Arte Heidegger

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  • 8/14/2019 Arte Heidegger

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    segundo Heidegger

    Gustavo Bertoche

  • 8/14/2019 Arte Heidegger

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    www.ebooksbrasil.org

    Edio do Autor 2006 - Gustavo Bertoche

    A distribuio deste texto online permitida desde que sejamrespeitados a primazia do Autor e seus corpyrights. Nodistribua sem citar fonte, no venda, no re-edite o texto.

    Rio de Janeiro, 18 de julho de 2006

    Para entrar em contato com o autor:

    [email protected]

    http://diarioazul.blogspot.com

    http://diarioazul.blogspot.com/http://www.ebooksbrasil.org/
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    A obra de arte segundo Heidegger

    O que a obra de arte? Como uma coisa podese tornar arte?

    Estas duas perguntas so fundamentais quando

    se trata do fenmeno artstico. Afinal, no

    podemos falar de arte sem nos remetermos

    obra de arte .

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    Na histria da filosofia, h muitos filsofos

    que interrogam-se acerca da arte e do que a

    define, que a obra.

    No texto que voc tem em mos, o problema

    o que a obra de arte? ser respondido pela

    filosofia de Martin Heidegger, um dos

    filsofos alemes mais importantes do sculo

    XX.

    Trabalharemos com base no livroA origem da

    obra de arte (HEIDEGGER, Martin. A origem

    da obra de arte. Lisboa: Edies 70, 2000; o

    livro fruto de trs conferncias de 1936,editado originalmente em 1950), a partir do

    qual delinearemos quatro eixos que se

    encontraro no fim.

    Em primeiro lugar, procuraremos mostrar

    como Heidegger compreende que a

    perspectiva tradicional sobre o que a coisa

    est errada.

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    Em segundo lugar, explicaremos o que

    Heidegger quer dizer com a afirmao de que

    a caracterstica do apetrecho no a utilidade,

    mas a confiabilidade , a solidez .

    Terceiro, comentaremos os termos mundo e

    terra a partir da descrio que Heidegger faz

    da pintura de Van Gogh e da descrio do

    templo.

    Finalmente, em quarto lugar, exporemos a

    diferena que Heidegger v entre a coisa , o

    apetrecho e a mera coisa . A partir da, o

    crculo hermenutico se fecha e haveremoscompreendido a obra de arte segundo

    Heidegger.

    Utilizaremos citaes mais ou menos extensas

    para que o leitor possa ir aos trechos do livro

    por si mesmo.

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    Comecemos ento pelo primeiro eixo que

    propusemos. Heidegger apresenta 3 modos

    tradicionais de se conceituar a coisa:

    1 - a coisa como suporte de propriedade;

    2 - a coisa como unidade de mltiplas

    sensaes e

    3 - a coisa como matria enformada.

    Em cada uma das trs, no entanto, ele mostra

    como a coisa permanece impensada.

    Heidegger logo de incio determina que, paraencontrar a essncia da arte, devemos procurar

    a obra real e perguntar obra o que e como .

    A resposta que toda obra tem um carter de

    coisa. Embora chamar de coisa a obra de arte

    possa parecer grosseiro, porque assim

    poderiam se expressar a faxineira ou o vigia

    do museu, no se pode contornar o carter

    coisal da obra.

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    Assim, para buscar a origem da obra de arte

    necessrio que, antes de tudo, se compreenda

    o que a coisa e o que a coisa no . Parece

    que bastante bvio o que a coisa .

    Tradicionalmente, se entende a coisa de trs

    modos. (A razo pela qual Heidegger torna

    necessrio conhecer estes trs conceitos

    simples: ele procura, pela apresentao dapresuno destes conceitos, assim como pela

    refutao de sua aparente obviedade, manter

    afastados os enganos destes modos de pensar).

