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1 ARTE EM MINIATURA SACRA MISSIONEIRA GUARANÍTICA: SANTO ANTÔNIO DAS MISSÕES RS RESIGNIFICANDO A CULTURA LOCAL. MICHELE MORAES LOPES Professora do Instituto Federal Farroupilha Campus Júlio de Castilhos/RS; Mestranda PPG Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); [email protected]. JÚLIO RICARDO QUEVEDO DOS SANTOS Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Docente do PPGMP em Patrimônio Cultural da UFSM; Orientador A presente comunicação sobre patrimônio cultural se justifica pela necessidade de estudos mais específicos sobre diferentes aspectos, relacionado ao patrimônio cultural, especialmente atribuídos a comunidade santo-antoniense, a visibilidade e a importância desse patrimônio, como também a representação dos grupos sociais que nele tem algum tipo de interesse. Essas obras da Arte Sacra do Barroco Missioneiro Guaranítico pertencente ao Museu Monsenhor Estanislau Wolski, no município de Santo Antônio das Missões, RS. A relevância do tema está relacionada à necessidade de resgatar a importância do patrimônio desse município. O território do atual município de Santo Antônio das Missões pertencia ao antigo povoado missioneiro de São Francisco de Borja, fundada em 1682, durante a segunda fase das Missões Jesuítico-indígena e da Colônia do Santíssimo Sacramento fundada pelos portugueses à margem direita do Rio da Prata. Posteriormente foram fundadas os povoados missioneiros: São Nicolau, São Luiz Gonzaga e São Miguel Arcanjo (em 1687). São Lourenço Mártir (1689), São João Batista (1697), e Santo Ângelo Custódio (1706), cujas ruínas ficaram no atual Rio Grande do Sul. Esse

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ARTE EM MINIATURA SACRA MISSIONEIRA GUARANÍTICA:

SANTO ANTÔNIO DAS MISSÕES RS – RESIGNIFICANDO A

CULTURA LOCAL.

MICHELE MORAES LOPES

Professora do Instituto Federal Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos/RS; Mestranda PPG

Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Santa Maria

(UFSM); [email protected].

JÚLIO RICARDO QUEVEDO DOS SANTOS

Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM);

Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Docente do PPGMP em

Patrimônio Cultural da UFSM; Orientador

A presente comunicação sobre patrimônio cultural se justifica pela necessidade

de estudos mais específicos sobre diferentes aspectos, relacionado ao patrimônio

cultural, especialmente atribuídos a comunidade santo-antoniense, a visibilidade e a

importância desse patrimônio, como também a representação dos grupos sociais que

nele tem algum tipo de interesse. Essas obras da Arte Sacra do Barroco Missioneiro

Guaranítico pertencente ao Museu Monsenhor Estanislau Wolski, no município de

Santo Antônio das Missões, RS. A relevância do tema está relacionada à necessidade de

resgatar a importância do patrimônio desse município.

O território do atual município de Santo Antônio das Missões pertencia ao

antigo povoado missioneiro de São Francisco de Borja, fundada em 1682, durante a

segunda fase das Missões Jesuítico-indígena e da Colônia do Santíssimo Sacramento

fundada pelos portugueses à margem direita do Rio da Prata. Posteriormente foram

fundadas os povoados missioneiros: São Nicolau, São Luiz Gonzaga e São Miguel

Arcanjo (em 1687). São Lourenço Mártir (1689), São João Batista (1697), e Santo

Ângelo Custódio (1706), cujas ruínas ficaram no atual Rio Grande do Sul. Esse

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conjunto arquitetônico e urbanístico se deu o nome de Sete Povos das Missões. Santo

Antônio pertence à região missioneira, conhecida anteriormente como Vila Treze de

Janeiro, e território conhecido na época das reduções como Estância Missioneira de

Santo Antônio.

Nos estudos realizados encontramos a tese de doutorado de Jaqueline Ahlert

(2012), a qual faz uma análise do modo como essas estátuas representaram o imaginário

missioneiro. A autora faz um estudo cronológico que se estende do Barroco, com a

chegada dos Jesuítas nas missões através da Companhia de Jesus, até a construção dos

Sete Povos. As estátuas tinham valor estético e religioso, e com a Guerra Guaranítica,

espalharam-se. Esse acervo está preservado e guardado no Museu Monsenhor

Estanislau Wolski, o qual possui 73 imagens missioneiras, as que vou utilizar como

referencia para meus estudos são 57 imagens, classificadas como obras em miniaturas.

