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Arte e Natureza Ao longo de sua existência, a arte sempre esteve ligada a outros aspectos da vida, formando binômios de atuação. Assim é que, em determinadas épocas da história, a arte se ligou à magia, à religião, à política, à ciência ou à tecnologia. Mas de todos esses binômios, o mais permanente e consistente, nos diferentes modos como se realiza, é o que une em uma única equação arte e natureza. Mesmo nos momentos de prevalência da arte abstrata, a natureza persiste de forma subjacente ou residual, o que levou o crítico e historiador Lionello Venturi a afirmar que ``como a vida e a natureza se encontram sempre na pintura, aquele que tem experiência da vida e conhecimento da natureza está em posição privilegiada para compreender os valores da arte``. Cézanne dizia que `` arte e natureza são harmonias paralelas´´. Não se trata, portanto, de copiar a natureza, mas de inventar a partir dela. Os pintores buscam o que nela é permanente, sua estrutura interna. Cézanne costumava sair pelos arredores de sua casa, em Aix-em-Provence, com seu caderno de notas, esboçando aspectos variados da natureza. Mas, de volta ao ateliê, despojava suas ``pequenas sensações´´ de tudo aquilo que lhe parecia excessivo, superficial ou meramente decorativo, para fixar-se apenas no essencial. Analisando o que foi pintado ao longo da história da arte, Charles Sterling conclui que os motivos essenciais fornecidos pelo mundo ao artista dizem respeito a três categorias: o homem e sua existência, a vida ao redor do homem e a matéria inerme. Em outras palavras, esses motivos são o retrato, a paisagem e a natureza-morta. Esses três gêneros têm na arte atual outros nomes: Body-Art (arte performática), Earth-Art (novo Naturalismo) e arte objetual (Dada, Nouveau Realismo). Com efeito, as performances são manifestações narcisísticas, verdadeiros auto-retratos; as incisões, escavações e intervenções de artistas como Milke Heizer, Richard Long e Carl André, em lagos secos, desertos, florestas e outros, resultam em paisagens; os pop-foods de Claes Oldenburg podem ser considerados naturezas-mortas. Poderíamos dizer igualmente que esses gêneros são tratadas como se fossem retratos e estes, como naturezas-mortas. No século 16, o maneirista Giuseppe Arcimboldo antropomorfizou paisagens e construiu seus retratos, inclusive de monarcas, como naturezas-mortas, isto é, com frutos e legumes. Hoje, um arcimboldista como Roberto Magalhães coloca olhos, baça e nariz no Pão de Açúcar, criando uma imagem intrigante e bem – humorada. Por natureza devemos entender todos os seres que constituem o universo – vegetais, animais e minerais. O mundo visível, concreto, em oposição ao mundo das idéias. O adjetivo natural significa tudo aquilo que é conforme a natureza, que é inato e congênito, não – artificial. Daí chegamos ao Naturalismo, ``doutrina ou escola literária infensa a qualquer idealização da realidade´´, e, na pintura, uma representação realista da natureza. Cabe lembrar ainda que o vocábulo paisagem deriva de país, por sua vez originado do latim pagus, que significa aldeia, povoado. Alguns dicionários mais antigos definem a expressão paisagista como pintor de paises, o que permite estabelecer uma relação significativa com naturalização, que é ``o ato pelo qual um estrangeiro se torna cidadão de um Estado que não é seu, perdendo, ao mesmo tempo, a sua nacionalidade de origem´´. Frans Krajcberg, tendo passado uma borracha no livro negro de sua vida no Leste europeu, refez o seu

Arte e Natureza

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Arte e Natureza

Ao longo de sua existncia, a arte sempre esteve ligada a outros aspectos da vida, formando binmios de atuao. Assim que, em determinadas pocas da histria, a arte se ligou magia, religio, poltica, cincia ou tecnologia. Mas de todos esses binmios, o mais permanente e consistente, nos diferentes modos como se realiza, o que une em uma nica equao arte e natureza. Mesmo nos momentos de prevalncia da arte abstrata, a natureza persiste de forma subjacente ou residual, o que levou o crtico e historiador Lionello Venturi a afirmar que ``como a vida e a natureza se encontram sempre na pintura, aquele que tem experincia da vida e conhecimento da natureza est em posio privilegiada para compreender os valores da arte``.Czanne dizia que `` arte e natureza so harmonias paralelas. No se trata, portanto, de copiar a natureza, mas de inventar a partir dela. Os pintores buscam o que nela permanente, sua estrutura interna. Czanne costumava sair pelos arredores de sua casa, em Aix-em-Provence, com seu caderno de notas, esboando aspectos variados da natureza. Mas, de volta ao ateli, despojava suas ``pequenas sensaes de tudo aquilo que lhe parecia excessivo, superficial ou meramente decorativo, para fixar-se apenas no essencial.Analisando o que foi pintado ao longo da histria da arte, Charles Sterling conclui que os motivos essenciais fornecidos pelo mundo ao artista dizem respeito a trs categorias: o homem e sua existncia, a vida ao redor do homem e a matria inerme. Em outras palavras, esses motivos so o retrato, a paisagem e a natureza-morta. Esses trs gneros tm na arte atual outros nomes: Body-Art (arte performtica), Earth-Art (novo Naturalismo) e arte objetual (Dada, Nouveau Realismo). Com efeito, as performances so manifestaes narcissticas, verdadeiros auto-retratos; as incises, escavaes e intervenes de artistas como Milke Heizer, Richard Long e Carl Andr, em lagos secos, desertos, florestas e outros, resultam em paisagens; os pop-foods de Claes Oldenburg podem ser considerados naturezas-mortas. Poderamos dizer igualmente que esses gneros so tratadas como se fossem retratos e estes, como naturezas-mortas. No sculo 16, o maneirista Giuseppe Arcimboldo antropomorfizou paisagens e construiu seus retratos, inclusive de monarcas, como naturezas-mortas, isto , com frutos e legumes. Hoje, um arcimboldista como Roberto Magalhes coloca olhos, baa e nariz no Po de Acar, criando uma imagem intrigante e bem humorada.