    O primeiro modo de entender a coisa como

    suporte para as propriedades. A propsito,

    assim se expressa Heidegger ( A origem da

    obra de arte, edies 70, 2000, p. 16):

    Uma simples coisa , por exemplo, este

    bloco de granito. duro, pesado, extenso,

    macio, informe, rude, colorido, ora bao,

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    ora brilhante. Tudo o que acabamos de

    enumerar podemos encontrar na pedra.

    Tomamos assim conhecimento das suascaractersticas. Mas as caractersticas

    indicam que peculiar prpria pedra.

    So as suas propriedades. A coisa tem-nas.

    A coisa? Em que pensamos quando nos

    referimos aqui coisa? Manifestamente, a

    coisa no apenas o somatrio das

    caractersticas, tampouco a acumulao

    das propriedades atravs da qual somente

    surge o todo.A coisa , como todos julgam

    saber, aquilo em torno do qual esto

    reunidas as propriedades.

    Aparentemente, este modo de compreender a

    coisa corresponde ao nosso olhar natural sobre

    as coisas. Mas a naturalidade que sentimos

    vem do hbito antigo: o hbito de projetar o

    modo como concebe a coisa no enunciado

    sobre a estrutura da prpria coisa (o que

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    transpe, sem que seja nem ao menos

    perguntado como, a estrutura da preposio

    para a coisa, sem que a prpria coisa tenha se

    tornado visvel); esta interpretao no

    natural e, sobretudo, afasta a coisa de ns,

    jogando-a no campo do discurso. E esta

    interpretao da coisa como suporte de suas

    caractersticas no vale apenas para a coisa,mas para todo o ente. Por isso, no basta para

    distinguir o ente coisal do ente no-coisal

    geral demais. Este modo de compreender a

    coisa deve, portanto, ser afastado.

    O segundo modo de entender a coisa como a

    unidade de uma multiplicidade do dado nos

    sentidos. O problema imediato que apresenta

    Heidegger que esta interpretao sempre

    to geral quanto a anterior. Mas existe outro

    problema: no verdadeiro que as coisas se

    apresentem imediatamente a ns como

    sensaes. Com efeito, quando ouvimos um

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    motor de automvel, no ouvimos apenas o

    rudo no, ns ouvimos a coisa motor. Para

    ouvir um mero rudo, para ver uma mera cor,

    para ter uma mera sensao, temos que deixar

    as coisas, ouvir abstratamente. Esta concepo

    acaba por nos aproximar excessivamente das

    coisas. Como diz Heidegger ( A origem da

    obra de arte, p. 19):

    No conceito de coisa agora referido, no

    h tanto um ataque coisa quanto a

    tentativa exagerada de trazer as coisas auma imediatez to grande quanto possvel

    em relao a ns. Mas uma coisa nunca a

    chega, enquanto lhe atribumos o que

    percebido na sensao como o seu carter

    coisal. Enquanto a primeira interpretao

    da coisa no-la mantm distncia edemasiadamente afastada de ns, a

    segunda f-la vir excessivamente sobre ns.

    Em ambas as interpretaes, a coisa

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    desaparece. Importa, por isso, evitar os

    excessos destas duas interpretaes. A

    coisa deve deixar-se no seu estar-em-si.

    Deve apreender-se no carter de

    consistncia que lhe prpria.

    O terceiro modo de compreender a coisaparece mais verdadeiro: a coisidade da coisa

    estaria em sua consistncia, em sua

    materialidade. Nesta determinao da coisa

    como matria est implicada a forma. A

    matria se conjuga com a forma, resultando a

    firmeza, a consistncia. A coisa seria matria

    enformada. Finalmente, diz Heidegger, se

    encontra um conceito de coisa que se aplica

    igualmente bem s coisas da Natureza e s

    coisas do uso, aos apetrechos.

    Mas ainda se pode desconfiar deste conceito

    de coisa. O fato de a distino entre matria e

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    forma ser o esquema conceitual por

    excelncia para toda a esttica e teoria da arte

    nada prova. necessrio ainda investigar se

    esta concepo est bem fundada.