Este Museu foi reorganizado em 2006, considerado o segundo maior de miniaturas da

arte sacra barroca missioneira do Brasil, possui uma coleção de imagens missioneiras

dos séculos XVII e XVIII. Ao se falar em museu, é pertinente ressaltar a definição

construída, em 1974, pelo Conselho Internacional dos museus, citado por Poulot

O Museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, a serviço da

sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao publico, e que faz pesquisas

relacionadas com os testemunhos materiais do ser humano e de seu ambiente,

tendo em vista a aquisição, conservação, transmissão, e principalmente,

exposição desse acervo com a finalidade de estudo, educação e deleite.

POULOT (2013, p.18)

Nessa perspectiva, torna-se significativa uma aproximação entre presente e

passado, estabelecendo um ponto de ligação com a memória coletiva, o que nos leva a

compreensão de que “os museus são por tradição, lugares de memória, que tem a tarefa

de informar, reunindo indivíduos e comunidades em torno de tradições e ideais (...)”

(FIGUEIREDO, 2013, p.213).

Nesse contexto se faz necessário conhecer para valorizar o patrimônio cultural

local, pois, há indícios de que os cidadãos santo-antonienses não conhecem a sua

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identidade e, por consequência, não valorizam o patrimônio cultural existente no museu.

Desse modo, é necessário dar uma maior visibilidade desse patrimônio cultural de

herança missioneira, a fim de possibilitar a retomada da memória enquanto algo:

[...] “sempre presente e seus significados não são prontos à espera de alguém

que os resgate, não são um dado pronto, mas sim um processo de significação

que se dá no interior de uma determinada cultura e, por isso mesmo mutantes, provisórios e inacabados. Memória não contém uma verdade sobre o passado

e sim se presta a construir uma de suas possibilidades de interpretação” (

SALVADORI, 2008, p.29).

Para resgatar a sua história é necessário abordar temas pertinentes como,

memória, identidade, estética guarani, para uma melhor compreensão da nossa história.

As esculturas em miniaturas remanescentes dos Sete Povos Missioneiros, século XVII e

XVIII, que se encontram no museu Monsenhor Wolski, pertencem ao Barroco

missioneiro guaranítico. Para os jesuítas, a missão era o único modo de salvar os índios,

mas os jesuítas aprenderam a forma de ser guarani, no seu sentido religioso, místico e

econômico, especialmente a produção agrícola com caráter coletivo. Assim, os jesuítas

organizaram o projeto, valorizaram esses aspectos de vida e do modo de ser guarani.

Nesse encontro com interações culturais, surgiram formas de vida religiosa e econômica

que dificilmente se compreenderiam fora dessa realidade. Quevedo destaca que:

A experiência missioneira pode ser entendida a partir da presença

significativa e definitiva das populações indígenas, em particular do grupo

étnico guarani. Essa experiência foi constituída a partir das alianças,

negociações entre grupos indígenas e os representantes do Estado Absolutista

Espanhol e os representantes da Companhia de Jesus – os jesuítas – entre

outros, cujo resultado foi à construção de formas e espaços de vivencia,

sobrevivência, encontros e desencontros. (QUEVEDO, 2011, p. 24)

A interação ocorreu principalmente por meio da religião, o Barroco Missioneiro

é claramente associado à religião católica e aconteceu também nas reduções indígenas

dos povos guaranis. O estilo Barroco tem características próprias. Os Jesuítas pregaram

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esse estilo nos Sete Povos das Missões, pela vontade de expressar a fé pelos fiéis

propagadores do catolicismo. “Enquanto linguagem o Barroco privilegia três aspectos: o

lúdico, o visual e o persuasório” (IOSCHPE, 1985, p.13). A ação dos Jesuítas

objetivava pacificar e converter os povos considerados selvagens, ou seja, os índios por

meio da fé cristã, facilitando, dessa forma, o domínio metropolitano sobre a terra. Assim

os jesuítas cumpriam sua missão, transformar os índios em dóceis vassalos, dentro do

espaço reducional. Quevedo assim se expressa em relação à Missão:

A Missão transformava-se em fronteiras etnocultural entre o mundo cristão,

composto somente por seres humanos, e o não-cristão, composto por bárbaros

ou selvagens. Essa é a premissa que estava no âmago da ideologia seguida

pelos jesuítas missionários, porque o pensamento dos padres refugiava-se na

tradição e passava a ser pensado como a única verdade. Fora de suas fronteiras

está o não-ser, o nada, a barbárie, o sem-sentido.(QUEVEDO, 1993, p.22).

