12
Revista Encontro de Pesquisa em Educação Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013. ISSN: 2237-8022 (on-line) ISSN: 2318-4469 (CD-ROM) ARTE E FILOSOFIA DO DIREITO Alessandra Morais Alves de Souza e FURTADO 1 Universidade de Uberaba UNIUBE Elton Antônio Alves PEREIRA 2 Universidade de Uberaba UNIUBE Sueli Teresinha de ABREU-BERNARDES 3 Universidade de Uberaba UNIUBE, Orientadora Agência Financiadora: FAPEMIG/CAPES-OBEDUC RESUMO O presente trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento e constitui um subprojeto do Observatório da Educação - Interdisciplinaridade na educação básica: estudos por meio da arte e da cultura popular. O tema em questão é a complementaridade da arte no ensino da Filosofia do Direito. O objetivo é compreender como a arte pode contribuir para a construção do conhecimento nessa área de estudos. A complementaridade entre arte e ciência encontram respaldo na teoria do filósofo Bachelard, para quem a ciência deve estar sempre unida à imaginação. Esse pensador denomina de imaginação criadora aquela que se relaciona às imagens que colocam em movimento a articulação simbólica entre o mundo interior e o mundo exterior do sujeito. A partir de considerações dessa natureza, chega-se à seguinte questão: como interagir a arte, a imaginação criadora e os saberes específicos no ensino da Filosofia do Direito? A partir de uma pesquisa bibliográfica, aprende-se que o justo e o injusto, o sistema legal, a ética são objeto de estudo dessa disciplina, que levanta questionamentos com o objetivo de instigar transformações no sujeito que a estuda e, via de consequência, no meio social onde ele está inserido. Por meio da arte e da imaginação criadora, o aluno é instigado a questionar, a pensar, a lançar um novo olhar sob o Direito, que é justamente a proposta da jus-filosofia. Dessa forma, a interação proposta do estudo filosófico e da arte evidencia um sentido de complementaridade. Palavras-chave: Arte. Fenomenologia bachelardiana. Filosofia do Direito. Ensino. 1 Mestranda em Educação; advogada; professora no Curso de Direito da UEMG; integrante da equipe do Observatório da Educação Interdisciplinaridade na educação básica: estudos por meio da arte e da cultura popular. E-mail: [email protected] 2 Mestrando em Educação; Professor no IFTM; integrante da Rede de Pesquisadores sobre Professores do Centro-Oeste-REDECENTRO e integrante da equipe do Observatório da Educação Interdisciplinaridade na educação básica: estudos por meio da arte e da cultura popular. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Educação; Professora no Programa de Pós-graduação em Educação da UNIUBE; coordenadora do Observatório da Educação Interdisciplinaridade na educação básica: estudos por meio da arte e da cultura popular-CAPES/FAPEMIG e do projeto institucional da Rede de Pesquisadores sobre Professores do Centro- Oeste-REDECENTRO; Integrante do Observatório Internacional de La Profesión Docente da Universidade de Barcelona. E-mail: [email protected].

Arte e Filosofia - Uniube Helder e Val Citados

Embed Size (px)

Citation preview

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    ISSN: 2237-8022 (on-line) ISSN: 2318-4469 (CD-ROM)

    ARTE E FILOSOFIA DO DIREITO

    Alessandra Morais Alves de Souza e FURTADO1

    Universidade de Uberaba UNIUBE

    Elton Antnio Alves PEREIRA2

    Universidade de Uberaba UNIUBE

    Sueli Teresinha de ABREU-BERNARDES3

    Universidade de Uberaba UNIUBE, Orientadora

    Agncia Financiadora: FAPEMIG/CAPES-OBEDUC

    RESUMO

    O presente trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento e

    constitui um subprojeto do Observatrio da Educao - Interdisciplinaridade na educao

    bsica: estudos por meio da arte e da cultura popular. O tema em questo a

    complementaridade da arte no ensino da Filosofia do Direito. O objetivo compreender como

    a arte pode contribuir para a construo do conhecimento nessa rea de estudos. A

    complementaridade entre arte e cincia encontram respaldo na teoria do filsofo Bachelard,

    para quem a cincia deve estar sempre unida imaginao. Esse pensador denomina de

    imaginao criadora aquela que se relaciona s imagens que colocam em movimento a

    articulao simblica entre o mundo interior e o mundo exterior do sujeito. A partir de

    consideraes dessa natureza, chega-se seguinte questo: como interagir a arte, a

    imaginao criadora e os saberes especficos no ensino da Filosofia do Direito? A partir de

    uma pesquisa bibliogrfica, aprende-se que o justo e o injusto, o sistema legal, a tica so

    objeto de estudo dessa disciplina, que levanta questionamentos com o objetivo de instigar

    transformaes no sujeito que a estuda e, via de consequncia, no meio social onde ele est

    inserido. Por meio da arte e da imaginao criadora, o aluno instigado a questionar, a

    pensar, a lanar um novo olhar sob o Direito, que justamente a proposta da jus-filosofia.