Por natureza devemos entender todos os seres que constituem o universo vegetais, animais e minerais. O mundo visvel, concreto, em oposio ao mundo das idias. O adjetivo natural significa tudo aquilo que conforme a natureza, que inato e congnito, no artificial. Da chegamos ao Naturalismo, ``doutrina ou escola literria infensa a qualquer idealizao da realidade, e, na pintura, uma representao realista da natureza.Cabe lembrar ainda que o vocbulo paisagem deriva de pas, por sua vez originado do latim pagus, que significa aldeia, povoado. Alguns dicionrios mais antigos definem a expresso paisagista como pintor de paises, o que permite estabelecer uma relao significativa com naturalizao, que ``o ato pelo qual um estrangeiro se torna cidado de um Estado que no seu, perdendo, ao mesmo tempo, a sua nacionalidade de origem. Frans Krajcberg, tendo passado uma borracha no livro negro de sua vida no Leste europeu, refez o seu destino em contato com a natureza brasileira. ``Foi no Brasil - confessou - ``que senti, pela primeira vez, o impacto da natureza. Aqui eu nasci uma segunda vez, tomei conscincia de ser homem e de participar da vida com minha sensibilidade, meu trabalho e meu pensamento. Os bosques da Europa no me emocionam e as intolerncias europias continuam a me inquietar. J nos anos 1930, Bruno Lechowski, o mestre de Pancetti, dissera algo semelhante. `` Em qualquer parte onde esteja, sinto-me nos braos de minha me a natureza. Porque a ptria uma s, a natureza. Em toda parte eu me sinto sempre em minha terra. Ao se naturalizarem brasileiros, ambos os artistas assumiram, simultaneamente, uma nova ptria a natureza.