Assim a Missão cumpriu o seu papel de salvação dos infiéis, como prova da fé

recebiam o primeiro sacramento, o batismo. Assim o guarani sentia-se protegido dentro

desse espaço reducional, pois ali não haver escravidão, a missão “representou para os

índios a única possibilidade que tinham de continuar sendo Guaranis” (KERN, 1982,

p.105). Na Missão, o cristianismo estava presente nas representações do cotidiano do

guarani, nas imagens esculpidas e adoradas pelos fiéis guaranis.

Ao analisar o acervo de imagens do Museu Monsenhor Estanislau Wolski, fica

evidente que os guaranis também expressaram sua devoção nas esculturas em

miniaturas, pois elas estavam em todos os momentos, como amuletos que

representavam a proteção. Acreditava-se que as miniaturas possuíam espaço e

movimento próprio dentro das reduções, exercia um poder mágico, diferente das demais

imagens presente nas igrejas, à miniatura estava diretamente relacionada com o indígena

no seu cotidiano, em viagens e guerras, na sua intimidade, na expressão da fé, na crença

pessoal, fora do olhar do padre, uma relação de devoção com essas imagens carregadas

de simbologias e significados. Ao estudar esses aspectos Haubert, assim se expressa:

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Toda a vida dos guaranis está mergulhada num verdadeiro banho de piedade.

Isto é verdade mesmo quando viajam sozinhos. Não somente eles se

preparam para o percurso pela confissão e pela comunhão, mas levam ainda

uma estátua ou imagem de santo, e são acompanhados por um sacristão: e

vimos, por ocasião de suas expedições missionarias, que não faltavam a

qualquer das devoções cotidianas [...] de volta a redução, seu primeiro

cuidado é santificar-se pelos sacramentos (HAUBERT, 1990, p. 284).

As miniaturas estavam presentes no dia a dia dos guaranis, como amuletos

protetores. Nesse contexto organizacional, formou-se uma cultura guarani-jesuíta. As

investigações sobre as esculturas missioneiras revelam amplamente a interação entre a

estética europeia e a cultura indígena, segundo Jacqueline Ahlert

Ao primeiro contato com o acervo de miniaturas, temos a impressão de

tratar-se de peças de valor artístico secundário. Seu esquematismo, sua

rigidez e ausência do cuidado com pormenores estéticos podem, inicialmente,

levar o espectador a subestimar esses depoentes históricos. O que está longe

de lhes tirar toda a imensa significação que escondem. (AHLERT, 2012,

p.16).

Acredita-se que ao estudarmos as obras missioneiras guaraníticas é vê-las como

expressão de um momento histórico e de circunstâncias socioculturais. É nessa

circunstância “que se desenvolvem propostas, no sentido de que os acervos

museológicos, assim como o “patrimônio cultural”, representam, democraticamente, os

diversos grupos sociais existentes na sociedade” (ABREU, 2009, p.179). É com esse

intuito que se pretende enfatizar as origens históricas da comunidade de Santo Antônio

das Missões, a fim de promover o desenvolvimento econômico focado a partir das

atividades turísticas. Para pensar no turismo local como possibilidade de alavancar

economicamente o município, que está localizado em uma região onde os recursos

provem da pecuária e da agricultura, faz-se necessário buscar outras formas de

progresso do município. Segundo Vitor e Quevedo

[...] o turismo tornou-se uma ferramenta de popularização do patrimônio

cultural em suas múltiplas faces. Ao mesmo tempo, as expressões

patrimoniais, não apenas os museus, mas também os monumentos (...) e

práticas culturais de diferentes grupos sociais, tornam-se produtos turísticos

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favorecendo o desenvolvimento das cidades. Assim, o patrimônio, seja ele

natural, material ou imaterial passou a se constituir em grande recurso

econômico para a sociedade, tendo o turismo como suporte e favorecendo o

desenvolvimento das cidades. (VITOR E QUEVEDO, 2011, p.05)

Diante do exposto vincula-se o presente à temática de Patrimônio Cultural,

buscar-se-á através do turismo possibilidades para o desenvolvimento dessa cidade,

através da valorização das obras em miniaturas da arte sacra missioneira guaranítica,

podem ser ressignificadas, objetivando o reconhecimento, à valorização do patrimônio

cultural de herança missioneira existente no Museu Monsenhor Wolski.