    Dessa forma, a interao proposta do estudo filosfico e da arte evidencia um sentido de

    complementaridade.

    Palavras-chave: Arte. Fenomenologia bachelardiana. Filosofia do Direito. Ensino.

    1 Mestranda em Educao; advogada; professora no Curso de Direito da UEMG; integrante da equipe do

    Observatrio da Educao Interdisciplinaridade na educao bsica: estudos por meio da arte e da cultura

    popular. E-mail: [email protected] 2 Mestrando em Educao; Professor no IFTM; integrante da Rede de Pesquisadores sobre Professores do

    Centro-Oeste-REDECENTRO e integrante da equipe do Observatrio da Educao Interdisciplinaridade na

    educao bsica: estudos por meio da arte e da cultura popular. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Educao; Professora no Programa de Ps-graduao em Educao da UNIUBE; coordenadora do

    Observatrio da Educao Interdisciplinaridade na educao bsica: estudos por meio da arte e da cultura

    popular-CAPES/FAPEMIG e do projeto institucional da Rede de Pesquisadores sobre Professores do Centro-

    Oeste-REDECENTRO; Integrante do Observatrio Internacional de La Profesin Docente da Universidade de

    Barcelona. E-mail: [email protected].

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    8

    Introduo

    A busca por novos mtodos de ensino vem ao encontro de uma universidade

    consciente, voltada para as lutas democrticas, onde os alunos possam desempenhar, julgar e

    avaliar suas funes de forma crtica, propor solues, questionar, debater, transmitir seus

    pensamentos, entre outras caractersticas que resultam na formao de um profissional mais

    comprometido com a funo social de seu ofcio.

    Dessa forma, a docncia exige que, para alm de conhecer o contedo a ser ensinado,

    o professor tenha que estar aberto ao novo a fim de, com o aluno, ir construindo,

    gradativamente, o conhecimento. preciso, ainda, que o professor tenha em mente que, mais

    importante que transmitir contedos, a escola tem por funo formar sujeitos.

    Assim, na construo do presente trabalho no h como deixar de trazer a teoria da

    imaginao criadora. Essa imaginao, na perspectiva terica de Gaston Bachelard dinamiza o

    ato de conhecer em seu poder constitutivo do ser humano enquanto pensador, sonhador e

    criador tendo em vista que capaz de pr em movimento ideias e imagens para investigar o

    real. Nesse sentido, a imaginao reveste-se de importncia vital na formao do sujeito, pois

    por meio dela que o homem pensador, sonhador e criador ganha fora e se move no sentido

    de metaforsear-se.

    Sob o enfoque da teoria bachelardiana, educar promover caminhos que possibilitem

    ao aluno e ao professor uma interao capaz de levar construo do conhecimento,

    oportunizando sempre a superao das limitaes. Nessa esteira, a arte mostra-se como um

    dos caminhos a ser trilhados para facilitar a formao do aluno em busca de um ser mais, de

    ultrapassar seus limites, de formar- se como sujeito.

    No caso do Direito, a formao crtica do discente tem como objetivo formar

    profissionais habilitados a entender a realidade com a qual iro trabalhar. incessante a

    necessidade de se promover a construo do conhecimento entre alunos e professor em sala

    de aula, o qual possibilite ao aluno ter uma conscincia crtica do sistema legal e da sociedade

    onde ele se insere.

    O objetivo desse artigo compreender como a arte e a imaginao criadora podem

    contribuir para a construo do conhecimento em Filosofia do Direito. Percebe-se que o

    ensino jurdico, como um todo, possui um carter dogmtico e tecnicista que, muitas vezes,

    no proporciona ao acadmico alcanar todas as dimenses do estudo do Direito.