    A origem do complexo matria-forma

    encontra-se na essncia do apetrecho, ou seja,

    no que criado para ser utilizado. Isto porque

    apenas quando o apetrecho vem-a-ser que

    surge a distino entre forma e matria. A

    forma determina a organizao da matria.

    Esta organizao implica expressamente na

    escolha da matria. Um cntaro, que levar

    gua, deve ser feito de barro, e no de

    algodo; uma roupa deve ser feita de algodo,

    no de ferro. A utilidade, a serventia, o trao

    fundamental do apetrecho, e esta serventia

    apresenta-se na separao entre a forma, que

    determina o objetivo do ente criado, e a

    matria, que possibilita que o ente tenha

    serventia. Matria e forma tm a sua raiz na

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    essncia do apetrecho. Matria e forma no

    constituem determinaes originais da

    coisidade da mera coisa.

    Meras coisas no so produzidas, no tm

    serventia. A mera coisa uma espcie de

    apetrecho, mas um apetrecho despido de seu

    carter de ser-apetrecho, um apetrecho no

    fabricado. O ser-coisa, ento, est no que

    resta; mas este resto, diz Heidegger (v. A

    origem da obra de arte, p. 22), no

    expressamente determinado no seu carter

    ontolgico. A abstrao de seu carter

    instrumental no far aparecer o carter de

    coisa, o carter coisal. Deste modo, esta

    terceira interpretao da coisa tambm deixa

    inalcanado o carter coisal da coisa.

    Heidegger explica os trs modos decompreender a coisa em um pargrafo

    revelador (A origem da obra de arte, p. 23) :

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    Os trs modos referidos de determinaoda coisidade concebem a coisa como o

    suporte das caractersticas, como a

    unidade de uma multiplicidade de

    sensaes, como matria enformada. No

    decurso da histria da verdade sobre o

    ente, as referidas interpretaes ainda secombinaram entre si, o que agora no

    teremos em conta. Nesta combinao,

    reforaram ainda a amplitude de que se

    revestem, de tal modo que valem

    igualmente para a coisa, para o apetrecho

    e para a obra. Assim se constitui a partirdelas o modo de pensar segundo o qual

    pensamos no s sobre a coisa, o

    apetrecho, a obra em particular, mas

    tambm sobre todo o ente em geral. Este

    modo de pensar, que h muito se tornou

    corrente, antecipa-se a toda a experincia

    imediata do ente.A antecipao veda a

    meditao sobre o ser do ente, de que cada

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    vez se trata. assim que os conceitos

    dominantes de coisa nos barram o

    caminho, tanto para o carter coisal dacoisa, quanto para o carter instrumental

    do apetrecho, e, a fortiori, para o carter

    de obra da obra.

    Ficou um pouco mais claro?

    Vamos tentar ento trabalhar com o segundo

    eixo. Segundo o argumento de Heidegger, a

    caracterizao do apetrecho com base na sua

    utilidade apenas uma caracterizaosuperficial do apetrecho. Uma caracterizao

    mais originria do apetrecho encontra-se

    naquilo que Heidegger chama de

    confiabilidade , solidez . Como Heidegger

    justifica essa afirmao?

    Heidegger comea a sua argumentao

    trazendo um quadro do Van Gogh que mostra

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    calados de campons. Todos sabemos como

    um calado, sabemos que h vrios tipos, e

    que cada tipo de calado adequado a uma

    atividade diferente (eles diferem em matria e

    forma). Estas atividades diferentes apresentam

    a serventia do calado. Mas isso bastante

    evidente. Um sapato de dana no um sapato

    de descanso, que no um sapato de trabalhono campo. O ser do apetrecho, contudo, no

    reside em sua serventia, em sua utilidade.

