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Anais do XI Encontro do Grupo de Pesquisa Educação, Artes e Inclusão – 22, 23 e 24 de junho de 2015 Florianópolis – CEART/UDESC – ISSN: 2176-1566
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ARTE E SIMULACRO: A TRANSESTÉTICA DA ARTE
Eliane Scheis-UDESC
Juliana Resende Dutra-UDESC
Resumo:
O presente artigo almeja dialogar com o pensamento de simulacro de Baudrillard. O
texto traz contribuições de Irina Vaskes Santches e considerações de Norma Adrian
Scheinin, autoras que discorrem sobre o estudo da teoria de simulacro de Baudrillard
no campo das artes.
Palavras-chave: simulacro, imagem, transestética.
O presente texto busca contribuir para a análise da estética e da arte
nesta época denominada por Baudrillard como a época da simulação total.
Para Baudrillard o simulacro não consiste na imitação da realidade, mas na
nova realidade criada diante da interpretação desta imitação, esta “nova”
realidade chamada por ele de hiper-realismo.
Santches no texto La transestética de Baudrillard: simulacro y arte
em la época de simulación total, discorre sobre as três ordens de simulacros
pertencentes a teoria do autor citados no livro El intercambio simbólico y la
muerte. Segundo o autor o simulacro foi implantado na cultura europeia no
renascimento quando a ordem feudal começou a ser substituída pela ordem
burguesa.
Baudrillard divide o simulacro em três ordens, cada uma delas
inserida em determinada época. A falsificação onde a cópia renascentista valia
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a verdade original foi a primeira ordem para Baudrillard, dominante da arte
clássica até a era industrial. A ideia do falso ecoando como natural, a era da
falsificação do jogo de máscaras e das aparências.
A produção domina a era industrial, a falsificação dá lugar à
produção seriada, assim a segunda ordem é implantada, a da produção. A
industrialização dos objetos produzidos em massa não faz referência à um
original, se não ao único sentido de relação de uns aos outros há uma perda se
significação seguindo uma referência totalmente mercadológica.
A terceira ordem é configurada pela simulação. Na fase atual não há
falsificação do original nem tampouco a seriação da era industrial, termina-se o
mito de origem e todos os valores de referência dão espaço ao chamado por
Baudrillard de hiper-real. Apenas o modelo de associação faz sentido. Não há
mais verdade original.
Segundo Baudrillard a própria definição de real é aquilo que é
possível produzir de forma equivalente, o hiper-real não é apenas o que pode
ser produzido como o que está sendo produzido.
É nítida a contribuição e cumplicidade da tecnologia para a
dominação do simulacro da terceira ordem. Podemos destacar uma série de
exemplos onde o mundo real dá espaço à hiper-realidade. No cinema, filmes
como Matrix e Avatar fazem referência à hipótese sobre a possível confusão
entre real e hiper-real, em Avatar o personagem principal prefere a vida em
Pandora (mundo hiper-real) do que sua própria vida real.
Estamos ali quase “dentro da tela”, multimídia, internet, realidade
virtual todas estas tecnologias nos inserem neste ciclo simulacral, onde somos
iludidos e manipulados, onde os meios de comunicação em massa nos deixam
contraditoriamente mais incomunicáveis, alienados e obedientes. Assim o
simulacro assume-se como real se não temos mais o original a ser copiado não
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poderemos reafirmar de forma direta a oposição do ilusório confrontado com a
realidade.
A presença imediata acaba com a ilusão representativa, a interação
simulada interfere em nossa capacidade representativa de mundo, impondo
uma realidade superficial construída e manipulada nos dias de hoje
diretamente pelo consumismo de um mundo desesperadamente capitalista. A
manipulação está em toda parte, somos marionetes animadas pelo sistema
que busca incansavelmente discípulos que colaborem com sua artimanha. Este
sistema capitalista é o fruto de um simulacro e no vicio simulacral se sustenta.
Para Santches, é preciso articular o conceito de simulacro de
Baudrillard com a crise da representação, um dos grandes temas da pós-
modernidade. A representação dominada pela filosofia da subjetividade
implicava uma dialética reconciliadora entre sujeito e objeto, onde o sujeito
possuidor da razão e possuidor da linguagem colocava-se a frente da realidade
construindo tudo a partir de sua imagem e semelhança dominado pelo meio da
razão a ponto da representação se tornar existente. Desta forma o sujeito,
garante a existência da realidade e da razão, criadora de efeitos da verdade,
articulando a ordem de representação que proclamava a modernidade. A
“suspeita Nietzschiana” que ao revisar o modo de pensar a representação
coloca o sujeito como o centro, e suspende o dualismo do pensamento
ocidental, mundo inteligível/razão e mundo sensível/emoção, proclamando o
mundo como consequências de ficções linguísticas é base para teoria de
Baudrillard. Todo este mundo que nos rodeia é criado por nós.