    Segundo (SOUZA; PIEDADE, 2012, p.2):

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    9

    O ensino do Direito destoa, ou at mesmo nem se aproxima, da realidade

    concreta. clara a dificuldade em associar a realidade cotidiana, a realidade

    comum das pessoas, suas vidas, ou seja, a realidade sensvel com a realidade suprasensvel do Direito nas salas de aula. E esta uma tarefa difcil para o professor; para o aluno, talvez a dificuldade seja ainda maior,

    associar ou aproximar a relao existencial destes dois universos que

    aparentemente correm em paralelo.

    Em sua essncia, o Direito busca um ideal de equilibrar as tenses sociais com o fito

    de realizar a to almejada justia. Estudar os limites e dilemas do Direito estudar os diversos

    obstculos que se apresentam realizao desse ideal de justia e, nesse aspecto, que entra a

    Filosofia do Direito, como fonte de questionamento sobre o que est posto como verdade

    jurdica, levando o jurista a repensar e revisitar essas verdades, de forma crtica, na busca de

    novas alternativas para as lacunas e falhas dos diversos elementos que compem o vasto

    universo jurdico.

    GUSMO (2006, p.15), afirma que:

    A Filosofia do Direito no tem por objeto o contedo do Direito, porque

    sendo histrico, varivel e ideolgico. Mas, ento, em que consiste o seu

    valor ou a sua atualidade? Primeiro, despertar a dvida sobre as verdades jurdicas, geralmente ideolgicas, e, como tal, histricas; abrir a mente para a

    realidade jurdica, imperfeita, e, quase sempre, injusta; incentivar reformas

    jurdicas, criando a conscincia de a lei ser obra inacabada, em conflito

    permanente com o direito. E, acima de tudo, dar ao jurista, enfadado com os

    modelos que a sociedade lhe impe, momentos de satisfao espiritual,

    compensadores da perda da crena na capacidade criadora do homem no

    terreno jurdico.

    A tarefa da Filosofia do Direito no se esgota nunca, pois seu objetivo sempre

    questionar. Seu papel crtico tem relevante importncia para que o Direito caminhe avante,

    no se tornando estanque e dissociado da mutante sociedade na qual est inserido. Pode-se ler

    na obra de Bittar e Almeida (2011, p. 43):

    A Filosofia do Direito um saber crtico a respeito das construes jurdicas

    erigidas pela Cincia do Direito e pela prpria prxis do Direito. Mais que

    isso, sua tarefa buscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se

    de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as

    estruturas do raciocnio jurdico, provocando, por vezes, fissuras no edifcio

    jurdico que por sobre as mesmas se ergue.

    nesse universo de questionamentos, de desconstruo e reconstruo que a interao

    entre arte e estudo da Filosofia do Direito, possibilita ao aluno a descoberta de um universo

    mais amplo. Na confluncia entre essas duas reas do conhecimento humano (educao e

    arte), tem - se a arte como impulso das relaes interpessoais, renovando vivncias, tecendo

    laos de solidariedade, criando imaginrios e poticas imprescindveis para o conhecimento

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    10

    do outro, de si mesmo e do grupo social onde est inserido. A arte retrata a pulso pela vida.

    A vida pulsante e pulsando.

    Este artigo resultado ao estudo das interaes arte e ensino da Filosofia do Direito.

    Parto da questo: como interagir a arte, a imaginao criadora e os saberes da Filosofia do

    Direito no ensino dessa disciplina?

    A metodologia aplicada foi de cunho terico, com pesquisa bibliogrfica, buscando

    identificar as obras relacionadas ao tema do ensino da Filosofia do Direito e sua interao

    com a arte, buscando informaes que possam responder a pergunta deste estudo.

    1. A Filosofia do Direito definio, objetivo e finalidade

    Etimologicamente a palavra filosofia vem do grego e significa amizade ou amor

    pela sabedoria. Nas palavras de Reale (2002, p.5): Os primeiros filsofos gregos no

    concordaram em ser chamados sbios, por terem conscincia do muito que ignoravam.

    Preferiram ser conhecidos como amigos da sabedoria, ou seja filsofos".

    A filosofia traz em sua essncia a busca incansvel pela verdade, sempre colocando

    frente do conhecido, os questionamentos sobre o desconhecido. uma eterna renovao da

    busca pela verdade ela comea com um estado de inquietao e de perplexidade, para

    culminar numa atitude crtica diante do real e da vida. (REALE, 2002, p.6)

    No que tange a Filosofia do Direito, propriamente dita, sua busca o constante

    questionamento acerca das condies morais, lgicas, ticas, histricas dos fenmenos e do

    sistema Jurdico.