    Reside em seu carter instrumental. Um

    apetrecho apetrecho enquanto til. Um

    sapato exposto em um museu no umapetrecho; j foi, no mais . Um calado de

    campons um apetrecho enquanto usado

    durante seu trabalho, enquanto est calado,

    enquanto usado como apetrecho.

    Para completar o crculo em volta do

    apetrecho, Heidegger nos pe diante do

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    quadro de Van Gogh ( A origem da obra de

    arte, p. 25):

    Enquanto [...] tivermos presente um par de

    sapatos apenas em geral, ou olharmos no

    quadro os sapatos vazios e no usados que

    esto meramente a, jamais apreenderemoso que , na verdade, o carter instrumental

    do apetrecho. A partir da pintura de Van

    Gogh no podemos sequer estabelecer

    onde se encontram estes sapatos. Em torno

    deste par de sapatos de campons, no h

    nada em que se integrem, a que possam pertencer, s um espao indefinido. Nem

    sequer a eles esto presos torres de terra,

    ou do caminho do campo, algo que pudesse

    denunciar a sua utilizao. Um par de

    sapatos de campons e nada mais.

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    Um par de sapatos. Van Gogh, 1885. Fonte: ver pg. 89.

    Aparentemente, pr-se diante de um apetrecho

    no ajudar a esclarecer o que o ser-

    apetrecho do apetrecho. Isto porque no se

    depreende a utilidade do apetrecho apenas

    postando-se diante dele. No entanto,

    completando o crculo, Heidegger nos mostra

    como este pr-se diante do apetrecho pode

    fazer vir luz o ser-apetrecho do apetrecho, a

    utilidade que repousa na sua solidez (A origem

    da obra de arte, pp. 25-26):

    Na escura abertura do interior gasto dos

    sapatos, fita-nos a dificuldade e o cansao

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    dos passos do trabalhador. Na gravidade

    rude e slida dos sapatos est retida a

    tenacidade do lento caminhar pelos sulcosque se estendem at longe, sempre iguais,

    pelo campo, sobre o campo, sobre o qual

    sopra um vento agreste. No couro, est a

    umidade e a fertilidade do solo. Sob as

    solas, insinua-se a solido do caminho do

    campo, pela noite que cai. No apetrecho

    para calar impera o apelo calado da

    terra, a sua muda oferta do trigo que

    amadurece e a sua inexplicvel recusa na

    desolada improdutividade do campo no

    inverno. Por este apetrecho passa o calado

    temor pela segurana do po, a angstia

    do nascimento iminente e o tremor ante a

    ameaa da morte. Este apetrecho pertence

    terra e est abrigado no mundo da

    camponesa. a partir desta abrigada

    pertena que o prprio produto surge para

    o seu repousar-em-si-mesmo.

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    Se o ser-apetrecho do apetrecho reside na sua

    utilidade (utilidade que no mundo), esta

    utilidade repousa na solidez (solidez que na

    terra). Graas solidez do apetrecho a

    camponesa pode lanar-se terra, e est certa

    de seu mundo. No apetrecho, mundo e terra

    esto-a. A solidez do apetrecho d ao mundo

    a estabilidade e terra liberdade. A utilidadedo apetrecho mera conseqncia essencial da

    solidez, que o ser-apetrecho do apetrecho. E

    pelo apetrecho a camponesa tem um mundo,

    porque se mantm na abertura do ente. O

    apetrecho, na sua solidez, confere ao mundouma necessidade e uma proximidade.

    A solidez do apetrecho torna evidente a terra,

    que o solo onde repousa o mundo, e instaura

    um mundo, que repousa na terra. Dito isto,

    podemos passar ao prximo eixo:

    comentaremos os termos mundo e terra com

    base na descrio que Heidegger faz da

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    pintura do par de sapatos de Van Gogh e da

    descrio do templo.