O simulacro se configura como ilusão objetiva do mundo, a ilusão
radical, a principal impossibilidade de uma presença real de objetos e seres. As
imagens e mensagens que consumimos repetidamente são signos que
constituem esta tranquilidade assegurada pela distância que nos separam do
mundo real, nos excluindo dele.
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Para Scheinin no texto La ficción que no cesa: reflexiones sobre los
límites del arte teatral, o impacto da repetição da imagem constitui o simulacro
como o devorador de sonhos e exterminador da vida. Pois se vida é sonho é de
certa forma ficção, entretanto, o simulacro força o fazer crer e acaba com o
sonho, desta maneira acabando também com a vida. É um dado pronto, vem
sem busca de fora para dentro de forma abusiva nos cerca sem que possamos
reagir, é o bombardeio de imagem.
De fato a repetição massifica a imagem a ponto de deturpá-la. Na
contemporaneidade a busca incessante por imagens que digam o que é real
parece ser um traço do ser humano à busca de si no outro, espelho da
identidade, não há mais personalidade somos todos simulacros uns dos outros.
Seguimos padrões colocados pelo sistema maior, mais uma vez marionetes
animadas.
Para Baudrillard a expansiva capacidade interpretativa do signo na
imagem a coloca em uma mescla de discursos em uma espécie de compulsão
circular. Seria uma busca grotesca pelo real que acaba por exagerada,
extrapolando os limites do ficcional. Encontramo-nos de certa forma de frente
à negação do simbólico nos colocando em um perigoso jogo, induzidos a
pensar o simulacro como o real. Por Todos os lados somos seduzidos e a cada
momento mais distanciados do que realmente vem a ser o real, a realidade.
Discorrer sobre simulacro implica em lidar com o seu avesso, o real,
o qual constitui uma realidade diferente da que simula. Os simulacros da
realidade, sem referência, a representação do real coincidi com os vestígios
imaginários dessa mesma realidade.
Somos fantoches do acaso, à deriva entre os simulacros do mundo,
tomados pela ilusão. O mito da caverna de Platão nos leva a reflexão de que
quando começamos a descobrir a verdade temos dificuldade para entender e
perceber o que é real. O mundo fora da caverna representa o mundo real, que
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para Platão é o mundo inteligível, garantindo o conhecimento dos seres
sensíveis. Portanto, o mito da caverna é um modo de contar imageticamente o
que conceitualmente os homens teriam dificuldade para entender. É mais fácil
compreender a realidade quando estamos de fora dela, quando não estamos
submetidos a imagens e envolvidos pelas emoções que elas geram, assim
também é confuso designarmos o que é real, pois o real sempre imaginamos
ser aquilo que vimos e sentimos e que nesse caso não o é.
Baudrillard discute a relação entre realidade, símbolos e sociedade,
onde na qual o simulacro é um artifício relativo à produção de sentidos. A maior
proximidade da realidade do objeto o torna cada vez menos representável, o
distanciamento colabora para o surgimento do simulacro, transformar as coisas
em algo semelhante ao original que desencadeia um distanciamento do real.
Induzindo-nos a crer a qualquer custo, sem tempo muitas vezes ao menos de
“digerirmos” deixando de lado signo/significante/significado sendo como diz
Scheinin um véu que nos aparta da suposta realidade e nos asfixia impedindo-
nos de respirar o ar da imaginação dinâmica.
Para Santches o mundo ocidental consumista entrou na época da
simulação total que atinge todas as esferas: epistêmico-científica, ético-moral,
político-social e a estética-artística, se interessando em especial, pela a análise
“simulativa”, da arte e da estética.