    Segundo Nader (2006, p.11):

    Enquanto a Cincia do Direito se limita a descrever e sistematizar o

    Direito vigente, a Filosofia do Direito transcende o plano meramente

    normativo, para questionar o critrio de justia adotado nas normas

    jurdicas. De um lado, a Cincia do Direito responde indagao Quid

    juris? (o que de Direito?); de outro, a Filosofia Jurdica atende

    pergunta Quid jus? (o que o Direito?). Esta uma disciplina de

    reflexo sobre os fundamentos do Direito. a prpria Filosofia Geral

    aplicada ao objeto Direito. Preocupado com o dever ser, com o melhor

    Direito, com o Direito justo, indispensvel que o jusfilsofo conhea

    tanto a natureza humana quanto o teor das leis.

    Definir o que seja Direito, quais so seus fundamentos e onde ele se legitima, alm do

    que a busca pelo sentido da sua histria so objeto da Filosofia do Direito. O estudo dessas

    questes tem como objetivo contribuir para a formao do jurista, levando-o a ser capaz de

    fazer uma leitura reflexiva e crtica dos fenmenos jurdicos, bem como do sistema legal onde

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    11

    ele se insere. Dessa forma, o estudo da Filosofia do Direito tem o fito de instigar o jurista a ter

    uma viso mais completa, complexa e crtica desse fenmeno e do prprio Direito, no se

    limitando ao olhar tecnicista e praxista.

    De acordo com Bittar e Almeida (2001, p. 43):

    A Filosofia do Direito um saber crtico a respeito das construes jurdicas

    erigidas pela Cincia do Direito e pela prpria prxis do Direito. Mais que

    isso, sua tarefa buscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se

    de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as

    estruturas do raciocnio jurdico, provocando, por vezes, fissuras no edifcio

    jurdico que por sobre as mesmas se ergue.

    Reale (2002, p.10) afirma que A misso da Filosofia do Direito , portanto, de crtica

    da experincia jurdica, no sentido de determinar suas condies transcendentais, ou seja,

    aquelas condies que servem de fundamento experincia, tornando a possvel.

    De outro vrtice, a Filosofia do Direito tem tambm a finalidade de submeter o Direito

    a um juzo que tenha como parmetro valores que a sociedade humana vem construindo ao

    longo de sua histria. Tais valores, como tica, a equidade, a isonomia, dentre outros, devem

    ser considerados pelo Direito, quando ele exerce a funo de pacificao dos conflitos sociais,

    tendo em vista que a investidura dessa funo dada ao Direito tem como premissa que ele

    esteja sempre na busca do justo. A filosofia do direito deve ser uma tomada de posio, uma

    deciso, um julgamento de valor sobre problemas humanos e sociais da alada do Direito

    (GUSMO, 2006, p. 15).

    O estudo da Filosofia do Direito leva o jurista a transcender a linguagem esttica do

    Direito codificado, fazendo com que ele debata com os valores ou contra valores que esto

    para alm da linguagem tcnica. O estudo filosfico do Direito faz com que o jurista dialogue

    com os valores fundantes da ideia de Justia, com princpios ideolgicos que o estudo apenas

    do Direito positivo no permite acessar. Ao filosofar o Direito e julg-lo, o juris filsofo

    contribui para o amadurecimento dos princpios e bases nas quais se assentam o Direito,

    fazendo com que esse amadurecimento possibilite a construo de uma sociedade mais

    equnime, isonmica e justa.

    2. A arte e a imaginao criadora como instrumentos de construo do

    conhecimento

    O uso da arte no processo de ensino envolve a considerao da educao como um

    processo formativo humanizado, ou seja, como um processo atravs do qual se auxilia o ser

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    12

    humano a desenvolver sentidos e significados que orientem sua ao no mundo, usando para

    tanto sua imaginao, criatividade, sonhos e anseios.

    Nesse sentido, de acordo com Moreno (2001), para se compreender o que o

    conhecimento, possvel apoiar-se em variadas perspectivas, entre elas: a filosfica, a

    psicolgica e a histrica. Conforme Sousa apud Moreno (2001), a perspectiva filosfica

    entende que o conhecimento o resultado da apropriao, pelo homem, de dados empricos e

    de ideias, na busca de entendimento da realidade.