O município de Santo Antônio das Missões faz parte da Região das Missões,

desmembrado da redução de São Borja, fundada em 1682. O município tem um

território de 1.714km², é considerado um dos maiores municípios em extensão territorial

daquela região. Conhecida antes como Vila Treze de Janeiro. O nome Santo Antônio

das Missões teve origem pelo fato de que onde está situada a sede do município havia

sido uma sesmaria denominada “Santo Antônio” pertencente aos jesuítas, “Missões” foi

acrescentado, devido o município se localizar na Região Missioneira. Atualmente a base

econômica do município está na exploração da agricultura (soja, arroz, trigo, milho),

pecuária e o artesanato em lã e couro destaca-se em nossa terra, ambos são vendidos por

todo o Brasil. A partir das ideais apresentadas, propõe-se começar a pensar em uma

transformação socioeconômica do município de Santo Antônio das Missões como fonte

de renda pelo viés do turismo, como ferramenta do patrimônio cultural.

Para uma maior visibilidade municipal, regional e nacional, se faz necessário

uma interação da comunidade, através palestras e debates com educadores e educandos

sobre educação patrimonial, inicialmente sobre Arte Missioneira, como também um

trabalho de conhecimento das imagens expostas no museu, pensar na memória, na

identidade da comunidade local e suas representações sociais desse patrimônio cultural.

Para que a comunidade local se sinta parte desse processo se apropriando, se

identificando com a sua história, resgatando sua memória, assim acreditamos no

desenvolvimento do município pelo viés do turismo, apropriar-se das obras de arte em

miniatura da Arte Sacra do Barroco Missioneiros Guaraníticos existentes no Museu

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Monsenhor Estanislau Wolski, bem como investigar a importância dessas obras na

comunidade local, quanto o conhecimento, a valorização e visibilidade, a configuração

artística, cultural e histórica desse patrimônio, provenientes dos Sete Povos das

Missões, cujo território pertence ao Rio Grande do Sul.

Através dessas práticas que se fazem do patrimônio cultural local, com vários

entendimentos e interpretações construímos e reconstruímos o que entendemos como

patrimônio cultural materiais e imateriais, nesse processo construir a memória e a

identidade sobre o patrimônio local a partir das obras sacra missioneira guaranítica

alocada no Museu. Com essa proposta de reconhecimento, com base nos resultados

levantados na comunidade local, de conhecimento da sua história e valorização da sua

identidade. Acreditamos dessa forma que a comunidade se aproprie de sua história,

conservando a memória do que fomos e do que somos acreditando que o município

possa desenvolver-se com o conhecimento e a valorização do patrimônio cultural e

artístico.

Parece ser necessário compreender que o “verdadeiro sentido se dá quando o

passado interage com o presente, na construção do processo histórico (FERRARI, 2007,

p.109)”. Acredita-se que ao tratar desta questão a “educação necessita de conhecimentos

para garantir o seu poder inovador, desconstrutivo” (DEMO, 2000, p.20). E que o

conhecimento que nos referimos é aquele capaz de contextualizar informações

dispersas, possibilitando desenvolver a sensibilidade e a consciência da importância da

preservação do patrimônio cultural, é a forma de se apropriar da sua identidade, que se

apresentam na contemporaneidade. Com essa pesquisa do patrimônio cultural busca-se

contribuir para incentivar o turismo local, através da visibilidade municipal e regional.

REVISÃO DE LITERATURA

Para desenvolver a pesquisa, alguns conceitos se mostram essenciais como: arte

barroca, identidade, memória, cultura local, turismo como incentivo à comunidade.

Nesse sentido, “quanto mais nos sentimos pertencentes a um grupo, mais temos

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condições de ter consciência do nosso papel social e de nossa condição de cidadão”

(MACHADO, 2010, p.26), o grupo se fortifica por meio dos elos de pertencimentos.

Por outro lado:

Ações educativas nesse sentido são importantes na medida em que os

indivíduos precisam, para se reconhecer e se diferenciar de outros, de um

“espelho” onde seja possível ver a própria vida, a própria cultura, a própria

história e as próprias práticas, isso como, construir a sua memória efetiva e

sua identidade cultural. (TEIXEIRA, 2008, p.206).