As pontuações de Baudrillard abordadas pela autora sobre as três
ordens do simulacro definem a tradição platônica da compreensão da imagem:
a falsificação imita a realidade, na produção a imagem dissimula e deforma a
realidade enquanto na simulação a imagem não tem nenhuma relação com a
realidade. No campo das artes, Santches aplica a divisão da imagem artística
relacionando os períodos da historia da arte com as ordens do simulacro de
Baudrillard:
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§ Realismo: imagem com reflexo da verdade, criadora de
efeitos da verdade, verdade sobre verdade;
§ Cubismo, expressionismo: a imagem como deformação da
realidade;
§ Arte abstrata: a imagem como dissimulação da ausência da
realidade;
§ Surrealismo e dadaísmo: a imagem como ressureição
paródica da realidade, mentira sobre verdade;
§ Arte contemporânea: a imagem sem qualquer relação com a
realidade, verdade sobre mentira.
Parece adequada à comparação de Santches, estamos então, nas
artes, no momento da verdade sobre a mentira, pode ser. Para Baudrillard, a
arte perde o poder de ilusão adentrando ao período chamado por ele de
transestética, arte e a estética perdem suas próprias especificidades.
A força da arte está na ausência da realidade no mistério no segredo
onde nasce seu poder. Antes a ilusão, essência da arte, estaria na facilidade
de opor-se ao real inventando outra realidade, hoje para Baudrillard isso seria
impossível, pois as imagens não nos possibilitariam mais imaginar o real
porque elas passaram a fazer parte das coisas e são consideradas o real. Para
Jean Baudrillard a arte não morre de suas carências e sim de excessos.
Os reality shows transformam a vida comum em outra vida virtual,
Santches os relaciona com os ready-mades, onde o objeto real, sem a
possibilidade da ilusão se situa mais além da estética, dessa forma adentra a
fase transestética ao momento que é tirado de seu uso habitual para ser
inseridos no campo das artes, nos reality shows as pessoas são o objeto,
inseridas em outro contexto virando espetáculo imagético.
Duchamp e Andy Wharol são autores de simulacros. Duchamp
separa os objetos de sua função evocando, segundo Santches, o autêntico
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através do absurdo. Entretanto, Wharol insere outro princípio de simulação,
distinto do primeiro e para Baudrillard é ele quem melhor expressa o simulacro
com a desaparição da arte como ato criativo. Ambas os artistas exploram o
contexto, a ideia, o conceito, tornando os objetos mais reais do que já o são,
colocando a arte em provação, fazendo a arte se volver a ela mesma,
submergindo ao transestético.
Santches afirma que para Baudrillard a arbitrariedade na escolha do
artista nos ready-mades faz refletir sobre o valor estético, interferindo no
conceito de arte fazendo parecer que o valor estético está apenas no puro ato
mental do artista e que a interação entre artista e público, resulta na
desaparição do sistema de percepção. Estes seriam alguns dos efeitos
provocados pelo simulacro.
Para Scheinin nos encontramos na perigosa ideologia de pensarmos
o simulacro como o real. Este “fazer crer” de certa forma hipnotiza a ponto
confundir-se o real e o hiper-real. A imagem não mais diferenciada do
imaginário coloca o objeto a ser mais objetivo que o próprio objeto, para
Baudrillard imagem é aquilo que está na ausência da realidade, está ali porque
não há uma realidade, logo a imagem é o real.
O pensamento de Baudrillard supõe de certa forma o suicídio total
da capacidade criadora. Para o autor o poder de ilusão da arte desapareceu, o
mundo virou uma espetacularização comercial transformando-se em imagens
em um sistema semiológico. Tudo se transformaria em imagem, signo,
espetáculo, em objeto transestético. Dessa forma a arte passaria a ser vista
puramente como imagem, objeto, simulação ou produto. A obra de Baudrillard
possibilita interações permanentes com o imaginário da arte através dos
conceitos de simulacro, hiper-realidade, transestética, nos levando a refletir
sobre vários aspectos relativos ao estado da arte e também da vida. Sua
abordagem de certa forma esta sendo sacramentada restando a não ser o
profundo pesar da falta do vazio que nos fazia deixar iludir.
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REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, Jean. Cultura e Simulacro. Ed. Kairós, Barcelona 1977.
Disponível em http://hauntedhouse.comoj.com/archivos/baudrillard-jean-cultura-
y-simulacro.pdf. Acesso em 11/01/2015.
SANTCHES, Irina Vaszquez. La transestética de Baudrillard: simulacro y arte
em la época de simulación total. Disponível em
http://www.scielo.org.co/pdf/ef/n38/n38a09.pdf. Acesso em 11/01/2015.
SCHEININ. Norma Adrian. La ficción que no cesa: reflexiones sobre los límites
del arte teatral. Telondefondo, 2005.