    Segundo Tarkovskiaei (1986, p. 40) a arte um smbolo do universo, estando ligada

    aquela verdade espiritual absoluta que se ocupa de ns em nossas atividades pragmticas e

    utilitrias.

    A arte faz com que o espectador seja levado a um processo de reflexo e

    questionamentos, uma vez que, para alm da razo, mexe com a emoo do sujeito. Desta

    forma ela provoca inquietaes, sonhos, agstias, alegrias, tristezas, dvidas, criatividade. Ela

    tira o espectador do estado inanimado, para um estado de turbulncia, que se bem conduzida

    no processo de ensino, pode ser extremamente profcuo.

    Segundo Zamboni (2006 p.22-23):

    comum se ter a cincia como um veculo de conhecimento; j a arte

    normalmente descrita de maneira diferente, no to habitual pens-la como

    expresso ou transmisso do conhecimento humano. No obstante,

    necessrio entender que a arte no apenas conhecimento por si s, mas

    tambm pode constituir-se num importante veculo para outros tipos de

    conhecimento humano, j que extramos dela uma compreenso da

    experincia humana e de seus valores.

    A interao e complementaridade entre arte e cincia encontram respaldo na teoria do

    filsofo Gaston Bachelard, para quem cincia deve estar sempre unida imaginao. O

    filsofo francs defende o uso da imaginao criadora como fonte de formao, de

    transformao do sujeito. O filsofo francs defende que o aluno deve encontrar na escola no

    uma fonte de aquisio de cultura, mas, para, alm disso, deve encontrar uma fonte de

    transformao de sua cultura.

    Na perspectiva bachelardiana, a interao entre arte e cincia, entre imaginao e

    razo faz emergir outras realidades a partir do imaginrio. Sua teoria rompe com o paradigma

    de que razo e imaginao so aes dicotmicas, pois para ele ambas possuem a mesma

    caracterstica de criar significados e produzir conhecimentos para deixar fluir o que ainda no

    existe. A imaginao dinamiza o ato de conhecer em seu poder constitutivo do ser humano

    enquanto pensador e sonhador, essencialmente criador, revestindo a imaginao de

    importncia vital na formao do ser humano.

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    13

    Richter (2006, p. 246) afirma que:

    Para Bachelard, a criao a utilizao plena dos sentidos, das emoes, da inteligncia um valor existencial onde o racionalismo fechado cede para o aberto e o plural, aquele que permite uma transitividade entre o pensamento e a experincia. Enquanto o conceito rene formas

    prudentemente prximas na sua funo em um sistema de relaes inter-

    conceituais, a imaginao transpe extraordinrias diferenas: unindo a pedra preciosa estrela, ela prepara as correspondncias daquilo que tocamos e daquilo que vemos (BACHELARD, 1991, p. 230), para criar uma viso, inventar aquilo que vemos.

    Para o filsofo francs, a razo deve ser dotada de liberdade. O pensamento deve vir

    atravs e em conjunto com a imaginao criadora. A razo unida imaginao atravs dos

    devaneios, se complementam, fazendo com que emerja da novos conhecimentos e caminhos.

    O uso da arte e da imaginao no processo de ensino tambm defendido por Elliot

    Eisner (2008, p.9), que citando Sir Herbert Read, ensina que:

    [...] o objetivo da educao deveria ser entendido como a preparao de

    artistas. Pelo termo artista nem ele, nem eu, queremos dizer necessariamente

    pintores, danarinos, poetas ou autores dramticos. Ns queremos dizer

    indivduos que desenvolveram as ideias, as sensaes, as habilidades e a

    imaginao para criar um trabalho que est bem proporcionado, habilmente

    executado e imaginativo que independente do domnio em que o indivduo

    trabalha.

    A arte sempre foi usada como forma de expresso das emoes, da viso de mundo do

    artista e como expresso da prpria vida. Dessa forma, quando associada ao processo de

    criao, transforma-se em instrumento capaz de fazer com que o sujeito exera plenamente

    sua condio de ser humano. Desperta o olhar crtico, sensvel, possibilita a expresso livre do

    pensamento e das emoes, desenvolvendo no sujeito o raciocnio com criatividade e

    imaginao.

    Refletindo sobre a interao entre arte e cincia, Bronowski (apud Zamboni, 1983,

    p.81) conclui que:

    H um fio que percorre continuamente todas as culturas humanas que

    conhecemos e que feito de dois cordes. Esse fio o da cincia e da arte.