    O que terra e o que mundo na linguagem

    heideggeriana? Na obra que estamos

    estudando, terra e mundo se contrapem, esto

    em conflito. Um mundo de atividades e

    produtos humanos estabelecido pela

    domesticao e utilizao da terra sobre a qual

    ele se encontra. A terra se defende, cobrindo

    de vegetao, destruindo e reivindicando as

    nossas obras se no as vigiarmos e

    protegermos. Terra e mundo precisam um do

    outro. O mundo fica sobre a terra e utiliza as

    matrias-primas da terra. A terra revelada

    como terra pelo mundo (v. INWOOD,

    Michael. Dicionrio Heidegger. Rio de

    Janeiro: Jorge Zahar, 2002. Trecho do verbete:

    Terra, mundo, deuses e homem, pg. 188).

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    O par de sapatos da camponesa um

    apetrecho que pertence ao mundo, j que foi

    produzido pelo homem; mas revela a terra,

    quando, pelo trabalho, contribui para a

    oposio do mundo terra. O embate entre o

    mundo e a terra o que revela a terra. O

    mundo humano, a terra natural.

    Heidegger d o exemplo do templo sobre o

    rochedo. O templo pertence ao mundo, porque

    histrico, o rochedo pertence terra, porque

    natural. O rochedo e o templo constituem

    uma relao dialtica, como vemos neste

    longo pargrafo, muito importante para

    esclarecer de que modo isto acontece (A

    origem da obra de arte, p.33):

    Ali de p repousa o edifcio sobre o cho de

    rocha. Este repousar (Aufruhen) da obra

    faz sobressair do rochedo o obscuro do seu

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    suporte macio e, todavia, no forado a

    nada. Ali de p, a obra arquitetnica

    resiste tempestade que se abate com todaa violncia, sendo ela quem mostra a

    prpria tempestade na sua fora. O brilho

    e a luz da sua pedra, que sobressaem

    graas apenas merc do Sol, so o que

    pe em evidncia a claridade do dia, a

    imensido do cu, a treva da noite. O seu

    seguro erguer-se torna assim visvel o

    espao invisvel do ar. A

    imperturbabilidade da obra contrasta com

    a ondulao das vagas do mar e faz

    aparecer, a partir da quietude que a sua,

    como ele est bravo. A rvore, a erva, a

    guia e o touro, a serpente e a cigarra

    adquirem uma salincia da sua forma, e

    desse modo aparecem como o que so.

    No mesmo pargrafo, lemos a explicao para

    o que Terra.

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    A este vir luz, a este levantar-se ele prprio e na sua totalidade chamavam os

    gregos, desde muito cedo, a phisis. Ela

    abre ao mesmo tempo a clareira daquilo

    sobre o qual e no qual o homem funda o

    seu habitar. Chamamos a isso a Terra. Do

    que esta palavra aqui diz h que excluirno s a imagem de uma massa de matria

    depositada, mas tambm a imagem

    puramente astronmica de um planeta. A

    terra isso onde o erguer alberga tudo o

    que se ergue e, claro est, enquanto tal.

    Naquilo que se ergue advm a terra como o

    que d guarida.

    A terra o que, infatigvel e incansvel, est

    a para nada. Na e sobre a terra, o homemhistrico funda o seu habitar no mundo. Na

    medida em que a obra instala um mundo,

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    produz a terra. A obra move a terra para um

    aberto de um mundo e nela se mantm. A obra

    deixa que a terra seja terra (A origem da obra

    de arte, p. 36).

    O pargrafo sobre o templo acima transcrito

    deu a entender que a obra instala um mundo.

    Um mundo no a simples reunio de coisas

    existentes, contveis ou no, conhecidas ou

    no; no um acrscimo s coisas existentes.

    Heidegger diz: o mundo no o mundo

    mundifica . O mundo mais do que o

    palpvel. O mundo aquilo a que estamos

    submetidos enquanto os caminhos do

    nascimento e da morte, da bno e da

    maldio nos mantiverem lanados no Ser.