Deve-se ressaltar que para os estudos das temáticas acima citadas, trabalha-se

com a compreensão aprofundada de cada um desses elementos em articulação com os

demais quanto com as próprias relações entre eles. […] “a educação e a cultura, cujos

significados e alcance têm ampliado consideravelmente, são essenciais para um

verdadeiro desenvolvimento do indivíduo e da sociedade” (IPHAN, 2004, p.271). Como

a valorização da cultura local através do patrimônio cultural, pois [...] “patrimônio

cultural faz parte de um processo de construção social do conceito e das mais variadas

expressões patrimoniais que surgiram em diferentes grupos sociais através de suas

manifestações culturais” (QUEVEDO, 2011, p.02)

Ao analisar a estatuária missioneira, é preciso antes de tudo, estar atento às suas

peculiaridades. Como toda a arte cristã, a produzida nos Sete Povos teve um caráter

didático. Assim, as estátuas revelam um duplo sentido: preencher as igrejas com

imagens capazes de atrair visualmente a pregação dos missionários e catequizar os

índios. Conforme IOSCHPE:

Parece mesmo não ter havido da parte dos irmãos, cientes da superioridade

de sua própria técnica, compreensão e simpatia pelo que as interpretações dos

indígenas pudessem apresentar de imprevisto e pessoal, e que desprezavam

como “errado” tudo que fugisse às receitas do formulário europeu,

estimulando, pelo contrário, as cópias e assim impondo junto com a nova

crença e a nova moral, uma beleza já pronta. IOSCHPE (1985, p.12).

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Nessa perspectiva, a arte indígena não constituía uma simples cópia da arte

europeia, mas uma produção original da sua identidade nativa carregada de significados.

“Parte considerável das obras foi destruída durante sucessivos êxodos. Outras

contingências ainda contribuíram para a redução desse patrimônio: faltam conservação,

condições climáticas, transportes precários, incêndios e roubos” (IOSCHPE, 1985,

p.12). As miniaturas evidenciam a transposição do ambiente sagrado da igreja para o

espaço individual do culto doméstico.

Desse modo, com essa pesquisa buscar-se-á valorizar e difundir, na comunidade

local, o conhecimento e a importância desse patrimônio cultural e artístico, reforçando a

memória e a identidade do município de Santo Antônio das Missões. “A memória

coletiva e a identidade cultural pressupõem a necessidades de sujeitos para os quais tais

referências façam sentido” (FERRARI, 2007, p.109). A finalidade e as condições em

que foram realizadas essas miniaturas e também quanto e qual tipo de análise contribui

para melhor compreender o processo de convivência intercultural e o avanço do

catolicismo na vida do índio guarani, nesse projeto colonizador de caráter religioso

comandado pelos jesuítas nas reduções.

A importância artística e histórica desse acervo está no fato de que essas obras

estão entre os poucos remanescentes das reduções indígenas. São as primeiras

manifestações religiosas do Rio Grande do Sul, dessa maneira vai orientar a

interpretação das imagens como documentos testemunhais da arte sacra missioneira

guaranítica, no qual se propõe uma concepção de, “cidadão capaz de intervir eticamente

na sociedade e na economia, tendo como alavanca instrumental crucial o conhecimento

inovador” (DEMO, 1998, p.55).

Nessa perspectiva, a ideia é construir essa identidade santo-antoniense, estudar

conhecer, dialogar, ressignificar, valorizar, divulgar na comunidade local e dar

visibilidade para a arte missioneira enquanto patrimônio local, regional e da própria

humanidade. Por outro lado oportunizar-se-á a construção social de caráter indentitário

e turístico a difusão e a restituição do patrimônio etnológico de Santo Antônio das

Missões, tendo como uma de suas principais características a sua conservação,

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divulgação e conhecimento da identidade local para se tornarem interesse da

comunidade.

Diante disso, apresenta-se a temática que centrará sua proposta na apropriação

das obras em miniaturas das esculturas da arte sacra missioneira guaranítica. A escolha

por esse objeto de pesquisa justifica-se pela constatação da ausência de ações em prol

do turismo da cidade de Santo Antônio, centrado na valorização dessas obras que

representam, além de um patrimônio histórico cultural artístico, um bem coletivo

daquela comunidade. Partindo dessa realidade, construiremos novos conhecimentos

desenvolvendo a consciência sobre a importância da preservação do patrimônio cultural

do município. Nessa perspectiva a ideia é colaborar para a construção desse processo,

entendemos que “a memória coletiva é uma das maneiras mais significativas para a

manutenção da identidade cultural” (TEIXEIRA, 2008, p.126). É nesse processo

educacional contínuo que a sociedade terá como conhecer, se apropriar e valorizar o

patrimônio cultural local.

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