    [...] Esse emparelhamento indissolvel exprime, por certo, uma unidade

    essencial da mente humana evoluda. No pode ser um acidente o fato de

    no haver culturas que se dediquem a arte e no tenham cincia. E no h,

    certamente, nenhuma cultura desprovida de ambas. Deve haver alguma coisa

    profundamente enterrada no esprito humano mais precisamente na imaginao humana - que se exprime naturalmente em qualquer cultura

    social tanto na cincia quanto na arte.

    Produzida em 1937, a clssica obra de Picasso, Guernica, grandiosa no s em seu

    tamanho (mede 350 por 782 cm), mas sobretudo na reproduo da catstrofe blica que

    reproduz. Esta obra universal traduz a dor, o sofrimento, a destruio, fruto do impacto

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    14

    provocado pelo bombardeio. As imagens e sentimentos que emanam desta tela transcendem

    os prprios fatos nela retratados, transportando quem a v a um momento de terror vivenciado

    pela cidade de Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola.

    Mais do que isso, obras de arte como esta, fazem com que o expectador desperte os

    seus sentidos, fazendo um contraponto entre o belo, a paz, a harmonia, a tica e a destruio

    total causada pela guerra. Como fonte de construo do conhecimento, essa obra de arte,

    assim como outras, contribuem para uma reflexo sobre as relaes ticas, fazem emergir no

    expectador um juzo de valor sobre o justo e o injusto, alm de um olhar de criticidade sobre a

    realidade ali retratada, que clama pela construo de um mundo renovado e fundado em

    outros valores.

    Na arte cinematogrfica, observa - se que filmes como O Motim, de Ketan Mehta,

    possibilitam refletir sobre os interesses colonialistas como fonte de direito, tendo em vista que

    retrata um pas governado por uma empresa inglesa, que chegou a manter um exrcito de

    soldados ingleses a seus servios, alm de uma grande quantidade de nativos, chamados

    sepoys, que tambm estavam a servio dos interesses colonialistas da empresa britnica. O

    filme tambm faz com que o espectador analise o choque de costumes entre culturas

    diferentes, levando-o a refletir sobre o que emerge desses choques culturais entre dominantes

    e dominados. Novamente a tica, a isonomia, a equidade, a liberdade so entendidas, atravs

    da arte, como forma de questionamento.

    A partir desses exemplos, verifica-se que a arte uma das protagonistas das mudanas

    sociais e do processo de construo, de modificao e, muitas vezes, de reconstruo da

    sociedade. Na Educao, ela contribui para a formao de um sujeito consciente, sensvel,

    crtico, participativo, capaz de compreender, intervir e transformar a realidade em que vive.

    Barbosa (2008, p. 90) afirma:

    Arte artefato, no natureza; linguagem presentacional que pode intertextualizar com outras linguagens; emoo, representa de forma

    comunicvel; conhecimento, conhecimento para cuja configurao todas as

    funes mentais participam: intuio, inteligncia; emoo, etc. Hoje eu

    diria que tudo isso e cinicamente acrescento que um divertimento que

    tem o poder de levar a pensar e algumas vezes transformar. Transformar a

    prpria Arte, quem a faz, quem a v e a sociedade. [...].

    Assim, a arte pode ser usada nas mais diversas disciplinas, dentre elas as que

    envolvem o estudo do Direito e a formao de seus futuros operadores.

    3. A interao entre arte, imaginao criadora e ensino da Filosofia do Direito um

    caminho possvel

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    15

    Em relao ao ensino da Filosofia do Direito, a teoria da imaginao criadora ganha

    grande relevncia tendo em vista que o filsofo Gaton Bachelard estuda continuadamente os

    processos de elaborao da cincia, tendo uma maneira diversa de entender a aprendizagem.

    O ponto central de sua teoria a mudana das estruturas internas e o constante questionar,

    visto que sua perspectiva est ligada formao do sujeito e, no, pura e simplesmente a

    reproduo de ideias e conceitos cientficos.

    Bachelard defende que atravs da imaginao criadora que o sujeito consegue

    ultrapassar seus limites. Devanear sobre o devir a mola propulsora para que o homem

    caminhe avante.

