dentre elas as que
envolvem o estudo do Direito e a formao de seus futuros operadores.
3. A interao entre arte, imaginao criadora e ensino da Filosofia do Direito um
caminho possvel
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Em relao ao ensino da Filosofia do Direito, a teoria da imaginao criadora ganha
grande relevncia tendo em vista que o filsofo Gaton Bachelard estuda continuadamente os
processos de elaborao da cincia, tendo uma maneira diversa de entender a aprendizagem.
O ponto central de sua teoria a mudana das estruturas internas e o constante questionar,
visto que sua perspectiva est ligada formao do sujeito e, no, pura e simplesmente a
reproduo de ideias e conceitos cientficos.
Bachelard defende que atravs da imaginao criadora que o sujeito consegue
ultrapassar seus limites. Devanear sobre o devir a mola propulsora para que o homem
caminhe avante.
O estudo da Filosofia do Direito, por ter como epicentro o prprio Direito, envolve
tambm o estudo das relaes humanas, seus conflitos, ideais, idias, anseios, medos. Os
constantes questionamentos levantados pela Filosofia do Direito e o olhar de juzo de valor e
de criticidade entre o justo e o injusto que lana sobre o prprio Direito, constituem material
ideal para criatividade artstica. Desde os tempos antigos, essa batalha entre o justo e o injusto
foi retratada, das mais diversas formas, por escultores, pintores, escritores, teatrlogos,
cinematgrafos, msicos, artistas, enfim.
Desta forma, a arte mostra-se como meio de conexo entre o ensino filosfico do
Direito e o mundo real, pois se o Direito fonte de inspirao para a arte, ela, por sua vez,
retribui a possibilidade de um olhar crtico sobre as instituies, os fenmenos e o sistema
jurdico como um todo.
Eisner (2008, p. 15) enfatiza que:
[...] a experincia que as artes possibilitam no est restrita ao que ns
chamamos de belas. O sentido de vitalidade e a exploso de emoes que
sentimos quando comovidos por uma das artes pode, tambm, ser assegurada
nas ideias que exploramos com os estudantes, nos desafios que encontramos
em fazer investigaes crticas e no apetite de aprender que estimulamos.
Estudar a Filosofia do Direito somente atravs de doutrinas dogmticas estar
ultrapassado no tempo. A sociedade dinmica, estando em constante mutao e
desenvolvimento. O Direito, a seu turno, s existe em funo da vida em sociedade e foi
criado para possibilitar o convvio dos indivduos dentro do grupo social, sendo usado como
forma de soluo de conflitos e restabelecimento da paz dentro desse grupo. Segundo Reale
(2006, p. 2): O Direito [...] no existe seno na sociedade e no pode ser concebido fora dela.
Uma das caractersticas da realidade jurdica , como se v, a sua socialidade, a sua qualidade
de ser social.
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Como j dito, a Filosofia do Direito est ligada ao prprio conceito de Direito, no
havendo, portanto, como dissociar seu estudo com o estudo das relaes interpessoais que
formam cada grupo social, que por sua vez, so formados de indivduos.
Dessa forma, de primordial importncia a formao do indivduo que ser parte
integrante do grupo social, onde se encontra inserido o Direito e, por sua vez, a Filosofia do
Direito. Como j se discorreu nesse artigo, a formao desse sujeito no se d apenas atravs
da transmisso de conhecimentos cientficos, mas, alm disso, envolve a construo de uma
conscincia crtica, pensante, sensvel, autnoma, fazendo com que ele seja capaz de
envolver-se com o grupo ao qual pertence, modificandose e modificandoo.
Segundo Abreu-Bernardes (2010, p.14):
Uma das dimenses da importncia do pensamento de Gaston Bachelard
para o campo de estudo da Educao o acontecimento da aprendizagem
enquanto viabilizadora de uma experincia de metamorfose, de formao e
de transformao humana. O filsofo da imaginao lembra que o aluno no
vem escola para adquirir uma cultura, ele vem para transformar sua
cultura, para demolir os obstculos j cristalizados pela vida cotidiana.
Consequentemente, preciso desenvolver um processo educativo de
mobilizao permanente, substituindo um saber fechado por um
conhecimento aberto.
Nesse contexto de formao e transformao humana, as artes, para Eisner (2008,
p.10) ensinam os alunos a agir e a julgar na ausncia de regras, a confiar nos sentimentos, a
prestar ateno a nuances, a agir e apreciar as consequncias das escolhas, a rev-las e,
depois, fazer outras escolhas.
Dessa forma, o uso da arte e da imaginao criadora no processo de construo do
conhecimento da Filosofia do Direito um caminho possvel e que possibilita ao aprendiz
desenvolver-se reflexiva e criticamente, alm de despertar sua capacidade de criao,
inveno, reconstruo, de reinveno, de recomeo. O filsofo de BarsurAube afirma que
[...] se a filosofia o estudo dos comeos, como ser ela ensinada sem pacientes
recomeos? (BACHELARD, 1994, p.190).
Atravs da arte e da imaginao criadora, o acadmico de Direito deixa fluir suas
inquietaes, questionamentos, devaneios, que o levaro verdadeira compreenso da
essncia do estudo da Filosofia do Direito. J no mais ser o mestre ensinando que preciso
questionar, mas o aprendiz, de forma espontnea, levantando questionamentos sobre o Direito
posto e codificado, filosofando o Direito e fazendo com que ele caminhe adiante.
Consideraes Finais
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Ao tratar da interao entre arte, imaginao criadora e estudo da Filosofia do Direito,
o presente artigo, no tem como objetivo dizer que esta interao o nico caminho possvel
para a construo do conhecimento nesta rea do estudo jurdico. O que se objetiva
demonstrar que este , sem sombra de dvidas, um dos caminhos.
Dialetizar o Direito, conceitua-lo, criticalo, problematiza-lo, emitir sobre ele juzo de
valor sobre o justo e o injusto, eis alguns dos objetivos da Filosofia do Direito. Dessa forma, a
formao do acadmico, como sujeito consciente, pensante, questionador e articulador de seus
prprios pensamentos, devem fazer parte do estudo da Filosofia do Direito.
Nesse processo de formao humana, a arte e a imaginao criadora so instrumentos
que despertam no aprendiz o devanear sobre o devir, o repensar conceitos, teorias, leis, a sua
prpria funo dentro do universo jurdico. A arte e a imaginao criadora permitem que o
aluno pense e sinta sobre tica enquanto v um filme, se encanta ou se choca com uma tela;
que ele pense e sinta sobre valores como isonomia e equidade, enquanto assiste uma obra
teatrloga ou enquanto l uma poesia.
Pode-se concluir que aprender a filosofar sobre o Direito, atravs da arte e da
imaginao criadora, cria entre mestre e aprendiz laos fortes o bastante para que eles
movimentem esforos para melhor compreender o universo jurdico, o sujeito em formao e,
via de consequncia, o prprio mundo no qual ele se insere.
Referncias
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perspectiva de Gaston Bachelard. REUNIO ANUAL DA ASSOCIAO NACIONAL
DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM EDUCAO, 33, 2010, Caxambu. Anais...
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. Acesso em 26 dez 2012.
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