Em seu livro clssico, A paisagem na arte, 1949, Kenneth Clark, afirmando que a pintura de paisagens marca as fases de nossa concepo da natureza, enumera quatro formas de aborda-la: a paisagem de smbolos, a paisagem de fatos, a paisagem fantstica e a paisagem ideal.Pela anlise de Clark, se as idias so imagens de Deus e as sensaes, viciosas, a nossa interpretao das aparncias deve ser, tanto quanto possvel, simblica, e a natureza, de que nos apercebemos por meio dos nossos sentidos, torna-se positivamente pecaminosa. Assim, os objetos naturais foram, em primeiro lugar, observados individualmente, simbolizando qualidades divinas. A etapa seguinte, em direo pintura de paisagem, foi a sua observao como um conjunto que pudesse ser abrangido pela imaginao. Isso foi conseguido com a descoberta do jardim, palavra persa que significa ``espao rodeado de muros, e que se torna aceito pela Igreja como smbolo da perfeio, anteviso do paraso. Fora do muro do jardim havia montanhas e florestas. E para tudo isso a Idade Mdia concebeu um smbolo.Na pintura medieval, cada fragmento do quadro era uma entidade autnoma. Foi preciso descobrir um novo sentido de espao e conceber uma nova fonte de luz natural o cu para que todos esses fragmentos ganhassem unidade. Essa nova paisagem, que aparece com os pintores flamengos, tem fundamentos sociolgicos ( uma forma de arte burguesa), filosficos (o homem se pergunta mais sobre o funcionamento da natureza) e artsticos (indica uma evoluo da prpria arte). A paisagem fantstica corresponde, em termos de poca, ao Maneirismo, e a paisagem ideal, encarada como uma retomada do esprito clssico, prope um equilbrio harmonioso entre o homem e a natureza.A anlise de Clak esgota-se no sculo 19, com o Impressionismo. O paisagista do sculo 20 oscila entre a emoo e o mtodo, entre a entrega e o distanciamento. No primeiro caso, a paisagem vista como ser, possuindo uma interioridade. Por isso, preciso, antes como ensina Bachelard, sonha-la e deixar que ela sonhe conosco. S assim, juntos, o sonhador e o sonhado se entendem. O paisagista precisa ser fiel a si mesmo e paisagem. A rigor, o verdadeiro paisagista est buscando sempre a mesma paisagem, a que fundou todas as demais. Mas esta paisagem fundadora das demais est dentro dele. sua alma. A paisagem, vivida intensamente, uma espcie de vertigem do ser.Carlos e Fani Bracher tm pintado as montanhas do chamado quadriltero ferrfero, ventre do grande corpo de Minas, de que fala o poeta inconfidente Cludio Manoel da Costa.Emoo e entrega. Carlos traz esse corpo-paisagem para bem perto do olhar do espectador, sangrando a superfcie da tela com diagonais que se abrem, dinamicamente, em diferentes direes. Olhar ttil. A sensao que ele quer passar quase fsica, visceral. A matria pictrica spera e agressiva. Os cortes se multiplicam, cada vez mais profundos: incises, sulcos, escarificaes e cicatrizes que no se fecham. O pincel-bisturi rasga e fere at no mais poder esse corpo-paisagem, que se expe em vermelhos carne viva manchados de preto, azul e verde.Fani concebe a montanha, inicialmente, como uma espcie de barreira visual, frontal tela, mas ntegra, sem feri-la ou descarn-la. A imagem da Mina do Congo Soco profundamente melanclica, fantasmal. Como um enorme manto negro, veste a paisagem mineira de mistrios. Por um momento ela parece desprender-se do solo, voejando, morcegante, por sobre Minas. Aos poucos, suas montanhas pregueadas se reduzem a pedras e, finalmente, a puro osso. Carlos grita, expe a carne e o sangue desse corpo-paisagem. Fani resgata o osso, trazendo para o primeiro plano o fragmento que restou do cadver tanto tempo insepulto. Carlos age como um mdico-legista; Fani, como arquelogo.Sem descartar a emoo, Gonalo Ivo busca uma correspodncia visual para a paisagem tornada como referncia, criando um simulacro. o que faz em relao s paisagens pedregosas de Lenis, na Chapada Diamantina, e a Barreiras, no serto da Bahia, bem como aos diversos rios que desguam em sua pintura. Na verdade, em cada tela de Gonalo Ivo h quatro paisagens que se interpenetram, dialogam e at se fundem mimeticamente: a paisagem externa (rios, mangues, serto, floresta, cidades), a paisagem interior (a subjetividade do artista transformando o visto e o revisto), a paisagem da histria da arte (influncias e aproximaes com outros artistas) e o que poderamos chamar de infrapaisagem, que a que se v nos materiais com que feita a sua pintura: terra, pigmento, folha, madeira e outros.

Os avanos tecnolgicos, ampliando enormemente nossa capacidade de ver as coisas, o infinitamente pequeno e o infinitamente distante, provocaram a runa da imagem, e, com ela, o desprestgio da paisagem, acelerando o desenvolvimento da arte abstrata. Com o retorno da figura, aps o perodo ureo da abstrao informal, surge uma ``nova paisagem, mas esta nada tem a ver com a observao direta da natureza. pura inveno, conceito. Quando, nos anos 1960, Jan Dibbets recomendou aos artistas fazer suas incises diretamente no mundo (isto , na natureza), ele no estava preconizando ``o fim da arte, mas sim, do ateli.A partir da, em trabalhos que podem ser enquadrados nos rtulos de Earth-Art ou Arte Povera, realizados com terra, gua, gelo, ar fogo, plantas, animais e assim por diante, no se pode mais distinguir nitidamente arte e natureza, pois ambas ``convergem para uma substancial unidade.O poeta chileno Vicente Huidobro, fundador, em 1916, ao Criacionismo, formulou uma teoria segundo a qual a arte deveria ser considerada como um quarto reino, ao lado dos demais existentes na natureza o vegetal, o animal e o mineral: `` Se o homem subjugou para si os trs reinos da natureza, por que razo no poder acrescentar ao universo seu prprio reino, o das criaes?. Em conferncia proferida em Paris, em 1922, sustentava: `` O artista recolhe seus motivos e seus elementos do mundo objetivo e, aps transforma-los e combina-los, devolve-os ao mundo objetivo sob a forma de novos fatos. Este fenmeno esttico to livre e independente como qualquer outro fenmeno do mundo exterior, tal como uma planta, um pssaro, um astro ou um fruto e, como estes, tem sua razo de ser em si mesmo, tem os mesmos direitos de independncia.A exuberncia e a diversidade da natureza brasileira tendem a confirmar a tese de Huidobro, da mesma forma como a obra realizada por Frans Krajcberg no Brasil, desde o momento em que instalou seu ateli a cu aberto, ao p do Pico Itabirito, em Minas Gerais, confirmou uma outra tese, parelha, que sustenta ser a natureza, ela mesma, artista.

Observando estas mudanas paulatinas da influncia do cristianismo no comportamento da cultura europia, preocupado com a crise cultural das sociedades, Delumeau se projeta na espera da aurora: um cristianismo para o amanh(DELUMENAU, 2007). Focando as crticas crescentes contra o cristianismo em geral e, de maneira particular, contra o catolicismo, e enfrentando-as sem polemizar, este livro