    O estudo da Filosofia do Direito, por ter como epicentro o prprio Direito, envolve

    tambm o estudo das relaes humanas, seus conflitos, ideais, idias, anseios, medos. Os

    constantes questionamentos levantados pela Filosofia do Direito e o olhar de juzo de valor e

    de criticidade entre o justo e o injusto que lana sobre o prprio Direito, constituem material

    ideal para criatividade artstica. Desde os tempos antigos, essa batalha entre o justo e o injusto

    foi retratada, das mais diversas formas, por escultores, pintores, escritores, teatrlogos,

    cinematgrafos, msicos, artistas, enfim.

    Desta forma, a arte mostra-se como meio de conexo entre o ensino filosfico do

    Direito e o mundo real, pois se o Direito fonte de inspirao para a arte, ela, por sua vez,

    retribui a possibilidade de um olhar crtico sobre as instituies, os fenmenos e o sistema

    jurdico como um todo.

    Eisner (2008, p. 15) enfatiza que:

    [...] a experincia que as artes possibilitam no est restrita ao que ns

    chamamos de belas. O sentido de vitalidade e a exploso de emoes que

    sentimos quando comovidos por uma das artes pode, tambm, ser assegurada

    nas ideias que exploramos com os estudantes, nos desafios que encontramos

    em fazer investigaes crticas e no apetite de aprender que estimulamos.

    Estudar a Filosofia do Direito somente atravs de doutrinas dogmticas estar

    ultrapassado no tempo. A sociedade dinmica, estando em constante mutao e

    desenvolvimento. O Direito, a seu turno, s existe em funo da vida em sociedade e foi

    criado para possibilitar o convvio dos indivduos dentro do grupo social, sendo usado como

    forma de soluo de conflitos e restabelecimento da paz dentro desse grupo. Segundo Reale

    (2006, p. 2): O Direito [...] no existe seno na sociedade e no pode ser concebido fora dela.

    Uma das caractersticas da realidade jurdica , como se v, a sua socialidade, a sua qualidade

    de ser social.

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    16

    Como j dito, a Filosofia do Direito est ligada ao prprio conceito de Direito, no

    havendo, portanto, como dissociar seu estudo com o estudo das relaes interpessoais que

    formam cada grupo social, que por sua vez, so formados de indivduos.

    Dessa forma, de primordial importncia a formao do indivduo que ser parte

    integrante do grupo social, onde se encontra inserido o Direito e, por sua vez, a Filosofia do

    Direito. Como j se discorreu nesse artigo, a formao desse sujeito no se d apenas atravs

    da transmisso de conhecimentos cientficos, mas, alm disso, envolve a construo de uma

    conscincia crtica, pensante, sensvel, autnoma, fazendo com que ele seja capaz de

    envolver-se com o grupo ao qual pertence, modificandose e modificandoo.

    Segundo Abreu-Bernardes (2010, p.14):

    Uma das dimenses da importncia do pensamento de Gaston Bachelard

    para o campo de estudo da Educao o acontecimento da aprendizagem

    enquanto viabilizadora de uma experincia de metamorfose, de formao e

    de transformao humana. O filsofo da imaginao lembra que o aluno no

    vem escola para adquirir uma cultura, ele vem para transformar sua

    cultura, para demolir os obstculos j cristalizados pela vida cotidiana.

    Consequentemente, preciso desenvolver um processo educativo de

    mobilizao permanente, substituindo um saber fechado por um

    conhecimento aberto.

    Nesse contexto de formao e transformao humana, as artes, para Eisner (2008,

    p.10) ensinam os alunos a agir e a julgar na ausncia de regras, a confiar nos sentimentos, a

    prestar ateno a nuances, a agir e apreciar as consequncias das escolhas, a rev-las e,

    depois, fazer outras escolhas.

    Dessa forma, o uso da arte e da imaginao criadora no processo de construo do

    conhecimento da Filosofia do Direito um caminho possvel e que possibilita ao aprendiz

    desenvolver-se reflexiva e criticamente, alm de despertar sua capacidade de criao,

    inveno, reconstruo, de reinveno, de recomeo. O filsofo de BarsurAube afirma que

    [...] se a filosofia o estudo dos comeos, como ser ela ensinada sem pacientes

    recomeos? (BACHELARD, 1994, p.190).

    Atravs da arte e da imaginao criadora, o acadmico de Direito deixa fluir suas

    inquietaes, questionamentos, devaneios, que o levaro verdadeira compreenso da

    essncia do estudo da Filosofia do Direito. J no mais ser o mestre ensinando que preciso

    questionar, mas o aprendiz, de forma espontnea, levantando questionamentos sobre o Direito

    posto e codificado, filosofando o Direito e fazendo com que ele caminhe adiante.