    Onde se jogam as decises essenciais da

    nossa histria, por ns so tomadas e

    deixadas, onde no so reconhecidas e onde

    de novo so interrogadas, a o mundo

    mundifica(A origem da obra de arte, p. 25).

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    O templo, o calado, ou seja, o produzido,

    concede aos homens a vista do que so eles

    mesmos e do que a natureza. O templo e o

    calado apresentam o mundo e a terra em

    seu embate essencial.

    E ento: compreendemos como o mundo e a

    terra se tornam evidentes a partir dos sapatos

    de campons de Van Gogh e do templo sobre

    o rochedo? Esperamos que isso tenha ficado

    um pouco mais claro.

    Vamos, finalmente, passar ao ltimo eixo.

    Heidegger inicia a sua investigao sobre oque uma obra de arte atravs de uma

    discusso sobre o que a coisa, onde ele faz

    uma distino entre obra, o apetrecho e a mera

    coisa.

    Definir uma coisa parece uma tarefa trivial.

    Mas trivial dar exemplos de meras coisas,

    no definir coisa. Isto porque, como vimos (na

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    exposio do primeiro eixo), os conceitos

    tradicionais de coisa so em larga medida

    insuficientes. Mas exemplos podemos dar aos

    montes: uma pedra, um galho, uma nuvem,

    uma folha, um apetrecho quebrado, um pedao

    de corda. Uma mera coisa no nem um

    apetrecho nem uma obra de arte.

    J um apetrecho inicialmente definido por

    sua utilidade; mas vimos, ao trabalharmos o

    segundo eixo, que a utilidade mera

    conseqncia essencial da solidez, e que o ser-

    apetrecho torna-se evidente pela solidez do

    apetrecho. Esta solidez foi, como vimos,

    apresentada pela obra de arte (pelos sapatos de

    campons de Van Gogh).

    E aqui se completa o crculo: a realidade mais

    prxima na obra de arte o suporte coisal.

    Vimos, ento, que para compreender o que a

    coisidade no bastam os conceitos tradicionais

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    de coisa, e que o conceito prevalecente de

    coisa tem sua raiz na essncia do apetrecho.

    Por outro lado, uma obra (os sapatos de Van

    Gogh) tornou claro o que o ser-apetrecho do

    apetrecho: a solidez. E, a partir disso, e

    comeando a rodar mais internamente no

    crculo coisa-apetrecho-obra, Heidegger

    afirma que, ao aparecer o ser-apetrecho doapetrecho na obra, veio luz aquilo que est

    em obra na obra: a abertura do ente no seu ser.

    Ou seja, a evidncia do ser-apetrecho no

    apetrecho faz ocorrer, na obra de arte, o

    acontecimento da verdade.

    isso. Heidegger d toda essa volta apenas

    para demonstrar que na obra de arte est em

    obra o acontecimento da verdade o que quer

    dizer que na obra que a verdade se cria, ou,

    se o leitor preferir, na obra que se instaura

    um mundo (o que remete ao terceiro eixo). A

    arte, portanto, na sua essncia uma origem.

  • 8/14/2019 Arte Heidegger

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    Finalmente, compreendemos o que a obra de

    arte para Heidegger. Esperamos que o leitor

    tenha apreciado a viagem hermenutica que

    empreendemos dentro deA origem da obra de

    arte.

    Fotos:

    1 pgina:Foto de Heidegger disponvel, em 18 de julho de 2006, naWikipedia, no endereohttp://en.wikipedia.org/wiki/Image:Heidegger.jpeg emodificada pelo Autor do ensaio.

    pgina 9:Um par de sapatos. VAN GOGH, Vincent. 1885. Retiradoem 18 de julho de 2006 da pginahttp://www.mystudios.com/art/post/van-gogh/van-gogh-shoes.html

    http://www.mystudios.com/art/post/van-gogh/van-gogh-http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Heidegger.jpeg
  • 8/14/2019 Arte Heidegger

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