    Consideraes Finais

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    17

    Ao tratar da interao entre arte, imaginao criadora e estudo da Filosofia do Direito,

    o presente artigo, no tem como objetivo dizer que esta interao o nico caminho possvel

    para a construo do conhecimento nesta rea do estudo jurdico. O que se objetiva

    demonstrar que este , sem sombra de dvidas, um dos caminhos.

    Dialetizar o Direito, conceitua-lo, criticalo, problematiza-lo, emitir sobre ele juzo de

    valor sobre o justo e o injusto, eis alguns dos objetivos da Filosofia do Direito. Dessa forma, a

    formao do acadmico, como sujeito consciente, pensante, questionador e articulador de seus

    prprios pensamentos, devem fazer parte do estudo da Filosofia do Direito.

    Nesse processo de formao humana, a arte e a imaginao criadora so instrumentos

    que despertam no aprendiz o devanear sobre o devir, o repensar conceitos, teorias, leis, a sua

    prpria funo dentro do universo jurdico. A arte e a imaginao criadora permitem que o

    aluno pense e sinta sobre tica enquanto v um filme, se encanta ou se choca com uma tela;

    que ele pense e sinta sobre valores como isonomia e equidade, enquanto assiste uma obra

    teatrloga ou enquanto l uma poesia.

    Pode-se concluir que aprender a filosofar sobre o Direito, atravs da arte e da

    imaginao criadora, cria entre mestre e aprendiz laos fortes o bastante para que eles

    movimentem esforos para melhor compreender o universo jurdico, o sujeito em formao e,

    via de consequncia, o prprio mundo no qual ele se insere.

    Referncias

    ABREU-BERNARDES, Sueli Teresinha de Abreu. A potica na formao humana na

    perspectiva de Gaston Bachelard. REUNIO ANUAL DA ASSOCIAO NACIONAL

    DE PS-GRADUAO E PESQUISA EM EDUCAO, 33, 2010, Caxambu. Anais...

    Disponvel em:

    . Acesso em 26 dez 2012.

    BACHELARD, Gaston. A potica do devaneio. 3. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2009.

    BARBOSA, Ana Mae (org.); EISNER, A.; OTT, R. W. Arte-educao: leitura no subsolo.

    So Paulo: Cortez, 1998.

    BITTAR, Eduardo C. B. e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 9.

    ed. So Paulo: Atlas, 2011.

    EISNER, Elliot E.. O que pode a educao aprender das artes sobre a prtica da educao.

    Currculo sem Fronteiras, v.8, n.2, pp.5-17, jul/dez 2008. Disponvel em:

    .Acesso em 28 dez.

    2012.

  • Revista Encontro de Pesquisa em Educao Uberaba, v. 1, n.1, p. 7-18, 2013.

    18

    GUSMO, Paulo Dourado de. Filosofia do direito. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

    2006.

    MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito e filosofia poltica - a justia possvel.

    So Paulo: Atlas, 2003.

    MORENO, G.L. Pressupostos Epistemolgicos na educao infantil: O ldico, a

    construo do conhecimento e a prtica pedaggica em uma pr-escola. UEL, 2001.

    Dissertao de mestrado.

    NADER, Paulo. Introduo ao estudo do direito. 26. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,

    2006.

    REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed., 3 tiragem, So Paulo: Saraiva, 2002.

    _____________Lies preliminares de direito. 27. ed., 6 tiragem, So Paulo: Saraiva,

    2006.

    RICHTER, Sandra. Bachelard e a experincia potica como dimenso educativa da arte.

    Educao, v. 31, n. 2, jul./dez. p. 241-254, 2006. Disponvel em:

    .

    Acesso em 24 dez 2012.

    SOUZA, Helder Flix Pereira de; PIEDADE, Valquiria Vasconcelos da. A educao dos

    antigos como exemplo para se ensinar o Direito contemporneo. In: mbito Jurdico, Rio

    Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponvel em:

    . Acesso em: 26 dez 2012.

    TARKOVSKIAEI, Andreaei Arsensevich. 1932-1986. Esculpir o tempo. Traduo Jefferson

    Luiz Camargo. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes. 1998. Disponvel em:

    . Acesso em: 26 dez

    2012.

    ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e cincia. 3 ed. Campinas:

    Autores Associados, 2006.